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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
':" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
i[_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
. dissipem e a vivencia católica se fortaleca
_s
■" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
A IN U Vil

*■ ' ^ 75
M A R C <

I 9 6
ÍNDICE

I. CIENCIA E RELIGIAO

J) "Como.viveria um komem destituido de 'sensagoes ?

As experiencias modernas feitas neste setor poderiam suge- ,


rir algo de importante para a orientando do comportamento dos '
ho-mens ?" 99

II. FILOSOFÍA E RELIGIAO

2) "Quisera conKecer mais alguns famosos proverbios que


que constituem o patrimonio da sabedoria humana.
Cf. 'P.R.' 70/196S, qu.le 7Í/196Í, qu. 1" 10$

III. SAGRADA ESCRITURA

S) "Que significam as palavras de María: 'Nao conheco varño'


(Le 1,3i), proferidas em resposta ao anjo que Ihe anunciava o
misterio da EncarnacSo ?

Implieam que María tivesse feito o propósito ou o voto de


conservar a virgindade ?" US

IV. DOGMÁTICA

i) "Como se pode entender que María tenha permanecido


virgem no parto ?
Nao haverá nisso urna contradigño ?"

. V. MORAL N

5) "Hoje em dia fala-se de ressurreic&o e imortalizagáo do


homem por processos meramente científicos, sem recurso a Deus
e a valores religiosos. O hometn se tornará o autor da sua imor-
talidade, dizem.

Quisera saber qual o fundamento de tal afirmagdo © como a


julga a consciéncia crista" 1S7

OOM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano Vil — N? 75 -- Marco de 1964

I. CIENCIA E RELIGIÁO

ALOÍSIO (Eecife) :

1) «Gomo viveria um homem destituido de sensacoes ?


As experiencias modernas feitas neste setor poderiam su
gerir algo de importante para a orieñtacáo do comportamcnto
dos homens ?»

O uso dos sentidos externos é táo natural ao ser humano


que mal temos consciénda do que élé representa para nos;
torna-se realmente difícil imaginar o que viria a ser um indi
viduo destituido de seus sentidos.
Verdade é que conhecemos seres humanos privados de um
ou dois sentidos (os- cegos, os surdos...). Acontece, porém,
que a falta désses sentidos em tais pessoas é compensada pelo
aprimoramento dos outros.

Assim o ouvido nos cegos é extremamente apurado; percebe o


mínimo estalo dos movéis, o mínimo ruido de sópro...; os cegos sao
par vézes, como se diz, os melhores afinadores de piano. Igualmente,
o tato está muito desenvolvido nos cegos, de modo a Ihes permitir a
leitura pelo método de Braille.

Em conseqüencia, as pessoas destituidas.de um ou dois


sentidos nao possuem vida sensitiva menos intensa do que as
pessoas sadias. Nao poderiam, portante, ser tomadas como
criterio para se avaliar o que viria a ser um individuo total
mente privado de sensagóes.
Conscientes disto, os estudiosos, nos últimos tempos, em-
preenderam tentativas destinadas a extinguir.da maneira mais
cabal possível toda á vida sensitiva do individuo sadio e ave
riguar qual o seu comportamento em tais condigóes.

Abaixo referiremos o teor de tais experiencias e procuraremos for


mular algumas conclusSes dai decorrentes.

— 99 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 75/1964, qu. 1

1. As experiencias

a) Os precedentes

O que champú a atengáo dos sabios para as consecuencias


da total privagáo de sensacóes, foi o seguinte: certos trata- ,
mentos, aplicados a determinados pacientes, curam-nos, sim,
de seus respectivos males, mas desencadeiam néles síntomas
muito surpreendentes, síntomas que parecem ser os de doenga
mental.

Assim individuos atetados de poliomielite... Sao colocados em


pulmOes de ago... Mas nao raro entraña em fases de agitagáo, an-
siedade e alucinagao.
Pacientes operados de catarata ocular... Tém que permanecer
estendidos, com os olhos vendados, em toda a calma, durante varios
dias a fio, sob pena de prejudicar a intervencao cirürgica. O médico
americano Dr. Ziskind observou que alguns désses doentes, apesar
do risco de perderem a vista, arrancavam a venda dos olhos e se de-
batiam em agitacáo anormal, á semelhanca dos poliomielíticos encer
rados no seu pulmáo de acó.

Tais casos provocaram o interésse dos estudiosos, que se


puseram a procurar a causa das anomalías verificadas. Para
isto, recorreram a individuos voluntarios, que, gozando de plena
saúde física e mental, foram incluidos em pulmóes de ago. Ora,
embora nao estivessem afetados de poliomielite nem de debili--
dade mental, passaram a sofrer das mesmas perturbagóes nervo
sas que os mencionados doentes. Daí concluiram os médicos que
a causa de tais disturbios nao era senáo o próprio tratamento
de imobilizagáo e isolamento.

Esta conclusáo, alias, foi corroborada por urna outra observagáo:


o Dr. D. O. Hebb averigüou que certos caes colocados em condigOes
de vida marcadamente monótona apresentavam as anomalías carac
terísticas da dmaturidade afetiva»; seu comportamento era definido v
como «estúpido e singular:».

Em conseqüéncia, julgaram os estudiosos que valeria a


pena apurar de maneira sistemática os efeitos do isolamento
ou da paralisia total da vida sensitiva nos individuos humanos.
Certamente a tarefa nao era fácil, pois se tratava de suprimir
o maior número possível de sensagóes em urna pessoa, sem
lhe tirar a vida, e de modo tal que se pudessem observar as
suas mínimas reagóes (sem que a pessoa tivesse nogáo de estar
sendo observada).

— 100 —
A IMPORTANCIA DOS SENTIDOS NA VIDA HUMANA -

b) As experiencias e sens resultados

Dois íoram os métodos aplicados para conseguir os efeitos dese-


jados : o da inclusao era cámara apropriada e o da imersao em agua.
Examinemos cada qual de per si.

A cámara fechada: em 1954, o já mencionado Dr. D. O.


Hebb iniciou as tentativas de isolamento sensorial mediante 6
seguinte recurso:
Algumas pessoas, em pleno gozo'de saúde, foram esten
didas cada qual sobre um leito, tendo os olhos vendados, os
ouvidos tapados, os bragos imobilizados dentro de paralelepí
pedos de cartáo duro ; deviam ficar totalmente paradas ; só
seriam alimentadas caso o pedissem. Cada leito foi introduzido
em urna cámara cúbica de 3 x 3 m, cámara que tinha urna
janelinha através da qual os médicos poderiam continuamente
observar os pacientes sem ser observados.

O Dr. Smith no «Lancaster Moon Hospital» procedeu da mesma


forma. Escolheu vinte pessoas (homens o mulheres); mediante óculos
opacos, impediu-lhes a visao ; com mechas de goma-esponja obturou-
-lhes os ouvidos ; enrolou mSos e bracos em algodáo e pelo de ani
máis ¡ envolveu os pés em grossas meias de la. Deitadas sobre os
colchóos mais macios possíveis, encerrou-as em cubículos escuros de
3 x 3 m. no último andar de um arranha-céu.'Sómente um «botáo de
pánico» Ihes ficava ao alcance da mSo, a lim de que pudessem chamar
em socorro e pedir a interrupcáo da experiencia quando quisessem.

Em qualquer dos casos analisados, os efeitos se desénca-


dearam com rapidez e veeméncia imprevistas.
Alguns pacientes, após cinco horas de tal imobilidade, já
nao agüentavam...; renunciaram. Os mais tenazes foram obri-
gádos a desistir ao cabo de 72 horas, reduzidos á péssimas con-
dróes psico-somáticas. Durante todo o tempo da experiencia,
nao Ihes fóra possível concentrar a atencáo sobre qualquer
objeto. Em breve, haviam sido acometidos por indizível terror.
Perderam a nogáo do tempo. Também se modificou o conceito
que tinham do seu corpo: pareceu-lhes, sim, que a cabega se
Ihes tornara muito maior ou muito menor e que se separava
do respectivo tronco. No principio da experiencia, haviam con
seguido dormir, mas em sonó atormentado por pesadelos; a
seguir, haviam padecido de insónia. Por fim, tinham também
perdido o apetite. Vítimas de alucinagóes múltiplas, é de crer
que haveriam enlouquecido, caso se tivesse prolongado por mais
tempo a situagáo.

Aos mesmos eíeitos chegaram as experiencias efetuadas segundo


o método ainda mais rígido e preciso da

— 101 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 1

Imersáo em agua. Esta tática deve-se ao psiquiatra nor


te-americano Dr. J. T. Shurley. Para a prova, foram escolhi-
das pessoas consideradas de nivel intelectual superior, capazes
de observar e relatar com objetividade ; até. médicos psicana-
listas se incluiram em seu número. Shurley mergulhou cada.
um dos pacientes em urna cisterna de agua da temperatura
de 34,5°, temperatura julgada ideal para reduzir ao mínimo,
as sensagóes do tato. Os olhos e ouvidos foram recobertos por,
máscaras opacas, as quais se prendía um tubo respiratorio
que permitiría a imersáo durante varias horas.
Também tais individuos sairam da prova sofrendo de per-
turbacóes psíquicas. Nao podiam fixar a atengáo. Percebiam
os objetos deformados: as linhas retas, por exemplo, lhes
apareciam curvas. A nogáo de tempo se lhes havia esvanecido.

Declarava um déles : «Senti que eu me deslocava ; a cabega pa-


recia-me pesar urna tonelada». -
Asseverava outro: «Senti-me diferente, como se estivesse ílu-
tuando nos ares».
Tais pessoas permaneciam assim afetadas durante urna hora ao
menos, caso tivessem íicado dez horas na inercia.
Após isolamento prolongado além de 48 horas, as avarias ainda
eram mais notáveis : os pacientes viam urna serie de imagans que
correspondiam ao «desenho animado em cores» do cinema. Assim, por
exemplo, um déles repentinamente percebera diante de si um campo
de cogumelos dourados e venenosos, sobre o caule de um dos quais se
refletia a luz do sol. Outro paciente ouvia caes a ladrar. Um terceiro
tinha a sensacáo de que urna goteira de agua ia pingando devagar
sabré o seu corpo. Mais outro se via envolvido em um jdgo de
«base-ball».
Como se compreende, os sentimentos de temor, pánico, irritacáo
acompanhavam tais alucinares.

Mais outro efeito curioso é digno de nota: os pacientes,


ao sair da prova, experimentavam grande necessidade de con
tato social. O isolamento sensorial os tornara mais suscetíveis
desugestáo e de influencia da propaganda.' Notam, alias, os
neurólogos e psiquiatras que é impossíyél o isolamento sen-\
sorial sem que se dé também o isolamento social: urna pes-
soa (acordada, sem dúvida) que nao possa ver, ouvir e apal
par, perde todo contato humano com as outras pessoas, ainda
que estas se achem a alguns centímetros de distancia. O indi
viduo depauperado ou tolhido no exercício' dos seus sentidos
externos torna-se também, em grau maior ou menor, um iso-
lado do ponto de vista social, á semelhanc.a dos grandes ex¿
ploradores de desertes ou de selvas, ou á guisa dos sobrevi-
ventes de um desastre de aviáo perdidos em regiáo despo-
voada: angustia e pánico sem igual invadem tais pessoas pelo

— 102—'
A IMPORTANCIA D.OS SENTIDOS NA VIDA HUMANA

fato de nao encontraren! alma viva ; a necessidade de contato


social torna-se-lhes táo imperiosa quei>ode causar graves pér-
turbagóes psíquicas. Assim se vé que o isolamento sensorial
é algo que afeta a personalidade toda: nao se reduz a mera
carencia de sensagóes.

Um derradeiro efeito chama ainda a atencáo : em alguns casos,


os médicos fizeram chegar aos ouvidos dos pacientes certas melodías
transmitidas por discos. Ora, ao recuperarem o uso dos sentidos, essas
pessoas pareciam nao ter captado coisa alguma da música. Tres dias
depois, porém, foram avistadas em livrarias procurando comprar al-
gum volume que tratasse dos temas sugeridos pelos discos. Concluia-se
assim que o subconsciente havia trabalhado e trabalhava justamente
enquanto o consciente estavá reduzldo á inatividade.

Para completar o quadro de dados positivos neste terreno, im


porta ainda considerar

c) Urna experiencia paralela muito significativa

Os estudiosos verificaram que se pode perturbar ou des


controlar o psiquismó de alguém nao sómente pela extingáo
de sensagoes, mas também pela monotonia ou pela uniformi-
dade prolongada das mesmas sensagóes.

Assim, quando, diante dos olhos de alguém, se faz passar regu


larmente e com certa íreqüéncia um claráo luminoso, consegue-se, no
fim de algum tempo, «atordoar» tal pessoa, isto é, fazer que esqueca
o passado e aprenda o que se lhe queira incutir, confesse o que se
lhe venha a sugerir, etc.

Mais ainda : nao é necessário usar de luz muito forte


para atordoar alguém. Basta usar de luz media ou normal,
contanto que esta aparega sem imagem ou sem tragos qué im-
pressionem, de maneira variada, o sentido da vista.

Assim deu-se um fenómeno interessante : ñas experiencias ante


riores, os estudiosos aplicaram primeiramente óculos totalmente opa
cos, como dissemos, para vendar a vista dos pacientes; posteriormente,
porém, recorreram a óculos que deixavam, sim, penetrar luz, mas nao
permitiam distinguir imagem alguma: veriflctram entao que por esta
via ainda mais fácilmente podiam provocar alucinacóes. Para se con
seguir tal efeito, portanto, - basta que a luz «nao tenha sentido». As
perturbacQes mentáis provém muito mais da falta de significado das
sensacóes do que da ausencia completa ou também do excesso de
sensacOes.
Outros exemplos ilustram esta afirmacáo: num fundo de quadro
vermelho, o que atrai o olhar é a mancha branca ou preta. Em urna
melodía, o que impressiona, é a nota 'desafinada ; cha insuficiente
mente adogado surpreende própriamente quando ingerido logo após
geléia ou doce...
Na verdade, o ser humano vive em um concertó de sensagSes tal
que acaba por só se tomar sensivel aos fenómenos que saem da rotina

— 103 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964. qu. 1

ou que rompem a monotonia. O que faz o organismo reagir, é multo


mais a variedade da sensacáo do que a própria sensacáo.
Em particular no setor do' ouvido, nota-se que, se determinado
ruido pertence á gama dos sons que o individuo habitualmente per
cebe, ésse ruido é captado pelo ouvido como parte de um barulho de
fundo, quase sem participágao da consciéncia; o organismo já está,
sim, afeito ao rumor que o costuma cercar. A ésse barulho de fundo
é preciso que sobrevenha urna variedade ou urna diferenciacáo para
provocar o despertar da consciéncia. Assim quem se transiere do campo
para grande cidade, n§o consegue conciliar o sonó ñas prlmeiras noi-
tes por causa da «barulheira» ou da trepidag5o da cidade; reciproca
mente, dá-se multas vézes o caso de que o habitante das grandes ci-
dades nao consiga dormir a primeira noite, multo sossegada ou tran
quila, que ele passe no campo.

Em poucas palavras, dir-se-á: o papel dos1 sentidos con


siste em apreender diferengas...; em conseqüéncia, a supres
sáo de diferengas ñas sensagóes tem os mesmos efeitos que a
supressáo das próprias sensagóes. Tanto na extingáo total das
sensagóes como na extingáo apenas das diferengas entre as
sensagóes registra-se um único e mesmo fenómeno: o espi
rito perde seus pontos de referencia habituáis ; é destituido
dos respectivos pontos de apoio e de contato com a realida-
de... Daí se originam alucinagóes, sonhos e comportamentos
anómalos...

Éste conjunto de dados positivos já sugere algumas conclusóes


de Índole filosófico-religiosa, que procuraremos formular abaixo.

2. Conclusóes

1) As experiencias assinaladas evidenciam com toda a


clareza a grande dependencia da alma em relacáo ao corpo
ou... da inteligencia em relagáo aos sentidos. Por certo, alma
e corpo, espirito e materia, inteligencia e sentidos se distin-
guem entre si (cf. «P.R.» 5/1958, qu. 1); contudo o seu fun-
cionamento está de tal modo concatenado que a inteligencia,
para se manifestar normalmente, supóe o exercício regular
dos sentidos.

O seguinte esquema poderla ilustrar a dependencia :

CORPO = MATERIA ALMA = ESPIRITO

sentidos externos » cerebro » intelecto


(orgánicos, corpóreos) (sentidos internos (faculdade
olhos orgánicos, corpóreos) nao orgánica,
ouvidos incorpórea
gósto espiritual) .
olfato
tato (s. da temperatura?)

— 104 — '
A IMPORTANCIA DOS SENTIDOS NA VIDA HUMANA

O cerebro faz as vézes de central eletrónica (ou telefónica):, re


cebe as impressSes captadas por cada um dos sentidos externos e
coni élas forma urna imagem de conjunto, que tem tal cor, tarsoño-
ridade, tal odor, tal sabor, tal dureza, tal temperatura...

cores > cerebro » intelecto


sons—-^——-¿—^ ■—» (forma a ' (apreende o essencial
odores > imagem de e distingue-o do aci-
gostos ■» conjunto) dental; define...; faz
dureza e temperatura—> urna idéia)

Compreende-se entáo o que verificamos: caso haja pa-


ralisia (total ou parcial) no funcionamento dos sentidos ex
ternos, o cerebro fica privado de seu alimento habitual e, con-
seqüentemente, a inteligencia deixa de se manifestar como in
teligencia, ou seja, com o seu comportamento normal. A alma,
com a sua inteligencia, nao déixa de estar presente em tal
individuo ; apenas cessa de transparecer.

2) Táo intima dependencia da alma em relacáo ao corpo


ilustra bem a famosa afirmativa dos filósofos e teólogos:
a morte, causando a separacáo de alma e corpo, imobiliza o ser
humano, impossibilitando mudanga de disposicóes, de atitudes
e de afetos. Após a morte, o homem nao se retrata ou nao
volta atrás..., nem para o bem nem para o mal, pois ele é
feito para se desenvolver mediante a colaboracáo de alma e
corpo. Donde se entende que a vida presente (em que alma e
corpo estáo unidos) seja realmente um período de evolucSo e
peregrinacao, ao passo que a vida postuma (em que a alma
sobrevive sem o corpo) é um estado de termo ou chegada, em
que nao há evolugáo nem para melhor nem para pior.

3) As experiencias modernas dáo a ver outrossim quáo


vasto é o papel das sugestocs em nossa vida, ou seja, quanto
dependemos (muitas vézes ou talvez na maioria dos casos,
sem o saber) das impressoes que o mundo externo nos co
munica.

Grande número destas Impressoes nos íica no subconsciente (di-


zem mesmo os psicólogos-que 7/8 dos nossos conhecimentos permane-
cem no subconsciente, de modo que só lidamos habitualmente com 1/8
das nocQes adquiridas por nos desde que comegamos a usar dos nos-
sos sentidos).

Tal fato explica muitos e muitos dos fenómenos espiritas.


Estes nao sao mais do que manifestares do subconsciente do
próprio individuo, manifestagóes que, por sua índole pouco
habitual ou muito surpreendente, vém pelos médiuns atribuí-

— 105 —
tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 75/1964, qu. 2

das a espíritos do Além. O recurso a mensageiros do Alto, em


tais casos, é váo; está mesmo em confuto com a ciencia.

4) Já que a índole social do homem está arraigada na


sua natureza a ponto de causar perturbacóes psíquicas quando
é sufocada, compreende-se que o homem so «se realize» nor
malmente em sociedad©. De fato, cada qual depende da fa
milia, da escola, do grupo de trabalho, etc. para desenvolver
seus predicados pessoais. Mas nao sómente... Urna das mais
características e genuinas manifestagóes humanas é a Reli-
giáo (cf. «P.R.» 19/1959, qu. 1). Por conseguirte, também
em Religiáo o homem há de ser social. A Religiáo deverá, pois,
ser praticada comunitariamente e de maneira sensível, visível.
Todo individualismo religioso é aberragáo, e aberragáoaue
fere a própria natureza humana. Ninguém tem o direifo de
fazer a «sua religiáo» ou de conceber a sua via religiosa me
ramente conforme o seu bom senso individual. Deus fez o
homem de modo tal que ele tem que aprender a Religiáo por
um magisterio visível (instituido, sim, pelo próprio Deus),
como ele tem que aprender a ciencia e a cultura através dos
ensinamentos dos mestres auténticos. — Daí a necessidade da
Santa Igreja de Deus.

Já em «P.R.» 37/1961, qu. 1 referimos como os modernos pro-


cessos de lavagem do cránio utilízam o isolamento sensorial. Multo
inlquamente, sim!

O sabio leitor, em suas ponderadas reflexóes, deduzirá ul


teriores ensinamentos das impressionantes experiencias que ñas
páginas precedentes foram relatadas.

EL FILOSOFÍA E RELIGIÁO

AMIGO DA SABEDORIA (Sao Paulo) :

2) «Quisera conhecer mais alguns famosos proverbios


que constituem o patrimonio da sabedoria humana. \
Cf. T.R.' 70/1963, qu. 1 e 74/1964, qu. 1».

Em nossa resposta, agruparemos os adagios em torno de


verbetes que sempre representaran! grandes valores aos olhos
dos homens.

1. PALAVBA

Nao há dúvida, a palavra ou a faculdade de íalar vem a ser um


dos mais característicos predicados da natureza humana. Compreen-

— 106 —
PROVERBIOS FAMOSOS

de-se, por conseguinte, que ela sempre tenha merecido a atengáo dos
sabios, os quais procuraram explanar o que a linguagem tem, por si
mesma, de positivo, e o que, no convivio comum dos homens, ela possa
ter de negativo. Para isto, recorreram a figuras ou comparacoes assaz
significativas:

1) «A palavra ó a imagem ou o semblante da alma.


Worte sind der Seele Bild»

(proverbio alemáo)

A palavra é, sim, a expressáo mais espontánea do intimo


do homem. As vézes, mesmo sem o querer, a pessoa manifesta
seus sentimentos mais profundos, ao proferir palavras.

Para evitar isto ou para dar a entender pela linguagem o con


trario daquilo que senté em sua consciéncia, o homem deve empregar
multa arte... Arte que os antigos gregos comparavam com o papel
de um ator em peca teatral: éste era chamado «hypokrités», vocábulo
donde se deriva o adjetivo vernáculo «hipócrita». Hipócrita é realmente
um comediante ou alguém que foge da realidade natural, fazendo que
as suas palavras nao sejam o espélho da sua alma.

2) Conscientes de que a palavra está em relagáo estrita


com a personalidade, os sabios sempre chamaram a atencáo
para o poder da palavra: é capaz de disseminar a vida (a
vida do íntimo de quem fala) com suas alegrías e doguras,
como também a morte (de quem fala) com seus dissabores e
amarguras.

É o que já inculcavam os rabinos de Israel, no limiar da


era crista;
«A palavra 6 semelhante a urna abelha: possni mel e
ferráo.»

Com multa razao, diz-se que alguém pode matar ou destruir me


diante as suas palavras como se estas fdssem maos. De lato, palavras
más podem estagnar o entusiasmo do próximo, destruindo-Ihe o ideal
e reduzindo-o á inercia. Efeito contrario cabe a palavras benévolas:
erguem o ánimo, despertando entusiasmo e vida.
É o1 que observava o sabio na Grecia antiga ■:
«Multas vézes já aconteceu que urna palavrinha se tornasse mo
tivo de queda -ou de reerguimento para o homem».

(Sófocles, 496-406 a.C, Electra 408s)

3) Verifica-se mesmo que a acáo da palavra é táo


veemente que ela supera as previsóes e o controle de quem a
profere. É como um dardo que, arremessado, prossegue o seu
roteiro sem que possa ser chamado de volta:

— 107 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964. qu. 2

«Et semel emissum volat irrevocabile verbum.


Urna vez proferida, a palavra voa irrevogavelmente.»

(Horado, t 8 a.C., ep. I 18. 71; TL 3. 390)

Ou, conforme os'gregos :


«NSo é fácil obter de volta a pedra pujante Iangada pela mSo on
a palavra proferida, pela língiia.»

(Eurípides, t 406 a.C, fragm. 1031)

O poeta alemáo, por sua vez, diria:

«Gesprochenes Wart und geworfener Steta,


Beides sind DInge, die nicht mehr dein.

A nalavra nronuncladf* e o seixo atirado,


Eis" duas cóisas que nao mais pertencem a ti».

(Kastropp, Heinrich v. Ofterdingen, Aventiure XIV)

A imagem da ped^a ou do dardo quer lembrar que, em muitos


casos o incontrolável efelto da palavra é mais nocivo do que positivo
ou construtivo. Esta realidade, que difícilmente poderia ser contctada,
se explica pelo fato de que o interior do homem que fala é, muitas
vézes, desregrado, ou envenenado pela maldade (que pode entáo tal
homem comunicar senSo sua desordem ?)

A palavra má foi também comparada a urna bola de "nevé,


que se vai avolumando por aglutinado á medida que passa
adiante:

«A bola de nevé e a palavra má crescem constantemente en-


quanto váo rolando. Da porta de casa, a máo cheia lanca a nevé;
quando esta chega diante da casa do vizinho, já é do tamanho de
urna montanha.

Der Schneeball und das bose Wort,


Sie wachsen. wie Fie rollen fort;
Eine Handvoll wirf zum Tor heraus.
ELn Berg wird's vor des Nachbars Haus».

(Wilhelm MüUer, Gedichte 1837. Epigramme. 1. Hundert 71)

4) Em vista de tais predicados da palavra ou, em parti


cular, em vista do poder de acáo e do dinamismo da palavra,
os sabios sempre recomendaran! o uso sobrio da linguagem.-
Para poder falar adequadamente, disseminando vida e nao
morte, é preciso que o individuo tenha o dominio sobre si
mesmo ou aprenda primeiramente a se calar:

— 108 — '
PROVERBIOS FAMOSOS

«Nemo secure Ioquitur nisi qui libenter tacet.


Nao fala com seguranga senáo a pessoa que de bom grado
saiba calar-se.»'

(Lnitagáo de Cristo, cérea de 1410; I 20)

Nao há dúvida, silencio significa disciplina. Por conseguirte, a


palavra que procede do silencio há de.ser uma palavra disciplinada,
harmoniosa e, em conseqüéncia, beníazeja para quem a ouve.

Mais aínda: os sabios lembram que nao sómente o pró


ximo, mas também a pessoa que fala, é beneficiada por sobria
linguagem, pois auem muitas palavras profere, se arrisca cedo
ou tarde a manifestar a desordem ou a tolice que em todo
coracáo humano (segundo proporgóes variáveis) está latente.

«O si tacuisses, Philosophus mansisses!


ó! Se tivesses guardado o silencio, terias conservado a aparéncia
de um filósofo, isto é, nao te haverias desprestigiado».

(dístico atribuido ao pensador cristáo Boecio, séc. V)

O poeta alemáo diria :

«Solange man schweigt, kann man für weise gelten;


Aber wenn man spricht, ist lautre Weisheit selten.

Enquanto a pessoa se cala, pode passar por sabia ;


Desde, porém, que fale, raramente conserva intata a conduta dé
sabedoria».

(Friedrich Rückert, Makamen des Hariri 1826>

5) Ainda outro aspecto da linguagem foi sempre muito


focalizado pelos pensadores: há palavras que exigem compor-
tamento de vida correspondente, comportamento sem o qual
o belo palavreado seria ilusorio. Para inculcar isto, a sabe-
doria popular através dos sáculos se tem servido de varias
imagens. Assim

Um .ditado alemáo : '

«Schoene Worte machen den Kohl nicht fett.


Belas palavras nSo tornam a couve gordurosa».

A couve é, sim, um vegetal destituido de gordura: nao basta fa-.


lar para que éste condimento Ihe sobrevenha, como nao basta falar
para que alguém realize o ideal de vida neceásário.

—109 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 2

O adagio inglés diría:

«Deeds are iruits, words are but leaves.


As obras sao frutos, ao passo que as palavras sao apenas fdlhas».

A literatura holandesa recorre a outra imagem:

«Daden zijn mannen, woorden zljn vrouwen.


As obras sao varSes, as palavras sao mulheres».

Nao pretendemos aqui proferir umjuízo sobre o que possa haver


de próprio e Improprio nesta comparatjao.

O espirito francés íaz eco :

«Paroles d'angelot, ongles de diablot.


Palavras de anjlnho, mas garras de dlablnho».

A sabedoria transmitida por estas máximas é evidente: belas


idéias e palavras tém que trutiíicar num teor de vida virtuosa.
Esta proposicáo explica o apreso que os filósofos sempre dedi-
caram a outro aspecto da vida humana, que é o do

2. EXEMPLO

O exemplo é a licáo transmitida pela conduta de vida. Tem


sobre a palavra a vantagem de mostrar que os ensinamentos
dos mestres nao sao utópicos ou irrealizáveis, mas sáo'perfei-
tamente exeqüíveis. Por conseguinte, o exemplo goza de maior
eloqüéncia do que a palavra isolada; e isto, note-se bem, tanto
para promover o bem como para desencadear o mal.
1) Diz o adagio inglés :
«Example will avail ten times more than precept.
O exemplo vale dez vézes -mals do que o precelto».

(James Fox, Discurso a militares, 8/IV/1796)

2) O motivo pelo qual o exemplo tanto pode realizar,


o filósofo grego Aristóteles (t 322 a.C.) o observava nos
seguintes termos:

«A tendencia a Imitar é inata no homem; alias, o homem se dis


tingue dos demais viventes pelo fato de ser, dentre todos, o mais pro-
pensó a imitar,.

3) Daí se deriva a advertencia dirigida a todos os mem-


bros da sociedade nó sentido de ©vitarem leviandade de pro-'
cedimento, pois cada um de nossos atos pode ter (sem que
o saibamos) vasta repercussáo, tornando-se fonte de inspira-
cao para a conduta (boa ou má) do próximo.

— 110 —
PROVERBIOS FAMOSOS

«Rien m'est si contagieux que l'exemple et nous ne íaisons jamáis


de grands biens ni de grands maux qui n'en produisent di; semblables.
Nada há de táo contagioso quanto o exemplo; em conseqüencla,
nada fazemos de realmente bom ou mau que nao produza semelhantes
gestos (no próximo)».

(Duque Frangois de La Rochefoucauld, ReflexSes e


Máximas. 1665, n' 230)

A consciéncia desta verdade é apta a despertar ánimo e coragem:


lembra-nos que todos os homens sao importantes ; nao há pessoa al-
guma, por mais simples que seja, que nao se possa tornar, para o
seu próximo, portadora do mais valioso de todos os bens, que é a vida
virtuosa.
Séneca (t 66 d.C.) já observava no limiar da era crista :

«Multum dabis, etiamsi nihil dederis praeter exemplum.


Tenas dado multa coisa, aínda que nada mais des do que o
exemplo».
(Ad Helv. 18,8)

Doutro lado, o mal também é contagioso, conforme a antiga sa-


bedoria grega:

«As mas companhlas corrompeni os bons costantes:».

(Eurípides, íragm. 1013, citado por S. Paulo, 1 Cor 15,33)

Séneca atada acrescentaria duas breves observacóes :

«Homines amplius oculis quam auribus credunt.


Os homens dáo mais crédito aos olhos do que aos ouvidos».

Donde se segué que

«Longum iter est per praecepta, breve et efficax per exempla.


Longa é a caminhada que se faz através dos preceitos, ao passo
que breve e segura é a que segué os exemplos».
(epist. 6,5)

A evidente sensatez destas frases dispensa qualquer ulterior co


mentario.
Neste quadro, nao se poderia deixar de explicitar aínda outro
tema, já brevemente introduzido ñas linhas anteriores :

3. SILENCIO

A luz das normas precedentes, verifíca-se que, conforme


os sabios, o silencio nao é algo de puramente negativo, nem
é mero artificio de defesa (preservativo ou profilático), mas
é valor positivo. O silencio também é eloqüente; é mesmo a
resposta mais significativa que o homem, possa e deva' dar
quando se vé em presenca dé um valor táo grande que já nao

— 111 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964 qu. 2

possa ser apreendido e manifestado adequadamente pelos vo-


cábulos: •

1") «As grandes coisas se expriman do melhor modo possivel


pelo silencio».
(adagio polonés)

Na Grecia era Sófocles quem escrevia:

•■ «O silencio, aos olhos dos sabios, vale como resposta».

(íragm. 96) ;

Entre os latinos, Teréncio (t 160) fazia-se porta-voz de semelhante


reflexao :

«Tacent — satis laudant. -


• Galam-se — isto é louvor suficiente!.

(Eum. III 2)

■■■ A Tradicto crista, por sua vez, formulou a mesma doutrina:

«Tibí silentium laus.


Para Vos (Deus), o. silencio é louvor».

¡Com efeito. O cristáo, tomando consciéncia de que Deus


é o Transcendente e Inefável, sentir-se-á espontáneamente im
pelido a se prostrar ém espirito perante a Majestade Divina
num silencio reverente, que será, ao mesmo tempo, louvpr e
adoragáo.

2) Abrangendo agora em s'ntese o que ñas páginas ante


riores foi dito sobre palavra e silencio, concluiremos (sempre
guiados pela sabedoria dos proverbios) que nem a palávra
nem o silencio como tais sao valores absolutos; mas cada qual.
dcstes dois elementos vem a ser precioso dentro de circunstan
cias determinadas. Compete ao sabio reconhecer tais circuns
tancias e, conseqüentemente, usar da palavra ou silenciar.
O tolo, ao contrario, nao reconhece as ocasióes; por isto fala
ou cála-se sem propósito, mostrando desajuste e ignorancia:

<Ao tolo duas coLsas sao características,


As quais redundam para o seu mal:
Calar-se ñas oportunidades de falar.
E falar ñas ocasióes de calar-se.

' Einem Toren ist eigen


Zweierlei, das ihm schlecht gedeiht: u
• Zur Redezeit zu schweigen,
.... ■.Und zu reden zur Schweigezeit».

' (Fr. Rückert, Gesammelte Gedichte [1834-38] Vierzeilen)

— 112 — ■'
PROVÉRBTOS FAMOSOS

Ou ainda:

«Duas coisas sao nocivas a todo homem


Que deseje galgar os degxaus da íelicidade
Calar-se, quando é tempo de falar,
E falar, quando é tempo de calar-se.

Zwei Dinge sind schádlich für jeden.


Der dié Stufen des Glücks will ersteigen:
Schweigen, wenn Zeit ist, zu reden,
Und reden, wenn Zeit ist, zu schweigen>.

(Fr. von Bodenstedt. A. d. Nachlasse Mirza-Schaffya


[1874] B. 3 B. d. Spr. 8)

Calar-se no momento em que seria necessário pronun-


ciar-se, significa ignorancia, covardia ou falta de personalidade.,
Ao contrario, pronunciar palavras sem propósito significa os-
tentacáo artificial, quicá vaidosa, a qual por si basta para des
prestigiar a pessoa que fala.

Merece atencáo mais urna das grandes recomendacSes dos sabios,


ou seja, a que se refere a

4. TEMPERANCIA, DISCRI£¿O

1) A experiencia ensina que tudo neste mundo tem suas


leis, seas termos e limites, que o homem está obrigado a obser
var sob pena de ver até os melhores valores perder-se e des-
truir-se: .

«Est modus in rebus, sunt certi denique fines,


Quos ultra citraque nequit consistere rectum.

Há em todas as coisas certa medida, certos limites,


Abaixo e ácima dos quais nada de reto pode subsistir».

(Horacio, Sátiras I 106-7).

Esta realidade é, para o homem; um constante convite


á temperatura ou a discricáo, a fim de que consiga a felicidade
que as criaturas lhe possam proporcionar, O convite é táo sen
sato que nao foi preciso que os sabios procurassem muitas pa
lavras para o tornar persuasivo.

Assim diziam os gregos :

«Meden ágan.
Nada em excesso».

(inscricao do templo de Apolo em Delfos)

— 113 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 2

E os latinos :

«Ne quid nlmis.


Nada em demasía*.

(Teréndo, Andrla I 1.60)

Nao há dúvida, quanto mais breve é o ditado, tanto mais impres-


sionante e eloqüente vem a ser.

2) E como poderia o homem saber se está observando


a justa medida no uso das criaturas ?
A resposta nao é difícil. Em verdade, o homem estará
sendo justo e comedido se procurar encaminhar cada um de
seus atos para o Um Supremo a que éle se destina na térra,
ou seja, para Deus. Por conseguinte, nunca se tornará licito
ao ser humano entregar-se cegamente nem a algum prazer
nem a alguma tristeza...; nunca Ihe será lícito considerar
apenas a situacáo do momento, como sé esta pudesse confinar
o seu horizonte; mas em todas as suas quadras de vida de-
verá levar em conta a meta'suprema a que éle deverá chegar
através de tal situacáo; á luz dessa meta, avallará cada qual
de suas etapas ou atividades momentáneas. Assim procedendo,
o individuo poderá estar certo de guardar a sobriedade e a
discrigáo devidas.

A sabedoria romana incutia tal norma mediante as seguintes pa-


lavras:

«Quidquid agis... réspice fincm.


O que quer que facas... considera sempre o fim».

O Imperador Maximiliano I (1493-1513) da Alemanha adotou o


seguinte lema:

«Teñe mensuram et réspice finem !


Observa a medida e considera o Fim !»

A linguagem popular alema chegou a rimar :'

«Mass und Zlel! Im Ernst, im Splel.


Haja medida e finalidade !
Tanto ñas horas serias como ñas de folguedo».

«Mass und Ziel! Ist das beste Spiel.


Medida e finalidade! Tal é o mellior jógo».

3) Mais ainda: respeitando medida e finalidade, o ho


mem vai tornando sua vida cada vez mais homogénea e reti-
Iínea; através de muitas atividades, realiza em verdade urna

— 114 — '
PROVERBIOS FAMOSOS

só grande atividade, que dá definigáo e consisténtía á sua vida.


Tal pessoa nao perde o dominio de si nem ñas horas felizes
(cedendo por completo á euforia) nem ñas horas amargas
(entregando-se & depressáo). Tal era o ideal do sabio latino:

«Aequam memento rebus in arduis


Servare mentem, non secus in bonis
Ab insolenti temperatam laetitla.

Lembra-te de conservar um coracáo tranquilo na luta;


Da mesma forma, na prosperidade tratarás de guardar
O espirito tranquilo, isento de excessiva alegría».

(Horacio, Od. II 3,1)


Ou ainda :

«Studia vel optimarum rerum, sedata tamen et tranquilla esse


debent.
A procura mesmo dos mais nobres ideáis há de ser disciplinada e
tranquila».
(Cicero, 43 a.C, Tuscul. IV 25.55)

O ideal da equanimidade ou da homogeneidade de vida se traduz


também com muita énfase pela írase que a Escritura Sagrada, no
Cántico dos Cánticos, atribuí á Esposa típica :

«Eu durmo, mas o meu coragáo vigía» (5,2).

Palavras que se poderiam assim parafrasear: «Atendo ás exi


gencias da minha condicáo terrestre, vivendo de maneira humana urna
vida humana; contudo jamáis perco de vista o fim supremo que é
Deus, e através de todos os múltiplos afazeres me encaminho certeira-
mente para file».

4) Quem observa a medida ém tudo, nao pode deixar de


estar consciente também de suas próprias limitacóes. Procurará
entáo desempenhar-se de todas as tarefas que estejam ao seu
alcance e... desempenhar-se de maneira profunda, cabal; de
outro lado, saberá renunciar aos empreendimentos que só con-
tribuiriam para o tornar leviano e «diluido». Antes intensidade
e profundidade do que extensáo e superficialidade!...

«Multum, non multa»

Esta frase de Plínio (t 79), concisa e categórica como é, quer


dizer em última análise: «O modo (multum) de fazer importa mais
do que o número (multa) de afazeres» (embora o número nao seja
negligenciável, sob pena de se acovardar ou amesquinhar a persona-
lidade humana).
Quintiliano (t 95) por sua vez recomendava :
«Multa magis quam multorum lectione formanda est mens.

— 115 —•
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75AI9S4 <iu. 2

Procure o discípulo embrenhar-se ñas coisas fundamentáis mais


do que na leitura de muitas coisas>,

ou também: «Ler multo mais vale do que ler mnitas colsas>.


(Inst. orat. X 1.59)

No século passado, era o poeta Goethe quem observava:

«Er las jind las und las.


Auf's Denken er vergass,
Und hohler ward der Konf
Und voller ward der Tronf.
In der Beschrankung zeigt sich erst der Mclster.

file lia. lia, e lia;


Esquecia-se. porém, de pensar.
Em conseqüéncia, mais vazia se tornava a cabega,
E mais pregante a tolice.
ÍÉ na arte de limitar que se comnrova o mestre».
(Natur und Kunst)

De maneira mais concisa e penetrante oarece que as mesmas ver


dades estáo contidas nos dois seguintes adagios:

«Omnla praeclara rara.


Tudo que é nobre (digno) é raro».
(Cicero, De amic. 21.79)

E «Ranún — carum.
Tudo que tem valor, é raro».

Tais observacSes pouca margem deixam para contestacáo. Dir-


-se-ia que corresponden) justamente aos resultados de experiencias que
cada leitor já terá feito por si. "

Ficam assim consignadas as principáis .normas da sabe-


doria humana referentes á temperanga ou á discrigáo que, con
forme Sao Bento (f 543), vem a ser «a máe de todas as vir
tudes» (cf. Regra dos Monges c. 64).

Para concluir a presente lista, ainda váo abalxo propostos alguna \


disticos concementes ao

5. TRABALHO

1) «Trabalho nao é vergonha ; vergonha é a odosidade».


(Hesíodo, séc. IX a.C, Dias e Obras 31i)
«O trabalho... é o pai da honradez».
(Eurípides, fragm. 477)

Note-se como sao antigos ésses adagios !

— 116 —
PROVERBIOS FAMOSOS

O Imperador Napoleáo I fazia-lhes eco :

«Dieu a posé le travail pour sentinelle de la vertu.


Deus constltuiu o trabalho como sentinela da virtude».
(Máximas e pensamentos. 1817)

2) O trabalho há de ser perseverante :

<Gótas de afina perfuram os rochedos».


(Plutarco, t 120, Disciplina da juyentude IV)

O que em rima portuguesa se diría:

. «Agua mole em pedra dura


Tanto bate até que fura».

Os latinos se exprimiam sem imagem, no caso:

«Labor omnia v.'ncit improbus.


O trabalho assiduo tudo vence».
(Virgilio, t 19 a.C, Geórgica 1145).

3) O trabalho há de ser diligente e zeloso:

a) Diz o filósofo popular na Alemanha:

<Du hast zwei Hánde und einen Mund;


Lern'es ermessen !
Zwei sind da zur Arbeit
Und Einer zum Essen.

Tens duas máos e urna boca;


Aprende, pois, a calcular !
Duas medidas sao para o trabalho,
Urna para a comida».
(Fr. Rückert, Gesammelte poetische Werke. Pantheon 5)

b) O mesmo autor consignou o seguinte pensamento pro


veniente da sabedoría oriental:

«Mesmo o que deixares de fazer, se vingará.


Sómente o trabalho pode obter a recompensa.
Quem nao vigiou. n3o pode dormir;
Quem nao viveu, nao pode morrer.

Was du nicht tust. wird auch sich strafen.


Nur- Arbeit kann dea Lohn erwerben.
Wer nlcht gewncht hat, kann nicht schlafen ; .
■ Wer nicht gelebt hat, kann nicht sterben».
(Erbauliches und Beschauliches a.d. Morgenlande 1837-8)

Em verdade, nao pode morrer (no sentido de consumar devida-


mente e com alegría o seu curriculo na térra) quem nao tenha vivido,
isto é, quem nao tenha desdobrado a sua vitalidade no trabalho.

— 117 —
. «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 3

c) «Podes dar-me crédito: tornar-se cansado até o extremo já_


é percorrer pela metade o caminho da felicidade.

Das kannst du mir glauben:


Einvolles Müdewerder ist schon ein halbes Glücklichsein».
(H. Sudermann, D. Ehre [1890] A. 3, Sz. 4)

d) «Arbeit und Genuss


Sind Zwilling^brüder, eins im amdern lebend.

Trabalho e bem-estar
Sao irmaos gémcos ;
Um vive no outro».
(A. Wilbrandt, D. Meister von Palmyra [1890] A. 1. Sz. 4)

e) «Mauvais ouvrier ne trouvera jamáis bon outil.


Mau operario jamáis encontrará bons instrumentos».

De íato, o operario nao idóneo ou incapaz jamáis saberá utilizar


devidamente seus utensilios, sejam estes os melhores póssíveis. Quanto
ao operario indolente, procurará encobrir sua inercia sob o pretexto
de nao estar devidamente aparelhado.
Ao contrario, o operario habilitado e honesto faz grandes obras
com modesto material.

f) Entende-se entáo o dístico gravado no antigo Parla


mento de Berlim:
«Bete, ais hülfe kein Arbeiten ;
Arbeite, ais hülle kein Beten.

Ora como se nada adiantasse trabalhar ;


Trabalha como se nada adiantasse orar».

Encerre-se esta lista com a mengáo da prece! Pois, na


verdade, para conseguir qualquer dos valores apregoados pelos
sabios, o primeiro e o último passo a dar será o da oracáo.
Comece o homem sua tarefa pedindo a béngáo de Deus e per
severe até o fim na oragáo !
A prece será sempre o recurso mais neccssário e tam-
bém... o mais fácil de todos í
É a alavanca que levanta o mundo !

m. SAGRADA ESCRITURA

M. A. S. (Salvador) i

S) «Que significain as palavras do Maria: 'Na* conheco


varao' (Le 1,34), proferidas em resposta ao anjo que lhe
anunciava o misterio da Encarnacao ?
Implicam que Maria tívesse feito o propósito ou o voto
de conservar a virgindade ?»

— 118 —
MARÍA SS. E VOTO DE VIRGINDADE

Antes do mais, transcreveremos por completo a passagem


que interessa ao caso :

Le 1, 30 «Disse o anjo a Maria: '... Achaste graca diante de


Deus. 31 Conceberás e ciarás á luz um fllho e lhe poras o nome de
Jesús. 32 Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo. O Senhor
Deus Jhe dará o trono de Davi seu pal, 33 e Ele reinará eternamente
na casa de Jaco. E seu reino n§o terá íim\
34 Maria. porém, perguntou ao anjo: 'COMO SE FARÁ ISSO,
POIS NAO CONHEOO VARAO V
35 RespondeuHhe o anjo: 'O Espirito Santo descera sobre ti e
a fórca do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. É por isto que o
Santo que há de nascer, será chamado Filho de Deus. 36 Eis que
Isabel, tua.parenta, também ela concebeu um filho em sua velhice e
éste é o sexto mes daquela que era chamada estéril, 37 porque nada
há de impossfvel para Deus'.
38 Disse entáo María: 'Eis aqui a escrava do Senhor, faca-sé
em mim segundo a tua palavra'.
E o anjo se afastou déla».

Desde os primeiros séculos, éste trecho tem sido muito analisado


pelos cristaos. Aínda hoje é objeto de estudos e sentencas diversas...

Focalizaremos em particular o v. 34. Apresenta-nos a


Virgen} após ter ouvido do anjo Gabriel a mensagem de que
conceberia.e daría á luz um filho. Interrogou entáo como se
realizaría tal predigáo, já que «nao conhecia vario». Esta ex-
pressáo, nos idiomas semitas, e na Sagrada Escritura de "modo
especial, tem significado bem definido: designa relagóes con
jugáis ou cópula carnal (cf. Gen 4,17.25; Dt 22,13; 24,1).

Maria, pois, no v. 34, haveria mencionado sua abstengáo


de relagóes conjugáis. A Tradigao crista viu nisto o testemunho
de que Maria era virgem e desejava permanecer virgem...

«Era virgem». Esta conclusáo, alias, se depreende dos


dizeres explícitos de Le l,26s: «No sexto mes, o anjo Gabriel
foi enviado por Deus a urna cidade da Galiléia chamada Na-
zaré, a urna virgem prometida a um varáo, de nome José, da
casa de Davi. A virgem chamava-se Maria».

«Desejava permanecer virgem». Fizera o propósito ou


mesmo o voto de virgindade... Também isto foi geralmente
afirmado pela Tradigáo. Contudo nos últimos tempos os exe-
•getas vém debatendo éste ponto ; nao apenas autores protestan
tes, mas também católicos (estes, de resto, sómente a partir
de inicios do séc. XX, nao antes) recusam-se a reconhecer tal
propósito.

— 119 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964. qu. 3 ,

Abaixo consideraremos o teor das principáis sentéhgas


negativas. Por fim, procurarerros, averiguar a autoridade que
cabe á senten:a positiva, tradicional.

Antes, porém. de entrarmos na problemática própriamerite dita,


imp6e-re ainda urna observacáo :
A praxe judaica prescrevla que todo noivado fósse firmado por
contrato, contrato que equivalía a urna promessa definitiva. Feito tal
contrato, os dois noivos costumavam esperar ainda cérea de um ano
para celebrar as nupcias solenes ou o matrimonio. Sómente após éste
é que comecavam a cohabitar. Ora o acontecimiento relatado por S.'
Lucas no trecho transcrito (1,30-381 ter-se-á dado entre o noivado e o
casamento de María com José, sendo María apenas noiva, segundo os
melhores comentadores.
Vejamos agora as sentengas modernas concernentes a Le 1,34.

1. Contra o propósito de virgindade...

Quatro proposigees podem aqui ser catalogadas.

1) A mais radical é a que pretende eliminar do texto


evangélico qualquer referencia, direta ou indireta, á virgindad©
de María.
Asslm o cr'tico liberal Adolf Harnack, seguido por alguns
autores protestantes,', considera como glossas ou interpolares
as palavras «virgem» (em Le 1,28) e «já que nao conhego va-
ráo» (em Le 1,34). Tais dizeres lhes parecem fora de propó
sito, já que Maria era noiva ou vivia na perspectiva do ma
trimonio.
Contudo os bons exegetas (entre os quais o protestante
G. Machen) demonstram, com razóes assaz persuasivas, que a
interroiacáo formulada por Maria em Le 1,34 faz parte ne-
cessária da narragáo ; condiciona outras afirmagóes do con
texto de modo que nao pode ser eliminada sem aue se devam
eliminar ou retocar outros vers'cubs da secgáo. Cf., por exem-
plo, Machen, The integrity of the Lucan narrative of the
annunciation, em «The Princeton Theological Review» 25
(1927) 529 586.

Na verdade, observa-se que

a) Os dizeres «nao conheco va?5o» explicam o silencio de Le 1-2


a respeito de S. Ja~é, silencio que se ¡ornaría muito estranho princi
palmente q lando se tem em vista o realce concedido a Zacarías na'
natividade de JoSo Batista.

b) O paralelismo entre as du?.j anunciagóes do anjq Gabriel,


respectivamente a Zacarías e a Ma , cairia por térra caso se supri-

— 120 —
MARÍA SS. E VOTO DE VIRGINDADE

misse algo das palavras de Maria em Le 1,34. — Ora tal paralelismo-


parece realmente corresponder ás intencoes de S. Lucas de sorte que
temerario Eeria cancelá-lo.

c) Eliminado algo do texto de Le 1,34, ficaria sem sentido o-


v, 37 do mesmo. capitulo: «Nada é impossível a Deus>.

d) Também se tomarla váo o «Faca-se em mim...» do v. 38.


Justamente a resposta de Mará em 1, 38 é fungió da dificuldade sus
citada pela Virgem em 134. Esperar-se-ia urna conclusáo muito mais
jubilosa da parte de Maria. pois a natividade anunciada pelo anjo era
a máis alvissareira possivel.

e) Os dizeres «O Santo que há de nascer...» nao se entende-


riam bem se nao se tratasse, como em Mt 1, 18, de urna conceijáo em
que a agáo do homem tivesse sido substituida pela do Espirito Santo.

f) Par fim, se o íiascimento de Cristo nao é virginal, mas na


tural, fica sendo menos portentoso do que o de Joáo Batista; éste é-
evidentemente resultado de um milagre. Ora a tendencia do Evange
lista é precisamente a de mostrar como a iníervengáo de Deus no-
nascimento de Jesús ainda é mais marcante do que no nascimento<
de Joao.

Está claro que cada urna destas razoes tomada de per si ou isola-
damente talvez pouco convenga; contudo o conjunto das mesmas tem "
sua íórca de argumento ponderoso.

A vista disto, os exegetas mais autorizados nao pensam-.


em eliminar algo do texto sagrado, mas, tomando-o como éle-
hoje e sempre se apresentou, procuram elucidar a iriterroga-
gáo de María por outra via que nao a do propósito de vir-
gindade.
Assim é que conceberam tres ulteriores tentativas de ex-
plicagáo.

2) Por muito estranho que pare-a, o exegeta católico-


Landersdorfer O.S.B. julga que no diálogo entre Maria e o-
anjo houve um equívoco...

O anjo, em aramaico, terá dito lünnake harah, expressáo que-


tanto pode significar «Eis que concebeste» (cí. Gen 16,11) como «Eis
que conceberás» (cf. Jz 13,5; Is 7, 14). Ora Gabriel terse-á referido-
ao futuro («Eis que conceberás...»), ao passo que Maria terá pensado-
no passado («Eis que concebeste...»). Dal a admiracáo da Virgem,
que haveria entáo pfoposto urna pergunta equivalente á seguinte:
«Como poderia eu ter concebido, já que nao tenho relacoes conjugáis?"
Sou virgem; como já estaría grávida?». Assevera Lande.-sdorfei1 que •
Maria, com estas palavras, apenas queria dizer que nao consumara o-
casamento; nao excluía porém, consumá-lo em época oportuna. Cf..
«Biblische Zeitschrift» 7 (1909) 70.

— 121 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 3

Que dizer de tal sentenga ?


— Faz-se mister reconhecer que é muito pouco consis
tente. Nao parece um tanto forcado ou artificial recorrer a
suposigáo de que María entendeu mal as palavras do anjo ?
Também nao se deveria admitir que um mensageiro divino,
como o anjo Gabriel, se exprimíase corretamente e de maneira
a ser devidamente compreendido ?-

Por exigir tais artificios de interpretacSo, a sentenca de Landers-


dorfer nao encontrou grande repercusslo no setor da exegese.
Seguiram-se outras proposigdes.

3) Um grupo de comentadores católicos (D. Haugg, P.


Gaechter, Féret...) assim raciocina :

a) deve-se excluir o propósito ou o voto de virgindade


em María por dois motivos principáis :

a') no Antigo Testamento, o estado de esposa e mae era o Ideal


a que aspirava tóda filha de Israel, pois significava béngáo divina e
participacáo da mulher na obra do Messias (Éste devia vir, sim, como
descendente da linhagem de Israel). A virgindade tomava,. portanto,
o aspecto de esterilidade e maldicao divina.
Tenha-se em vista o caso da filha de Jefté: seu pai condenou-a
a morrer em conseqüéncia de um voto que ele fizera por ocasiáo
de urna batalha. A donzela entáo pediu dois meses para «prantear a
sua virgindade» (cf. Jz 11, 38), isto é, o opróbrio de ter que morrer
antes de chegar ao casamento e á maternidade.

b') Ademáis (argumentam os referidos exegetas), o fato de


María haver contraído noivado com S. José indica que devia ter o
propósito de consumar o matrimonio. O casamento devia ser incom-
pativel com o desejo de permanecer virgem; quem se liga a Deus
por voto de virgindade nao se compromete, ao mesmo tempo, com um
esposo terrestre.
Assim excluido o propósito de virgindade, continua a sentenca:

b) Ao ouvir as palavras do anjo «Eis que conceberás e


darás á luz um filho», María nao recusou em absoluto esta
perspectiva (pois estava realmente dentro do seu ideal). Ape
nas se perturbou, porque entendeu que em breve haveria de
conceber; ora ela ainda nao cohabitava com seu esposo José;
faltavam-lhe alguns meses para contrair o casamento e a lei
judaica nao permitía relagóes antes déste. Doutro lado, María
nao considerava a hipótese de conceber virginalmente, isto é,
sem a colaboraeáo de varáo, pois nunca se dera tal portento
nos episodios do Antigo Testamento, nem mesmo nos casos de
natividades maravilhosas (como as de Sansáo, cf. Jz 13,2-25;
Samuel, cf. 1 Sam 1-2 ; Joáo Batista, cf. Le 1). Em conse-

— 122 —
MARÍA SS. E VOTO DE VIRGINDADE

qüéncia, a pergunta de María ao anjo terá tído o seguinte


significado: .«Como poderia conceber em breve um filho, eu
que nao tenho nem posso ter relacóes conjugáis ?»
A resposta do anjo terá dissipado a perplexidade de Maria:
ela havia de conceber, sim, mas virginalmente, isto é, por obra
direto do Espirito Santo.
Assim esclarecida,- a donzela teria resolvido consagrar
para sempre sua virgindade a Deus; mesmo após o casamento,
conservar-se-ia virgem. José, posto a par déste designio da
virgem, ter-lhe-á dado consentimento, aceitando conviver em
absoluta continencia, mesmo após haver firmado o contrato
matrimonial.

Cf. D. Haugg, Das erste biblische Mariawort. Eine exegetische


Studie zu Lukas 1, 34. Stuttgart 1938; P. Gaechter, Maria Im Erdenle-
ben. Innsbruck 1953; P. Féret, Messianisme de l'Annanciatlon, em
«Prétxe et Apotre» 1947.

Como julgar tal interpretacáo ?


Ela se constrói de maneira mais ou menos gratuita e,
por isto, pouco persuasiva. De fato,
a) Admite que Maria, contraindo matrimonio com José, tinha
necessáriamente o propósito de o consumar... — O texto do Evan-
gelho nao nos obriga a concluir isso ; deixa mesmo margem para se
admitir outra atitude por parte de Maria..., como veremos mais adian-
te (cf. pág. 125).

b) Após a resposta dada pelo anjo no v. 35. Maria terá devo-


tado para sempre sua virgindade a Deus. — Donde se pode deduzir
isto ? O texto do Evangelho por si só nao basta para firmar tal por
menor.

c) As palavras do anjo nao indicavam época precisa para que


Maria concebesse e desse á luz; apenas se referiam ao futuro («Eis
que concebarás...»), futuro que podia ser próximo ou remoto. Por isto
pergunta-se: com que fundamento se assevera que Maria entendeu
trátar-se de um futuro imediato, de modo a ficar perplexa ?

d) Por sua vez a afirmacao «Nao conheco varáo» nao é sufi


ciente para se dizer que Maria tenha julgado dever tornar-se máe em
breve. O verbo presente grego «ginósko» designa nao sdmente o que
se dá no momento atual, mas significa urna acáo habitual, agao que
se pode estender indefinidamente paca o futuro. Se Maria quisesse in
dagar como em breve haveria de conceber, teria mais obviamente, con
forme os filólogos, usado da fórmula «Como se dará Isto, Já que até
agora nao conheci varáo (ouk égnon) ou nao Uve relacóes conjugáis?»

e) Observa-se outrossim que, se Maxia no momento da Anun-


ciacSo aiáo tivesse o propósito de permanecer virgem, nao se explicarla
bem o seu embaraco diante das palavras do anjo: com efeito, a don-

— 123 —
E RESPONDEREMOS» 75/1964 qu. 3

ela estava para cohabitar com reu esposo; a rigor, ela podia mesmo»
■er na mensagem de Gabriel o sinal dado por Deus para que anteci-
tasse o matrimonio e sem demora o consumasse.

Como se vé, também esta terceira sen tenga dos exegetas apresen-
a suas diíiculdades. É o que nos leva a procurar ainda outra tenta-
iva de explicagao do texto evangélico.

4) J. Auer e Audet julgam que María compartilhava,.


:otn as demais donzelas piedosas de Israel, o ideal do casa-
nento e da maternidade fecunda. Ela se preparava para
sto... Contudo, ao ouvir as palavras do anjo, compreendeu.
¡ue era chamada por Deus para se tornar a Máe do Messias
: que «ser Máe do Messias» significava ao mesmo tempo «per-
nanecer virgem». Em outros termos : Maria terá compreen-
iido que o anjo lhe apllcava a profecía de Is 7,14, conforme
i qual urna donzela devia conceber virginalmente e dar á luz
im filho ; seria, pois, agraciada por urna maternidade virginal.
\o perceber isto, Maria em seu íntimo terá formulado logo»
3 propósito de conservar a virgindade. Nao vía, porém, come*
xnciliar essa virgindade com a maternidade ; daí a pergunta r
srComo se dará isso (como conceberei um filho), se, conforme»
[s 7,14, nao hei de conhecer varáo ou nao hei de ter relagóes
conjugáis (deverei permanecer virgem) ?»
Conforme esta explicagao, portanto, Maria tena abracad»
3 ideal da virgindade sómente após a mensagem do anjo, antes,,
porém, de formular a sua pergunta ao mensageiro divino..

Cf. J. Auer, Maria uad das christliche Jungfráulichkeitsideal, em.


íGeist und Leben» 23 (1950) 411-425; P. Audet, L'annonce á Marie, em.
«Revue biblique» 63 (1956) 346-374.

Como avaliar esta sentenga ?


Os exegetas citados afirmam que Maria concebeu o pro
pósito de virgindade logo após a mensagem do anjo. Neste?
caso, nao se entendería a forma verbal presente'«Nao conhe-
(o» ; esperar-se-ia, antes, urna interrogagáo como: «De que?
maneira se dará isso, já que nao conhecerei varáo, nao terei
relagóes conjugáis ?». O verbo no futuro, e nao no presente, é
que teria cabimento.
O anjo nao alude própriamente á virgindade da Máe do>
Messias. Nao obstante, Maria terá associado essa idéia ao ouvir
a mensagem de Gabriel... Terá feito um trabalho de exegeta.
minucioso (confrontando os dizeres do anjo com os de Is 7)
ou terá recebido urna revelagáo interior da parte de Deus...
— Pergunta-se : nao seráo gratuitas estas hipóteses ?

— 124 —
MARTA SS. E VOTO DE VTRGINDADE

Tais consideracóes já bastam para tornar pouco provável


também a sentenga de Auer e Audet.

Em conclusáo, verifica-se que as diversas tentativas de


explicar Le 1,34 sem o propósito previo de virgindade por
parte de María se apresentam assaz artificiáis, exigindo grande
sutileza de raciocinio. Numa palavra, sao muito menos na-
turais do que a explicacáo tradicional, que afirma ter María
desde os primeiros anos devotado para sempre sua virgindade
a Deus.

A forma verbal de presente «Nao conhejo» reveste-se de grande


importancia no caso, pois implica um estado de coisas, urna situagáo
habitual ou ainda a vontade de permanecer «sem conhecer varáo> ou
•«virgem» de maneira duradoura.

Parece, alias; que sómente éste firme desejo é que justi


fica a questáo de María ao anjo: María teria consagrado a
sua virgindade a Deus. Esta nao lhe pertencia; nao podiá,
por conseguinte, renunciar a ela sem explícita permissáo di
vina ; daí a interrogagáo proposta a Gabriel: «Como será pos-
s'vel isso ?». O aaijo entáo lhe respondeu, assegurando que a
sua virgindade nao seria afetada, pois nao se tratava de rea
lizar cópula carnal.

T3o ponderoso é o verbo na íorma de presente «Nao conheca»


que o exegeta liberal A. Lotsy assim o comenta:
«A afirmacao de María C'nao conhe-o') é táo peremptória que
nao se pode classificar de arbitraria a sentenea comum dos exegetas
que nessas palavras entrevéem, em Maria. a intencáo de conservar a
sua virgindade» (Les Évangiles Synoptiques 1, 1907, 290).
Parece, pois, ficar de pé a afirmativa dos antigás cristfios, con-
iorme a qual Maria SS. desde cedo fez o propósito de se consagrar
inteiramente a Deus.

A titulo de ilustracao, transcrevemos da Tradicao apenas o se-


jjuinte texto de S. Agostinho :
«'Como se fará isso, pois nao conheco varáo?' Maria nao teria
proferido estas, palavras, se nao tivésse previamente consagrado a sua
"Virgindade a Deus. Contudo, já que os costumes judaicos «So admitiam
tal voto, ela foi dada por esp6sa a um varao justo, que nao violenta-
Tia, mas antes protegería contra os violentos o que ela consagrara a
Deus... Aquela em quem o FUho de Deus tomaría a forma de servo
podía por milagre ter recebidb a ordem de permanecer virgem. Mas,
a fim de que ela se tornasse exemplo para as santas virgens,... ela
consagrou sua virgindade a Deus no momento em que ainda ignorava
& conceicáo futura. Assim a vida celeste seria imitada num corpo mor
tal e terrestre; e isto... por voto, nao por preceito; por amor de
jsrediles&o, nao por obrigacao» (ed. Migne lat. 40, 398).

Eis, porém, que contra a afirmativa tradicional levantam-se hoje


em dia algumas objecoes. £ o- que o parágrafo abaixo considerará.

_ 125 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 3

2. Esclarecendo dúvidas...

1) Antes do mais, póe-se a questáo: se María desejava


permanecer virgem por toda a vida, por que terá contraído
noivado com S. José ? Nao haverá nisso contradigáo ?
— Diz a literatura apócrifa que María foi por seu pai es
timulada a dar ésse passo. Tal noticia nao se impóe como se
gura. Como quer que seja, pode-se admitir que María tenha
aceito a perspectiva do matrimonio, porque era esta a praxe
vigente em Israel para todas as donzelas. Se a Virgem se ti-
vesse furtado a tal costume, teria sido talvez importunada por
comentarios e intervengóes pouco discretas; sua virgindade
correría perigos, perigos que ela justamente evitaría contraindo
matrimonio. Foi, portante, isto o que a Virgem resolveu fazer,
certamente depois de se ter assegurado de que S. José consen
tiría em seu propósito e a deixaria viver tranquilamente a
sua consagragáo virginal.

Nao há dúvida, o matrimonio aesim efetuado constituía uma


excecáo, como, alias, também constituia excecao em Israel a vida
virginal. Sómente uma especial inspiracáo de Deus poderia justificar
o procedimento de Maria e José.
Mas ainda se poderia objetar:

2) Nao havia ambiente em Israel para que uma donzela


pudesse estimar a virgindade. Tal propósito vinha a ser, por
isto, práticamente impossível!
— A isto será preciso responder que, embora as mais
antigás tradigóes israelitas fóssem desfavoráveis á virgindade,
no decorrer dos séculos esta foi ganhando aprego por parte
dos mais piedosos membros do povo de Deus.

De fato, tenham-se em vista os seguintes traeos relatados pela


própria S. Escritura :

a) em Israel, como nos povos semitas, dava-se grande valor á


virgindade da noiva.
Assim, quando o servo de Abraáo procurava espdsa para Isaque,
viu «Rebeca, filha de Batuel,... jovem extremamente bela, virgem
que homem algum havia até entáo tocado» (Gen 24,15s).
Cf. também Jz 19,24; Lev 21, 7. 13s; Ez 44,22; 1 Rs 1,2; Est 2,2s.
Ao contrario, a joverti deflorada perdía multo da estima de seus
concidadáos. É o que se depreende das seguintes passagens da Lei
de Moisés:
«Se um homem seduzir uma virgem que nao fór noiva e dormir
com ela, pagará o seu dote e a desposará» (Éx 22, 16) ;
- «Se um homem, depois de ter esposado uma mulher,... vier a
aborrecé-la e... se puser a diíamá-la, dizendo: 'Esposei esta mulher
e, ao aproximar-me déla, descobri que nao era virgem', entáo o pai e

— 126 —
MARÍA SS. E VOTO DE VIRGINDADE

a máe da donzela tomarlo as provas da sua virgindade e as apresen-


taráo aos andaos da cidade» (Dt 22,13-15).

b) A perda da virgindade acarretava desgrana ou desonra de


máxima* importancia. Por isto dizia o sabio :

«Tens filhas? Zela pela integridade de seus corpos,


E mostra-lhes ura semblante austero.
Casa tua íilha, e terás feito grande obra;
Dá-a, porém, a umr homem sensato».
(Eclo 7,26)

Cf. 2 Sam 13,1-18; Lam 5,11; Eclo 42,9-11.

c) Exigia-se dos fiéis israelitas a continencia previa para que


pudessem exercer as fungóes do culto sagrado:
«Moisés desceu da montanha para junto do povo e mandou que
éste se preparasse. Lavaram entáo suas vestes. Em seguida, disse-lhes:
Estai prontos para depois de amanhá. Nao vos aproximéis de mulher
alguma» (Éx 19,14s).
Quando Davi pediu ao sacerdote Aquimeleque que Ihe desse os
páes do santuario, assim argumentou: «Nao tivemos contato com mu
lher alguma desde que partí, há tres dias. Todos os objetos que per-
tencem aos meus servos, estao (Igualmente) puros» (1 Sam 21,5).

Tais episodios nao significam condenacáo das relacdes conjugáis


como tais. A Escritura Sagrada tem, sim, o matrimonio como algo de
santo. Isto, porém, nao impede que o próprio Deus, através da historia
e da Escritura mesma, tenha despertado no seu povo a consciéncia
de que aínda mais santa é a castidade perfeita, porque permite mais
intensa consagrado ao servigo do Senhor.

d) A figura de Judite também é um testemunho da es


tima que os israelitas foram consagrando a vida totalmente
devotada a Deus, fora do consorcio matrimonial. Judite, após
enviuvar, recusara muitas propostas de novas nupcias e «nao
conhecia varáo» desde que seu marido falecera; dedicava-se
inteiramente á oracáo e a. penitencia (cf. Jdt 8,1-8 ; 16,26-28).
E isto foi abengoado por Deus.

" e) A viúva Ana, do Templo, constituí outro testemunho


cdndizente com o de Judite (cf. Le 2, 37).
Ora do propósito de castidade concebido por essas duas
viúvas ao proposito de virgindade, suposto em María, a dis
tancia é< pequeña...

Mas nao sámente tais episodios biblicos se podem registrar.


Encontram-se textos da historiografía profana que atestam o
-crescente apreco dos piedosos israelitas pela vida consagrada a Deus
sem relacCes matrimoniáis.
Eis, por exemplo, o que refere o historiador romano Plinto
(t 79), tendo em vista os Essénios, ascetas- judaicos do limiar da era
crista:

— 127
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964 ou. 3

«A oeste .(do Mar Morto)... estáo os Estenios: gente solitaria


«...., mais do que as outras. surpreendente; vjye sem mulheres, re
nunciando aos prazeres do amor; sem dinheiro...; sem decrescer em
número, ela renasce de urna multidao de recrutas... Assim, coisa
incrível..., esra gente é perpetua, embora seja gente em que nin-
guém nasce» (Hist. nat. 5, 17).

Os historiadores judeus Flávio José (séc. I d.C.) e Filón de


Alexandria (t 44) apresentam semelhantes depoimentbs. Filón chega
mesmo a dizer:
«Do amor a Deus os Essénio*! d3o numerosas prova": a casti-
d"de ri-i-iv.+o a v¡f|^ infera de «nio '"in+eTiini-o e continuo a irre-
preensibilidade, a lealdade...» (Quod omnis probus sit liber 84).
Filón refere que também entre as mulheres florescia o mesmo
Ideal da vida consagrada a Deus em períeita castidade. Asrim, par
•exemplo, escreve a respeito das Terapeutas, monjas israelitas de fins
<3a era pré-crista: ■ . ■
«A maioria délas sao virgens idosas que guardaram a castidade...
«n virtude de livre decisao. Por procura e amor da sabedoria. entre-
garam-re a vida comunitaria desprezando os.prazeres do corpo; de-
seiam ter descendencia nao mortal, mas ¡mortal, descendencia que a
alma amida por Deus está em condicSes de gerar» (De vita contem
plativa 68).
•Alguns autores modernos p8em em dúvida a existencia dessas
monjas terapeutas. Contudo já o lato de que Filón tenha podido apre-
sentar no 'texto ácima a vida virginal como ideal da vida piedosa nos
"basta: atesta que no povo de Israel ¡mediatamente anterior á era
■crista havia, sim, ambiente para que urna donzela concebesse o pro
pósito de consagrar sua virgindade a Deus. Ora tal terá sido o caso
-da Virgem Maria, conforme o Evangelho de S. Lucas e o testemunho
da Tradicao crista.
Mais ainda: em 1947, junto ao Mar Morto, em Qumran, foram
<3escobertos documentos de urna comunidade de israelitas fervororos
■que se consagravam á oracao e a penitencia no deserto, vivendo muí-
tos déles em celibato. Nessa colecáo de documentos, está um volume
intitulado «Combate dos íilhos da luz contra os filhos das trevas»,
compendio .de normas de conduta : manda, entre outras coisas, que
mulheres nao penetrem no acampamento dos soldados na ocasiáo da
guerra escatológica ou da guerra decisiva entre o bem e o mal no
iim dos séculos... E por que nao ?
— Porque tal guerra era considerada servido religioso, obra san
ta ; os filhos da luz ou os membros do povo de Deus que a realiza-
vara, deviam entáo uciir-se á milicia célete e, conseqüentemente, levar
vida angélica, na proximidade de Deus (VII 3-4).
Esta pequeña prescricao bem mostra como no limiar da era crista
«stava difundida em Israel a idéia de que o servico de Deus, levado
as últimas conseqüéncias, pede castidade perfeita. Maria, especialmente
iluminada pela graga do Altíssimo, nao haveria compartilhado essa
intuicáo ? '

A título de complemento, notaremos que o propósito de:


virgindade concebido por Maria desde os seus anos de adoles
cencia nao constituí artteo de fé católica. Se alejuém nao o
aceita, nao cai na heresia.... O dogma, sem descer a tais

— 128 —
MARTA.. VIROEM NO PARTO

pormenores, apenas afirma que Maria foi virgem antes da


parto, no parto e depois do parto.

IV. DOGMÁTICA

BANDEIKANTE (Rió de Janeiro) :

4) «Como se pode entender que María tenha permanecida


virgem no parto ?
Nao haverá nisso urna contradicáo ?»

Distribuiremos a resposta, considerando primeiramente os


ensihamentos da Sagrada Escritura e da Tradigáo concernen-
tes ao assunto. A seguir, examinaremos urna sentenca mo
derna e a respectiva declaragáo da Santa Sé.

1. A doutrina das fontes

1) Sagrada Escritura
Cerno sabemos, a Escritura nao apresenta exposicáo sis
temática de todas as verdades da Revelado crista. Algumas-
ai se acham apenas insinuadas ou abordadas em relance. Tal
é o caso da virgindade de Maria em seus diversos aspectos.

A virgindade de Maria anterior ao anuncio do anjo depreende-se


dos dizeres de Le 1,27. Nao é materia de graves debates entre teólo- .
gos e exegetas.
A virgindade de Maria ao conceber se deduz do texto de Le l,34s
(que a questao n* 2 déste fascículo já considerou), assim como do-
episodio narrado em Mt 1,18-23.

A virgindade de Maria por ocasiao do próprio parto está,


por sua vez, insinuada nos dizéres de Le l,34s: o propósito
que María fez de guardar para sempre a sua virgindade foi
corroborado pela resposta do anjo. Éste lhe assegurou que o-
Espirito Santo interviria em sua maternidade de modo que
nada havia a recear para a sua virgindade ; esta permanecería
intata, mesmo quando a donzela viesse a ser máe.
Ademáis S. Lucas (2,7) deixa entrever que María deu á
luz sem sofrer as.dores do parto, de maneira que pode imedia-
tamente por si prestar a Jesús os primeiros cuidados mater
nos : «envólveu-0 em panos e recliriou-0 num presepio».

Certos exegetas ponderam outrossim que S. Mateus (l,22s) aplica


a profecía de Is 7,14 aoriasciménto de Jesús: «Eis que üma virgen*..-

— 129: ¿- -
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 4

concebe e dá á luz um filho...>. Dal Ihes parece poder depreender-se


que a vlrgem permaneceu virgem no próprio parto.
Objetam alguns: S. Lucas (2,23) aplica a Jesús o texto de Éx
13,2.12.15, texto conforme o qual Cristo serla «o filho que abre o
seio materno»...
A esta dificuldade responde-se: «filho que abre o seio materno»
é expressáo clássica da Lei de Moisés para designar o primeiro (ou
também... o único) filho. Tais palavras n§o tém em vista um fenó-
meno fisiológico, mas apenas a posicáo jurídica do filho na familia.
Donde se vé que a passagem de Le 2,23 nao afeta o nascimento vir
ginal de Jesús.
Sobre a razáo de ser da puriíicagSo de Maria após o parto, veja
«P.R.» 13/1959, qu. 7.
Eis quanto se pode colhér na S. Escritura com referencia á vir-
gindade de Maria no parto. Será preciso reconhecer que os citados
textos, por si mesmos, nao bastariam para fundamentar o dogma.

2) A Tradicáo crista

Foi, sim, a Revelacáo oral consignada nos documentos da


Tradigáo crista que incutiu no povo de Deus plena consciéncia
de tal prppósicáo.

Désses testemunhos, reproduziremos apenas um, colhido nos es


critos de Sao Jerónimo (t 420). O S. Doutor apoiava o dogma do nas
cimento virginal de Jesús no texto de Le 2,7:
«Nao houve, no caso, parteira; nao foram necessários os cui
dados de mulheres servicais. Maria mesma envolveu em panos a
crianca ; ela mesma foi máe e parteira.
Nulla ibi obstetrix; nulla muliercularum sedulitas intercessit. Ipsa
pannis involvit imfantem, ipsa et mater et obstetrix fuit» (De perpetua
virginitate, ed. Migne lat. 23, 192).

Ensinada comumente pelo magisterio da Igreja, a virgin-


dade de Maria no parto constituí dogma de fé, freqüentemente
expresso na fórmula rítmica de S. Agostinho :
«Virgo concepit, virgo peperit, virgo permansit.
(Maria) concebeu virgem, deu á luz virgem, permaneceu virgem».

(serm. 51,18 ; .190,2; 196,1...)

Note-se, porém, que a fórmula dogmática apenas afirma


o fato da virgindade no parto... Nada diz acerca do respec
tivo modo. Os doütores e escritores cristáos o entenderam no
sentido de que Maria conservou a intégridade física ou o seio
da virgindade corporal ao dar á luz o seu Divino Filho. Por
conseguinte, houve, no caso, um fenómeno estritamente sobre
natural ou milagroso. Os autores cristáos, ao afirmá-lo, pro-
curaram ilustrá-lo mediante fatos ou textos bíblicos. Assim

— 130 — '
MARÍA, VIRGEM NO PARTO

• - á) a passagem de Jesús'através das paredes do Cenáculo,- que


dd modo nenhum soíreram brecha (cf. Jo 20, 19.26).
S. Agostinho, pbr exemplo, observa que, se eremos que Deus
nasceu na carne humana, devemos admitir que essas.duas outras col-
sas sejam igualmente possiveis a Deus: «Que o Senhor, sem abrir as
portas, tenha apresentado o seu corpo aos discípulos que estavam no
cenáculo, e que file mesmo, na qualidade de Esposo e Filho, tenha
saido do seu tálamo, isto é, do seio materno, deixando intata a vir-
gindade de sua máe» (serm. 19142).

b) ... a saida do sepulcro, na manhá da ressurreicao, sem que


se fendesse ou rompesse a pedra sepulcral (cf. Mt 28,2);

c). a sarga que ardia diante de Moisés, mas <náo se consumía (cf.
Éx 3,2) ;

d) a porta que Ezequiel avistou fechada...; deu passagem ao


príncipe, de modo, porém, a permanecer para sempre fechada (44.2):
«Santa é a porta de Marta, que estava fechada e nao foi aberta. Por
ela passou Cristo, sem, porém, a abrir» (S. Ambrosio, séc. IV, De
instit. virg. VIII 54);

e) o jardim fechado e a fonte selada do Cántico dos Cánticos


(4,12).

Os Padres também recorreram á imagem do ralo de sol, que


atravessa o vidro sem o partir;... á do conceito que é gerado pela
mente ou pela inteligencia sem que esta sofra ruptura ou lesáo.
Nao há dúvida, tais figuras servem apenas para elucidar o dogma
da virgindade perpetua, nao para o ppovar diretamente. sao úteis ao
menos por mostrarem como o portento do nascimento virginal de
Jesús nao é algo de estranho ou alheio aos procedimentos de Deus.

A teología escolástica, na Idade Media, rematou o estudo


das questóes concernentes a ésse dogma, considerando de
modo especial a dúvida: como se poderia entender ou justi
ficar a interpenetragáo de corpos, de modo que o córpo de
Jesús passasse pelo castissimo seio da Virgem sem o romper
ou dilacerar ?

A resposta a tal questao apoia-se em categorías filosóficas, que


talvez nao sejam familiares a todos os leitores. Contudo vai aqui su
mariamente proposta, a fim de se comprovar que o nascimento virgi
nal de Jesús nao é algo de absurdo ou ilógico, mas, sim, algo que, era-
bora só aconteca fora das leis comuns da natureza, nao contradiz ás
normas da inteligencia; está, portante, perfeitamente emquadrado
dentro do ralo de acao da Onipoténcia Divina.

Eis como argumentam os teólogos :


A materia tem como um de seus primeiros e principáis
acidentes a quantidade.
Ora a quantidade produz dois efeitos :

— 131 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75A964. qu. 4

1) justapóe parte ao lado de parte, fazendo que a ma


teria seja estensa. É éste o efeito primario da quantidade ?
nao pode em hipótese alguma ser supresso; se tal se desse,
extinguir-se-ia a própria quantidade.

2) O eféito secundario da quantidade consiste em fazer-


que a materia estensa (ou corpo) ocupe um «ubi» ou.um lugar
no espado, de modo que os corpos se coloquem uns áo lado;
dos outros.
Normalmente, todo corpo goza do duplo efeito da quan
tidade, isto é, tem sua estensáo («ordem das partes entre si»)
e sua localizacáo («ordem das partes em relagáo ao ambiente
que as cerca»).
A razáo, porém, nao vé absurdo na hipótese de que Deus
permita apenas o efeito primario da quantidade e impega o-
outro, fazendo que as partes de um corpo deixem de ter rela-
-gáo com o respectivo ambiente. Neste caso, os corpos deixam de-
ter relacáo de justaposi'áo entre si; um determinado corpa
torna-se entáo capaz de receber outro corpo no espado dimensio
nal que ele ocupa, ou seja, os corpos podem penetrar uns nos
outros.
Ora é isto o que se terá dado no nascimento de Jesús»
entre o corpo do Salvador e o da Virgem SS. Cf. S. -Tomaz,
Quodl. I 22.
Parece que seria fora de propósito deter-nos mais pormenoriza-
damente sobre asta explicacáo filosófica, a qual sup5e certa inldacáo
na filosofía escolástica. Veja-se, de resto. J Gredt, Elementa philoso-
phiae aristotelico-thomistlcae, ed. 7a. I 320-23.
Bastará a sucinta exposicSo ácima para evidenciar que a fé na
virgindade de Mariá no parto nao é algo de cegó ou indigno da raza»
humana. Grandes filósofo* tiveram essa fé e souberam ilustrá-la ou
mostrar a sua plausibilidade mediante as categorías da lógica ou da
inteligencia.

Até aqui expusemos a sentenca tradicional referente á


virgindade de María no parto.
Recentemente, porém, tém-se feito ouvir vozes de teólogos
que, sem negar o fato ou o dogma, pretendem explicar diver^
sámente o modo como se terá dado.

% A sentenga. moderna,

1. A partir de 1933, alguns autores, á frente dos quais está A.


Mitterer, Professor de Biologia na Universidade de Viena, tentam via
nova neste setor de estudos... Repitamo-lo: pretendem, sem hesi-
tágáo. guardar a proposicab de fé (virgindade no parto), apenas, re-
consideram o que éles julgam passível de reconsideracáo ñas concep*
C5es antigás.

— 132 —
MARÍA, VIRGEM NO PARTO

Assim raciocinam:

A maneira tradicional de explicar o nascimento virginal de


Jesús supóe nogóes biológicas medievais, as quais hoje estáo
ultrapassadas. Supóem, sim, que, ao dar á luz, a gestante se
comporte de maneira passiva mais do que ativa. Ora a Biología
moderna ensina que a maternidade é fungáo eminentemente ati
va por parte da genitora. O parto é um ato da máe que gera,
e nao do filho que nasce. A atividade materna consiste nos
movimentos fisiológicos necessários para projetar o feto, e acar-
reta conseqüentemente o rompimento do sélo virginal ou do
lumen. Caso isto nao se dé, tem-se simplesmente o nascimento
de urna crianga, nao própriamente um parto e urna verdadeira
maternidade; tem-se um ato da crianza que nasce, e nao um ato
■da genitora que dá á luz. — A fé crista, porém, atribuí a María
xana auténtica maternidade.A donzela de Nazaré nao foi apenas
um templo pelo qual passou Cristo...; por conseguinte, será
■preciso dízer que Jesús é realmente um produto da atividade
materna de María, nao sómente no período de gestagáo, mas
também no parto.

Caso se admita esta conclusáo, pergunta-se naturalmente :


mas entáo como se pode ainda falar de «virgindade no parto,
de María»? Qual o elemento extraordinario que ai resta de modo
a permitir o uso de tal expressáo?
Seja a resposta dada por um dos arautos máis recentes
da nova senten;a, o Pe. J. Galot S. J., que escrevia em 1960:

«É preciso reconhecer a maternidade de María toda a sua am-


plidáo, mesmo no setor corporal. O que há de excepcional nessa mater
nidade. é a intervenc&o do Espirito Santo no ato de conceber. Tal.ln-
tervencjio, milagrosa como foi, tornou o parto milagroso ;... mila
groso, porém, quanto á origem, nao quanto ao modo; com relacáo
ao modo de nascimento, nao se exige novo milagre... O que há de
maravilhoso. no parto de María, é que ele é virginal por causa da con-
<eicáo da crianca ; a virgindade no parto é o prolongamento da vir
gindade na conceigáo. Fora. porém do milagre da concekáo, tudo que
Jiá de habitual na maternidade corpórea deve ser atribuido a Maria;
por conseguinte, também a parturicáo da criamca segundo as leis nor
máis da maternidade.
Porque recusaríamos a María a atividade normal do parto, atiyi-
■dade que é ato importante da maternidade ? Assim como nao é licito
■derrogar á virgindade de Maria, assim também nSo se pode diminuir
■a sua maternidade...
Seria erróneo julgar que, por tal parto, a maternidade de Maria
■extinguiría o sinal da virgindade. Se algum slnal devé ficar gravado
tío corpo de Maria e persistir atualmente em sua carne gloriosa, é o
sinal da maternidade virginal; é o sinal que Jesús abriu no seio ma
terno, seio fechado aos homens, de modo a dar passagem a Deus só...

— 133 —
aPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964, qu. 4

O nascimento, em toda a sua realidade íisica tao humilde, faz


parte do aniquilamento do Filho de Deus; retirar-lhe parte desta
realidade equivale a diminuir a profundidade de tal aniquilamento e a
nobreza do misterio da Encamacáo» (La virginité de Marie et la
naissance de Jésus, em «Nouvelle Revue Théologique» 92 11960] 466s).

Em conseqüéncia, nao hesitam os fautores da nova sentenga


em admitir, tenha María sofrido as dores do parto. O fato de
ter ela mesma enfaixado o filho recém-nascido nao lhes parece
suficiente para se supor parto indolor.

2. A nova sentenga, assaz revolucionaria, como se vé,


provocou os protestos de bons teólogos, os quais procuraram
demonstrar que é temerario e, de certo modo, incompativel
com os dados da fé crista.

Tenham-se em vista principalmente O. Graber, María Virgo in


partu, em «Theologisch-praktische Quartalschrift> 107 (1959) 306-317;
J. C. Fentan, Our Lady's Virginity in partu, em «The American Eccle-
siastical Review» 130 (1954) 46s.

Nao há dúvida, asseveram tais autores, poder-se-ia definir


a virgindade sem envolver a nocáo de integridade física; virgem
seria apenas a donzela preservada de deleites e atos sexuais
desregrados. Também se poderia, a rigor, admitir que Jesús, ao
nascer, tenha desfeito a integridade carnal de sua Máe SS- —
Contudo nem urna nem outra destas duas proposigóes parece
aplicável a María, desde que se levem em conta os documentos
da Tradigáo crista e do magisterio ordinario da Igreja: estes
parecem exigir, para a Santa Máe de Deus, um parto milagroso,
que nao tenha acarretado nem a ruptura do sélo virginal nem
as dores características.

Observa-se mais que éste modo de ver da Tradicáo nao se acha,


de modo nenhum, ligado a determinadas concepgoes científicas, multo
menos ás conceptees biológicas da Idade Media. Os teólogos medie-
vais teráo tido outras nocoes que nos, no tocante ao papel da gestante
no parto... Contudo isto nao afeta a sua sentenga referente ao modo
como nasceu Jesús ; podemos continuar a afirmar esta, sem ter que
asseverar aquelas. Mesmo do ponto de vista biológico, nao se vé por
que a genuina maternidade só se possa dar com ruptura da Integridade
física e com as habituáis dores do parto.

Por último, deve-se ainda registrar que o conceito de «virgindade


no parto» é totalmente desvirtuado ou reduzido a palavras sem rea
lidade correspondente, caso se admita a sentenca de Mitterer, Galot e
seus sequazes. A virgindade no parto nada teria tido de próprio ou
especifico ; haveria sido apenas a virgindade anterior ao parto ou a
virgindade no ato de conceber. No ato de dar á luz, nada mais de vir
ginal ou nada mais de integral se teria verificado. Destarte cairiam ós

— 134 —
MARÍA. VIRGEM NO PARTO

teólogos inovadores em confuto com o próprio dogma da lé, por mais


que o desejassem salvaguardar.

Forara estas consideracOes que levaram a. S. Igreja a se pronun


ciar explícitamente sobre o assunto.

3. A declaragáo da Igreja

Aos 27 de julho de 1960, a Congregagáo do S. Oficio baixou


um decreto desfavorável á posicáo ¡novadora que acabamos de
referir. O documento foi redigido sob forma de carta enderegada
aos Superiores Gerais das Ordens e Congregagóes Religiosas,
a fim de que os respectivos súditos (teólogos, escritores, prega-
dores, confessores, etc.) déle tomassem conhecimento e o obser-
vassem fielmente.
Eis o teor da declaragáo:

«Suprema Sagrada Congregacáo do Santo Oficio


Prot. N. 311/60/i
Palacio do Santo Oficio, 27/7/1960

Revmo. Padre,

Ksta Suprema Congregacáo Sagrada teve que constatar repetidas


vézes, com profunda preocupacSo, nestes últimos tempos, que se publl-
cam estudos teológicos nos quais a delicada questao da virgindade de
Maria Santissima no parto é tratada com deplorável crueza de ex-
pressáo e, o que é mais grave, em aberta contradicao com a doutrina
tradicional da Igreja e com o piedosc sentir dos fiéis. ■
Na Congregacáo plenária de quarta-feira 20 do corrente, pareceu,
pois, necessário aos. Emos. Padres do S. Oficio, em virtude da sua
gravissima responsabilidade de tutelar o depósito sagrado da doutrina
católica, determinar que para o futuro seja vedada a publicagáo de se-
melhantes estudos sobre o problema em questao.
Vossa Paternidade Revma. queira providenciar no sentido de que
seja escrupulosamente observado, por parte dos Religiosos dessa Or-
dem, tal decreto da Suprema Congregacáo.
Na expectativa de tuna cortés resposta, de bom grado me con
firmo com sentimentos do mais religioso apreco,

De Vossa Pat. Revma.


dedicadíssimo
P. Raimondo Verardo, O.P.
Com. rio»

Neste documento, dois pontos parecem merecer especial


relevo:
1) deplora a crueza de expressóes e minucias com que os
teólogos modernos tém estudado o dogma da virgindade de
María, focalizando-o através de um prisma demasiado natural ou

— 135-T-
; V. R'F.<5POMr>FRKW)St> 75/19R4 nu. 4

biológico e insuficientemente sobrenatural ou teológico. Certo


racionalismo ou naturalismo parece inspirar tal tendencia.
A S. Igreja sempre fez questáo dé mostrar que os dogmas de fé
nSo se op8em ás verdades das ciencias (nem das ciencias positivas em
píricas nem das ciencias especulativas filosóficas). Esta demonstracáo
foi prestada também para o dogma da virgindade de Maria no parto
entendida no sentido da integridade física; vimos como S. Tomaz e
os escolásticos se aplicaram a isto.
Urna vez prestada tal satisfacáo ás exigencias da razáo, a S. Igreja-
faz questSo de que haja sobriedade e reverencia ao se tratarem as
proposicBes de fé, principalmente aquelas que mais se podem prestar
a desvirtuamentos (como seria a da virgindade de Maria). O magis
terio da Igreja afirma que o nascimento virginal de Jesús foi algo de
milagroso, sem análogo precedente ou subseqüente na historia. Asse-
vera, porém, que ésse. milagre está perfeitamente contido dentro das
linhas do proceder sabio e grandioso do Senhor Deus. Doutro lado,
nada tem que ver com os mitos de antigás religióes, por mais que
estes se paregam com o dogma cristáo (cf. «P.R.'» 8/1958, qu. 7), pois
fundo, inspiracáo e mentalidade diferem por completo na fé crista e
no mito pagáo.

Em pleno séc. XX a S. Igreja nao se intimida diante do


dever de lembrar a seus filhos a necessidadé de conservar tal
atitude sobria e reverente na consideracáo da virgindade de
Maria e de seus diversos aspectos.

2) A declarado do S. Oficio chama a atengao para a


incompatibilidade da nova sentenca com a doutrina tradicional
da Igreja. Parece, pois, que a integridade física de Maria no
parto é elemento envolvido pelo depósito da fé a ponto de nao
ser lícito pretender remové-lo. Vé-se assim que a Igreja quer
professar o nascimento virginal de Jesús no sentido que cons
tantemente lhe foi atribuido através dos sáculos.
A Integridade física como tal sempre constituiu um valor
positivo no Cristianismo. Por isto já S. Paulo, no limiar da. era
crista, asseverava, em termos equivalentes, que santo é o ma
trimonio, mas ainda mais santo é o estado virginal (cf. 1 Cor 7).

Note-se que no matrimonio também se observa a castidade; mas


nao se guarda a integridade física. Dado que se leve a vida conjugal
de acdrdo cbm as leis mesmas da natureza, o casamento é um bem,
pois corresponde aos designios expressos na criacao do primeiro casal
<cf Gen 1,28). — Acontece, porém, que na virgindade a observancia
da castidade incluí conservasáo da própria integridade corporal; isto
«onstitui maior valor do que ó estado matrimonial, pois possibilita mais
^ampla dedicagao ao Senhor e aos bens espirituais; a virgindade crista,
é como que a antecipacao do estado dito «escatológico»- ou final; é,
•dentro dos limites do possivel, a realizacao da vida futura no mundo
^presente. Ela deve apresentar-se como um sinal ou um testemunho
jpara o mundo.

— 136 —
«HIBERNACAO» MEDICINAL E MORAL CRISTA

Verdade é que a virgindade nao pode ser definida única


mente por criterios anatómicos. Deveráo, porém, ser tidos como
excegóes os casos em que urna donzela seja considerada virgem
embora tenha perdido sua integridade física sem culpa própria
(por intervengáo cirúrgica ou algum acídente).
Tais coñsidéragóes éxplicam, de certo modo, por que o
Senhor Deus terá desejado associar o dom da virgindade ao da
maternidade na criatura mais rica de gragas que a sua Sabe-
doria concebeu, ou seja, em María.
A Igreja, mediante a declaracáo do S. Oficio, quer chamar
a atencáo nao sómente para urna das belas prerrogativas da
Santa Máe de Deus, mas também para o sentido positivo e gran
dioso que a virgindade física possui dentro da mentalidade crista.
O estado virginal (na sua concep?áo corporal) é no sáculo XX,
como foi e sempre será, um dos elementos centráis e marcantes
do Cristianismo neste mundo.

Nao há düvida, declaracao do S. Oficio nSo é deflnicáo dogmática


infalível. Contudo é documento aprovado pelo Sumo Pontífice. Ao iiel
católico nao basta tributar-lhe silencio obsequioso, ou seja, abster-se
de apregoar a sentenga rejeitada, mas requer-se que lhe preste ver-
dadeiro assentimettto interior, assentimento dito «relativo» (porque
limitado ao grau de autóridade que a Igreja queira atribuir a essa sua
declaragao).

V. MORAL

ENFERMEIRO (Rio de Janeiro) :

5). «Hoje em día fala-se do ressurreicao e de imortalizacao


do homem por processos meramente científicos, sem recurso
a Deus e a valores religiosos. O homem se tornará o autor da
sua imortalídade, dizem.
Quisera saber qual o fundamento de tal afirmacáo e como
a jolga a consciéncia crista».

A ciencia moderna entrou numa fase de aceso combate á


morte; em conseqüéncia, certos autores julgam que o homem
em breve poderá superar o próprio desenlace, de modo a viver
perpetuamente.
A tática que levaría a tal resultado, é a chamada «hiber-
nagio», ou sejá, a congelagáo do corpo humano em tempera
turas tais que paralisem o metabolismo do organismo, sem,
porém, destruir os respectivos tecidos. Em ocasiáo oportuna,
o organismo congelado deve ser de novo aquerido; espera-se

— 137 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 75/1964, qu. 5

que entáo volte a realizar as suas fungóes, dessa vez curado


pelo repouso ou ao menos em vía de ser curado...
Assim escrevia o famoso biólogo francés Jean Rostand em 1959:

«Um dia veremos que os'doentes incuráveis e os anciáos se faráo


congelar. Seráo colocados em gavetas com rótulos do seguinte teor:
'Deverá ser despertado quando se tiver um remedio contra... o cán
cer, a velhice (e por que nao... contra a morte ?)'»

Rostand, exprimindo-se assim, aludia aos trabalhos de um den


tista norte-americano, R.C.W. Ettinger, professor de Física, Astrono
mía e Matemática na Universidade de Wayne. Ettinger, mima tese
muito categórica intitulada «A imortalidade está á vista !», asseverava
que desde já o homem pode ressuscitar ou reviver físicamente após a
morte. Chegava a apregoar a fundacao da «Sociedade dos futuros
Imortais», reconhecendo todavia que seria necessário um verdadeiro
exército de vigias especializados para guardar os túmulos, ou melhor,
os «dormitórios-geladeiras» (como dizia o próprio Ettinger) désses
aparentes cadáveres. Ao mesmo tempo, perguntava se o nosso planeta
poderia dar abrigo e-alimentacao a tantos milh6es de homens «ressus-
citados», pois já hoje em dia o problema da alimentacSio é grave, e
tende a se agravar cada vez mais, dado o extraordinario aumento da
populacáo mundial. Ettinger, porém, ainda se consolaya, lembrando
que os processos de hibernac&o, dispendiosos como seriam, nao esta-
riam ao alcance de todos os homens; a congelacáo de um corpo humano
sairia, sim, por 4 milhSes de antigos francos franceses, ou seja, 40 mil
novos francos.
Verdade é que urna grande Companhia que explora a industria do
frió, foi interpelada, sobre as possibilidades de sua colaboracáo nesse
terreno ; respondeu estar, sim, interessada pelo problema e disposta á
examinar com atengSo qualquer proposta concreta que lhe fósse feita.

O método imaginado por Ettinger para obter a imortali-


zagáo do individuo (como composto de corpo e alma, nao apenas
como alma) era em si muito simples : ensinava qué no momento
da morte de urna pessoa se deveria congelar o seu cadáver ém
temperatura próxima do zero absoluto (273° abaixo do zero
comum). Nessa temperatura, julga-se que a materia já nao ,
é capaz de atividade; fica por completo parausada, de modo a
nao poder sofrer deterioracáo ou destruigáo alguma. TaLefeito
se poderia alcangar mergulhando o organismo em helio líquido, -
cuja temperatura é de — 269°. Feito isto, ésse mesmo organismo
seria posto em um «dormitório-geladeira». E os médicos aguar-
dariam...

— Que aguardariam ?
Duas coisas :... que a medicina estivesse em condigóes
de progresso tal que já pudesse curar a doenga do corpo con
gelado, e que pudesse descongelar o organismo conveniente
mente de modo a lhe aplicar o remedio descoberto.

— 138 —
«HIBERNACAO» MEDICINAL E MORAL CRISTA

A congelagáo, porém, (observam os cientistas) exigiría que os


trabalhos a' ser executados no momento do desenlace do doente se efe-
tuassem com t6da a rapidez possivel. Com efeito, a imobilizagáo do
coragáo (que caracteriza a morte) acarreta a asfixia progressiva dos
tecidos do organismo ; ao cabo de 5 ou 6 minutos, as células do cor-
tice cerebral (que sao as primeiras atingidas) sucumbem de modo tal
que doravante já ñáb é possivel conseguir a reanimagSo do corpo;
faz-se mister, por cosnseguinte, aproveitar os 5 ou 6 minutos que de-
«oirem entre a paralisagáo do coracáo e a conseqüente asfixia das
células cerebrais.

Eis as idéias e os planos de Ettinger e de seus colaboradores.


Vejamos o que na prática os estudiosos tém alcangado
ueste campo de pesquisas. A seguir, auscultaremos o parecer
da consciéncia crista sobre o assunto.

1. Os fundamentos científicos

As técnicas de hibernagáo ou de congelagáo dos organis


mos se devem principalmente aos estudos do sabio francés
Henri Laborit. Éste pesquisador verificou que, baixando de 37°
para 30« a temperatura de um corpo vivo, o processo de asfixia
das células do cerebro se torna mais lento; c?m vez de durar 5 ou
6 minutos apenas, já dura 15 minutos; éste intervalo já fornece
ao médico maior margem para intervir no organismo, efetu-
ando ai alguma operaeáo cirúrgica que lhe possa ser benéfica,
ou reduzindo-o ao estado de congelagáo. Acontece, porém, que,
quando a temperatura do organismo baixa a 25°, os tecidos
geralmente se destroem de maneira fatal. Por conseguinte, a
arte dos médicos em tal setor de trabalho deverá consistir em
congelar o organismo segundo ritmo táo lento e suave que a
progressiva diminuic.áo de temperatura se torne como que algo
de natural.
Conscientes disto, os sabios tém realizado experiencias com
animáis irracionais, a fim de averiguar as suas reacóes e as
possíveis aplicacóes á hibernagáo do homem.

Já em 1780 o jesuíta italiano Pe. Spallanzani conseguiu conservar


em vida animáis que vivem em musgo, os Rotíferos e os Tardígrados,
conge}ando-os á temperatura de —19°. Em conseqüéncia, tais peque-
nos animáis foram chamados «ressuseitantes». No amo de 1950, o cien-
tista francés Becquerel colocou ésses mesmos seres" .em ambientes de
temperatura próxima ao zero absoluto ; depois aqueceu-os de novo e
rehidratou-os verificando que voltavam a viver como outróra. A expe
riencia foi cértamente digna de nota, mas nao permite conjeturar o
que se daria com o homem, pois Rotíferos e Tardígrados sao seres ele
mentares, capazes de se deshidratar sem perder a vida. Em animáis de
sangue quemte, a reagáo seria diferente. Nao se pode deshidratar um

— 139 — .
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964. qu. 5

corpo humano sem lhe tirar a vida; e, caso alguém queira congelar
um organismo humano sem o ressecar previamente verifica que a
agua dos tecidos se transforma em gélo e assim destrói os própnos
tecidos.

Outras experiencias tém sido efetuadas.


Assim em 1946 Jéan Rostand comunicava a Academia das
Ciencias da Franca que pudera conservar vivo o esperma de ra
durante 20 dias, em vez das poucas horas habituáis, recorrendo,
para isto, a urna solugáo de glicerina.
Em 1949 um grupo de cientistas ingleses dirigido pelo Prof.
Parkes demonstrou que a glicerina permite conservar espermas
de aves e mamíferos a — 70° durante varias semanas.
Em 1953 os americanos Bunget e Sherman, usando do
mesmo método, conservaram esperma humano durante mais
de um mes á temperatura de — 79°; depois, reaqueceram-no
e com ele praticaram a inseminagáo artificial em tres mulneres,
que tiveram filhos normáis.
Em 1956, o iugoslavo Giaja e seu discípulo Andjus conge-
laram alguns ratos a temperatura de — 6o, conseguindo ream-
má-los posteriormente. Verificaram entáo que ésses ratos eram
mais robustos e resistentes do que os seus semelhantes nao con
gelados. Em particular, o seu coragáo era mais forte. O metabo
lismo vital do organismo nao se interrompera, mas apenas di
minuirá notoriamente a velocidade do seu ritmo. A maior parte
da agua contida nesses corpos nao se reduzira ao estado de
cristais nocivos aos tecidos.
Em 1958, o sabio francés Louis Rey foi mais longe ainda.
Congelou um coracáo de embriáo de galinha,- mergulhando-o
em azoto líquido á temperatura de — 196°. Nesse caso houve
vitrificagáo isto é, o coracáo se tornou duro como urna pedra;
mas, depois de haver sido aquerido em banho liquido conser
vado ao calor de 37°, tal coracáo recomegou a bater.
Enfim no mes de margo de 1963 o biólogo russo Lesinalo-
zinsld mergulhou vinte larvas da borboleta de milho em helio
liqüefeito e reduzido a temperatura de — 269°. A seguir, aye-
riguou que treze dessas larvas voltaram a manifestar a vida
de outrora.

A vista disso, os estudiosos tém talado das «proezas do gUcerol>:


modifica o processo de congelacao e impede que cristais se formem,
destratado os tecidos.
Louis Rey chegou a concluir: •
«No atual estado de nossos conhecimentos, parece que o gücercJ
.... farnecer eficaz protecao a grande variedade de tecidos proye-
nixtes desanimáis dePsan|ue quente (sejam adultos, sejam embrio-
_ 140 —
tHIBERNACAO» MEDICINAL E MORAL CRISTA

nários) . Há serias razfies para crer que se poderá... encontrar feliz


estado de equilibrio... a íim de possibüitar a conservagao da vida.>
Éste mesmo dentista parece ter proferido a última palavra
da ciencia sobre o assunto. Chamou, sim, a atengao para a
necessidade de. nao. precipitar as conclusóes nesse setor. Até
agora os estudiosos conseguiram obter a conservacáó de diversos
tecidos isoladamente do seu conjunto. Na verdade, cada teddo
exige urna técnica particular de impregnagáo de glicerol, de
congelagáo, de conservacáó e de reaquecimento. Nao se ve
todavía como conciliar essas diversas técnicas no conjunto de
um organismo único e completo.
Quanto ao ser humano em particulai-, até hoje ninguém
tentou congelar um corpo humano inteiro. Em 1962, porém,
declarava o Dr. James F. Connel, do Hospital de Saint-Vincent
em Nova Iorque:

«Com os conhecimentos que possuimos, se todos os nossos médi


cos empreendessem esforcos coerentes, conseguiríamos em menos de
cinco anos a congelacáo de um organismo humano inteiro».

Previsáo otimista ! ... Táo otimista que desperta com reno


vado interésse a questáo :

%. E que diz a consciéncia crista ?

Os repórteres, em suas investigag5es. propuseram tal perguntá


a um grupo de teólogos, que assim responderam:
«Em teoría a Igreja nada tem a condenar em experiencias que
permanecem no plano meramente científico. Na verdade, ninguém até
hoje ousou dizer que ésses organismos reanimados jamáis morrerao
para o futuro.»
A sentenca parece equilibrada e segura.

1. Com efeito, a consciéncia crista de modo nenhum se


opóe ao progresso da ciencia; a esta compete, por ordem mesma
- do Criador (cf. Gen 1,28), usar de todos os recursos (moral-
mente lícitos) que lhe estejam ao alcance para aprofundar seus
conhecimentos, aprimorar suas realizacóes, memorando assim
as condigóes de vida do homem sobre a térra.
A consciéncia crista só comega suas reservas quando o
dentista julga poder deduzir de suas experiencias conclusóes
de índole filosófico-religiosa.

Na verdade, nem a ciencia como tal nem a filosoíia Pe"?item


dizer que o homem se tornará o autor de sua própna imortalidade,
conseguindo por processos de congelagáo e reaíiimacao manter indefi-
n°dlmente ou para sempre a uniáo de alma e corpo, ou seja, a vida
do composto humano. Ora a fé crista ensina que o ser humano é um

— 141 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 75/1964. qu. 5

conjunto de alma e corpo e que estes um dia se separaráo um do outro,


ocasionando a raorte do homem ; a alma será entáo julgada por Deus
a respeito do bem e do mal que tiver praticado em uniao com.o corpo,
recebendo a sancáo conseqüente (a bem-aventuranca celeste ou a des
grasa do iníemo); no íim dos tempos, por dom gratuito de Deus,
haverá a ressurreícSo dos corpos. Fora casos excedonais (entre os
quais talvez estejam o de María SS., conforme alguns teólogos, e o ,
dos homens que estiverem vivos por ocasiáo da segunda vinda dé
Cristo) nenhum ser humano escapará á morte em ocasiáo oportuna
e á ressurreicáo no fim dos tempos. — Salvaguardadas estas verdades^
a consciéncia crista nao se opSe a que o homem procure diferir com
todos os recursos possíveis a hora do desenlace final, valendo-se, para
isto, de técnicas de congelacáo e reaquecimento dos organismos.

2. Pergunta-se, porém: onde ficaria a alma humana du


rante o período de congelacáo do organismo ?
A questáo nao causa embaraco. Caso se venha a obter a
congelagio e a reanimacáo de um corpo -humano inteiro, dir-
-se-á que a alma humana nao se separou déle, mas ai permane-
ceu; apenas deixou de manifestar-se como principio vital pelo
fato de estarem reduzidos á inercia total ou quase total os teci-
dos e os órgáos do respectivo corpo.

Caso se trate da congelacáo e reanimacáo de espermas do orga


nismo humano, Icmbraremos o que Já foi dito em <P.R.» 10/1958,
qu. 1: o csperma nao contóm alma, mas apenas urna «entidade vial>
ou «potencia obediencial que 1he possibílita fecundar urna sementé
feminina de modo a dar um embriáo humano; a éste. Deus, no mo
mento adequado, infunde diretamente urna alma espiritual por Ele
criada. Ora essa entidade vial, assim como se conserva por poucas
horas fora do organismo que produz o esperma no processo de iecun-
dagáo natural, conservar-se-á por maior espaco de tempo no regime de
comgelacao. Em todo e qualquer caso, porém, será preciso frisar que a
alma humana dos genitores, sendo espiritual, nao se divide nem acom-
panha, como tal, a sementé do organismo.

Eis o que, dentro dos limites permitidos pela seriedade, se


pode e deve dizer sobre o assunto, á luz da ciencia humana e
da té crista. Outras divagagóes ja parecem pertencer ao dominio \
da fíccáo, dominio mais ou menos arbitrarlo e, por isto, alheio
ao controle do raciocinio.

Exempló de íiccáo nesse setor é o romance de Edmundo About:


«O homem de orelha quebrada». Tem por herói um coronel do exer-
•dto do Imperador Napoleáo Bonaparte, da Franca, o qual é congelado
ressécado e depois reanimado com éxito. - About parece ter escrito
¡Ite obra após urna conversa com o dentista francés Claude Bernard
que julgava possivel congelar ras e fazé-las recuperar as atividades
vitáis.
A título de curiosidade, pódese também registrar que há quase
200 anos, em 1766, o fisiólogo inglés Hunter já escrevia :

— 142 —
«HIBERNACAO» MEDICINAL E MORAL CRISTA

«Se alguém quisesse consagrar os. dez últimos anos de stia vida
a um regime de sonó e trabalho alternados, poderia atingir a duracáo
de mil anos ; descongelado de cem em cem anos, ele poderia ser in
formado do que teria acontecido durante o período de congelacáo.
anteriora
- Como se vé, Hunter preconizava, numa intuicáo genial, a prolon-
gacáo da vida humana pela aplicagáo dó irio; estava, porém, longe
de conhecer as vias precisas pelas quais tal resultado se poderia obter.
Na mesma época, o sabio francés Réaumur, por sua vez,
observava:
«Imaginemos alguém que tenha concebido o ideal de viver oitenta
anos... Como nao lhe agradaría a perspectiva de durar dez ou doze
séculos, durante os quais ele nao teria senáo oito ou nove anos de ver-
dadeira vida ativa em cada século ?»
Na confeccáo- desta resposta, muito nos valemos do respectivo
artigo de Jacqueline Giraud publicado em «Science et Vie» (maio
de 1963).

D. Estévao Bettencourt O.S.B.

— 143 —
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