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1
Univ
versidade de Sãão Paulo, Brasiil (USP) – Programa de Pós‐GGraduação em E Educação, Facu
uldade de Educação.
apagaan@usp.br
2
Univ
versidade Federal da Bahia, B Brasil (UFBA) –– Programa de Pós‐Graduaçãão em História Filosofia e Enssino de
Ciênciias, Instituto de Biologia; *Bo
olsa de doutoraamento: FAPEMMAT
PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções
sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
tipificação desvalorizante e estereotipada do diferente (JODELET, 1998, p.
50 – 51).
Tal discussão sobre o duplo processo de definição dos espaços da
alteridade/ipseidade, pouco interessou à psicologia social, que tratava
principalmente das formas concretas de sua exposição, como as relações raciais.
Esta postura foi insuficiente para compreender a alteridade como produto e
processo psicossocial. Contudo, a abordagem empregada pela Teoria das
Representações Sociais permitiu um melhor entendimento da influência simbólica
sobre a construção/exclusão social que é subjacente à esta noção (JODELET, 1998).
Moscovici (1978, p. 41), percebeu que as pessoas organizam suas ações
cotidianas partindo de opiniões elaboradas segundo experiências empíricas suas e
dos que estão diretamente relacionados consigo. Estas experiências são difundidas
pela comunicação intersubjetiva ou por mecanismos de comunicação em massa,
tais como, a tv, o rádio, os livros, as revistas, e atuam na formação de “entidades
quase tangíveis que [...] cruzam‐se e se cristalizam incessantemente através de
uma fala, um gesto, um encontro em nosso universo cotidiano” – As representações
sociais.
Este pensamento teria sua gênese na comunicação social. Os símbolos recém
introduzidos, ou edificados no grupo, são agrupados a outros, que os
contextualizam, que explicitam seus sentidos. Uns, mais arraigados a valores do
grupo, servem de base para ancoragem dos novos. Este esquema de concatenação
de símbolos define um grupo de conceitos.
A fixação de um conceito é reflexo de um conflito de interesses que se estabelece
no interior do grupo. Promove o debate e a demarcação das prioridades do
conjunto, do que há em comum aos seus membros. No processo de comunicação e
construção simbólica, os grupos afirmam ou re‐elaboram os próprios contornos. E
o processo de pensamento reflete, portanto, uma organização social.
Moscovici (1978, p. 41) afirma que “as representações sociais correspondem,
por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática
que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma
prática científica ou mítica”.
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sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Deste modo,
Este saber prático explicita, nos sentidos e significados que carrega, o processo
coletivo que o estabelece, pois resulta de um conflito de interesses; opiniões,
atitudes e ações de um grupo. Assim, atualiza e defende uma identidade social,
promove a dupla construção da ipseidade/alteridade deste conjunto frente a
outros. Neste sentido, constituição do conceito “ser humano”, para a sociedade
contemporânea ocidental, seguiria padrões análogos frente a fenômenos e
organismos não‐humanos?
Há uma luta da sociedade contra a natureza. Um inimigo, ligado ao ambiente
externo e outro ao interno ao humano, que deve ser analisado, compreendido e
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sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
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controlado. Conhecer e dominar o selvagem é questão de sobrevivência
(MOSCOVICI, 1974; 1975).
A relação proposta entre os homens, os animais, e os demais organismos vivos,
apresentada pelas teorias evolucionistas, ou mesmo pelos primeiros estudos
anatômicos, que datam de muito antes, implicaram na produção de argumentos
para pensar esta dupla oposição selvagem/doméstico.
Hoje em dia, coloca‐se como possibilidade, por exemplo, pensar a vida humana
intra‐uterina ainda no zigoto. Também, a própria manipulação da vida que tem
levantado controvérsias, começa a naturalizar‐se. Fertilização invitro é um
conceito bastante popular, em breve, provavelmente também, o serão os
transgênicos e a clonagem.
O artificial é incorporado à construção do que se diz condição humana. Parece
possível pensar, nesta perspectiva, a construção de um humano artificializado, a
exemplo do produto cibernético apresentado na ficção em analogia à imagem
ecográfica de um feto.
As teorias evolutivas colocam este processo em questão quando apresentam o
homem no mesmo patamar biológico que os demais organismos vivos, entretanto,
tal representação parece esquecida ou desestimulada por um processo social mais
amplo, sobre a própria essência do humano frente à sociedade que se coloca em
luta contra a natureza selvagem do ser.
O que faz com que o humano seja humano? Perguntou Moscovici (1974). Esta
questão está na base dos questionamentos de diversas culturas. O homem ‐ cultura
e/ou natureza, é uma questão universal, um temata que embasa boa parte das
construções simbólicas emergentes.
Segundo Moscovici, os novos símbolos são alicerçados em outros pré‐existentes,
formando conceitos. Alguns destes, de proporção maior, presentes em diferentes
grupos culturais, tendem a permanecer, são pouco mutáveis, e estão na base da
própria idéia de vida coletiva, estes conceitos são definidos como tematas. Um
deles, refere‐se à relação entre natureza e cultura na base da construção social do
“ser humano”.
Além da cisão, que se fundamenta neste temata, foi construída uma gradação
entre o homem selvagem e o domesticado. Cada época cria aquele que melhor se
enquadra no papel do selvagem.
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sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
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Uma grande oposição se coloca, atualmente, na relação entre o saber científico,
“domesticado”, e o saber popular, cotidianamente construído (MOSCOVICI, 1974).
Esta dissensão, que aposta em um conhecimento científico neutro e analítico,
permeia ainda hoje a produção científica e tecnológica, principalmente dos países
ocidentais, e se mostra como construtora e definidora do que se entende por
conhecimento.
O ser humano, neste movimento, experimenta algo que Moscovici chama de
pensar por procuração. O especialista é quem atesta sobre coisas e questões
intrínsecas da pessoa comum. Por exemplo, o médico é quem está habilitado a
dizer se alguém sente‐se bem ou mal. Independente, do estado manifestado pelo
próprio ator social.
A realidade é dinâmica, o pensar é intrínseco ao homem comum, que apresenta
suas lógicas próprias, diferentes do pensamento científico positivista, mas que são
tidos em mesmo grau de importância. Não são melhores ou piores, mas diferentes.
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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções
sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
A Teoria das Representações Sociais, de Moscovici, aparece em sintonia com
este movimento. Propõe a valorização do conhecimento cotidiano, e preocupa‐se
por entender como o conhecimento é transferido de um contexto social para outro,
bem como sua difusão dentro de determinado grupo.
Neste caso, um primeiro passo rumo ao entendimento das construções sociais
do “ser humano” e as influências dos conhecimentos biológicos nesta questão,
busca‐se descrever uma proposta de pesquisa empírica que tem sido desenvolvida
no contexto brasileiro.
A origem do universo, da vida, do homem; a relação ser humano cultural e
natural; as concepções de vivo, não‐vivo e morto; e assuntos pertinentes à
evolução dos seres vivos, são enfaticamente debatidos nos cursos de formação de
biólogos e professores de biologia. Parece comum que tais discussões tragam
implícitas algumas questões existenciais. O que, muitas vezes, contribui para que o
aluno sinta‐se aflito e busque conciliar a nova informação ao seu mundo
conceitual. Identidades culturais são frequentemente revistas e comportamentos
alterados.
Os conteúdos sobre origem da vida e do universo, apresentam constantemente a
questão de onde viemos. Na temática ambiental, ecológica, da relação homem e
natureza; homem e cultura, quem somos. Por fim, na discussão sobre a vida (vivo,
não vivo e morto), fluxo de energia e ciclagem de nutrientes, parecem emergir
reflexões sobre para onde vamos.
Conflitos de ordem cognitiva e afetiva apresentavam‐se com maior vigor ao
serem confrontados conteúdos sobre os antepassados humanos, a valores
culturais. As questões, de onde viemos, quem somos e para onde vamos, por fim,
emergem de um sistema complexo de interação entre as diferentes disciplinas de
cunho evolucionista, cuja confluência incitaria um possível entendimento sobre o
humano e o desumano.
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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções
sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
A contribuição da educação científica e religiosa na formação do conceito de
humano relaciona‐se à construção dos limites do que se entende por cultura e
natureza. A estrutura desta noção possivelmente produz implicações para as
discussões, dentre outras, sobre ética, quando são colocados em pauta argumentos
sobre pesquisas com seres vivos; meio ambiente, na adoção de atitudes de respeito
ou desrespeito ao meio natural e, cidadania, na construção de normas e regimentos
de proteção da vida e da promoção da qualidade de vida. A opção por imprimir um
enfoque educacional a este trabalho vincula‐se ao fato de que nestes três campos a
educação tem sido fecunda na formação da consciência crítica dos cidadãos.
O ensino de evolução tem sido reconhecido, tanto como parte relevante para a
compreensão da biologia moderna, quanto da própria ciência. Nos últimos 2 anos
diferentes publicações de alguns periódicos especializados retratam pesquisas
sobre concepções de estudantes, imprecisões conceituais e influências ideológicas
em livros didáticos. Muitos artigos partem da preocupação com relações entre
evolucionismo e criacionismo, dentre eles Tidon e Lewontin (2004); Brem; Ben‐Ari
(2004); Hofman; Weber (2003); Ranney e Schindel (2003).
Nesta pesquisa, propõe‐se a descrição de determinado objeto sob o ponto de
vista de um grupo social dinâmico envolvido pelas questões globais da sociedade,
levando‐se em conta suas histórias pessoais e grupais. Sá (1998), considerando tal
perspectiva, destacou que a delimitação do objeto de estudos em representações
sociais leva em conta o elemento representado e os sujeitos que o representam.
A abordagem da noção “humano”, neste caso, enquadra‐se na análise de
conexões psicossociais estabelecidas entre os saberes científicos e religiosos
dentro de um curso da área biológica.
A teoria das representações sociais proposta por Serge Moscovici em 1961, que
tem proporcionado uma visão holística da vinculação entre os processos cognitivos
e as interações sociais, manifesta‐se como um referencial adequado para nortear
esta pesquisa. Segundo seus princípios, ao analisar o conteúdo do objeto
representado é possível verificar nele, as características identitárias dos sujeitos
que representam. E permite uma abordagem do conhecimento do senso comum,
levando‐se em conta as suas informações, crenças, atitudes, ideologias,
sentimentos e imagens.
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PAGAN, A.; Bizzo, N. & El‐hani, C. (2007) O conhecimento biológico e as construções
sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
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As tradições religiosas preponderantes neste grupo reúnem elementos de cunho
cristão, basicamente, católicos e protestantes. Ao tratar deste tema, destaca‐se o
trabalho de Sepúlveda (2003), que identificou, em um estudo desenvolvido com
alunos protestantes do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de
Feira de Santana, na Bahia, possíveis conflitos entre valores religiosos,
apresentados por tais estudantes, e conceitos fundamentais à noção de
evolucionismo.
Ao definir que um saber prático elaborado no contexto cotidiano de grupos
humanos se constitui em uma representação social, Denise Jodelet apresentou três
perguntas e respectivas problemáticas que “são interdependentes e abrangem os
temas dos trabalhos teóricos e empíricos”, no campo da teoria de Moscovici: Quem
sabe e de onde sabe, referindo‐se às condições de produção e de circulação das
representações sociais; o que sabe e como sabe, a propósito dos processos e estados
destas noções; e sobre o que sabe e com que efeitos, referente ao estatuto
epistemológico das representações sociais (JODELET, 2001, p. 28).
Ao indagar quem sabe e de onde sabe, referindo‐se às condições de produção e
circulação das representações sociais
Neste caso, alunos universitários, vinculados ao curso de Ciências Agro‐
ambientais, que serão formados em Biologia ou em Agronomia, pela Universidade
do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) do campus de Tangará da Serra, Mato Grosso
(MT). Esses discentes desenvolvem suas atividades acadêmicas em um Estado
Federativo que, em regra, é potencialmente agrário. Especificamente, interatuam
em uma região latifundiária, de monoculturas como a soja e a cana‐de‐açúcar,
entremeadas por algumas pequenas propriedades rurais de economia familiar,
resultantes do processo de reforma agrária.
Espera‐se com a aplicação do questionário a todos os alunos do referido curso,
estabelecer um senso, dos subgrupos de estudantes entendidos dentro de um
gradiente que vai de crenças totalmente religiosas com pouca influência
evolucionista, até o pólo oposto/complementar de concepções evolucionistas e
ateísmo. Buscando‐se analisar variáveis vinculadas à atividades acadêmicas, bem
como culturais que contribuem para tais posicionamentos.
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sociais do “ser humano”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
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Ao referir‐se aos processos e estados das representações sociais, Sá (1998, p.
32), explicou que devemos nos ocupar
[...] dos suportes da representação (o discurso ou o comportamento dos
sujeitos, documentos, práticas, etc.), para daí inferir seu conteúdo e sua
estrutura, assim como da análise dos processos de sua formação, de sua
lógica própria e de sua eventual transformação.
As decalagens, traduzidas do francês como defasagens, referem‐se às influências
da comunicação na emergência de representações sociais. Segundo Jodelet (2001),
o fato das representações sociais serem reconstruções do objeto, expressões dos
sujeitos podem ocasionar defasagens no conteúdo expresso, devido à influência de
valores e códigos coletivos, das implicações pessoais e dos engajamentos sociais
dos indivíduos. Isto produz três tipos de efeitos ao nível de conteúdos
representativos: distorções, suplementações e subtrações.
No caso das distorções, o objeto é apresentado em todos os seus aspectos,
entretanto alguns são acentuados e outros atenuados. A suplementação define‐se
pelo acréscimo de atributos, que não lhe são próprios, ao objeto representado
(JODELET, 2001). A subtração corresponderia à supressão dos atributos
apresentados pelo objeto.
Portanto, as questões sobre o que sabe e com que efeitos, tratarão das possíveis
defasagens sofridas pela passagem do conhecimento sobre o conceito de humano,
do contexto científico, para o universo consensual das representações sociais,
analisando‐se, neste caso, também o papel da mediação didática.
Nesta análise todos os dados coletados serão imprescindíveis para a elaboração
da relação entre ciência e religião nas concepções dos universitários. E
principalmente, as informações levantadas em suas histórias pessoais, que
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contribuirão para elucidação de hipóteses relacionadas à variáveis externas à vida
universitária.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Uma abordagem empírica para o entendimento do conceito de ser humano,
construído por possíveis professores de biologia, apresenta‐se como fecunda para
o (re)pensar sobre o papel do biólogo na construção e no debate deste conceito
junto aos ao corpo social. Esta possibilidade pode levar à edificação de um ensino
de ciências que respeite as idéias cotidianas apresentadas pelos discentes. Além
disso, busca‐se compreender este processo em uma perspectiva multicultural, que
coloca a ciência como uma cultura, e o ensino/aprendizagem de ciência, torna‐se
um processo de enculturação que prevê a aproximação e o diálogo com uma
cultura cotidiana, previamente construída pelo ator social, participante do
processo de ensino/aprendizagem.
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