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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorisun)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperarla a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanza e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO Vil

84
DEZEMBRO

19 6 4
ÍNDICE

PÍO.

I. CULTURA E RELIGIAO

1) "Em imagens e emblemas, véem-se estrilas de. seis pontos


e estrilas de cineo ponías.
Haverá algo de propositado nissof Qual o simbolismo da
estrila?" ;...% • .."?

n. DOGMÁTICA

2) Hojc em día fala-se muito da 'colegialidade dos Bispos',


aprovada em votacdo pelo Concilio Ecuménico.
Que vem a ser isso prbpriamente ?" sls

3) "O II Concilio do Vaticano pronunciou-se sobre Reforma


do Calendario Universal.
Com que direito deseja a lgreja intervir em questóes de cro
nometría ou contagem do tempo ?" siS

III. SAGRADA ESCRITURA

],) "Qual o sentido da passagem de Mt 11, 12, cmde Jesús


diz que o Reino dos céus é conquistado pela violencia?" 58$

5) "Poderia dizer algo sobre a origem da semana e da


observancia do sétimo dia ?" 53e

TV. MORAL

6) "Disem que a lgreja resolveu permitir que os católicos


assistam no sábado á Missa do domingo.
Por que ndo dizer logo que basta assistir d Missa em qualquer
dia da semana?" 5il

V. HISTORIA DA RELIGIAO

7) "Que seria um mito ?


Qual a diferenca precisa entre historia e mito ?" 5U

COM APROVAQAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano Vil — N' 84 — Dezembro de 19ó4

I. CULTURA E RELIGIÁO

ESTRÉLA (Beto Horizonte);

1) «Em imagens © emblemas, véem-se estrélas de seis pon-


tas e estrélas de cinco pontos.
Haverá algo de propositado nisso? Qual o simbolismo da
estréla?»

1. O uso da estréla como símbolo deriva-se, em grande


parte, dos costumes e da mentalidade dos antigos Orientáis:
para estes homens, a estréla, com seu fulgor, simbolizava ou
a Divindade ou um Rei ou, ao menos, um personagem muito
chegado a Deus. Por isto é que em Is 14,12 «a estréla da ma-
nhá, filha da Aurora», significa o rei da Babilonia soberbo,
que está para ser punido:

«Como caíste dos céus,


Estréla da manhá, íilho da Aurora?
Como fóste precipitado por térra,
Tu que prostravas as nacSes?»

Passando para a historia de Israel, verificamos que em


Núm 24, 17 Balaá, inspirado pelo próprio Deus, predisse a
vinda do Rei messiánico como se éste houvessa de ser urna es
tréla oriunda de Jaco:

«Oráculo de Balaa, filho de Beor,...


Oráculo daquele que ouve as palavras de Deus,
Que conhece a ciencia do Altlssimo,
Que goza da vis5ó do Todo-Poderoso,
Prostrado com os oEios abertos. '
Eu o vejo, mas nao agora,
Eu o contemplo, mas nSo de perto.
. Urna estréla sai de Jaco,
Um cetro levanta-se de Israel... >
(Núm 24, 1547)

Em conseqüéncia, os judeus fizeram da estréla o símbolo


da Casa de Davi, Casa ou dinastía do futuro Rei messiánico
(Jesús Cristo). Na Idade Media, os israelitas designavam a es-

— 511 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 1

tréla como «o escudo de Davi», e ainda hoje no Estado de


Israel adotaram a estréla como emblema nacional.

Os cristáos, sem dificuldade, aceitaram a estréla qual sím


bolo do Messias, de mais a mais que urna estréla indicou aos
magos do Oriente a presenga do Messias ou do Senhor. Jesús
nascido em Belém.

2. Quanto á forma da estréla, nota-se que, ñas. diversas


épocas e regióes em que era adotada, a figura da estréla tinha
seis pontas; originava-se de dois triángulos equiláteros que pe-
netravam um no outro.

Entre os sabios e dentistas da Idade Media, os dois trián


gulos assim colocados designavam os quatro elementos funda
mentáis do mundo:

o fogo

car

a agua

\ 7
a térra

O conjunto dos dois triángulos, por conseguinte, represen-


tava o mundo inteiro.

— 512 —
COLEGIALIDADE DOS BISPOS

Alguns adeptos da Cabala ou do esoterismo (mística fan-


tasistá) viam nos dois triángulos que se penetravam mutuamen
te, a ilustracáo de urna proposicáo que lhes era muito cara: o
homem (microcosmos, pequeño mundo, representado pelo tri
ángulo, inferior) é urna analogía'do universo (macrocosmos,
grande mundo, simbolizado pelo triángulo de cima).
Mediante o símbolo da estréla, muitos «iniciados» medie-
vais queriam insinuar também que o homem possui, por desig
nio do próprio Deus, o poder de dominar as foreas déste mundo;
Salomáo, o sabio rei de Israel, teria sido o exemplo mais carac
terístico da soberanía que o homem pode exercer sobre a natu-
reza. Estas idéias deram ensejo a que a estréla fósse chamada
«sélo de Salomáo» tanto entre os judeus, como entre cristáos
e muculmanos.
A Franco-maconaria interpretava, nos últimos sáculos, a
estréla de seis pontas como símbolo das relagóes que unem
Deus e o mundo espiritual, de um lado (triángulo superior) e
o homem com as foreas terrestres, do outro lado (triángulo
inferior).
Em escudos, armas e brazóes de personagens e familias, a
estréla tem tradicionalmente seis pontas.
Eis algo sobre o significado da estréla de seis pontas.
Deve-se agora acrescentar ulterior observacáo.

3. Na época moderna, o Comunismo também quis adotar


a estréla como símbolo de suas idéias. Contudo, a fim de mar
car bem a sua distincáo frente a qualquer crenca religiosa, pas-
sou a representar a estréla em cor vermelha e com cinco pon
ías apenas. Éste tipo de imagem, por conseguinte, é de origem
recente, e de uso ou significado bem definido. Sendo assim, pa
rece oportuno chamar a atencáo para a diferenca das mensa-
gens transmitidas respectivamente pela estréla de seis pontas e
pela de cinco pontas...

n. DOGMÁTICA

JORNALISTA (Rio de Janeiro):

2) «Hoje em dia fala-se muito da 'colegialidade dos Bis-


pos', aprovada em votaoao pelo Concilio Ecuménico.
Que vem a ser isso própriamentc?»

Para dar mais nítida idéia de quanto tem sido explorado o


assunto ácima, transcrevemos aqui um telegrama publicado
pela imprensa carioca:

— 513 —
. «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 1 ~

«VATICANO, 30 de setembro de 1964 — Os bispos do Concilio


Ecuménico íavoráveis ao colegiado derrotaran! hoje, por esmagadora
maioria o núcleo dos conservadores, empenhados em 'salvar o Papa
déle mesmo1 na última votacáo sobre a nova doutrina. Foi a prova
decisiva na proposta para urna associacao colegiada entre os bispos
e o Sumo Pontífice. O Papa Paulo VI sempre íoi lavorável & idéia,
mas os ultra-conservadores temem que debilite a supremacía papal».

Ñas páginas que se seguem, desenvolveremos: 1) o cónceito


de colegialidade; 2) os argumentos apresentados em favor e em
contrario da mesma; 3) o que_a declaragáo da colegialidade .
significa de benéfico para a S. Igreja.

1. Que é a 'colegialidade dos Bispos'?

«Collegium» em latim vem a ser urna corporagáo, urna so-


ciedade Na Igreja é comum falar-se de «Colegio dos Cardeais»,
como também de «Colegio (ou Colegiada) de Cónegos» de de
terminada igreja. O Colegio dos Bispos, portante, é a corpora
gáo ou a hierarquia dos Bispos existentes na S. Igreja uni
versal .
Quando, hoje em dia, se afirma a colegialidade ou a índole
colegial dos Bispos, tem-se em vista o seguinte:
O conjunto dos Bispos é a continuagáo do conjunto dos
doze Apostólos (tendo Pedro á frente), aos quais N. Senhor
quis confiar o govérno da S. Igreja:

«Ide e ensinai a todas as nacSes, batizando-as em nome do Pai


e do Filho e do Espirito Santo e ensinando-as a observar todos os ■
mandamentos qua vos dei. E ficai certos de que estarei convosco to
dos os dias até a consumagSo dos sáculos» (Mt 28, 19s).

Por conseguinte, cada Bispo nao é responsável apenas pelo


regime de sua diocese (pequeña porcáo do rebanho de Cristo),
mas é responsável pelo govérno da Igreja inteirá, feitas, po-
rém, duas ressalvas:

a) nao cada Bispo isolado é portador dessa responsab'ili-


dade universal, e, sim, cada Bispo, na medida em que faz parte
do corpo episcopal inteiro. É o corpo ou «colegio» como tal
que traz a responsabilidade e a comunica a cada qual dos
membros;

b) o próprio colegio, isolado do seu Chefei visível, o suces-


sor de Pedro (o Papa), nada pode fazer. É sómente quando
o Papa se associa as deliberagóes do Colegio e aprova as suas
conclusóes, que estas tém valor.

— 514 — '
COLEGIALIDADE DOS BISPOS

O poder colegial dos bispos, portante, nao derroga ao pri


mado de Pedro ou do Sumo Pontífice. Ao contrario, consoante
éste modo de ver, há dois sujeitos do supremo poder na Igrejaj
dois sujeitos nao adequadamente distintos um do outró:
o colegio dos bispos unidos ao Sumo Pontífice o Papa,
o Sumo Pontífice só.
O "fato de que o Papa é mencionado em ambos os casos,-
bem mostra que nao se trata de sujeitos meramente justapos-
tos bu adequadamente distintos um do outro, como se fossem
dois órgáos administrativos a se equilibraren! mutuamente.
O conceito de colegialidade poderia ser ilustrado pela se-
guinte hipótese: se o Papa quiser alguma vez pronunciar-se jun
to com os demais bispos a respeito de determinado problema,
os bispos nao seráo apenas assessóres ou conselheiros do Pon
tífice, mas a sentenca de cada bispo equivalerá a um verdadeiro
voto; cada qual será um auténtico legislador, como, alias, o é
em cada votagáo do Concilio Ecuménico. Em outros termos:
a colegialidade implicaría que o que se dá esporádicamente em
concilios ecuménicos (houve apenas vinte na historia da Igreja)
se daría habitualmente, ainda que os bispos continuem em
suas dioceses, espalhados pelo mundo inteiro.
Ainda em outros termos: a colegialidade quer dizer que
os bispos nao sao meros delegados ou representantes do Papa
no regime de suas dioceses; éles tém sua autoridade nao ape
nas por extensáo da autoridade do Papa, mas, embora nomea-
dos pelo Papa, é de Cristo que recebem os seus poderes, a fim
de continuar a missáo que o Senhor entregou aos Apostólos
é aos seus sucessores; esta missáo naturalmente deverá ser
exercida conjuntamente, isto é, em colaboragáo mutua dos
bispos entre si e principalmente com o Sumo Pontífice.
Já o S. Padre Pió Xn, aos 21 de abril de 1957, publicando
a encíclica missionária «Fidei donum», falou da responsabilida-
de coletiva ou da colegialidade dos bispos nos seguintes termos:

«N3o há dúvida, íol únicamente ao Apostólo Pedro e aos seus


sucessores, os Pontífices Romanos, que Jesús confiou a totalidade do
seu rebanho:.'Apascen.ta meus cordelros, apascenta minhas ovelhas'
(Jo 21 16-18); mas, se cada bispo é pastor próprio apenas da porgáo
do reb'anho confiada aos seus cuidados, a sua qualidade de legítimo
sucessor dos Apostólos, por instituicáo divino, o torna solidariamente
responsável da missáo apostólica da Igreja, conforme a palavra de
Cristo aos seus Apostólos: 'Assim como o Pai me enviou, Bu vos
envió' (Jo 20, 21).
Esta missáo, que deve abracar todas as nacoes e todos os tem-
pos (Mt 28, 19s), nao cessou com a morte dos Apostólos; ela perdura

— 515 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 2

na pessoa de todos os blspos'em comunhao com o Vigário de Jesús


Cristo. Neles, que sao por excelencia os enviados, os missionários do
Sen'hor, resid'e em plenitude 'a dignidade do Apostolado, que é a pri-
meira das dignidades na Igreja1, como atesta S. Tomaz de Aquino».

Recolhendo os dados propostos, já se tentou definir a cole-


gialidade dos bispos do seguinte modo: «colegialidade é a res-
ponsabilidade universal que toca ao bispo em virtude do seu
cargo de sucessor dos Apostólos, na solidariedade do corpo epis
copal, sob a direcáo efetiva do sucessor de Pedro» (J. Hamer,
Les conférences episcopales, exercice de la collégialité, ém
«Nouvelle Revue Théologique» LXXV [1963], pág. 967).
As consideragóes ácima já parecem fornecer nogáo sufici
entemente clara do que se entende por «colegialidade dos bis
pos» . Passemoa agora a análise dos argumentos «pro» e «con
tra» debatidos no Concilio II do Vaticano.

2. Assim falam os adversarios da colegialidade...

Os que, antes da votacáo conciliar de 30/IX/64, recusayam


a declaragáo da colegialidade dos bispos, costumavam racioci
nar nos seguintes termos:

1) A Igreja é urna monarquía cujo monarca é o Sumo Pon


tífice ou o Papa. Ora monarquía auténtica excluí a participá-
gáo de súditos — mesmo privilegiados — no govérno. Por
conseguinte, os bispos nao podem ter parte no govérno geral
da Igreja, que está por inteiro ñas máos do Papa. A missáa dos
prelados diocesanos fica sendo estritamente local. A Curia Ro
mana, por delegagáo pontificia, será o órgáo normal de coorde
nado entre o Papa e os bispos.
Os teólogos que assim argumentavam, deünham-se quase
exclusivamente sobre a definigáo do I Concilio do Vaticano
(1870), que proclamou o primado do sucessor de Pedro. Náó
levavam suficientemente em conta que o mesmo Concilio tinha
em pauta aínda um ampio material de declaragóes referentes
aos bispos. Estas completariam a anterior, pondo em foco ou-
tros aspectos do govémo da Igreja. Infelizmente, porém, nao
puderam ser promulgadas por causa da irrupgáo da guerra
franco-prussiana naquele ano; o Concilio do Vaticano I foi
assim suspenso prematuramente, sem ter dado expressáo a todo
o seu pensamehto. . '- '-
2) Desejando firmar ulteriormente a sua posigáo, os adver
sarios da colegialidade asseveravam que os Apostólos nao trans-
mitiram aos bispos seus sucessores a colegialidade,'pois éles mes-

— 516 —
COLEGIALIDADE DOS BISPOS

mo a perderam quando se dispersaram pelo orbe para pregar a


fé (talvez no ano de 42). — Contudo a tal argumento po-
dem-se fazer logo duas objegóes:
os Apostólos nao se reuniram (ao menos em parte) no ano
de 49 em Jerusalém (cf. At.15)?
Paulo nao foi entreter-se com Tiago, Pedro e Joáo em
Jerusalém (cf. Gal 2, 9)?

. 3) Mais aínda. Afirmavam que a colegialidade de certo


modo contradiz ao primado do Sumo Pontífice: se a autorídade
do Papa é suprema, plena e ¡mediata, nao se vé como aínda
possa haver lugar para úm colegio de bispos também detento-
res de autoridade na Igreja. O próprio nome de «colegialidade»
lhes parecía destruir toda diferenca entre o Sumo Pontífice
e os demais bispos, pois insinuaría que todos sao colegas, equi
parados uns aos outros quanto á sua autoridade: o sucessor de
Pedro seria apenas o «primus inter pares» (primeiro entre
iguais); teria apenas um primado de honra ou de dignidade,
nao, porém, de jurisdicáo. — A esta dificuldade terminológica,
alias, já se respondeu dizendo que, embora se fale comumente
de «colegio cardinalício», nao se entende, por esta denomina-
gáo, que os Cardeais possam de algum modo limitar a autori
dade do Supremo Pontífice; por conseguinte, nao seria neces-
sário entender diversamente a expressáo «colegio episcopal»
ou «colegio dos bispos» ñas suas relagóes com o Sumo Pontí
fice.

Frente a esta serie de argumentos desenvolvia-se, no de


bate conciliar, outra serie em sentido oposto.

3. E os defensores da colegialidade. ..

Como se vé, os adversarios da colegialidade eram inspira


dos por mentalidade marcadamente jurídica, mentalidade que
nao é sempre a mais adequada para conceber as verdades refe
rentes á S. Igreja. Esta é, antes do mais, um corpo vivo (a
vida de Cristo prolongada em seus membros), e nao organiza-
gáo meramente jurídica.
Por isto muitos teólogos e padres conciliares preferiram to
mar como ponto de partida de suas c'oncepcSes nao a nogáode
, «Igreja-monarquia», mas os textos bíblicos e os fatos da vida
da Igreja; procediam assim de maneira indutiva, em vez de
recorrer ao método dedutivo da corrente oposta.

— 517 —
«PEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/19S4, qu. 2

Eis como entáo argumentaran! em favor da colegialidade:

1) Textos bíblicos

Verifica-se no S. Evangelho que Jesús canfiou a Pedro


urna autoridade especial ou única para confirmar os demais
Apostólos na fé; contudo estes sao designados pelo Senhor
como «irmáos de Pedro» e nao como «ministros» ou «delega
dos» do mesmo:

«Simáo, Simáo eis que Satanaz voz reclamou com insistencia para1
vos peneirar como trigo, mas roguei por ti, para que a tua fé nao
desfaleca. E tu, quando tiveres voltado, confirma teus. irmaos» (Le
22, 31s).

Déstes dizeres se segué que os doze Apostólos devem agir


fraternalmente ou conjuntamente sob a diregáo de um déles
ou de Pedro: foi justamente o que se deu por ocasiáo da elei-
gáo de S. Matías (At 1, 15-26), por ocasiáo da primeira prega
do, no día da Pentecostés (Ac 2, 14-41) üu ainda no momento
em que foi preciso instituir os primeiros diáconos (At 6, 1-6).
Ao considerar estes textos, o Cardeal Meyer, de Chicago,
concluía: «A idéia da colegialidade encontra no Novo Testamen
to um fundamento táo claro e sólido quanto o primado de Pedro
e de seus sucessores» (7 de outubro de 1963).
Também muito se evocou a passagem de Mt 28, 18-20, em
que Jesús diz:
«Todo o poder me foi dado no céu e na térra. Ide, portanto, e
ensinai a todas as nagoes, batizando-as em norae do Pai, do Filho e
do Espirito Santo e ensinando-as a observar todos os mandamentos
que vos dei. E ficai certos de que estou convosco todos os días até
a censumacao dos séculos».

Por estas palavras, o Senhor fez dos Apostólos os mestres,


sacerdotes e pastores da Igreja inteira; constituiu-os os autén
ticos fundamentos da Igreja, sendo que a sua posigáo se de-
via prolongar nos seus sucessores, pois o Senhor estendeu a
sua missáo «até a consumacáo dos sáculos». Por isto cita-se
outrossim o texto de Apc 21, 12-14:

A cidade santa de Jerusalém «taha urna grande e alta muralha,


com doze portas. Ñas portas estavam doze anjos e também nomes
inscritos que sao os das doze tribos dos filhos de Israel. Tres portas
davam para o oriente, tres portas para o norte, tres portas para o
sul e tres portas para o ocidente. A muralha da cidade tuina doze
pedras fundamentáis, em que estavam gravados doze nomes — os
dos doze Apostólos do Cordeiro».

— 518 — -
COLEGIALIDADE DOS BISPOS

Esta passagem, por muito metafórica que seja, nao deixa


de insinuar que de fato os doze Apostólos sao conjuntamente
os verdadeiors fundamentos da Igreja (sem que, com isto, se
retire algo da primazia do Cristo Jesús; cf. 1 Cor 3, 11...,
nem do primado de Pedro, cf. Lo 22, 31s).

2) Os fatos da historia da Igreja .

Pode-se observar, através das epístolas de S. Paulo a Timo


teo e' a Tito, assim como através de documentos de S. Clemente
de Roma (séc. I) e S. Irineu (sác. II), que os Apostólos cons
tituirán» os bispos como seus sucessores para continuarem a
missáo que Cristo lhes havia confiado.
Os bispos dos primeiros séculos, por sua vez, costumavam
manter intercambio epistolar entre si, manifestando estar cons
cientes da sua responsabilidade universal. Comunicavam uns
aos outros a respectiva escolha para o episcopado e a sua
sagracáo; recebiam uns dos outros cartas de comunháo; reco-
nheciam a outros bispos o direito de julgar com autoridade
certas questóes de doutrina mal formulada em suas dioceses.

Assim sábese que, no séc. III, o bispo Dionisio de Alexandria


escreveu ás comunidades da Asia Menor, a lim de as premunir contra
o erro e as confirmar na verdadeira fé. Na mesma época, S. Ci
priano de Cartago em suas cartas mostrava solicitude pelos proble
mas da Igrejá na Espanha e em Arles (Gália).
Poder-se-ia talvez reconstituir nos seguintes termos o modo de
pensar de tais pastores de almas:
A verdade que o bispo possui e ensina, é a verdade apostólica,
por conseguinte... a verdade da Igreja Universal.
Os dons e as grasas que o bispo administra, sao dons de Cristo,
deixados pelo Senhor para a Igreja Universal.
Em conseqüéncia, dado que em alguma regiáo, por deficiencia dos
homens, o ministerio apostólico venha a ífaltar por completo ou a
correr perigo, pode um bispo sentir-se autorizado a estender o exer-
cicio de suas faculdades apostólicas para além das fronteiras de sua
diocese. •
Essa extensáo naturalmente se dava em casos esporádicos, pois a
disciplina da Igreja antiga determinava com exatidao a competencia
de govérno de cada bispo, a fim de evitar interferencias desordena
das de um prelado no territorio de outro. Ñas suas intervengóes es
porádicas porém, os bispos manifestavam a consciéncia de que o po
der episcopal nao está geográficamente limitado... Verdade é que o
Direito comum da Igreja pode ainda hoje definir o campo de acao
de cada prelado, a fim de assegurar a boa ordem, do ministerio; mas
isto nao quer dizer que, também aos olhos da teología dogmática, o
bispo perca a sua responsabilidade pelo bem-estar da S. Igreja inteira.

Ainda no séc. XVI, por ocasiáo ao Concilio de Trento, o


teólogo Facchinnetti (mais tarde, Papa Inocencio XI) expunha

— 519 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 2

aos Padres conciliares que o bispo, por sua sagragáo, contrai


duplo liame: um, solúvel, com a sua Igreja (ou diocese) parti
cular; outro, indissolúvel, com a Igreja Universal. — Antes do
mais, o bispo pela sua sagragáo é incorporado ao colegio dos
Bispos.
Note-se, alias, que desde os primeiros sáculos o rito de sa
gragáo de upa bispo requer o ministerio de tres bispos (um
sagrante própriamente dito e dois assistentes) — o que bem
significa que se trata de agregar novo membro a um colegio,
ou seja, ao conjunto dos sucessores dos Apostólos encarregados,
a título eminente, da propagagáo e consolidagáo da S. Igreja.
Enfim numerosos sao os textos e fatos da Tradigáo crista
citados pelos teólogos a fim de por em evidencia o exercicio da
colegialidade dos bispos através dos séculos.
Tendo em vista todos ésses testemunhos e, mais aínda, os
estudos dos bispos e teólogos do Concilio I do Vaticano (1870),
que eram favoráveis á declaracáo da colegialidade episcopal, o
bispo auxiliar de Bolonha, Mons. Bettazi, aos 11 de outubro de
1963, houve por bem afirmar em assembléia plenária do Va
ticano II:

«A doutrina concernente ao colegio dos Bispos nao é inovagao. Os


que a sustentam, nao sao novidadeiros, nem galicanos. Antes, sao
inovadores aqueles que a negam».

Ora, como se sabe pelas noticias provenientes da terceira


sessáo do Concilio, os Padres conciliares resolveram finalmente
aprovar, por grande maioria de votos, a declaragáo da colegia
lidade do episcopado.
Depois do fato, é lícito perguntar:

4. Que significará a colegialidade para a vida da Igreja?

Procuraremos responder firmados sobre proposites segu


ras, evitando divagagóes ou conjeturas vas.
1) Colegialidade nao significa introducao de regime parla
mentar ou simplesmente democrático dentro da Igreja.
Com efeito. Num Estado democrático, o poder de gover-
nar deriva-se de Deus; é entregue ao povo, que, por sua vez, o
delega as autoridades, escolhendo as pessoas que exerceráo o
poder por mandato do povo. Em conseqüéncia, as autoridades
civis e políticas sao responsáveis da sua administragáo perante
os respectivos mandatarios. «O sujeito ordinario do poder civil
derivado de Deus é o povo», dizia Pió XII em sua aJocugáo á
Rota, aos 2 de outubro de 1945.

— 520 —
COLEGIALIDADE DOS BI3POS

Ora o mesmo nao se dá na Igreja, como notava o Pontífice.


Os poderes sagrados para ensinar, santificar e governar.vém
de Deus Pai, por Cristo e pelos doze Apostólos, aos membros
da hierarquia eclesiástica (cf. Código de Direito Canónico, can.
109). Verdade é que em certas épocas, no decorrer da histo
ria, o povo cristáo tomou parte.na eleicáo de Papas é bispos;
com isto, porém, nao conferiu poderes aos eleitos, mas apenas
designou as pessoas as quais os poderes eram transmitidos pela
hierarquia derivada de Cristo e dos Apostólos.
Os bispos, portante, nao sao em primeiro lugar represen
tantes do povo católico junto ao Papa, representantes que, nes-
ta hora de «democratizacáo» ou mesmo de «socializacáo», quei-
ram' fazer valer junto ao Papa direitos de seus mandatarios,
os fiéis. Nao. Seu poder lhes vem de Deus, e nao dos homens.

2) A colegialidade vem a ser, antes, o exercício de um ge


nuino valor instaurado por Cristo na sua Igreja.
De fato; além do primado de Pedro (cf. Mt 16, 16-18),
muito focalizado pela definicáo do Concilio I do Vaticano, o
Senhor instituiu o colegiado dos doze Apostólos, tendo Pedro
á frente, colegiado que constituí outro órgáo (nao própriamente
distinto de Pedro) de govérno da S. Igreja.
Nao era intengáo do Concilio I do Vaticano exaltar o pri
meiro e deprimir ou apagar (por assim dizer) o outro déstes
órgáos. Ao contrario, como já notamos, a documentacáo neces-
sária para um pronunciamento sobre a colegialidade já esteva
em elaboracáo por parte dos teólogos do Vaticano I. O silen
cio final sobre o assunto se deve únicamente ao fato de que
tal Concilio foi prematuramente suspenso.
« Se agora o Concilio n do Vaticano volta ao tema, decla
rando finalmente a colegialidade do episcopado, só o faz para
continuar e completar a obra do Concilio anterior, o que tam-
bém quér dizer: para explicitar todas as riquezas da Igreja,
desdobrando urna visáo plena de todos os dons que Cristo nela
' depositou. Para o futuro, ficaráo os fiéis conscientes de que
a Igreja pode ser governada pelo Papa de maneira pessoal e di-
reta, como também, caso o Sumo Pontífice o julgue oportuno
em ocasióes mais solenes, por pronunciamentos coletivos ou
pelo magisterio unánime dos bispos unidos ao Papa e espalha-
dos pelo mundo inteiro.
A definigáo da colegialidade, portante, nao é, por parte da
Igreja, ássimilacáo de elemento heterogéneo, mas é a declara-
gáo de algo de genuino, sempre contído no tesouro da Esposa
de Cristo e, no decprrer dos séculos, ora mais, ora menos for
mulado, professado e vivida pelos bispos e pelos fiéis.

— 521 —
¿PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 3

3) Urna razáo ¡mediatamente derivada das circunstancias


de nossos tempos recomendava um pronunciamento do Concilio
sobre a colegialidade dos bispos.
A vida hoje em dia «se planetarizou». Isto quer dizer que
os grandes problemas que afetam determinada regiáo (em
qualquer de seus planos: económico, político e também... reli
gioso), tém raízes ou repercussóes no mundo; assumem, por
assim dizer, as dimensóes do planeta, e só podem ser efetiva-
mente saneados mediante a colaboragáo decidida de muitos ho-
mens ou grupos humanos.
Na S. Igreja, portante, parece que a conjugacáo 'de es-
forcos de todos os bispos em torno do Papa vem a ser urna
quase necessidade da vida contemporánea. Os próprios Sumos
Pontífices, desde Pió XII, tém mais e mais calorosamente soli
citado tal colaboracáo de todos os membros da hierarquia no
govérno da S. Igreja.
Também num ámbito mais limitado os bispos de regióes
limítrofes sentem-se obrigados a intercambio cada vez mais
assíduo no pastoreio do rebanho de Cristo; nao há mais dis
tancias, nao há mais possibilidade de manter com rigidez os
limites entre os diversos setores de trabalho, desde que se quei-
ra atender á vida de hoje como ela é.
Eis o que muito bem observavá o Pe. Ph. Delhaye aos
' 15 de novembro de 1963, num comentario sobre a segunda ses-
sáo do Concilio:

<O mundo se encolheu de modo muito estranho. A cidade de


Lille estava a dois días da cidade de Arras, e a tres semanas de
Roma. Hoje urna comunicacáo telefónica entre estes centros se obtém
em poucos minutos; requer-se apenas urna hora de automóvel para ir
de Lille a Arras; duas horas de aviáo, de Paris a Roma. O arcebispo
de París pode agir com mais facilidade sobre muitos dos diocesanos
de Mons. Renard, bispo de Versalhes, do que éste próprio prelado,
pois estes diocesanos passam o dia inteiro em Paris. Os quadros lo
cáis dos problemas estáo ultrapassados. Mais ainda: um sentido muí-
to vivo de responsabilidade coletiva se instaurou na maneira de en
frentar os problemas religiosos, como também no setor da política e
do comercio. Um bispo europeu íica consternado com a falta de sa
cerdotes na América doiSul, da mesma forma como os acontecimen-
tos políticos e económicos de auna parte do mundo tém sua reper-
cussáo na outra» (L'Ami du Clergé, 73e. année, n. 49, le 5/XH/63,
pág. 723).

Também ñas térras de missSes a agáo de conjunto do epis


copado se torna cada vez mais urgente. É significativo o fato
de que o termo «colegialidade», um tanto esquecido no sáculo
passado, tenha retomado vida numa encíclica missionária («Fi-

— 522 —
REFORMA DO CALENDARIO

dei donum») de Pió XII. No Concilio II do Vaticano, os" mais


férvidos adeptos da colegialidade foram os bispos nativos das
térras recém-evangelizadas.
4) A época moderna ainda concorreu de outro modo para
urna benéfica tomada de consciéncia da colegialidade do episco
pado: a renovacáo dos estudos bíblicos 6 o progresso das pes
quisas históricas nos últimos decenios vieram projetar luz va
liosa sobre éste aspecto da vida da Igreja, tal como ela se
desenvolve desde os seus primeiros anos. Os resultados dos
eruditos estudos das fontes da historia trouxeram. urna res-
posta viva e adequada as expectativas que as necessidades con
temporáneas suscitavam na hierarquia da Igreja. Assim com
mais seguranga ainda puderam argumentar os defensores da
colegialidade do Episcopado.
5) Talvez urna das maneiras mais facéis e oportunas de
se organizar jurídicamente a colegialidade dos bispos seja a
fundacáo de urna Conferencia Episcopal em cada nacáo ou em
cada país. Cada Conferencia Episcopal reúne os bispos que
trabalham dentro das mesmas fronteiras políticas, em meio á
mesma populagáo civil, enfrentando os mesmos problemas da
historia passada e do momento presente. Por isto sao os bis-
• pos mais aptos para fornecer auxilio uns aos outros no pasto-
reio do rebanho do Senhor. O desenvolvimento organizado das
Conferencias Episcopais correspondería ao que outrora faziam
os Sínodos provinciais ou regionais, e satisfaría, ao menos sem
grandes delongas, aos votos do Concilio II do Vaticano.
Eis o qué, em termos sobrios, se podia dizer a respeito de
um dos pronunciamentos mais importantes da assembléia con
ciliar,

CRONISTA (Rio de Janeiro):

3) «O Concilio do Vaticano pronunciou-se sobre Reforma


do Calendario Universal.
Com que direito deseja a Igreja intervir em questóes de
cronometría ou contagem do tempo?»

O II Concilio do Vaticano, aos 4 de dezembro de 1963,


publicou urna Constituicáo referente a S. Liturgia, documento
éste que em Apéndice traz a seguinte declaragáo sobre Reforma
do Calendario:.
«O Sacrossanto Concilio Ecuménico Vaticano II, julgando sérem
de grande importancia os desejos de muitos de fixar a íesta da Pás-

— 523 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/19G4. qu. 3

coa num determinado domingo e de estabelecer um calendario, tendo


considerado com diligencia tudo o que pode resultar da indicacáo do
novo calendario, declara o seguinte:
1) O Sacrossanto Concilio nao se op6e a que a festa da Páscoa
seja fixada num domingo certo do Calendario Gregoriano, com o
consentimento dos interessados, principalmente dos irmáos separados
da comunhao com a Sé Apostólica.
2) Da mesma forma, o Sacrossanto Concilio declara que nao
se op5e ás iniciativas que visam introduzir um calendario perpetuo
para a sociedade civil.
Dos varios sistemas, porém, que se excogitaren! para estabelecer
um calendario perpetuo e introduzi-lo na sociedade civil, a Igreja apro-
va sonriente aqueles que conservam e guardam a semana de sete días
com o domingo, nao intercalando dia algum fora da semana, de
forma que so deixe intacta a sucessáo das semanas, a nao ser que
se apresentem gravissimas razOes, sujeitas á consideracáo da Sé
Apostólica».

Nao há dúvida, o texto ácima aborda questóes assaz deli


cadas tanto no plano civil como no religioso, chegando a tocar
ñas relagóes do Catolicismo com outras confissóes cristas.
A fim de perceber com precisáo o sentido da interyencáo
da Igreja em tal setor, diremos, antes do mais, algo sobre.o
valor que o tempo e a historia possuem para o cristáo. A se
guir, analisaremos a posicáo que o Concilio adota perante as
modernas propostas de Reforma do Calendario.

Suporemos aqui o que já foi dito sobre o assunto em termos an


teriores ao Concilio, no n? 14/1959, qu. 1 de «P. R.».

1. Cristianismo e Historia

1. As questóes de sucessáo e contagem dos lempos pode-


riam, á primeira vista, parecer secundarias ou indiferentes do
ponto de vista da Religiáo. O Cristianismo, porém, nao julga
assim; e isto, em virtude da índole própria da Religiáo crista.
De fato, á diferenca de outras crencas religiosas, o Cris
tianismo é essencialmente urna Religiáo histórica. Isto quer
dizer: nao é simplesmente um corpo de doutrinas abstratas ou
um sistema de proposieóes meramente académicas, mas a re-
velacáo de urna mensagem feita pela historia ou atrayés de
acontecimentos que se desenrolaram no decorrer dos séculos.
Em outros termos: o Cristianismo está ligado a episodios his
tóricos, que sao, ao mesmo tempo, a Revelagáo de urna men
sagem: a fé ensina ao cristáo que Deus falou a Abraáo, aos Pa
triarcas, a Moisés, aos Profetas; retirou do Egito as tribos de
Israel; deu-lhes a Lei ao pé do Sinai, introduziu-as na térra de
Canaá; na plenitude dos tempos, a segunda Pessoa da SS. Trin-

— 524 —
REFORMA DO CALENDARIO

dade tomou a natureza humana, morreu na Cruz para salvar


todos os homens, e ressuscitou em sinal de triunfo sobre o pe
cado e a morte. Em conseqüéncia disto, S. Paulo (1 Cor 15,
14-19) apresentava a. Ressurreícáo de Cristo — episodio his
tórico — como fundamento de toda a mensagem crista:
ou a Ressurreieao do Senhor é um fato real, e a mensagem
crista é digna de fé (pois está autenticada pelo próprio Deus);
ou nao é um fato real...; entáo cai por térra todo o edi
ficio da fé crista e da Igreja.
É éste caráter que diferencia o Cristianismo de qualquer
das religióes do Oriente, do Egito ou da Grecia antiga.

2. Com efeito. Os povos antigos fora de Israel parecem


ter sido profundamente impressionados pela índole cíclica que
caracteriza grande número de fenómenos déste mundo: todos
os anos, a natureza morre no invernó e ressurge na primavera;
a respiracáo dos seres vivos consiste em um «vai-e-vem» mo
nótono (absorcáo e eliminacáo do ar); a circulagáo do sangue
no organismo é um grande giro cujo termo final coincide com
o termo inicial... Por isto, os antigos muitas vézes represen-
tavam simbólicamente a historia por urna longá serpente en
rolada sobre si mesma, cuja cabeca vem a morder a própria
cauda (inicio e fim nao se diferencian! neste caso). A historia
assim era vista como algo de absurdo (constava de muitas mu-
dancas aparentes que em verdade nao traziam mudanca al-
guma),... oü como algo de vazio, destituido de significado.
Em conseqüéncia, o mundo, com seus acontecimentos pe
riódicos e monótonos, aparecía a tais povos ou mesmo aos pa
gaos em geral como que agrilhoado ou envolvido em ciclos, que
se repetem indefinidamente (o que está para acontecer, já
aconteceu, e o que já acoriteceu, voltará, a acontecer)... O ho-
mem deveria procurar romper pela evasáo ou pela «desencar-
nacáo» tais grilhóes. Os ciclos periódicos eram chamados «o
Grande Ano, o Jubileu, o Mahakalpa...»; eram comparados,
na India, á respiracáo do deus Brama, ao ritmo do yin e do yang
ou explicados pela dansa do .deus Siva, a qual cria e detrói o
mundo, ou ainda, na Grecia, explicados pela alternancia, sem
firri, da Discordia e da Concordia (segundo Empédocles).

Platáo na sua «Política», procurava elucidar os «vai-e-vem> ou


os ciclos monótonos da historia mediante a seguinte imagem: o
Autor do Universo é como um piloto que se coloca frente ao mundo,
em um pOsto de observacüo, a fim de averiguar o que o mundo
tende a fazcr por si mesmo. Verifica entáo que éste se encamlnna
para a dcstrulcüo da sua bela ordem e para o caos donde ele se orlgi-
nou. Quando esta decomposicao já se acha bem adiantada, o De-

— 525 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 3

miurgo (ou Autor de tudo), inquieto pela sorte das coisas, retoma
em suas máos o govérno do Universo e o restaura em sua ordem e
beleza originarias... Éste periodo harmonioso, porém, nao dura mui-
to; em breve, segue-se-lhe a desagregacáo...
Platao e Aristóteles julgavam que as repeticóes cíclicas da his
toria se devem á influencia dos astros. Os homens foram confiados
a tutela ou ao imperio dos corpos celestes, de modo que nos acha-
mos neste mundo como um rebanho no seu aprisco, vigiados pelos
astros e tolhidos em nossas iniciativas.
Na antiga Grecia, também se observa, da parte das correntes re
ligiosas, certo desdém pela historia; nem os adeptos de ritos antigos
(de que fala Hesíodo), nem os místicos (da corrente órfica, pitagó
rica ou platónica) davam apréco ao curso dos acontecimentos déste
mundo.
Nao há dúvida, a Grecia produziu grandes historiadores (entre
os quais os clássicos Demóstenes e Tucídides), mas nenhum déles
tentou atribuir sentido religioso aos episodios narrados; Tucidides,
por exemplo, reduziu a guerra do Peloponeso, qué ele descreve, a um
simples choque de fórcas humanas, choque analisado do ponto de
vista meramente racional.

Em vez-da historia própriamente dita, os pagaos cultiva-


vam o mito, o qual, por seu conceito mesmo, tende a desva
lorizar a historia real, como se dirá em resposta & qu. 7 déste
fascículo.

3. A Revelagáo bíblica ou judaico-cristá nao podia deixar


de reconhecer a índole cíclica que tanto marca a historia do
mundo e dos homens.
Tenham-se em vista as observagóes de Eclesiastes 3, 1-8:

«Para tudo ¡há tempo, para cada coisa há um momento debaixo


dos céus:

Há tempo para nascer, e tempo para morrer;


Tempo para plantar, e tempo para-comer o que foi plantado;
Tempo para matar, e tempo para curar;
Tempo para demolir, e tempo para construir;
Tempo para chorar, e tempo para rir;
Tempo para gemer, e tempo para dancar;
Tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las;
Tempo para dar abracos, e tempo para afastar-se;
Tempo para procurar, e tempo para perder;
Tempo para guardar, e tempo para atirar fora;
Tempo para rasgar, e tempo para coser;
Tempo para calar, e tempo para falar;
Tempo para amar, e tempo para odiar;
Tempo para a guerra, e tempo para a paz».

Em vez, porém, de apregoar salvagáo mediante a fuga a


ésses ciclos, os autores bíblicos anunciaran! a salvagáo mediante
o percurso mesmo de tais ciclos; estes se podem comparar a

• — 526 —
REFORMA DO CALENDARIO

urna espiral, a qual segue~uma linha progressiva e finalmente


chega a um termo que é o seu remate ou a sua consumagáo.
A historia assim aparece rica de significado ou de mensagem;
embora nela recorram periódicamente os mesmos acontecimen-
tos, é sempre com novo ólho, com mais profundidade e pers
picacia que o homem de Deus os contempla; através da mesma
face, aparentemente monótona ou insípida, da realidade, a
genuína fé desvenda cada vez melhor as riquezas da eternida-
de coñudas nos moldes do tempo como se estivessem em séu
embriáo.
O Cristianismo só fez elevar ao grau máximo a conscién-.
da judaica de que o tempo é algo de sagrado. De fato; o Evan-
gelho ensina que Deus assumiu a natureza humana, entrando -
na historia dos homens. Com isto o Senhor quis santificar a.
lenta sucessáo dos sáculos; Cristo iniciou urna obra — a obra
da Redengáo — que se vai desdobrando através dos tempos..
Estes se tornaram prenhes de urna realidade nova, oculta, que
é o misterio da Redengáo. Éste misterio, iniciado na cruz, vai
sendo aplicado aos homens por meio de filetes, que sao os sa- '
cramentos e, em particular, a Eucaristía. Mediante tais filé-
tes, Cristo vai estendendo as grágas e b tesouro da vida eter
na que Ele adquiriu em sua vida pública e no Calvario há vinte
sáculos atrás. Os sacramentos e a Eucaristía associam cada
dia, cada semana, cada mes, cada ano ás fontes da salvagáo
(aos feitos terrestres de Cristo na Palestina).
JÉ por isto que o cristáo atribuí grande valor á maneirá
de contar os tempos. Esta nao pode ser orientada apenas por
criterios industriáis ou comerciáis ou por interésses meramen
te terrestres. O tempo, para o cristáo, possui significado ultra-'
terrestre; está prenhe de eternidade; por isto também teñí
que manifestar a presenga da eternidade no mundo que passa.
Em conseqüéncia, há certas ocorréncias ou celebragóes dita-
das pela fé crista que nao podem ser sufocadas pela serie das
grandes datas do calendario.
Eig o motivo por que o Concilio II do Vaticano houve por
bem pronunciar-se a respeito de possiyeis mudangas do calenda
rio. AS. Igreja nao tem preferencia positiva por algum sis
tema de distribúigáo dos dias, contanto que se respeitem cer
tas exigencias mínimas, derivadas de urna visáo sobrenatural
da historia.
E quais seriam essas exigencias mínimas, de acordó com
a Declaragáo conciliar? (cf. documento transcrito no inicio
déste artigo).

— 527 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 3

2. A Declaracao do Concilio

O pronunciamento tem em vista dois pontos distintos: a)


a fixacáo da festa de Páscoa; b)' a estabilizacáo do calendario.
Vejamos cada qual de per si.
a) Fixacáo da festa de Páscoa
Já na ocasiáo da reforma litúrgica efetuada por Pió X,
foi realizado um inquérito junto aos bispos das diversas par
tes do globo a respeito da data de Páscoa, assttnto, alias, que
desde o século passado vinha sendo estudado na Igreja. Muitos
prelados entáo responderam que desejáriam ver a festa de
Páscoa celebrada todos os anos no mesmo domingo (cf. artigo
" de Mons. Piacenza publicado em «Ephemerides Liturgicae» 1918,
pág. 249).
Ao se aproximar o II Concilio do Vaticano, numerosos bis
pos manifestaram o mesmo desejo, chegando alguns a sugerir
o segundo domingo de abril.
Em atencáo a ésses votos, a assembléia conciliar declarou
que nada tem a opor á estabilizacáo da data de Páscoa (con
tanto, naturalmente, que caia sempre em domingo, a fim de
corresponder á serie dos acontecimentos narrados pelo S. Evan-
gelho: a crucificacüo do Senhor se deu em urna sexta-feira, • e
a ressurreigáo em um domingo).
A única exigencia formulada pelo Concilio a tal propó
sito é inspirada por preocupaeóes ecuménicas: a S. Igreja nao
aceitará mudanca alguma que nao conté com o consentimento
dos irmáos separados, pois, como escrevia o Cardeal Rampolla
em nome do Papa Leáo Xm, é preciso «evitar todo perigo de
introduzir na Cristandade ainda maiores divisóes, ocasionadas
por mudanga do calendario».
Principalmente os orientáis ortodoxos sao ciosos de suas
observancias tradicionais. Sabe-se que em 1582, quando Gre
gorio XIII reformou o calendario juliano (o qual estava em
flagrante desacordó com o curso mesmo da natureza), os ori
entáis se recusaram a adotar o reajuste (cf. «P. R.» 14/1959,
qu. 1). Mais ainda: quando em 1924 o calendario gregoriano
foi introduzido na Grecia, verificou-se ai um cisma por parte
de cristáos renitentes, adeptos incondicionais -do antigo calen
dario juliano; constituiram o grupo dos «paleoimerologistas» (de
«pálaion» = antigo; e «heméra» = dia), ainda hoje existente.
Seria, sem dúvida, muito para desejar que todos os cris
táos celebrassem a Páscoa conjuntamente no mesmo dia. Ve-
rifíca-se que de 1964 a 2000 os calendarios juliano e gregoriano
apenas sete vézes coincidiráo entre si no tocante a data de táo

— 528 —
REFORMA DO CALENDARIO

importante solenidade, a saber, nos anos de 1966, 1974, 1977,


1980, 1984,1987 e 1990.

b) Calendario perpetuo ou estabilizagáo do calendario


Por «calendario perpetuo» ou «estável» se entende aquéle
em que cada día do mes corresponde todos os anos (sejam
anos normáis, sejam bissextis) ao mesmo día da semana: assim
o dia 4 de maio seria sempre urna 6» feira; o dia 4 de setem-
bro, sempre um domingo; o dia 1» de novembro, urna 3» feira,
etc. «
Sao conhecidas as tentativas dos estudiosos que, já há
mais de um sáculo, procuram reduzir a contagem de dias, me
ses e anos a um sistema mais simétrico e uniformizador.

O histórico da questáo se acha resumido em «P. R."> 14/1959,


qu. 1; será completado no terceiro inciso déste artigo.

Por duas vézes, isto é, em 1897 (sob Leáo XEI) e em


1924 (sob Pió XI), a Santa Sé foi solicitada para dar o seu
apoio a urna solugáo satisfatória do problema. Os Pontífices
responderam entáo que a decisáo oficial da Igreja no assunto
dependería de um Concilio Ecuménico.
Em vista disto, o Concilio II do Vaticano se manifestou
nos seguintes termos: ,

a) a S. Igreja nao pensa em encabegar iniciativas para a


estabilizagáo do calendario; o assunto nao é propriamente do
foro religioso, mas do foro civil; afeta os interésses da vida
profana muito mais do que os da vida litúrgica crista. Con-
tudo duas ressalvas á reforma sao feitas pelo documento con
ciliar:
b) em qualquer projeto de mudanga, respeite-se a sema
na de sete' dias com seu domingo ou dia do Senhor, pois tal
consideragáo, além de corresponder a urna tendencia inata
. no homem, é explícitamente recomendada pela Lei de Deus.
De resto, os projetos que mais atengáo tém merecido por par
te dos economistas e sabios contemporáneos, conseryam sempre
a semana de sete dias. Qualquer tentativa de estruturar a
semana de outro modo já foi dada por falha: assim a «semana»
de dez dias da Revolugáo Francesa de 1789, e a semana de
cinco dias dos inicios da Revolugáo soviética. Tais sistemas
parecem violentar a ordem natural das coisas, que se vai de-
senvolvendo normalmente em ciclos de sete dias (cf. as fases
da Lúa). Neste ponto, por conseguinte, a S. Igreja e os estu
diosos civis nao teriam dificuldade para entrar em acordó.

— 529 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 3

Eis, porém, que ainda outra ressalva é feita pelo Concilio:


c) Nao se admita dia intercalar ou «día branco» entre as
semanas, de modo a nao interromper a sucessáo das semanas.
O motivo desta cláusula é a consciencia de que nao há pró-
priamente «dia neutro» do ponto de vista religioso, dia que
nao seja portador de urna mensagem de vida eterna, mensagem
esta que é distribuida através dos sete dias da semana (seis
dias de trabalho e um dia de repouso ou consumacáo ou con
sagracáo a Deus). Deixando algum dia fora da semana, po-
der-se-ia dar a entender que há alguma fase do»tempo ou da
historia que escape a essa consagracáo religiosa ou que esteja
destituida de sentido sobrenatural — o que seria erróneo.
Compreende-se, porém, que esta posicáo nao está neces-
sáriamente associada a um artigo de fé. Apoia-se em motivo
de conveniencia; nao é, porém, estritamente dogmática. Em
conseqüéncia, admite o Concilio que, diante de graves e impe
riosas razóes, a exigencia de nao se interromper a serie das
semanas possa ser reformada, ficando á Santa Sé o encargo
de julgar as razóes e decidir.
E por que alude o Concilio a essa possível revisáo de ati-
tude?
É porque a única maneira de nao interromper a seqüén-
cia das semanas consiste em adotar o ano de 364 dias (52 se
manas precisas), ficando a obrigacáo de intercalar de sete em
sete anos urna semana inteira, ou seja, de instaurar de sete
em sete anos um ano de 53 semanas. Desta forma, os trimes
tres seriam todos de igual duracáo, excetuado aquéle ao qual
se acrescentasse a semana intercalar de sete em sete anos. O
mes comportaría 30 ou 31 dias. Ter-se-ia assim realmente um
calendario perpetuo, pois a cada dia do mes correspondería
«perpetuamente» (todos os anos) o mesmo dia da semana.
Acontece, porém, que essa solucáo é pouco viável; acar-
reta o grave inconveniente de tornar muito anómalos ou anor-
mais «os sétimos anos»; estes, tendo urna semana a mais do
que os outros, difeririam demasiadamente dos anos comuns,
dificultando as relagóes humanas na vida prática. Julgam os
estudiosos que urna tal solucáo estaría de antemáo fadada ao
insucesso, pois de modo nenhum conseguiría implantar-se; ain
da seria preferível o atual sistema.
Por isto, a única tese que promete realmente facilitar as
condigóes da vida económica e social moderna é a que con
serva o ano de 365 dias, com um ano bissextil intercalado de
4 em 4 anos. Dever-se-ia, porém, acrescentar um dia branco,
fora de ciclo, no fim de cada ano e ainda qutro dia branco

— 530 —
REFORMA DO CALENDARIO

no fim do primeiro semestre dos anos bissextis (cf. quadro


proposto em «P. R.» 15/1959, qu. 1). Já que é éste o único
sistema satisfatório, é q único que os govemos civis poderiam
apresentar á Santa Sé, pedindo para o mesmo o apoio da
Igreja. Diante de tais prognósticos, o Concilio H do Vaticano
reconheceu a possibilidade de aprovacáo por parte das autori
dades eclesiásticas. A introducáo déste novo calendario só se
poderla fazer em algum ano que comecasse por um domingo
do calendario atual. Ora, até 2000, sómente os anos de 1967,
1984 e 1995 se iniciaráo por um domingo...
Parece que existem graves e imperiosas razSes em favor
de tal sistema. A Santa Sé o reconheceria, pois, em última
análise, o novo calendario salvaguardaría a semana como prin
cipio de distribuicáo do tempo; a interrupcáo da seqüéncia das
semanas mediante os dias intercalares seria muito discreta, e
nao chegaria a significar algo contra a nocáo religiosa do tempo
que o Cristianismo sugere ao mundo.

De resto, o Pe. Pierre Journel recentemente acaba de conceber


urna fórmula nova, apta a atenuar o caráter neutro ou taranco dos
últimos dias do ano: em vez de íalar de 365» dia acrescentado íora
do ciclo diga-se que o dia 25 de dezembro, íesta de Natal, nao coin
cide com dia algum da semana, mas é simplesmente intercalado en
tre o domingo 24 e a 2' feira 26 de dezembro; em conseqüéncia, o ano
terminará sempre no sábado 31 de dezembro (tradicional festa de
S Silvestre); nos anos bissextis o dia acrescentado chamar-se-ia 31
de junho. — A solucño nao deixa de ser elegante; poderla ser aceita
por todos os povos do mundo, que fariam de Natal um feriado in
ternacional, o «Dia da Paz prometida aos homens de Boa Vontade».
Receia-se que a oposicSo contra o dia tora do ciclo seja movida,
em última instancia, nao pelos crtstaos, nem pelos judeus como tais,
nem pelos maometanos, mas, sim, pelos israelitas ditos «ortodoxos*
e pelos Adventistas do 7' Dia. Estas denominacOes difícilmente deixa-
riam a sucessáo dos ciclos de sete dias tal como íoi iniciada nos
tempos de Moisés. Em 1925, por exemplo, urna ComissSo de cinco
delegados do Judaismo ortodoxo apresentou a Sociedade das NacOes
um manifestó contrario á adopgáo dos «dias brancos».
A rcspclto do sábado e do día do Senhor .no Cristianismo, veja
«P. R.» 1/1958, qu. 9; 11/1958, qu. 5.

Acrescentemos agora ,

3. Nocóes complementares sobre o


histórico do Calendario perpetuo

1. Em 1849 Augusto Comte propunha estabelecer o ano


de treze meses de 28 dias. O projeto foi estudado por urna
comissáo preparatoria do VI Congresso das Cámaras do Comer
cio, a qual preferiu que se conservasse o ano de doze meses,

— 531 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 3

pois éste é o único número divisível tanto por 3 como por 4,


fator de grande vantagem na vida cotidiana. — De resto, a
divisáo do ano em doze meses está relacionada com a da esfera
em 360 graus, bem como com a divisáo do dia em 24 (2 x 12)
horas, com a das horas em 60 minutos, e com a dos minutos
em 60 segundos. Em conseqüéncia, um Congresso das Cáma
ras de Comercio em junho de 1914 confirmou, por notoria maio-
ria de votos, a conservado do ano de doze meses. Nao obs
tante, em 1925 um Comité de estudiosos norte-americanos re-
encetou a propaganda em favor dos 13 meses de 28 dias, o
que pouca repercussáo teve; a Uniáo Astronómica Internacio
nal e outras entidades se pronunciaram sucessivamente contra
tal 'sistema.
2. Merece atengáo a fundacáo da «World Calendar Asso-
ciation» em Nova Iorque no ano de 1930, sob a presidencia de
Miss Elisabeth Achelis. Tal sociedade publica o periódico «Jour-
nal of Calendar Reform». — As atividades de Miss Achelis
visavam coordenar os esforcéis dos estudiosos do mundo inteiro
em prol da reforma do Calendario.
A mentalidade dessa corajosa pioneira se exprimiu com
muita clareza no seu livro «Do tempo e do Calendario»: em-
bora respeite todas as érenlas religiosas, considera o calenda
rio como «mero instrumento científico e leigo destinado a me
dir o transcurso do tempo». Éste é entendido no sentido do
adagio «Time is money». — Tempo é dinheiro em sentido ma
terialista, que desconhece o valor sagrado ou transcendente
da historia. Conseqüentemente, as razóes apresentadas para
reformar o calendario sao de índole exclusivamente económica
(e norte-americana), a saber: as elevadas despesas que o atual
sistema acarreta para a cidade de Nova Iorque, a alta das ta
rifas das emissóes radiofónicas, os prejuízos pecuniarios causa
dos aos comerciantes, aos pagadores de impostes, etc..., de
acordó com estatísticas do Instituto de Peritos-contadores dos
Estados Unidos.
Entre outros fenómenos contemporáneos referidos por
Miss Achelis, está o fato de que em 1953 a India dirigiu urna
proposta á ONU no sentido de procurar «um sistema cientí
fico de cronología independente de qualquer influencia de país,
raga ou religiáo», idéia um tanto vaga, que encantara Gandhi,
pois existem, a quanto parece, trinta calendarios diferentes
na India.
3. O calendario preconizado pela «World Calendar Asso-
ciation» conserva a semana de sete dias e o ano de doze meses,
com um dia suplementar, o 365', que seria «feriado internacio
nal» ou «o dia mundial»; fixa a festa de Páscoa no dia 8 de

— 532 —
VIOLENCIA NA CONQUISTA DO REINO DOS CÉUS

abril, segundo domingo do mes (abalizados exegetas hoje em


dia julgam que Jesús morreu na cruz aos 7 de abril do ano 30
e ressuscitou aos 9 do mesmo).
Tal calendario já está em estudo desde o século passado.
Foi, sim, em tese proposto pela primeira vez pelo Pe. Marco
Mastrofini (em «Amplissimi frutti da raccogliersi ancora sul
calendario gregoriano». Roma 1834, obra editada com tres
«Nihil obstat» e dois «Imprimatur»). Foi muito recomenda
do pelo Congresso da Uniáo Astronómica Internacional, reuni
do em Roma no ano de 1922; muito se empenhara por ele a
Comissáo Preparatoria do Congresso presidida pelo Cardeal
Mercier Em sessáo plenária de 28 de junho de 1954, o¡ Con-
selho Económico e Social das NagSes Unidas resolveu subme-
ter o novo sistema á apreciagáo dos Estados-membros da GNU.
Depois disto, nenhum pronunciamento sobre o assunto se regis-
trou em ambientes civis. .
Na terceira fase do Concilio II do Vaticano, parece ter
vindo á baila mais urna vez tal questáo, de acordó com a se-
guinte noticia proveniente da Cidade do Vaticano aos 22 de
setembro de 1964 e publicada pelo «Estado de Sao Paulo»
aos 23/K/1964:

«O Episcopado polonés enviou aos organismos competentes do


Concilio urna proposta no sentido de que o calendario litúrgico siga o
ano civil, tendo assim as festividades religiosas datas fixas.
Segundo a sugestáo dos bispos poloneses a Páscoa seria celebra,
da todos os anos no quarto domingo de abril. A. festa de Ano^Nóvo
cairia sempre em um domingo, enquanto o Natal seria celebrado sem-
pre em urna segunda-feirá».

Aguardemos o desfecho dos acontecimientos, se é que, de


fato, algo de novo se dará próximamente neste setort

ni. SAGRADA ESCRITURA

YOLANDA (Rio de Janeiro):

4) «Qual o sentido da passagem de Mt 11, 12, onde Jesús


diz que o Reino dos céus é conquistado pela violencia?»

Eis, na sua traducáo mais autorizada, o trecho de que se


trata:
«Desde os dias de Joáo Batista até o presente momento o reino
dos céus solre assaltos, e os violentos o conquistam» (Mt 11, ±¿).

— 533 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964 qu. 4

A violencia aqui apresentada como meio para obter o reino


dos céus é justamente o elemento da frase que tem causado
dificuldade aos exegetas. O reino do Amor e da Bondade há
de ser o,térmo de urna conquista salteadora?
Ante a dúvida, mais de urna resposta tem sido formulada,
como se poderá ver abaixo:
1) Pode-se entender a dita violencia como sendo a disciplina
e a mortificasao que toda alma justa deve exercer sobre si"
mesma a fim de chegar á uniáo com Deus. Trata-se da vio
lencia santa e absolutamente necessária que se requer para
que alguém possa reprimir as paixóes de sua natureza desre-
grada.
Comega o Senhor, dizendo: «Desde os dias de Joáo Ba
tista ...». Foi, de fato, Sao Joáo quem comec.ou a anunciar
a vinda imediata ou mesmo a presenga (na pessoa de Cristo)
do Reino de Deus, que a Lei de Moisés e os Profetas do
Antigo Testamento de longe apenas haviam predito. Por isto,
desde o inicio da pregagáo de S. Joáo Batista é que se tornara
premente o convite á renuncia e á penitencia para que os ho-
mens pudessem entrar no Reino Messiánico; o próprio Pre
cursor de Cristo no deserto dava o exemplo dessa santa vio
lencia, pois se vestía e alimentava dentro de extraordinaria so-
briedade e austeridade.
Muitos dos que iam ouvir a Joáo no deserto, seguiam-lhe
o exemplo, tornando-se «violentos» consigo mesmos. Com ra-
záo assim procediam, ao passo que os fariseus e os escribas se
fechavam as admoestagóes de Joáo recusando o Batismo de
penitencia. É o que Jesús verifica na frase de Le 7,29s:

«Todo o povo que ouviu (a Joáo) e até os publícanos reconhe-


ceram a justica de Deus, fazendo-se batizar com o batismo de JoSo.
Mas, os fariseus o os doutores da lei frustraram de sua parte os de
signios de Deus, nao se fazendo batizar por ele».

O procedimento de tais almas «violentas» vem a ser ligáo


para os discípulos de Cristo até hoje. A santificagáo requer ar
duo combate contra as tendencias desregradas1 da carne, arduo
dombate que bem pode ser comparado ao assalto de urna cida-
dela armada. Sómente quem está disposto a tudo sofrer, pode
nutrir a esperanga de conquistar tal cidadela; da mesma forma
sómente os cristáos dispostos a tudo sacrificar, até a própria
vida do corpo, é que estáo, humanamente falando, habilitados
a entrar na gloria do Reino messiánico.
Tal explicagáo do texto de Mt 11, 12 parece confirmada
pelo trecho paralelo do Evangelho de S. Lucas (16, 4-6), tre-

— 534 —
VIOLENCIA NA CONQUISTA DO REINO DOS CÉUS

cho em que as palavras de Jesús sao colocadas num quadro


que fala mais diretamente de renuncia e austeridade («santa
violencia») contra a cobiga da carne desordenada:

«Os íariseus, que eram amigos do dinhelro, ouviam todas estas


coisas (as advertencias de Jesús relativas as riquezas) e zomba-
vam déle.
Disse-lhes Jesús: "Vos procuráis parecer justos diante dos homens,
mas Deus conhece vossos coragSes. Aquilo que os homens Julgam
excelente é abominável diante de Deus. A lei e os profetas dura-
ram até Jo5o Batista: de entáo para cá é o reino de Deus que é
anunciado e todos se esíorcam por penetrar néle com violencia'».

Neste trecho, como se vé, Jesús estabelece nítida dife-


renga entre a mensagem da Lei e dos Profetas, de um lado, e
a do Messias (Cristo), do outro lado: esta parece justamente
distinguir-se da anterior pela sua nota de austeridade; impóe
ao cristáo a violencia contra si mesmo, coisa que os fariseus
negligenciavam (apoiando-se falsamente ñas promessas de fe-
licidade temporal que os textos mais antigos da Lei formula-
vam em favor dos amigos de Deus).

A explicagáo que acaba de ser dada, é a mais provável.


Conta com o patrocinio de S. Ambrosio (t 397), S. Jerónimo
(t420) e com o dos melhores exegetas contemporáneos. No-
tem-se, porém, outras sentengas:

2) Os violentos, desejosos de entrar de assalto no Reino


dos céus, seriam os «Zelotes» on «Sicarios» (= Fanáticos) de
Israel.
Os Zelotes constituiam um partido fundado por Judas Ga-
lileu (cf. At 5,37) e um certo fariseu chamado Sadoque. A
religiáo para éles tomava caráter político; nao querendo tole
rar o «reino de Edom» (= o govérno de Herodes, idumeu ou
edomita, estrangeiro), faziam-se de anarquistas, proibindo pa
gar impostes e apregoando revolugáo armada, em conseqüen-
cia da qual se instauraría o reino messianico no povo de Israel
independente. Viviam tramando incursóes e assaltos as insta-
tuicóes governamentais. É possível que, falando de «galileus»
revoltosos em Le 13,1, Jesús a éles se tenha referido. O Senhor
houve por bem chamar dentre éles o Apostólo Simáo Cana-
neu (cf. Mt 10,4) ou Zelotes (Le 6, 15; At 1, 3).
Que dizer desta sentenga exegética?
Em Mt 11, 12 os «violentos» nao parecem designar tal
tipo de «salteadores»... Jesús tem em mira a obra de S. Joáo
Batista, que nao recorría as armas, mas á austeridade de vida,

— 535 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 5

suscitando muitos imitadores entre os israelitas mais simples


e fervorosos.
3) Outra sentenga exegética assevera que os violentos de
Mt 11, 12 eram os anjos maus e seus agentes na térra (os fari-
seus e outros erróneos mentores do povo). Constituiam urna
especie de poderío tiránico que tentava impedir a Lnstauragáo
do Reino messiánico, a fim de conservar para si o «imperio
déste mundo» ou, ao menos, o predominio sobre Israel.
Daí outra maneira de traduzir o texto, a saber: «O Reino
dos céus é maltratado, e os violentos o aviltam».
Esta interpretacáo, porém, tem contra si o fato de que
Jesús, no contexto de Mt 11, deseja tecer o elogio de Joáo Ba
tista — trago éste que nao é suficientemente levado em conta
por tal sentenga exegética. Mais ainda: o contexto nao indica
que Jesús tenha tido em vista entraves causados á pregagáo
messiánica; antes, parece querer referir-se ao sucesso obtido
pelo Evangelho: «Todo o povo que ouviu Joáo Batista, até
mesmo os publícanos, reconheceram a Justiga de Deus, fazendo-
-se batizar com o batismo de Joáo» (Le 7,29).
Enfim, pode-se ainda catalogar urna quarta explicagáo:
4) O yerbo grego «biázetai» é entendido nao no sentido
passivo (= «sofre violencia»), mas na voz media ativa (= «rea
liza violencia»), de modo que se deveriá traduzir: «O reino dos
céus se.vai impondo com violencia, apesar de todos os obstá
culos» .
Tal explicagáo, porém, difícilmente se sustenta do ponto de
vista filológico, pois, na voz media ativa, o verbo «biázetai» re-
quer complemento. Seria preciso dizer: «realiza esforgos ou
violencia em prol de ou em demanda de...».
Por conseguinte, parece realmente merecer preferencia a
primeira das sentengas aqui apresentadas: Jesús chama a aten-
gáo para a disciplina e a energía que devem caracterizar todo
programa de vida crista!

LUNA (Fortaleza):

5) «Poderia dizer algo sobre a origem da semana e da


observancia do sétimo dia?»

A palavra hebraica shabbath (= sábado) provém do


verbo shabath, que significa «repousar, cessar». Passou a ser
utilizada pelos hebreus para designar o sétimo dia da semana,
dia em que, conforme a narrativa figurada de Gen 2, 2s, Deus
repousou da obra da criagáo; tal dia deveria ser igualmente

— 536 —
A ORIGEM DA SEMANA

consagrado ao repouso pelo povo de Israel, segundo mandava


solenemente a Lei de Deus em Éx 20, 8-11.
A observancia do sábado em Israel nao teve inicio no séc.
XIII a. C, com Moisés, pois se depreende que, já antes da ■
promulgado do Decálogo, o povo de Deus respeitava o sétimo
dia da semana (o maná nao era dado aos sábados justamente
para que Israel nao se entregasse nem mesmo ao trabalho de o
recolher; cf. Éx 16, 23).
Na verdade, a observancia religiosa do sábado foi sugerida
aos homens antes e fora da Revelacáo bíblica, por efeito do
próprio curso da natureza. Ela está intimamente ligada ao
aprégo que' os antigos dedicavam á Lúa.
Vejamos, pois, em que consistía a estima dos homens pri
mitivos pela Lúa. Poderemos assim compreender o valor que
o sétimo dia e, mais largamente, a semana conservaram na
tradigáo bíblica desde os seus inicios até nossos dias.

1. O apreso da Lúa

1. Dois sao os astros dos quais parece depender ¡media


tamente a vida do homem sobre a térra: o Sol e a Lúa. Sem
dúvida, o Sol é mais importante; exerce influencia decisiva so
bre a subsistencia do género humano na térra.
Nao obstante, a Lúa foi mais estimada pelos antigos do
que o Sol.
Como se explica isto?
O ciclo solar chama muito menos a atengáo do que o
ciclo lunar. É verdade que, popularmente falando, se diz que o
sol «nasce» e «morre» todos os dias; mas, afinal de contas, ele
aparece aos homens sempre do mesmo modo. De resto, estes
nao o conseguem fitar de frente, pois o Sol brilha com dema
siada majestade; além disto, queima... Requer-se já um certo
grau de civilizagáo ou cultura para avaliar exatamente a fun-
cáo importante do Sol na vida do homem e da sociedade.
O mesmo nao se dá com a Lúa. Esta tem suas fases bem
diferenciadas urnas das outras (Lúa nova, Lúa crescente, Lúa
cheia c Lúa minguante). Sao fases misteriosas: durante tres
noites, a Lúa escapa aos olhares dos homens; é em váo que a
procuram; parece morta. A seguir, ressuscita, e vai crescendo;
sete dias mais tarde, constitui um semi-círculo; mais sete dias,
e ela se mostra cheia, em toda a sua beleza; depois diminuí
até se tornar de novo invisivel. Isto impressionou profunda
mente a imaginagáo das tribos primitivas, provocando admi-
ragáo.

— 537 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 5

A Lúa, com seu nascimento, seu desenvolvimento, seu de-


clinio e seu apagamento láo patéticos, parecía ter mais afini-
dade com o homem do que o Sol. Ela passa por uma «decre-
pitude» que desemboca na morte, como o homem, ao passo que
o Sol nao apresenta tal fenómeno, fica,ndo, por isto, muito
longe da esfera humana. O ciclo lunar ainda sugeriu ao ho
mem a idéia da ressurreicáo, ressurreigáo, sim, da natureza em
geral e do próprio homem. Além disto, a Lúa se apresenta, no
decorrer desta vida, muito amiga do homem: ela o ilumina no
período das trevas noturnas, possibilitando-lhe camlnhar, pros-
seguir viagem, defender-se contra feras e salteadores, realizar
atividades que, sob o Sol causticante, se tornariam muito pe
nosas .
As fases da Lúa, que se observam com tanta facilidade e
recorrem com grande regularidade, tambóm ajudaram o homem
a conceber o que seja a etcrnidade: é estabilidade nao monó
tona e insípida, mas rica e sempre «juvenil», sempre «renova
da»; a Lúa continua a existir porque constantemente recomerá
a existir.
Por último, pode-se notar que os povos primitivos também
associaram á nogáo de Lua a idéia de «padráo» ou «medida»:
no vocabulario indo-europeu, a raiz me significa, ao mesmo tem-
po, Lua e medida, (em sánscrito, a raiz me deu mami, eu me
go) . Isto se explica pelo fato de que os ciclos da Lua vieram
a ser a medida universal ou a medida para se avaliar a evolu-
gáo de tudo que se transforma sobre a térra: aguas, vegetagáo,
fertilidade do solo, chuvas, etc.. A própria duracáo da vida
humana foi medida em fungáo das fases da Lua — o que quer
dizer:... foi contada por semanas, meses lunares e anos luna
res (ainda hoje há tribos de cagadores e coletores primitivos
nómades que seguem exclusivamente o calendario lunar). Os
germanos contavam o passar do tempo numerando as noites
e .nao os dias (cf. Tácito, Germania II).

O mes, medida de tempo. é designado a partir da mesma raiz


me, lua, em varias línguas indoeuropéias: assim em sánscrito se diz
mas; em avéstieo, mah; em lituano, menú; em gótico, mena; em gre-
go, mene; em latim, mensis.

Sómente com o progresso da civilizacáo c que o homem


foi dando maior atengáo ao Sol; percebeu que éste ainda é
mais decisivo do que a Lua, principalmente quando come;ou a
cultivar o solo segundo a técnica agrícola; compreendeu entáo
como depende das estanóes do ano, estagóes que sao regidas
pelo Sol, e nao pela Lua. Passou coaseqüentemente a adotar
o ano solar em vez do ano lunar.

— 538 —
A ORIGEM DA SEMANA

Eis as principáis razóes que levaram os homens primitivos


a estimar a Lúa e suas fases.
Nao se poderia deixar de mencionar também o papel que
o simbolismo do número 7 deve ter desempenhado nessa esti-
magáo da semana; com efeito, sabe-se que «sete» designava a
perfeigáo ou a plenitude, segundo o mundo de pensar dos an-
tigos; daí a facilidade com que teráo adotado o ritmo de sete
dias para regrar a sua vida.
2. Entende-se que ésse aprégo da Lúa se tenha feito sen
tir no setor da Religiáo desde remota antiguidade. As fases da
Lúa e, em particular, o sétimo dia de cada urna foram toman
do valor sagrado.
É o que explica certas observancias de culto entre os
babilonios antigos, por exemplo. Havia sacrificios e absten-
qóos rituais prescritas para o 7?, o 14', o 21» e o 28' dias. Assim
reza um calendario do mes intercalar Elul:
«A noite. o rei apresenta seu sacrificio a Marduque e a Istar;
no 7" dia a Belit e a Nergaí; no 14' dia. a N'íiib © a Gula; no 19»
dia, a Samash, a Belit Matati, a Sin, a Belit-ilé; no 21« dia, aja;
no 28' dia a Belit-ilé. O rei derrama a oferenda do seu sacrificio
e a sua orácáo é acolhida pela Divindade».
Nesta lista, o 19° dia assinalava urna semana de semanas
(7 x 7 =-49) após o dia 1» do mes anterior.

O mesmo texto acrescentava as seguintes normas a ser obser


vadas em tais dias:
«O pastor dos povos (o rei) nao deve comer nem carne cozida
s6bre o íogo nem pao cozido sob cinza; nao deve trocar de roupa
nem vestir túnica espalhafatosa, nem oíerecer sacrificios (a toda e
qualquer Divindade). O rei nao se servirá do seu carro nem falara
como mestre. O mago, em sua mansáo misteriosa, nao proferirá orá
culo algum, nem o médico estenderá a máo sobre os doentes; e nin-
guém ousará pronunciar alguma maldígaos (Cuneiform Inscriptions
of Western Asia IV pl. 32 e 33).

Cada sétimo dia (shapattu) era consagrado, .na Babilonia,


exclusivamente a determinada Divindade, de modo que entáo
nao era lícito sacrificar a outros deuses. Os ritos religiosos
em tal dia tornavam a Divindade propicia; exigiam, porém,
que o devoto se abstivesse de varias outras práticas tidas como
incompatíveis com o servigo religioso; em conseqüéncia, o sha
pattu vinha a ser dia nefasto para certas ac.5es.
Ainda entre os babilonios, o segundo sábado ou o 14* dia
do mes, dia correspondente á Lúa cheia, era chamado um nun
libbi, dia da pacificacáo ou do repouso do coragáo, pois era o
dia em que a Lúa mesma, chegando á sua plenitude, parecía
repousar-se.

— 539 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 5

Os hindus observavam religiosamente o dia inicial de cada


fase da Lúa: o 8' dia após a Lúa nova, e o 8* dia após a
Lúa cheia era dias de jejum, em que o trabalho era proibido.
Sem recorrer a novos exemplos, consideremos agora

2. O sábado e a semana na Biblia Sagrada.

Abraáo, o Patriarca do povo de Israel, era oriundo de Ur da


Caldéia (Mesopotámia) no séc. XVIII a. C. Em sua térra na
tal, terá conhecido a observancia da semana; transmitiu-a aos
seus descendentes,no país de Canaá (Israel), tratando, porém,
de depurá-la, de qualquer vestigio de politeísmo; o sétimo dia
seria consagrado ao único Deus. Quando Moisés sobreveio no
séc. XIII, incluiu solenémente na Lei do Senhor a observancia
da semana e do sétimo dia.
Contado o sábado em Israel passou a diferir uin tanto do
sábado na Babilonia: r
A Lei de Moisés prescrevia, sim, a abstencáo de certas
obras, como a lei babilónica; a prescrigáo, porém, valia para
todos os fiéis, nao apenas para determinadas categorías de pes-
soas, como na Babilonia.
O sábado em Israel de modo nenhum era considerado dia
nefasto. _
Mais ainda: os sábados, conforme a Leí de Deus, se suce-
diam de 7 em 7 dias, sem levar em conta a duragáo do mes lu
nar, que comporta 29 dias e meio aproximadamente. O Senhor
Deus, emancipando do mes lunar a semana, tinha em vista
cancelar todo resquicio de divinizacáo dos astros que pudesse
estar associado as semanas e aos meses lunares na Babilonia.
Após Moisés, como se julga, ou seja, no séc. Va. C, foi
escrita a narrativa da criacáo do mundo dita «hexaémeron»
(Gen 1, 1-2, 4a)... Esta pega se deve a um grupo de sacer
dotes que, genuinamente inspirados por Deus, assim procuraram
corroborar a observancia da semana e do 7? dia: o texto apre-
senta o próprio Deus como se tivesse criado o mundo observan
do urna semana, com seis dias de trabalho e um de repouso,
a fim de que o homem melhor compreendesse o grande valor
que, segundo a Lei de Deus, cabe á observancia da semana; o
próprio Deus se teria submetido a ésse ritmo!
Note-se bem que daí nao se segué conclusáo alguma sobre
a maneira como o mundo se originou (o texto nao pretende
indicar quantas eras houve na formacáo do mundo); a sua
mensagem é de índole moral; visa corroborar o preceito do sé
timo dia, tradicionalmente observado em Israel; foi, sim, em

— 540 —
MISSA DO DOMINGO NO SÁBADO

vista disto que o autor concebeu o próprio Deus a dar o exem-


plo de observancia da semana e do sábado...
Considerando táo grande aprégo que a Escritura Sagrada
e, em conseqüéncia, a tradicáo judaico-cristá, dedicaram a se
mana, o Concilio II do Vaticano houve por bem lembrar que
a Igreja nao poderia aprovar qualquer tentativa de reforma
do calendario que cancelasse o ritmo de seis dias de trabalho
e um de repouso (7« dia, día do Senhor).
Os cristáos continuam a observar o terceiro preceito do
Decálogo. Na verdade, «sábado» significa «sétimo» e «repou
so»;; ora entre os cristáos nao há um sétimo dia que nao seja
dedicado ao repouso, repouso sagrado, culto do Senhor. Pouco
importa o nome que se dé a ésse dia (domingo, Sunday, Sonn-
tag...); ele será sempre sábado (sétimo e repouso).

IV. MORAL

HOMEMPRATICO (Porto Alegre):

6) «Dizem que a Igreja resolveu permitir que os católicos


assistam no sábado á Missa do domingo.
Por que nao dizcr logo que basta assistir a Missa em qual
quer dia da semana?»

Parece nao haver melhor resposta para tal questáo do que


as duas declaragóes emitidas a propósito pela Rádio-Emissóra
do Vaticano. Transcrevemo-las abaixo com duas breves ano-
tacóes:

1) Comunicado de 12 de junho de 1964:

«Os fiéis poderáo satisfazer ao preceito dominical assis-


tíndo á missa no sábado de tarde, ñas igrejas especialmente in-
cadas pelas autoridades eclesiásticas locáis. A pedido dos Or
dinarios locáis (bispos ou os prelados que governam as dioce
ses), a Sagrada Congregacáo do Concilio permitiu que se cele
bre após as primeiras vésperas do sábado a Missa destinada
a satisfazer ao preceito dominical. É deixado ao prudente juizo
dos ordinarios determinar os tempos, os lugares e as igrejas
em que os fiéis se poderáo beneficiar desta faculdade, facul-
dade que já está sendo aplicada em certas dioceses da Italia,
da Suiga e da Argentina .
Tal concessáo foi motivada por diversas consideracóes:
O desenvolvimento enorme e sempre crescente do turismo
de fím de semana e dos esportes de equipe... Estas ativida-

— 541 —
«PERGGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 6

ds, por seus horáricis de partida e de regresso, tornam muito


difícil o cumprimento do preceito dominical .
A situacáo em que se encontram numerosas povoacóes
das regióes de montanha... Por causa da nevé ficam durante
longos meses destituidas de meios de condugáo (regulares), o
que dificulta a urna parte dos habitantes o acesso a igreja. O
sacerdote poderia entáo ir a essas localidades no sábado.
A grave penuria de sacerdotes em certos países. Se as
tres Missas do domingo o sacerdote puder acrescentar urna
Missa no sábado, atingirá maior número de fiéis.»
2) Aos 16 de junho pp., voltava o Radio do Vaticano a
abordar o assunto a fim de esclarecer alguns pontos:
«Para dissipar mal-entendidos á propósito da nossa co-
municacáo referente a certos indultos concedidos pela S. Con-
gregagáo do Concilio em regióes determinadas, que apresentam
exigencias religiosas particulares (exigencias motivadas princi
palmente pelo desenvolvimento atual do turismo), vemo-nos
na obrigacao de precisar o que sé segué:
a) Nenhuma mudanga de caráter geral foi introduzida na
■disciplina da Igreja concernente ao preceito dominical. Isto
quer dizer que o domingo é o dia consagrado ao Senhor tanto
por atos de homenagem coletiva como por atos individuáis obri-
gatórios.
b) O preceito do domingo comporta duas obrigacóes. Urna,
de caráter positivo; a assisténcia á Missa. A outra, de caráter
negativo: a abstengáo de trabamos servis.
c) Para tornar cada vez mais fácil o cumprimento do de-
ver de assistir á Missa, assim como para evitar dolorosas
transgressóes neste setor e suprir a falta de sacerdotes, foi con
cedida (a pedido de certos Ordinarios diocesanos) a possibi-
lidade de que os fiéis cumpram o preceito dominical assistindo
á Missa na tarde de sábado, desde que haja os motivos já indi
cados ou outros de caráter excecional.
Estas concessóes, assaz raras, ficam sendo sempre exce-
Cóes a lei geral. Permanece, portante, inalterada a disciplina da
Igreja que, desde os tempos dos Apóstolosi considera o domingo
como 'o dia do Senhor' ».

A estes comunicados podem-se fazer as seguintes obser-


vagSes:
1) «No sábado. .. a partir das primeiras vésperos», co-
mega o tempo oportuno para se cumprir o preceito dominical
(ou de Missa no domingo)...

— 542 —
MISSA DO DOMINGO NO SÁBADO

Que quer isto dizer própriamente?


«Primeiras vésperas...». A Sagrada Escritura, de acordó
com um costume judaico, costuma contar a duracáo do dia .
desde o por do sol da véspera até o por do sol do próprio día,
em vez de a contar, como nos, de meia-noite ou zero hora .
até meia-noite ou 24 horas. Dai as expressóes «primeiras ves-
peras» (= por do sol inicial, no dia anterior) e «segundas ves-
peras» (= por do sol "final, no dia mesmo).
O domingo, portante, segundo a contagem hebraica ou
bíblica, comeca com o por do sol do sábado (primeiras véspe
ras); note-se, alias, que a Liturgia do domingo ainda atual-
mente tem primeiras e segundas vésperas. Esta maneira de
medir o tempo foi substituida, como sabemos, na civilizagao . •
ocidental, pela contagem de meia-noite a meia-noite. Todavía
a S. Igreja em nossos dias, tendo em vista as razóes indicadas, '
julga que se pode, para o caso da Missa dominical, voltar a
contar o prazo oportuno do domingo como se fazia na antiga
historia sagrada, isto é, a partir da tardinha de sábado. Isto,
porém, nao quer dizer que ésse prazo oportuno cessa como
por do sol do domingo; ele continua a se estender, como de
costume, até as 24 h do domingo. •
Ao bispo de cada diocese fica o encargo de determinar v
precisamente a partir de que horas da tarde de sábado se pode >
falar de «primeiras vésperas» do domingo no seu respectivo , y.
territorio. . ' .,,
Como se vé, Missa no sábado de manhá nao satisfaz ao -,:
preceito. Nao se trata, pois, de antecipar o domingo para o sá- / ■;
bado. Guarda-se sempre o principio de que o domingo é o dia s,
do Senhor e, por conseguinte, o dia da Missa; apenas se conta. j
de novo modo (modo, alias, que é antiqüíssimo, pois é judaico e ^
biblico) o inicio ido domingo. • / ^
Nao seria lícito, por conseguinte, deduzir da recente de- r:||
tcrminacáo da S. Sé que, afinal, tanto faz o domingo como o :^
sábado como qualquer outro dia da semana, para atender ao ' ;.^
preceito da Missa semanal. ..AS. Igreja so visa a tarde de |
sábado, porque esta pode ser incorporada ao domingo, segundo ■ :^
a praxe bíblica. ■;' .t¡{|
2) A licenca ácima conserva sempre o caráter de concés--'í'^
sao extraordinaria. Para ser aplicada, requer razóes graves ou ■*.£
imperiosas. Fica ao criterio de cada prelado diocesano julgar se ,<
elas de fato existem na sua respectiva drcunscricáo. Caso -
julgue afirmativamente, poderá entáo pedir á Santa Sé a apli- .,
cacao do indulto para o seu territorio, e determinara exata-
mente o horario e as igrejas em que no sábado & tarde se

— 543 — ' 't


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 7

poderá cumprir o preceito dominical. Nao é, pois, em qualquer


diocese que está em vigor o novo indulto da Santa Sé? antes
que o respectivo prelado diocesano determine pó-lo em prática,
nao é lícito aos fiéis fazer uso de tal licenga.
Além dos países mencionados pela declaragáo da Emis-
sóra do Vaticano, pode-se citar atualmente o Estado de Is
rael como regiáo em que se aplica a nova disposigáo; o do
mingo nao é dia feriado nesse país.

V. HISTORIA DA RELIGIAO

CATEQUISTA (Sao Paulo):

7) «Que seria um mito?


Qual a diferenga precisa entre historia e mito?»

A palavra grega mythos vem do verbo mythéo, falar, con


versar, narrar. Designa urna narracao, e urna narragáo que visa
elucidar de maneira dirimente, definitiva, urna questáo deter
minada .
Os estudiosos, nos últimos cinqüenta anos, muito tém dis
cutido o significado exato de tais narragóes ou mitos na histo
ria das Religióes.
Deixando de lado explicagóes menos prováveis, propore-
mos abaixo a nocáo que mais parece satisfazer aos documen
tos da literatura religiosa antiga. Ei-la:
Todo homem traz na mente certas questóes espontáneas,
como as que se referem as origens do mundo e do género
humano, á finalidade do cosmos e da vida néle desenrolada, ao
sentido de certos impressionantes fenómenos da natureza (a
periodicidade dos dias e das noites, das estacóes do ano, do nas-
cer e do morrer da vegetacjio, etc.).
Procurando explanar a razáo de ser dos fenómenos assim
considerados, o pensador moderno costuma raciocinar e formu
lar urna explicagáo mais ou menos precisa em termos de es
cola ou de filosofía.
Nao era assim que procedía o homem primitivo. Em
geral, nao falava linguagem filosófica, mas recoma a ima-
gens para exprimir a sua sabedoria (de resto, as imagens e os
símbolos estáo intimamente associados aos nossos conceitos
mais elevados ou filosóficos, pois comecamos a raciocinar a
partir do que apreendemos pelos sentidos externos). O homem
primitivo, em conseqüéncia, forjava o que nos chamamos mi
tos... Estes vém a ser narrativas de episodios..., episodios

— 544 —
QUE É UM MITO?

referentes aos deuses e ocorridos antes da historia déste mun


do. Os homens imaginavam que naquela época remota se ha-
viam dado aventuras, guerras, unióes matrimoniáis, entre os
deuses. Em conseqüéncia de tais peripecias, cada um dos sé-
res divinos haverá ocupado o seu lugar próprio no mundo ce
leste; também em conseqüéncia disso, ter-se-á originado o mun
do presente, com seus fenómenos misteriosos, fenómenos que
háo de ser considerados como reflexos da «historia sagrada ou
divina». Neste estado de coisas, cada compartimento e cada
fenómeno do mundo sao regidos por determinada Divindade, .
cujos feitos antigos ilustram e justificam o que se vai atualmen-
te desenvolvendo na térra. A essa «historia sagrada» (historia
dos mitos) anterior aos nossos sáculos e ao nosso mundq cabe
a fungáo de arquetipo ou modelo exemplar de todos os aconte-
cimentos que se verificam na térra. Os acontecimentos da his
toria dos homens só tém significado e valor na medida em que
refletem o seu arquetipo celeste, pré-cósmico, imitando-o ou
reproduzindo-o. — Assim visa a mitología explicar por que a
historia dos homens consiste em repetigóes cíclicas dos mes-
mos fenómenos; dá-se um «eterno retorno» da natureza ao
seu exemplar celeste a fim de o reproduzir constantemente.
Tal eterno retorno coincide com a sucessáo inintemipta de dia
e noite, primavera e outono, veráo e invernó (condicionando a
fecundidade dos campos e do gado), Lúa nova e Lúa cheia,
nascimento e morte dos homens, etc. Tais acontecimentos ou
fenómenos sao em si destituidos de significado; conscientes da
sua monotonia vazia de valor, os homens que professam os
mitos, tendem a se emancipar déste mundo; aspiram pela sua
desencamagáo, a fim de entrar no verdadeiro mundo, o mundo
invisivel, em fungáo do qual gira o mundo presente. Os acon
tecimentos periódicos da natureza sao, para os adeptos da' mi
tología, sinais de realidades superiores; na verdade, éles tém
sentido religioso, mas apenas na medida em que excitam o ho-
mem a esquecer éste mundo e a se desvencilhar dos grilhóes do
corpo.

Quanto aos acontecimentos nao periódicos, mas esporádi


cos ou contingentes da historia humana, os mitólogos procuram
explicá-los também a luz dos mitos; seriam, por sua vez, imi-
tacóes ou participagóes das peripecias dos deuses, peripecias
anteriores a éste mundo. Assim, quando o rei da Babilonia
vencía povos rivais ou urna revolta de seus súditos, nao fazia
se nao reproduzir e atualizar o gesto de Marduque (o deus de
tal rei), «outrora triunfou de Tiamat, sua rival»; o rei da
Babilonia assim instaurava urna ordem social e religiosa, que

— 545 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 84/1964, qu. 7

reproduzia a ordem de coisas intróduzida no mundo divino pela


Divindade vitoriosa. Outras vézes, os mitólogos explicavam a
luta de um homem particular contra seus adversarios como
sendo a reprodugáo do combate do Herói «tal» da mitología
contra urna serpearte gigantesca. — Donde se vé que o mito,
além de ser urna tentativa de explicar os acontecimentos déste
mundo, é também algo que os homens julgavam reviver aqui na
térra.
Havia mesmo entre os pagaos um forte desejo de reviver
os mitos mediante acóes rituais ou no culto sagrado; admitiam
que certas cerimónias, prenhes de simbolismo, tornavam de
novo presentes as peripecias dos deuses, a finí de dar aos
homens especial participacáo na sorte désses deuses; tal par-
tidpagáo em geral era de bom agouro, pois implicava em vi-
tória sobre o sofrimento e a morte, divinizagáo, conhecimento
mais profundo da verdadeira sabedoria, etc.
Na Babilonia, por exemplo, as cerimónias rituais do Ano
Novo deviam reproduzir a historia sagrada do deus Mardu-
que, que havia triunfado de Tiamat e obtivera a realeza entre
os deuses; devidamente celebradas, essas cerimónias assegu-
ravam, ao mesmo tempo, para a sociedade inteira, urna parti-
cipagáo na ordem eterna que a Vitoria de Marduque havia ins
taurado no alto dos céus.
Em conclusáo, os mitos sao a única «historia sagrada» que
as religióes antigás pagas reconhecem; tal historia sagrada,
porém, ocorrida em tempos imemoriais, se distingue da histo
ria do tempo presente. Aquela (a dos mitos) é a verdadeira
historia; ela tendeu urna vez a alcangar objetivo que seus ato
res (os deuses) ainda nao possuiam; ao contrario, esta (a his
toria do mundo visível atual) nada de novo pode conseguir.
Conseqüentemente, as religióes baseadas em mitos ensinam: é
preciso que o homem escape a éste mundo com sua historia
para integrar-se em outro mundo com sua historia.
Observa Pierre Grelot, tentando exprimir brevemente a
mentalidade da mitología:

«In lllo temporc (naqueles tempos remotos), as atividades divi


nas se desenrolaram; no fim désse desenrolar, o mundo lá do alto c
o mundo daqui debaixo foram constituidos de maneira definitiva. Os
ciclos cósmicos sSo as imagens mais perfeitas désses tempos dos
deuses... O ideal, para o mundo dos homens, seria, pois. imitar
constantemente a historia sagrada como ela se den no seu exemplar
celeste; o homem tende assim a se íixar num equilibrio estável, numa
imutabilidade análoga á dos imortais. Mas um mundo désse tipo,
a rigor já nao teria historia no sentido em que nos a entendemos hoje»
(Sens chrétien de l'Ancien Testament. Tournai 1962, pág. 289).

— 546 —
QUE S UM MITO?

Outro estudioso de historia das ReligI6es, o lamoso Professor Mir-


cea Eliade. nota o seguinte: ,
«Um trago nos impressionou, quando estudamos essas sociedades
tradicionais (antigás): foi a sua revolta contra o tempo concreto,
histórico e a sua nostalgia em demanda de urna volta periódica aos
tempoa das origens descritos pelos mitos, ou seja, ao Grande Tempo.
O sentido e a íuncáo do que nos chamamos 'arquetipos e repeticao
só se tornam evidentes para nos, quando percebemos como essas so
ciedades tendera a íugir do tempo concreto como sao contrarias a
toda tentativa de conceber urna historia (déste mundo) autónoma,
isto é urna historia que nao seja dependente de regras e fatos exem-
plares» (Le' mythe de l'Éternel retour, pág. 11).

Aos nossos leitores e amigos comunicamos que, por motivo


de fórca maior, a pubücacáo de «Pergunte e Responderemos»
fica suspensa por/algum tempo. Se Deus quiser, será reiniciada
táo logo que possivel.

A todos desejamos Feliz Natal e abengoado Ano Novo.

D. Estévao Bettencourt O. S.B.


Número avulso de «P. R.» qualquer mes e ano Cr$ 250,00
Colecáo encadernada de 1957 Cr$ 3.500,00
Colegáo Encadernada de cada um dos anos seguintes .. Cr$ 4.000,00
«Cantarei com o espirito, cantarei também com a inte
ligencia» (encadernado) Cr$ 2.000,00
Plano para ler a Sagrada Escritura Cr$ 350,00

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

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