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Por Amor A Anna
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Por Amor A Anna

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About this ebook

Quando o universitário Guido van Thool esbarra acidentalmente na bela bailarina Anna Zweig no restaurante da Loti, eles acabam em um romance de concertos de balé, marchas antiglobalização e encontros amorosos no campo de jacintos. Mesmo quando Guido é convocado para o serviço militar, o tempo não pode testar a sua fidelidade, enquanto eles mantêm a calorosa paixão com cartas de amor. Paralelamente a suas vidas, no entanto, é a de Juiz Jeremias Delahyde, um libertino posicionado no poder por seu comparsa, o ministro do governo Bartolomeu Smythe. Estas vidas paralelas colidem na véspera do Ano Novo, quando o juiz bêbado atropela Anna deixando consequências fatais. Guido jura vingança. Mas como ele pode retaliar contra um corrupto e poderoso, politicamente nomeado juiz da Suprema Corte?
LanguagePortuguês
Release dateOct 27, 2014
ISBN9781633394797
Por Amor A Anna

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    Por Amor A Anna - James Lawless

    Nove

    POR AMOR A ANNA

    James Lawless

    Traduzido por Bruna Gunther da Silva Dantas

    'Em seguida veio Fraud, e ele tinha diante.

    Como Eldon, um vestido de arminho... '

    De The Mask of Anarchy por P.B. Shelley.

    Para Catherine

    Prefácio do Autor

    For Love of Annaé meu Segundo romance foi publicado originalmente em 2009.É animador saber que a sua relevância é valorizada e que ele ainda está na demanda, o que levou a esta nova edição. Existem três principais vertentes passando por ele. Em primeiro lugar, ele pode ser lido como uma história de amor comovente — Anna é uma bailarina com quem o protagonista principal, o universitário, Guido van Thool, se apaixona. Mas Anna também é um acrônimo para os anarquistas da Nova Era,o que nos leva à segunda dimensão do romance como uma história ideológica de postagem de ideias na mente do estudante de filosofia Guido,na esteira do colapso do comunismo russo e a diluição da política de oposição, em que alternativas existem para o monólito devorar tudo do capitalismo corporativo.Anna quer orientar Guido para longe deste tipo de pensamento perigoso, mas seu amigo, o anarquista Philippe, continua o incitando. Paralelamente a vida dos amantes é a de um juiz corrupto, Jeremias Delahyde (a terceira vertente) que, literalmente, cai no mundo de Guido e Anna em uma fatal véspera de Ano Novo.

    J.L.

    Novembro, 2013.

    Prólogo

    Potência, a cidade de vidro, o centro do império em sua gloriosa constituição declarando-se a Mecca para os refugiados e migrantes pobres e oprimidos dos países pequenos, o apagador de memória, de expatrias, o Shangri-La para os candidatos do capital. Faróis laranjabrilhamnas escombreiras montanhosas para os novos edifícios que estão atirando para cima. A arquitetura tectônica de vidro lança prismas de luz em grandes ângulos trigonométricos e romboedros outetraedrosque moldam toda a cidade. Uma arquitetura para os requerentes de agora, ao contrário da arquitetura antiga, que foi construída para uma deterioração majestosa.Andares de vidro em cima de pisos de vidro, como música congelada, montadas em direção ao céu em diferentes alturas, refletindo as diferentes notas, os diferentes níveis de riquezacortando através das nuvens, trazendo tungstênio e fluorescência na escuridão da noite, tornando o tempo um dia eterno.E as grandes paredes de vidro curvam-se em direção ao rio assumindo uma aparência esverdeada passado os pilares luminosos do tribunal,a sede da justiça, e o rio brilhano reflexo da luz, iluminando rostos e pernase as saias curtas das mulheres esperando no cais. E se caminhar ao longo do rio à noite, às vezes pode-se ouvir o marulhar da água, e eles não são ondas lambendo a parede do cais, são o som primitivode remos dos barcos transportando o rio do mar, seus motores são desligados para evitar o radar da policia, o holofote que destaca todos os restos de Potência. Às vezes, pode-se fazer uma pálida lanterna branca na névoa do rio se aproximando do cais e ouvir a correria dos pés ou vozes abafadas, e sabe-se que outro lote de clandestinos chegou à cidade.

    Outras cidades tentaram imitar a arquitetura de vidro, mas elas não tinham o segredo do tom incolor e seus edifícios, apesar de sua grandeza, eram escuros e sombrios. Masa Potência tinha o segredo transmitido de gerações de burgueses da cidade. Eles sabiam que era mais do que simplesmente o uso de manganês, que a habilidade consistia na arte de seus sopradores de vidro, reconhecido como os maiores do mundo. Com eles não era apenas uma questão de um sopro hábil de vidro, mas de saber o momento exato de soprar, de saber quando a comparação foi a sua mais moldável, que foi onde a habilidade consistia em conjunto, claro, com a sua têmpera oportuna e vitrificante, uma habilidade que foi a inveja das pequenas cidades imitativas.Porque há apenas uma Potência, os burgueses proclamados, que podem produzir o mais puro vidro.

    Quando os Patrícios venceram a última eleição,os ministros desfilaram pela rua principal em uma carruagem de vidro à prova de balas.

    E no mezanino do Banco Imperialuma corrente flui ao longo das paredes de vidro transparente onde se podem apanhar peixes.

    Haviam vândalos anos atrás (alguns nostalgicamente e eufemisticamente ainda os chamam de anarquistas) que quebraram o vidro: o vidro perfurou os pneus de alguns dos quatrocentos mil carros e caminhões e dos camiões que se deslocavam pela cidade diariamente, mas depois de um tempo eles pararam de quebrar o vidro.Uma espécie de apatia se estabeleceu. Eles foram encontrados em outros lugares, de drogas e delírio e alguns deles até mesmo se juntaram á ANNA (ANarchistsof New Age). Quebrar vidro é considerado infantilidade agora, um ato de adolescentes imaturos. Então a maioria dos prédios públicos, todos os escritórios de vidro da burocracia da cidade, são deixados incólumes onde as pessoas trabalham sem impedimentos em centenas de bancos e edifícios financeiros, como plantas raras, guardadas com segurança, em grandes casas de vidro botânicos.

    Capítulo Um

    Guido van Thool, loiro cabisbaixo com pequenos óculos redondos folheando um livro, está prestes a entrar no restaurante da Loti, no antigo bairro da Potência quando ele esbarra em uma menina, derrubando as sapatilhas de suas mãos. Ele pede desculpas, pega as sapatilhas, deixa seu livro cair no processo, o pega e se levanta, enrubesce ligeiramente, enquanto seus olhos são atraídos para pernas longas bem torneadas saindo de um casaco de lã branco.

    A menina sorri inocentemente, e sua mente torna-se impregnada com a ideia de que ele acabara de esbarrar na garota mais bonita que ele já viu, e ela está prestes a ir embora.

    - Eu... Eu realmente sinto muito. -ele ouve sua voz dizendo.

    Outro sorriso, revelando o mais reto, o mais branco dos dentes. Ela está se afastando, virando as costas, girando um pouco, cuidando das sapatilhas nos braços.

    - Por favor, - Ele diz.

    Ela se vira, tremendo um pouco no frio do inverno, esperando Guido falar. Ele está procurando freneticamente, tentando encontrar uma palavra.

    - O... o mínimo que eu posso fazer é lhe pagar um café. -

    - Eu não bebo café. -

    Quão rápido e acentuado fora sua resposta.Guido ficou cabisbaixo

    - Eu já estive lá dentro, - Ela diz. – Eu tive que sair, está muito cheio. -

    - Eu conheço a Loti, -Diz Guido mais seguramente. – Ela nos arrumará uma mesa. -

    - Bem... -Ela pondera, balançando para trás seu longo cabelo ruivo...– talvez um suco de cranberry. -

    Ela sorri, enquanto o pequeno sino tilinta quando Guido abre a porta. Lá dentro o ar está inebriante com aromas de torrefação de grãos de café e forno de cozimento.É uma única grande sala com mesas simples de madeira cobertas por toalhas de mesa vermelhas e brancas brilhantes. Há uma pequena televisão em uma vara alta mostrando a cabeça de um apresentador, sua leitura é silenciada por todos os barulhos, pratos e vozes que competem uns com os outros pelo domínio.

    - Ah Guido, - Grita uma mulher com o cabelo platinado, alta e peituda através do vapor dos pratos enquanto eles entram no restaurante.Ela coloca os pratos, bastante amontoados com legumes e batatas e pés de galinha, em cima da mesa de dois estudantes esfomeados, sorrindo com indulgência para eles antes de ir até Guido. - O Philippe não vem? - Diz ela, enxugando as mãos em um avental bege.

    - Eu não sei. Ele não estava na palestra. -

    - Sentem-se aqui - Ela diz, limpando uma mesa que tinha acabado de ser desocupada perto de uma janela.

    - Desculpe, - Diz Guido – Esta é... -

    - Anna. -

    - Ah, a palavra que se faz carne. - Diz Loti, e ela pisca, mostrando seus pés de galinha.

    - Ela é esquisita. - Anna diz, enquanto Lotise afasta com o pedido deles.

    Ele a percebe olhando para as paredes enfeitadas com fotos de revolucionários passados.

    - Heróis da Loti. – Ele diz.

    - Então você é Guido. -

    - Guido van Thool. -

    Ela se concentra nele agora pela primeira vez, em seu rosto enquanto ele coloca seu livro no canto da mesa e remove os óculos os segurando nervosamente, ela percebe, com as duas mãos em cada braço, ponderando, talvez, onde colocá-los, e ela vê o ligeiro cansaço visual, a pequena força na ponte do nariz e  –  aprovativamente  –  os ossos das bochechas altas situado num rosto esteticamente bonito.

    - Anna Zweig. -

    Ele sente o calor ainda na palma da mão dela devido às luvas que ela remove enquanto eles apertam as mãos.

    - O livro. -Ela diz olhando para baixo, quebrando o constrangimento do silêncio momentâneo.

    - Eu costumo estudar aqui. -

    - Com todo esse barulho? -

    - Eu gosto do barulho. -

    - Qual é o livro de qualquer maneira? -

    - Nietzsche. -

    - Você estuda filosofia? -

    - Sim. -

    - Eu perdi todas essas coisas de estudante, - Ela diz. - Você deve se divertir muito como um estudante, com todas as manifestações e as coisas para mantê-lo entretido. Fale-me sobre esse Nietzsche. O que ele tem a dizer sobre o mundo? Deixe-me ver. –

    Ela pega o livro, um livro preto brilhante, com uma imagem de um homem solene com olhos profundos arregalados e um bigode enorme e espesso obliterando sua boca. - Os cantos das páginas, - Ela disse, folheando o livro, - Elas estão... Você...? –

    - Temo que sim. -

    -... Você come papel? -

    - Não como, mastigo. -

    Ela ri.

    – Porque raios...?–

    - Eu não sei a razão, -Diz ele com desdém. – Mas você me perguntou o que Nietzsche tem a dizer sobre o mundo. -

    - Perguntei. – Ela diz ainda sorrindo.

    - Bem, você sabe o óbvio, claro... - (ele espera momentaneamente, mas ela não responde)... - Que Deus está morto, que só existe este mundo e nenhum mundo além dele? É por isso que... -.

    - Sim? – Ela diz.

    Os óculos que ele ficou segurando o tempo todo - uma ajuda para gesticulação, ela pensa -Ele dobra e coloca em um bolso interno do seu casaco.

    -... É por isso que devemos tentar aperfeiçoar este mundo, se é tudo o que temos. -

    Ela olha para ele com curiosidade.

    - Você existe mesmo, Guido van Thool? -

    Loti chega com as bebidas e dois pães de creme em um prato.

    - Por conta da casa, - Ela diz - para a nossa novarecruta. -

    - O que ela quer dizer com recruta? – Anna sussurra, enquanto Lotise afasta para anotar o pedido de outra mesa.

    - Essa é aLoti, - Diz Guido. – Ela tenta...Como hei-de dizer? Evangelizar cada recém-chegado ao restaurante. –

    - Evangelizar? -

    - Desculpe, - Ele diz, incapaz de evitar o olhar paraa respiração maravilhosa em sua regata branca. – Veja só, você está no covil dela. Ela quer conquistá-la, transformá-la em uma revolucionária. -

    Anna sorri, levando o pão até sua boca.

    - E o método dela é pão de creme. –

    Ele ri.

    - Suas intenções são boas. -

    - E você, você tenta evangelizar também? -

    - Não, mas eu entendo o problema. -

    - O problema? -

    - Sim, - Diz Guido, - é uma das essencialidades da linguagem. -

    - Ah é mesmo. -

    - Sim. O homem impõe significados sobre o mundo de acordo com seu próprio gosto para a sobrevivência. -

    - O que é que isso quer dizer? – Ela diz, escavando o creme para sua boca com o dedo.

    - Isso significa que somos agentes livres. O mundo não é uma certeza universal. Nós impomos nossas próprias interpretações sobre o mundo, não através de um inquérito honesto, mas por outro motivo, para o ganho, e depois nós fingimos que essas interpretações são universais e... -

    - Devagar. -Ela grita.

    - Desculpe, o que eu quero dizer é...-

    - O que você quer dizer é que todos nós tentamos convencer os outros de que as nossas mentiras são verdade. -

    - Exatamente, -Guido diz com admiração. – É exatamente isso. -

    - E porque você não disse isso para começar? -Ela diz ironicamente.

    As mãos dela se moveram em direção as dele. Foi acidental? Dedos longos, como de uma pianista; unhas: meias luas perfeitas, verniz incolor, não berrante como a de algumas meninas, ele pensa. Ele leva seu prato acabado para o meio da mesa, uma desculpa para os seus dedos se moverem lentamente para frente; um toque trêmulo das pontas; o topo sensível da mão; um roçar de borboletas. Ela olha para baixo, sorri, não move sua mão. O que elepode dizer a ela? Ele quer perguntar a ela onde ela mora, de que planeta paradisíaco ela vem. Em vez disso ele diz,

    - Nosso professor diz que existem estas forças o tempo todo, essas pressões da sociedade, dos mestres. -

    - Mestres? -

    - Aqueles que nos controlam. Você nunca sentiu essas pressões? -

    - Eu nunca pensei sobre isso. - Ela diz.

    - Quero dizer aqueles que nos forçam a cortar o mundo em pedaços, para dissecá-lo para fins capitalistas... -

    - Você é comunista? -

    - Não, não, é só que...É por isso que o mundo perdeu o seu equilíbrio. Está tudo quebrado. -

    Ela olha seriamente direto em seus olhos.

    - É isso o que você pensa então, que o mundo está todo quebrado? -

    - Basta olhar o noticiário qualquer noite, - Ele diz, lançando os olhos na direção da TV. – O que você vê? Uma série de... – Ele para. Porque ele está falando assim com ela? Suas palavras eram para impressioná-la não dar a ela aquele olhar sério (que é a sua preservação), não para diminuir a covinha de seu sorriso como uma nuvem sombria pressionando sobre ela.

    Um bocado de creme repousava no queixo dela, ele adoraria lamber, uma desculpa (uma oportunidade?) para trazer seus lábios para perto dos dela. Ele deveria apontar para o creme? Poderia constranger, especialmente para alguém que você acabou de conhecer. Tais pensamentos, no entanto, são subitamente anulados pela ação espontânea da língua dela atirando para fora, deslizando para baixo do queixo para recolher, em um movimento relâmpago (como a de um lagarto, ele pensa), o bocado de creme.

    - Uma série de? -

    - Desastres. –

    Enxugando os lábios com o guardanapo, que é vermelho e branco combinando a toalha, ela diz,

    - Você é um sujeito muito solene, Guido van Thool. –

    - Nietzsche diz que piadas são epitáfios sobre a morte de sentimentos. - Porque ele disse aquilo? Ele se pergunta. Apenas escapou da sua cabeça como a língua escapou da boca dela. Mas na verdade não. As ações dela eram espontâneas, já as suas eram condicionadas. Um pedante exibindo-se.

    - Ele diz, não é? -

    - Sim, - Diz Guido (tarde demais para retrair).

    - É hora de você parar de ler Nietzsche então. -

    Ele sorri.

    - Desculpe. Estou entediando você. -

    - Não, está tudo bem. Nós somos o que somos não somos? Além disso, eu concordo com tudo que você diz. -

    - Concorda? -

    - Sim. É por isso que eu danço - Ela joga a cabeça para trás, soltando os cabelos. - Eu danço para longe de todos os pensamentos que estão na minha cabeça. -

    - Você é bailarina? -

    - No Ballet Nacional. -

    - Isso é incrível. - Ele diz.

    - É um trabalho duro. -

    Ela ri, terminando seu suco, seu dedo mindinho estende-se, Guido nota, cada vez que ela bebe.

    - Eu nunca tive tempo para essas coisas. -

    - Por quê? -

    - A especulação. Para mim é apenas dedicação a uma coisa. -

    Ela faz uma pausa, olha em volta do restaurante. As janelas estão embaçadas; ela não consegue ver a rua, e há um constante tráfego de pessoas entrando e saindo pela porta. Loti está em um canto em polêmica com vários alunos.

    - É hora do almoço, - Disse Guido, - por isso está cheio. -

    Ela se curva alcançando os pés.

    - Você se importa se eu tirar o meu sapato? -

    - Tire tudo o que quiser, - Diz Guido. - Me desculpe não quis dizer... - O que ele está dizendo? Ele não consegue falar com mulheres; ele não tem o dom.

    Ela sorri, sem sentir-se ofendida.

    - Às vezes os meus dedos doem. - Ela diz.

    - Quanto tempo você gasta nos dedos do pé? - (Mais uma vez a ambiguidade. Por que ele não pode fazer uma pergunta simples e direta?) - Quero dizer, em determinado momento? -

    - Oh horas, - Ela diz, - em ensaios. Eles ficam apertados e com bolhas. Eu tomo vinagre de cidra. -

    - Mesmo? -

    - Meu dentista diz que vai apodrecer os meus dentes, mas ele mantém fora a inflamação dos meus pés.-

    - Parece heroico. -

    - É que... - Ela resmunga quando tira o sapato... - se alguma coisa der errado, você sabe, eu coloquei todas as minhas conchas na mesma cesta. -

    Guido sorri.

    - Você quis dizer ovos. -

    - Não, eu quis dizer conchas, - ela diz quase irada. - Mas olha o que você fez comigo. -

    - O que eu fiz? - Diz Guido.

    - Você me deixou séria como você. Vou ter que iluminar esses olhos, - Ela diz sorrindo novamente, examinando o rosto dele. - Azul cobalto. -

    - O que? -

    - A cor dos seus olhos. -

    Ela olha para o seu relógio.

    - Preciso ir. -

    - Tão cedo? -

    - Temo que sim. Obrigada pelo suco e pelo pão, que, aliás, eu não deveria ter comido. Se eu vomitar no palco eu vou te culpar. -

    - Desculpe, eu... -

    Ela recoloca o sapato e pega a sapatilha.

    - Não fique tão triste Guido van Thool. Pode nunca acontecer, toda a melancolia que você prevê. - Ela se levanta da cadeira. - Aqui, - Ela diz dando a Guido um ingresso, - venha ao ballet. -

    Capítulo Dois

    Juiz Jeremias Delahyde fica na janela da sacada de seu escritório na sua casa em Harmony Hill no subúrbio rico suavizado por árvores de Potência. Ele está segurando um copo de conhaque e fumando de um tubo que tem uma tampa de prata e uma longa e fina haste marrom e branca. A fumaça sobe em pequenas fendas na tampa de prata enquanto o juiz, em seu terno cinza transpassado e camisa branca e gravata de seda vinho, olha para fora em seu quintal espaçoso. Através da abertura arqueada na sebe de louro ele vê sua neta, Esmé em seu avental e suas pequenas galochas vermelha ajoelhada para cuidar da horta. Ela está amarrando suas vagens de canas de bambu, plantas que ela orgulhosamente plantou a partir de sementes. Pequena Esmé, a educadora, amorosamente cuidando de suas vagens, conversando com elas. Sua vozinha, ele não consegue ouvi-la, mas ele consegue ver seus lábios movendo-se em um ritmo acelerado censurando, bajulando, forçando as ervilhas a descascarem e explodirem para o mundo, tudo graças à gentileza de uma menininha, um pouco inocente. Quando ela vai aprender o seu lugar no mundo? O juiz se pergunta. Em que idade ela vai aprender a maldição de seu sexo? Ele ouve a voz de Irina da cozinha chamando Esmé para dentro

    - Ah vovó, só mais um pouquinho, por favor, vovó. - Mas Irina é firme.

    - Está escurecendo, Esmé e está frio. - Firme e amorosa, sempre o seu jeito com sua neta, talvez até mais protetora do que a própria mãe de Esmé teria sido, e a menininha com relutância, mas obedientevai para dentro de casa.

    O juiz repousa o cachimbo num cinzeiro de vidro em sua mesa de mogno com tampo de couro, pega um frasco do bolso do peito e insere uma tintura na narina direita de seu nariz torto. Seu nariz torto:uma aberração,fora do comum, quebrado em um jogo de rugby, ele orgulhosamente ostenta, há muito tempo, sendo responsável por seu problema de sinusite agora. Ele devolve o frasco ao bolso do peito e levanta o seu cachimbo, tragando sem parar para mantê-lo aceso. Ele afrouxa o nó da gravata ederrama para si mesmo outra medida generosa de conhaque de uma garrafa de cristal de chumbo (O melhor de Potência), descansando na borda espelhada da sua mesa de bebidas que joga fora prismas de luz das chamas do fogo. Ele bebe contente, sentindo o calor em suas costasenquanto as chamas da lareira de mármore branco saltam e crepitam a partir de madeira recém-cortada,e provocam altas sombras na parede da sua sala de estar. O jardim, em contraste, parece melancólico. Um orvalho caiu sobre seu gramado bem cuidado (apesar dos esforços de Esmé, ele emprega um jardineiro para o trabalho mais pesado), e árvores altas, com folhas largas escondem altos muros de fronteira, fora da vista dos vizinhos e do som do tráfego. Um paraíso, o que uma casa deve ser para alguém de tal estatura.

    Esmé Delahyde vive com os avós desde a trágica morte de seus pais quando ela era um bebê, uma tragédia que nunca tem permissão para ser mencionada na casa dos Delahyde.

    No primeiro ano de seu casamento, Jeremias e Irina Delahyde tiveram um filho, Benito (em homenagem a Mussolini que era admirado por Jeremias). Quando Benito cresceu – para a decepção de seu pai – ele mostrou nenhuma das características fortes de seu homônimo, e era um tanto insignificante e afastado. Ele era próximo a sua mãe e se rebelou contra seu pai devido ao mau tratamento que ele dava a ela. Depois disso não houve outra opção para Benito a não ser ir embora de casa, o que de fato ele fez em uma noite de tempestade, antes mesmo de sair de sua adolescência. Ele casou-se novo – por desespero, talvez – ‘alguém ralé’ segundo o juiz. O casal teve uma filha chamada Esmé, mas até então Benito já era alcoólatra, e o relacionamento estava sobtensão. Irina, em uma tentativa de salvar o casamento de seu filho, deu dinheiro ao casal para um feriado, uma espécie de lua de mel tardia que eles nunca tiveram, dizendo que ela iria cuidar Esmé enquanto eles estavam fora.

    O avião em que o casal viajoufoi atingido por um raioenquanto voava sobre os Alpes italianos a caminho de Veneza (por recomendação de Irina - ela ponderou tantas vezes), onde ela passara sua própria lua de mel. Era para ser um lugar, um consolo para um evento.

    - Vão lá – Ela disse a eles –é tão lindo -O avião caiu. Não houve sobreviventes.

    Irina não consegue se perdoar pelo que aconteceu.É tudo culpa dela queEsméé órfã agora. Quanto a Jeremias, ele sente nenhum escrúpulo em voar em seu avião particular. É a despeito dela, Irina sente, pelo que ela havia feito. Ele mostra a ela nenhuma simpatia enquanto ela ainda chora todas as noites na cama dela, apesar do lapso de tempo.

    - Aquele filho era um vagabundo, um ingrato, -Ele diz repetidamente – e o que ele sofreu foi simplesmente o destino se vingando, como faz com todas as criaturas fracas. -

    Então Esmé permaneceu permanentemente onde originalmente ela tinha sido apresentada temporariamente, masJeremiasDelahydenão se opôs a este arranjo. Na verdade, ele gostava de Esmé, A primeira e talvez única mulher que ele já confessou gostar, se pode chamar isso de gostar.O que ele queria dizer era que não se sentia ameaçado por ela. Ele teve um relacionamento fácil com ela. Ele cedia a inocência, ao questionamento infantil que, ao contrário do mundo jurídico, era formulado sem condições prévias. Ele podia relaxar com ela. Ela era comprovadamente tão carinhosa; os abraços calorosos ao avô antes da pequena criatura ir para a cama iluminaram toda a escuridão de seu mundo. Isso o fez sentir paternal ou talvez avuncular se um avô pode sentir tal coisa. A fêmea não é uniforme, ele pensa, maravilhando a si mesmo por tal realização tardia da vida.

    Esta noite, o juiz está brincando de guerra. Ele tem exércitos nas cores cáqui com bandeiras avançando em uma das extremidades da mesa eoutros exércitos em capacetes cinzentos e longos mantendo o pé firme no outro. Ele tem centenas de soldados modelo, soldado de infantaria, principalmente, e com seus longos dedos ossudos ele posiciona as pequenas figuras de chumbo estrategicamente, como um menino pequeno brincando: os soldados em cáqui com seus lança-chamas prontos para atacar os tanques de cinzas do inimigo ou outras figuras com fuzis ou metralhadoras marchando em direção a outros soldados de infantaria. A delimitação das características dos soldados dos dois exércitos é muito realista com as pernas das calças cheias em suas botas, vincado e salientes, e os capacetes dos soldados de uniforme cáqui com suas tiras descuidadamente soltas.

    Esmé passeia na sala vestida com um tutu de gaze com um grande laço cor de rosa em suas costas. Ela tem olhos cinzentos bastante aborrecidos, pequenos como os do avô, elaé bochechuda e com sardas; uma criança indulgente desde a morte de seus pais, ela tem o hábito de olhar com a boca aberta em uma letra O permanente (apesar da advertência de Irina que ela poderia acabar permanentemente assim).

    - Ah Esmé, - Ele diz – venha aqui e sente-se no meu joelho. Você estava em sua aula de ballet? -

    - Sim, vovô, -guincha Esmé, pulando em cima de joelho esquerdo de seu avô, desembaraçado com a finalidadesob sua mesa.

    - E como você se saiu? –Ele diz,envolvendo-a em seu enorme braço.

    - Alguns dos passos são difíceis. -

    - Continue minha pequena bailarina. -

    Ela examina a mesa.

    - Você brinca com soldados, vovô? -

    - Brincar com soldados, você diz. – Ele ri. - Sim, eu suponho que sim. Você vê eu posso fazer qualquer lado que eu desejar ganhar. Essa é a diversão, o poder é dado a um. As vezes eu deixo um lado ganhar, as vezes

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