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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR


Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteudo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO XI N' 123 MARCO 1970
ÍNDICE

Quem nao vive como pensa, acaba pensando como vive .... 93

I. QUESTAO DE LIMITES

1) "Que julgar das chamadas 'criancas-lóbo' ?

Sao seres humanos on nao ? Ainda se pode sustentar urna


diferenca essencial entre o homem e os animáis irradonais?" ... 95

II. A VIDA QUE CONTINUA APÓS A MOBTE

2) "Pode-se dizer que, logo após a morte, o homem recebe


a sua sancáo definitiva (céu ou inferno), sem aguardar o juizo
final e a ressurreic&o dos cor¡>os 1

O homem é um só todo. O conceito de 'alma separada do corpo'


nao parece ser bíblico, mas, sim, proveniente da filosofía grega I" 101,

III. A NOVIDADE CRISTA

S) "O conceito de 'redencáo' ou 'salvacáo' dos cristáos tem


seus paralelos naa antigás rcligioes orientáis.

Também fora do Cristianismo se falava de deuses que mor-


rem e ressuscitam em favor dos homens.

Haverá algo do original na mcnsagcm crista, ?" 116

TV. MODAS E «MODAS»

i) "Há quem se qitcixe do erotismo e da licenciosidade em


nossos dias. Max vale realmente a pena teniur contra a corriente?" 128

RESENHA DE LIVROS 137

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


QUEM NAO YIYE COMO PENSA
ACABA PENSANDO COMO VIVE!
É digno de nota o fato de que a verdade exige ser abra-
Cada pelo homem inteiro: pensamento e conduta de vida. É,
alias, o que o Apostólo supde quando ensina: «Praticai a ver
dade na caridades (Ef 4,15). Modo de pensar e modo de viver
se acham em mutua conexáo.

Em conseqüéncia, acontece estranho fenómeno, consagrado


pela sabedoria popular nos seguintes termos: quando alguém
nao vive como pensa, acaba pensando como vive. Talvez sem
ter plena consciéncia do que faz, a pessoa que estabelece urna
dicotomía entre o seu modo de pensar e o seu modo de agir,
tende a apagar essa indecorosa dicotomía, criando urna filo
sofía própria para justificar ou envernizar o seu modo de agir.
Doutro lado, quem se dispóe a procurar e abragar a verdade,
deve desvincular-se de qualquer tipo de comportamento des-
regrado ou de qualquer compromisso moralmente desordenado.
E quem quer perseverar na profissáo da verdade, deve dispor-
-se destemidamente a sustentar a sua conduta de vida ilumi
nada pela verdade.

O relacionamento entre verdade e vida ou modo de pen


sar e modo de viver é táo íntimo que dizia Pascal: se as ver
dades matemáticas tivessem repercussáo no setor da ética ou
da moral (exigindo eventual mudanga de vida ou conversáo),
haveria quem duvidasse até de que dois e dois sao quatro. Em
outros termos: as verdades mais obvias e evidentes estáo su-
jeitas a ser controvertidas por quem nao se ache disposto a
viver conforme elas.

Estas reflexóes parecem particularmente oportunas para


ilustrar a crise de fé vigente em nossos dias.

Por que há declínio do espirito de fé?

Por múltiplas razóes, sem dúvida. É preciso reconhecer,


por exemplo, que a fé de muitos cristáos nunca foi devida-
mente cultivada e aprofundada, de modo a poder resistir as
contradigóes (muitas vézes, inconsistentes) daqueles que nao
tém fé. A fé nao amadurecida fácilmente capitula, mesmo pe-
rante a dialética vazia e a falsa filosofía.

— 93 —
Parece, porém, merecer aqui especial. atencáo urna das
grandes razóes da presente crise de fé:

Viver conforme a fé nao é fácil; requer disciplina e exige


respeito a normas moráis que nao raro contrariam os instin
tos da natureza. Ora inegávelmente a presente fase da his
toria é marcada pelo hedonismo ou pela imperiosa procura
de prazer. É também urna fase de relativismo ético: propala-se
mais e mais a idéia de que o bem e o mal sao categorías que,
em última análise, dependem da situagáo subjetiva em que se
ache a pessoa interessada.

Conseqüentemente, afrouxam-se os costumes. Muitos cris-


táos que outrora levavam vida coerente com os ditames da
fé sobrenatural, aos poucos declinaram para um plano mais
«humano», mais «natural»; fizeram concessóes a si mesmos
no setor da «facilitagáo» ou do prazer, com detrimento para
a autenticidade e a sinceridade de sua profissáo crista.

Nao é, pois, para admirar que tais cristáos venham a


experimentar urna crise de fé. Tornam-se, talvez inconscien
temente, mais abertos a trocar o certo pelo hipotético, o se
guro pelo duvidoso, a verdade pelo erro, dado que a troca
. atenda adequadamente ao seu novo modo de vida. Sao assim
propensos a abracar finalmente urna filosofía que justifique
o seu procedimento mais natural (ou melhor, naturalista).

Quem nao vive como pensa, acaba pensando como vive!


Esta máxima da sabedoria popular tem hoje em dia dimen-
sdes dignas de nota. Na atual fase de crise de fé, a solugáo
está nao sómente na procura de esclarecimentos para a inte
ligencia (os quais sao altamente valiosos), mas também no
revigoramento dos costumes cristáos.

O amor retificado abre mais e mais os olhos da mente e


aguga as antenas do espirito para que éste tenha o senso e o
sabor das coisas de Deus.

Benvinda seja a Quaresma, o tempo oportuno, em que a


graga de Deus convida todos os homens a urna revisáo de
vida. Sejam os costumes reestruturados segundo as normas
da verdade, ... e da verdade da fé! Pois, em caso contrario,
o cristáo é ameacado de «lavagem de cránio», ou seja, amea-
cado de se despersonalizar, professando as idéias mais esdrú-
xulas ou mais estranhas ao seu genuino modo de pensar!

E.B.

94
fPERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano XI — N' 123 — Morco de 1970

I. QUESTÁO DE LIMITES

1) «Que julgar das chamadas 'crianzas-lobo'?

Sao seres humanos ou nao? Aínda se pode sustentar


urna diüerenca essencial entre o homem e os animáis irra-
cionais?»

Resumo da resposta: As criancas-lóbo sao criangas que cacado-


res ou exploradores encontraram abandonadas em meio aos lobos. As
mais famosas sao as gémeas Amala e Kamala, de Midrapore (India).
Ao ser descobertas, essas criancas apresentavam atitudes e costumes
semelhantes aos das feras: caminhavam sdbre quatro «patas», usavam
unhas e dentes para se defender, atacavam os homens... Submetidas
a tratamento e educagao, conseguiram assumir posigáo bípede, arti
cular algumas palavras, rir e chorar raramente... Morreram prema
turamente (na idade de cérea de vinte anos).

SemeUiante é o caso das criangas «selvagens», que foram encon


tradas a sos num recanto qualquer, sem ter sido adotadas por feras.
A sua recuperacáo foi, até certo ponto, bem sucedida.

Tais criancas sao genuinos seres humanos, dotados de alma espi


ritual com inteligencia e vontade; nenhum animal teria assimilado
os rudimentos de educacáo humana (estatura erguida, linguagem,
pranto...) que elas assimilaram. — O que o caso das criangasJobo
evidencia, é o papel capital da educacáo; o homem é, de todos os
viventes, o que mais necessita de aprendizagem e experiencia para se
desenvolver; quando tal aprendizagem é anormal, o educando se torna
um ser humano anormal e prejudicado. Os primeiros anos de vida s3o
decisivos para o desabrochar do pequenino.

Resposta: Referem os documentos da historia casos de


criangas que foram abandonadas ñas selvas a sos ou entre
lobos e outros animáis irracionais, assimilando, em conseqüén-
cia, costumes e atitudes próprios de tais seres. Urna vez re-
conduzidas ao convivio humano, essas criangas jamáis conse
guiram chegar ao desenvolvimento normal de um ser humano.

— 95 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 1

Daí perguntar-se: há realmente urna diferenca entre os irra-


cionais e o homem? Nao será o homem simplesmente um ani
mal educado? — É a tais dúvidas que tentaremos responder
abaixo, depois de referir sumariamente os casos que motivam
a problemática.

1. Historias e «estarías»

1. As criancas-lóbo ocupam lugar assaz relevante no


patrimonio histórico e mitológico da humanidade.

O primeiro caso que se conheca — evidentemente lendá-


rio — é o de Rómulo e Remo, dois irmáos gémeos que teráo
sido recolhidos e amamentados pela loba. A Rómulo atribui-s?»
a fundacáo da cidade de Roma.

O primeiro caso digno de fé, nesse setor, é mencionado


pelo naturalista suígo Conrad Gesner: em 1551 éste autor,
apoiando-se em desenhos varios, dizia ter sido capturada
perto de Salzburgo (Austria) urna crianga quadrúpede. Em
1602, Filipe Carnerario citou dois outros casos. Em 1605 Pedro
le Loyer falava de urna crianga-lóbo que se arrastava sobre
o ventre.

Nos sécutos posteriores semelhantes noticias se multipli-


caram. Urna das mais famosas é a seguinte:
Em outubro de 1920, na India o missionário protestante
Rev. Singh foi guiado por aborigénes até as proximidades de
um antro de lobos; viu entáo sair dai tres animáis adultos,
dois lóbinhos e dois seres quadrúpedes, que tinham a cabeca
coberta por copiosa «crina»... Voltando a ésse mesmo lugar
alguns dias mais tarde, juntamente com varios companheiros,
o missionário viu dois lobos adultos que saiam do reduto; che-
garam-se para mais perto e encontraran! urna fémea que lhes
impedia a passagem e que, por isto, foi abatida a tiros. Pene
trando entáo até o fundo do antro, encontraran! duas meni
nas agarradas a dois lóbinhos; Singh recolheu-as e levou-as
para o orfanato de Midrapore, no intuito de lhes proporcionar
a educacáo devida. A urna chamou Amala; & outra, Kamala.
— Amala morreu um ano mais tarde, ao passo que Kamala
aínda viveu nove anos.

Essas criancas, quando descobertas, caminhavam sobre as


máos e os joelhos («a quatro patas») e com tanta rapidez
que um homem adulto difícilmente as podía acompanhar; dila-
ceravam com os dentes os animáis que conseguiam captar

— 96 —
CRIANCAS ■ LOBO

para se alimentar, sem se servir das máos. Quando foram


apreendidas, defenderam-se com garras e dentes, á semelhanca
das feras. Nao falavam, mas apenas emitiam os gritos habi
tuáis dos lobos, imitados á perfeigáo.
Com difículdade as duas criancas aprenderam a caminhar
sobre os pés apenas e a pronunciar algumas frases simples
de linguagem humana. Kamala evoltáu a ponto de poder per-
ceber sem demora o que déla se desejava; deu provas de inte
ligencia prática ou técnica assaz aguda. Embora o semblante
das meninas fósse destituido das expressoes ou dos sinais ha
bituáis da mímica humana, Kamala derramou urna lágrima
quando morreu Amala, sua companheira.

Éste é o caso mais flagrante de todos os congéneres. Em


1867 e 1872 foram encontradas na India outras criancas que
conviviam com lobos.
2. Além dos casos de criancas-lóbo, registram-se os das
criancas «selvagens». Esta expressáo designa criancas perdidas
ou abandonadas por seus genitores, que viveram a sos durante
anos em redutos da natureza, sem ter sido adotadas por lobos;
finalmente foram encontradas e recolhidas por cacadores, pas
tores ou estudiosos.
O caso mais famoso é o de Vítor, a enanca selvagem do
monte Aveyron. Descoberto em 1799 ñas florestas das mon-
tanhas do centro da Franca, com a idade de 11 anos, Vítor
foi examinado e educado por um médico especialista de surdo-
-mudos: Jean-Marc Gaspard Itard. Éste escreveu a respeito
a interessante monografía «Mémoire et rapport sur Víctor de
l'Aveyron», que se distingue por singular precisáo; inspirou o
cineasta Francois Truffaut.
Outra famosa crianga selvagem foi a menina encontrada
em 1731 na regiáo de Sogny (Champanha, Franga) trepada
numa árvore. .. Qtam-se também Peter de Hannover, Joáo
de Liége. . . Na ilha da Córsega, em Vivario, existe um lugar
chamado «Salto do Selvagem». Éste nome lembra que ai foi
descoberto em 1800 um homem que desaparecerá havia vinte
anos. O romance de Daniel Defoe intitulado «Robinson Crusoe»
parafraseia o caso real do marinheiro escocés A. Selkirk, que
passou quatro anos numa ilha deserta, chegando a perder o
uso da palavra,
Poder-se-iam citar outros casos de criancas abandonadas,
a respeito dos quais os estudiosos discutem: supóem, com
maior ou menor probabilidade, tenham sido adotadas por
lobos, sem todavía poder prová-lo.

— 97 —
6 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970. qu. 1

3. Também se fala de «meninos-urso» na Lituánia, «me-


nino-porco» nos Países-Baixos, «menino-pantera», na África,
«menino-gazela» na Siria. Pairam dúvidas, porém, sobre tais
casos: o fato de que essas criangas tenham sido encontradas
em lugares freqüentados por ésses animáis nao significa hajam
sido adotadas pelos mesmos. Fenómeno estranho: o animal
mais semelhante ao homem, ou seja, o macaco raramente é
mencionado como «tutor» do homem; sómente nos tempos re
centes em Mocambique dizem ter sido encontrado um menino
«educado» pelos macacos. O único animal que, sem dúvida
alguma, adotou seres humanos é aquéle que, no decorrer dos
séculos, foi tido como um dos mais implacáveis inimigos do
homem: o lobo.
Após a breve catalogagáo de dados ácima, examinemos
algumas das características mais significativas das criangas
assim descobertas.

2. Traaos típicos

Cada qual das criangas descobertas ñas condigóes atrás


constituí um caso singular. Todavia alguns tragos comuns as
marcam nitidamente. '

As criangas que haviam convivido com feras, eram qua-


drúpedes; tinham perdido a estatura erecta e bípede, caracte-
ristica do homem. Ao contrario, as que haviam sido abando
nadas a si mesmas se mostraram bípedes; tal foi o caso de
Vítor de Aveyron, por exemplo. — A marcha a quatro patas
provoca calosidade ñas máos, nos cotovelos e nos joelhos;
deforma os membros; faz que dedos e artelhos se arqueiem;
unhas e dentes entáo se tomam muito longos para poder
captar a presa.
As criangas selvagens foram geralmente encontradas des
nudas; em alguns casos, apareceram recobertas de trapos,
como, por exemplo, a menina de Sogny. A maioria rasgou a
roupa que os educadores lhes impuseram. Apresentavam pilo-
sidade geralmente normal; nao raro eram marcadas por cica-
trizes e vestigios de mordidas.
Quando descobertas, as criangas selvagens nao exprimiam
nem o riso nem o sorriso; apenas externavam impaciencia e

1 A menos que o contrario se depreenda do contexto, utilizaremos


a expressSo «crianza selvagem», a seguir, no sentido ampio, designando
também as criangas-lóbo.

— 98 —
CRIANCAS • LOBO

cólera, nao raro mediante caretas. Algumas dessas criangas


sram extremamente nervosas; Vítor sofría mesmo de convul-
3óes. O comportamento de tais selvagens, em geral, lembrava
mais o dos irracionais do que o dos seres propriamente hu
manos; arranhavam, mordiam, pulavam, corriam velozmente,
por vézes trepavam ñas árvores com grande habilidade.

Seguiam regimes alimentares assaz variados; em muitos


casos comiam carne crua; cacavam aves, desenterravam ca
dáveres, roíam ossos, sugavam o sangue de animáis. Em ou-
tros casos, alimentavam-se de ervas, feno, folhagens e cascas.
Verificou-se também que urna dessas enancas só aceitava ali
mentos postos no chao, recusando-se a tomá-los da mió de
quem quer que fósse. Para beber, a maioria lambia, como os
animáis.

Um dos traeos mais característicos das criangas deseo-


bertas ñas selvas é a carencia de linguagem concatenada; ao
máximo, emitiam uivos e gruñidos. A sua capacidade sensorial
era diversa da dos demais seres humanos; muitas dessas en
ancas tinham urna visáo noturna assaz atilada, ao passo que
tendiam a fugir da luz. Possuiam audicáo e olfato assaz de
senvolvidos: urna das criangas reconhecia á distancia, medi
ante o olfato, as pessoas que a tratavam; muitas farejavam
o seu alimento como os animáis. — Mais estranhas ainda eram
as condicóes do tato; as enancas provenientes das selvas apre-
sentavam notável insensibilidade para a temperatura e a dor.
Vítor, por exemplo, era capaz de segurar brasas ñas máos;
permanecía impassivel sob aguaceiros gélidos; Gaspar Hauser,
de Norimberga (Alemanha), era dotado de singular sensibili-
dade magnética, de modo que se sentía incomodado pela pre-
senca de um metal imantado.

O ritmo de «dia e noite» provocava nessas criancas re-


acóes diversas. Vítor, que vivera ó (nao adotado por lobos),
comportava-se normalmente; dormía desde o por do sol, des-
pertando-se com o nascer do mesmo. Ao contrario, as criancas-
-16bo da india só exerciam atividades noturnas, segundo o
hábito das feras com as quais tinham convivido.

Digno de nota também é o afeto das criancas das selvas


para com os outros animáis, principalmente os caes. Algumas
procuravam abertamente a companhia de caes, sem dúvida
porque estes lhes recordavam o lobo; em relacáo aos homens
demonstravam muito menos simpatía; pareciam indiferentes
aos desejos do sexo.

— 99 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»» 123/1970. qu. 1

Pergunta-se agora:

3. Que progressos fizeram ?

Internadas em hospitais e educandários adequados, as cri-


ancas-lóbo e as selvagens foram geralmente submetidas a tra-
tamento e observacáo rigorosos.

Que resultados foram obtidos?

— Aquelas que caminhavam sobre as quatro «patas»,


após longa aprendizagem se tornaram bípedes; Kamala, por
exemplo, comegou a se erguer sobre os joelhos dezesseis meses
depois de descoberta (1920); tres meses mais tarde colocou-se
em pe, apoiada, porém, num bastáo; finalmente deixou a éste
e em 1926 comecou a caminhar.

Algumas de tais criancas assimilaram tragos de civiliza-


cáo. Vítor, por exemplo, aprendeu a se vestir a sos e a pre
parar a mesa para as refeicóes; sete anos após ter sido desco-
berto, chegou a fabricar um pequeño porta-lápis.

Quanto á fala, poucos chegaram a adquirir urna lingua-


gem normalmente estruturada; Kamala comecou empregando
monossilabos para designar sua máe adotiva ou para dizer
que estava com fome, com sede, ou que desejava arroz. Quando
morreu, usava um repertorio de cinqüenta vocábulos. Vítor
foi mais adiante: chegou a articular a maioria das vogais e
algumas consoantes; aprendeu o nome de objetos diversos,
enriquecendo assim o seu vocabulario, que ele sabia utilizar
com propósito. Foi éste, porém, um caso excepciotialmente
feliz.

Aos poucos as criangas selvagens mudaram de comporta-


mentó para com as pessoas que as educavam; mostraram
depositar confianca nelas. Todavía os educadores sempre ti-
veram que recear urna fuga ou urna volta para a floresta!
O ritmo de dia e noite tomou, para muitas dessas enancas,
o seu significado normal. O riso e as lágrimas puderam ser
observados sobre os seus semblantes, como no caso (já citado)
de Kamala. Todavía poucas atingiram certa idade; a maioria
morreu com cérea de vinte anos; Vítor, porém, chegou aos
quarenta e Peter de Hannover aos setenta anos aproximada
mente.

— 100 —
CRIANgAS-LOBO v

Pode-se agora colocar a questáo:

4. Verdodeiros seres humanos ?

1. A esta pergunta respondem os estudiosos positiva


mente: as enancas selvagens apresentavam os tragos anató
micos típicos e inconfundíveis do ser humano. Também os
resultados positivos obtidos pela educagáo ministrada tardía
mente a tais criangas (capaddade de andar, falar, rir e cho
rar. ..) manifestam que nessas criangas se encontrava um
potencial psicológico genuinamente humano; jamáis um irra
cional submetidoi aos tratamentos que foram ministrados as
criangas-ldbo, apresentaria as reagóes que estas apresentaram.

De resto, note-se que, do ponto de vista filosófico, nao


há ser cuja natureza seja intermediaria entre a do animal
irracional (macaco, lobo...) e a do homem (animal racio
nal). Podem certas tragos da fisiología, da anatomía e do
comportamento instintivo coincidir entre si no homem e no
animal irracional; todavía o principio vital, que especifica o
vívente, em cada caso é bem deñnido: ou é 100 % de um ser
humano (chama-se entáo «alma intelectiva») ou é 100 % de
um ser náo-humano (irracional).

O que o caso das criangas-ldbo póe em evidencia, é, ácima


de tudo, a importancia capital da educagáo, ... e da educagáo
a, ser ministrada na idade oportuna. O ser humano é o mais
desprotegido de todos os viventes; a crianga precisa absolu
tamente de sua máe, a ponto que, se esta a abandona na idade
da lacténcia, está fadada a morrer; só poderá sobreviver se
adotada por urna fémea de mamífero. A esta cabera entáo
favorecer o desenvolvimento do potencial psicológico da cri
anga; caso seja urna fémea de lobo, a crianga tenderá natural
mente a se desabrochar de acordó com o comportamento e
os exemplos do lobo; o grupo animal (de lobos) que cercar a
crianga, provocará a evolugáo desta em sentido anormal; o
potencial intelectivo e afetivo genuinamente humano fica,
nessa crianga, latente. A falsa educagáo ministrada pelos lobos
impregna-se de tal modo na crianga que esta permanece, até
certo ponto, comprometida ou irrecuperável para o resto da
vida, como se deu, por exemplo, no caso de Kamala.

É diverso o caso das criangas selvagens, que cresceram


sem a influencia de irracionais. Julga-se que foram abando
nadas por seus genitores ou que se perderajn^íEPjnatureza em

— 101 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 123/1970, qu. 1

idade mais adiantada que a das criangas-lóbo. Tiveram que se


esforgar a sos por sobreviver; o isolamento, a carencia de
exemplos e de aprendizagem motivaram urna parada no de-
senvolvimento ou urna regressáo dessas criangas. Sabe-se, de
resto, que a regressáo é fato comprovado no setor da lingua-
gem: genuínos seres humanos, como o auténtico Robinson e
criancas seqüestradas, perderam o uso da palavra por nao ter
tido a possibilidade de se comunicar com seus semelhantes.
Dizia o filósofo do sáculo XVIII C. de Pauw, com certa amar
gura e ironía, que «o mais agudo estudioso de metafísica, ou
o maior filósofo, abandonado durante dez anos na ilha de
Fernández \ voltaria de lá embrutecido, mudo, imbécil, e nada
reconheceria em toda a natureza circunvizinha» (citagáo co-
lhida no artigo de J.-J. Barloy mencionado na bibliografía
final destas páginas).

De modo particular, os primeiros anos de vida sao impor


tantes na formagáo do individuo e no desabrochar da inteli
gencia e dos afetos; é nos primeiros anos que a enanca aprende
a andar, a falar, a ler e escrever. Se condigóes normáis a
privam da devida educacáo na fase oportuna, as tentativas
de «civilizar» o jovem aos quinze ou vinte anos seráo frus
tradas ou so lograráo exiguos resultados; de modo especial, a
aprendizagem exata do falar é tída como impossivel após os
sete anos de idade.

Estas afirmagóes sao corroboradas pela experiencia dos


mestres que se dedicam aso ensinamento de criangas excepcio-
nais, e especialmente aos surdo-mudos; para que tais criancas
possam receber algo de positivo, é preciso comecar a sua edu-
cagáo quanto antes; após os seis anos de idade, já nao há
esperanga de as iniciar numa vida mais ou menos normal.

2. Certos estudiosos julgam que as criangas selvagens


nao se tornaram ,tais por haverem vivido na solidáo ou na
companhia de lobos; nao foram estes fatóres que as tornaram
anormais. Ao contrario, dizem tais dentistas, essas criancas
foram abandonadas por seus genitores precisamente porque
eram anormais ou psíquicamente doentes.

A controversia se tornou especialmente acesa em vista


do menino hindú Ramu. Com efeito, em 1954, foi descoberta

i A ilha Juan Fernández, ao largo do litoral do Chile, é o local


onde morou o auténtico Robinson.

— 102 —
CRIANCAS - LOBO 11

urna crianza dentro de um grande caixote de lixo abandonado


numa estacáo ferroviaria de Lucknow (India Setentrional).
Sem dúvida, alguém encontrara ésse menino perdido num re
canto qualquer na natureza e o havia depositado no lixo.
Ramu — tal foi o nome que se lhe deu — apresentava a
maioria das características das criangas assemelhadas las feras;
notava-se, além disto, que seus membros eram muito magros
e deformados. Recolhido e levado para um educandário, Ramu
nunca aprendeu a falar, embora tenha sido cercado da má
xima atengáo. Morreu em abril de 1968, com a idade de 24
anos aproximadamente.

Pergunta-se: foi educado pelos lobos? — Há indicios em


favor da resposta positiva; Ramu se regozijava na presenca
de grandes caes e manifestava-se feliz por ouvir uivos de lobo
gravados em fita magnética. Todavia muitos dentistas prefe-
riram ver em Ramu urna vitima da poliomielite ou de geni
tores alcoólatras ou sifilíticos; falecido em abril de 1968, a
autopsia de Ramu revelou lesóes cerebrais irreversiveis; as
células do cerebro responsáveis pela palavra haviam sido des
truidas — o que explicava a inepcia de Ramu para falar.
— Nao foi possível, porém, determinar quando se deram tais
lesóes.

Ramu, por conseguinte, pode passar por um individuo


doente abandonado por seus pais. É certo, porém, que nem
todas as enancas selvagens sao criangas contundidas ou tesa
das. Muitas tornaram-se tais por carencia de educacáo. Sendo
criaturas verdaderamente humanas, tinham alma espiritual,
como todo e qualquer outro ser humano; essa alma possuia
seus predicados dignos e nobres; todavia para os manifestar
plenamente, precisava do exercício ou do treinamento que a
sadia educacáo proporciona (a educagáo completa atinge nao
sómente a inteligencia e a vontade, mas também o físico do
educando; consiste num auténtico «eduzir» ou «tirar fora» as
virtualidades inatas do individuo).

A ligáo das criangas selvagens vem assim encarecer elo-


qüentemente o extraordinario valor tanto da esmerada edu
cagáo como do sadio convivio social. De um lado, é fato — e
fato humilhante — que um ser humano nao educado jamáis
chega a falar concatenadamente; é fato também que, seqües-
trado á companhia de seus semelhantes, o homem pode perder
o uso da palavra. De outro lado, porém, é fato altamente
estimulador que um ser humano educado com esmero é capaz

— 103 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 2

de sobreviver dignamente (com a graga de Deus, sem dúvida)


num mundo hostil ou tendente á degradagáo.

O presente artigo se inspirou no trabalho de Jean-Jacques Barloy:


«Les Enfants Loups», publicado em «Sciences et Avenlr> n* 273, no-
vembro 1969, pp. 914-921.
A respeito das criancas-16bo vejase também «P.R.» 2/1958.
pp. 62s.

II. A VIDA QUE CONTINUA APÓS A MORTE

2) «Poderse dizer que, logo após a morte, o, homem re


cebe a sua sancao definitiva (céu ou inferno'), sem aguardar
o juízo final e a ressurreicao dos corpas?
O homem. é um só todo. O conoeito de 'alma separada
do corpo' nao parece ser bíblico, mas, sim, proveniente da
filosofía gregal»

Resumo da resposta: A doutrlna católica ensina que, logo após


a morte, cada ser humano recebe a definitiva sancio. Esta toca pri-
meiramente á alma separada do corpo; aíetará corpo e alma por oca-
siSo da r-essurreicá© da carne no íim dos tempos.
Todavia a critica protestante (que val penetrando em setores cató
licos) julga que a distincáo entre corpo e alma nao é bíblica, mas
platónica. Por isto há autores modernos que só admitem a consuma-
cao que se dará no íim dos tempos, quando o ser humano estiver re
constituido em sua realidade total; recusam íalar de urna retribuicáo
dada & alma separada do carpo.
Contudo pode-se provar que a distincáo entre alma e corpo é
insinuada pelos livros mais antigos da Biblia e professada com grande
clareza pelos escritos mais recentes do Antigo e do Ndvo Testamento.
Assim os rephaim ou as sombras distintas do cadáver sao o primeiro
esb&co da nocáo de alma separada do carpo. Em Sab 1-5; Mt 10, 28;
Le 16,19-31; Flp 1,21-24; 2 Cor 5,1-10 a doutrina se torna patente.

Nao se pode dizer que sao bíblicos (ou inspirados por Deus) ape
nas os elementos de Índole ou cultura judaica, exduindc-se como nao
bíblicos (ou nao inspirados por Deus) os dados de cultura helénica
que se achem ñas Escrituras Sagradas; esta poslcao se derivaría de
preconceitos deturpadores.

Vé-se, pois, que a doutrina da sancáo ¡mediata após a morte tem


válido fundamento na revelacao bíblica. A ressurreicSo da carne e a
consumacao da historia satisfarao a aspiracóes naturais da alma sepa-
rada do corpo respectivo.

— 104 —
ENTRE A MORTE E O JU1ZO FINAL 13

Resposta: Nos últimos tempos, pensadores nao católicos


e católicos propóem a revisáo das clássicas concepgóes da
Igreja concernentes á sorte final do homem 1. Tais concepcóes
se derivariam de erróneo entendimiento da doutrina biblica.
Eis por que abaixo trataremos da questáo, abordando suces-
sivamente o problema e a solucáo que se lhe pode dar a partir
da Escritura Sagrada.

1. O problema

1. A doutrina católica distingue duas fases na consuma-


gáo do homem e do universo:

— a fase final ou os acontecimentos que se daráo na con-


sumagáo da historia do genera humano: ressurreigáo da carne,
segunda yinda do Senhor Jesús, juízo universal, posse defini
tiva da justa sanca© (vida com Deus, vida sem Deus) por
parte dos ressuscitados;

— a fase intermediaria, que se estende desde a morte de


cada individuo (em qualquer época da historia universal) até
a consumagáo dos tempos e a segunda vinda de Cristo.

A fase intermediaria ou também a dita «escatologia in


termediaria» nao está, de per si, ligada á idéia da ressurrei-
cao dos corpos, mas apenas á da sobrevivencia da alma após
a morte física do individuo. Supóe que o homem conste de
corpo e alma, sendo aquéle corruptivel, esta, porém, incor-
ruptível ou imortal. A escatologia intermediaria afetaria nao
o homem todo, mas apenas a sua alma.

A doutrina católica assevera que as almas dos justos en-


tram na visáo da esséncia de Deus logo após a morte do corpo
ou logo após a purificagáo postuma (caso necessitem desta).
Nao predsam, pois, de esperar a ressurreigáo dos corpos e o
juízo universal para conseguir a sua eterna bem-aventuranga.
Paralelamente, as almas dos que morram em pecado mortal,
entram ¿mediatamente no estado doloroso devido á sua aver-
sáo a Deus. No fim dos tempos, todas as almas seráo reuni
das a seus corpos, dando-se entáo o juízo universal. — Tais
sentencas foram definidas como dogmas de fé pelo Papa

1 A doutrina ooncernente a sorte final do individuo humano e da


historia universal toma o nome de «escatologia», palavra composta dos
vocábulos gregos eschatón, último, e Iógos, doutrina.

— 105 —
14 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 2

Bento XII em sua Constituicáo «Benedictas Deus» no ano de


1336. O Concilio ecuménico de Florenga as reafirmou em 1439
na seguinte declaragáo:

«As almas daqueles que, depois do batismo, nao se tiverem ma


culado em absoluto com algutna mancha de pecado, assim como as
almas que, depois de contraída alguma mancha de pecado, tiverem
sido purificadas ou no corpo ou fora do corpo..., essas almas todas
sem demora sao recebidas no céu e véem claramente o próprio Deus
em sua Unidade e Trindade, como Ele é; urnas, porém, véem mais
períeitamente do que outras, conforme a diversidade de méritos de
cada qual.

Quanto ás almas daqueles que morrem com pecado atual e mor


tal..., sem demora sao punidas no inferno por penas que variam para
cada qual» (Denzinger, Enquiridio 693).

2. Ora nos nossos tempos certos autores protestantes,


contrastando com o pensamento de Calvino (nao, porém, de
Lutero) e dos reformadores mais antigos, negara a chamada
«escatologia intermediaria», e só admitem a fase de consu-
macáo do género humano e do universo (ressurreigáo dos
corpos, segunda vinda do Senhor, juizo universal...). A dou-
trina católica, com as suas duas fases, parece-lhes estabelecer
urna duplicacáo inútil e infundada. Por isto a tese protestante
se resume no dístico: «Nao imortalidade (da alma), mas res-
surreicáo (dos corpos)» '. Mais explícitamente: a idéia de que
o homem possui urna alma imortal, a qual continua a viver
conscientemente, separada do corpo, após a morte do indivi
duo, tem para ésses autores um colorido grego (órfico, plató
nico, neo-platónico), e nao biblico. A Biblia, segundo tais au
tores, só aprésente um tipo de consumacáo para o homem: o
que se dará no fim da historia com a ressurreic.áo dos corpos.
Conseqüentemente, a posicáo católica seria o resultado da
fusáo da cultura filosófica grega com a doutrina bíblica,
... fusáo inaceitável porque pretende conciliar filosofías que
se excluem mutuamente (mitología grega e monoteísmo ju
daico) .

Eis, pois, como em linhas gerais se coloca o problema: a


doutrina católica acrescentou a idéia genuinamente bíblica da
ressurreicáo dos mortos outra idéia, de origem helenista, pro-

i Tenham-se em vista os títulos de recentes publicac&es protes


tantes: «Immortalité de l'áme ou Résurrection des morts?» (Imorta
lidade da alma ou Ressurreicáo dos mortos?) de Osear Cullmann
(Neuchátel-Paris 1956). «Survie ou résurrection?» (Sobrevivencia ou
ressurreicáo?) de J. Bosc, na coletánea «La survie aprés la mort>
(París 1961), pp. 3540.

— 106 —
ENTRE A MORTE E O JU1ZO FINAL 15

duto da filosofía grega, a saber: a idéia da imortalidade da


alma. Já que assim se criou urna concepcáo híbrida, a elimi-
nacáo da escatologia intermediaria é tida como exigencia de
purificaeáo teológica.

Observa-se que a posicáo protestante assim concebida


tem penetrado mais e mais na bibliografía católica concernente
ao assunto. Certos autores católicos, de maneira ora mais, ora
menos discreta, fazem eco á tese contraditória, apelando nao
sómente para a Biblia, mas para a filosofía moderna, que
prefere reconhecer no homem um só todo, sem distincáo de
eorpo e alma.

Tenha-se em vista o n* 41 da revista «Concilium» (Janeiro de


1969), onde principalmente merece atencáo o artigo de José Maria
González-Ruiz: «Vers une démythologisation de l'áme séparée?»
pp. 73-84.

O <Ndvo Catecismo Holandés», em suas primeiras edicoes, favo-


i«-^i .....— uíi—, ^ „,*)„!■,„ Uraall^tra dp 19fi<», PV- OtO-ViXl. -xv>dqvla
em seu Apéndice professa a doutrina deiimaa peía igroja. citandn a
Constltuicáo «Benedictas Deusi de Bento XII e a Constituicüo «Lumen
Gentiun» do Concilio do Vaticano II, a qual ensina que os defuntos,
devidamente purificados, tém acesso, «antes da vinda do Senhor, á
clara contemplacáo de Deus uno em tres pessoas, tal como Ele é>
(n* 49).

3. Os autores protestantes nao sao unánimes entre si


no modo de explicar o que acontece ao ser humano no inter
valo decorrente entre a morte do individuo e a sua ressurrei-
cáo no fim dos temposi enquanto alguns sao mais radicáis,
outros se müstram mais moderados. Vejamos algumas de suas
principáis tentativas de explicacáo:

1) A posicáo mais rígida é representada por pensadores como


C. Stange 1 e H. Thielick a, segundo os quais con» a morte morre o
homem todo. Conseqüentemente, a ressurreicáo no íim dos tempos
implica urna nova criacao ou urna recriacao total do ser humano. Nao
se deve, pois, íalar de escatologia Intermediaria entre a morte de cada
individuo e a segunda vinda de Cristo, pois entre essas duas realidades
a pessoa simplesmente nao existe.
2) Menos extremados se mostram Karl Barth 3 e (com pe-
quenas dilereneas) Emil Brunner *. Conforme estes autores, a morte

i «Die Unsterblichkelt der Seele». GUtersloh 1925.


* «Tod und Leben. Studien zur christlichen Anthropologie»,
Tübingen 1946.
3 «Kirchliche Dogmatik» II 1, 2a. ed., Zürich 1940, pp. 698ss;
III 2, Zürich 1949, pp. 524ss. 714ss. «Die Auferstehung der Toten»,
4a. ed., Zürich 1953.
* «Das Ewige ais Zukunít und Gegenwart». Zürich 1953.

— 107 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 2

coloca o homem íora do tempo. Por oonseguinte, qualquer que seja o


momento histórico em que alguém morra, depois da sua morte nao se
pode íalar de distancia désse individuo em relagáo á segunda vinda
de Cristo. Em oonseqüéncia, deve-se dizcr que, para cada homem, a
ressurreicao ocorre no momento da sua própria morte, pois que a
morte, ao tirá-lo do tempo, suprime todo intervalo em relagáo ao juizo
final. Talvez, porém, diga alguém: se a ressurreicáo se verifica por
ocasiáo da morte de cada um, devemos admitir urna serie de ressur-
reigoes sucessivas. Ao que responde Brurmer: onde nao há tempo, nao
há sucessáo; a ressurreicáo se realiza, para cada homem. no momento
em que morre e, nao obstante, é simultánea para todos os homens.
O aparente absurdo destas afirmagSes so existe para quem insiste em
pensar segundo as categorías do tempo — categorías que já nao sao
válidas no além.
Brunner exprime claramente o seu modo de pensar na seguinte
passagem:

«Nosso dia de ressurreicáo é o mesmo para todos e, nao obstante,


nao é separado do dia de nossa morte por intervalo de séculos — pois
intervalos dessa especie s6 existem aqui, nao lá, na presenca de Deus,
onde mil anos sao como um dia> («Das Ewige ais Zukunft und

3) Mals moderada ainda é a posicáo de Osear Cullmann i e


Ph. H. Menoud 2. Estes dois autores admitem, sim, um estado de
escatologia intermediaria para os justos. Aíirmam que, quando um
justo morre, o seu «homem interior», despojado de seu «homem ex
terior», entra em estado de quase inconsciencia, que se pode chamar
«sonó»; tal perda de consciéncia, porém, nao é táo profunda quanto
a que os judeus (e, no sáculo XVI, Lutero) atribuiam as almas dos
falecidos. Assim Cullmann e Menoud admitem a imortalidade da alma
(ou, como diriam, do «homem interior»); julgam, porém, que esta
imortalidade nao é propriedade natural do ser humano, mas, sim, dom
sobrenatural ou fruto da uniao com o Espirito Santo: «O Espirito
Santo é um dom que nao se pode perder com a morte» (Cullmann,
ob., cit., p. 75). É a uniáo com o Espirito Santo que laz que o homem
justo, após a morte, nao perca de todo a vida, mas se mantenha em
estado de soñolencia junto a Cristo.
Pergunta-se, porém: e que é feito dos impíos no intervalo entre a
sua marte e a ressurreicáo final ?

— Cullmann nao responde á questao, prometendo voltar a ela em


outra obra que, a quanto parece, ainda nao foi publicada. Quanto a
Menoud, sugere (mas nao afirma claramente) que os impíos nao
existem entre a morte e a ressurreicáo.
Como se vé, os dois autores aproximamse da doutrina da filosofía
grega que afirma o binomio «alma-corpo» ou, como preferem, «homem
interior-homem exterior». Fazem questao, porém, de sublinhar como
déla se distinguem: a alma (o homem interior) so existe separada do
corpo (homem exterior) em estado imperfeito, transitarlo e nao na
tural (devido a urna intervencao de Deus).

1 «Immortalité de l'áme ou Résurrection des morts?». Neuchatel


- Paris 1956.
2 «Le sort des trépassés», 2a. ed., Neuchatel 1966.

— 108 —
ENTRE A MORTE E O JU1ZO FINAL 17

Após esta breve resenha de sentencas contrarias á tese


da escatologia «intermediaria», procuremos averiguar exata-
mente o pensamento bíblico relativo ao assunto.

2. Um equívoco de base

Um dos pressupostos fundamentáis dos autores que ne-


gam a escatologia intermediaria é a tese de que, das duas
fases escatológicas, sómente a final (a ressurreicáo) é bíblica,
ao passo que a intermediaria (a sobrevivencia da alma sepa
rada do corpo) é nao bíblica, mas helenista. Em termos mais
largos: estipula-se a sinonimia entre «elementos bíblicos» e
«elementos judaicos», de um lado, e «elementos extra-bíblicos»
e «elementos helenistas», de outro lado.

Ora tal tese é errónea. A realidade é mais complexa: nao


poucos livros bíblicos exprimem a sua mensagem em catego
rías de origem helenista; tenham-se em vista, por exemplo,
o livro da Sabedoria no Antigo Testamento, o Evangelho de
Sao Joáo e as epístolas de Sao Paulo na Novo Testamento.
Nao se pode, portante, admitir a identifícacáo de «concepcóes
bíblicas» e «concepcóes judaicas», de um lado, e de «concep
cóes extra-bíblicas» e «concepcóes helenistas», de outro lado.
Por conseguinte, nao é lícito eliminar, na Escritura Sagrada,
os elementos helenistas, como se sómente os elementos judai
cos fóssem genuinamente inspirados pelo Senhor. Na verdade,
Deus falou muitas vézes e de diversas maneiras aos nossos
pais (cf. Hebr 1,1), servindo-se das palavras e das categorías
dos homens; utilizou os idiomas hebraico, aramaico e grego
com as categorías da cultura respectiva.

Para justificar a eliminagáo, alguns autores protestantes


julgam que na Biblia há um pensamento central verídico, ao
lado do qual se encontram afirmacóes discordantes (as quais,
por conseguinte, nao devem ser levadas em conta). Ora tal
concepcáo nao se concilia com a doutrina da inspiracáo bíblica,
segundo a qual a Escritura só ensina verdades, ... verdades
propostas em vista de nossa salvacao (cf. Constituicáo «Dei
Verbum» do Vaticano n, n" 11).

Passemos agora ao exame dos texJgsrsBjbJicos que vém


ao caso.

— 109
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 2

3. Que diz própriamente a Biblia ?

A doutrina da escatologia intermediaria só é concebível


caso se admita a composigáo do homem a partir de corpo e
alma — concepcáo esta dicotómica que os críticos modernos
rejeitam porque a julgam náo-bíblica.
Ora a Biblia, já em seus livros mais antigos, propóe certa
antropología dicotómica, que se vai delineando e esclarecendo
paulatinamente através dos escritos do Antigo e do Novo Tes
tamento.

Com efeito, considerem-se os seguintes pontos:

1) O binomio «cadáver — sombras (rephaím)»

No tocante aos mortos, os judeus primitivos afirmavam


que os respectivos cadáveres eram, sim, sepultados na térra,
ao passo que as suas sombras (rephaim) continuavam a vive?
no «sheol» ou numa regiáo subterránea, onde levavam extó-
téncia umbrátil.

Que seriam ésses rephaim?


Nao podem ser identificados com a alma (concebida em
contradistingáo do corpo); eram, sim, tidos como o núcleo
pessoal do ser humano. Ésse núcleo pessoal, por conseguinte,
sobreviveria após a morte terrestre do individuo, levando, de
resto, existencia assaz imperfeita. A própria forma de plural
rephaim indica de certo modo o anonimato e a indiferenciacáo
de tais seres.

Note-se, porém, que os judeus admitiam pudessem os


rephaim ser despertados do sonó ou da sua quase-inconsciéncia.
É o que se depreende de 1 Sam 28,8-19, onde Saúl julga que
Samuel, já falecido, lhe poderá aparecer — expectativa que,
conforme o hagiógrafo, obteve confirmacáo.

A respeito dos rephaim e de sua sobrevivencia real, em-


bora débil e tenue, confiram-se Jó 3,13.17s; 17,16; Na 3,18
(dormem na poeira); nao louvam a Deus (Is 38,18; SI 87,11-13;
29,10; 6,6s; Eclo 17,22s). Em Jó 14,22, porém, os rephaím
aparecem capazes de se lamentar.

2) Os salmos «místicos»

O sheol, no qual continuavam os mortos a existir, era


considerado como mansáo subterránea tanto dos justos como

— 110 —
ENTRE A MORTE E O JUÍZO FINAL 19

dos impíos; de lá ninguém poderia sair para receber a sua


retribuicáo postuma. Ora tal conceito evoluiu aos poucos na
mentalidade de Israel, como se deduz dos salmos ditos «mís
ticos»: SI 15; 48; 72. Nestes cánticos, o autor sagrado exprime
a esperanga de que o Senhor o livre do sheol e o arrebate con
sigo. Com efeito, note-se:

SI 15,9-11:

«O meu coracáo se alegra c a minha alma exulta.


Até o meu corpo descansa em paz.
Porque nao abandonarás a minha alma na mansito dos mortos,
Nem permitirás que o ten Santo sofra a cornipcáo.
Ensinar-me-ás o caminho da vida, a abundancia de gozo junto
a Ti, as delicias eternas á tua direita».

SI 72:

23 «Estarei sempre contigo, porque me tomaste pela mao.

24 Os teus designios conduzir-me-ao,


E por flm receber-me-ás na tua gloria.

2Ii Quem, lora de Ti, existe para mim no céu?


Se Te possuo, a térra nao me deleita.

2« O meu coracáo e a minha carne já desfalecem,


A rocha do meu co.rac.ao e a minha heranca eterna é Deus».

Conforme bons comentadores, «por fim», no v. 24, designa a vida


postuma, O «ser recebido na gloria» significa «entrar no estado de
felicidade ou na visao de Deus», de que fala, alias, também o SI 15.
— Cf. «Liber Psalmorum... cura Professorum Pontificii Instituti Bl-
blid», 2a. ed., Romae 1945, pp. 90s.

De modo especial, interessa a afirmacáo de SI 48,16:

«Deus, porém, livrará minha alma (nephesh) do sheol, pois me


tomará consigo».

O termo nephesh, que em antigos livros da Biblia signi


fica «hálito vital», foi adquirindo maior substancialidade; no
texto ácima designa algo que se assemelha á alma, subsiste
depois da morte, fora do corpo, e pode ser resgatado do sheol.
O nephesh possui também urna individualidade mais acentuada
do que os rephaím, pois o vocábulo é singular e acompanhado
de possessivo muito enfático: ... minha alma. Essa aeentuacáo
da individualidade explica que o individuo possa entrar em
relacáo pessoal com Deus: «... Ele me tomará consigo».

— 111 —
20 ^PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 2

3) A sorte postuma no livro da Safaecforia

O livro da Sabedoria é, cronológicamente, o último escrito


do Antigo Testamento (séc. I a. O; foi redigido em grego
na cidade de Alexandria (Egito), onde vivia próspera colonia
de judeus. Ésses israelitas eram perseguidos por causa da sua
fé, pois se achavam em ambiente materialista e epicureu. Por
conseguinte, o autor sagrado intencionou, nos cinco primeiros
capítulos do seu escrito, propor-lhes urna mensagem de conso-
lacáo e esperanca.

A mensagem deriva-se da perspectiva dos últimos acon-


tecimentos: as sortes se inverteráo, de tal modo que os justos,
na térra oprimidos, após a morte gozaráo de feliz imortalidade,
ao passo que os impíos, urna vez falecidos, sofreráo tremenda
decepgáo.

Tal doutrina é expressa mediante termos novos, dos quais


os principáis sao: psyché (alma) e aphtharsía, athanasía (in-
corruptibilidade, imortalidade). A alma é dita imortal, de
sorte que, mesmo separada do corpo, ela sobrevive: ... sobre1-
vive em paz, usufruindo o seu galardáo, se é a alma de um
justo (cf. Sab 2,22; 3,1); ... sobrevive em aflicáo, caso seja
a alma de um ímpio (cf. Sab 4,19; 5,2s. 17-23).

Note-se que o autor sagrado estabelece continuidade ou


mesmo identidade entre a pessoa mesma do justo e a alma
separada do corpo após a morte; a consciéncia viva e lúcida
do individuo se perpetua na existencia postuma, de tal modo
que ele é apto para receber a justa sangao: «Os justos viveráo
eternamente; a sua recompensa estará no Senhor, e o Altís-
simo cuidará déles» (Sab 5, 15).

Mais aínda: o capítulo 5 do livro da Sabedoria descreve


um juizo final, que, segundo varios comentadores, supóe a
nocáo de ressurreicáo dos corpos. Esta, porém, nao é explíci
tamente afirmada em tal seccáo do livro; é insinuada mais
adiante, ou seja, em Sab 16,13: «Tu, Senhor, tens o poder da
vida e da morte, e conduzes os fortes as portas do Hades (re-
giáo dos mortos) e de lá os tiras».

Em conclusáo: o livro da Sabedoria incute fortemente a


imortalidade consciente (feliz ou infeliz) das almas separadas
do corpo. Usa de expressóes helenistas; os conceitos, porém,

— 112 —
ENTRE A MORTE E O JU1ZO FINAL 21

assim expressos nao constituem novidade absoluta, mas, ao


contrario, estáo na linha das idéias de sobrevivencia professada
pelo judaismo primitivo e, principalmente, das nogóes insinua
das pelos salmos 15,48 e 72.

4) Os textos do Novo Testamento

Muito mais rica e explícita é a doutrina do Senhor Jesús,


á qual faz eco a do Apostólo Sao Paulo.

a) Em Mt 10, 28 diz o Senhor: «Nao temáis os que ma-


tam o corpo, mas nao podem matar a alma (psyché); temei,
antes, aquéle que pode fazer perecer na geena o corpo e a
alma».

A palavra psyché, no caso, deve ser traduzida por alma,


e nao por vida. Donde se segué que o texto afirma a sobre
vivencia da alma após a destruicáo do corpo do individuo. Esta
passagem do Evangelho, por conseguinte, supóe e afirma o
binomio «corpo-alma». O perecer de corpo e alma, que nao os
homens, mas Deus impóe, nao é senáo a existencia do reprobo
após a morte (na geena).

b) Sao Paulo, em Flp 1,21-24, escreve:

«Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se


o viver na carne é útil para o meu trabalho, nao sei entáo o
que escolher. Vejo-me apertado por duas partes: desejo partir
para estar com Cristo, o que é inoomparávelmente melhor;
mas permanecer na carne é mais necessário por vossa causa».

Como se vé, o Apostólo admitía a uniáo definitiva com


Cristo logo após a morte individual e antes da ressurreicáo
final dos corpos.

c) O mesmo Apostólo, em 2 Cor 5,1-10, exprime mais


vivamente seus anseios e esperancas:

Primeiramente, Sao Paulo manifesta natural repugnancia


diante da morte. Desejaria escapar a esta e ser revestido do
corpo de gloria futuro sem ter que se despojar do corpo mor
tal do momento presente (cf. v. 4). Éste desejo só se cum-
priria se o Apostólo estivesse vivo por ocasiáo da segunda
vinda de Cristo; entáo (diz ele) seria dispensado da morte
física. Todavía Sao Paulo admite a possibilidade de ter de

— 113 —
22 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS> 123/1970, qu. 2

morrer antes da volta gloriosa de Cristo; embora esta pers


pectiva lhe pareca dolorosa, o Apostólo considera-a com olhos
de fé e nela vé finalmente um motivo de consolagáo e estimulo;
com efeito, permanecer neste corpo significa estar ausente do
Senhor, ao passo que morrer é ausentar-se do corpo e ir re
sidir junto ao Senhor (cf. w. 6-8) — Como se depreende, a
morte, para o Apostólo, consiste em despojar-se do corpo e
entrar na posse plena do Cristo Jesús em um estado de sobre
vivencia incorpórea. Existe, pois, uma retribuigáo imediata
após a morte e anterior á ressurreigáo dos corpos. Os dizeres
do Apostólo nao se podem entender senáo á luz do binomio
«corpo-alma».

d) Os textos até aquí considerados só afirmam um


estado postumo de felicidade para os justos. A parábola do
rícaco e de Lázaro em Le 16, 19-31 apresenta a sobrevivencia
consciente tanto dos justos como dos impios.

Nesse texto evangélico lé-se que o ricaco, após a morte,


passa para um estado de tormento: enquanto a historia con
tinua a se desenrolar na térra (o ricago tem cinco irmáos que
poderiam sofrer a mesma dolorosa sorte), os defuntos sobre-
vivem no «além» e recebem a respectiva sangáo.

Nao se pode dizer que a afirmacáo de uma vida postuma


seja, na parábola de Le 16,19-31, mera ornamentagáo sem
mensagem doutrinária; ao contrario, é reconhecidamente um
dos grandes ensinamentos dessa secgáo. Mais ainda: a pará
bola de Le 16,19-31 permite responder ás hesitagóes de
Cullmann e Menoud, que só admitem com seguranca uma
escatologia intermediaria para os justos: o texto do Evange-
Iho amplia a licáo e mostra que a sobrevivencia nao é simples-
mente fruto da uniáo com Cristo e dom do Espirito Santo,
mas decorre da natureza mesma do ser humano, que tem em
si algo de imortal; dir-se-ia: ... uma alma imortal, que por
si mesma é suscetível tanto da felicidade como da desgraga
definitivas após separar-se do corpo.

Eis o que se pode apurar de uma leitura serena dos textos


do Antigo e do Novo Testamento ooncernentes a escatologia.
A doutrina da retribuigáo imediata após a morte, que supóe
o binomio «corpo-alma», delineia-se assim de maneira paula
tina, mas assaz clara e segura.

— 114 —
ENTRE A MORTE E O JUiZO FINAL • 23

Resta, porém,

4. Urna observajáo fina!

Como foi dito atrás, uma das objegóes levantadas pelos


críticos protestantes afirma que a doutrina católica apresenta
uma reduplicagáo aparentemente inútil ou desarrázoada; se a
criatura entra em seu estado definitivo logo após a morte »,
por que ainda se fala de ressurreigáo da carne e juízo final?

— Deve-se responder, com bons teólogos, que a ressur-


reifiáo da carne e a consumagáo da historia implicaráo algo
mais na felicidade das almas justas. Com efeito,

a) a alma humana é naturalmente constituida para vi-


ver no corpo. Quando separada déste, ela conserva sua relagáo
a materia, de sorte que a ressurreigáo da carne complementa
a ordem e a harmonia de que a alma já desfruta após a morte
(abstenhamo-nos de explicagóes ulteriores, pois o assunto exige
sobriedade, já que nao há bases bíblicas ou reveladas para
desenvolvé-lo).

b) O Apocalipse, em 6,9-11, dá a saber que as almas


dos justos martirizados aspiram, na presenga de Deus, á plena
restauragáo da ordem violada pelo pecado neste mundo; espe-
ram, pois, algo que ainda nao se deu. Embora estejam reves
tidas de vestes brancas (símbolo da vitória final e da bem-
-aventuranga), acompanham a historia da Igreja e da huma-
nidade, como que «impacientes» (expressáo figurada): «Até
quando, Senhor, santo e verdadeiro, esperarás para julgar... ?»
Em resposta, a voz do Senhor Ihes diz que ainda é necessário
«completar-se o número dos seus companheiros e dos seus
irmáos que devem ser mortos como éles» (v. 11). Ora é de
crer que, quando se consumar a obra da Redengáo e se reu-
nirem todos os membros do Corpo Místico de Cristo na bem-
-aventuranga celeste, as almas dos justos usufruiráo de novo
motivo de felicidade.

Eis por que se pode dizer que a distribuigáo da escato-


logia em duas fases (a intermediaria e a final) nao constituí
uma duplicacjáo desarrazoada, mas, antes, representa bem a

i O purgatorio postumo, cuja existencia é de íé católica, é a tran-


sieao para o estado de bem-aventuranca defintiva.

— 115 —
24 • «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 3

Índole progressiva com que Deus quer realizar o seu eterno


designio entre os homens.

Nos primeiros séculos do Cristianismo, houve escritores, como S.


Justino, S. Ireneu, Tertuliano, que admitiram a retribuicáo definitiva,
tanto para os justos como para os impios, logo após a morte. Julgavam,
porém, que essa retribuicáo nao seria plena, mas apenas algo de inicial,
devendo chegar á plenitude após a ressur.reicáo dos oorpos no fim dos
lempos. Faziam excegáo em favor dos mártires sámente, os quais, logo
após a morte, seriam recebidos por Cristo na gloria.
Tal modo de pensar, que nao era comum entre os antigos cristaos,
explica-se, em parte, como reacáo contra os chamados «gnósticos», os
quais repudiavam a materia e só admitiam sancao postuma para a
alma emancipada do corpo. Em conseqüéncia, os escritores cristaos
ácima citados quiseram realcar ao máximo a ressurreicao da carne.
— É possível também que os antigos fiéis de Cristo tenham sido in
fluenciados pela concepcáo judaica do sbeol ou da sobrevivencia incons
ciente das almas separadas de seus respectivos corpos ; dai a tese
do «sonó das almas» dos falecidos, clásslcamente expressa pelo escritor
sirio Afraates: «Nossa fé ensina que os homens, urna vez caldos na-
quele sonó (da morte), de tal maneira ficam adormecidos que nao
distinguem o bem e o mal; nem os justos recebem a retribuigáo pro
metida, nem os impíos a pena devida, até que venha o Julz e coloque
os .homens á sua direita e a sua esquerda» («Demonstracáo» 8, 20).
Essas idéias, fruto de urna época antiga, cederam a concepcSes,
também antigás, que a Igreja posteriormente sancionou por seu ma
gisterio.
Á elaboracáo déste artigo serviu de fundamento a obra recente
e exaustiva de Candido Pozzo: «Teología del más allá», em «Biblioteca
de Autores Cristianos» n' 282. Madrid 1968.

III. A NOVIDADE CRISTA

3) «O oonoeito de 'redensáo' ou 'salvacáo' dos cristaos


team seus pándelos ñas antigás religióes orientáis.
Também fora do Cristianismo se falava de denses que
marran e ressuscitam em favor dos homens.
Haverá algo de original na mensagein crista?»

Resumo da resposta : Entre os orientáis e gregos antigos, as cha


madas «ReligiOes de misterios» apresentam «estórias» que, segundo
alguns estudiosos e críticos, constituem o fundo de cena do qual se
inspirou o «mito» cristao.
Essas estórias partem da observacáo de que a natureza todos os
anos morre no invernó e volta & vida na primavera. Os mitólogos,
identificando as fórcas naturais com deuses ou seml-deuses, ooncebe-

— 116 —
REDENCAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 25

ram os mitos de Osiris, Dionisio Zagreu, Adonis..., que seriam sím


bolos da vegetacño a morrer e ressuscitar todos os anos.
Ora é assaz arbitrario dizer que a historia de Jesús Cristo se
reduz ás lendas das religlOes de misterios. Ñas narrativas evangélicas,
nao há alusao alguma ao ciclo das estacCes do ano ; há, ao contrario,
a mencáo dos governantes do Imperio Romano e dos magistrados da
Judéia, mengao que visa incutir a realidade histórica e controlável dos
acontecimentos referentes a Jesús Cristo. Éste Mestre e as narracOes
da sua Paixáo, Morte e Ressurreigao entram bem dentro dos quadros
das ocorréncias reais; Ele transíormou os discípulos e a sociedade.
morigerou os homens, ao passo que as figuras divinas ou semldivmas
das religiOes de misterios sao evidentemente lendárias e nenhum ves
tiglo positivo deixaram na historia dos séculos.
Leve-se em conta outrossim que o conceito de um deus que morre
e ressuscita nunca íoi professado por pagaos. A idéia de ressurreigao
da carne é algo de típicamente cristáo; os pagaos julgavam que a.
carne é algo de mau, algo que deprime a psyché (alma), de tal sorte
que para éles o ideal da vida postuma jamáis poderia comportar a
ressurreigao da carne.

"V —■

Resposta: No século passado alguns estudiosos, baseando-


-se na historia comparada das religióes, formularam a tese de
que as principáis concepgóes religiosas dos cristáos nao sao
senáo a reprodugáo de análogas idéias das religióes ditas «de
misterios» dos povos orientáis e gregos antigos. A mitología,
dizem, conhecia «deuses que morriam e ressuscitavam», de tal
sorte que a historia de Jesús de Nazaré deve ser considerada
á luz de tais mitos e nao merece mais crédito do que estes.

Tais idéias dos críticos, expostas no inicio do século XX,


tiveram sua voga. Depois, em 1926 foram quase dissipadas
pelas sabias consideracóes do P. Léonce de Grandmaison
(«Jésus-Christ», t. II, pp. 42&434 e 510-532). Todavía sobre-
viveram ñas obras do médico Dr. P. L. Couchoud («Jésus, le
dieu fait homme». París 193s; *Le dieu Jésus». Paris 1951).
Continuam a ser propagadas pela ciencia oficial da U.R.S.S. e
pelos seus produtos satélites. Tenha-se em vista a explanacáo
de tais teorías no livro de J. Lenzman, «L'orígine du Chris-
tianisme» (Moscou, sem data; traducáo francesa do original
russo, publicada em 1958).

Ñas páginas que se seguem, apresentaremos alguns dos


principáis mitos do Egito, do Oriente e da Grecia que sao evo
cados pelos historiadores modernos como termos de compa-
racáo com o Cristianismo. A seguir, estabeleceremos rápido
confronto com a doutrina da Redencáo crista.

— 117 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 3

De antemáo convém notar que a expressao «deuses que morrem


e ressuscitam» jamáis se encontra nos documentos da mitología antiga;
ela foi forjada recentemente, traduzindo a interpretac&o pessoal que
discutivelmente certos historiadores modernos daram a mitos antígos.
Adianto o leitor poderá julgar se a expressao tem fundamento ou nao
ñas íontes literarias dos mitólogos de outrora.

1. Origem dos mitos antigos

Para expor o pensamento dos adeptos dos mitos antigos,


procederemos por etapas:

1) Militas das religióes primitivas sao religióes «naturis-


tas»: endeusam certos elementos ou fenómenos da natureza.
Ora, dos fenómenos naturais, dois pareciam especialmente im
portantes aos antigos:

— o ciclo do sol, que se póe todos os dias; mergulha-se


em lugares «infernáis» para no dia seguinte ressurgir;

— o ciclo das íestacoes: todos os anos a natureza morre


no outono/inverno e renasce na primavera; a térra entáo se
torna fecunda e o gado dá crias.

Assim, para os antigos, havia fórgas divinas que desapa-


reciam e voltavam á vida periódicamente.

2) Inspirados por tal concepgáo, muitos sistemas religio


sos pré-cristáos no Oriente e na Grecia celebravam na prima
vera a festa da vegetacáo que retorna á vida.

3) Com o tempo os homens procuraram dar as suas


celebracóes de primavera urna explicacáo mais concreta: con-
ceberam entáo «estórias» de deuses (Osíris, Adonis, Atis...)
que teriam passado por aventuras amorosas ou violentas; ha-
veriam acabado os seus dias de maneira trágica, no suicidio
ou numa desgraga; mas finalmente teriam, de um modo ou
de outro, prevalecido sobre a morte.

4) As festas de primavera, celebrando tais estórias (tam-


bém ditas «misterios»), transmitiam urna mensagem feliz para
os homens que as viviam. Oom efeito, participando das mes-
mas, os adeptos da religióes antigás julgavam que éles próprios
se tornariam participantes de nova vida ou de urna vida imu-
nizada contra os infortunios. — Todo homem tem consciéricia
de que sua existencia é continuamente ameacada pela destrui-

— 118 —
REDENCAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 27

gao e a morte; nao será, portante, oportuno que ele procure


triunfar de tais ameacas, associando-se as celebragóes das
fórgas da natureza e dos heróis divinos que desaparecen! e
reaparecem?

Vejamos agora algumas das principáis estórias que se


contavam a respeito dos deuses aventureiros.

2. Os grandes mitos

1} Osíris

O mais documentado de todos os mitos antigos que aqui


nos interessam, é o de Osíris, divindade egipcia.

Dizem os documentos que Osiris era o filho mais velho


de Qeb — o deus-terra — e Nouit — a deusa-céu. Personi-
ficava a vegetagáo, a natureza fértil do Egito e a agua vivi
ficante do Nilo. A lenda apresenta-o como o rei civilizador,
que fez passar seu povo da barbarie para um estado de so-
ciedade morigerada. Pos ordem no caos social, com o auxilio
inteligente de sua irmá e esposa, Isis. Eis, porém, que o irmáo
gémeo de Osiris, chamado Sete, o ruivo, se pos a arder de
inveja para com Osíris; colheu a éste mima cüada e encerrou-o
num caixáo de madeira, que ele atirou ao mar; a seguir,
sentou-se no trono regio de seu irmáo.

ísis fugiu entáo para o delta do Nilo. e lá, com o auxilio


dos deuses que lhe haviam ficado fiéis, procurou os despojos
de seu marido. Encontrou todos os respectivos membros, ex-
ceto um, que um peixe havia devorado.

Feliz por tal encontró,"pós-se a exercer suas artes mágicas


a fim de reconstituir e de novo vivificar o corpo de Osíris.
Apesar de todos os seus esforgos, nao conseguiu restaurar a
vida do cadáver, mas obteve urna compensagáo: a de ser fe
cundada por Osiris; deu entáo á luz um filho, Horus, que havia
de vingar o seu pai. O primeiro cuidado de Horus, em idade
adulta, foi o de embalsamar o corpo de Osíris, e aplicar a éste
os ritos funerarios que haviam de lhe assegurar a vida no
além. Gragas a essa mumificagáo e las cerimónias subseqüen-
tes, Osíris foi deificado como os reis seus predecessores, e
eomegou a gozar de vida nova na mansáo dos mortos, onde
ele instaurou ordem e paz, como outrora na térra.

— 119 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 3

O mito de Osíris, assim descrito, comporta numerosas


variantes nos escritos da mitología antiga; estas, porém, nao
afetam a morte e a sobrevivencia désse deus. Ñas celebragóes
dos misterios de Osíris — realizadas ora ao ar livre, ora em
recintos sagrados — representavam-se a morte, o sepulta-
mento e o triunfo de Osíris. Ésse triunfo podia ser simbolizado
pela entronizagáo de urna efigie de Osiris em um templo sa
grado. Nao se tratava, porém, de ressurreicáo do personagem
divino ou de volta á vida terrestre. A carreira de Osíris sobre
a térra se encerra com a morte; verdade é que Horas, filho
do rei defunto, reina em lugar de seu pai; todavía é o filho, e
nao o pai, quem reina.

Em outros termos: Osíris torna-se o rei dos defuntos; nao


ressuscita ele mesmo. É seu filho Horus quem impera sobre
a térra. Mais aínda: é no além-túmulo que os defuntos nutrem
a esperanga de compartilhar com Osíris urna imortalidade re
lativa, incorporando-se ao séquito do barco de Osíris. O mito
de Osíris nao promete aos seus fiéis ressurreicüo mediante a
participacáo na ressurreiqáo de Osíris.

2) Dionisio Zagreu

Zeus (Júpiter), dissimulado sob a forma de serpente, vio-


lentou sua filha Persefona, e déla teve um filho — Dionisio
Zagreu — que, como sua máe, tinha chifres. Zeus, porém,
temia a inveja de Hera; por isto entregou seu filho aos cuida
dos dos Curetas. Nao obstante, Hera conseguiu encontrar o
menino e encarregou os Titas de o maltratar. Os Titas pro>-
curaram seduzir Dionisio, apresentando-lhe brinquedos; para
escapar a éles, o menino transformou-se sucessivamente em
lefio, tigre, cávalo, serpente, touro. Os Titas, porém, apreen-
deram o touro pelos chifres e o devoraram. Entáo Zeus orde-
nou a Apolo que recolhesse os despojos de Dionisio e os se-
pultasse. Todavía o coragáo da vitima permanecerá intato; a
deusa Atenas Pallas o salvou e entregou, aínda palpitante, a
Júpiter. Éste o ingeriu e deu origem a um segundo Dionisio,
destinado a participar da gloria e da soberanía do seu pai.

Segundo urna variante, foi a deusa Semelé quem engoliu


o coragáo de Zagreu e gerou o novo Dionisio.

Os Titas foram precipitados no Tártaro e reduzidos a


cinzas; dessas cinzas nasceu o género humano.

— 120 —
REDENCAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 29

Como se vé, também no mito de Dionisio nao há ressur-


reicáo; nao é Dionisio Zagreu, mas um outro Dionisio, que
nasce após o desaparecimento de Zagreu. Nem há ai paixáo,
aemelhante á Paixáo de Jesús Cristo. Dionisio Zagreu tudo
fez para escapar aos Titas; nao foi urna vítima voluntaria,
como Jesús Cristo. Nem aplicou aos homens os méritos de
seus sofrimentos, pois os homens nasceram das cinzas dos
algozes de Zagreu.

3) Adonis (ou Tamozl

O mito de Adonis teve origem na Siria. Antes de chegar


á Grecia, sofreu modificac.óes no Egito e na ilha de Chipre.

Adonis era filho de Ciniras, rei de Chipre, e de Mirra,


que fóra transformada em pé de mirra. O pequeño Adonis foi
recolhido por Afrodite, que o confiou a Persefona. Esta, que
era a Rainha dos Infernos, tomou-se de amores pelo jovem
e quis deté-lo consigo. Entáo Afrodite, também apaixonada
por Adonis, foi queixar-se a Zeus, o Pai Supremo dos deuses.
Éste decidiu que Adonis seria confiado a Persefona durante
urna terca parte do ano, e a Afrodite durante outra terca
parte, ficando livre para escolher sua mansáo na outra ter-
ceira secgáo do ano.

Todavía a paixáo de Afrodite por Adonis suscitou a inveja


de Ares, seu amante (ou a de Apolo ou a de Artémis, segundo
outros mitógrafos). Entáo um désses deuses enviou um javali,
que atacou Adonis, infligindo-lhe urna chaga mortal. O sangue
de Adonis se transformou em anemona, a primeira e efémera
flor da primavera. Quanto a Afrodite, ela se precipitou a so
correr Adonis, mas feriu-se em espinheiros, que lhe fizeram
escorrer o sangue; éste sangue, caindo sobre rosas brancas,
tornou-as rubras.

Em poucos mitos é táo transparente o simbolismo quanto


neste. Adonis vem a ser a imagem da vegetagáo, que no in
vernó desee ao reino dos mortos (onde reina Persefona). Volta
á térra na primavera, para unir-se lá deusa do Amor (Afrodite)
e frutificar a sos no veráo (terca parte do ano, no caso). Assún
Adonis representa a morte e a ressurreigáo da natureza, que
se renova incessantemente no decorrer dos tempos.

Todos os anos na primavera os fiéis celebravam os mis


terios de Adonis, encerrando-os com a exclamagáo: «Concede-

— 121 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 123/1970, qu. 3

-nos tua benevolencia agora, caro Adonis, e mantém-na por


um ano n6vo. Com alegría nos te acolhemos hoje, Adonis; e,
quando tu voltares, nos te acolheremos como amigo!»

Também com relaeáo ao mito de Adonis nao se pode falar


de paixáo semelhante á de Jesús Cristo, visto que a vítima ai
é totalmente involuntaria. Quanto la idéia de ressurreigáo, é
nula ou extremamente atenuada.

4) Cibele e Atis

Cibele é urna deusa frigia, a mais importante do Próximo


Oriente antigo. Levada para a Grecia e para Roma, ela repre-
sentava — sob os nomes de «Grande máe, Máe dos deuses,
Grande deusa» — o vigor da vegetagáo. Conseqüentemente,
era urna das divindades da Fecundidade; tinha poder sobre a
reprodugáo das plantas, dos animáis, dos homens e dos deuses.

O poeta Ovidio narra que Cibele concebeu veemente amor


para com Átis, jovem e formoso pastor da Frigia. Tal amor,
porém, era platónico. Com efeito, a deusa mandou a Átis que
le encarregasse do culto da «Grande Máe», mas se conser-
vasse casto. Ora Átis traiu Cibele, enamorando-se da ninfa
Sagaritís, que ele acabou por esposar. Entáo Cibele, irritada,
matou Sagaritís, e percutiu com a loucura o infeliz pastor;
éste, no decorrer de urna crise, acabou por mutilar-se (ou
tnesmo castrar-se, conforme alguns mitólogos).

Éste mito foi acrescido de apéndices que nao se encon-


tram senáo em versees tardías, posteriores a Cristo: por
exemplo, Cibele, arrependida, ressuscitou Átis sob a forma de
um pinheiro. Ou ainda: Cibele obteve que o corpo de Átis
permanecesse incorrupto; Zeus concedeu-íhe também que a
cabeleira do jovem pastor continuasse a crescer e que seu
dedinho ficasse sempre em movimento.

Como se vé claramente, o mito de Cibele e Átis está longe


de insinuar algo que, por seu teor, se aproxime da paixáo re
dentora e da ressurreigáo dentre os mortos que o Cristianismo
atribuí a Jesús Cristo.

Passemos, porém, a um confronto mais preciso.

— 122 —
REDENCAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 31

3. Mitos pagaos e redencao crista

Quem analisa os comentarios dos críticos racionalistas que


querem reduzir a mensagem crista a mitos pagaos, verifica
que sao inspirados, em grande parte, por preconceitos; baseiam-
•se em analogías vagas e hipóteses assaz tenues. Com efeito,

1) Nao há, ñas narrativas do Evangelho, a mínima alu-


sáo (aínda que fdsse indireta) a crengas religiosas ou a mitos
do paganismo: nao se menciona ai o despertar da vegetacáo
na primavera, nem o ciclo das estagóes, nem a Vitoria de algum
herói sobre o Caos ou o Dragáo. As poucas indicacóes crono
lógicas que nos Evangelhos se encontram (cf. Le 2,1; 3,1; Mt
27,19: César Augusto, Tiberio, Póncio Pilatos e sua esposa,
Herodes, Filipe, Lisánias, Anas e Caifas) destinam-se simples-
mente a enquadrar dentro da historia do Imperio Romano e
de Israel a realidade do fato de que Jesús de Nazaré viveu,
morreu e ressuscitou. Mais de urna vez os Evangelistas notam
que os discípulos nao compreendiam as predicóes de Jesús
referentes á sua Paixáo e Ressurreigáo; as Escrituras dos Pro
fetas de Israel nada lhes sugeriam no sentido de um Messias
que haveria de morrer e ressuscitar (cf. Mt 16, 21-23; 17, 22s;
20,17-19).

2) A idéia de «um Deus que morre e ressuscita para


levar seus fiéis á vida eterna», nao se encontra em documento
ou testemunho algum das religióes orientáis ditas «de mis
terios».

Os pagaos aspiravam, sim, á feliz imortalidade da alma


(psyché) e acreditavam numa vida postuma. Era-lhes, porém,
totalmente estranha a idéia de que o corpo humano pudesse
superar a morte e voltar a vida terrestre; a perspectiva de
nova uniáo de alma e corpo os horrorizava, porque o corpo
lhes parecía ser, antes do mais, o cárcere que amesquinha e
avilta a alma.

A filosofía grega, cujos expoentes principáis sao Sócrates,


Platáo, Aristóteles e, posteriormente, os estoicos, estava longe
de conceber a ressurreicáo dos corpos. A associagáo mesma
dos vocábulos «morte» e «ressurreigáo» foi algo de inédito na
antiguidade até o advento do Cristianismo; ela teve origem
na linguagem crista, como atesta o escritor cristáo Tertuliano
no séc. III: «A pregagio da ressurreigáo, inaudita até entáo,

— 123 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 3

abalou as nagóes com sua novidade» («De resurrectione carnis>


39) .

Verdade é que no Egito os corpos dos defuntos eram


embalsamados e cuidadosamente munidos de joias, armas, ali
mentos, etc. Tal praxe, porém, era inspirada, pela crenca de
que a felicidade da alma do defunto estava subordinada á ma-
neira como era conservado o respectivo cadáver. Os egipcios
jamáis admitiram urna nova vivificacáo do corpo defunto.

3) Note-se também que nos Evangelhos aparece a figura


de um homem verdadeiro, Jesús de Nazaré, filho de Maria,
da Casa de Davi; ésse Jesús foi preso, julgado, atormentado e
imolado por seus inimigos, sendo Tiberio Imperador Romano
e Póncio Pilatos Procurador da Judéia; éste acontecimento se
deu á luz do dia, sob os olhares dos discípulos, na cidade de
Jerusalém freqüentada por urna multidáo de peregrinos que
celebravam a Páscoa. Pouco após a morte de Jesús, os seus
mesmos discípulos mostraram-se convictos, nao por raciocinios
e conclusóes, mas por fatos cuja evidencia se lhes impunha,
de que seu Mestre ressuscitara. Todo o comportamento désses
homens mudou-se, em conseqüéncia; comegaram a apregoar
destemidamente, até o testemunho do sangue, a Boa-Nova da
ressurreicáo, sem que os seus contemporáneos pudessem de
monstrar que estavam engañados ou alucinados. Tres anos
após os acontecimentos, Paulo de Tarso, ardoroso fariseu, se
entregou a Cristo e, de pleno acordó com os demais Apostólos,
pós-se a apregoar a ressurreicáo de Jesús Cristo, ... Jesús
Cristo que aparecerá a Pedro, a Tiago, aos doze, a quinhentos
irmáos reunidos e também a ele mesmo (Paulo); cf. 1 Cor
15, 1-8.

Do lado das religióes pagas, que figuras de heróis se en-


contram?

— Semideuses que simbolizam de maneira fantasista a


vegetacáo ou a natureza em geral, .. . heróis salvos da morte
pelo Grande Deus ou a Grande Deusa, ... aventuras ñas
quais as mulheres ou «deusas» tém papel saliente ou prepon
derante.

Dessas figuras divinas pode-se, no máximo, assinalar a


patria em que eram cultuadas, o povo a que pertenciam (Egito,
Siria, Frigia, Grecia...). Os outros dados que lhes concernem,
ficam sendo inconsistentes e atemporais (sem localizacáo no

— 124 —
REDENCAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 33

tempo); as suas «estórias» tém os contornos vagos da lenda.


Os nomes e as fungóes dos genitores désses deuses variam con
forme as fontes literarias. Os nomes mesmos désses heróis
acabaram sendo permutados entre si num sincretismo confuso;
as respectivas lendas foram-se ampliando e exerceram influ
encia urnas sobre as outras. Os heróis divinos festejados por
ocasiáo da primavera vieram a ser símbolos de fórcas eróticas
e imorais que se desencadeavam em orgias e bacanais. A livre
fantasia dos poetas, artistas e mitólogos encontrou fecunda
inspiragáo ñas figuras de tais semideuses.

Pergunta-se, pois: qual a relacáo que possa haver entre


essas diversas expressóes da fantasia humana ou da religiosi-
dade mal orientada dos povos antigos e a historia da vida, da
morte e da ressurreicáo de Jesús?

4) «Salvacáo, regeneragáo, purificagáo», ñas reügióes par


gas, tinham sentido assaz diferente do que tém no Cristianis
mo; referianuse geralmente aos males e sofrimentos da vida
presente. Significavam, pois, urna libertacáo no campo da
saúde, da economía, das relagóes sociais. Nao raro os gregos
e orientáis concebiam o corpo humano como algo de mau,
antagónico a Deus, ou como empecilhos á felicidade após a
morte; em conseqüéncia, entendiam a redencáo como libertacáo
da materialidade da carne ou como desencarnacáo. — Ao con
trario, a salvacáo no Cristianismo supóe o pecado moral, que
é contradicho a Deus; ela importa em perdáo da culpa ou do
mal ético mediante a obra de Cristo, segundo Adáo, novo
Cabeca da humanidade, que, ressuscitando da morte, recría
ou restaura o género humano.

É muito digno de nota o testemunho de R. Reitzenstein,


historiador das Religióes, que se mostrou freqüentemente pro
penso a admitir a dependencia do Cristianismo em relacáo aos
misterios do helenismo:

«O que há de novo no Cristianismo, é a redencao enquanto remls-


sao do pecado. A tremenda seriedade da pregacáo do pecado e da
expiacáo é algo que nao se acha no helenismo» («Poimandres». Leipzig
1904, p. 180).

Verdade é que as religióes ditas «de misterios» prescre-


viam ritos de purificagáo e certa abstinencia. Os estudiosos,
porém, observam que freqüentemente os ritos e as prátícas
dos adeptos dos misterios tinham significado meramente ritual
ou legal; nao conduziam necessáriamente á purificacáo ética

_ 125 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 3

ou á mudanga de vida moral; nem os rituais dos misterios


exortavam os «mistas» ou iniciados a doravante evitar o
pecado.

5) A expressáo «ao teroeiro dia (ressuscitou)», contida


nos Evangelhos, foi, de modo especial, atribuida pelos críticos
a fontes pagas.

Entre os representantes mais significativos desta posicáo,


pode-se citar W. Bousset, que evoca os seguintes tragos dos
«misterios» pagaos:

Osíris, cuja morte era comemorada aos 17 do mes de


Athyr, era tído como «reencontrado» pelos seus devotos aos
19 do mesmo;

Átis, cuja morte era evocada aos 22 de margo (em Roma,


na época do Imperio), pas&ova pnr mv/iyAr «rus 2S Hr» mesmo
(quando se celebravam as festas «Hilaria», felizes).

Todavía o próprio Bousset, depois de propor tais possiveis


paralelismos com a historia da ressurreigáo de Cristo, nao se
deu por satisfeito: «essas combinagóes nao sao em absoluto
seguras!» Ooncebeu entáo outra possível hipótese: os judeus
adotavam a crenga persa de que a alma permanece tres dias
junto ao respectivo cadáver... Conseqüentemente os Apostó
los teráo apregoado a ressurreigáo de Jesús «ao terceiro dia».
Cf. «Kyrios Christos» 1921, p. 25.

Deve-se notar, porém, o seguinte: muito duvidosa é a


hipótese de que os judeus adotavam a referida crenga dos
persas. Além do que, entre tal crenga e a idéia da ressurreigáo
há um abismo: sim, conforme os persas a» terceiro dia se
tompiam os últimos liames que prendiam a alma ao corpo,
ao passo que os judeo-cristáos professavam a volta da alma
ao corpo de Jesús justamente ao terceiro dia!
Eis mais um espécimen típico de como funcionam os pre-
conceitos!

4. Conclusdo

Num juizo sereno, dir-se-á que, a quanto parece, o pre-


conceito contra o sobrenatural e o partidarismo filosófico é
que sao as grandes fontes inspiradoras das teorías dos racio
nalistas que quiseram reduzir a mensagem do Evangelho ao
teor dos mitos ou dos «misterios» dos pagaos.

— 126 —
REDENQAO NO PAGANISMO E NO CRISTIANISMO 35

Merecem atengáo as consideragóes de Hugo Rahner:

«Ñas religióes de misterios (pagas), a Divindade é colo


cada no mesmo plano que a natureza. A festa da ressurreigáo
é, por ésse motivo, ... nao urna festa que recordé um acon-
tecimento histórico, mas a evocagáo de um fato que se repete
todos os anos. O misterio cristáo da Redengáo só pode ser
compreendido mediante a idéia da filiagáo divina sobrenatural
perdida pelo pecado de Adáo e reconquistada pela Cruz. B o
misterio da graca só pode ser entendido mediante o conceito...
da contemplacáo face-a-face de Deus, que se consuma no Além.
Tais sao os dogmas fundamentáis do Cristianismo como Jesús
os proclamou e Sao Paulo os formulou. A esséncia do misterio
cristao é algo de absolutamente novo e totalmente diferente
dos misterios antigos. A historia comparada das Religióes re-
conhece, cada vez mais profundamente, que é impossível com
parar o Cristianismo...

A confissáo do Cristianismo primitivo é esta: 'Agora tor-


namo-nos justos pela fé, e assim temos a paz com Deus por
nosso Senhor Jesús Cristo. Estou certo de que nem a morte,
nem a vida nem alguma criatura nos pode separar do amor
de Deus que está no Cristo Jesús nosso Senhor' (cf. Rom 5,1;
8,38s). Quem compreendeu ésses versículos, sabe onde se en-
contra o que há de característico e diferencial, sabe onde re
side a fórga mais profunda do Cristianismo primitivo em rela-
gáo as outras religióes e concepgóes do mundo anfígo» («My-
thes grecs et Mystére chrétien». París 1954, pp. 49s).

Bibliografía :

L. de Grandmalson, «Jésus-Christ. Sa personne, son message, ses


preuves>. 2 vols. Paris, 14a. ed., 1931.
E. de Surgy, P. Grelot, M. Carrez..., «La résurrection du Christ
et l'exégése moderne». Paris 1969.
K. Prümm, «I cosiddetti 'dei morti e risorti" nell'ellenismo», em
«Gregorianum» 39 (1958), pp. 411-439.
Id., art. «Mystéres», em «Dictionnaire de la Bible. Supplément»,
vol. VI, col. 1-22$.
P. Cerrutti, «O Cristianismo em sua origem histórica e divina».
Rio de Janeiro 1363.
Hugo Rahner, «Mystéres grecs et Mystére chrétien». París 1954.

127 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 4

IV. MODAS E "MODAS"

4) «Há quem se queixe do erotismo e da licenciosidade


em nossos días.

Mas vate realmente a pena remar contra a comente?»

Resumo da resposta: Tem-se falado do «mito do erotismo e


da «agressao do erotismo», cujas expressSes sao cada vez mais pa
tentes e penetrantes. Tenha-se em vista, entre outras, a Exposlgao de
Pornografía da Dinamarca.

Ora a licenciosidade sexual, longe de corresponder a sadios senti-


mentos da criatura humana, concorre para aviltá-la. sufocanrin-lhe a
honra e as mais nobres aspiradles ¡ o cvipo humano se torna joguéte
ou instrumento de prazer. Daf a necessidade de se despertarem as
eonsciéncias a respeito. Aos governantes cabe importante papel ueste
setor, pois exlstem lels que coibem a pornografía e o liberttnismo de
costumes; sábele também que o- erotismo é explorado por interésses
financeiros e comerciarlos de grandes empresas, as quais colocam o
lucro monetario ácima dos próprios valores moráis. Aos país e edu
cadores compete também incentivar os jovens á disciplina e ao dominio
de si mesmos; procurem que sejam honestos nao por imposicao extrín
seca, mas por conviccáo Intima. Será tal tarefa fadada ao insucesso ?
— Pouco interessam os prognósticos no caso; o que importa, é que
o cristáo nao pode ignorar a onda de erotismo e seus maus frutos,
nem pode deixar de dar neste momento importante da historia o seu
testemunho á verdade e ao bem, ou seja, ao próprlo Deus. Éste, o
Senhor, servir-seá do humilde ministerio dos seus fiéis segundo seus
sabios designios.

Resposta: É notorio o progresso dos costumes licenciosos


nos tempos atuais. Tal é a pujanga da onda que desperta a
questáo: haverá mal nisso? Nao basta considerar essa liber-
dade moral com olhos puros? Já que o problema suscita per-
plexidade, vamos abordá-lo lembrando primeiramente algumas
expressóes típicas do erotismo contemporáneo; ao que se se
guirá urna reflexáo sobre o assunto.

1. O problema

Já se tem falado do mito moderno do erotismo 1. De fato,


a mentalidade pública parece cada vez mais atraída por ima-

3 Tenha-se em vista o livro de V. Morin-J. Majault: «Un mito


moderno: l'erotismo». Francavilla a Mare 1969.

— 128 —
EROTISMO EM NOSSOS DÍAS _J7

gens e dizeres que despertam a lascivia e excitam a sensibili-


dade, dissociando por completo o sexo da sua base auténtica,
que é o amor. Há certos ambientes da vida pública em que
nada parece ter graga ou valor se nao incluí referencia a sexo.

Nao é difícil ilustrar esta afirmagáo. Basta percorrer


rápidamente as expressóes dos meios de comunicacáo social.

A publicidade dos produtos comerciáis ñas rúas, ñas lojas


e na televisáo nao raro explora imagens de erotismo aberto
ou dissimulado, mesmo quando se trata de propagar os obje
tos mais indiferentes ao sexo: panelas, graixa para sapatos...
Os cartazes que anunciam filmes, reproduzem geralmente as
cenas mais eróticas das películas.

O próprio cinema tem-se requintado na produgáo de cenas


escabrosas, em que sao exibidas vultosas perversSes ou inver-
sóes sexuais. O teatro, do seu modo, nao lhe fica atrás.

A literatura difunde a pornografía sob as mais variadas


formas: jomáis, revistas, pasquins, brochuras de divulgagáo
científica, obras obscenas cujos autores e Editoras ficam no
anonimato atingem avultado índice de renda. Um inquérito
recém-realizado na Italia entre estudantes deu a saber que as
preferencias désses jovens se dirigiam, antes do mais, ao
pasquim europeu dito «Diabolik»; seguiam-se-lhe as revistas
«Kriminal», «Satanik», «Sadik», «Isabella», «Killing». Os pró-
prios rapazes assim exprimiram os motivos de suas prefe
rencias:

«Eu quisera ser Diabolik, porque rouba joias e dinheiro sem ser
capturado pela políciav
«Gostaria de ser Kriminal, porque é um herói, e mata sem pie-
dade».

«Gosto de ver Satanik, a estrangular os homens».


«Quisera imitar Play-boy, porque aparece no leito com mulhereí
desnudas».
«Gosto de Sexlbel, porque apresenta multas mulheres nuas*.
«Gosto de Isabel, porque pratica o amor e se desnuda diante dos
homens».

As modas sao cada vez mais livres no sentido do «mini.. . >


Entre outras muitas noticias, pode-se aduzir a seguinte:

Em Olinda, aos 7/12/1969, realizou-se empolgante concurso de bi-


quiñis, tendo sido premiada a jovem que apresentou o maid de tama-

— 129 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 123/1970, gu. 4

nho mais reduzido... É importante notar que o promotor de tal fes


tival íoi o comerciante Otávio Aragáo, proprietário da Churrascaría
<Rainha do Mar»; o concurso desenrolou-se entre os espigóos de pe-
dras que delimitam a área da referida Churrascaría.

Em tal clima compreende-se que se verifiquem fenómenos


extremamente ousados, como fuga de casa por parte de ra-
pazes e mocas, encaminhamento de menores á prostituido,
delitos e crimes de índole sexual, difusáo de drogas em ambi
entes de jovens. Os jomáis diariamente dáo noticias minucio
sas de numerosos casos afins; a marijuana, o ácido lisérgico e
outros entorpecentes fomentam os desatinos sexuais.

Pode-se lembrar aqui um fato que muito impressionou o


mundo há poucos meses: o assassinato da artista norte-ameri
cana Sharon Tate, casada com o cineasta Román Polanski;
juntamente com quatro amigos, foi vítima de um grupo de
«hippies» chefiacto por Charles Manson. Os «filhos das flores»,
na prática, nao tém sustentado o seu programa de náo-violén-
cia e de combate ao racismo; os «hippies» vém sendo depre-
endidos em atos de furto e delinqüéncia.

É de notar também que o festival da música «hippy» realizada


em Tracy (California) aos 7/12/69 «deixou um saldo de quatro mortos,
quatro nasclmentos e toneladas de lixo. Participaran! da festa 300 mil
jovens. Um dos mortos é rapaz de 18 anos, apunhalado no rim, diante
do estrado em que se exibia o conjunto 'Rolling Stones*. As outras
vitimas sao um jovem que se afogou em um canal, e dols outros,
ambos de 22 anos, que morreram atropelados na nolte de sábado para
domingo. Os quatro recém-nascidos foram todos prematuros e viram
a luz pela primelra vez ñas tendas de campanha dos servicos de so
corro da Cruz Vermelha. Dezenove medióos e seis psiquiatras aten-
deram aos 'hippies' durante seu festival» («Jornal do Brasil» 9/12/69,
p. 8).

Nesse mesmo clima de erotismo entende-se também outro


fenómeno — dos mais alarmantes — de nossos tempos: a dis
solucáo da familia. Esta dissolucáo se dá por duas vias: a via
«legal» e a vida «de fato». «Via legal»: em alguns países, con
siderados pioneiros do progresso, como a Holanda, nota-se a
tendencia a legalizar qualquer uniáo estável, mesmo entre pes-
soas do mesmo sexo (na televisáo holandesa já se exibiram
«casáis» de homossexuais). «Via de fato»: na Dinamarca apa-
receram recentemente os «coletivos familiares», constituidos
por jovens de ambos os sexos — alguns casados, outros nao —,
que desejam viver juntos em certa comunháo de bens e em
plena liberdade sexual: a finalidade désses jovens é «fugir ao
mundo sórdido das grandes aglomeracóes modernas, em que

— 130 —
EROTISMO EM NOSSOS DÍAS 39

as pessoas se ignoram e se espreitam mutuamente, e vencer


o isolamento dos casáis em que os cónjuges se detroem uns
aos outros até que o tedio sufoque tudo» \ Trata-se, pois, de
urna reacio, mal concebida, contra possíveis deficiencias da
familia moderna sujeita ao estilo de vida das grandes cidades.

Em dezembro de 1969, a revista brasileira «REALIDADE»


publicou o artigo «Sexo 2000», em que propóe prognósticos e
conjeturas que revolucionam as mais rudimentares categorías
do pudor e da moral. Encarando o ser humano como porgáo
de materia que é sujeito e objeto de prazer, autores modernos,
aduzidos por «EEALIDADE», prevéem reviravolta radical nos
setores da uniáo sexual e da procriacáo: o sexo estará defini
tivamente desvinculado do amor, e a geragáo de filhos disso-
ciada dos conceitos de paternidade e maternidade!

Ainda no tocante á Dinamarca, pode-se recordar que no


dia 21/10/1969 foi inaugurada em Copenhagen urna Exposi-
cáo Mundial de Pornografía, dita «Sex' 69». Era inspirada pelo
«slogan»: «Conservemos limpa a pornografía!■» Em cerca de
trinta lojas achavam-se expostos livros, revistas, filmes, discos
pornográficos, objetos e instrumentos «de prazer»; projetavam-
-se ininterruptamente filmes pornográficos e faziam-se exibi-
Cóes, ao vivo, de atos sexuais em toda a respectiva gama. Os
promotores da Exposigáo queñam assim celebrar a aprovagáo,
ocorrida em Janeiro de 1969, da lei que autorizava a porno
grafía na Dinamarca. Mais ainda: aspiravam a fazer da Dina
marca a «Central do Sexo»; dessa Central seria enviado mate
rial pornográfico para o resto da Europa e para os Estados
Unidos da América, «regióes sexualmente atrasadas», pois Iá
os homens ainda nao chegaram a compreender que a porno
grafía é coisa «limpa» e altamente positiva.

A Exposicáo Dinamarquesa nao deixou de ter ampia re-


percussáo no mundo: assim como foi acerbamente criticada,
foi também elogiada como «garbo do Ocidente», correspon
dente a urna «reviravolta histórica e ao mesmo tempo bioló-
gico-evolutiva» (F. Antonini, «Messagero» da Italia, 22/10/69).

Outros múltiplos espécimens da pornografía contemporá


nea poderiam ser aqui recordados. Em nossos dias parecem

1 Expressfies colhidas na revista italiana «Settegiorni» de 28/9/69.

— 131 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 4

convergir numa onda única as mais requintadas manifestagóes


do erotismo. A presente situacáo já foi classificada — e com
razáo — como «agressáo erótica». Em vista dessa realidade
tem-se feito ouvir

2. A voz da Igreja

Em repetidas ocasióes tem-se pronunciado sobre o erotis


mo o Santo Padre Paulo VI.

Aos 14/9/1969, inaugurando o santuario de Nettuno dedi


cado a Santa María Goretti, observava S. Santidade:

«É verdade que o vicio sempre existiu no mundo; mas também é


verdade que agora predominam a intencáo ou, por asslm dizer, o pro
pósito e mestno a astucia de ofender a virtude da pureza, de tornar
fácil o desprézo e a profanagáo da pureza. Outrora añida se levavam
em conta certas pessoas, certas palavras, certas situacdes. Agora, ao
contrario, a ofensa á pureza parece ser o tema ordinario dos discursos,
das narrativas, dos romances, dos espetáculos, da pretensa arte; tem-se
a impressáo de que os homens se empenham intencionabnente para
perturbar essa virtude, para aprésentela em luz falsa a quem vive
na sociedade moderna» («L'Osservatore Romano», 15-16/9/69).

Voltando a atencáo para os jovens em particular, notou


Paulo VI que «estáo destinados a viver sob a pressáo, a insidia
continua, a tentacáo sistemática, que se apresentam muitas
vézes sob formas e imagens sugestivas, com desenfreado liber-
tinismo, com insinuante temeridade, justamente para lagar a
fraqueza humana e fazer que ela renuncie á resistencia e á
retidáo da virtude» (ib.).

A 1/10/69, o Santo Padre falou da «ameaga, epidémica


e agressiva, do erotismo levado a expressóes desenfreadas e
horrendas, públicas e acintosas», e acrescentou:

«Também no caso désle triste fenómeno a teoria abre o caminho


a licenciosidade, recoberta pelo título de liberdade, a aberxacao dos
instintos tida como emancipacao frente aos escrúpulos oonvencionais
(sejam recordados Freud, Marcuse, etc.). O erotismo mediante a
protniscuidade e a imagem pornográfica, como também a droga, a
exaltacáo e o embrutecimento dos sentidos, com expressóes abjetas e
amaldicoadas pela Palavra de Deus assalta até os ambientes mais
sadios e .reservados, como a familia, a escola, o recreio. Tdda proibi-
cSo parece fadada ao íracasso e á inutilidade; a legalidade (como
parece acontecer atualmente em certos países) chega a coonestar qual-
quer ofensa ao pudor público e aos sacrossantos direitos da inocencia
e da honestidade. Um quase sentimento de fatalidade detém os res-

— 132 —
EROTISMO EM NOSSOS DÍAS 41

ponsáveis e os bons de toda e qualquer reacáo legitima e eficaz*


(«L'Osservatore Romano» 2/10/69).

Mais ainda: aos 8/12/69, festa da Imaculada Conceicáo,


voltava Paulo VI a advertir:

«Os homens de hoje deixam-se fascinar embora sejam muito ciosos


da sua liberdade pessoal. Sao fascinados pela imagem, pelo exemplo.
pela moda, pelos espetáculos, pelos costumes; e infelizmente éste fas-
cínio é muitas vézes sedugáo da paixáo, do prazer, do vicio, da cor-
rupgáo. Nestes últimos dias, Nosso Cardeal Vigário publicou urna
advertencia contra a invasáo da imprensa licenciosa. Digamos mais:
é preciso também nos premunirmos contra o espirito de tolerancia
que pretende dar livre curso á degradado sensual e sexual, obsessao
da opiniao pública e dos costumes atuais» («L'Osservatore Romano»,
ed. francesa, 12/12/69).

Feito o balango da situacáo moral em que se encontra a


sociedade de hoje, póe-se a pergunta:

3. Que atitude tomar ?

1. Há quem responda que a posicáo mais esclarecida e


magnánima é a tolerancia. Nao se pode dizer que as catego
rías do bem e do mal, do pudor e do despudor sao algo de
relativo? ... que as circunstancias da vida moderna sao bem
diferentes das de outrora, de tal sorte que nao se devem ta
char com o mesmo rigor as práticas que outrora eram conde
nadas? O mal nao estará no olhar de quem condena, visto que
os autores das novas modas nao parecem nutrir malicia?

2. A essa posicáo benigna pode-se objetar que o liber-


tinismo sexual redunda em verdadeira degradagáo do ser hu
mano, conculcando-lhe a honra e sufocando-lhe as mais nobres
aspiragóes. Com efeito, o erotismo faz da pessoa, principal
mente da mulher, um objeto de prazer, urna materia de co
mercio, um joguéte dos instintos cegos. Ao contrario, o autén
tico amor leva ao sexo, mas de maneira nobre, salvaguardando
sempre o dominio da razáo sobre os sentidos e os instintos.
Com razáo, diz-se á guisa de proverbio: «Amor é sexo a longo
prazo; sexo é amor a curto prazo».

O fato de que o sexo tem preponderado sobre o amor é


certamente urna das causas por que se véem tantos casamen-
tos mal arquitetados ou mal vividos ou mal acabados. É tam-

— 133 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 4

tura erótica popular; sao muito relativos os inquéritos divul-


cam a sociedade contemporánea.

As categorías do bem e do mal sao categorías objetivas


e perenes. É moralmente bom o comportaménto que eleva e
dignifica o homem, tornando-o mais homem, mais aberto para
os valores da verdade, da generosidade e do heroísmo, como
é moralmente mau aquilo que avilta a criatura humana, tor
nando-a presa de instintos e movimentos cegos. Ora a digni-
dade do homem, em qualquer época, consiste em ser racional,
em dominar sentímentos e paixóes mediante a inteligencia, ou
aínda em usar de sua natureza de acordó com as respectivas
finalidades. Nao há fase da historia em que estas verdades
possam sofrer excecáo; apenas poderá mudar a maneira de se
afirmarem e viverem tais proposiQóes.

De modo especial, note-se que a pornografía nunca poderá


ser «limpa» (como se disse recentemente). Embora nao im-
pressione ou abale certas pessoas, ela, divulgada entre o grande
público (e é para isto que ela existe), nao pode deixar de des
pertar instintos e paixóes, que levam ao aviltamento do ser
humano. Também se deve dizer que a pornografía é a ex-
pressáo de mentes e coracóes desordenados e convulsionados:
«A boca fala da plenitude do coracáo».

3. Vé-se, pois, que o próprio bem da sociedade pede dos


auténticos cristáos — e nao sómente déstes, mas de todos os
homens retos — urna réplica á onda de erotismo contempo
ráneo. Sejam éles capazes de superar «o sentimento de fatali-
dade que detém os responsáveis e os bons de qualquer legítima
e eficaz reagáo» (Paulo VI).

A réplica há de partir tanto das autoridades públicas como


das entidades particulares e dos honestos cidadáos.

Aos governantes compete aplicar as leis já existentes con


trarias á licenciosidade e á baixeza de costumes. Sabe-se que
grande parte das publicacóes (revistas, pasquins, livretos, ro
mances) e dos espetáculos (do cinema, do teatro, da televisáo)
estáo em máos de grandes potencias económicas, as quais tém
consciéncia de que «sexo» é materia altamente vendável; lan-
cam pornografía, muitas vézes com vestes de divulgacáo cien
tífica, nao tanto para suscitar o bem e a informagáo sadia dos
leitores (sao freqüentemente mal feitos os artigos da litera-

— 134 —
EROTISMO r:M NOSSOS DÍAS 43

tura erótica popular; sao muito relativos os inquéritos divul


gados em revistas ilustradas), mas principalmente para ganhar
dinheiro, para comercializar os sentimentos e instintos huma
nos; sao os interésses financeiros que assim imperam sobre
toda e qualquer exigencia da dignidade humana e da boa
ordem social. Aos governantes toca refrear ou controlar as
empresas que forjam e difundem a pornografía e os maus
espetáculos. Fagam-no destemidamente. Aos cidadáos compete
apoiar as medidas de saneamento da moralidade pública — o
que infelizmente nem sempre acontece, pois há quem errónea
mente julgue ser complexo de inferioridade a defesa da hones-
tidade na imprensa, nos espetáculos e nos costumes. Na ver-
dade, porém, o mundo de hoje, táo exigente no tocante a jus-
tica, á lealdade, á autenticidade, nao deve estar táo longe de
poder compreender que o ser humano nao é instinto cegó, nem
materia a ser explorada por interésses financeiros.

Aos genitores e educadores compete premunir os pequé-


ninos e os jovens contra a degradacáo dos costumes e a agres-
sio erótica. Importa disciplinar o educando desde tenra idade:
aprenda a dizer «Nao» a si mesmo, sempre que necessário;
torne-se, tanto quanto possível, senhor de si. Preceitos e proi-
bicóes sao válidos até certo ponto; é preciso que o jovem pro
ceda nao por mera imposicáo, mas que compreenda o valor
da vida casta e da disciplina, de modo a praticá-las nao por
efeito de coagáo, mas por livre e espontánea vontade. Nao
julguem os adultos que os jovens sao insensiveis aos nobres
ideáis ou á ordem e á harmonía de vida. Haja vista, por exem-
plo, o «Movimento de salvaguarda dos direitos da juventude»,
que teve origem em Bolonha (Italia) no mes de junho de 1969
e colheu um milháo de assinaturas de jovens que protestavam
contra o baixo comercio da imprensa pornográfica e dos filmes
imorais. Despertando os interésses da juventude para o autén
tico amor e as grandes metas da vida, os educadores estaráo
concorrendo para refrear a pornografía, pois a oferta declinará
se a procura também declinar.

4. Talvez, porém, se diga: é inútil remar contra a cor-


rente; tudo em nossos dias leva a licencrosidade e ao prazer.
Quem fala em nome da castidade, perde o seu tempo.

— Em resposta, diremos que nao seria cristáo «ignorar»


o libertinismo moral e silenciar a seu respeito. Ele é flagrante
e vem produzindo seus frutos maus aos olhos de todo e qual
quer cidadáo, mesmo nao cristáo. O cristáo tem o dever de

— 133 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970, qu. 4

dar testemunho: num mundo que tende a legitimar toda e


qualquer moda, a declarar bom e honesto o que é mau e
desonesto (simplesmente porque é mais cómodo e «elegante»),
ao cristáo cabe lembrar que há urna diferenca entre o bem
e o mal. Cabe dar o testemunho á Verdade e ao Bem, ou seja,
a Deus mesmo (Deus é a Verdade e o Bem; por isto, imutáveis
sao as categorías fundamentáis da Verdade, da dignidade, da
honestidade).

Vém a propósito as palavras do Papa Paulo VI proferidas


na audiencia de 1/10/69:

«Filhos carissimos, nao permitáis que se perverta a vossa cons-


ciencia dos valores moráis. Nao percais a consciéncia do pecado, isto
é, o senso do bem e do mal; nao permitáis que se adormeca em vos
o sentido da liberdade e da responsabilldade próprias do cristáo ou,
mesmo, do homem civilizado. Nao julgueis que a defesa digna e franca
da honestidade na imprensa, nos espetáculos e nos costumes seja, em
última análise, inspirada por um complexo de inferioridade. Nao jul
gueis necessário tomar conhecimento do mal mediante urna experien
cia pessoal. Nüo tachéis de ignorancia e íraqueza a pureza e o dominio
de sL Nao receeis que o amor e a felicidade vos íaltem se os procurar-
des pela via serena da vida crista auténtica... Dai ao esfdrco ascético,
ao heroísmo, ao sacrificio, ao amor fraterno a importancia que Cristo,
o Redentor crucificado, Inés deu. E fazei de vossa energia moral um
dom generoso á Igreja; é désse dom que Ela precisa noje» («L'Osser-
vatore Romano», ed. francesa, 10/10/69).

De resto, o Senhor nao pede a seus fiéis que vengam as


lutas em prol do Reino de Deus; pede, sim, que lutem, qualquer
que seja o desenlace da campanha. Ele, o Senhor, saberá vencer
apesar da aparente derrota dos seus!

Na confeccao destas páginas muito nos valemos do artigo de G. de


Rosa, <Aggressione dell'erotismo». em «La Civiltá Cattolica» 1/11/69,
qu. 2865, pp. 259-263.

Estéváo Rettencourt O.S.B.

— 136 —
RESENHA DE LIVROS 45

RESENHA DE LIVROS

Introducán & Biblia, com antología exegética. Volume II: Epístolas


do Cativeiro, Pastorais, Hebreus, Católicas, Apocallpse. Direcáo de
Teodorico Ballarini, Stefano Virgulin e Stanislas Lyonnet; traducao do
italiano por Frei Osvaldo Antonio Furlan. — Editora Vózes, Petrópolls
1970, 165 mmx235 mm, 540 pp.

Acaba de aparecer o 2" volume da Introdugáo a Biblia, cujo


1' tomo veio a lume ñas «Vozes» em 1968 (Introducáo Geral). Éste
2° volume trata dos livros fináis do Novo Testamento, ao passo que
outro tomo estudará os Evangelhos, os Atos e as grandes epístolas
de S. Paulo. Para o Antigo Testamento, estao previstos mais dois vo-
lumes, o que dará um total de cinco tomos, resultantes da colaboracáo
de numerosa equipe de eruditos.

O nivel da obra é de primeira qualidade. Cada livro bíblico é estu-


dado á luz das sentencas mais modernas da exegese católica e protes
tante; nao há teoría que ai nao encontré mencüo. A solucao dos pro
blemas é equilibrada; os autores abstém-se de abonar teorías pouco
fundamentadas. Assim, por exemplo, após discutir a autenticidade da
2' epístola de Pedro, o P. Ramazzotti rejeita a tese de que «Pedro»
seja pseudónimo nesse escrito; julga, antes, que S. Pedro tenha re
corrido a um secretario, secretario, porém, que nao era Silvano (o
redator da 1* epístola de Pedro); aceita também que ésse redator
tenha reelaborado o texto da carta após a morte do Apostólo, inse-
rindo ai alguma referencia a nova situacáo da Igreja no decurso do
sáculo I. A epístola de Tiago continua a ser atribuida ao Apostólo
S. Tiago, irmáo do Senhor, embora certos críticos modernos julguem
que Tiago, no caso, é pseudónimo utilizado por um escritor cristao
judaizante. A carta aos Hebreus é, com multo propósito, atribuida a
Barnabé ou a Apolo.

Além do mais, a obra apresenta o comentario de alguma seccáo


de cada livro anallsado, ficando assim introducáo e exegese reunidas
em um só volume.

A obra, que oferece ricas indicacdes bibliográficas, se recomenda


a um público de certa cultura; exprime em termos accssiveis o que
possa haver de mais moderno c sólido em ciencias bíblicas.

Diálogo sobre a Fé, por D. Grasso S. J.; traducao de Manuel Alves


da Silva S.J. Colecáo «Cristianismo Aberto» n« 9. — EdicBes Paulis-
tas, Lisboa 1969, 145x210 mm, 263 pp.

O volume deve-se a um teólogo perito do Concilio, professor da


Universidade Gregoriana de Roma, o qual responde a SO perguntas
relativas a Deus, a Jesús Cristo, aos Sacramentos, aos misterios da
fé, á Moral Crista, a Igreja, á escatologia e outros temas atuais. Trata-
•se de questOes que ocorrem íreqüentemente em aulas e debates reli
giosos, de sorte que o livro do P. Grasso, dando-lhes resposta válida
e sucinta, se pode tornar útil a todos aqueles que procuram a forma-
-cao religiosa que nossos dias exigem.

— 137 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970

O clero num mundo cm crise. Atas da IX Conferencia Interna


cional de Sociologia Religiosa, Montréal, 1-4 de agosto de 1967. Co-
ordenagáo e revislo da traducáo a cargo de Waldo César. — Editora
Vozes, Petrópolis 1969, 160x230 mm, 333 pp.

Reuniu-se na data e no local ácima urna assembléia de sacerdotes


católicos, pastores protestantes e sociólogos de ambas as confissóes,
provenientes de diversas nac6es, a íim de debater problemas relacio
nados com a situacao do clero (em geral) no mundo de hoje, que é
um mundo em transformacao. As atas do certame apresentam as res
pectivas dissertagóes, que versaram sobre situagSes modernas e mal-
-estar do sacerdote, sobre as íungóes especificas do sacerdote (conse-
lheiro, servidor, pai, mediador...), sobre as respostas dadas por sacer
dotes ao mundo de hoje através de experiencias novas empreendidas
na Franca e nos E.U.A., sobre opinióes de seminaristas e leigos a
respeito do sacerdote...

O livro coloca o leitor diante de problemas e descontentamentos,


criticas e pareceres negativos, sem lhes indicar soluedes concretas e
viáveis. Ademáis é de notar que o ministerio do padre católico é radi
calmente diverso do do pastor protestante. Para o sacerdote católico,
o ministerio é algo de sacramental; o padre é, antes do mais, alguém
que recebeu um caráter sobrenatural para ser instrumento do Salva
dor na obra de Redengáo do mundo. Ao invés, para o protestante, o
pastorado é urna íuncáo digna e nobre, inspirada pela íé, mas fungao
meramente humana. Em conseqüéncia, o pastorado pode ser avallado
segundo criterios humanos, ou segundo principios e dados concretos
da sociologia, da psicología, da cultura moderna... O mesmo nao se
dá com o sacerdocio católico: nao pode ser enquadrado, todo, dentro
das categorías das ciencias antropológicas modernas; ele é, antes do
mais, algo de sobrenatural, dom e acáo do Espirito Santo na criatura
humana. Por isto os debates de Montréal, se podiam atender a pro
blemática que se coloca ao protestantismo, nao podiam dar resposta
adequada ao ponto de vista católico. Os criterios meramente científi
cos, antropológicos e naturais nao sao suficientes para se julgarem
as fungóes do padre católico. Nota-se, de resto, que mesmo as confe
rencias que versaram sobre o sacerdocio católico, foram deficientes
no que diz respeito á teología do ministerio sacerdotal (sacramental)
o que se compreende em parte (mas nao se justifica), dado o cará
ter interconfessional da assembléia de Montréal.

Parece, pois, pouco oportuna a consideragáo conjunta de assuntos


referentes a clero católico e clero protestante (o conceito de «clero»
nao é univoco no catolicismo e no protestantismo).

Em conseqüéncia, o livro recenseado apresenta páginas muito vá


lidas e interessantes, do ponto de vista da Sociologia Religiosa, mas
está longe de satisfazer a todas as exigencias de um leitor católico.

Celibato c comunidade. Os fundamentos evangélicos da vida reli


giosa, por Thadée Matura O.F.M.; traducáo das Irmas do Mosteiro
da Virgem. — Editora Vozes, Petrópolis 1969, 125 x 180 mm, 110 pp.

Na época presente em que se procuram circunscrever os traeos


essenciais da vida religiosa (nem sempre com acertó), o livro de Ma-

— 138 —
RESENHA DE LIVROS 47

tura impde-se como roteiro seguro e profundo. O autor parte do ideal


da virgindade (ou do celibato) como sendo o cerne do ideal da vida
religiosa consagrada a Deus. Mostra como o celibato pede sua com-
plementacao na comunidade, a qual é preservativo e fomento do
auténtico amor consagrado; a comunidade, de certo modo, rege e
disciplina o celibato: «Partimos daquilo que é um dado multo sólido,
a saber: que a vida religiosa se define essencialmente pelo celibato
voluntario e, secundariamente, pela comunidade, se bem que esta
última nao constitua um elemento que lhe seja exclusivo» (p. 50).
«O valor essencial do celibato, sua signiíicacáo primeira e permanente,
residem para nos no fato de que éle prefigura e representa a situacao
definitiva, escatológica, do homem chegado a seu acabamento no
mundo da ressurreicáo» (p. 53).

N3o se poderia deixar de mencionar aquí, a titulo de complemen-


tacao, o livro de Mons. Mascarenhas Roxo: «Os Religiosos no Senhor
e na Igreja>, que, com a obra de Matura, constituí o que há de mals
auténtico e aceitável em nossa lingua sobre a teología da vida reli
giosa. Edicao Herder.

Gula da assembléia crista. Volunte II (da 1* ü 8* semanas do tempo


dorante o ano), por Th. Maertens e J. Frisque; traducao de Cornélio
Belchior da Silva e Hilton Ferreira Japiassu; orientacao de Maucyr
Gibin. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 160 x 230 mm, 400 pp.

Éste volume continua a obra de comentario dos textos bíblicos


distribuidos em tres ciclos pela recente reforma litúrgica, obra cuja-
divulgacao no Brasil foi iniciada pela Editora Vozes (cf. «P.R.>
121/1970, p. 47). Os autores do livro oferecem aos leitores o sentido
profundo das passagens escrituristicas, servindo-se, para tanto, das
conclusoes da exegese contemporánea. A obra apresenta assim um
espécimen de como a erudicáo bíblica pode ser utilizada para alimen
tar a oracüo do cristáo. Recomenda-se o livro a todos os mestres que
precisam de pregar ou lecionar sobre a liturgia, assim como a todos
os fiéis desejosos de piedade mais sólida.

A Igreja e o mundo sem Deus, por Thomas Merton; traducáo de


Frei Joáo Morris e Frei Edmir Vianna. — Editora Vozes, Petrópolis
1970, 125x180 mm, 102 pp.

Thomas Merton, homem de raros dotes naturais e cristaos, em-


bora falecido, íala mais urna vez ao público brasileiro por urna de
suas obras. O livro ácima contém seis capitulos, que comentam as
relacSes entre a Igreja e o mundo ateu de hoje, inspirando-se na
Constituicáo «Gaudium et Spes» do Vaticano II. De modo especial, o
autor encara a chamada «teología da morte de Deus»; segundo esta,
Deus está demasiado longe do homem para poder ser objeto de cogi-
tacáo do homem (tenham-se em vista os escritos de Bonhoeffer, Ro-
binson...); Merton confronta tal posicáo com a de S. Joáo da Cruz,
que também íala da inefabilidade de Deus; o místico crlstáo, porém,
nSo pretende dai deduzir que é preciso deixar Deus de lado ou viver
sem Deus, mas, ao contrario, traga o itinerario para a uniáo com o
Ser Infinito (Cántico Espiritual). Eis como se tocam e, ao mesmo

— 139 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 123/1970

tempo, se distanciam mutuamente os teólogos da morte de Deus e o


mestre carmelita. Merton assim mostra abertura de espirito associada
a genuina mística crista. Interessa-se também multo pelos problemas
de guerra e paz, aos quais consagrou numerosos escritos do final de
sua vida.

Os livros de Merton, embora tenham feito bem a muitos leitores


até hoje, nao sao sempre de fácil leitura; tal é o caso de certas pági
nas do livro recenseado.

Marcas de passos na floresta sombría, por Fulton J. Sheen; tra-


ducáo de Osear Mendes. — Editora Agir, Rio de Janeiro 1970, 140 x 210
mm, 316 pp.

O público brasileiro é mais urna vez beneficiado por um livro do


famoso bispo norte-americano Fulton Sheen. Éste autor adquiriu me
recida fama por suas palestras filosófico-religiosas apresentadas atra-
vés da televisao. O novo volume contém um conjunto de dezenove
conferencias a respeito do homem, da sociedade, do mundo e do «Alfa
e ¿mega». Chamam especialmente a atencáo as que se referem ao
novo tabú da sociedade moderna (= a morte), á morte de Deus, aos
agentes funerarios de Deus e ao futuro da humanidade, aos Santos
Modernos... Sem deixar de ser sempre profundo, tocando o ámago
dos problemas e suas soluc6es, Fulton Sheen é também claro e inte-
ligivel ao grande público (tais predicados sao indispensáveis a um
conferencista de televisao); recorre freqüentemente a comparacSes,
metáforas, citaedes de autores cristaos e náo-cristaos; ele pode assim
apontar falhas, indicar pistas e caminhos, sem ferir a ninguém.

O livro terá valor para quem deseje urna leitura de meditacáo e


formacao, podendo prestar-se também para debates e aulas.

E.B.

Já se enoontra a venda o índice de «P.R.» 1969. Pedidos


a Administracao da revista. Preoo; NCr$ 1,50.

— 140 —
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COMENTANDO O DIA-A-DIA

de segunda-feira a sábado, ao meio-dia, por urna

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P. Esíéváo Bettencourt O. S. B.

Radio Vera Cruz do Rio de Janeiro

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NO PRÓXIMO NÚMERO:

Estruturalismo e desmitízacao do homem

Sigilo da confissao : vale mesmo ?

-jij^V -Roma caiu em heresia ?

. ' .', ;(Ás novas traducoes da liturgia

•Í?V'^O fim nao justifica os meios ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

{porte comum NCr$ 20,00

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Numero avulso de qualquer mes e ano NCr$ 2,00

Número especial de abril de 1968 NCrS 3.00


Volumes encadernados: 1957 a 1968 (preco unitario). NCr$ 17,00
índice Geral de 1957 a 1964 NCr$ 10,00
índice de qualquer ano NCr$ ll0°
Encíclica «Populorum Progressio» NCr$ 0,50
Encíclica «Humanae Vitae» (Regulagáo da Natalidade) NCr$ 0,70

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