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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarñ)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
Vv.T visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabal no, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
MO XI — N« 129 SETEMBRO DE 1970
ÍNDICE

DE QUÉ... E PARA QUÉ...! 869

I. AMIGA OU FANTASMA?

1) "Que sentido tem a morte para o homem de hoje ?

Como -pensa o crist&o a respeito ?" S71

II. NASCEB E BENASCER

2) "O Batismo é dito 'o sacramento da fé'. Supoe que o


candidato tenha aceito o Evangetko.

Como entáo se podem batizar críaneinhas meapazes de conce-


ber a fé?" 382

III. SOCIEDADE DE CONSUMO

3) "Os meios de comunicando social (imprensa escrita e fa-


lada) na sociedade de consumo tém sido ocam&o de problema.

Lucro financeiro 'vermis' valores humanos ?" 398

IV. MAIS UM ROMANCE

i) "Mtiito se tem comentado o romance 'Sidarta' de Her-


viann Hesse. Um dos liaros favoritos dos 'hippies'...

Que dizer ?" íO7

RESENHA DE LIVROS M

COM APROVAQAO ECLESIÁSTICA .


DE QUE...
E PARA QUÉ...!
A fome e a miseria sao fatos que nos inquietam, consti-
tuindo apelos para todos nos. É necessário tratemos de dar ao
próximo o pao ou os bens de que possa viver. «Quem nao ama
a seu irmáo, que vé, como pode amar a Deus, que nao ve?»
(1 Jo 4, 20).

Es, porém, que, dito isto, algo continua a nos chamar a


atencáo. Aínda que demos a um homem pao, casa e roupa
(como se costuma fazer a um cáozinho de estima), militas
vézes aínda encontramos o nosso irmáo inquieto (á diferenca
do que ocorre com o cáozinho); mesmo saciado no plano bio
lógico, o homem nao se dá por satisfeito.

E por qué?

O ser humano, por sua natureza mesma, necessita nao


sómente dos bens dé que viva, mas também de urna finalidade
ou de um objetivo por que e pora que viva. O homem normal
precisa de existir em fungió de urna meta que polarize as suas
energías e o ajude a se realizar como homem. £ a tendencia
a um fím que faz com que o ser humano descubra em si valo
res latentes e os mobilize, realizando-se plenamente.

Tem suscitado eco até nossos dias o famoso Abbé (Padre)


Pierre, da Franca, o fundador das chamadas «Comunidades
de Emaus». A partir de 1945, ésse homem de Deus propds-se
recuperar os seus semelhantes vitimados pela guerra: esforne
ados, deslocados, tendo perdido seus haveres e seus familiares,
ésses homens, a fim de sobreviver, recolhiam trapos e detritos
no lixo da sociedade, considerados «lixo» por si mesmos e pelos
demais homens. O Abbé Pierre reuniu essas criaturas em co-
munidade e nao quis apenas prover aos parcos recursos (pao,
teto, roupa...) de que viveriam; quis também dar-lhes urna
razáo de ser ou urna finalidade para que vivessem. Na ver-
dade, despertou néles a consciéncia de que eram seres huma
nos, dotados de auténticos valores; disse-lhes persuasivamente
que eram capazes de dar a sociedade e nao estavam sujeitos
apenas a reoeber; o Abbé Pierre assim respondeu as aspiracóes
mais típicas de seus irmáos.

— 369 —
A vida pode tornar-se tremendamente insípida, mesmo
para quem possua tudo que garanta a subsistencia material.
Pode haver pessoas a;quem nada falte para.ser biológicamente
felizes, mas que, nao' obstante, sao inquietas e dolorosamente
vazias ou sequiosas; faltam-lhes o «por qué» e o «para qué»
da vida, valores estes sem os quais nao há felicidade.

A literatura mundial está cheia de afirmacóes désse teor:

«O fardo mais pesado é o de existir sem viver» (Vítor


Hugo, poeta francés).

«O desatino em que estáo mergulhados os homens, provém


de que á noite étes nao sabem por que se levantaram nem por
que amanhá háo de recomecar» (Doncoeur, S.J.).

«Sobre quantos túmulos de nossos contemporáneos nao se


poderiam gravar estas palavras: 'O homem que aqui repousa,
jamáis soube por que vivia'»!» (Bopp).

«O que importa na vida, nao é tanto o local em que nos


estamos, quanto a direcáo que nos tomamos» (Dolmes).

Ora ao cristáo, por excelencia, compete dar a seus irmáos


nao sómente aquilo de que vivam, mas também aquilo para
que vivam. Compete ajudá-los (tanto aos pobres como aos ma
terialmente abastados) a estruturar a sua vida, cultivando os
valores humanos do engajamento e da entrega a um ideal.
Sómente o cristáo (por dom de Deus) conhece, em toda a
medida do possivel na térra, o sentido da vida ou o «por qué»
e o apara qué» da existencia neste mundo. Sómente o cristáo
pode acenar para o Evangelho, onde aprendemos, com outras
palavras, que «conhecer a Deus é viver, e servir a Deus é
reinar». Vale a pena sacrificar-se, vale a pena nao se dobrar
para guardar lisura e ooeréncia, vale a pena viver e morrer
em prol de urna vida mais plena... Encontraremos resposta.

O Senhor todo-poderoso quis ter necessidade dos homens.


Ele quis precisar de ti, leitor amigo, ... de todos nos.

Obligado, Senhor! Nao permitas que eu frustre táo nobre


missáo. Faze-me sinal, reflexo e instrumento de tua indiável
generosidade!

E.B.

— 370 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XI — N* 129 — Setembro de 1970

I. AMIGA OU FANTASMA?

1) «Que sentido tem a morte para o Uomem de boje ?


Como paisa, o cristáo a respeito ?»

Em sintese: A morte, para muitos, é algo em que nao se pensa;


o tempo é pouco para parar e refleür, dentro dos quadros da civili-
zacfio de consumo. Para certas correntes de pensamento, porém, a
morte significa algo: o marxismo, por exemplo, a considera com seré-
nidade; pela morte o individuo transiere sua vida e suas obras para
a socledade ou o Estado, ao servico do qual ele está colocado. O
existencialismo considera a morte como algo de angustiante; Heideg-
ger julga que e preciso superar essa angustia, para se levar urna vida
auténtica; Sartre e Slmone de Beauvoir s&o mals inclinados a ceder
ao desespero diante da perspectiva da morte; quanto a Miguel Una-
muño, pensa que o homem deve resistir á perspectiva da morte e
afirmar sua espontanea aversSo á mesma, aínda que Isto seia qui-
xotesco.
Para o cristáo, a morte nao é íim nem quebra, mas consumacáo
de urna existencia que, iniciada na térra, desemboca na vida eterna
e no consorcio de Deus. O Filho de Deus, morrendo em sinal de amor
ao Pal, fez da morte de todos os cristaos, seus membros, urna rea-
íirmacáo de amor ao Pai ou um sacramento do encontró definitivo
com Deus.

Resposta: A morte é urna das magnas interrogacóes ou um


dos grandes enigmas com que o homem se defronta. Dizia o
sabio Pascal (t 1662): «Tudo o que eu sei, é que em breve hei
de morrer; entretanto o que mais ignoro, é esta mesma morte,
que nao poderei evitar» («Pensées» n» 194). Em nossos tempos,
enquanto uns ostentam indiferenca e frieza perante a perspec
tiva da morte, outros pensadores dedicam-lhe ampias conside-
racóes filosóficas.
Abaixo proporemos breve resenha de tres atitudes hoje
em día ocorrentes em relacáo á morte tora do Cristianismo;
depois examinaremos a posigáo crista (sumariamente formulada
pelo Concilio do Vaticano n na Constituicáo «Gaudium et Spes»
n« 18).

— 371 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 1

1. lnd¡feren$ci

Em muitos ambientes da sociedade contemporánea, a morte


é algo em que, voluntaria ou involuntariamente, os homens
pouco pensam.

Tal realidade pode-se oompreender, em parte, pelo fato de


que a sociedade de consumo chama constantemente a atencáo
do homem para novas realizacóes da técnica com suas perspec
tivas; o trabalho e o rendimento do trabalho ocupam e preo-
cupam, de modo que o cidadáo, sujeíto ao ritmo da sociedade
de consumo, pouco tempo tem para parar um pouco e refletir
sobre o sentido de sua existencia.

De resto, ñas grandes cidades modernas tudo é calculado


de maneira a fazer do acídente «morte> algo de despercebido
ou normalizado. A vida empolga, descortinando horizontes iné
ditos e atraentes; já se prevé o que será o cotidiano no ano 2000
e, depois, no decorrer do século XXI; váo-se debelando doencas,
de modo a prolongar mais e mais a existencia do homem sobre
a térra. Neste contexto de otimismo, a recordagáo da morte
parece estar deslocada e fadada á esterilídade.

Os inquéritos confirmam estas observacóes.

Certos grupos de operarios da Franca, interrogados a res-


peito de suas preocupacóes, responderam que, se algo os inquie-
tava, era o desemprégo, a doenga, a velhice; a morte, nunca.
Caso se lhes perguntasse explícitamente se se inquietavam com
a morte, respondiam: «Nao; nela jamáis pense» ou «Nao; é
preciso que a ela nos acostumemos, pois é fatal» (Andrieux-
-Lágnon, «L'ouvrier d'aujourd'hui». Riviére 1961, p. 153).
O Padre Babin, em urna pesquisa realizada junto aos jovens,
pode averiguar que a morte ocupa exiguo lugar entre os seus
problemas («Les jeunes et la foi» 1961).

Entre aqueles que se mostram indiferentes á morte, há os


que procuram gozar, ao máximo, da vida presente como sendo
a única existencia do homem. Seguem a recomendacáo do velho
Píndaro: «ó minha alma, nao aspires á imortalidade, mas esgota
o campo do possível». Tentam utilizar todas as chances de pra-
zer e deleite qué lhes ocorram na térra. Sao os hedonistas de
varios tipos, aos quais devem interessar as palavras de Epicuro:
«A morte nada é para nos. Quando existimos, a morte nada é;
quando a morte existe, nos é que nao existimos» (citado por
Diógenes Laércio, em «Vitae philosophorum» X 125).

— 372 —
COMO ENCABO A MORTE?

Outros há que se mantém sobrios, sacrificando o gozo aos


valores do trabalho e do ideal; poderiamos chama-Ios «estoicos»;
estoicos modernos que fazem eco aos estoicos antigos; a morte1,
para eles, é um imperativo inexorável ou também urna exprés^
sao da ordem do mundo. Por isto é preciso aceita-la com digni-
dade e resignagáo, de acordó com a exortacáo do Imperador
filósofo Marco Aurelio (t 180):

<Nfio maldigas a morte, mas dispensa-lhe urna boa acolhida, por


que ela é do número dos fenómenos que a natureza impSe... Um
homem sabio nSo mostra pela morte nem desprézo, nem repugnancia,
nem desdém. file a espera como urna das Íunc6es da natureza... O
homem deve viver segundo a natureza durante os dias que lhe sao
dados sobre a térra e, quando chega o momento da retirada, deve
submeter-se com docura, como urna oliva que, caindo, abencoa a ár-
vore que a produziu e agradece ao ramo que a carregou» («Pensa
mientos» IV 48; XI 3).

Passamos agora a

2. O pensomento morxista

Para o marxismo, a morte é um acontecimento biológico


normal. A morte do individuo nao suscita problema sentimental,
pois o individuo faz parte da sodedade e esta sobrevive ou goza
de perenidade; o individuo mortal ultrapassa-se a si mesmo,
integrando-se no Homem total que é a sociedade.
Mais precisamente: é pelo trabalho de suas máos que o
individuo constrói a sociedade e se imortaliza nela; realizando
seus planos e preparando a felicidade de geracoes vindouras,
o homem sobrevive.
O jornal «Izvestia», fazendo eco a um artigo da revista
russa atéia «Nauka I Religia» (Ciencia e Religiáo) de julho
de 1960, reconheceu, em um de seus artigos, que nao há questáo
mais importante do que a do sentido da vida, e acrescentava:

«As religioes respondem que o sentido da vida está na imortali-


dadc. Ora nos, os ateus, estamos de acordó neste ponto: sim, o sen
tido da vida está na imortalidade, nao da alma, mas dos grandes feitos,
dos grandes pensamentos, que asseguram a felicidade das geracdes
futuras» (texto citado pelo jornal «La Croix» de 24/VII/60).

Muito significativo também é o romance «O fim da lenda»


do jovem escritor russo Anatólio Kouznietsoff, que descreve
suas experiencias nos campos de trabalho da Sibéria. Lá um
companheiro mais antigo disse-lhe urna vez:

— 373 —
6 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 129/1970. qu. 1

«É preciso que tenhas um objetivo, um ideal elevado em


tua vida, e que, ao cabo desta existencia, deixes após ti o tra-
balho das tuas máos; vendo-o, os homens poderáo ser-te agra
decidos !» (p. 303).
Urna vez morto o camarada, escreveu Kouznietsoff:
«Era um homem... Ele se dissolvera na vida, todo e por
completo. Nao acumulara bens; nada deixara após si. Durante
a revolucáo, fóra maquinista de um trem blindado; depois com-
batera em Leningrado durante o céreo. Construirá usinas, trans
portara pecas de cimento para a represa de Angara. Entrega-
ra-se todo a isto.

No país inteiro, ele deheen a obra de anas máos, obra gran


diosa, embora anónima, mas fadada a viver eternamente. Por
conseguinte, que podía significar ésse montículo de térra lá,
sobre o seu túmulo, em meio as colinas ? Nada; nao era lá que
que se devia procurar Zakharytch; ele se encontrava alhures:
no ruido, e no movimento do mundo».
Depois de referir o fim da construcáo de urna represa, o
autor comenta:

«Aqueles que um día caminharem pelas estradas que nos


construimos, contemplaráo os muros de cimento que nos ergue-
mos, e sobre os quais fícaram gravadas as marcas de nossos
dedos. Jamáis saberáo quem os construiu. Dentro de alguns
decenios, quando já nao existirmos, quem pensará no paradeiro
daqueles que ai penaram ? Todavía é profundamente consolador
pensar que nossa obra 'dará testemunho de nos diante da pos-
teridade».
Eis o tipo de imortalidade que o marxismo aceita: como
os homens da pré-história, há decenios de milhares de anos,
nos deixaram vestigios de suas máos ñas grutas que habitaram,
assim posteriormente sobre as represas e construgóes modernas
os nossos descendentes deseobriráo as marcas digitais de quan-
tos tiverem trabalhado para entregar um mundo industriali
zado e feliz as geracóes futuras !
É preciso aínda considerar

3. A atitude existencialista

Ao contrario de outras correntes, o existencialismo reflete


intensamente sobre a morte. Para ele, a morte nao é simples-
mente o termo da vida, para o qual nos encaminhamos, mas

— 374 —
COMO ENCARO A MORTE?

é urna realidade qué atua em nosso intimo desde o primeiro


instante de nossa existencia; cada passo que damos na vida, é
marcado pela acáo da morte em nos... Em conseqüéncia, o
homem é um «ser-para-a-morte» (Sein-zmn-Tode), «ser-para-
-morrer», nao, porém, para morrer urna só vez, pois em cada
instante o homem se realiza como «um ser que morre».

O homem se encaminha inexoravelmente para o naufra


gio total. Ésse naufragio, porém, nao é espedñcamente humano,
pois destrói também ios outros viventes. A tragedia do homem
consiste em que ele se dirige conscientemente para o naufragio.
Encaminhando-se para a ruina total sem se poder deter, o
homem experimenta angustia (conforme Heidegger) ou náusea
(segundo a terminología de Sartre).
Que atitude entáü tomar diante da morte angustiante ?
Os existencialistas respondem com pequeñas divergencias:
a) Para Heidegger, a angustia nao deve levar ao deses
pero. É preciso superar a angustia, mediante a aceitacáo do
naufragio; extinga-se a resistencia espontanea á perspectiva
de naufragio; sámente assim se leva urna existencia auténtica.
Reconheca o homém que urna vida sem limites óu urna duracjlo
indefinida carecem de sentido; é justamente a consideracao coti
diana da morte que dá significado é. vida do homem, estimu
lando as suas energías e a sua criatívidade.
b) Sartre e Simona de Beauvoir acentuam mais a idéia
de que a morte é um absurdo que repercute em toda a existen
cia do homem. Éste é um «projeto inútil»; a vida, «um diverti-
mento sobre o nada», como diz Sartre. «Todo ser existente
nasce sem razáo, se prolonga por fraqueza e morre por acaso»
(Sartre, «La nausee» p. 174). Nada tem sentido: nem a vida,
nem a morte, tudo é igual.

Simone de Beauvoir propde reflexóes particularmente an


gustiadas :
«Para ser interessante, a vida deveria assemelhar-se a urna
ascensáo: subimos um degrau, depois outro, e cada um é feito
para o degrau seguinte... Mas, se no alto tudo desmoronar...
O progresso se tornará absurdo desde o coméco, voces nao
acham ?» («Le sang des autres», p. 67).
O homem nao pode responder ao absurdo da vida com a
resignacáo; ele tem que mostrar revolta e desespero: «A velhice
infecta também o coracáo... A morte já nao é, no decorrer
do tempo, urna aventura brutal: ela assombra o meu sonó;

— 375 —
8 gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 1

acordada, sinto a sua sombra entre o mundo e mim; ela já


comegou» (Simone de Beauvoir, «La fon» des dioses», p. 786).

c) O existencialista espanhol Miguel de Unámonos embora


reconheca que a morte é um naufragio total e angustiante, julga
que a existencia auténtica consiste nao em o aceitar, mas, sira,
em rebelar-se contra a condigno do homem dai decorrente.
Unamuno, em vez de sufocar, afirma enfáticamente a repug
nancia e a resistencia espontáneas á idéiá de perecer ou naufra
gar. Embora esta resistencia pareca vá, ele a sustenta, aceitan
do mesmo fazer o papel de D. Quixote, o qual quería matar
gigantes que eram momhos de vento: «Fagamos que o nada,
se é que nos está reservado, seja urna injustiga; pelejemos contra
o Destino, embora sem esperanga de Vitoria; pelejemos contra
ele quixotescamente» («Del sentimento trágico de la vida» c
11). Tal luta é loucura aos olhos da razáo, mas deve ser lutada;
sómente assim se vive urna vida auténtica e suportável. Unamu
no faz de D. Quixote o seu mito e pergunta a si mesmo por
que nao quér morrer e se rebela. Para ele, a vontade de nao
morrer é talvez o caminho pelo qual o homem poderá chegar
á verdadeira imortalidade: «É preciso crer talvez na outra vida
para merecé-la, para consegui-la; talvez nao a mereca nem a
consiga quem nao a deseja passando por cima da razáo ou, se
fór necessário, opondo-se á razáo» («Del sentimiento trágico
de la vida», c. 10).

O que há de interessante nesta posigáo, é que Unamuno


valoriza a aspiracáo espontánea de todo homem á vida e h imor
talidade; ele eré que a instintiva resistencia a idéia de nau
fragio total talvez nao seja absurda, mas encontré um eco ou
urna resposta positiva (haverá um Deus que responda ao brado
espontáneo de todo homem que quer viver ?).

Após éste percurso de opinióes, podemos voltar-nos para


a posigáo crista frente á questáo da morte.

4. A Knguagem crista

O Concilio do Vaticano II, tendo em vista a problemática


moderna relativa á morte, principalmente como é colocada pelo
exietencialismo, procurou tragar as grandes linhas do pensa-
mento cristáo sobre o assunto. Cf. Constituigáo «Gaudium et
Spes» n» 18.

— 376 —
COMO ENCARO A MORTE?

1. Eis parte do texto do Concillo:

«É por acertada insplrac&o do seu coracao que o homem afasta


com horror e repele a ruina total e a morte definitiva de sua pessoa.
A sementé de etemldade que ele traz dentro de si, irredutivel a ma
teria apenas, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas da técnica,
aínda que utllíssimas, nSo conseguem acalmar a angustia do homem.
Pote a longevldade que a biología lhe obtém, nSo satisfaz ao desejo
de viver sempre mais que existe inelutavelmente em seu corac3o>
(Const. «Gaudium et Spes» n' 18).

Vé-se que o cristáo supera a antltese estabelédda por Uha-


muno entre cabeca e coracáo: a espontánea resistencia do
homem a idéia de naufragio total vem a ser, para ele, um argu
mento em favor da imortalidade ou da sobrevivencia da pessoa
após a morte.

Essa resistencia, para o cristáo, nao significa médo, como


para o existendalismo clássico, nem é algo de inseguro ou
ambiguo, mas algo de profundamente positivo: é o indicio de
que o homem possui em si urna «sementé de imortalidade», ou
seja, urna alma espiritual, que nao se pode reduzir á materia;
quando esta (o corpo humano) se decompóe, a alma do homem
se conserva em vida.
Pergunta-se, porém: por que dar tanta importancia & resis
tencia que ©pomos & idéia de desaparecimento total ?
Porque essa resistencia é algo de inato em todo e qualquer
homem; se ela fósse va, a natureza do homem nao estaña reta-
mente arquitetada; ela seria algo de ilógico ou absurdo, seria
um clamor sem eco ou urna grande questáo subsistente sem
resposta. Consecuentemente, tornar-se-ia impossível filosofar
a respeito da natureza humana, ou seja, procurar sondá-la medi
ante o raciocinio e as leis da lógica.
Ademáis verifica-se que as grandes aspiracóes ou os gran
des «apetites» da natureza jamáis sao frustrados:
se há ólho, que por toda a sua estrutura pede luz, existe
luz para responder-lhe;
se há ouvido, que pede som, existe o som como resposta;
se há pulmáo, que pede ar, existe o ar;
se há estómago, que espera alimento, existe alimento;
se existe agulha magnética que pede o seu polo Norte,
inquieta e agitada, existe o polo Norte que a atrai e lhe permite
repousar quando para ele se volta.

— 377 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 129/1970. qu. 1

Por conseguinte, também, se há no homem instinto de


imortalidade, existe a imortalidade para a qual ele apela espon
táneamente. O homem traz dentro de si urna alma imortaJ, de
modo que a morte física, longe de ser fím do homem, é a con-
sumacáo da sua existencia.

2. O cristáo, porém, nao encara a morte apenas do ponto


de vista filosófico ou racional; éste aínda deixa abertas impor
tantes questóes. É á luz da Palavra de Deus que a mensagem
crista, em última análise, se orienta. Essa palavra proferida,
por excelencia, por Jesús Cristo é acompanhaüa de credenciais
históricas que corroboram sua autentícidade e autoridade. «A
qualquer homem que reflita, a fé, apresentada com argumen
tos sólidos, oferece resposta á angustia sobre a sorte futura»
(Const. «Gaudium et Spes» n« 18).
Em verdade, a fé ensina duas proposigóes a respeito da
morte :

a) O homem foi destinado por Deus a urna felicidade a


ser alcanzada após a morte. Com efeito, a Biblia promete aos
fiéis de Deus a vida, entendida nao apenas como duracáo ou
prolongamento da existencia, mas como o conjunto de bens
aptos a saciar as aspiragóes naturais do homem; cf. SI 15, 11;
Mt 19,17.29; At 13,48.

b) A morte é um fenómeno natural. Todavía Deus quis


¡sentar déla o homem, de modo que a morte hoje existe no
mundo em conseqüéncia de urna desordem infligida pelo homem
á ordem de coisas Inicial; a morte veio a ser a conseqüéncia
do primeiro pecado.

Ela nao será, porém, a palavra última e definitiva da


historia. Deus quis restaurar a ordem violada; por isto Ele
assumiu em Cristo a natureza do homem com suas miserias
físicas. Passando pela morte, Jesús Cristo mudou-lhe o sentido:
a morte, que era O sinal do pecado ou a manifestagáo da révolta
contra Deus, tornou-se a expressáo da total entrega ao Pai
no amor.

Por conseguinte, a morte, para o cristáo, deixou de ser


mera sancáo infligida pela justica divina; ela é passagem para
0 consorcio definitivo com Deus, desde que o cristáo se una
ao Senhor Jesús mediante os sacramentos do Batismo e da
Eucaristía; morrer em Cristo ou com Cristo (cf. 1 Tes 4, 16;
1 Cor 15, 18) significa entrar na posse irrefragável da vida:
«Se morrermos com Cristo, eremos que também viveremos com
Ele» (Rom 6,8).

— 378 —
COMO ENCARO A MORTE? 11

Por isto pode-se dizer que a morte é o sacramento do nosso


encontró supremo com Deus, encontró que rematará a acáo
imaada pelo Batismo e a Eucaristía. Compreende-se assim a
exckmacáo do Apocalipse: «Felfees os mortos que morrem no
Senhor!» (14,13).
Eis o texto conciliar em foco:

«Enquanto tóda imaginacSo fracassa dlante da morte, a Igreja


coñudo, instruida pela Revelacáo divina, afirma que o homem foi
^52? Pf.Deus Para «" *» «* além dos limites da miseria te™
restre. Mais ainda: ensina a íé crista que a morte corporal, da qual
o homem seria subtraido se nSo üvesse pecado, será vencida um dia.
quando a salvacao perdida pela culpa do homem lhe fflr restituida
por seu onipotente e misericordioso Salvador. Pois Deus chamou e
chama o homem para que ele, com a sua natureza inteira, dé sua
adesao a Deus na comunhSo perpetua da incorruptivel vida divina
Cristo conseguiu esta Vitoria por sua morte, libertando o homem da
morte e ressuscitando para a vida. Para qualquer homem que reflete
apresentada com argumentos sólidos, a fé dá urna resposta á angustia
sobre a sorte futura. Ao mesmo tempo oferece a possibilidade de
comunicar-se em Cristo com os lrmSos queridos já arrebatados pela
morte, trazendo a esperanca de que éles tenham alcancado a verda-
deira vida junto de Deus» (Const. «Gaudium et Spes» n' 18)

5. Teología moderna

Os teólogos católicos contemporáneos tém procurado expor


o conceito cristáo de morte servindo-se do vocabulario e das
categorías de pensamento da filosofía moderna. É obvio que
nao negam, mas afirmam com clareza, a sobrevivencia do ser
humano e a vida eterna. O que lhes interessa, é a sorte do
homem no momento preciso da morte.
Oassicamente diz-se que, por ocasiáo da morte do homem,
a alma se separa do corpo. Éste, achando-se desgastado ou
tesado, pode nao oferecer mais as condigóes para que a alma
néle exerca as funcóes vitáis; neste caso, a alma se separa do
corpo, comparecendo diante de Deus (que a julga), ao passo
que a materia do corpo se decompóe, reduzindo-se a cinzas.
Ora a idéia de alma separada do corpo nao corresponde as cate
gorías de pensamento da filosofía moderna: hoje em dia os
filósofos preferem considerar o homem como um todo, evitando
a distincáo entre corpo e alma. Em conseqüéncia há teólogos
católicos que fazem reservas ao conceito de alma humana (ser
puramente espiritual) separada do corpo; sem negar a existen
cia da alma e a sua sobrevivencia após a morte do composto,
julgam que a alma conserva sempre urna rela$áo oom a corpo-

— 379 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 1

reidade. Demos a palavra a abalizado porta-voz desta nova


concepgáo:

«Nao se segué que (com a morte do homem) seja aniquilado (o


seu principio vital) nuraa vlsáo puramente materialista; contudo nSo
permanece um principio espiritual, como puro espirito. O principio
espiritual humano so existiu como principio de urna corporeldade indi
vidualizada, que por sua vez existe dentro de um cosmo. Rompida
esta relacSo com a corporeidade individualizada, éste principio espiri
tual deverá manter urna relacáo com o mundo corpóreo cósmico, de
modo mais ampio e profundo, aínda que nao carente de misterio para
nos. Na morte, diz K. Rahner, a alma adquire urna proximidade malor
e urna relacáo interna com o núcleo real da unldade do mundo — rea-
lldade difícil de conceber-se —, no qual todas as coisas do mundo se
comunicam entre si por mutua influencia» (J. B. Llbanio, «ReflexSes
teológicas sdbre a morte>, em «Atualizacáo» n' 3, fevereiro de 1970,
pp. 15-24).

A propósito destas observagóes, parece que se pode dizer


serenamente que elas sao obscuras; nao se vé bem o que as
palavras assim arquitetadas possam significar de objetivo e
real (os seus próprios autores reconhecem tratar de misterio
ou de realidade difícil!). Na verdade, pode-se afirmar que a
alma humana, embora seja meramente espiritual, foi criada
para determinado corpo e para se realizar neste mundo mate
rial; ela nao foi concebida como anjo, mas conserva sempre
urna relagáo com seu corpo; em conseqüénda, sabemos que a
Sabedoria Divina a reunirá ao corpo no dia da ressurreigáo
final. Disto, porém, nao se segué que. a alma deva permanecer
unida a alguma corporeidade após a morte; que corporeidade
seria essa ? (Note-se que «corporeidade» é um substantivo abs-
trato). Os próprios arautos dessa tese nao o sabem explicar,
como se depreende dos textos atrás citados.

Nao se diga que a concepcáo de alma separada do corpo


nao é bíblica, mas paga ou platónica; em «P. R.» 123/1970,
pp. 110-114 sao aduzidos varios textos bíblicos que demonstram
como a Escritura propóe a distincáo entre corpo (materia) e
alma (espirito). Esta distincáo parece merente a urna visáo
crista e teológica do ser humano. Ela nada tem que ver com
dualismo maniqueu ou gnóstico nem com a filosofía platónica,
pois nao significa que o corpo seja algo de mau em oposigáo á
alma humana. O Cristianismo nao é pessimista em relacáo á
materia, mas ele admite que a alma humana transcende a maté*
ría, embora só se realize como tal em uniáo com a materia.

— 380 —
COMO ENCARO A MORTE? 13

6. Reflexoo final

A morte é, sem dúvida, um acontedmento de inestimável


importancia para todo homem. É por ela que o homem se torna,
ao máximo, um misterio para si mesmo, misterio que só Deus
pode esclareosr.
Quem eré em Jesús Cristo, ou seja, o cristáo, poderá dizer
que no Cristianismo a morte é valorizada como salvacio ou
entrada na verdadeira vida, Paradoxalmente, o Cristianismo é
a Religiáo que faz da morte de um homem (um homem-Deus,
Jesús Cristo) o acontecimento fundamental da historia da sal-
vacáo como também da historia universal.

Aos olhos da fé, portante, e sómente aos olhos da fé, a


morte toma seu sentido pleno. É o que se pode perceber no
seguinte documento:
No inicio do século n, o bispo S. Inácio de Antioquia
(t cérea de 110) foi levado a Roma para ser entregue as feras
no Coliseu em testemunho a Cristo. Sabedor de que seus amigos
pelejavam para libertá-lo da morte, escreveu-lhes:
«É bom para mim morrer a fím de me unir ao Cristo
Jesús... Aproxima-se o momento em que serei dado á luz.
Perdoai-me, irmáos. Nao ponhais empedlho a que eu viva; nao
queirais que eu morra» (Aos Romanos 6,ls).
É da eternidade que o cristáo vive, trazendo-a implantada
em seu intimo. Em tal quadro, a morte se torna meta ardente-
mente desejada:
«Escrevo-vos, possuido do amor da morte;... há em mim
urna agua viva que fala e dentro de mim diz: Vem para 'o Pai»
(S. Inácio de Antioquia, Aos Romanos 7,2; a agua viva é, con
forme Jo 7, 37-39, símbolo do Espirito Santo).
Sereno, pois, e alegre, caminha o cristáo na térra de encon
tró ao seu nascimento para a vida eterna; a sua fé lhe ensina
quáo verídicas sao as palavras do grande Lacordaire:
«Aceitar voluntariamente a morte é, na crdem moral, o
ápice da grandeza. Por isto urna das leis déste mundo reza que
aqueles que querem morrer sao os mestres daqueles que querem
viver» («Panégyrique du B. P. Fournier»).

Bibliografía:

C. Pozo, «Teología del más allá», em 'Biblioteca de Autores Cris


tianos» n* 282.

— 381 —
14 «PERPUNTEJE RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

E. Bettencourt, «A vida que comega com a morte». Rio de Janeiro,


1958.
J. B. Libanio, iReílexdes teológicas sobro a morte*. em «Atualiza-
qüo» n* 3, íevereiro 1970, pp. 15-24.
K. Rahner, «Zur Theologle des Todes». Freiburg, 1965.
ídem, «Tod», era «Sacramentum Mundi» IV. Freiburg i./Br. 1969,
920-27.
L. Boros, «Mysterium mortís. Der Mensch in der letzten Entschei-
dung». Olten Freiburg, 1966.
•iLa Vie Spirituelle. Supplément» n« 77, mal 1966: «La perspecüve
de la mort».
«La Vie Spirituelle, t. XVIII, n» 492, mars 1963: «Le sens chréüen
de la mortp.
«Christus. Cahiers Spirituels» n' 34, avril 1961: «La mort».
M. Rocha, «Quem é éste homem?». Sao Paulo 1970.

II. NASCER E RENASCER

2) «O Batismo é dito 'o sacramento da fé'. Sopóe que o


candidato tenha aceito o Evangelho.
Como entao' se podem balizar criancinhas incapazes de
eonceber a fé ?»

Em sfrtese: A Escritura nao refere explícitamente o batismo de


criancas. Todavía narra que varios personagens pagaos professaram
a íé crista e se fizeram batlzar «com toda a sua casa» (cf. At 10,1-
-2.24.44.47-48; At 16,13-15; At 1631-33; At 18,8; 1 Cor 1,16). A ex-
pressáo «casa» (dómus. ólkos) tinha sentido pregnante na antigüidade:
designava o chefe da familia com todos os seus domésticos, inclusive
as criancas (que geralmente nao faltavam). Indiretamente, pois, as
Escrituras sugerem o Batismo de criancas.
Esta impressáo se confirma desde que se considere que os judeus
batizavam os filhos pequeninos dos pagaos que aderissem á fé de
Israel. Ademáis, na passagem de Mt 19,13-15, Jesús chama a si as
criancinhas, pedindo que os Apostólos nao as impegam; o verbo «im
pedir» (hoolyeln) era técnico na linguagem batismal (cf. At 836;
10,47; 11,17; Mt 3,14).
As crianzas eram, e sao, batizadas em vista da íé de seus geni
tores, padrinhos ou, em suma, de toda a Igreja. Esta fé é útil as cri
ancinhas que nao a podem eonceber, como insinúa o Evangelho ñas
passagens em que Jesús beneficia a uns impotentes (mortos, ausentes
ou enfermos) mediante a fé de outros. A Tradicáo sempre lembrou
éste procedimento do Senhor.

— 382 —
BATEAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 15

A razáo por que a Igreja até hoje insiste no Batismo (urgente)


das criancas, procede do íato de que o Batismo é o meio normal, ins
tituido por Deus, para comunicar aos homens a vida sobrenatural ou
a liliacao divina, que os habilita a ver a Deus face a face após a
morte. Sem Batismo a crlandnha é simplesmente herdeira do estado
em que o primeiro pecado colocou a humanidade.
Deve-se, porém, reconhecer que Deus pode, por vias ocultas, fazer
que as criancinhas se salvem, mesmo que morram sem o Batismo;
todavía nao se pode basear a praxe pastoral sobre conjeturas; é ne-
cessário seguir os meios instaurados e recomendados pelo próprio
Cristo. *

Besposta: A questáo ácima é freqüentemente Iancada


nos tempos atuais, em que se procura renovar salutarmente a
praxe pastoral da Igreja. Os pastores de almas e teólogos dese-
jam que os sacramentos sejam ritos chelos de significado, alheios
a formalismo vazio; dai especial atencáo ao Batismo, que habi-
tualmente, por rigorosa prescricáo da Igreja, se administra
aos pequeninos.
O assunto será abaixo considerado em tros etapas: 1) o
problema; 2) linhas de solucáo (a voz das Escrituras); 3) urna
objecáo; 4) razóes positivas.

1. O problema

Nao é sómente entre católicos que últimamente se discute


a conveniencia de dar o Batismo as criancas. O problema foi
lancado entre os protestantes contemporáneos, dos quais as
denominagóes mais antigás (luteranos, presbiterianos, meto
distas. ..) administram o «sacramento da fé» as criancas.
Entre os estudiosos náo-católicos do assunto, destaca-se
Karl Barth, que em 1943 publicou, a guisa de manifestó inci
sivo, a obra «Die Idrchliche Lehre van der Taufe» CA doutrina
da Igreja a respeito do Batismo). Éste livro reforcou a posicáo
de certos pregadores do sáculo XVI, atacando veementemente
o chamado «pedobatismo» (pedo vem de país, paidós, enanca,
em grego). Em breve, Barth dizia que a praxe de batizar os
pequeños se deriva do conceito de «Tgreja multitudinista», isto
é, Igreja que prefere o grande número k qualidade de seus
adeptos; tal «Igreja» nao exige condicóes previas para dar o
Batismo, recrutando-se de criancas que nao podem nem conhe-
cer nem querer o «ser cristáo». A tal nocáo de Igreja, Barth
opóe a de «Igreja confessante», Igreja que considera o Batismo

— 383 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

como um ato de fé e um compromisso pessoais, acessiveis


apenas aos adultos.

A obra de K Barth desencadeou ecos favoráveis a si, na


literatura protestante. Theo Preiss, por exemplo, julga que o
pedobatismo pode ser equiparado á magia ou a urna especie de
falso «seguro para a vida eterna».

A critica movida pela ala barthiana do protestantismo


suscitou réplicas nao menos calorosas por parte de outros e
abalizados protestantes. Estes esmeraram-se por sondar as
Escrituras a fim de nelas descobrir os fundamentos bíblicos
do Batismo das enancas; perscrutaram também os documentos
da antiga tradicao crista, trazendo assim ampio material e judi-
ciosas reflexóes á apreciacáo dos teólogos em geral. Sendo
assim, o estudo da questáo entre católicos se pode beneficiar
dos resultados formulados nao sómente por exegetas católicos,
mas também por eruditos protestantes como Osear Cullmann,
Joachim Jeremías, H. Grossmann, Michel, Jean-Jacques von
AUmen.

O problema hoje em dia pode ser assim formulado:

Nos livros do Novo Testamento nao se menciona o Batismo


sem mencionar também a fé,... geralmente urna profissáo de
fé anterior ao sacramento; o Batismo tornou-se assim o «sacra
mento da fé» por excelencia. Tenha-se em vista, entre outros,
o texto de Me 16,16 («Quem crer e fór batizado, será salvo»).

Ao problema que assim se póe, sejam indicadas as

2. Linhas de solugáo

Procederemos por etapas: sobriedade do Novo Testamento,


os textos bíblicos, o fundo de cena judaico, Jesús e as enancas
no Evangelho.

2.1. A sobriedade do Novo Testamento

Antes de entrarmos no exame dos textos bíblicos concer-


nentes ao Batismo, importa observar o segutnte:

a) A S. Escritura nos consignou informagóes esporádicas


e ocasionáis a respeito da vida da Igreja primitiva; os autores
sagrados nao intencionavam relatar tudo que entao ocorria, mas

— 384 —
BATIZAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 17

em seus escritos apenas abordavam temas a proposito dos quais


seus leitores imediatos precisavam de esclaredmentos. Dai a
índole incompleta das noticias bíblicas a propósito do Batismo.
Tenha-se em vista, de modo especial, a breve alusáo que Sao
Paulo, ao tratar de assunto muito diverso (a ressurreicáo da
carne), faz ao «Batismo pelos mortos» :

«(Se Cristo n5o ressuscitou), que proveíto alcancariam aqueles que


se fazem batízar em favor dos morios? Se os mortos nao ressuscitam,
por que se fazem batízar em favor déles?» (1 Cor 15, 29).

Ficamos assim sabendo, de maneira ocasional, que em


Corinto alguns cristáos praticavam o Batismo em favor dos
mortos. Sao Paulo nao explica em que tenha consistido tal
praxe (nao a aprova nem reprova; varias sao as hipóteses dos
comentadores desejosos de explicar ésse uso). Desta observa-
gao pode-se concluir que, aínda que a Igreja antiga tenha pra-
ticado o Batismo das criancas, nao se deve pretender encon
trar necessáriamente a mencáo de tal praxe na S. Escritura.
O silencio da Biblia a respeito de determinado tópico nao é obri-
gatdriamente equivalente a urna negagáo désse tópico. Ao
contrario, o silencio do Novo Testamento a respeito do pedo-
batismo é bem compatível com a praxe do Batismo das criancas;
com efeito, quando os escritores cristáos de épocas posteriores
(séc. m, por exemplo) aludem explícitamente a tal praxe,
nao manifestam indicios de que tenha sido urna inovacáo; nao
há noticia de que tenha provocado admiragáo ou contradicáo.
Ao contrario, Orígenes (após 244) chega a atribuir aos Apos
tólos o costume de batizar críangas: «A Igreja recebeu dos Apos
tólos a tradiQáo de dar o Batismo aos pequeninos» («In Rom»
5,9 PG 14, 1047).

b) As circunstancias mesmas em que se desenrolava a


vida das primeiras comunidades cristas, explicam muito bem
que o Batismo das criancas nao se tenha apresentado como
questáo de primeiro plano. Como em todo territorio de missáo
ainda hoje, era aos adultos que os Apostólos e pregadores do
sáculo I se dirigiam quando chegavam a determinada cidade
para anunciar o Evangelho; nao havia familias cristas cujos
filhos pudessem ser batízados pelos missionários, mas era pre
ciso constituir tais familias apregoando aos adultos a Boa-
-Nova. De antemSo, portante, vé-se que os casos de Batismo de
criancas só se podiam tornar normáis na segunda geragáo cris
ta, ou seja, em época que em grande parte já escapa ao ám
bito do Novo Testamento.

— 385 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

Feitas tais ponderagóes, passemos á consideracáo de

2.2. Os textos bíblicos do Novo Testamento

Verdade é que a S. Escritura nao menciona explícita


mente o Batismo de enancas. Também é verdade que, nos ca
sos de conversáo individual de adultos (tais eram os casos
mais obvios), os Apostólos exigiam unía profissáo de fé pre
via ao Batismo.

Note-se, porém, que havia na Igreja antiga casos de con


versáo coletiva (alguém abracava o Evangelho «com todos os
seus» ou «tóda a sua casa, toda a sua familia»). Em tais casos,
diz a Escritura, era o chefe de familia quem professava a fé
em nome de todos; após o que o esposo e pai recebia o Batismo
com todos os seus.

Levem-se em conta os seguintes textos, que referem con-


versóes coletivas:

At 10, 1-2. 24. 44. 47s: «Havia em Cesaréia um homem


chamado Cornélio, que era centuriáo da coorte denominada
itálica. Piedoso e temente a Deus, como também toda a sua
familia, dava militas esmolas ao povo e orava a Deus assi-
duamente...

Pedro chegou a Cesaréia um dia depois. Cornélio espe-


rava-o e tinha reunido seus párente» e seus amigos mais ín
timos. ..

Aínda Pedro nao tinha acabado de falar e o Espirito Santo


desceu sobre todos os que lhe ouviam a palavra...

Disse entáo Pedro : 'Pode porventura alguém recusar agua


para serem balizadas estas pessoas que receberam o Espirito
Santo, do mesmo modo que nos o recebemos ?' E ordenou qtte
fóssem balizados em nome de Jesús Cristo».
At 16,13-15 : «No sábado, saímos (Paulo, Timoteo e Lucas)
pela porta da cidade e fomos á margena de um rio, que supú-
nhamos ser lugar de oracáo. Sentamo-nos e comecamos a
falar és mulheres que ali se tinham reunido. Escutava-nos
certa mulher, chamada Lidia, vendedora de púrpura, natu
ral da cidade de Tiatira, e adoradora de Deus. O Senhor abriu-
-Ihe o corado, dispondo-a para atender ao que Paulo dizia.
Depois de ter sido batízada, juntamente ootn sua famPfa, ela
nos fez éste pedido: 'Se julgastes que tenho fé no Senhor,
entrai em minha casa e habitai nela1».

— 386 —
BATIZAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 19

At 16, 31-33: «Paulo e Silas disseram ao carcereiro de


Filipos: 'Cré no Senhor Jesús e serás salvo, tu e tua familia'.
£ anunciaram-lhe a palavra do Senhor, assim como a todos os
qne estavam em sna casai. Tomando-os consigo aínda naquela
hora da noite, o carcereiro lavou-lhes as chagas e, logo em se
guida, foi batizado junto com toda a soa familia».

At 18, 8: «Crispo, chefe da sinagoga de Corinto, creu no


Senhor com toda a sna familia. E mtdtos corintios, ouvindo a
Paulo, abragavam a fé e eram batizados».

1 Cor 1, 16: «Batizei também a familia de Estéfcuras. No


mais, nao sei se batizei algum outro dentre vos».

Em tais casos de conversáo coletiva, nao se pode provar


apodicticamente que havia fílhos pequeninos em «casa» e que
tais criangas itenham sido batizadas. Pode-se, porém, admitir
com verossemelhanca que tal se tenha dado: a «casa» (óikos,
em grego, domos, em latím), para os antigos, era a familia
com todos os seus domésticos, as vézes muito numerosos, dos
quais faziam parte as crianzas e os bebés (embora desprezí-
veis, no oonceito dos gregos e romanos).

Por conseguinte, embora nao haja prova de que os tex


tos bíblicos atrás citados suponham a existencia de criangas
e o Batismo das mesmas ñas casas de Comélio, lidia, Crispo,
Estéfanas e do carcereiro de Filipos, ésses elementos fícam
sendo nao sámente possiveis e verossimeis, mas positiva
mente prováveis; basta recolocar tais textos em seu contexto
histórico — em seu «Sitz im Leben» (posicjáo na vida) — para
que se tornem muito sugestivos.

A conclusáo assim deduzida é corroborada mediante a con-


sideracáo de

2.3. O fundo de cena judaico

Os judeus, embora professassem urna religiáo nacional,


baseada sobre o vinculo do sangue, admitíam estrangeiros ou
pagaos á confissáo da fé israelita; tais eram chamados «pro
sélitos». Sabe-se que a agregacáo dos prosélitos ao judaismo
compreendia tres ritos: a circuncisáo, o Batismo e o sacrificio.

Ora eis como procediam os israelitas em relacáo aos filhos


pequeninos dos seus prosélitos : nao batizavam as enancas cujo
nascimento fósse posterior á conversáo dos genitores; batiza
vam, porém, juntamente com os pais, os filhos, pequeninos e

— 387 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 2

grandes, nascidos antes que os genitores fóssem incorporados


ao povo de Deus; julgavam que tais criancas nao eram «filhos
de santos» e deviam, mediante o Batismo, ser consagradas a
Deus.

O Cristianismo afastou-se, sem dúvida, do judaismo, reco-


nhecendo Jesús como Messias. Todavía os cristáos conserva-
ram nao poucos costumes da Sinagoga, desde que fóssem com-
patíveis com a fé e a moral cristas. Nao seria, pois, para
estranhar que os cristáos tivessem continuado (como, de fato,
parecem ter continuado) a administrar o Batismo as enancas.
Verifica-se, alias, que os costumes adotados pelos cristáos no
seu Ritual de Batismo reproduzem, em boa parte, costumes dos
judeus: assim a instrugáo dada previamente ao Batismo, o
jejum antes da administragáo do rito, a renuncia, por parte
do candidato, a Satanás (á iniqüidade), a promessa de aderir
a Cristo (á Lei de Deus, segundo a praxe israelita), o mer-
gulho em agua viva ou fluvial, a imposigáo de veste branca e
de coroa... Tendo em vista a afinidade de ritos batimais
vigentes entre judeus e cristáos, os estudiosos (nao sómente
católicos, mas também protestantes) consideram o Batismo de
criancas na Igreja primitiva como algo de altamente provável,
quando se tratava de pequeninos cujos pais se convertiam a
Cristo com «toda a sua casa».
O autor protestante H. Grossmann chega a julgar que «as
Escrituras Sagradas do Novo Testamento deveriam conter urna
proibicáo explícita do Batismo das criancas, caso ele nao estí-
vesse em uso entre os cristáos, tanto se achava difundida ñas
comunidades judaicas a praxe de batizar criancas» («Ein Ja
zur Kindertaufe». Zürich 1944, p. 14).
Tal sentenca se torna ainda mais provável desde que
se leve em conta a solidariedade que caracterizava a familia
antiga, Essa uniáo ou mesmo essa unidade da «casa» fazia
que todos os membros da familia passassem a compartilhar a
fé do chefe da casa quando éste se tornava cristáo; essa uni
dade sugere também, no caso que nos interessa, o Batismo
dos pequeninos, como exigía a circuncisáo dos primogénitos
nos tempos pré-cristáos K Reconhecem os estudiosos que o fato
de que os judeus, obedecendo á Lei do Senhor, circuncidavam

i S. Inácio de Anüoqula (t 107) saudava «as casas de (seus) irmáos


com sua3 mulheres e seus filhos» (cAos Esmirnenses» 13,1); saudava
também «a viúva de Epitropo com toda a casa déla e de seus filhos»
(«A Pollcarpo» 8,2). Nestes textos aparecem os filhos explícitamente
incorporados á «casa». .

— 388 —
BATTZAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 21

seus filhos pequeninos, influiu positivamente na praxe crista


de dar o Batismo as criangas.
As idéias até aquí propostas aínda podem-se tornar mais
claras mediante ulterior consideracáo:

2.4. Jesús e os criongas

Merecem particular atencáo os textos do Novo Tes-


mento que apresentam Jesús em contato com criangas.
A passagem mais sugestiva é a de Mt 19,13-15:
«Apresentaram a Jesús alguns meninos para que Ihes im-
pusesse as máos e rezasse por éles. Como os discípulos ten-
tassem repeli-los, Jesús Ihes disse: 'Deixai os pequeninos, nao
impeláis que venbam a mbn, porque o reino do céu pertence
a tais como estes*. Impós-lhes as máos e afastou-se dali» (cf.
Me 10,13-16¡ Le 18,15-17).
Nestes versículos a palavra «impedir» (koolyein, em gre-
go), que ocorre igualmente nos textos de Me e Le, é de especial
importancia. Reaparece no Novo Testamento quando éste fala
do Batismo; tenham-se, por exemplo, em vista os textos se-
guintes:

At 8,35-38: «Filipe... anunciou ao eunuco a. Boa-Nova


de Jesús. Seguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde
havia agua. 'Eis aqui agua!, disse o eunuco. Que empedlho
existe para que eu seja batizado ?' Mandou parar o coche e
ambos — Filipe e o eunuco — desceram á agua e Filipe a
batizou».

At 10,47: «Disse Pedro: 'Pode porventura alguém re


cusar (koolyein) agua para serem batizadas estas pessoas que
receberam o Espirito Santo, do mesmo modo que nos o rece
bemos ?'»
At 11,17 : «Disse Pedro: 'Se, portante, Deus Ihes conce-
deu o mesmo dom que a nos, por terem acreditado no Senhor
Jesús Cristo, quem era eu, para que me pudesse opor (kooly-
sai) a Deus ?'»
Mt 3,13s: «Veio Jesús da Galiléia ao Jordáo e apresen-
tou-se a Joáo para ser batizado por ele : Joáo se opunha
(diekoolyen), dizendo: 'Eu é que devo ser batizado por vos,
e vos viñdes a mim !'»
Analisando tais textos, os exegetas julgam que o verbo
koolyein (impedir) devia ser urna expressáo técnica do ritual

— á89 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 2

de Batismo da antíga Igreja; signlficava «impedir alguém de


ser batizado». Mais precisamente: denegar a alguém o cate-
cumenato após o exame (escrutinio) que sempre precedía o
Batismo, «reprovar alguém» nesse exame era o mesmo que
«impedir» ou koolyein.

Ora, verificando que koolyein ocorre nos labios de Jesús


que chama as criancas a si, nao poucos estudiosos julgam que
os textos de Mt 19,13-15; Me 10,13-16; Le 18,15-17 podem con
firmar a praxe do Batismo das criancas na Igreja primitiva.
Note-se ainda que Le, referindo-se as criancinhas em 18,15-17,
nao usa o substantivo grego paidía, mas, sim, brephé, que é
mais significativo ainda, pois designa o bebé.

A propósito tenhase em vista a bibliografía:


O. Cullmann, «Les traces d'une vieille formule baptismale dans le
Nouveau Testamento, em «Revue d'Hlstoire et de Phllosophie Reli-
gieuse» 1937, pp. 424-434.
Id., «Le baptéme des eníants», pp. 63-70.
J. Jeremías, «Die Klndertaufe...», pp. 61-68.
Id., «Mark 10:13-16, Par., und die Übung der Kindertaufe in der
Urklrche», em «Zeitschrlít für dle neutestamentllche Wissenschaft» 1941,
pp. 243-245.

Leve-se em consideracáo outrossim o fato de que Jesús


declara os pequeninos aptos ao Reino dos Céus, de tal modo
que a atitude candida, confiante e humilde das criancas diante
do Pai Celeste vem a ser modelo para os adultos. Assirn, por
exemplo, diz o Senhor :

«Em verdade vos digo, se nao voltardes a ser como as


criancinhas, nao pederéis entrar no reino dos céus. Quem, pois,
se fizer humilde como éste menino, será o maior no reino dos
céus. Quem receber um menino como éste, em meu nome, é a
Mim que receberá» (Mt 18,3-5).
«E, tomando um menino, Jesús colocou-o no meio déles,
abracou-o e disse-lhes: 'Quem receber um déstes pequeninos
em meu nome, é a Mim que receberá; e quem Me receber, nao
receberá a Mim, mas áquele que me enviou'» {Me 9,36).
Esta claro que nao se poderiam interpretar o gesto e as
palavras de Jesús favoráveis as criancas como sendo a pro-
mulgacáo do pedobatismo. £ plausível, porém, admitir o se-
guinte: é possivel que nos prímeiros decenios da Igreja tenha
sido suscitada ñas comunidades cristas alguma dúvida sobre
a oportunidade de balizar as crlangas. Em conseqüencia, os

_ 390 —
BATEAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 23

Apostólos e pregadores teráo lembrado aos fiéis o episodio de


Mt 18,3-5, que proporcionava luz para a solucáo da dúvida.
Esta conclusáo torna-se aínda mais plausivel, desde que
se considere que o episodio de Mt 19,13-15; Me 10,13-16; Le 18,
15-17 foi, logo nos primeiros sáculos da Igreja, evocado pelos
escritores cristáos a fím de fundamentar o Batismo das crian-
cas (assim fizeram, por exemplo, Tertuliano, no «De Baptismo»
18; S. Agostinho, no sermáo 174,9). Tal dado histórico é assim
comentado pelo exegeta protestante O. Cullmann:
«Éste fato prova que tal relacionamento (entre Mt 19
e o Batismo) era umversalmente aceito desde os primeiros tem-
pos do Cristianismo» («Le Baptéme des enfants», pp. 67s).

3. Urna ob¡e;ao :... e a fé ?

A principal dificuldade movida contra o Batismo das crian-


cas parte do principio de que a fé é necessária & recepeáo do
sacramento.

Pergunta-se, portante: ainda que os antigos cristáos te-


nham batízado enancas, pode-se até hoje sustentar tal praxe,
dado que os pequeninos sao incapazes de conhecer a fé ?
Em resposta, observa-se o seguinte :
— É certo que a fé está associada ao Batismo no sentido
de que o neófito, em conseqüéncia do seu Batismo, está obri-
gado a viver e testemunhar a fé. A S. Escritura, porém, nao
obriga a dizer que se requer, da parte do candidato ao Batis
mo, uma previa profissáo de fé. Com efeito, sejam de novo
recordados os textos bíblicos segundo os quais toda uma fami
lia é baüzada após a profissáo de fé do respectivo chefe.
Tenham-se em vista também os casos em que Jesús, no
Evangelho, cura alguém ou lhe perdoa os pecados, nao em
vista dá fé do interessado, mas em atencáo á fé dos que o
acompanham e recomendam:
É o que se lé, por exemplo, em Ble 2,3-12 :
«Levaram a Jesús um paralitico transportado por quatro
bomens. Como nao o podiam fazer chegar á presenga de Jesús,
por causa da multidio, descobriram entáo o teto no lugar onde
Jesús se encontrava e, fazendo uma abertura, desceram por ela
o leito em que jazia o paralitico. Vendo a fé que os animava,
Jesús disse ao paralitico: 'Meu filho, teus pecados estáo per-
doados'».

— 391 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

Como se vé, é a fé das amigos doi paralitico que suscita


a bondade do Senhor para que perdoe os pecados e cure o
enfermo.
Considere-se também o texto de Le 9,37-43:

íAconteceu que, no día seguinte, ao descerem do monte,


foi ao encontró de Jesús grande multidáo. Do meio do povo,
um homem gritou dizendo: 'Mestre, eu vos suplico que lan
céis os olhos sobre meu filho, pois é o único que possuo. Um
espirito mau apodera-se déle e de repente solta gritos. Agita-o
com violencia fazendo-o espumar e a muito custo o abandona,
depois de o ter contundido. Pedi a vossos discípulos que o ex*
pulsassem, mas éles nao o puderam'.
Tomando a palavra, Jesús disse: 'ó geracáo incrédula e
perversa, até quando precisarei estar convosco ? Até quando
vos hei de suportar? Traze aqui o teu filho'.

Quando o menino se aproximava, o demonio o langou por


térra e o agitou violentamente. Mas Jesús repreendeu o espirito
ímundo, curou o menino e o entregou a seu pai. E todos fica-
vam pasmos ao ver o grande poder de Deus».
Jesús, pois, curou o jovem convulsionado, atendendo á fé
do pai que Iho pedia.
Note-se outxossim a bela passagem de Me 7,25-30:
«Urna mulher cuja filhinha cstava possessa do espirito
imundo, logo que ouviu falar déle, entrou e lancou-se a seus
pés. A mulher era gentia, de origem siro-fanicia. Suplicava-lhe
que expulsasse de sua filha o demonio.
Disse-lhe Jesús: T)eixa que primeiro se fartem os filhos.
Nao é bom tirar o pao dos filhos e atirá-lo aos cáezinhos'. Ela
respondeu: 'É verdade, Senhor, mas os cáezinhos, debaixo da
mesa, comem das migalhas que caem da mesa dos filhos'. E ele
lhe disse: 'Em atengáo ao que acabas de dizer, vai para tua
casa, pois o demonio saiu de tua filha». Ela voltou para casa
e encontrou a moga deitada no leito. O demonio havia saído».
Considerando a fé insistente da mulher siró-fenicia, Jesús
lhe curou a filha que estava ausente.
Também é digno de nota o texto de Mt 8,5-18 :
«Quando Jesús entrou em Cafarnaum, aproximou-se déle
um centuriáo, que lhe fez um pedido, dizendo : 'Senhor, o méu
servo está em minha casa preso ao leito pela paralisia e sofre
cruelmente.

— 392 —
BATIZAR CRIANCAS: SIM OU NAO? _25

Disse-lhe Jesús : 'Eu irei lá e o curarei'. Mas o centuriáo


lhe respondeu: 'Senhor, eu nao sou digno de que entréis em
minha casa, mas dizei sómente urna palavra e meu servo
recuperará a saúde. Eu sou um homem que devo obedecer a
autoridade superior e tenho soldados sob meu comando. Se
digo a éste: 'Vai', ele vai; ou a outro: 'Vem', ele vem; ou a
meu escravo: 'Faze isto', ele faz.

Ouvindo esta resposta, Jesús se encheu de admiragáo e


disse aos que o seguiam : 'Na verdade vos digo: Nao encon-
trei fé táo grande entre os filhos de Israel. Digo-vos também
que viráo muitos do Oriente e do Ocidente e se assentaráo á
mesa junto com Abraáo, Isaque e Jaco no reino do céu. Mas
os filhos do reino seráo langados as trevas exteriores, onde
haverá choro e ranger de dentes'. E ao centuriáo disse Jesús:
•Vai, e seja-te feito do modo como creste!'

E na mesma hora -o servo recuperou a saúde».

Por último, seja citada a ressurreicjáo da filha de Jairo,


obtida pela fé do pai:

«Eis que se aproximou um príncipe da sinagoga e pros-


trou-se diante de Jesús, dizendo: 'Minha filha morreu neste
instante, mas vinde, imponde-lhe vossa máo, e ela vivera'. Je
sús levantou-se e o seguiu com seus discípulos...

Quando Jesús chegou á casa do principe da sinagoga e viu


os tocadores de flauta e a multidáo em alvordgo, disse: 'Reti-
rai-vos, porque a menina nao está moría, mas dorme'. E éles
riram-se déle.
Depois que a multidáo foi afastada, ele entrou, segurou a
máo da menina e ela levantou-se. E a noticia déste milagre
espalhou-se por toda aquela regiáo» (Mt 9,18s. 38-26).

Estes textos chamam a atengáo para o fato de que a fé


de outros pode valer a irmáos incapazes de crer. Sem dúvida,
o Senhor exige fé para conceder as suas gragas; todavía muito
sabiamente nao condiciona seu dom á fé do> interessado quando
esta nao é possível; Ele quer atender a uns em vista de outros.
Os doutóres e escritores da Igreja realgaram muito éste
procedimento do Senhor, intencionando assim corroborar o fun
damento bíblico do Batismo das enancas. A fé dos genitores e
padrinhos, em suma, a fé de tódá a Igreja se torna válida
para a criancinha, possibilitando-lhe ser regenerada pela agua
e pelo Espirito desde os seus primeiros dias de existencia.

— 393 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

Eis alguns dos testemunhos mais interessantes a éste pro


pósito :

Sao Beda Venerável (f 735), no seu comentario em Mar-


■cos, escreve:

«*E Ele disse: Em atencáo a essa palavra, vai; o demo


nio saiu da tua filha' (Me 7,29). Por causa dessa palavra hu
milde e cheia de fé, o demonio deixou a menina. Assim foi-nos
dado o exemplo de catequizar e de batizar as enancas, pois
realmente é pela fé e a profissáo dos genitores por ocasiáo
do Batismo que sao libertadas do demonio as criancas que
ainda nao podem raciocinar por si, nem praticar algum ato
írom ou mau» (PL 92,203).

Eis o depoimento de escritor Drotmaro (f cérea de 850) :


«'Ide, ensinai a todas as nacóes!' Ordem excelente: pri-
meiramente aprender quem é Deus, Pai, Filho e Espirito Santo,
por quem é dada a remissáo dos pecados. Quando o homem
compreendeu isto, deve ser batizado. Pois, se tem idade e nao
eré, o seu Batismo seria váo como o do animal ou o do mine
ral. Caso, porém, se trate de criancinhas, a remissao se rea
liza em vista da fé daqueles que respondem por elas, segundo
o que é dito a respeito ao paralitico; Jesús, vendo a fé daque
les que o apresentavam, disse ao paralitico; 'Coragem, meu
filho, teus pecados te sao perdoados' (Mt 9,2) > (PL 106, 1501).
Bruno de Segni (t 1123), no seu «Comentario sobre Ma-
teus», escreve:

«Nao está dito simplesmente: 'Será salvo aquéle que fór


batizado', mas 'Aquéle que crer e fór batizado...' (Me 16,16).
Pois os pequeninos sao salvos pela fé daqueles que os batizam;
todavía, desde que cheguem a compreensáo das verdades da
fé (com o uso da razáo), já nao sao salvos senáo por sua
própria fé »(PL 165, 156s).

Honorio de Autun (meados do século XH) :


«Os filhos sao salvos em consideragáo da fé dos genitores
e padrinhos, assim como a jovem possessa pelo demonio foi
libertada, segundo o Evangelho, em vista da fé de seus geni
tores» («Libellus de Sacramentis» PL 172,750 A).
Pedro o Venerável, no seu «Tractatus contra Petrobru-
.sianos» escrito em 1139/1140, observa :
«Dizem os herejes (petrobrusianos) : 'As criancas, ainda
que as batizeis, nao sao salvas, pois nao sao capazes de crer

— 394 —
BATEAR CRIANCAS: SIM OU NAO? 27

em virtude da sua idada Por conseguinte, é ocioso e váo der


ramar agua sobre ésses seres humanos em tal periodo de sua
vida1.

... Que diréis? ... Sirvo-me do Evangelho. Vos acreditáis


néle; por conseguinte, ou admitiréis que alguém pode ser salvo
em vista da fé de outrem, ou negareis, se o puderdes, o que
está no Evangelho.

Eis o centuriáo: a fé déle, que intercede nao por si, mas


por seu filho, é atendida; a fé déle, que intervertí humildemente
nao em seu favor mesmo, mas em favor de seu filho, é nao
sonriente atendida, mas realcada com elogio especial. A filha
do chefe da sinagoga ressuscitou nao por causa de sua fé pró-
pria, mas por causa da fé de seu pal. O possesso foi curado
nao por sua fé, mas em vista da fé de seu pai. Marta, porque
creu, viu a gloria de Deus com a ressurreicáo de Lázaro. A ca-
nanéia, que orou nao por si, mas por sua filha cruelmente
atormentada por um demonio, ouviu em resposta: 'Seía-te
feito como pedes!' Em vista da fé dos que levavam o parali
tico, Cristo nao sómente curou o enfermo, mas perdoou-lhe os
pecados; num ato de misericordia absoluta, o Salvador salvou
o homem todo e nao pela metade. Digo, portante: se o Cristo
dá com tanta Iiberalidade a uns em consideracáo da fé de um
so crente, a fé da Igreja inteira de nada Valeria para as crian-
cas batizadas? Que significa entáo essa palavra do Senhor...:
Tudo é possivel aquele que eré?' ... Se realmente tudo é pos-
sivel a um só crente, nada pode ser impossível a todo o povo
fiel que ora pelas criancas balizadas» (PL 189, 749-750).
Poder-se-iam multíplicar tais testemunhos. É claro que
também nao constituem argumento decisivo em favor do Ba-
tismo das criancas, mas desenvolvem, com acertó e autoridade,
a doutrina do Evangelho, evidenciando as conseqüéncias desta
na controversia sobre o pedobatismo.

Parece, portante, claro que o Batismo das criancas nao


pode ser tido como o resultado de processo evolutivo e dege-
nerescente; nao é o prolongamento abusivo da praxe de batí-
zar os adultos. Ao contrario, tanto o Batismo de adultos como
o de criancas sao a expressáo genuína da doutrina do Novo
Testamento. Coube la Tradigáo sadia e aos teólogos do povo de
Deus confirmar a praxe inicial da Igreja e explicitar todas as
virtualidades da doutrina do S. Evangelho.

Cabe agora perguntar:

— 395 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 2

4. E quais as razoes teológicas ?

Quais os motivos doutrinários que nao sómente levam a


aceitar oU tolerar o Batismo das mangas, mas ainda o reco-
mendam positivamente?

Em resposta sumaria, deve-se dizer com o Apostólo Sao


Paulo e a Tradigáo crista: o Batismo incorpora o homem a
Cristo; comunica-lhe urna vida nova, fazendo-o participar da
morte do Senhor ao pecado assim como da ressurreigáo do
Redentor.

Com efeito, o Batismo vem a ser um canal da graga, que,


jorrando da cruz de Cristo, atinge o neófito, de modo a lhe
comunicar a vida sobrenatural e a filiagáo divina perdidas pelo
primeiro pai; o Batismo extingue a nódoa original com que
todo homem nasce l, e infunde-íhe um principio de vida nova
e bela, que é a graga santificante (cf. Rom 6,3-11).
Sem o Batismo, a crianga permanece privada de harmonía
interior. Por conseguirte, um pequenino que morra sem Ba
tismo, nao está habilitado a entrar na visáo de Deus face a
face, pois esta supóe a regeneracáo ou a elevacüo a um estado
sobrenatural. Verdade é que Deus pode conceder a crianga
meios invisíveis de salvagáo; todavía é certo que o Batismo é
o meló normal instituido pelo próprio Deus para a regenera-
gáo de todos os homens. Diz Jesús a* Nicodemos : «Em verdade,
em verdade te digo: Quem nao nascer da agua e do Espirito,
nao pederá entrar no Reino de Deus» (Jo 3,5).

É por isto que a Igreja de nossos días, fazendo eco a antiga


Tradigáo, deseja nao seja protelado sem graves motivos o Ba
tismo das criangas. Embora os pequeninos nao possam profes-
sár pessoalmente a fé crista nem orientar os seus atos segundo a
mesma, o Batismo néles deposita um germen de vida nova e
lhes merece as gragas atuais necessárias para que vengam mais
fácilmente as sedugóes do mal; todo sacramento age e santi
fica por eficacia própria; nao é apenas um sinal ou um estí
mulo para que o sujeito se santifique. É o que ja S. Agostinho
(t 430) lembrava num texto clássico :
«A crianga se torna fiel, nao por ter a fé que se encontra
na vontade dos crentes, mas por ter recebido o sacramento

1 Todo homem nasce privado dos dons infusos que os primeirós


pais perderam pelo pecado original c que deveriam transmitir se nao
tivossem pecado. É essa privacáo que se chama «nódoa original».

— 396 —
BATEAR CRIANQAS: SIM OU NAO? 29

dessa fé. A comunidade responde que a crianga eré, chama-a


fiel, nao porque a crianga dé seu assentímento as realidades da
fé por um ato pessoal, mas porque recebe o sacramento dessas
realidades mesmas. Quando a razáo humana se despertar no
pequenino, ele nao receberá de ndvo o sacramento, mas o com-
preenderá com a inteligencia e se conformará a ele em pleno
acordó de sua vontade com o que ele é na verdade. Enquanto
o pequenino nao puder fazer isto, o sacramento o protegerá
contra as potencias adversarias, a tal ponto que, se a crianga
deixar esta vida antes do uso da razáo, será libertada, pelo
auxilio cristáo, da condenacáo que por um só homem entrou
no mundo, gragas á caridade da Igreja que lhe assegura tal sa
cramento. Quem nao erg nisto e julga que isto nao possa
acontecer, nao é senáo um infiel, embora possua o sacra
mento da fé; está muito melhor do que tal pessoa, a crianga
que, embora nao tenha ainda urna fé consciente, nao lhe opóe
o obstáculo de raciocinios contrarios e por isto recebe o sa
cramento com seus frutos de salvacáo» (epístola 98, a Boni
facio, n' 10PL33, 360-4).

Éste texto é resposta clara e autorizada as dúvidas hoje


levantadas contra a necessidade de se batizarem as criancas.

Bibliografía:
P. Talec, «O sinal da fé». Rio de Janeiro 1970 (livro profundo e
atualizado, portador de valiosas lndicacSes doutrinárlas e pastarais).

J.-Ch. Didier, «Faut-11 baptiser les enfants? La réponse de la


Tradition». París 1967.

B. Rey, «L'Église et le baptéme des enfants», em «Revue des


selences philosophiques et théologiques> 52 (1968) 677-697.

L. Villette, «Le baptéme des enfants. Dossier et interprétationa,


cm <tLa Matson-Dieu» 89 (1967/1) 38-65.

M. Peuchmaurd, «Qui faut-ii baptiser?», em «Parole et Mlssion>


8 (1965) pp. 112-132.

J. N. Walty, «Controverses au sujet du baptéme des enfants», em


«Revue des selences philosophiques et théologiques» 36 (1952) 52-70.
J. Jeremías, «Le baptéme des enfants pendant les quatro premiers
siécles». Puy-Lyon 1967.

O Cullmann, «Le baptéme des enfants».

E. H. Schillebceckx, «Cristo, Sacramento do encontró com Deus».


Petrópolis 1967.
«P.R.s 101/1968, pp. 205-216;
6/1958, pp. 229-235;
10/1958, pp. 401405.

— 397 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 3

III. SOCIEDADE DE CONSUMO

3) «Os meios de comnnicacSo social (impnensa escrita e


ralada) na sociedad© de consumo tem sido ocasiao de pro
blemas.

Lacro fínanoeiro 'versus' valores humanos ?»


Em slntese: A palavra é comunicadora nao sómente de ciénda,
mas também do aíeto e dos valores (ou desvalores) de urna persona-
lidade. A influencia da palavra como elemento de construcáo ou des-
truicao íoi grandemente aumentada pela criacSo e crescente diíusao
dos meios de comunicacao de massa (imprensa escrita e falada).
Infelizmente a arte de escrever (livros, revistas...) como também
o cinema, o radio e a televisáo estáo hoje em dia associados ao poder
económico. O livro e a revista deixaram de ser a expresslo de urna
mensagem de homem para homem, a fün de ser objeto de mercado,
sujeito & lei da oferta e da procura (atualmente, íala-se de best-sellers
e de records de livraria). O jógo dos interésses íinanceiros explica, em
grande parte, a baixa do nivel da arte e dos programas transmitidos
pelos meios de comunicacao social.
A Igreja, por voz de seus Pontífices e do Concilio do Vaticano n,
lembra a necessária subordinacSo da arte e dos meios de comunicacao
social as leis da honcstidade e ao servico do bem comum.

Respuesta: Nos últimos tempos, mais e mais se fala do


papel ou educativo ou deletério dos «mass media» ou dos meios
de comunicacao de massa: jomáis, revistas, radio, televisáo,
cinema, teatro... Ás vézes verifica-se que a influencia de tais
meios de comunicacao nao é positiva, mas, antes, destrui
dora. Ha quem lamente estes efeitos, como há também quem
se lhes mostré indiferente. Dai a necessidade de se considera-
rem certos grandes principios concementes ao assunto. Parece
fora de dúvida que «o futuro da sociedade humana depende,
cada vez mais, do reto uso dos meios de comunicacao social»
(Conc. do Vaticano n, decreto «ínter Mirifica» n» 24).

1. A palavra

A palavra oral (e, em proporcóes menores, a escrita) é


mais do que a expressáo da inteligencia de quem a profere.
Ela comunica algo da personalidade e dos valores ou desvalo
res do respectivo sujeito.

— 398 —
IMPRENSA ESCRITA E FALADA 31

Os homens sempre tiveram consdéncia do extraordinario


alcance de sua palavra. O mestre era outrora tido como pai,
porgue, mediante suas palavras, comunicava nao sómente cien
cia, mas também algo da riqueza de sua vida intima. Os sabios
de .todos os tempos multo insistirám sobre a necessidade dé
se ponderarem e graduarem as palavras; a palavra, para quem
a ouve, pode ser instrumento de vida ou de morte moral. Te-
nham-se em vista as advertencias de S. Tiago, que fazem eco
tas de numerosos filósofos :

«A lingua é um pequeño membro e gloria-se de grandes


coisas. Vede como um pequeño fogo pode incendiar urna grande
floresta !■ A lingua também é um fogo, um mundo de iniqui
dades. .. Com ela bendizemos a Deus Pai, e com ela amaldi-
coamos os homens, feitos á semelhanca de Deus. De urna
mesma boca procedem a béngáo e a maldigáo. Nao convém,
meus irmáos, que isto seja assim» (Tg 3,5s.9s).
Hoje em día a criagáo e a crescente difusáo dos meios
de comunicagáo de massa (imprensa escrita e falada) tornam
aínda mais importante o papel da palavra. A palavra — e, com
ela, a ciencia e a ignorancia, os bons e os maus predicados de
quem a profere — se derramam sobre massas humanas, im
pregnando-as, sem que estas possam sempre distinguir o que
de auténtico e menos auténtico haja no que se Ihes diz. Sao
ésses meios de comunicagáo de massa que criam ou, ao menos,
orientam a opinláo pública.

Deseamos a alguns tópicos particulares referentes á im


prensa escrita e falada.

2. Imprensa em geral

Tem-se dito que a imprensa é todo-poderosa. Nao há dú-


vida de que a imprensa, hoje distribuida em varios setores
escritos e falados (jomáis, revistas, radio, televisáo, cine
ma. ..), vai penetrando o mundo inteiro, até os seus recantos
mais modestos e outrora abandonados, transmitindo a todos
os homens no lar, na rúa, ñas condugóes, ñas oficinas, ñas
escolas as mais recentes e sensacionais noticias; ésse servico,
que nao cessa durante a noite, exerce inegável poder avassa-
lador, despertando no público as mais variadas reagóes.
A imprensa é alimentada por potentes agencias noticiosas,
das quais hoje se contam cérea de 155, estabelecidas em 54
países.

— 399 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/197<X qu. 3

Urna das principáis dessas agencias é a «Associated Press»


(AP), empresa norte-americana que já existia nos coméeos do
século XIX, anteriormente k invencáo do telégrafo, do tele
fone e do radio. Usava entáo, como meios de transmissáo, o bar
co a remo, os pombos-correios e os estafetas a cávalo; em 1828
comecou a utilizar o iate; em 1848, o telégrafo substituiu os
recursos anteriores. Hoje a AP serve a mais de 4.000 jomáis
e estacoes de radio, espalhados pelo mundo inteiro; produz
cerca de 1.000.000 de palavras por día (o equivalente a sete
ou oito romances de tamanho medio), transmitidas por cir
cuitos de teletipo arrendados, cabos submarinos, cañáis sem
ño Morse e cañáis de radio-teletipo. Mais de 100.000 pessoas
ai participam da transmissáo do noticiario de um dia normal.
A partir de 1» de Janeiro de 1935, a AP iniciou o sistema de
rádio-fotos : a mesma fotografía, via radio, pode ser captada si
multáneamente e com nitidez em mimares de.lugares do globo
terrestre.

Outra grande agencia noticiosa é a «United Press Interna-


tional» (UPI), que, aos 7/7/1968, completou cinqüenta anos
de servigo no Brasil. Fornece a reportagem de acontecimen-
tos ocorridos em todas as partes do globo para 3.300 jomáis
e estagóes de radio. A populacáo de 61 países lé e ouve os des
pachos da UPI, que sao traduzidos para 48 línguas. A fim
de colhér e difundir essas noticias, a UPI possui 165 sedes, de
Bostón a Buenos Aires e Bombaím, e canta com mais de 6.000
correspondentes, repórteres e telegrafistas.
Estes dados sao aqui referidos a fim de ilustrar o raio de
acáo de uma agencia de noticias. Ela pode manipular os dados
a ser transmitidos, de modo a formar ou deformar em larga
escala o modo de pensar de grande parte da populacáo do globo.
Passemos agora a especial consideracáo da

3. Televisoo

Entre os meios da comunicagáo, o que mais fascinlo e


influencia exerce, é certamente a televisáo. Observava o Pre
sidente John Kennedy : «A televisáo é o instrumento que tem
o poder de ensinar mais coisas a mais gente em menos tempo
do que outro meló já vislumbrado». Ela aínda nao penetrou ñas
selvas e nos pequeños povoados do Terceiro Mundo, mas jul-
ga-se que nao tardará a devassá-los. Neil Hurley^ estudioso
do assunto, julga que em 19?5 o mundo estará vivendo urna
civilizagáo no singular, e nao clvfliza$5es; naverá uma telecol-

— 400 —
IMPRENSA ESCRITA E FALADA 33

tora, que suscitará em todos os homens as mesmas formas de


pensar através dos meios áudio-visuals.

Alias, pode-se dizer que já vivemos a dvilizacáo da ima-


gem e do som. Leve-se em conta, entre outros muitos, o dado
seguinte: em 1966 houve no futebol a disputa da Copa do
Mundo; a populacáo brasileira acompanhou-a vibrantemente.
Em 1970 o acontedmento se repetiu, mas com características
diferentes: a televisáo via satélite ensejou ao público ver o
desenrolar dos jogos no México; pode-se dizer que mais de 600
milhóes de pessoas esparsas pelo mundo inteiro acompanharam
em suas casas ou ddades as partidas do certame no México.
Sabe-se que conseqtténdas isto teve no Brasil: movimento de
trabalho e escolas interrompido durante e após os jogos, ho
rarios públicos modificados; manifestacóes carnavalescas ñas
mas... Considerando estes fatos, podemos dizer que em nossos
tempos, após quatro anos, nao se repete um acontedmento nos
moldes do anterior evento; quatro anos significam profunda
transformacáo da realidade por causa da crescente penetracáo
da televisáo.

O uso da televisáo tende a aumentar, pois a técnica e os


progressos da nova ordem sodal proporcionan! ao homem mo
derno mais tempo de lazer, tempo que vem a ser freqüente-
mente passado frente ao televisor. Os programas mais apre
ciados pelo público sao os «shows», as novelas, os filmes (em
serie ou nao). Os programas educativos ou de certo nivel cul
tural atingem faixas mais restritas das populacoes — o que
é incentivo a que as emissoras de televisáo déem preferénda
aos programas de pouco conteúdo educativo e tíe teor recreativo
mais marcante. A televisáo passou a ser o ingresso num mun
do de fantasía e emocóes; é um convite ao descanso, ao esque-
dmento dos problemas diarios.

Apesar da crescente propagagáo da televisáo, a imprensa


escrita continua em voga. Isto se explica porque ela tem a seu
favor urna nota de permanencia que falta a imprensa falada:
a palavra do radio se val; a imagem da televisáo e do cinema
se dissipa; ao contrario, o jornal e a revista apresentam do-
cumentacáo escrita, que pode ser lida e relida. Nos Estados
Unidos, embora 98% dos lares possuam um, dois ou mais tele
visores, as grandes revistas do país atingem a tiragem de sete a
oito milhóes de exemplares, o que mostra que a impreiisa es
crita guarda seu prestigio.

— 401 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 3

Para ser mais fácilmente aceites, os impressos devem


acompanhar a civilizagáo da imagem, apresentando boas üus-
tracóes e esmerado acabamento técnico.

Depois déste rápido balanco da crescente difusáo dos meios


de comunicacáo, importa considerar propriamente a sua influ
encia sobre a formagáo humana e moral do público nos nossos
tempos.

4. Imprenso e «fígnldode humana

1. Comecaremos por analisar a acáo dos escritos em


geral: livros e revistas.

Antes da descoberta da imprensa (em 1445 aproximada


mente), o escritor redigia suas obras sem ter a possibilidade
de multiplicar as respectivas copias e assim ganhar dinheiro;
Dante e Petrarca, por exemplo, na Idade Media nao viram
senáo um, dois ou poucos exemplares de seus escritos, todos
éles devidos ao trabalho manual. O escritor redigia com sacri
ficio financeiro, com gasto de suas energías e de seu tempo,
únicamente em vista do ideal de comunicar urna mensagem
aos homens. Devia viver de outro trabalho e de outra fonte
de renda que nao a literatura. O prazer de escrever e a gloria
daí decorrente eram a recompensa dos que lidavam com a
pena.

No sáculo XV, a descoberta da imprensa revolucionou tal


ordem de coisas. Os escritos e livros puderam doravante ser
multiplicados e vendidos; por conseguirte, tornou-se possivel
utilizá-los para ganhar dinheiro. De entáo por diante, máxime
a partir do século XVH, foram-se criando gráficas e editoras,
que boje em día pagam aos escritores seus direitos autorais e
financiam edicóes numerosas a ser vendidas por preco lucra
tivo; o livro passou a ser — e hoje é — industrializado, comer
cializado.

Em conseqüéncia, a arte de escrever tornou-se mercadoria


sujeita as leis da oferta e da procura; o escritor, em certos
casos, veio a ser. alguém que vive da sua pena e que precisa,
antes do mais, de ganhar dinheiro para viver mediante os seus
escritos. A procura do sucesso financeiro (tenham-se em vista
os títulos best-seller, record de livraria) passou a influir na
confeccáo de nao poucos livros.

— 402 —
IMPRENSA ESCRITA E FALADA 35

Compreende-se entáo que o uso da palavra escrita, tenha,


em parte, degenerado. O que outrora se praticava por arte ou
por ideal, segundo criterios elevados, passou a ser exercido em
vista do mercado, atendendo ás oscUacóes déste, que nem sem-
pre condizem com os ditames do bem e do belo.

Nesta nova ordem de coisas o romance comegou a tomar


vulto crescente.

«A industrializacáo do livro fez que os editores procuras-


sem livros que se possam vender em grande quantidade para
diminuir o respectivo prego de custo. Ora só existe um género
literario capaz de encontrar compradores em todos os tipos de
pessoas que saibam ler, mesmo que nao saibam outra coisa
senáo ler: é o romance. AJguns leitores nao léem outra coisa,
mas nao há pessoa, por mais fina que seja, que nao seja capaz
de ler romance. O filósofo A. N. Whitehead gostava de ler
romances policiais, embora fdsse um grande logística Come-
cava sempre pelo fim do livro; assim tendo repousado a mente,
ele passava para o comégo do livro, a fim de ver como o autor
preparava o seu desenlace. Visto que o romance em numerosos
casos se dirige á imaginagáo apenas, constituí o género litera
rio mais freqüentado tanto pelos autores como pelos leitores»
(K. Gilson, «La sodété de masse et sa culture». París 1967,
pp. 92s).

Oompreende-se que o romance tenha explorado o erotis


mo, materia & qual o público é cada vez mais sensível.

A procura do lucro tem suscitado outrossim a criacjio e


ampia divulgagáo de revistas ilustradas que em alta escala
desenvolvem «sexo». Os concursos de «misses» com seu exi-
bidonismo lascivo, os aspectos escabrosos da vida de artistas,
a vaidade e a futilidade sao assim explorados, nao se levando
em conta outro criterio senáo o de agradar aos instintos do
ser humano e assim desenvolver as vendas. Escritores e edito
res já nao dispensam a devida atencáo ao aspecto nobre e cons
untivo da arte de escrever, mas apenas ás necessidades do
comercio — á custa mesmo dos valores mais típicamente hu
manos. Os poderes económicos vém assim sufocando a litera
tura, principalmente a das massas, e, mediante a literatura,
vém concorrendo para conspurcar a dignidade humana.

A titulo de ilustragáo, transcrevemos aquí alguns dados


fornecidos por Steven v. Roberts do «New York Time» e pu-

— 403 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 3

blkados pelo «Jornal do Brasil» de 22/23-IH-1970, caderno


especial, p. 6:

«A pornografía tornou-se um grande negocio nos Estados Unidos.


Numa nacao fundada por puritanos, desenvolveu-se urna industria
imensa e íreqüentemente escusa, dedicada & explorado do sexo.
Usando as modernas técnicas, ... a industria da pornografía pro-
duz urna grande variedade de livros, revistas, filmes, discos, fotogra
fías c 'aparelhagens sexuais1. Seus clientes sao milhfies de americanos.
... O volume anual da industria da pornografía é difícil de esti
mar. Segundo alguns observadores, seria de dols bilhSes de dólares
(NCr$ 8,8 bilhoes).
... Quase todos aqueles que lucram com a industria da porno
grafía, admiten» que quase tudo o que publicam é lixo. A maioria (dos
editores) nem sequer lé o que publica, quando se oonhece o autor. No
entanto, tais livros se vendem tao bem que até as grandes editoras já
estao copiando o estilo.
... De acordó com as pesquisas da oplhiao, a nacáo continua a
ser contra a pornografía... No entanto, os récordes de venda pare-
cem revelar melhor o que o público realmente pensa... Ao que parece,
as pessoas mostram-sc pouco inclinadas a lutar contra a maré».

2. Os meios de comunicagáo falados (radio e, principal


mente, televisáo) estáo sujeitos, do seu modo, ao mesmo im
perio da comercializagáo. Visando lucro, desenvolvem freqüen-
temente novelas e outros programas de fundo erótico; também
.tceitam anuncios comerciáis de semelhante teor.
De modo especial, tem-se estudado o caso da televisáo.
Destinada originariamente a «informar, educar e distrair», ela
vem desempenhando urna nova tarefa: «fazer consumir». Trans-
mitindo anuncios comerciáis de todos os tipos, a televisáo está
a servico da sociedade de consumo, sociedade para a qual pro-
duzir e vender sao os criterios, ficando os valores própriamente
humanos subordinados aos interésses financeiros. O telespecta
dor é incitado pelo seu televisor, muitas vézes sem o saber, a
ir comprar tal ou tal artigo, a se vestir diste ou daquele modo,
a usar tal ou tal droga, a comer e beber os últimos produtos
da fábrica A, B, C... Ora nisto há, sem dúyida, urna burla
da honra e da honestidade do ser humano; o dinheiro intervém
como senhor do próprio homem.
Consciente dos perigos moráis e da influencia deletéria
que a imprensa mal orientada (sob qualquer de suas formas)
pode acarretar para o homem de hoje, a Igreja tem-se feito
ouvir, tentando avivar as consciéncias dos responsáveis pelos
meios de comunicagáo social.
No ítem abaixo transcreveremos alguns dos testemunhos
do magisterio da Igreja.

— 404 —
IMPRENSA ESCRITA E FALADA 37

6. A voz da Igreja

O S. Padre Pió XII diriglu-se aos participantes de um Con-


gresso Internacional de Imprensa Católica, reunido em Roma
de 16 a 18 de fevereiro de 1950, propondo as seguintes .consi-
deragóes:

«A imprensa tem urna fungáo iminente a desempenhar na


educagáo da opiniáo (pública), nao para a ditar ou dirigir,
mas para a servir utilmente.

Esta fungáo delicada supóe, nos membros da imprensa


católica, competencia, cultura geral, sobretudo filosófica e teo
lógica, dons de estilo, tino psicológico.

Mas o que lhes é indispensável ácima de tudo, é o caráter.


O caráter, isto é, muito simplesmente amor profundo e inal-
terável respeito pela ordem divina que abraca e anima todos
os setores da vida; amor e respeito que o jornalista católico
nao se deve contentar com sentir e alimentar no segrédo do
próprio coragáo, mas que deve cultivar nos coragoes de seus
leitores.

Em certos casos, a chama- que assim brotar, bastará para


reacender ou reavivar nos leitores a centelha quase extinta
das conviccóes e dos sentimentos adormecidos no fundo da
consciéncia. Em outros casos, a largueza de vistas e de juízos
poderá abrir aos leitores os olhos demasiado fixos e apegados
a preconceitos tradicionais. Em todo e qualquer caso, porém, o
jornalista terá o cuidado de se abster de fazer a opiniáo; multo
melhor que isso: terá a ambigáo de servi-la» (transcrito da
«REB», vol. 10, junho 1950, p. 502).

O dever de servir á opináo pública foi sucesivamente in-


cutido nos anos seguintes tanto por bispos como por especia
listas dos meios de informagáo católicos. Tornou-se objeto da
alocugáo de Paulo VI aos participantes do Seminario Regional
Europeu das NagÓes Unidas sobre a Liberdade de Informagáo
(17/IV/1964): 1>

«A informagáo deve ser verdadeira e honesta... Ela deve,


antes do mais, corresponder á verdade. Ninguém tem, pois, o
direito de propagar conscientemente informagóes erróneas ou
de apresentá-las sob urna luz que deforme as suas dimensóes.
Também ninguém tem o direito de escolher arbitrariamente as
suas informagóes, divulgando apenas o que esteja de acordó
com as próprias opinióes e passando em silencio o resto. Pode-

— 405 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970, qu. 3

-se pecar contra a verdade tanto por omissóes calculadas como


por afirmacóes inexatas.
Nao basta que a informagáo seja objetiva. É preciso que
ela saiba impor a si mesma os limites exigidos pelo bem supe
rior. Ela deve saber, por exemplo, respeitar o direito dos outros
á boa reputacáo e deter-se diante do legítimo segrédo da vida
privada dos outros. Quantas infracóes hoje a estes dois pon-
tosí. .. Respeitosa da pessoa e do bem dos outros, a informa
gáo deverá ser aínda, e talvez mais, respeitosa do bem comum.
Quem ousaria sustentar que toda informacáo, seja qual fór, é
igualmente benéfica ou inofensiva em todas as ocasióes e em
todos os ambientes? Pensai, por exemplo, neste setor parti
cularmente sensivel e vulnerável que é a juventude! A infor
macáo tem limites que Ihe sao impostes pela sua própria
dignidade, ... em virtude das exigencias de sua nobre missáo
social» (transcrito da «REB», vol. 24, junho 1964, p. 463).
Deve-se aínda mencionar a alocugáo de Paulo VI dirigida
a urna assembléia de artistas e jornalistas reunidos em Roma
aos 7/V/67 por ocasiáo da I Jornada Mundial das Comunica-
cóes Sociais. A tais profissionais lembrou S. Santidade que
exercem «urna missáo que os estabelece mestres e guias, inter
mediarios entre a verdade e o público, entre as realidades do
mundo exterior e a intimidade da consciéncia dos homens»; tém
«o direito de nao estar condicionados por pressóes ideológicas,
políticas, económicas».

Estes diversos pronunciamentos pontificios encontram ple


na ressonánda no decreto do Concilio do Vaticano II referente
aos meios de comunicacáo social (4/XH/1963). De tal do
cumento podem-se extrair os seguintes tópicos principáis:
«... as relagóes entre os direitos da arte e as normas da
lei moral. Como as incessantes controversias nesta materia se
originam de falsas doutrinas acerca da ética e da estética, o
Concilio declara que absolutamente todos devem professar a
primazia da ordem moral objetiva... Pois sómente a ordem
moral atinge o homem em toda a sua natureza, criatura ra
cional de Deus...; e, se esta ordem moral é observada fiel e
integralmente, leva o homem á plena consecugáo da perfeigáo
e da felicidade.

Em último lugar, a narracáo, a descricáo e a representa-


cáo do mal moral podem certamente, com o recurso inclusive
dos meios de comunicacáo, prestar-se para um conhecimento
e um estudo mais profundos do homem, para manifestar e
exaltar a magnificencia do bom e do verdadeiro, obtendo-se,

— 406 —
«SIDARTA» DE HERMANN HESSE 39

além disso, mais oportunos efeitos pragmáticos; contudo, para


que nao venham a causar daño antes que utilidade aos espi
rites, obedecam estritamente ás leis moráis, principalmente se
se tratar de coisas que exigem a devida reverencia ou que inci-
tem com mais facilidade o homem, ferido pelo pecado original,
a desejos perversos» («ínter Mirifica» ns. 6 e 7).
É nestes termos que o Concilio lembra que a arte está
sujeita á Moral ou as normas da ética; sem o que, ela poderia
vir a ser degradante, e nao nobilitante.

A confeccáo do presente artigo multo deve a E. Gilson, «La société


de masse et sa culture». París 1967.
Vejam-se também:
«Gli strumenti della comunicazlone sociale c la gioventü», em «La
Chrflta Cattolica» 2/V/1970, qu. 2877, pp. 209-213.
Francois-Xavier Hutin, «Pour une lnformation objective», em «Étu-
des» 329 (1968) pp. 194-206.
MIchel Souchon, «La publicité á la televisión», em «Études» 328
(1968) pp. 329337.
«L'Ami du Clergé» l/VI/1967 n* 22, pp. 348-350.
Anuario Inaciano 1970.

IV. MAIS UM ROMANCE

4) «Milito se tem comentado o romance 'Sidarta' de Her-


mann Hesse. Um dos livros favoritos dos 'hippies'...
Que dizer?»

Em stntese: No livro ácima, Sidarta é um herói hindú que se pde


á procura da verdade e da perfeicSo ética, seguindo sucessivamente
diversos caminhos. Certa vez, cansado da renuncia chega a levar vida
■ luxuosa e luxuriosa. Mas esta também o enfastia. Finalmente retira-sc
á margem de um rio, onde vive com um balseiro e aprende direta-
mente da natureza (agua, pedras, árvores...) — que ele identifica
com a Divindade — a sabedoria que ele nao aprendeu junto aos no-
mens. Concluí asseverando que vida e morte, pecado e santidade, sabe
doria e tolice vém a ser a mesma coisa. Ceticismo, eis a insinuac&o
final do romance!
Ora é necessário afirmar
— a distincáo entre Deus e o homem, entre o Infinito, Absoluto,
e o finito, relativo; o Absoluto nSo é o relativo aperfeicoado, mas
distingue-se radicalmente de tudo que é contingente e limitado;
— a capacidade da razio humana frente á verdade. As condusSes
seguras do raciocinio tém valor perene, tanto aos olhos dos homens

— 407 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/19TO, qu. 4

quanto sob a luz de Deus. Pecado nao pode ser a mesma colsa que
santidade, pols, do contrario, o Slm seria Nao, e já nao restarla ao
homem a possibilidade de raciocinar. Mesrao o cético pretende ser
célico usando da sua razSo para destruir a conílanca na razáo. Há,
pois, categorías de lógica e de ética que obrigam todo ser humano. A
escola ou a atencjfo aos antepassados é o meló normal pelo qual o
homem adquire sabedoria.

Besposta: Já em «P.R.» 128/1970, pp. 364-368 apresen-


tamos o romance «O Lobo da Estepe» de Hermann tíesse. Esta
obra traz as marcas da fantasía fortemente exuberante do
autor; todavía sugere teses (intencionalmente?) ambiguas. O
«Lobo» é o espelho do homem inquieto de nossos dias, que
procura respostas para seus problemas no estudo e na misan-
tropia (fuga dos homens), mas se deixa vencer pela sodedade
prazenteira e atraente, sociedade, porém, de baixo nivel moral.
Um «qué» de espiritualidade, muito tímido e mal formulado,
tenta transparecer através das páginas de «O Lobo da Estepe».
O público tem-se interessado por outro romance de Her
mann Hesse; pelo que comentaremos abaixo «Sidarta». Já que
éste livro pretende ser como que um retrato biográfico e psico
lógico do autor, faz-se mister comegar o comentario por um
esbogo biográfico do escritor.
Hermann Hesse nasceu em 1877, época da literatura ro
mántica, na Alemanha, em urna pequeña cidade de aspecto
medieval: Calw (Württemberg). Seus país foram missionários
protestantes na India. Destinado pelos genitores ao estudo da
teología na Alemanha, Hermann fugiu do Seminario por nao
poder sustentar a rígida disciplina do estabelecimento. No Gi-
násio revoltou-se contra o ensino nacionalista ministrado pelo
Govérno imperial alemáo. Fugiu para a Suíca, onde se empre-
gou numa livraria e comecou a publicar romances. Casou-se
com a filha de ricos burgueses suigos. Parecía assim ter a feli-
cidade assegurada, Fugiu, porém, do conforto para levar vida
solitaria. O comégo da primeira Guerra Mundial abalou-o; de-
sistíu da cidadanía alema, vivendo. na Suíga perseguido pela
contra-espionagem alema; tinha-se declarado contra o naciona
lismo belicoso do «Kaiser» e da Alemanha.
Estéve na India, em busca de urna filosofía diversa das
que lhe oferecia o Ocidente; foi entáo que se imbuiu de idéias
budistas, das quais o romance «Sidarta» é um reflexo muito
claro.
Tem-se dito que toda a vida de Hesse tem sido urna serie
de fugas, provocadas pela revolta: revolta contra a casa pa-

— 408 —
«SIDARTA» DE HERMANN HESSE 41

terna, contra o Cristianismo, contra a escola, contra a vida;


burguesa, contra a guerra e contra o nacionalismo. Hesse foi
sempre um rebelde contra os poderes déste mundo — tempo-
rais e espirituais.
A vida de Sidarta (apelativo de Buda) descrita no ro
mance do mesmo nome milito se parece com a de Buda e
também com a do próprio Hermann Hesse; consta de urna
serie de fugas em demanda de experiencias e realidades novas.
Abaixo examinaremos rápidamente o conteúdo de «Sidar
ta», a fim de proferir um comentario sobre éste romance.

1. «Sidarta»

Sidarta foi um dos nomes de Gautama ou Buda, fundador


do budismo nos séculos VI/V antes de Cristo.
Hermann Hesse apresenta-nos a figura de um jovem cha
mado Sidarta, contemporáneo de Buda, o qual, juntamente com
seu amigo Govinda, se póe á procura da verdade e da vida
perfeita. Os dois companheiros tornam-se Saman^, ou seja,
monges brámanes, que vivem como pobres peregrinos. Após
tres anos de ascese ou vida mortificada, os dois jovens sao
tentados pela doutrina sublime de Buda, que prega a renuncia
a tudo, até aos mais espontáneos desejos do próprio eu. Toda
vía, depois de ouvir Buda, Sidarta resolve separar-se de qual-
quer escola ou mestre, para se realizar a sos de maneira mais
auténtica. Acontece, porém, que se depara com urna jovem
cortesa, Kamala, que o seduz, de tal sorte que Sidarta aban
dona a penitencia e muda por completo seu tipo de vida: corta,
a barba e a cabeleira, perfuma-se, veste-se ricamente e en-
trega-se a todo tipo de prazer. Sidarta passa a gozar do luxo
e da luxúria; pratica o jógo em companhia de jogadores vi
ciados; dedicarse ao comercio sob a directo de famoso comer-
danta Contudo aos poucos enfastia-se de todos ésses gozos, e
resolve abandonar a companhia de Kamala; deixa-a, porém,
grávida em conseqüéncia de relacóes extraconjugais com Si
darta.

O jovem póe-se entáo a vaguear, até que vai fazer com


panhia a um velho balseiro, que transportava passageiros de
urna margem para outra de um rio. Ésse homem era simples
e alheio a qualquer mestre ou escola; aprendía a filosofía
observando o fluxo do rio junto ao qual morava. Sidarta de-
cidiu-se a fazer a mesma aprendizagem; compartilhava o gé-

— 409 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 129/1970, qu. 4

ñero de vida do balseiro, e contemplava a natureza (rio, pedras,


pássaros, flores...), quando um belo dia lhe apareceram
Kamala e seu filho, que desejavam atravessar o rio. Sidarta e
a antiga consorte reconheceram-se mutuamente; em conse-
qüenda, Kamala, enferma, e o menino ficaram com os dois
ascetas; a mulher faleceu pouco depois na cabana do balseiro,
ao passo que o menino, rebelde as instrucóes do pal, fugiu para
a cidade, onde quena levar vida prazenteira.
Doutra feita, Govinda, o antigo companheiro de Sidarta,
apresentou-se como candidato a atravessar o rio. Os dois ami
gos também se reconheceram mutuamente. Entáo Sidarta con-
venceu Govinda de que nao devia procurar a verdade em escola
alguma nem junto aos mestres, mas, sim, na meditacáo sobre
as coisas e a Natureza: «Esta pedra é pedra, mas é também
animal, é também Deus, é Buda» (p. 116).-Sidarta afirmou-
-lhe outrossim que «a morte é igual á vida; o pecado, igual á
santidade; a inteligencia, igual k tolice> (p. 115).

Govinda finalmente aceitou as idéias de Sidarta e veri-


ficou, em última análise, que elas coincidiam com as de Buda!
— Assim se encerra o romance.
Em suma, o autor do livro tenta insinuar o aspecto rela
tivo de todos os valores intelectuais e moráis conhecidos pelos
homens e ensinados pelas escolas de sabedoria: inteligencia e
tolice, pecado e santidade seriam a mesma coisa (eis a tese
culminante do romance). Quem procura a verdade e o bem
em grau perfeito, pode e deve tornar-se cético em relacáo as
categorías de pensamento e de moral clássicamente apregoa-
das. O sabio auténtico foge de toda escola e todo mestre, para
ouvir a Natureza, que é a Divindade mesma.

2. Refletindo um pouco. . .

1. O livro «Sidarta» pode, a um primeiro contato, ser


sedutor, porque parece mostrar o caminho por excelencia para
que o homem chegue a verdade, caminho emancipado das es
colas dos homens. Dá a entender que todo mestre e toda escola
sao deficientes e limitados. Em conseqüéncia, é preciso nos
libertemos do infantilismo que nos leva a procurar aprender
junto aos sabios e na leitura de livros; é preciso também que
ponhamos de lado as categorías comuns do raciocinio e da
ética, ou seja, os conceitos de sabedoria e tolice, de pecado e
santidade, de vida e morte. Estes conceitos sao exiguos demais

— 410 —
«SIDARTA> DE HERMANN HESSE 43

para corresponder á realidade: «O oposto de cada verdade é


igualmente verdade» (p. 114). O balseiro Vasudeva cera o pró-
prio rio, era Deus mesmo, era a Eternidades (p. 107).
2. Tais idéias, que parecem propor a maioridade ou a
emancipacáo ao homem intelectual, bajulam o orgulho humano,
pois apregoam a überdade em relagáo aos mestres. Na ver
dade, porém, sao falazes. E isto, por dois motivos principáis:

1) É utópico pretender que o homem se identifique com


Deus ou com a natureza que o cerca. Em outros termos: o
panteísmo («Tudo é Deus») disseminado por Sidarta é ilusorio.
Deus é, por definicáo, o Absoluto, o infinitamente Perfeito, o
Eterno, ao passo que o homem é relativo, finito e contingente.
Ora nao há transicáo entre o Absoluto e o relativo ou entre
o Infinito e o finito. O Infinito nao resulta da multiplicacáo de
seres finitos, nem o Absoluto é um ser relativo aperfeicoado;
por isto Deus, o homem e as coisas volúveis que nos cercam,
nao podem constituir urna substancia ou urna realidade única.
Deus é, por sua natureza, radicalmente diverso das cria
turas; em Deus nao há mudanga, nao há volubilidade (pois
tdda mudanga significa ou perda de perfeicáo ou aquisicáo de
perfeigáo).. Deus é simultáneamente aquilo que. Ele é; nao está
sujeito a passado nem futuro; nao admite esfacelamento, por-
.que nao tem partes. — Ora a criatura é inevitavelmente su-
jeita ¿s leis do tempo; ela se estende e se retalha; é, pois, de
urna natureza radicalmente diversa da de Deus.
Donde se vé que o homem nao pode nem deve pretender
encontrar Deus e o Absoluto abstraindo de todo raciocinio e
de toda escola; a contemplacáo de um rio, de urna pedra ou
da natureza nao é a contemplacáo de Deus, mas, sim, de urna
obra de Deus, distinta de Deus (embora traga a marca da
sabedoria do Criador).

2) O homem penetra a verdade usando da inteligencia


e do raciocinio. As conclusóes seguras a que chega o raciocinio
póem-nos realmente em contato com a verdade; sao inabalá-
veis. «Dois e dois sao quatro»; «a soma dos ángulos de um
triángulo perfaz 180»»; «um circulo nao pode ser um quadra-
do»; «duas quantidades iguais a urna terceira sao iguais entre
si» sao proposicóes que em hipótese alguma podem ser inva
lidadas; elas se reduzem ao principio de contradigáo: «o ser
nao é o náo-ser». Quem queira recusar alguma das verdades
ácima, recusa as leis do pensamento lógico e do bom senso.
Nao obstante, para recusá-las, usa dessas leis e confía nelas,

— 411 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970. qu. 4

porque é após haver radodnsdo e em conseqüéncia de um ra


ciocinio que professa o seu ceticismo.

A inteligencia com a sua capaddade de raciocinio é urna


das mais belas e preciosas facuidades que o homem possui; ela
é habilitada a atingir o Eterno e o Absoluto, embora nao possa
penetrar todo o infinito océano da vida divina.
Ora, se é pelo raciocinio que o homem penetra a verdade,
vé-se que é oportuno, se nao necessário, recorrer as escolas e
aos mestres idóneos que ajudem e estímulem o discípulo na
conquista da auténtica sabedoria. Todo homem — mesmo os
mais capacitados — é aprendiz na escola de seus semelhantes;
tem que ouvir e ler para poder formar seus juizos e tomar
posicóes.
Por consegrante, a sá filosofía confía na capacidade da
razáo e se apoia sobre ela para se desenvolver. Alias, note-se
bem: quem queira negar a capaddade da razáo, só o pode fazer
servindo-se da própria razáo, ou seja, supondo que a razáo é
capaz de ditar condusóes válidas e certas. Embora a inteli
gencia humana seja limitada e nao possa ir até o fundo da
realidade (esta supóe urna inteligénda infinitamente sabia), a
inteligénda coloca o homem no caminho da verdade, porque
o que ela apreende de seguro é verdade indiscutível; quando
radodna, a razáo nao lida com um mundo de fantoches ou
conceitos falsos, mas, sim, com a verdade mesma; «dois e dois
sao quatro» é verdade nao sómente aos olhos dos homens e
neste mundo, mas também & luz da sabedoria de Deus e na
eternidade. Em conseqüénda, nao se pode dizer que o contrarío
de urna verdade também é verdade; só existe urna verdade a
respeito de cada coisa. Pode-se, porém, reconhecer que algo
é e nao é ao mesmo tempo, sob aspectos diferentes. Por exetn-
plo, o género humano, com seus dois milhóes de anos sobre a
térra, é muito antigo, caso se leve em conta a duragáo da vida
de um individuo, mas é jovem se se considera a idade do nosso
planeta (bilhóes de anos).

O que acaba de ser ponderado, leva-nos a ver também que


o auténtico sabio é humilde, file nao recusa aprender de seus
semelhantes, nem se julga auto-suficiente na conquista da
plena luz.

3. De modo espedal, convém salientar a diferenga ou


mesmo a antitese existente entre pecado e santidade. A santí-
dade é a ünitacáo (na medida do possivel) do comportamento
de Deus; ora Deus é Amor. Por conseguínte, amar a Deus e
— 412 —
«SIDARTA> DE HERMANN HESSE 46

amar ao próximo é santidade. O contrario do amor — o odio


é pecado, e nao se identifica com o amor. Por exemplo, diante
deum irmáo necesitado só há urna atitude santa: interessar-
-se por ele na medida do possivel. Desinteressar-se por motivo
de desdém ou comodismo nao é santidade. O comportamento
humano, por conseguinte, é norteado por normas objetivas,
incutidas pelo próprio Criador; ao homem compete auscultá-las
com humildade e docilidade.

Eis as principáis ponderaoóes que o «Sidarta» de Hermann


Hesse sugere. O livro é sedutor, como, alias, toda a espiritua-
lidade oriental é sedutora. A grande razáo déste fascinio con
siste em que o pensamento oriental é místico: fala profunda
mente ao senso do misterio que todo homem (também o od-
dehtal) traz em si; promete ao estudioso o contato mais cons
ciente com o Infinito e a emancipagáo frente as categorías
obvias de pensamento e conduta, as quais sao por muitos mes-
tres orientáis tidas como infantis ou como aptas apenas aos
principiantes na vida espiritual. — Naturalmente, tais pers
pectivas sao capazes de exercer grande poder de atracad, pois
todo homem é feito para Deus ou para o Infinito; todo homem
também é feito para um «qué» de contemplacáo (nao há vida
humana auténtica sem um pouco de contemplacáo, contempla-
cao que os orientáis cultivam com tanto heroísmo). Todavía
lamenta-se que a tentativa de ascensáo para o Infinito, entre
os orientáis, perca o contato com a lógica e o raciocinio, dei-
xando-se guiar por exuberancia religiosa, fantasista e aber
rante.

Fagamos votos para que «Sidarta» desperté em muitos


homens o senso do misterio que trazemos latente em nos e que
encontra sua resposta auténtica nao no panteísmo, mas no
monoteísmo (há um Deus só, pessoal e distinto do mundo).

Estéváo Rettencourt O.SJ3.

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46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 129/1970 __

RESENHA DE UVROS

O tormento de Deus, por Frei Mateus Rocha O.P. — Editora


Vozes, Petrópolis 1970, 135 x 205 mm, 138 pp.

Frei Mateus Rocha é o autor de «Quem é éste homem?», já apre-


sentado em <P.R.> 126/1970, p. 273. O ndvo llvro désse escritor en-
cerra quatro ensaios: Os tres primelros sobre Dostoievski, o último
sobre alguns aspectos do ateísmo contemporáneo.

Dostoievski (1821-1881) foi um cristáo russo ortodoxo (cismático),


que aderiu profundamente a Cristo. Quería, porém, excluir do Cris
tianismo todo aspecto autoritario e jurídico; por isto criticou acerba
mente a Igreja Católica — que ele, alias, nao soube entender — por
haver tomado parte táo influente na direcfio da vida civil e política
dos povos; a obra «Os Irmaos Karamazovir, com o seu capitulo sobre
«O Grande Inquisidor», é urna expressáo típica da censura dirigida
por Dostoievski ao Catolicismo.
Freí Mateus, ao apresentar esta faceta da obra do escritor russo,
dá a ver que a Igreja nao se podia desinteressar da sorte temporal
ou política dos povos; íol a Providencia que quls Í6sse a civilizac&o
latina salva das ruinas pela missao apostólica dos bispos e dos monges,
osquais desde o sécalo V procuraran* aliviar a sorte das populantes
flageladas pelas invasOes bárbaras: «A posicáo de Dostoievski, nao há
dúvida, tem sua dose de verdade. Todavía desconhece ou minimiza
elementos que também sao essendais ao Cristianismo. Efetivamente,
o Cristianismo nao podia escapar á grande aventura do tempo. Tendo
surgido dentro do imperio romano, durante multos anos particlpou de
sua historia. E teve seu periodo de maior progresso quando ele co-
mecou a se desagregar. Proeurou até mesmo retardar-lhe a queda
inevitável... Poderiamos ter sonhado com urna religiao indiferente
aos acontecimentos históricos, escondida na historia, e sem acao sobre
ela. A religiao católica poderla ter-se alojado ñas entranhas do imperio
romano, como o foi no tempo de Trajano, nem condenada, nem garan
tida, ¡mas tolerada. Havia porém nela um desejo irresistível de atingir
tudo no homem. E já no sáculo III era claro que, se o paganismo
oficial cedesse, a religiao do Cristo tomarla s«u lugar» (pp. 78s).
Frei Mateus pfie em realce a sede ou a procura de Deus que
caracteriza varios personagens da obra de Dostoievski. Essas figuras
literarias exprimen) auténticamente o que val na alma de multos dos
nossos contemporáneos, por mais incrédulos que estes se professem.
Dostoievski afirma com veeméncia e calor a existencia de Deus; sao
dignos de nota os numerosos textos do autor russo que o nosso en-
saista transcreve e comenta; tem-se assím verdadeira antología dos-
toievskiana.
O quarto capitulo da obra versa dlretamente sobre o ateísmo
contemporáneo e suas manifestacOes. O autor procura fixar a respon-
sabilidade dos cristaos perante o fenómeno; a melhor resposta ao
ateísmo é realmente o testemunho da vida dos discípulos de Cristo:
tenham urna fé encarnada em todas as dimensfies da vida, especial
mente na profana. «Nao há perigo algum de que se demonstre a
nac-existéncia de Deus, mas há urna grande chance de que amanha
vecé e eu mesmo o esquecamos. Porque Deus é um Deus ativo que
nos provoca e nos incomoda... O ateu que devemos temer é aquéle
que vive em nosso coracáo» (p. 137).

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RESENHA DE LJVROS 47

Frei Mateus é talyez severo demais aoapontar a responsabllidade


dos cristfios no surto ou na propagacáo do ateísmo. Éste tem múltiplas
causas: o cientificismo, o hedonismo e o babeo nivel moral da sotíle-
dade sao seminarios de deíormacáo da mentalidade e de ateísmo. £
necessário nao criticar além da justa medida.
Em suma, pódese dlzer que o novo livro de Frei Mateus Rocha
é altamente valioso, nao somente por abordar um tema de grande
atualidade, mas também por conduzir a sua exposigáo com seriedade
e riqueza de documentos. Sao estas algumas de suas palavras fináis:
«De urna coisa estou certo: Deus nunca fica para tras, entre os de
tritos da historia. Seja qual fór a direcáo a que nos conduzam os
nossos passos de peregrinos do Absoluto, file surge setnpre adlante de
nos e nos aguarda cheio de amor. E, se realmente tivermos cresddo,
nos o encontraremos também maior» (p. 138).

O homem e a grasa, por Karl Rahner; traducao do alemao pelo


Pe. Hugo Assmann. Colecao «Revelacáo e Teología» 11. — EdicSes
Paulinas, S5o Paulo 1970, 145 x 210 mm, 255 pp.
Esta obra apresenta oito conferencias, reelaboradas após haver
sido proferidas pelo autor ém ocasiOes diversas. Guardam algo das
características de seu estilo e auditorio próprios. O autor aborda temas
como «natureza e graca», «relacfto entre natureza e graga», «conceito
teológico de concupiscencia», «pecado e remissáo do pecado no donlnio-
•íronteira da teología e da psicoterapia»...; termina com um diálogo,
multo lnteressante, entre um médico e um sacerdote «sobre o sonó, a
oracao e outras coisas». — Os assuntos abordados por Rahner supSem
profundo conhecimento nao sómente dos dados da fé e da teología,
mas também da psicología e da antropología. O autor possul tais
noefies com ampia erudic&o; sabe desenvolver o seu pensamento cóm
seguí-anca, mas n&o é de fácil leítura; o vocabulario e a profundidade
do estilo de Rahner só podem ser devldamente entendidos por quem
tenha tido iniciacao teológica. Rahner procura reformular as nocOes
teológicas da escolástica de acordó com as categorías da filosofía mo
derna, conservando integro o depósito da fé.

A juventude da Igreja ou a grande tentacSo moderna, por Francote


Boucahrd; traducao das Monjas beneditinas de Belo Horizonte. Colec&o
«Mysterium Fidei» 7. — EdicSes Paulinas, S&o Paulo 1970, 130x200
mm, 215 pp.
Éste livro tem em mira todos aqueles que hoje em día se véem
perplexos diante do fenómeno da Igreja; muitos a julgam ultrapas-
sada ou envelhedda, enquanto outros a tem na conta de traidora dos
principios da sa Tradicáo. o autor tenta mostrar como perenidade e
renovacao se conciliam na única Igreja de Cristo. Pelo seu aspecto
divino, a Igreja é intocável, enquanto pela sua face humana está su-
jeita a trocar de expressfies no decorrer dos tempos. Bouchard consi
dera, de modo especial, o papel da Igreja no .mundo de hoje, mundo
da técnica e do consumo. Rejelta tanto a desconíianga sistemática
como a confianca simplória ou exagerada, a fim de apregoar urna
esperanca lúcida e corajosa no futuro da Igreja. É justamente conser
vando sua íidelidade a Cristo e aos valdres sobrenaturais que a Igreja
poderá ser útil ao homens e sobrevlver através dos séculos; á pág. 191
do livro recenseado lé-se interessante obervacáo de Toynbee, famoso
sociólogo c historiador inglés: «O cristianismo jamáis foi um mono-

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48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

polio dos cristfios ocidentais; creio pódennos predlzer com confianca


que ¿le continuará a ser urna ídrca espiritual viva no mundo por
milhOes de anos, mesmo quando nossa civilizacao ocldental já tlver
passado completamente». Bouchard, portante, professa genuino oti-
mismo cristSo, que ele ilustra lembrando fatos contemporáneos e ci
tando numerosos testemunhos de pensadores dos nossos dias, os quals
atestam a vitalidade do Evangelho e da Igreja em meio ás viclssitudes
da historia. A obra, alias, comeca pelo estudo do pensamento de
Georges Bemanos, Paúl Claudel, Charles Péguy e Slmone Weil, que
expressaram com ardor sua confianca na juvcntude imortal da Igreja:
«Veja, eu vou definir um povo cristño pelo seu contrario. O contrario
' de um povo cristao é um povo triste, um povo de velhos» (Bernanos).
O livro se recomenda vivamente a quem se interesse pela posicáo da
Igreja frente ao mundo contemporáneo. É sadlamente esperancoso,
como também erudito, sem perder clareza e encanto.
«O que muito nobremente se propñe o Concilio ecuménico... é
fazer um periodo de pausa em torno déla (a Igreja), para, num estudo
aíetuoso, investigar os traeos de sua juventude mais ardente e re-
compo-los de maneira a revelar a sua fórca conquistadora sobre os
«spiritos modernos» (Joao XXIII, 13/XI/1960, citado á p. 53 do livro
assinalado).

A Carta do Apostólo Tiago, comentada por Otto Knoch e traduzida


com seu comentario por Frei Edmundo Binder G.F.M. ColecSo «Novo
Testamento — Comentario e Mensagem» n» 19. — Editora Vozes, Pe-
trópolis 1970, 125 x 180 mm, 127 pp.
Toda obra que comente sabiamente as Escrituras Sagradas é par
ticularmente oportuna nesta hora de renovacao bíblica. Aconselha-se
calorosamente aos fiéis a leitura da Biblia, mas íreqUentemente acon
tece faltarem livros que introduzam e expliquem o texto sagrado. Em
tais casos, süo prejudlcados o estimulo e a perseveranca dos leitores.
— A colecSo ácima assinalada veio, em boa hora, suprir a lacuna. Apre-
senta em fascículos de fácil manuseio comentarios sólidos, profundos
« claros ao Novo Testamento. Seria para desejar que os cristaos, na
medida do possivel, trouxessem sempre em sua pasta de viagem algum
fascículo désses, a fim de nutrir o espirito durante um trajeto ou
numa sala de espera (consultorio médico, estac&o rodoviária, ferro
viaria...). A comunhSo com a palavra de Deus é a preparacáo e a
continuagáo da comunháo eucaristica. O fascículo ácima registrado é
acompanhado de urna fólha que fornece oracBes e instrug&es em vista
de mais frutuosa leitura da Biblia. O comentario elaborado por O. Knoch
é nutrido de teología e de espirito de oracao.

Voca$3o e proflssSo, por Paulo Rosas. — Editora Vozes, Petrópolis


1970, 140x210 mm, 207 pp.
Paulo da Silvelra Rosas estudou Psicología em Madrid (Espanha)
em 1954. Em 1964/65 fez estágio no Instituto de Psicología da Uni-
versidade de Paris. Fundou e dirige o Instituto de Psicología do Tra-
balho no Recife. É professor da Universidade Federal de Pernambuco,
onde atualmente chefia o Departamento de Psicología.

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O autor dirige-se principalmente a jovens, a quem deseja ajudar
a descobrir a sua vocagao ni" vida, usando de linguagem coloquial e
penetrante. Por «vocacao» entende Pedro Rosas «a imperiosa atracáo
que as pessoas sentem para se dedicarem a urna atividade proíissional
determinada... Nada de alimentar sonhos irrealistas, alimentar nivel
de aspiragdes profissionais desproporcional ás possibilidades i.itelec-
tuais e ás características biotipológicas individuáis» (p. 191).
Para auxiliar o jovem a se descobrir, Paulo Rosas íornece-lhe
dados e tabelas de medicina e psicología, indispensáveis para que o
rapaz e a moga possam avahar a sua evolugüo psicossomática. Realga
o que todos os jovens tém de comum entre si, incutindo, porém, a
necessidade de cada um cultivar as notas tipicas de sua personalidade.
Por último, o psicólogo propóe ao leitor urna serie de perguntas que
o devem impelir a reíletir sobre si mesmo: «A profissao que vocé
escolheu está em consonancia com sua vocagáo? Ou vocé prefere ser
'mais prático", e escolher a mais rendosa, apenas por ser mais rendosa?
Ou a de 'vestibular mais fácil', apenas por julgar que assim nao pre
cisará estudar muito? Ou escolheu a profissao de seu pai, táo-sómente
por 'ter meio-caminho andado', por ter 'clientela feita'? Ou vocé se
acovarda face ás dificuldades durante o período de formacao e treina-
mentó, preferindo pensar que vocacao é luxo e profissao se escolhe
conforme a oportunidade de emprégo acaso encontrada? Vocé já pen-
sou que trabalho é mais do que um 'meio de vida' e mesmo mais do
que realizagáo num plano exclusivamente individual? Que por seu
trabalho vocé dá á sociedade a contribuigáo que ela tem o direito de
exigir de vocé?» (p. 191s).
P. Rosas assim deseja evitar as receitas feitas e as fórmulas-
-padrSes, que podem favorecer a passividade do jovem e nao sempre
resolvem a problemática pessoal do mesmo. O autor prefere provocar
certa «incómoda análise» ou certa angustia sadia, que há de levar o
jovem á reflexáo e á maioridade intelectual. O livro foi escrito segundo
os métodos mais modernos da educagao, baseando-se em ampia biblio
grafía devidamentc citada. Talvez choque á primeira vista, por fugir
do estilo clássico do escritor-professor; nao obstante, pode ser alta
mente construtivo e útil.
E.B.

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