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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DAEDH?ÁOON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
" visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Verítatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
filosofía

CIENCIA <

OEUOIAO

&OUTGINA

BIBLIA

MORAL
Indi ce

Pág.

SACIADOS, MAS AÍNDA SEQUIOSOS ! 93

INSPIRACAO E REVELACAO : MESMA COISA ?


r

Inspiracáo bíblica muitas vézes mal entendida 96

JESÚS E OS TAUMATURGOS PAGAOS: UM CONFRONTO

A propósito de "L'Évangile sans mythes" (O Evangelho sem mitos)


de Louis Évely 106

"JESÚS CRISTO" DE ROBERTO CARLOS EM FOCO

Irreverente ? Subserviso ? 116

O CONFUTO DAS GERA?6ES... BROTINHOS E COROAS !

Um pouco de psicología no caso 122

QUE HA COM AS NOVICAS INDIANAS LEVADAS PARA A EUROPA?

Urna celeuma que passou 128

RESENHA DE LIVROS 139

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


SACIADOS, MAS
AÍNDA SEQUIOSOS!
O escritor Ugo Apollonio entrevisten recentemenle ses-
senta dentistas a respeito do próximo futuro da humanidade:
geneticistas, físicos, bioquímicos, cibernétioos, psicanalistas,
políticas, filósofos, sociólogos... abriram entáo prospectivas
grandiosas, quase provocadoras de vertigem... Mas o que
marca essas declaracóes, é precisamente o seu tom de se-
riedade1.

Muito interessante, por exemplo, é o depoimento de


Hermán Kahn, o mais famoso futurólogo do mundo, cujo
coeficiente intelectual atinge cinqüenta pontos ácima do nivel
do genio. Entre as novas conquistas da ciencia, prevé que
o homem chegue a localizar no seu cerebro os centros de
prazer; há de os por entáo em contato com botóes aciona-
dores que levará ao pescoco, de modo a provocar sensacóes
agradáyeis sempre que as quiser (cf. p. 373). O Prof. Emilio
Servadio, Presidente da Sociedade Psicanalítica Italiana e co
laborador da revista americana «Sexology», afirma: «Nao
tenho dúvida alguma de que serio produzidos meios tanto de
natureza elétrica (estimuladores de certas regióes do cerebro)
como de bioquímica (substancias e drogas) que poderáo am
pliar muitíssimo, sem daño algum para o homem, as suas
possibilidades de gozo sexual» (p. 417s).

A corrida ao prazer e ao erotismo hoje em dia parece


realmente sugerir e preparar tal futuro.
Mas adverte Hermán Kahn que urna extraordinaria pros-
peridade levará a decadencia geral, ao passo que aumentará
para cada individuo o problema de dar sentido e objetivo á
vida humana. «Para que servirá tanto gozo?... Os homens
querem algo em que acreditem, algo por que se esforcem»
(p. 373).

O Prof. Ssrvadio, por sua vez, observa: «Quanto a mim,


nao oculto pensar que existem no homem possibilidades que

1 Ugo Apollonio, O Homem no ano 2.000; traducSo do Italiano Edi


tora Vozes, Petrópolls 1970.

— 93 —
nao sao própriamente psicológicas e que pertencem a outros
planos do ser. Digo isto sem professar alguma das religióes
codificadas. Estou convicto de que certas experiencias inte
riores sao insubstituíyeis e nao caem nos ámbitos da psico
logía própriamente dita, da psicoquímica ou da psicoeletró-
nica... É isto, no fundo, que me permite encerrar esta
palestra em tom nao pessimista. Esperamos que as imensas
possibilidades de progresso (extremamente consuntivas, por
um lado, mas extremamente destrutivas, por outro) venham
a ser dirigidas por dimensóes do ser humano que nao sao as
da materia (mesmo em sua mais tenue expressáo); podéráo
assim garantir á humanidade futura nao só um extraordina
rio bem-estar material, mas até maior consciéncia que eu
nao hesitaría em chamar de espiritual» (p. 420s).
As palavras de 'Kahn e Servadio sao altamente valiosas:
inspiradas por quem nao professa determinado credo religioso,
lembram, em nome da sá razáo e do estado tranquilo, que o
homem nao é somante materia, mas possui algo que o leva
a ultrapassar a materia e seus prazeres sensíveis a fim de ir
em demanda do Maior, do Infinito. Degrada-se o ser humano
que se entregue despreocupadamente á volúpia sensual; ao
contrario, nobilita-se aquéle que eré em algo mais elevado e
luta denodadamente por atingi-lo. A felicidade está, antes do
mais, em irmos heroicamente ao encalco do que nao vemos,
mas que nem por isto deixa de ser a mais bela Realidade!
O testemunho de tais homens (ao qual outros muitos se
associam no mesmo livro) merece a atengáo de todos os
ddadáos deste século XX. Reproduz em linguagem moderna,
a partir de fontes novas, aquilo que a Sabedoria sempre en*
sinou: nao existe apenas materia, mas existe também o espi
rito. .. o espirito criado, humano, e o Espirito Criador.
Senhor Jesús, se todos soubessem que Tu és o Caminho
e, ao mesmo tempo, a Verdade e a Vida, se soubessem que
és a Palavra-Resposta, haveria menos inquietagáo e angustia
no mundo voluptuoso de hoje!
Senhor, nao é preciso que te digamos mais...!

E.B.

— 94 —
"Quando fór exaltado ácima da térra, atralrel todos a Mlm"
(Jo 12,32)

— 95 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XII — N» 135 — Marco de 1971

inspirando e revelacáo:
mesma coisa 7

Atot Fm sln'ese:. Revelado divina e Inspirado bíblica sfio dols dons


distintos um do outro. Por "revelacáo" entende-se a comunicacao, felta por
Deus ao nomem, de verdades que o hometn ignorava; tal é o caso dos
profetas. Quanto á "insplracao bíblica", é um dom de Deus que por si n§o
enriquece o cabedal de nocSes religiosas e científicas do escritor sagrado
mas apenas (he Ilumina a mente para que veja como utilizar tais nocñes,
a flm de transmitir aos seus leltores a mensagem religiosa intencionada por
Deus. A finalldade da insplracSo bíblica é sempre religiosa.
Embora inspiracfio bíblica e revetacSo se dlstlngam claramente urna
da outra, ocorrem Intimamente assocladas entre si na Escritura Sagrada.
Nao poucas páginas bíblicas enuncian) verdades previamente reveladas;
sao, por exemplo, multas das páginas proféticas. De modo geral, a Biblia
é dita "revelada", porque através de seus escritos ela nos dá a conhecer
o grande designio salvifico de Deus em favor da humanldade — designio
que so por revelacSo divina poderla ser atingido pelo homem.

Respoeta: Bergunta-se com insistencia se a inspiragáo


concedida por Deus aos autores bíblicos nao é a mesma coisa
que revelacáo, ... se a Biblia inspirada por Deus nao deve
ser tida também como revelada, etc.

— 96 —
INSPIRACAO E REVELACÁO

As dificuldadies e confusóes se originain neste setor pelo


fato de que nem sempre há idéias claras sobre o que sejam
POTBiaía» dhina e inspáxa«So bíblica na lingdagem especifica
da teología. É por isto que proporemos a resposta as psrgun-
tas adma tentando definir o que se entende pelas referidas
expressóes.

1. «Revelacáo» em linguagem teológica

Por «revelacáo divina» em teología entende-se a comuni-


cacáo que Deus faz ao homem, de verdades que §le desco-
nhece ou desconheda antes da intervens&o do Senhor; o homem
agradado (carismático) adquire entáo novas nocóes, por yia
estritamente sobrenatural. £ o que se dá oom todo profeta%
quem Deus queira revelar o que há de acontecer, sem qué
o homem o possa saber por conjetura ou pela escola de seu
tempo; tenha-se em vista, por exemplo, o caso de Isaías que,
no séc. Vm a.C, predisse que «urna jovem donzelá ('almah,
em hebraico; parthénos, virgem, em grego) conceberia e daría
á luz um filho» (cf. Is 7,14; Mt 1,23). T6da profeda que
seja portentosa predicáo do futuro, é efeito de urna revelacao
divina. - •

Pode-se dizer também que o grande designio salvífico de


Deus (o mysterion, segundo S. Paulo), a partir da criacáo dos
primeiros pais até a consumacáo da historia, compreendendo
a historia do pecado, a da Redengáo a instituigáo da Igreja
e dos sacramentos..., é objeto de revelacáo de Deus ao homem.
Éste, com sua capaddade radonal ou oom os sinais forned-
dos pelos estudo da natureza, jamáis chegaria a ter consciénda
do grandioso plano concebido pelo Pai a respeito dos homens
para os levar a plenitude da vida no reino de Deus.

A maneira como Deus se revela aos homens sao as intui


cóes recebidas pelos homens de Deus, desde Abraáo... Essas
intuicóes foram apregoadas ao povo de Israel, constituindo o
patrimonio da fé désse povo. Eram transmitidas geralmente
de viva voz, sem preocupacáo de escrita. Só esporádicamente
e aos poucos foram sendo consignadas por ""
a dar origem ao Código Sagrado (Biblia) de --^WTO1WW,TO^7.
de Deus. /^W»^'%^

— 97 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

2. E inspirase» bíblica ?

1. Há quem tenda a conceber a inspiragáo bíblica a se-


melhanca da inspiragáo que um chefe de escritorio dá á sua
datilógrafa para escrever urna carta. Neste caso, o chefe co
munica á sua auxiliar dados e elementos que ela geralmente
ignorava; a datilógrafa pode mesmo escrever sem ter com-
preensáo do que escreve; ela consigna mecánicamente o que
lhe é fditado. O chefe de escritorio, só, assina a carta; a secre
taria, nao.

Quem assim concebesse a inspiracáo bíblica, admirar-se-ia


de que, quando a Biblia trata de ciencias natúrais, nao apré
sente descrigóes da origem do mundo e do homem ou dados
ds ciencia que ultrapassem mesmo a sabedoria (por vézes,
aínda vacilante) do homem moderno. Deus, inspirando, deve-
ria ter mostrado mais profundos conhecimentos do que os da
ciencia moderna. Já que isto nao se dá, poderia alguém julgar
que a crenca na inspiracáo bíblica é resquicio de mitología
ou é crendice de épocas ultrapassadas.

2. Na verdade, a inspiragáo biblica nao pode ser con


fundida com a da linguagem profana ou civil.
Ao inspirar o escritor sagrado (Moisés, Davi, Sao
Paulo...), Deus nada lhe comunicou de novo, mas deixou-o
simplesmente de posse das nocóes religiosas e profanas que
ele recebera através da escola do seu tempo. Todavía o Senhor
. iluminou tal homem de sorte que pudesse fazer urna triagem
entre os seus conceitos, percebend» claramente (com a cer
teza do próprio Deus) que tais e tais dados eram aptos a
transmitir a mensagem religiosa, intencionada por Deus, ao
passo que tais outros dados trairiam o pensamento divino.

3. A margem do que acaba de ser dito, note-se bem:


3.1. A finalidade da inspiragáo biblica é religiosa; é
comunicar aos homens nogóes referentes á vida eterna. Em
linguagem popular dir-se-ia: a Biblia nao pretende ensinar-
-nos como vai o céu (como se movem os planetas, como evo-
luem os astros...), mas como s© vai ao céu (como se atinge
a plenitude da vida, que é Deus mesmo>).

3.2. Para dizer-nos isto, o autor sagrado tem que alu


dir as realidades déste mundo em meio as quais o homem
traga o seu caminho para o céu ou para a vida definitiva.

— 98 —
INSPUtACAO E REVELACAO

Já, porém, que na Biblia a alusáo a essas realidades nao


se faz senáo em fungáo de uma mensagem religiosa, Deus
permite que o autor sagrado se sirva dos conceitos e vocábulos
que a ciencia de seu tempo (sáculos anteriores a Cristo) lhe
fornece; Deus nao aperfeigoa essas nogóes \ mas apenas cuida
de que tenham sua veracidade vulgar, pré-cientifica.
Por exemplo, as expressoes "o sol nasce", "o sol se pSe" tém sua
veracldade pré-clentlflca, vulgar. Ao proferl-las na vida cotidiana, o cidadSo
nao é argüido de erro; os ouvintes compreendem o que quer dlzer: quer
referir-se a esta ou aqueta fase do dia que todos sabem reconstituir com
exatidao.

Em conseqüéncia, o autor sagrado se referiu a éste mundo


como sendo uma mesa plana, recoberta por uma abobada cris
talina, sustentada por colunas sobre um reservatório de aguas
inferiores.— Estas nocóes, examinadas a luz da ciencia rigo
rosa, sao erróneas; todavía, & luz dos conhecimentos de cien
cia dos antigos, eram suficientes veículos para aludir a éste
mundo e elevar-nos á compreensáo do valor religioso do
mesmo.

Em outros termos: a Biblia Jiáo foi inspirada para en-


sinar-nos Física, isto é, ciencias naturais (physis = natureza,
em grego), mas, sim, Metafísica, ou seja, o que está para
lá ou para além da Física (meta = além de, em grego).
Quando o telescopio mais possante e o microscopio mais mo
derno cessam a sua mensagem, comeca a msnsagem bíblica:
esta nos diz qual o valor que tém, na visáo de Deus, o uni
verso e o homem..., qual o papel do homem sobre a térra,
de onde vimos, para onde vamos, por que trabaríamos, que
podemos e devemos esperar no decurso da historia... A ma
nara como o mundo, as plantas, os animáis e o homem sao
designados na Biblia, é arcaica; mas o que importa, na Escri
tura, sao as realidades que essa nomenclatura arcaica designa.
Sao essas realidades que a Biblia julga á luz de Deus e da
eternidade. Em nossos dias, elas teriam sido mencionadas
mediante a nomenclatura da física, da química, da astrono
mía, da biología moderna... (protónios, neutrónios, eletrónios,
fotónios... teriam sido mencionados!).

1 Ésse aperfelcoamento equlvalerla a anteclpar na mente do autor sa


grado as nocfies de ciencias que sómente nos tempos posteriores seriam
familiares ao genero humano. Essa antecipacfio equlvalerla a uma revelacfio
ou a um milagro, que Deus nSo quls fazer, pols tal milagro nSo era neces-
sárlo & flnalldade religiosa da Biblia.

— 99 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

3.3. Vé-se, pois, que a inspiracáo bíblica é, antes do


mais, urna luz que ajuda o homem a avaliar os conhecimentos
que já tem; ela nada acrescenta, nem mesmo em materia re
ligiosa e teológica. Por isto é que temos na Biblia livros como
os de Jó e do Eclesiastes, em que os autores sagrados interro-
gam: «Onde está a felicidade? Como se explica o sofrimento?»,
sem que possam dar urna resposta cabal ao problema. Escre-
vendo nos séc. IV/IH a. C, quando os judeus aínda ignoravam
a existencia de urna vida postuma consciente *, compreende-se
que nao podiam elucidar por completo a questáo da felicidade
e do sofrimento. Éles a teriam elucidado, sim, se Deus lhes
tivesse revelado a existencia de urna retribuigáo postuma; o
Senhor, porém, nao o quis fazer naquela época, mas, sim, em
sáculos mais próximos de Cristo (séc. U/1 a. C, com os livros
de Daniel, Sabadoria, 2* dos Macabeus).

Nao obstante, mediante a inspiragáo só, sem revelagao, ou


seja, sem a antecipacáo da mensagem de que existe vida eterna
consciente, os autores dos livros de Jó e do Eclesiastes nos
legaram licóes de valor perene.

Com efeito. O livro de Jó ensina ao leitor nao queira dis


putar com Deus a respeito do sofrimento humano; nao peca
contas ao Altissimo, pois Éste é muito mais sabio do que a
criatura. Será que Jó (ou o homem que se senté aflito) assistiu
a Deus quando Éste criava a térra, íestabelecia as leis da natu-
reza, comunicava ao avestruz, ao rinoceronte, ao hipopótamo
os seus tragos pujantes e os seus sabios instintos? — Já que
o homem ignora os segredos da criacáo, nao queira sondar
os designios da Providencia em relagáo as sortes humanas;
Deus nao se engaña. Calece, pois, o homem. Tal mensagem,
embora aínda simples e suscetível de ser completada pslo Evan-
gelho, é de valor perene. O homem, na verdade, jamáis estará
em condigóes de disputar com Deus e abarcar os profundos
e sabios planos do Criador.

Quanto ao Eclesiastes, depois de muito discorrer sobre os


diversos «manandais» de felicidade (corte regia, luxo, volúpia,
dinheiro, ciencia...) e verificar a exigüidade e insuficiencia
de cada um, termina muito sabiamente:

»Os Judeus mais antlgos tlnham consclencla do que o homem nSo


se acaba todo com a morte, mas Julgavam que o espirito (nephesch) do
defunto entreva em torpor ou Inconsciencia no sheol ou na regISo subter-
ia« morios, tornando-se Incapaz de recebar qualquer premio ou

— 100 —
INSPIRACAO E REVELACÁO _9

"De resto, meu fllho, quento a malor número de palavras que estas,
fica prevenido: Podem-se multiplicar os livros Indefinidamente, e o multo
estudo é urna fadlga para o homem.

O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é éste:

Teme a Oeus e observa os seus preceitos, porque éste é o dever de


todo homem. Deus fará dar contas, no día do julzo, de tudo o que está
oculto, quer seja bom, quer seja mau" (Ecle 12, 12-14).

Esta conclusáo dá valor perene ao Eclesiastes, podendo


ser professada e assumida mesmo por um cristáo. Verdade é
que o cristáo sabe que haverá a ressurreicáo da carne e o juízo
final; sabe que os justos e os pecadores colheráo, depois da vida
presente, o que tiverem semeado na térra; sabe também que
o sofrimento do homem, unido ao de Cristo, se torna extrema
mente valioso. Nao obstante, as conclusóes respectivamente dos
livros de Jó e do Eclesiastes permanecem de pe e estáo na
linha do que seria revelado por Jesús Cristo no Evangislho :
que o homem nao dispute com Deus na hora do sofrimento;
cuide de observar os mandamentos (dos quais o principal é
o do amor), aprestando-se assim para o dia do Grande Juizo !
— A retídáo dessas conclusóes se deve nao & revelacáo divina
(esta teria feito saber aos judeus que existe urna vida postuma
consciente), mas, sim, á inspiracáo bíblica de que se benefi-
ciaram os autores sagrados.

As consideragóes propostas até aqui sao suficientes para


que delineemos as relacóes existentes entre Revelacáo Divina
e Inspiracáo Bíblica.

3. Revelagdo e Inspiragáo

O tema será resumido sob tres subtítulos

3.1. Diferen;a

De quanto foi dito, depreende-se com clareza que e


e inspiracáo nao se identificam entre si, mas sao dois dons
de Deus distintos um do outro. A revelacáo enriquece o ca-
bedal de conhecimentos do homem beneficiado por ela, ao
passo que a inspiracáo nao o enriquece, mas ilumina o que
ele já possui, a fim de que ele utilize essas nogóes de maneira

— 101 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

consentánea com a mensagem que Deus quer comunicar aos


homens.

É oportuno acrescentar alguns exemplos que ilustrem a


distincáo entre revelacáo divina e inspiragáo bíblica, pois se
verifica que essa distingáo costuma causar dificuldade a quem
se inicia ñas ciencias bíblicas.

a) Pergunta-se, pois: por que os autores sagrados, go


zando todos do carisma da inspiracáo, nao relataram do mesmo
modo as palavras com que Cristo instituiu a S. Eucaristía?
Tenham-«e em vista os textos de '
MI 26,26-28: "Ainda durante a cela, tomou Jesús o pfio, abencoou-o
partlu e deu a seus discípulos, dlzendo: Tomal e comel. Isto é o meu corpo'!
Segurou o cálice, deu gracas e entregou-lhes, dlzendo: 'Bebe! dele
™r
por m,S?nTn»
multos para ° ?e« SaJ9Ue> san9ue da allan5a- t'ue val ser derramado
a remlssSo dos pecados ".

Me 14,22s: "Enquanto comlam, tomou Jesús o pao, abencoou-o Dar-


tlu-o e entregou-lhes dlzendo: Tomal, isto é o meu corpó'.
Segurando o cálice, deu gracas e entregou-lhes. Todos beberam déle,
por
por multos'"
multos'" ° meU san9ue> san9üe da allanca, que será derramado

HiTonif
dlzendo:
^f19!1 "Josus lomou ° pao' dBU sracas' Partlu- e entregou-lhes,
zendo: lato é o meu corpo. que val ser entregue por vos. Fazel Isto em
memoria de mlm.
mlm

Do mesmo modo, depols de cear, tomou o cálice e dlsse: 'Éste cálice


ó a nova alianca em meu sangue, que val ser derramado por vos'".
1 Cor 11, 23-25: "Na nolte em que fol entregue, o Senhor Jesús
tomou o pSo, e, depols de dar grasas, partlu-o e dlsse: 'Isto é o meu
corpo, que é para vos; fazel Isto em memoria de mlm'.

Depols da cela, tomou Igualmente o cálice, dlzendo: 'Éste cálice é a


nova allanca em meu sangue: tñdas as vezes que o beberdes. fazel-o em
mentarla de mlm1".

Será que Jesús repstiu varias vézes a fórmula da consa-


gragáo? Tal hipótese é de todo despropositada. Pretendería
resolver um problema mal colocado.
Note-se, pois, o seguinte: quando os autores sagrados con-
Edgnaram por escrito as palavras de Jesús proferidas na última
ceia, nao o fizeram de memoria (nem todos estiveram pre
sentes 4 mesma, e os que lá estavam nao se preocuparan!
com a retsngáo exata das palavras). Para que escrevessem
verbalmente nos Evangelhos e em 1 Cor o que Jesús disse,
deveriam ter recebido urna revelacáo divina mediante a qual

— 102 —
INSPIRACAO E REVELAQAO U

repetiriam decenios mais tarde, ern circunstancias bem diver


sas, aquilo que Jesús havia proferido, sem troca de um vocá-
bulo. Tal revelagáo teria equivalido a um milagre. Ora Deus
nao o quis fazer, porque nao era neosssário á finalkJade cate-
quética dos textos sagrados. — A conseqüéncia é que Mateus,
Marcos, Lucas e Paulo receberam da tradigáo litúrgica as fór
mulas de consagragáo da Eucarista; na verdade, a Eucaristía
era celebrada desde os primeiros dias da comunidade de Jeru-
salém, usando-se fórmulas sinónimas (mas nao idénticas quan-
to á assonáncia das palavras) para dizer que o pao se tomava
o corpa ide Cristo e o vinho eucarístico se convertía no sangue
do Senhor. Essas fórmulas equivalentes entre si, depois de
usadas pela Liturgia, foram consignadas pelos autores sagra
dos em seus escritos. Embora nao tenham recebido revelacáo,
receberam inspiragáo para perceber (com a certeza que Deus
tem) que através das palavras transmitidas pela Liturgia se
exprimía fielmente o pensamento de Cristo.
b) Por que Mateus e Lucas nao nos referiram do mesmo
modo o «Pai Nosso»?

Tenham-se em vista:

Le 11,2-4: "Pai, glorificado seja o vosso santo nome, estenda-se a


lodos o vosso reino. Dal-nos cada día o pfio necessário a nossa vida Per-
doal-nos os nossos pecados, pols nos também perdoamos a todo aquele
que nos ofende. E nfio nos delxels sucumbir na tentaefio".

Mw 6V9"13 : "Pal nosso' t'uo estals no céu- santificado seia o vosso


nome. Venha a nos o vosso reino. Seja felta a vossa vontade, asslm na
ierra como no céu. O pao nosso de cada día nos dal hole; e perdoai-nos
as nossas dividas assim como nos perdoamos aos nossos devedores E
nao nos delxeis cair em tentaefio, mas llvral-nos do mal".

Terá Jesús ensinado o «Pai Nosso» duas vézes, ora de


forma breve, ora de forma mais longa?

— Váo seria supor isto.


Na verdade, quando Jesús ensinou o «Pai Nosso», os Apos
tólos nao pensaram em decorá-lo nem anotá-lo por escrito.
Por conseguinte, os Evangelistas iió-lo referiram a partir das
tradigóes litúrgicas. Ao consigná-lo por escrito, receberam a
inspiragáo do Senhor. Esta lhes iluminou a mente para que
percebessem que através das duas tradigóes litúrgicas se ex
primía a mesma intengáo de Cristo. A fórmula de Mateds con-
tém mais duas petígóes que a de Lucas; ora a inspiragáo fez
que Mateus compreendesse serení tais petigóes a auténtica
formulagáo do que Jesús quisera ensinar. Para que nos trans-

— 103 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

mitisssm palavra por palavra o que Jesús tinha dito, os Evan


gelistas teriam precisado de urna revelagáo, ou seja, de um
milagre, que — mais uma vez se diga — Deus nao quis fazer
por nao o julgar necessário. Cf. PR 113/1969, pp. 193-205.

É segundo processo análogo que se deveráo resolver ou-


tros casos em que os Evangelistas nos referem a mesma dou-
trina de Jesús, atributado, porém, ao Mestre fórmulas um
tanto diferentes (diferentes quanto á sua assonáncia sensivel,
mas idénticas quanto ao seu significado). Ésses casos ilustram
bem a importante distingáo existente entre revelagáo divina e
inspiragáo bíblica.

3.2. Intimamente associadas. ..

Apesar da real diferenca entre inspiragáo bíblica e psve-


lagáo divina, acontece que muitas páginas biblicas sao o pro-
duto de revelagáo e inspiragáo. Deus manifestou ao autor
sagrado verdades a ele desconhecidas (revelagáo) e iluminou-
-lhe a mente, fortaleceu-lhe a vontade e a agáo para que con-
signasse tais verdades por escrito (inspiragáo bíblica). É o que
se ida, por exemplo, ñas secgóes proféticas da Biblia: Is 7,14;
9,1-6; 11,1-9; Jer 23,5s; 31,31-37..., Apocalipse de S. Joáo.

Outras secgóes da Escritura foram redigidas evidentemen


te sem revelagáo divina, pois os autores indicaram as fontes
por éles utilizadas; gozaram apenas da inspiragáo divina, ou
seja, do dom necessário para utilizarem seus documentos de
maneira a serem fiéis ao Senhor.

É o que se dá, por exemplo, nos livros dos Reis, cujo


autor refere, como fontes, os Anais dos reis de Judá e Israel;
cf. 1 Rs 14, 19.29; 15, 7. 23. 31; 16, 5. 14. 20...; 2 Rs
1,18. 10, 34; 12,20; 13,8... Nos livros das Crónicas sao citados
dezesseis documentos-fontes: cf. 1 Crón 29,29 (os escritos de
Samuel, de Nata e de Gad profetas); 2 Crón 9,29 (profecías
de Aias de Silo, de Ado...). O autor do 2» livro dos Macabeus
nao fez senáo abreviar os cinco livros de Jason día Cirene
(cf. 2 Mac 2,24). Sao Lucas diz, no prólogo do seu Evangelho,
ter recebido a contribuigáo de testemunhas oculares da vida
do Senhor (cf. Le l,2s).

— 104 —
INSPIRACAO E REVELACAO 13

Por isto pode-se diaer em linguagem precisa:


Na Biblia tudo é inspirado (= tudo foi escrito sob a luz
de Deus que se projetava sobre o cabedal de nogóes do autor
sagrado, sem o aumentar milagrosamente),
mas nem tudo é revelado (= nem tudo se deve a comu-
nicagáo de nocóes novas da parte de Deus).

3.3. Em senso lato. ..

Em sentido lato, diz-se que a Biblia é nao sómente inspi


rada (no sentido atrás enunciado), mas também revelada o
que deve ser entendido no sentido de que oontém a Revelacáo
de Deus aos homens (muitas de suas páginas, como obser
vamos, supóem e exprimem a Revelacáo divina).

O fato mesmo de que a Biblia foi escrita sob inspiracáo


divina, só o podemos saber por revelacáo do próprio Deus.
Essa revelacáo foi feita parcialmente pela própria Escritura
(cf. Éx 17,14; 34, 27; Is 34, 16; Jer 36? Le 24, 44; 2 Tim
3,14s; 2 Pe l,19s); foi completada e corroborada pela tradi-
gáo oral, que o magisterio da Igreja formulou em termos defi
nitivos.

Sabemos que nos últimos anos os estudiosos tém procurado ampliar o


conceito de Insplracáo bíblica, levando em conta o papel da Igreja e das
antigás comunidades cristas na confecgáo dos llvros sagrados ("método da
historia das formas"). Estas novas concepcóes nao derrogam a quanto acaba
de ser ácima exposto. — Outros autores, segulndo camlnhos diversos, re-
formulam a inspiracSo bíblica de maneira ainda discutida e dúbla.

Bibliografía:
Perrella-Vagaggini, "Introducáo á Biblia". Petrópolis 1968.
P. Grelot, "Blble et Théologie", na colegSo "Le mystére chrétlen".
Paris 1965.
ídem, "La Bible, Parole de Oieu". París 2 1965.
J. Scharbert, "Introducfio á Sagrada Escritura". Petrópolis 1S62.
J. Roatla, "O misterio da Palavra de Deus", na "ColecSo bíblica"
n° 7. SSo Paulo 1961.
E. Bettencourt, "Ciencia e Fé na historia dos primordios". Rio de
Janeiro 1962.
G. Auzou, "A palavra de Deus". Sao Paulo 1967.
Freí Leonardo Boff, "A atual problemática da inerrancia da Escritura"
e "Tentativa de solucSo ecuménica para o problema da inspiracSo e da
inerrancia" em REB, n? 118 (junho 1970) pp. 380-392 e n? 119 (setembro
1970), pp. 648-667.

— 105 —
Jesús e os taumaturgos
pagaos: um confronto
A propósito de «L'Évangile sans mytbes« (O Evangelho
sem mitos) de Loáis Évely.

Em símese: Jesús deve ter realizado feilos portentosos. Sem estes,


nao se compreende que a doutrlna do Mestre, severa ou mesmo rebarba-
tlva como era, tenha encontrado a aceltacáo e difusio que a historia Ihe
assinala.

Todavía a pessoa de Jesús taumaturgo se diferencia claramente da


de qualquer heról ou curandelro pagSo: Cristo nao reallzou mllagres para
salvar ou Impor seus Interésses pessoals; nem os fez para se ostentar ;
recusou mesmo prodigios a quem os pedia por curlosldade ou má fé; nSo
usou de artificio ou cerimonials complicados, mas em tudo procedeu com
simpllcldade e soberanía, manifestando a certeza absoluta de que seus
mínimos desejos serlam Imediatamente eflcazes.

Levem-se em conta as figuras e os mllagres dos taumaturgos Esculapio


e Apolfinio de Tiana, mencionados no fim do artigo.

Resposta: Os milagres do Evangelho vém sendo questio-


nados de diversos modos, principalmente a partir do século
XVm, pela crítica racionalista, que se deixa guiar mais por
preconceitos filosóficos do que pela leitura serena do texto
sagrado. O crítico mais recenté, a éste proposito, foi Louis
Évely, que pretende desmitizar o Evangelho, tirando-lhe tudo
que contenha de sobrenatural e maravilhoso. Os argumentos
de Évely (como, alias, os de seus antecessores) sao notável-
mente pobres; derivam-ss de preconceitos, ... e de precon
ceitos arbitrarios.

Na verdade, a realidade de milagres nos Evangelhos é


algo de táo ligado á trama da vida de Cristo, que, conforme
o critico liberal Adolf von Harnack, «nao se podem retirar

— 106 —
JESÚS E TAUMATURGOS PACAOS 15

os milagres do Evangelho sem negar a existencia mesma de


Jesús». Um Jesús que tívesse pregado as bem-aventurangas
(«Felfees os pobres, os famintos, os perseguidos...»), tivesse
exigido renuncia total a pai, máe/ casa, haveres, por causa
d'Éle, e nao tivesse realizado sinais que demonstrassem a sua
autoridade, um tal Jesús nao se entendería; nao teria encon
trado o eco e a contínuidade que a historia Ihe assinalou; nao
teria «feito escola». Se a pregagáo de Jesús — dura e rsbar-
bativa como era — teve a acolhida dos ouvintes, isto só se
pode explicar pelo fato de que Jesús efetuou realmente mila
gres ou sinais comprovadores de sua autoridade.
O teólogo P. Urbano Zllles tece a propósito o segulnte comentarlo:
"Quem qulsesse reconstruir uma Imagem de Jesús sem considerar os
mllagres, teria que renunciar ao Jesús histórico. Rudolf Bultmann escreve:
'A comunldade crista estava convencida de que Jesús fez mllagres e contou
uma muItldSo de historias milagrosas sobre ¿le... Sem dúvlda, ele curou
doentes e expulsou demonios". A opInISo de homem tfio critico pode servlr-
-nos para uma serla reflexSo" (cf. estudo citado na bibliografía déste artigo,
pp. 65s; referencia a Bultmann, "Jesús". Munlque-Hamburgo 1965, p. 119).

Ñas páginas que se seguem, analisaremos com especial


atengio as características do procedimento de Jesús tauma
turgo, pondo-as em confronto com o que a literatura antiga
refere a respeito de curas e milagres do paganismo.

1. Modalidodes de proceder

Podem-se distinguir tres grandes notas marcantes do com-


portamento de Jesús autor de milagres.

1.1. lsen(5o de ¡nferfoses pessoois

Verifíca-se que Cristo nao fazia milagre para se colocar


em evidencia ou escapar a uma situacáo difícil. Foi um homem
como os demais: comeu, bebeu, caminhou a ponto de se can
sar; dormiu; atravessou em barco o lago de Genesaré; es-
condeu-se de seus inimigos; pagou o imposto, confíou a Judas
a bolsa destinada as despesas cotidianas. Principalmente du
rante a sua Paixáo, apesar do desafío irónico de seus adver
sarios, renunciou a aliviar a sua sorte mediante qualquer ma-
nifestagáo de poder.

— 107 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

O Senhor, que tantas vézes restituiu a palavra aos mudos,


deixou-se levar ao matadouro, silencioso como um cordeiro.
Curou o cegó de nascenca, mas deixou que lhe vendassem os
olhos e o cobrissem de escarnios. O médico dos leprosos tomou-
-se, conforme a palavra de Isaías, como um leproso e provado.
O Mestre que transformou a agua em vinho, psrmitiu que
lhe oferecessem o vinagre para se dessedentar. Aquéle que res-
suscitou Lázaro e devolveu o filho á viúva de Naím, entrou
só na morte, e deixou que sua máe carregasse, só, o peso de
sua dor.

Dir-se-á, porém: E o pagamento do imposto do Templo


com a moeda retirada da boca de um peixe? ... Numa
atenta consideracáo do episodio, verifica-se que Jesús, no caso,
quis dar a seus discípulos um ensinamento moral: «Os filhos
estáo dispensados de impostes. No entanto, para nao os escan
dalizar, vai ao mar...» (Mt 17, 26s).

A absoluta isencáo de interésses pessoais distancia Jesús


dos taumaturgos pagaos, tais como Asclépio ou Esculapio (o
deus-médico), Apolónio de Tiana (o homem encantador) e
outros. Estes ou seus adeptos ¿uspiravam a fama e ricos emo
lumentos em troca de prodigios; pouco se importavam com o
progresso espiritual dos clientes.

A propósito existe urna obra do escritor cristáo Orígenes


(t 250 aproximadamente), dirigida contra o filósofo eclético
Oslso (séc. II). Dessa obra transcrevemos o seguinte trecho:
"Celso compara os feltos de Jesús com os da magia. De fato, haveria
semelhanca entre uns e outros, se Jesús, como os magos, fósse um mero
ostentador de prodigios. Na verdade, nenhum prestidigitador leva seus es
pectadores a emendar os seus maus costumes, a temer a Deus e a vlver
conscientes de que deveráo dar contas ao Senhor. Os prestidigitadores nfio
fazem Isto, porque nfio o podem ou nfio querem tratar de corrlglr os seus
clientes, já que éles mesmos estSo envolvidos em vicios marcadamente
torpes e Infames. Jesús, porém, pelos seus mllagres, excltava os especta
dores a emendar os seus maus costumes. Ele mesmo se apresentou como
modelo de santa vida. Aos discípulos Ele exortava a fim de que enslnassem
aos homens qual a vontade de Deus; e aos demals homens Ele, por suas
palavras e sua vida aínda mals do que por seus mllagres, estlmulava para
que tudo flzessem para agradar a Deus. Se, pols, a vida de Jesús fol tal,
com que dlreito o querem comparar aos magos ?" ("Contra Celso" I 68
PS 11, 788).

Os «milagres» dos mestres helenistas, com seu espalha-


fato, estáo para os milagres de Jesús como as manchetes dos
jomáis populares estáo para o estilo singelo dos Evangelhos.
Jesús mesmo apontou sua isencáo de interésses como

— 108 —
JESÚS E TAUMATURGOS PAGAOS 17

marca de autenticidade, em oposicáo aos falsos profetas. Estes


sao tidos como lobos vorazes, ao passo que Jesús impóe aos
seus discípulos o principio: «Recebestes gratuitamente, dai
gratuitamente» (cf. Mt 7,15; 10,8). Os apostólos Sao Pedro e
Sao Paulo denunciam a sede do ouro qual marca escandalosa
dos falsos profetas; cf. 2 Pe 2,3; 1 Tim 6,5-10.

Jesús também se recusou a fazer milagres punitivos, como


os que sao narrados em lendas pagas ou mesmo em páginas
do Antigo Testamento. Os taumaturgos os efetuavam para
manter o seu prestigio ou explorar o medo da massa supersti
ciosa. Quando os discípulos quiseram atrair fogo do céu sdbre
os samaritanos, Cristo os censurou: «Nao sabéis de que Espi
rito sois. O Filho do homem nao veio perder as almas, mas
salvá-las» (Le 9, 56, na Vulgata latina).

Quanto á maldicáo da figueira estéril, tem o sentido de


urna parábola em ato; é urna agio meramente simbólica, que
nao possui significado em si mesmo, mas designa a ruina que
sobreveio a Israel no ano de 70 (cf. Mt 21, 18-22).

Registra-se também nos milagres de Jesús a caracterís


tica de

1.2. Discrigáo

Os portentos realizados por Cristo carecem de aparato


exibicionista; refletem a dignidade e a autoridade do Senhor,
á diferenga do que ocorre com magos, féiticeiros e charlatáes.

a) Os curandeiros profissionais faziam (e aínda fazem)


alarde de si. Apresentam-se dentro de urna encenagáo que fala
á massa já sugestionada. Ao contrario, os milagres de Jesús
multas vézes decorreram no silencio e longe da multidáo ou
á margem da estrada (quando o Mestre passava). Jesús afas-
tava-se da sua gente, desde que esta, levada pelo entusiasmo,
procurasse apenas o sensacionalismo ou quisesse proclamá-lo
Messias político. Atesta S. Marcos:

«O leproso curado, assim que se retirou, comecou a pro


clamar e divulgar o que acontecerá, a ponto de Jesús nao
poder entrar publicamente mima cidade, ñcando fora, nos lu
gares menos freqüentados. E de todas as partes iam ter com
Ele» (Me 1,45).

— 109 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 135/1971

Nao raro Jesús despedia a multidáo para se retirar na


solidáo e orar:

«A sua fama espalhava-se cada vez mais, juntando-se


grandes multidóes para O ouvir e para que os curasse dos
seus males. Ele, porém, retirava-se para lugares solitarios e
entregava-se ai á oracáo* (Le 5,15s). Cf. Jo 6,14s; Mt 8,16-18;
14,22s.

Muitas vézes Jesús proibia as pessoas agraciadas reve-


lassem a sua cura, como se receasse atrair a multidáo pelo
aparato exterior de asas milagres; cf. Mt 8,4; 9,30; Me 1,25.34.
44s; 3,lls; 5,43; 7,36; 8, 26-30. Em Me 5,19 e Jo 4,39-42,
Jesús manda que se apregoem as suas obras, porque se trata
de milagres efetuados Jem favor de samaritanos, entre os quais
era reduzido o perigo de deformacáo política.

b) Os curandeiros recorriam a processos e cerimoniais


complicados: acompanhados de parceiros (tal é certamente o
caso de Apolónio de Tiana, séc. IQ), entravam em transe,
praticavam a hipnose paulatina; usavam de narcóticos e tru
ques mágicos. Os esforgos realizados pelos charlatáes deixa-
vam estes homens prostrados pelo esgotamento físico e psí
quico, vitimas da depressáo decorrente de exaltacáo artificial.
Jesús, ao contrarío, permaneceu sempre tranquilo senhor
de si. Realizava os seus milagres sem auxilio de outrem; nao
erguía a voz, nem recorría a artificio; bastavam-lhe urna pala-
vra («Quero») e um gesto simbólico, para obter urna cura
imediata, mesmo á distancia; cf. Me 1,41; 4,39; 5,41; Jo 5,8.
Tenham-se em vista a discricáo do Senhor ñas bodas de Cana,
na multiplicagáo dos pies, na ressurreigáo do filho da viúva
de Naím... Jesús domina as fórgas da natureza com sereni-
dade regia, com majestade despreocupada, seguro de si como
o filho na casa do pai, certo de ver a mínima de suas ordens
executada sem demora. O olhar de Jesús nao tem poder
magnético nem a fixidez do vidente ou do médium; é o olhar
tranquilo de Deus que sonda os rins e os coragóes e que vem
salvar, perturbando os demonios, mas atraindo as criancas.
Leve-se em conta outrossim

1.3. O tipo de prodigios

Jesús nao realizou todo e qualquer milagre possível,


mesmo quando lho sugeriam. Recusou, sim, fazer prodigios

— 110 —
JESÚS E TAUMATURGOS PAGAOS lfl

meramente espetaculares ou portentos solicitados por criatu


ras curiosas e indispostas. Os milagres, para file, estao a ser-
vico do Reino; o poder de Deus nao se deve tornar o meio
de satisfazer ao capricho ou ao orgulho da criatura.
Em conseqüencia, Jesús disse NSo a Satanás no deserto
(cf. Mt 4,7). Também disse Nao aos fariseus e doutóres que,
orgulhosa e temerariamente, Ihe psdiam um sinal do céu:
«Geracüo má e adúltera! Reclama um sinal, mas nao Ihe será
dado outro sinal a nao ser o do profeta Joñas» (Mt 12,39;
cf. Mt 16,4; Jo 6,30, 2,18-22). Recusou outrosslm satisfaz»
á curiosidade de Herodes (cf. Le 23, 8-11). Aos tnimigos que
o conjuravam a fim de que descesse da cruz e se tornasse o
Messias «déles», Jesús nao quis responder (cf. Me 15,29-32).

2. Milagres pagaos antigos

Abordaremos os mais famosos portentos de que se tenha


noticia: os de Asdépio (Esculapio) e Apolónio de Tiana.

2.1. Asdépio (Esculapio), o Deus-Médieo

O mundo grego pagáo esperava obter milagres por inter


medio de certos deuses, tidos como «curandeiros» ou «médi
cos». Em conseqüencia, havia na antiguidade lugares em que
se praticavam ritos religiosos e tratamentos médicos, a fim
de atender aos peregrinos que para lá afluiam. Ésses lugares
eram santuarios cercados de dependencias para os respecti
vos clientes. Tornaram-se famosos os templos de Alexandria
(«Serapeium», consagrado ao Deus Serápis), de Epidauro e
de Atenas; estes dois últimos eram dedicados a Asdépio ou
Esculapio (o deus médico), secundado por ¡números semideu-
ses (espiritas) bons, entre os quais figuravam Higéia e Pa-
nacéia, fílha ás Asclépio, e a absurda (mas gloriosa) serpente
Glykon.

Pesquisas arqueológicas de fins do sáculo passado permi-


tiram restaurar com grande probabilidade o tragado e os par
ticulares do famoso santuario (Hieron) de Epidauro1; encon-

1 Epidauro era urna cidade da Argolla (Grecia).

— 111 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

trou-se o local do poco sagrado; determinaram-sa as grandes


linhas do templo e também as do dormitorio em que os pere
grinos praticavam o rito de «incubacáo» (repousando na ex
pectativa das comunicacóes da divindade, que geralmente ocor-
riam durante um sortho). Um exército de ministros de Asclé-
pio, semi-sacerdotes, semi-peritos em medicina viviam nos
arredores do Hieron e as custas déste.
No recinto sagrado acharam-se duas (primitivamente
eram seis) colunas de calcário fino e duro, ñas quais estáo
gravadas com letras do séc. IV a.C. as narrativas dos mais
belos milagres: «As curas efetuadas por Apolo e Asclépio».
Esse arquivo do templo menciona urna serie de 43 prodigios
avulsos, em estilo simplório e, por vezes, manifestamente fa
buloso. Tenham-se em. vista, por exemplo, os seguintes (os
títulos pertenoam ao original):

"Cleo esléve grávida durante cinco anos

n¡uinrt=rt0 ht mOt.'VO -para admlrar a grandeza do quadro, mas admiral a


Divindade: durante cinco anos Cleo trouxe em seu seio o peso de seu
filno; por fim ela veio dormir aqui e o deus Ihe restaurou a saúde.

A taca

Um escravo, com as costas carregadas, la ao Hieron (templo). Quando


eslava a dez estadios de lá, calu por térra. Depols de se ter erguido; abrlu
seu saco e verlficou que tudo estava em frangalhos. Vendo espedacada a
taca em que seu patrio bebia habitualmente, ficou desolado; sentou-se e
tentou reajustar os cacos. Um viandante que o vlu, Ihe dlsse: "Ah, Infeliz,
por que te das ao trabalho de concertar essa taca ? Nem mesmo o deus
de Epidauro, Asclépio, poderla curá-la". Ao ouvir estas palavras, o rapaz
recolocou os cacos no seu saco, e foi para o Hieron. Quando lá chegou,
abrlu o saco e retirou a taca curada ! Contou ao patrSo o que acontecerá
e a conversa que tlvera. O patrSo, sabendo-o, ofereceu a taca ao deus.

Alketas de Hollké

fisse homem, cegó como .era, teve um sonho. Parecla-lhe que a divin
dade, aproxlmando-se déle, Ihe abría os olhos com os dedos e pela primeira
vez ele avlstava as árvores do Hieron. Logo que o dia despontou, ele saiu
curado.

Tlson de Hermione, crianca cega

Esta crianca (e isto é um fato real, nao ocorrldo em sonho como os


outros) fol tratada por um dos caes do Hieron, que Ihe lambeu os olhos ■
e ela se fol curada".

— 112 —
JESÚS E TAUMATURGOS PAGAOS 21

Os «deuses médicos» lograram extraordinaria popularida-


de: o seu culto se espalhou pelo mundo helénico antigo. A
documentacáo literaria que, a respsito dos mesmos, foi des-
coberta nos últimos cem anos, permite reconstituir o prbcesso
das curas por éles efetuadas. Supunham, sim, urna credulidade
quase ilimitada e imaginagáo multo viva, da parte do paciente.
Recorriam a tratamentos varios: dietas, banhos, hidroterapia,
regimes, remedios populares ou também complicados: «Coloca
mel no teu leite para que seja purgativo» (inscricáo de Apelas).
Era geralmente em sonhos que a divindade dava as suas con
sultas e proferia os ssus oráculos. Estes por vézes eram explí
citos; outras vézes, deviam ser interpretados pelo pessoal adido
ao templo. As curas obtidas eram atestadas pela colocagáo de
«ex-voto»: quantidade de olhos, máos, pés... representavam os
membros dos pacientes curados e guardavam-se ñas dependen
cias dos santuarios.

Nao se pode negar que numerosos males tenham sido ali


viados ou curados nos santuarios pagaos. Julga-s», porém, que
o processo de recuperagáo da saúde era trabalhoso, precario e
exigía prolongada medicagáo.
Com efeito, leve-se em conta o caso de Élio Aristides,
um dos mais fervorosos devotos do deus Asclépio: era orador
e sofista contemporáneo de Marco Aurelio Imperador (161-180
d.C). Homem neurótico e hipocóndrico, realizou urna serie de
peregrinagóes a Pérgamo, Éfeso, Cizico..., para pedir a saúde
a Asclépio, «salvador universal e guarda dos imortais»; sub-
metendo-se a regimes, banhos de mar, de rio e de piscina,
medicagóes estranhas comunicadas por sonho, melhorou após
nove anos de tratamento; todavía a molestia recrudesceu pos
teriormente e o acompanhou até o fim da vida. Élio Aristides
deixou-nos o seu diario de doente, numa extejisáo de 30 mil
linhas de escrita, diario publicado por A. Boulanger na obra
«Aelius Aristide». París 1923.

2.2. Apolónro de liana

Tornou-se famoso um tal Apolónio de Tiana, cuja vida


foi escrita por Filostrato entre 210 a 215 d.C, a pedido da
Imperatriz siria Julia Domna, segunda esposa do Imperador
Severo e máe de Caracala.
Apolónio foi um personagem real. Era, porém, um mago
e charlatáo, que explorou a credulidade pública, como se de-

— 113 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

preende do testemunho de Luciano, que escreveu urna obra


sobre Alexandre de Abonoücos (onde alude a Apolóráo, nn. 5
e6).

Filostrato escreveu a biografía de Apolónio á semelhanga


das biografías da escola pitagórica, que apresentavam o res
pectivo mestre como portador de fórca divina e habitado por
um deus. O Apolónio de Filostrato foi ornamentado por traeos
maravilhosos e romancescos. As narrativas evangélicas, prin
cipalmente as de milagres de Jesús, serviram a Filostrato, se
nao de fonte própriamnte dita, ao menos de ponto de refe
rencia e de inspiracáo. Apolónio nao parece ter sido movido
por intencóes anticristas; a corte da douta Imperatriz Julia
era sincretista; o Cristianismo lá era conhecido, nao, porém,
detestado.

Todavía o romance de Filostrato tornou-se campo de ba-


talha na apologética: Apolónio de Tiana veio a ser, para cor-
rentes de pensadores anticristáos até os tempos mais recentes,
urna especie de taumaturgo e santo do paganismo, taumaturgo
equiparado a Jesús Cristo.

Contudo no fim do século passado os estudos de F. Ch.


Baur, E. Zeller, A. Réville, A. Chassang, Iw. Müller, E. Rhode,
Ed. Meyer, J. Hempel... deram vulto a urna sentenca mais
objetiva sobre Apolónio de Tiana, Sao considerados adquiri
dos, com pequeñas divergencias entre os autores, os seguintes
pontos:

1) A «Vida» de Apolónio nao foi escrita com finalidade


polémica, anticristá, mas, sim, em vista de propaganda filo
sófica ou pitagórica e de acordó com o modelo das «Vidas»
de Pitágoras.

2) Filostrato utilizou muito livremente fantes antigás ja


romanceadas e as depurou, fazéndo de um mago vulgar um
taumaturgo moralizante.

3) O que resta de histórico na obra de Filostrato, é o


fato de que no séc. I. d.C. existiu um mago chamado Apoló
nio, o qual empreendeu viagens e por suas atividades excitou
curiosidade assaz ampia.

Filostrato nao estava em condiQóes de distinguir, ñas suas


fontes, o verídico e o falso, nem se preocupou com isto. Impor-
tava-lhe mostrar que Apolónio nao era um feiticeiro, mas,
sim, um quase deus.

— 114 —
JESÚS E TAUMATURGOS PAGAOS _23

4) Ao exKcutar o seu designio, Filostrato inspirou-se em


narragóes do Evangelho, sem que se possa afirmar que as tenha
deliberadamente plagiado.
Eis o que se pode observar a respeito dos taumaturgos
humanos, «semi-divinos» e «divinos» do paganismo em confron
to com o Senhor Jesús Cristo.

Nao há dúvida de que as diferengas sao notorias. Ñas


fontes pagas revela-se o poder criador ida imagínacáo e da
religiosidade natural, um tanto descontrolada. Nos Evangelhos,
ao contrario, se depreendem a sobriedade e a seguranza que
denunciam as obras de Deus, de Deus que é infinitamente so
berano e sabio.

Bibliografía:

Léonce do Grandmaison. "Jésus Chrlst. Sa personne, son message, ses


preuves . 2 vols. París" 1931.

A. Defrasse et H. Lochat, "Épidaure, Restauratlon et descrlptlon des


principaux monuments du sanctuaire d'Ascléplos". París 1895
A. Chassang, "Apollonlus de Thyane". París 1862.

Urbano Zllles, "Sentido e significacao dos milagrea de Jesús", em


Perspectiva teológica", ano II n? 2 (janelro-junho 1970), pp. 61-73.
A. Suhl, "Ole Wunder Jesu". Gütersloh 1968.

Thum, Haag, Schmld, Vogtle...: "Wunder",


"Wunder". em
err "Lexlkon für Theologle
und Klrche". X. Frlburgo 1965, cois. 1251-65.

W. Trllllng, "Jésus devant l'histolre". París 1968.

Já temos & disposisáia dos felfeares o índice do PR 1970.


Pedidos k Roa Senador Dantas, 117, sala 1134, Rio (GB)-
-ZC-06. Prectf: CrS 1,50.

— 115 —
"Jesús Cristo"
de roberto (arlos em foco

Em sfntese: A cancfio "Jesús Cristo", embora um tanto controvertida,


parece ser um testemunho. sincero do senso religioso (sem dúvida, ainda
pouco esclarecido) de Roberto Carlos. Numa época em que se diz levlana-
mente que "Deus morreu", o brado do cantor vem a ser um testemunho
notavel de que é Incoerclvel na alma humana o reconheclmento de Oeus e
dos valores transcendentals. "Senhor, Tu nos flzeste para Ti, e Inquieto é
o nosso coracfio enquanto nfio repousa em ti", exclamava o homem (Agos-
tlnho de Hipona) do sáculo V, exclama também o homem do século XX.

Comentario: Tem feito sucesso a cangáo «Jesús Cristo»


de Roberto e Erasmo Carlos. Ñas proximidades do Natal de
1970, pouco depois do respectivo langamento, 260 mil copias
dessa cancáo já haviam sido vendidas. Os comentarios a respei-
to nao sao unánimes; há guem elogie a peca, considerando-a
urna auténtica oragáo (como, alias, Roberto Carlos diz que é),
enquanto outros a julgam menos favorávelmente, como se fñsse
um desafío, um tanto irreverente ou desesperado, langado pelo
cantor ao Senhor Jesús.

Houve mesmo quem quisesse enquadrar Roberto Carlos


dentro da Lei de Seguranca Nacional como se fdsss subversivo;
A opiniio pública, porém, reagiu sadiamente em defesa do
cantor.

Para poder proferir um juízo sereno sobre o assunto,


vamos, antes do mais, propor a letra da cancáo:

— 116 —
d «JESÚS CRISTO» DE ROBERTO CARLOS 25

JESÚS CRISTO

Roberto e Erasmo Carlos

Estribilho: Jesús Cristo, Jesús Cristo, Jesús Cristo,


eu estou aqui.

1) Olho pro céu e vejo urna nuvem branca,


que vai passando.
Olho na térra e vejo urna multidáo,
que vai caminhando.
Como essa nuvem branca, essa gente
nao sabe aonde vai.
Quem poderá dizer o caminho certo.
é vocé, meu Pai.

Estribilho : Jesús Cristo,...

2) Toda essa multidáo tem no peito amor


e procura paz.

E, apesar de tudo, a esperanca nao se desfaz.


Olhando a flor que nasce no chao daquele
que tem amor,
Olho pro céu e sinto descer a fé
no meu Salvador.

Estribilho : Jesús Cristo,...

3) Em cada esquina eu vejo


o olhar perdido de um irmáo ;
em busca do mesmo bem
nessa direcao caminhando vem.
É meu desejo ver aumentando sempre
essa procissáo,
Para que todos cantem
Na mesma voz essa oragao.

Estribilho : Jesús Cristo,...

— 117 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

Agora pergunta-se:

QUE DIZER?

1. Roberto Carlos mesmo afirmou que tencionava propor


assim «urna oragao de paz e amor» (cf. «O Globo» 23/1/71,
P- 8).

Numa entrevista datada de 20/1/71, diante da tempestade


suscitada pela famosa cangáo, declarou mais urna vez o autor:
«Essa música é urna -mensagem de paz para a juventude. Urna
mensagem de esperanca com relagáo a essa paz, hoje táo de
cantada e procurada. Vocé sabe, nos vivemos em um mundo
em que cada vez mais aumenta a necessidade de se ter fé.
E ésse negocio de fé é muito serio. Ajuda muito. Como disse
um amigo meu, 'Jesús Cristo' é um auto de fé» («O Globo»
20/1/71, p. 8).

Nao há motivo para duvidar dessas afirmagóes: pode-se


dizer que a letra e a música (anelante ou cheia de aspiragóes
como é) de «Jesús Cristo» vem a ser urna expressáo sincera
e pujante da angustia da juventude e, de modo geral, da huma-
nidade de nossos tempos; jovens e adultos procuram a razáo
de ser de sua vida, buscam resposta para as suas grandes in-
terrogacSes («donde venho ?, para onde vou ?, qual o valor
da vida presente?»). Na verdade, essa resposta só se encontra
em Jesús Cristo, Deus feito homem para dizer o SIM adequado
as nossas aspiragóes mais profundas.

2. Observemos, por exemplo, a primeira estrofe da can-


cao:

"Olho pro céu, e vejo urna nuvem branca, que val passando.
Olho na torra e vejo urna multldfio, que val camlnhando.
Como a nuvem branca, essa gente nfio sabe aonde val.
Quem poderé dlzer-lhe o caminho certo, ó vocé, meu Pal".

Estas palavras fazem eco no sáculo XX aos dizenss de


outros homens, que em tempos passados aspiraram sequiosa-
mente a vida e a felicidade. Tal foi o caso, por exemplo, do
apostólo S. Pedro, que, interpelado por Jesús, respondeu:
«Senhor, a quem iríamos nos se nao a Ti, que tens palavras
de vida eterna?» (Jo 6,68). No século V era S. Agostinho

— 118 —
«JESÚS CRISTO> DE ROBERTO CARLOS 27

quem escrevia: «Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é


o nosso coragáo enguanto nao repousa em Ti» (Conf. 11).

A interpelagáo «vocé» dirigida a Jesús Cristo nao há de


ser entendida neosssariamente como sinal de irreverencia. Ao
contrario, pode significar o afeto simples e despretensioso de
quem quer encontrar em Cristo o Grande Amigo, o Salvador
ou, como diz o próprio cantor, o Pai (com tudo que de grande,
belo e forte sugere éste conceito).

A segunda estrofis exprime mais urna vez o tema da bus


ca.... busca da paz, que, em última análise, tem a sua fonte
em Deus, Principio da harmonía e do amor:

fa, "T?iha essa "luitífa°- ■ ■ Procura paz. E... a esperanca nao se des-
faz... Olho pro céu, slnto desear a fó no meu Salvador".

A terceira estrofe aprésenla mais urna vez a humanidade


a procura de Deus :

"Já na esquina eu vejo o olhar perdido de um Irmfio... É meu déselo


ver aumentando sempre essa proclssfio, para que todos cantem... essa
OfA(&O ■

Nestes tempos que ostentam a indiferaiga frente a Deus,


quando táo altamente se diz que Deus morreu ou que é valor
ultrapassado para o homem de hoje, ressoa convictamente o
brado de fé e confianga da cancáo «Jesús Cristo». Esse brado
tem seu valor próprio, pois nao procede de tun filósofo ou
estudioso, mas de um jovem, que faz questáo de exprimir com
espontaneidade o que muitos dos jovens de nossos dias expe-
rimentam. «Ídolo» da juventude, o cantor nao julgou que devia
silenciar sua adesáó a Jesús Cristo (embora, como se compre-
ende, o tenha feito em termos chaos e popularas, teológica
mente despretensiosos).

«Jesús Cristo, Jesús Cristo, Jesús Cristo, eu estou aquí».


Estas palavras lembram as do apostólo Paulo, que, prostrado
pelo fulgor de Cristo na estrada de Damasco, interrogou:
«Senhor, que queres que eu faga?» (At 22,10). Recordam tam-
bém as do profeta Samuel, que, interpelado pelo Senhor durante
a noite, lhe disse: «Fala, Senhor, teu servo te escuta!» (1
Sam 3,10).

É, pois, motivo de regozijo, para um cristáo, que no sé-


culo XX, sáculo das revolucóes, ainda ecoe espontáneamente
a partir da alma humana, máxime da alma de um jovem, o
mesmo clamor a Deus que marcou os sáculos precedentes.

— 119 —
2S «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

Apenas pedimos ao Pai do céu, queira iluminar os jovens can


tores de hoje e seus amigos a fím de que compreendam plena
mente a mensagem do Evangelho e se tornem auténticos cris-
táos. Que o Senhor leve k consumacáo, preservando de titu-
beios, a fé inicial e talvez frágil dos homens que hoje táo
veementemente O interpelam e procuram! Bem se pode dizer
que Roberto Carlos e seus companheiros «nao procurariam Jesús
Cristo se já nao O tivessem, de algum modo, encontrado»
(Pascal), ou se Jesús Cristo já nao Ihes tivesse, de certa forma,
tocado o coracáo.

Após a morte de Zé Arlgó, os Jomáis notlclaram que Roberto Carlos


levara seu filho enfermo ao médium de Congonhas do Campo e que o
cantor mantlnha contatos telefónicos com o curandelro. Roberto Carlos e
sua esposa Nlce alugaram um taxi aéreo para participar dos funerals de
Arigó na cldade mlnelra.

Isto mostra quanto o Jovem cantor é aberto para o transcendental e


o místico. Todavía é multo para desejar que as pessoas retas e, por Isto,
fundamentalmente religiosas nSo se delxem mover por urna rellglosidade
cega ou mal orientada, nem Identiflquem fenómenos parapsicologías com
intervencóes do Alóm. Zé Arlgó professava o espiritismo. Ora, conforme
o espiritismo, o Senhor Jesús (táo ardorosamente invocado por Roberto
Carlos) nSo passa de um médium superior, criatura semelhante a qualquer
outra; nfio pode ser, portanto, a resposta ás aspiracdes humanas nem aos
anelos de Roberto.

NSo será no espiritismo que o estimado cantor popular encontrará a


sacledade e a paz que ele tanto manlfesta desejar.

A propósito vem um artigo de José Carlos Oliveira publi


cado no «Jornal do Brasil» de 25/XII/70, caderno B, p. 3 do
qual transcrevemos abaixo alguns tópicos salientes:

m.,nHiáfm 1h69'j°rnñ',s e revlstas brasllelras refletlram urna inquletacáo


Er» iJt,1P™.J,fard0 art'9°s «I"8 comecavam por esta pergunta: Deus morréu?
Era, naturalmente, urna IndagacSo prematura e mesmo extravagante, pois
nao se vlu neste século mais Intensa fome de Deus do que a da Juventude
~rmP¿S%dé<íada-|P0rén\a.
permanecía. Se Jomáis e revlstas'Tlela6^ formulada com
tivessem perguntado: Oeus sinal trocado!?
ressuscitou
acabarlam descobrlndo Isto: Slm. Ele ressuscltou I ressuscrou t.

Clara como agua me parece essa evidencia. Os htpples, com suas


flores emblemáticas, com sua disciplina de paz e amor, relnauguravam a
vida religiosa. Os universitarios das grandes cidades procuravam Deus
através do engañoso camlnho das drogas, e até no extremismo político
multas vézes se localizava essa forma desatinada. Quem nSo encontrava
resposta (alimento) na tradicáo crista, Identificada com a autoridade paterna
seguía no encalco de zen. A dieta macrobiótica, a desllus&o quanto á efi
cacia das guerras e a orientalizacSo da música dos Beatles, em sua fase
final, sSo IndlcacSes seguras.

— 120 —
«JESÚS CRISTO» DE ROBERTO CARLOS • 29

... A rellgfSo católica (no caso) também Invadlu os cañáis de tele-


vIsSo do mundo Inteiro, no curso do Campeonato Mundial de Futebol Pri
meiro fot um jogador tcheco, a]oelhando-se na grama e fazendo o sinal da
cruz. Alguns dias depols, veríamos Jairzinho repetlndo a cena, só que acros-
cida de urna rápida e contrita oracfio, adivlnhada, mals que ouvida, no mo-
vímento de seus labios e no vigor de suas mSos cruzadas sobre o pelto.
Lembro-me de que, estudando a repercussao désse fato entre amigos meus,
alguns ateus e outros católicos desgarrados, obtlve a suspeita de que as
pessoas em geral se cansaram de vivar na solldáo cósmica, é a fome — a
qual corresponde a um alimento.

... O comportamento religioso disputa com o orgulho braslleiro o


primeiro lugar entre as preocupares dos compositores e cantores de que
se falou ao longo déste ano. ... Vejamos um negro espléndido no palco
do Maracanazinho, ao terminar a descric3o das aventuras e perlgos que
nos esperam na BR-3:

— Meu Deus I Meu Deus !

E com toda a naturalidade, sem piegulce ou pretensáo, Roberto Carlos


domina dezembro com estes versos:

— Jesús Cristo, Jesús Cristo, Jesús Cristo, eu estou aquí I


Portento — louvado seja Deus..."

Naturalmente, é de se lamentar, com profundo pesar, que


a letra da cangáo «Jesús Cristo» tenha sido aplicada a ritmo
de música carnavalesca. O ambiente de Carnaval é geralmente
de folia ou de futilidade; op5e-ss á seriedade anelante da letra
de «Jesús Cristo». Levar esta pega para o setor da brincadeira
leviana ou acintosa vem a ser, sim, irreverencia e injuria.

«O MÉTODO MAIS SEGURO PARA CONHECERMOS


A VERDADE £ TORNARMO-NOS MELHORES» (Ernest
Psichari).

— 121 —
o confuto das geracóes...
brotinhos e coroas

En» síntese: o fato, tSo comum ho¡e em día, de se enaltecer a


Juventude como sendo a fase boa ou únicamente válida da vida, com me-
nosprózo mals ou menos confessado da idade provecta, ó apto a criar an
gustia e neuroso nos jovens, pols Ihes dá a entender que em breve estarlo
marglnallzados e sujeltos á burla proveniente dos mals Jovens. — Na ver-
dade, nSo é a juventude cronológica como tal que dá valor a alguém, mas,
slm, a juventude psicológica, ou seja, a capacldade que alguém tenha, de
conservar coragem, dinamismo e otimlsmo por decenios a fio.

O crlstfio é particularmente chamado a entreter um ánimo perenemente


Jovem, pols Ale sabe que possul em si urna sementé de vida eterna, a
qual tende a transformar o seu lento deflnhar físico em configurac&o cres-
cente com o Cristo Jesús, o "novo homem"; cf. 2 Cor 4,16

Eeflexao: Hoje em dia atribui-se grande importancia á


idade que alguém tenha em sua carteira de identidade ou ffilha
de servico. Até determinada faixa o individuo é fácilmente
reconhecido como apto ao diálogo e á colaboracáo. Após ésse
limite entra na categoría dos «coroas» e «quadrados», fícando
entáo mais ou menos marginalizado. A idade juvenil vem a ser
assim aureolada; tudo que é jovem ou dos jovens, tem valor,
ao passo que o que procede dos mais velhos é tido como inepto
ou destituido de atualidade e autoridade.

O problema que assim se póe é muitas vézes comentado


por escritores, conferencistas e educadores de nossos dias. Aflige
muitos dos nossos semelhantes, nao sómente da velha geragáo,
mas também da geragáo nova...

1. Que é juventude ?

1. Inegávelmente, a juventude é o período da vida em


que o individuo senté energías frescas, aínda nao desgastadas;

— 122 —
CONFUTO DAS GERACOES 31

o entusiasmo e o ardor se apoderam déle com relativa facili-


dade e o tornam mais dinámico e empreendedor do que acontece
na idade provecta. Deve-se também reconhecer que a juventude
contemporánea se beneficia desde cedo de conhecimentos de
ciencia, técnica e de métodos pedagógicos com os quais a ge-
ragáo dos país nao pode contar quando se formava. O intervalo
de dez anos já é suficiente para provocar defasagem em certos
setores da cultura e da ciencia — o que exige que os mais
velhos procurem regularmente atualizar-se, pondo em día seus
conhecimentos gerais.

2. Todavía a reftexáo serena dá a ver exageros nocivos


quando se estabelece contraste muito agudo entre jovens e
velhos.

Em primeiro lugar, multas das pessoas provectas tém o


cabedal da experiencia e de üm estudo mais prolongado, que
os mais jovens, por mais dinámicos que sejam, ainda nao po-
dem ter.

Em segundo lugar, quem incensa ou endeusa a juventude,


comunica-lhe urna euforia ilusoria: implícitamente, dá-lhe a
entender que a vida própriamente dita acaba quando a faixa
convencional «de juventude» acaba; a vida que vale a pena
de ser vivida, terminarla talvez aos trinta anos ou antes. Tal
concepgáo nao sómente seria falsa, mas fácilmente suscitaría
a angustia e a neurosa na juventude, pois nao há quem escape
á leí do .tempo; quem hoje passa por jovem, num porvir mais
ou menos próximo será ultrapassado ou marginalizado.

Na verdade, nao se avalia a juventude de alguém (ou seja,


o vigor e o valor) sómente pela idade cronológica, mas também
e principalmente pelo entusiasmo e o ardor com que ésse alguém
vive. Quem através de seus anos sempre mais numerosos con
serva alegría, disposicáo, coragem e procura nao se aposentar
ou nao se encestar na vida antes do tempo, é jovem; pode
entrar em diálogo com a juventude cronológica; terá algo a
dar e algo a receber.

A experiencia comprova tal afirmacáo, pois aponta pes


soas provectas que nao envelheceram em sua mente, mas sao
dinámicas e eficientes como os jovens (além do que, sao também
sabias e experimentadas). — Doutro lado, nao se pode negar,
há pessoas provectas que fácilmente capitulam e se alheiam
á realidade por receio, desánimo ou desconfianca.

— 123 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 135/1971

3. A propósito pode-se notar que um recente estudo da


UNESCO sobre juventude («Boletim Informativo» de maio-
-junho 1969, pp. 15-17) propóe tres maneiras de se conceber
«juventudes:

— a segunda acepcáo visa á juventude sociológica, ou


a fase da vida que vai dos 15 aos 25 anos de idade;

— a segunda acepcáo visa á juvenrudie sociológica, ou


seja, a situagáo cultural, social e familiar dos individuos que
freqüentam a escola, ainda nao entraram na vida produtiva
nem constituiram familia.
— a terceira conceituacáo é a da juventude psicológica:
esta é um estado de ánimo que pode persistir por varios de
cenios, ... estado em que a coragem prevalece sobre a timi
dez, o otimismo e o dinamismo superam a tendencia ao como-
dismo e á acomodacáo.

Observa o autor do artigo que o conceito de juventude


cronológica encontra aplicacáo e é útil quando se trata de dis
tribuir atividades e tarefas. É preciso reconhecer, porém, que
a faixa dos 15 aos 25 anos pode reunir individuos de aptidóes,
temperamentos e predicados bem diversos, principalmente se
se levam em conta as diferencas entre os povos latinos, ger
mánicos, anglo-saxónicos, eslavos... O desabrochar da perso-
nalidade segué ritmos diferentes segundo os diversos agrupa-
mentos étnicos do globo.

Quanto á juventude sociológica, sabs-se que ela varia


muito segundo os tipos de sociedade e as transformagóes do
mundo contemporáneo.

Também a nocáo de juventude psicológica é assaz flutu-


ante: pode haver juventude psicológica dentro de pessoa pro
vecta, como também se encontram velhice e desanimo decrépito
em individuos cronológicamente jovens.

Feitas estas ponderacóes, concluí o articulista: «Na ver-


dade, a situacáo social, económica e psicológica dos jovens é
táo diversificada que se torna muito difícil formular urna defi-
nicio geral e completa do coneeitoi de juventude. Aqueles que
se ocupam com os problemas sociais e humanos dos jovens,
deveráo conseqüentemente recorrer a urna linguagem prudente
e matizada. É éste o motivo pelo qual as vézes os estudiosos
se contentam com urna definicáo pragmática, segundo a qual
jovens sao aqueles que a sociedade considera como tais».

— 124 —
CONFUTO DAS GERACOES 33

4. O ideal, pois, é que o passar dos anos nao afete a


alegría e o otímismo do individuo. Isto se deve dar com espe
cial facilidade e freqüéncia entre os cristáos, pois o cristáo
sabe que, «enquanto o seu homem exterior vai defínhando, o
homem interior se renova día por dia» (2 Cor 4,16). Dentro
do cristáo, existe um germen de eternidade, um principio de
filiagáo divina, que tende a se desenvolver dinámicamente e
transformar a cruz em alegría, os precursores da morte e a
morte em passagem para a vida e a transfiguracáo.

A consciénda destas verdades poderá contribuir para se


amenizar o doloroso confuto das geragóes. É preciso que pais
e filhos, velhos e jovens se compreendam mutuamente e se
suportem com generosidade, pois uns nada podem sem os ou-
tros e o bem comum exige a colaboracáo de todos.
E agora...

2. Dois deprimentes

A fim de ilustrar, do ponto de vista psicológico e educa


cional, o que acaba de ser dito, váo abaixo transcritos dois
textos assaz eloqüentes.

1) O primeiro depoimento é extraído do livro recents de


Símeme Fabien, «La Femme et les Adolescents» (Grasset,
éditeur):

"O mito da juventude nos faz perder a nossa juventude.1


Dar á juventude a fmpressgo de que só ela vale, de que so ela re
presenta a vida na sua mals alta expressáo e reallzacfio... é atribuir k
juventude urna auréola, um brllho próprlamente Insuportávels e, além do
mals, artificiáis e Ilusorios.

Como nos admlrarmos de que bom número de jovens ceda a urna


concepcSo táo falsa ?

Teremos nos perdido o sentido da vida a ponto de já nSo sermos


capazes de colher o fruto de nossas experiencias e saboreá-lo ?... a ponto
de nao sermos capazes de ver que as promessas Incertas, Inquietas da
Juventude tém apenas um brllho Intermitente e fraco ao lado do que, ao
longo dos anos, se constról em nos pelo simples fato de que vivemos ?

*A autora fala em nome dos país e educadores.

— 125 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

NSo se pode compreender que, sob o Imperio da sua palxfio pela


Juventude, como também movida por uma preocupado de ordem puramente
económica,... a nossa socledade Implante no coracfio e na alma dos Jovens
uma das angustias mals dlffcels de se dominar: a angustia do envelhecer I
E deve-se notar que, na medida em que a juventude é prolongada, a velhlce
nos ameaca e nos obceca mals...

Aureolar a Juventude de gloria é Insinuar aos Jovens que dentro em


breve so os espera o decllnlo, a queda. Já com vlnte anos eles se espantam
com esta perspectiva!

Nos temos prolongado a nossa juventude, temos prolongado a nossa


vida. Mas o mito da Juventude nos faz perder a nossa Juventude e nos toma
esta vida Insuportável. Plor; destról os próprlos Jovens.

Será necessárlo repetir que essa tomada de posIcSo frente á Juventude


se opde a toda Idéla de reallzacáo de si e de desabrochamento ? Ela faz
que nos deixemos Invadir pelo sentlmento de que tudo em nos é materia;
ela nos faz crer que, depols que ultrapassamos o limite da adolescencia, o
tempo dia por día nos diminuí, nos degrada, sem que de algum modo nos
possamos defender...

Tenho o garbo da mlnha Juventude, que eu procuro conservar e


manter. Mas também tenho o garbo de todos ésses anos que Já vlvi e que,
um após outro, me enriquecem com nSo sel que de mals profundo e mals
perfumado do que os talentos e as torcas de outrora,... torcas que aos
poucos os anos me arrebatam.

Nossos fllhos exlgem os mais velhos. Esperam encontrar gente mals


provecta.

E como é agradável — até mesmo suave — ser um dos mals velhos,


desde que aceitemos ser tal!... Desde que, com bom humor e sorrlso,
aprendamos a saborear e comunicar as prerrogativas da Idade.

A juventude, a velhice tais como sao geralmente concebidas — aquela


toda gloriosa, esta toda decrépita — nSo vém ao caso nesta mlnha reflexSo.
Entendo falar de vida viva, sempre mals aprofundada, sempre mals vasta".

2) O outro depoimento que pode vir ao caso, é o do


General norte-americano Mac Arthur, que, após bela carreira
de herói nacional, assim se exprimiu:

"A juventude nfio é um periodo da vida; é um estado de espirito,


efelto da vontade, qualidade, Imaglnacáo, intensidade emotiva, vitórla da
coragem sobre a timidez, do gósto pela aventura. Nlnguém envelhece por
ter vivido corto número de anos, mas por ter abandonado o Ideal. Os anos
enrugam a pele; renunciar ao Ideal enruga a alma.

Somos tfio novos quanto a nossa fé ; tfio velhos quanto a nossa dúvlda.
TSo novos quanto a conflanca que tlvermos em nos mesmos; tSo velhos
quanto for grande o nosso desanimo. Seremos jovens, enquanto tormos
receptivos ao que é belo, bom e grande; receptivos a mensagem da natu-
reza, do homem, do Infinito. Se algum día o nosso coracfio fflr mordido
pelo pesslmismo ou corroído pelo cinismo, que Deus tenha pledade de
nossas almas de velhos I

— 126 —
CONFUTO DAS GERACOES 35

As torgas da alma bem utilizadas podem prestar-nos relevantes ser-


vicos para o prolongamento da vida e da juventude. É a sugestfio mal apli
cada que a encurta. Chegando a certa Idade, Intoxlcamo-nos com a (déla
de um flm próximo; perdemos a fé em nossas fdrcas, e estas abandonam-
-nos. EntSo a velhlce precoce assalta-nos e sucumbimos sob a auto-sugestSo
prejudicial. Ora tratemos de vlver da auto-sugestáo, em vez de por ela
morrer. Tenhamos diante dos olhos os numerosos exemplos que exlstem,
de longevldade sadla, robusta. Nao nos detenhamos ñas doencas de nossos
órgSos..., mas habituémonos a ter conflanca em nossas fdrcas físicas e
¡ntelectuals, na memoria, na aptldfio para a conversa e o trabalho... E
aprendamos a sorrlr para encontrar na vida aquéle ángulo de alegría que
tftda dor contém".

As palavras de Mac Arthur sao profundamente impres-


sionantes. Embora dispsnsem comentarios, dois dos seus tópicos
poderiam ser realgados com vantagem:

— é a renuncia ao ideal, o abandono do entusiasmo, o


desánimo, que faz envelhecer. É o viver dia-por-dia sem gran
des aspiracces que provoca o «encolhimento» das fórcas espi-
rituais e, conseqüentemente, a decadencia, a decrepitude da
personalidade. Quem tem ideal e hita por ele, conserva por
muito tempo a sua juventude!

— assim como a auto-sugestáo pode dar ao individuo a


impressáo de que nada vale ou de que já está ultrapassado,
assim também a auto-sugestáo lhe pode conservar a confid
encia do contrario e salvá-lo da aposentadoria prematura ou
da reducáo á inutilidade (o que é geralmente um fator acele
rador da morte). A influencia ido psíquico sobre o físico é,
como se sabe, um fator cada vez mais reconhecido e valorizado
pela medicina.

— 127 —
que há com as novicas indianas
levadas para a europa?

Etn sfntese: Entre Junho e setembro de 1970, a Imprensa Internacio


nal noticlou o "tréfego escandaloso" de jovens levadas da India para a
Europa a flm de povoar conventos da Inglaterra, da Alemanha, da Italia,
da Franja... Desonrosas. Inslnuacfies foram asslm lancadas ao público.
— Todavía, após a objetiva Investlgacáo dos tatos, pode-se dizer que o
caso nfio pode ser tldo como escandaloso: consta apenas que jovens In
dianas, julgando ter vocac3o religiosa (como de fato a tlnham multas), acel-
taram o convite que Ihes fizeram certas Congregares para receberem for-
macSo religiosa e proflsslonal na Europa. Tais Congregacdes pagaram a
vlagem das candldatas, visando, com o seu procedimento, a auxiliar a Igreja
e a India (nfio se pode negar, porém, que se tenham regozl|ado com o afluxo
Inesperado de tais novicas). No decorrer da experiencia, verlflcou-se que
certo número dessas |ovens encontrou dlflculdades para se adaptar ao
clima, ao reglme de alImentacSo, á língua, aos costumes... do Ocidente;
algumas entáo delxaram o convento. Estas conseqüéncías deram margem
a escandalosos (mas infundados) comentarlos da Imprensa. Os próprios
jornallstas, alias, colheram testemunhos de Religiosas indianas multo satls-
feltas na Europa.

O que se pode apontar de falho no caso, sao atitudes de precipitacáo


por parte tanto das jovens como dos respectivos Superiores. Mas quem está
¡sentó disto ?

Rcsposta: Já em PR 131/1970, p. 511 foi publicada


breve noticia a rsspeito do «escándalo» das jovens que da India
se transferiram para o noviciado de conventos europeus.
Atualmente possuem-se mais ampias informagóes sobre o as-
sunto. Pelo que abaixo proporemos as noticias essenciais ati
nentes ao caso.

— 128 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 37

1. O «escándalo»

1.1. Os rumores

Eis algumas das «manchetes» de revistas e jomáis que


lancaram a perplexidade no público internacional:
«O escándalo de comerciantes de freirás» («The Sunday
Times», Inglaterra, 23/8/1970);

«Pregado á cruz» («Der Spiegel», Alemanha, 7/9/1970);


«Urna nova forma de escravatura » («The New Leader»,
India, 2/8/1970;

«Novigas indianas cairam em armadilha na Europa» («The


National Catholic Repórter», Kansas City, U.S.A., 19/6/1970).
Espalhou-se assim o rumor de que entre a India (nota-
damente o Estado meridional de Kerala) e a Europa um cres-
cente comercio se verificara, tsndo por objeto jovens candi-
datas aos conventos europeus. Afirmou-se que certas comuni
dades européias haviam pago até 3.000 marcos alemáes para
obter novicas indianas. Essas jovens teriam sido engañadas,
pois, em vez de receber na Europa a instrucáo e a formacáo
que lhes foram prometidas, se viram obligadas a trabalhos
domésticos e humildes. Um total de cérea de 2.000 jovens
indianas teráo sido fraudulentamente transferidas para con
ventos da Inglaterra, da Franca, da Alemanha e da Italia, a
fim de preencher os vazios dos noviciados respectivos.
Tais foram as acusacóes langadas pela imprensa na opi-
niáo pública internacional.

1.2. As respostas

O grande rebuligo assim suscitado provocou atitudes e


declaragóes de relevo.

Com efeito, o Vaticano, na tarde mesma do dia 23 de


agosto de 1970 (em que apareceu o «Sunday Times»), deda-
rou que «diversas afirmagóes do jornal kxndrino nao corres-
pondiam á verdade e que outras eram injustamente exagera
das. Em muitos casos, f6ra positivamente provado o contrario

— 129 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOSi» 135/1971

das noticias publicadas». O órgáo vaticano «L'Osservatore


Romano» transcreveu também declaracóes de Religiosas in
dianas plenamente satisfeitas e, no dia 26 de agosto, observou
que o «escándalo» de que tanto se falava nao parecía ser
senáo o escándalo do sensacionalismo ou da difamagáo contra
a Igreja. A Radio Vaticana ideu a entender que a leitura dos
jomáis era simplesmente desconcertante e nojenta. Em suas
diversas decláraseos, porém, o Vaticano nao deixava de reco-
nhecer que, no caso das Religiosas indianas, se poderiam veri
ficar certos inconvenientes, os quais, exagerados e avultados
pelo alarde da imprensa, teriam provocado a grande celeuma.

O próprio Vaticano, alias, antes mesmo que as noticias


alardeantes aparecessem nos jomáis, mandou proceder a reu-
nides, entrevistas e sindicáncias junto ás casas religiosas na
Europa e na India, a fim de averiguar exatamente o ocorrido
e tomar as medidas exigidas pela situacáo criada. Mandou
também suspender o encaminhamento de jovens indianas para
a Europa.

Em suma, a posicáo oficial do Vaticano é definida pelas


palavras do Padre Heston, Secretario da Congregacáo dos Re
ligiosos em Roma:

"Quando tudo estlver esclarecido, veremos se convém continuar a


recrutar Religiosas na fndla. Por certo, adotar-se-fio outros métodos. Mas
o que é Indubltúvel é que exlstem em Kerala numerosas vocacfies auténti
cas" (texto citado por "Informatlons Catholiques Intematlonales" n? 368,
15/9/1970, p. 22).

No Parlamento indiano, o caso provocou agitagáo. Solici


tado pelo deputado extremista Jan Sangh, parlamentar ferre-
nhamente oposto aos missionários, o Govérno nacional decla-
rou nao tsr recebido queixas a respeito da sorte de jovens
indianas transportadas para a Europa; todavía mandou ins
taurar um inquérito sobre o assunto.

As Religiosas indianas que foram interrogadas por repór


teres, julgavam ofensiva para si e para seus pais a afirmacáo
de que haviam sido compradas.

Quanto ás comunidades religiosas atingidas pelos rumores,


rejeitaram como absurdas e falsas as acusacóes que lhes ha
viam sido feitas.

Eis agora como, á distancia das primsiras noticias sensa-


cionalistas, se pode reconstituir o caso das Religiosas indianas.

— 130 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 39

2. A realkfade dos fofos

2.1. A situa$áo religiosa de Kerala

O territorio de Kerala constitui um dos Estados da india


colocado no litoral sudoeste désse imenso país; possui popu
lacho agrícola assaz densa, ou seja, 17.000.000 de habitantes.
La a vida política é assaz agitada, caracterizando-se princi
palmente por tradicional oposigáo do Govérno local, filocomu-
nista, ao Govérno central de Nova Delhi. No outono de 1970
realizar-se-iam lutas eleitorais; certas chefes políticos locáis
tinham interésse em acusar o Govérno da nacáo a propósito
do caso das Religiosas levadas para a Europa.
Quanto á religiáo no Estado de Kerala, é intensamente
vivida nao somente por parte de hinduístas, mas também por
parte de numerosos cristáos. Quando Sao Francisco Xavier no
séc. XVI desembarcou na costa de Malabar, já ai enoontrou
discipulos de Cristo, que constituiam (e até hoje constituem)
a comunidade siro-malabar. Esta é extremamente antiga, afir
mando mesmo ter sido fundada pelo Apostólo Sao Tomé.
Kerala é, alias, o Estado indiano em que os católicos sao mais
numerosos, chegando a 3 milhóes, repartidos em rito latino e
dois ritos orientáis (siro-malabar e malankar).
Os keralenses, fervorosos como sao, dedicam grande es
tima aos sacerdotes e ás Religiosas, que se consagram a Deus.
Nao é, pois, para admirar que militas jovens do lugar conce-
bam o ideal de ingressar no convento. Éste ideal pode ser
estimulado pelo fato de que as condicdes sociais da mulher
keralense sao obscuras; a vida religiosa, nessas circunstancias,
pode oferecer promogáo social e refugio contra as dificultades
da existencia na India. Isto, porém, nao significa em absoluto
que todas as vocacóes na India sejam interesseiras ou inau-
ténticas.

Deve-se levar em conta outrosslm o fato de que as Jovens


de Kerala, depois que entram livremente no convento, perdem
práticamente a liberdade de sair déle: a sociedade local as con
sideraría rejeitadas por Deus; nao lhes reconheceria o direito
de se ter engañado. Em conseqüéncia, elas se sentem moral-
mente obligadas a permanecer no convento^ expondo-se assim
a confutes e crises interiores.

— 131 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

2.2. Ideal e fascinado

Para receber as numerosas vocagóes religiosas femininas


de Kerala, existem ai Congregagóes de origem européia entre
gues a trabalhos de missáo (escolas, hospitais, assisténcia so
cial...). Todavía canstituem comunidades pobres, que nao
podem recebar todas as jovens que se lhes apresentam ou,
ao menos, nao lhes podem proporcionar a devida formacáo.
Eis por que em 1963 surgiu na mente das Religiosas européias
da india a idéia de enviar as candidatas á Europa a fim de lá
fazerem seu noviciado e freqüentarem a escola oportuna.

Para as jovens indianas, tal perspectiva poderia parecer


um sonho ousado, mas nao desprezível. Desde o surto dessa
idéia em 1963 (ou mesmo antes), houve sacerdotes indianos
e europeus penalizados por verem que se perdiam tantas pos-
síveis vocagóes por falta de conventos na India; em conseqüén-
cia, pansaram em colaborar na transferencia das jovens in
dianas para a Europa, destacando-se entáo o Padre indiano
Ciríaco Puthenpura, diretor de um Instituto secular em
Kottayam, e o alemáo Padre Huberto Debatin. Os conventos
europeus, do seu lado, se prontificaram a receber futuras no-
vigas provenientes da India, prometendo encaminhá-las para o
estudo.

A partida do primeiro grupo de jovens para a Europa


despertou grande interésse e atrativo; as alunas mais adian-
tadas das escolas católicas de Kerala passaram a se empolgar
pelo ideal de se tornarem Religiosas na Europa!

Da India escreveram-se muitas cartas para a Alemanha,


a Inglaterra, a Italia...: nao se encantrariam ai conventos
dispostas a acolhsr todas essas jovens de boa vontade?

As respostas se fizeram ouvir afirmativamente, inspiradas


por motivos diversos: nao se tem o direito de recusar ou
desencorajar urna vocagáo que se ofensce, a menos que se
tenha certeza de que íiáo é auténtica vocagáo. O auxilio as
jovens indianas seria auxilio prestado á Igreja e aos povos
do Terceiro-Mundo. Além disto, a crisa de vocacóas na Europa
terá sugerido a aceitacáo muito benévola désse refórgo ines
perado proveniente de longe, embora fósse necessário pagar
caro a viagem das jovens candidatas.

Pagar? — Sim. Nao podiam os conventos europeus pedir


as familias da india, mesmo abastadas, que desembolsassem a

— 132 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 41

quantia necessária para cutear bilhete de aviáo, passaporte,


pequeño enxoval e outras despesas. Eram as casas da Europa
que enviavam o dinheiro necessário.

Nessas circunstancias desembarcaram na Alemanha e na


Italia principalmente, mas também na Inglaterra e na Franca,
centenas e centenas de mocas que se encaminharam para os
noviciados religiosos. Na cidade de Genova, por exemplo, con-
taram-se 68 jovens novigas indianas distribuidas por diversos
conventos. Urna determinada Congregacáo, ao termo de tres
anos, tínha 80 mocas da India em suas casas de formacao.

2.3. O choque dos aconleclmentos

As dificuldades nao tardaram a se fazer sentir, como,


alias, bem se compreende. Após a euforia do inicio, as jovens
keralenses puseram-se a seguir o seu novo género de vida:
éste constava de trabalho, estudo e oragáo, dentro de um
regime de disciplina. Era preciso que enfrentassem também o
problema das linguas e das culturas diferentes. Os estudos
superiores estavam, sim, no programa, mas nao seriam pos-
siveis se as Irmas nao se adaptassem á vida regular, nao
aprendessem o alemáo, o italiano, o inglés ou o francés... e,
em nao poucos casos, se recuperassem nos estudos secundarios,
nao raro insuficientes.

Entende-se que, em tais circunstancias, mais de urna


jovem se tenha deixado invadir pelo desanimo e palas sauda
des; algumas viram-se vitimas de depressáo nervosa.

O mal-estar comegou a se tornar público, quando urna


candidata indiana, na Alemanha, chegou á conclusáo de que
nao tinha vocacáo. Nao aceitou, porém, a possibilidade de
voltar para a patria, certamente por receio de ser desaprovada
por seus familiares. Tentou, portante, encontrar novo rumo
na própria Alemanha; todavía foi infeliz. Um jovem sacerdote
indiano, de passagem pela Alemanha, encontra-a na rúa; ouve-
-lhe a 'historia... Estava assim dado* o inicio á celeuma!

Na Italia, quatro jovens keralenses decidiram, da sua


parte, voltar para a india. Um jornalista encontrou-as no
aeroporto; elas lhe comunicaram a sua decisáo... O mesmo
repórter levou adianto as suas indagacóes, e julgou poder
dizer que os conventos europeus se entregavam á exploragáo

— 133 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

de vocacóes indianas. Entáo o «escándalo» estourou com o


máximo de veeméncia. O Vaticano viu-se obligado a intervir,
declarando que, desde oerto tempo, acompanhava de perto o
assunto e podía assegurar que as primeiras noticias da im
prensa eram sensacionalistas ou mesmo falsas.

Tais sao os fatóres e os fatos que constituem o trámite


do caso das Irmas indianas. Como se vé, nao houve má in-
tengáo nem intuito de vilipendiar ou explorar a pessoa hu
mana. Os motivos que entraram em jógo sao corretos ou
mesmo nobres, pois se tratava, principalmente, de favorecer
populacóes subdesenvolvidas, fornecendo melhor formacáo á
sua juventude, á custa até de sacrifícios financeiros por parte
dos europeus. — Todavía pode-se dizer que houve certa pre-
cipitagáo e imprudencia por parte tanto das jovens como dos
respectivos mestres. Aquelas se deixaram fascinar pela pers
pectiva de adquirir cultura e diploma na Europa, nao levando
suficientemente em conta que elas ingressavam em Congrega-
C5es Religiosas, regidas por necessára disciplina. Quanto aos
orientadores e mestres, talvez nao tenham ponderado suficien
temente o que a transferencia implicava para a maioria da-
quelas jovens indianas, das quais algumas nao tinham sequer
dezessste anos de idade.

A imprensa escrita, falada e televisionada entrevistou su-


oessivamente varias Religiosas indianas e seus mestres a nes-
peito da sorte das Irmas na Europa. Tais depoimentos se
tornam extremamente interessantes para formarmos um juízo
sobre o assunto. Conseqüentemente, váo abaixo publicados os
mais significativos.

3. Falam os pessoas indigitodas

1. O repórter Georges Biscaye, da revista francesa


«Ecclesia» n» 260, novembro 1970, p. 33, por exemplo, refere
ter entrevistado a Irma Afonsa, que lhe narrou o seguinte:
"Eu me chamo Leclamma Kaloon. Meu pal ó lavrador em Kerala;
possul borracha e palmelras. Pertencemos a um meio abastado. Tenho seis
IrmBos e duas Irmfls; sou a quarta dentre os fllhos da familia. Recebemos
boa educacSo crista. MInha familia pertence á Igreja há varias geracSes.
Já quando pequenlna, quls ser Religiosa. A seguir, decid! torrtar-me
mlssionárfa. Fol a conselho do meu vlgárlo que me dirigí á Congregacfio do

— 134 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 43

Santlssimo Salvador de Oberbroon, logo que acabei os meus estudos se


cundarlos. TInha entáo 18 anos.

Para mlnha máe, Isto representou enorme sacrificio; a principio, ela


se opís ao meu intento. Para meu pal também, foi duro, mas ele resolveu
deixar-me llvre. Após seis meses de estáglo num convento de Kerala para
aprender alguns rudimentos de francés, fui-me para a Franca.

Que mudanca I Era realmente um outro mundo. Outra gente, outro


clima (foi aqui que pela prlmelra vez vi a nevé), outro Idioma, sem dúvlda,
mas também outro modo de pensar e tnesmo, se ouso dlzer, outro modo de
vlver a RellgiSo.

Durante seis meses, flz questáo de tudo observar sem dizer colsa
alguma, sem julgar. Foi duro, por exemplo, lavar louca ou trabalhar na
lavandería. Em mlnha patria, as mocas da minha condicao jamáis fazem
isto; é tarefa das mulheres de casta inferior. Mas vi que aqui toda a gente
se aplicava a ésses afazeres, e acabei por compreender que nSo sao táo
horrfvels. Em suma, comecel a acostumar-me.

Com o passar do tempo, algo de nftvo aconteceu... Viéramos, minhas


companhelras e eu, como mlsslonárlas. Tenclonávamos nao voltar á nossa
patria. Mas aos poucos, por afeito das nossas lelturas e da televlsfio, e sób
a influencia das Irmas francesas,, comecamos a refletir nos Imensos pro
blemas que o subdesenvolvlmento coloca para o nosso país. Na India, nos
nos acostumáramos a passar ao lado da miseria sem a ver. Foi preciso que
vléssemos para a Franca a flm de tomar conscléncla déla I Logo entáo con
cebemos o déselo de voltar para a nossa patria a flm de lá trabalhar. Nossas
Superiores a|udaram-nos a nos preparar para lato.

Quanto a mlm, faco estudos de ciencias socials no Instituto Católico


de París. Aínda que eu deva trabalhar mals dols ou tres anos antes de
voltar para Kerala, vale a pena. Uve realmente multa sorte por haver sido
recebida nesta CongregacSo".

Éste depoimento, por seu próprio teor, dá a ver em que


consistíu própriamente a problemática das Religiosas indianas.
A Congregagáo do SS. Salvador está longe de haver cometido
abuso ou exploragáo de jovens indianas.

2. Em «Informatíons CathoUgues Internationales» n» 368,


de 15/9/70, Sébastíen Kappen publica a ssguinte reportagem,
que retoma e amplia os dados da entrevista anterior:

"Urna encantadora aldela da Alsácla colocada ñas encostas dos mon


tes Vosges, e, a dominar essa aldeia, um convento construido com a pedra
da regiáo. Tal é a casa-mSe da CongregacSo do SS. Salvador de Ober-
bronn, CongregacSo cujas IrmSs se entregam & enfermagem, á acSo social
e & pastoral sob diversas formas. Quatro Religiosas indianas, jovens e
pequenlnas em seus hábitos negros, lá se encontram, lá onde nada evoca
a sua distante patria.

Tímidas e sorridentes, há alguns días que elas tém a impressao de se


ter tornado o centro do mundo. Os jornalistas afluem de Paris e outras
partes para vé-las e interrogá-las, com cadernos de apontamentos e apa-

— 135 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

relhos fotográficos, com cámaras de televlsfio. teto fere a sua modestia.


Elas protestan», nao querem ser vedetes. Mas... tambóm rlem e subme-
tem-se as exigencias das entrevistas.

Quando se Ihes pergunta se lá estáo realmente á vontade, se se


sentem verdadeiramente llvres e se nBo foram compradas, os seus risos
redobram. Estas perguntaa Ihes parecem auténticamente Ingenuas.

Depols desta prlmelra reacfio, elas explican». Sfio oriundas de Kerala.


Já há varios anos que foram para a Franca; conheceram a Congregacfio
de Nlederbronn por 'Intermedio de um sacerdote alemfio, mlsslonárlo ém
Kerala, que tem urna irm§ na Congregacfio do Santlsslmo Salvador.

Insisto: 'Foram realmente as Sras. que quiseram vlr ? Nfio solreram


pressSes 1

— Ao contrario. Fol-nos necessárlo vencer a oposicfio de nossos


genitores, que nfio querlam delxar-nos partir para tfio longe. Insistimos e
perseveramos porque nos sentíamos chamadas a vida religiosa.

— No Interior da Congregacfio, as Sras. nfio sfio tratadas como Reli


giosas de segunda categoría, como domésticas?

— Ah I Nfio. Realmente nfio. Sentlmo-nos verdadeiramente Irmas


como as outras e entre as outras. Como todas as outras, realizamos, por
rodizlo, os trabalhos caselros: llmpeza, cozlnha, copa... Nfio há dúvlda,
a principio Isto nos surpreendeu multo, porque em nossa térra mocas como
nos nfio trabalham assim.

— As Sras. pertencem a um ambiente abastado ?

— Slm, relativamente abastado. E nesse meló nSo é costume que


as mogas efetuem tarefas domésticas.'

Urna das Religiosas tomou entáo um tom mals serlo para explicar
algo que vlslvelmente Ihe estava multo a pelto.

— 'O Sr. sabe, disse ela, que em nossa térra ainda existe um sistema
de castas, mesmo entre os crlstfios, que em Kerala sfio numerosos desde
remota época. O fato. de que este sistema nao existe aquí, é talvez urna
das coisas que mals nos surpreenderam quando aquí chegamos.

Antes de vlr para cá, prátlcamente nfio conheclamos o nosso país.


Paradoxalmente, fol na Franca que descubrimos a india, principalmente
pela televlsfio. Assim adquirimos a coriviccfio de que nfio é aqui que deve
nios ser Religiosas. Nfio é áqul que podemos ser úteis. £ em nossa térra,
na India. Aquí preparamo-nos para voltar para lá a fim de servir.

— Como Religiosas ?

— Nfio há dúvlda I'

Por consegulnte, na Franca essas jovens Religiosas receben» urna


formacfio que Ihes permitirá ser competentes e útels quando, dentro de
tres ou quatro anos, voltarem para Kerala. Urna délas faz estudos de Inglés,
francés e admlnlstracfio de Secretarla; outra estuda ciencias soclals; urna
tercelra se prepara para' trabalhar em jardlm de infancia e a quarta é
aluna do Instituto Catequético, a fim de tornar-se catequista diplomada.

— 136 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 45

'As Religiosas indianas que asslm se preparam, sao alualmente cérea


de oitenta ñas diversas casas da Cortgregacfio, Informqu a Irma Tiaga, urna
das responsávels pela formacáo das |ovens Religiosas. Chegara já havla
alguns anos sob o govérno da antiga Superlora Geral. No Inicio, parece que á
Congregacfio se deu por multo feliz com ésse repentino afluxo de vecacoes.
Só mals tarde comecaram a compreender que as coisas nSo eram tSo
simples...'

Continuando o depolmento, dlsse a Irrná Tiaga:

"Sem dúvlda, nos primelros tempos tlnhamos a conviccio de participar


também, do nosso modo, no auxilio ao Tercelro-Mundo, que a Igreja hoje
recomenda. Fol com éste Intuito, alias, que pagamos as despesas de vlagem
dessas jovens Indianas — e sómente essas despesas. Mas aos poucos
compreendemos que nesse setor a boa vontade nSo basta. Nossa Congré
galo nSo está Implantada na India. Nada conhecemos da vida désse país.
Como entao nessas condlcSes preparar Jovens Indianas para vlver a vida
religiosa em Kerala? É a esta pergunta que agora procuramos responder.

Com esta final Idade, nossa Superlora Geral fol á India em feverelro
de -1968, acompanhada por urna das prlmelras Irmas Indianas que entraram
em nossa Congregacfio. Estlveram com as familias de cada urna das jovens
que vlvem conosco, a fim de as conhecer e fazer amlzade. Estlveram tam
bém com padres e blspos. Dentro da CongregacSo, constituímos urna co-
mlssSo Interprovlncial composta de europélas e Indianas, a qual se destina
a estudar o modo como deveriam ser formadas essas mocas provenientes
de Kerala. Enquanto esperamos chegar a conclusSes claras, interrompemos
todo recrutamento na India desde 1968.

É importante que nossa CongregacBo — como todas aquetas que


estfio no mesmo caso — tome realmente conseféncia das suas responsabili
dades para com essas jovens que ela recebeu, como também para com a
india e a Igreja toda. Nesta perspectiva, o pequeño 'escándalo' dos últimos
tempos poderla ser benéfico...!'"

3. O episcopado da india também se manifestou s6bré


o assunto.

Assim o Cardeal Valeriano Gracias, arcebispo de Bom-


baím, desmentiu categóricamente as afirmacóes do «Sunday
Times», justificando o envió de novigas indianas para a Eu
ropa, dada a falta de vocacSes no Velho Mundo.
O arcebispo de Trivandrum, capital de Kerala, D. Gre
gorios, declarou que, na verdade, desde alguns anos duas mil
joviens keralenses haviam embarcado para a Europa, mas que
sómente voluntarias haviam recebido autorizacáo para partir
e que nunca se havia dado a mínima quantia de dinheiro as
respectivas familias.
O Secretariado da Conferencia dos Bispos da India afir-
mou que o Cardeal Gracias tinha pedido que os bispos india
nos se sentissem «passoalmente responsáveis» pelas jovens que
partiam como novigas ou como Religiosas para a Europa.

— 137 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 135/1971

4. Dentre os orientadores, o Padre Puthenpura disse ter


enviado para a Europa, em seis anos, quinhentas jovens, «das
quais dez apenas haviam regressado»; todas as outras estavam
felizes na Europa; nunca houve compra ou venda de pessoas.

O Padre Huberto Debatin declarou ao jornal «Badische


Neueste Nachrichten» que a acolhida de novicas indianas em
conventos alemáes constituí, em última análise, um auxilio á
India.

5. A Embaucada da India na República Federal Alema


fez saber ao Govérno de Bonn que recebera das jovens india
nas queixas relativas as dificuldades de se acomodarem ao
clima frío, & alimentacáo diferente, á língua alema e aos cos-
tumes ocidentais; nenhuma queixa, porém, a respeito de pre
tensos maus tratos.

Conclusao

Urna vez apurados os fatos, verifica-se que na verdade o


caso das «novicas indianas» nao pode ser dito escandaloso,
como a imprensa o apresentou. De todos os depoimentos co-
lhidos consta que apenas de urna feita houve realmente mo
tivo de queixa: trata-ss de um convento da Italia cuja comu-
nidade era constituida exclusivamente por Irmas andas; ai
as jovens indianas tiveram que arcar com todo o trabalho
doméstico, sem receber de imediato formagáo cultural (note-
-se, porém, que em todos os conventos as Religiosas, europeias
ou nao, costumam praticar trabalho manual). Nao se pode
apontar, fora déste, caso algum em que as novicas indianas
hajam sido frustradas ou decepcionadas. Muito menos se
poderá.dizer que tenham sido vendidas, compradas ou de qual-
quer modo violentadas.

O que os autorizados comentadores observam é que na


experiencia de mandar mocas da india para se formarem na
Europa houve precipitacáo. O empreendlmento pode ser lou-
vado e tornar-se útil para a india e para a Igreja, desde que
se levem na devida conta as possibilidades que as candidatas
oferecem de se adaptar seja á vida religiosa na Europa, seja
as condigóes da civilizacáo ocidental.

— 138 —
NOVICAS INDIANAS NA EUROPA 47

E, passada a celeuma continué a vida religiosa, consa


grada a Deus, a prosperar, entusiasmando a juventude ar
dorosa!

Bibliografía:

"Herder-Korrespondenz", Heft 10, 24. Jahrgang, Oktober 1970, pp.

"Ecclesla" rfi 260, novembro 1970, pp. 31-33.

"Informatlons Catholiques Internatlonales" tfi 368, 15/9/1970, pp. 20-28.

Estéváo Bettenoonrt O.S.B.

RESENHA DE LIVKOS

Credo para amanhS, por diversos autores (Raimundo Cintra, Amo


roso Lima, Claudio van Balen, Joseph Comblin, Michel Bergmann,
Hubert Lepargneur...) sob a coordenacáo de Frei Raimundo Cintra.
— Editora Vozes, Petrópolis 1970, 140x210 mm, 176 pp.

Colctanea de artigos de autores católicos e de um nao católico


(Michel Bergmann, da comunidade protestante de Taizé), que visam
a propor o que seja a fé para o homem de hoje e para o de amanhfi.
A idéia dominante da coletánea é que a fé muda de expressoes se
gundo as épocas em que é professada, pois os elementos da cultura,
da ciencia e da filosofía de urna fase da historia concorrem natural
mente para determinada formulac&o das perenes verdades do Credo.
Éste principio, alias, foi recordado pelo Papa Joáo XXIII aos teólogos
do Concilio do Vaticano II.

Acontece, porém, que os artigos principáis de «Credo para ama-


nhüi, sao, muitas vézes, ambiguos. O P. Lepargneur, por exemplo,
sugere delicadamente que nada é imutável ñas proposicóes da íé e
que novos dogmas podem ser criados pelo magisterio da Igreja
(p. 70); éste, de resto, deveria silenciar um pouco, porque tem falado
mais do que ouvido (p. 85). O objeto da fé de amanhá será bastante
simples ou pobre, Ilcando até reduzido & esperanca: «a fé será, antes
de tudo, nao um sistema de pensamento, mas esperanga na volta
definitiva do Senhor que está vivo» (p. 87). Harvey Cox e os autores
de urna secularizacao exagerada parecem ter inspirado certos dlzeies de
Lepargneur.

— 139 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 135/1971

O artigo de Miguel Popoaski «Evangelizado» e catequese hoje»


propSe urna acSo evangelizadora que «tenha em mira as estruturas
sociais mals do que os individuos» (p. 107), urna acSo que falará
menos de Deus e da procura do Eterno do que dos problemas eco
nómicos e políticos de nossa realldade... Ora esta posicáo é nao
sómente delicada, mas errónea, pois a missáo da Igreja consiste,
antes do mais, em mostrar aos homens os valores que os governantes
civis, os sociólogos, os economistas... nao pretendem mostrar. É difí
cil entender outra proposicáo de Popoaski: «A Igreja dará prioridade
á liberdade sdbre a lei, ao carismático sobre o institucional, á inicia
tiva sobre a dependencia» (p. 108). Cí. 1 Cor 14,26-32. 37. 40.

Os dois artigos de Frei Claudio van Balen tém traeos interessan-


tes, ao lado de outros ambiguos: «creio na contestacjto multiforme
ora em andamento...» (p. 42).

As melhores páginas da coletanea sao as de Frei Carlos Mesters:


«Oracóes bem antigás para sustentar urna Fé sempre nova» (pp. 89-
-101). O autor comenta os salmos, procurando mostrar, ás vézes com
exagero, com tém aplicacáo viva e concreta na oracáo do homem de
hoje, pois éles tém em mira as sltuacSes de angustia, esperanca, con-
fianca que a humanidade experimenta através dos sáculos.

Em suma, «Credo para amanha» é livro pouco feliz, antes disse-


minador de interrogaedes do que de elementos positivos para a fé do
leitor. O ceticismo e o exagerado espirito de critica frente a Igreja
nao sao atitudes cristas.

Pobreza evangélica e promoc&o humana, por José María González


Ruiz; traducao do Pe. Lages. — Editora Vozes, Petrópolis 1970, 140 x
210 mm, 126 pp.

O autor propfie, em primeiro lugar, belas e válidas consideracoes


sdbre pobreza e riqueza na Biblia, mostrando como no Ndvo Testa
mento a pobreza voluntariamente abracada é tida como um valor.
A seguir, preconiza «urna Igreja pobre, humilde e despojada» (p. 124).
Esta fórmula representa um ideal; mas nao pode significar que a
Igreja renuncie aos instrumentos materiais necessários para que tenha
urna atuacao eficiente neste mundo; urna Igreja que nao quisesse
possuir, para uso do Evangelho, os recursos normáis que a técnica
de hoje oferece, seria urna Igreja infiel ao mandato de Cristo; se o
Senhor Deus p5e á disposicao dos homens meios eficazes de difusáo
e organizagao, nao é licito á Igreja ignorar ésses meios e tentar a
Deus pedindo-lhe que compense por milagres aquilo que a Igreja
«despojada» nao quelra realizar. «Igreja pobre» quer antes dizer Igreja
que renuncia ao aparato, a ostentac&o, ao luxo, nao, porém, aos re
cursos da ciencia e da técnica.

Quando o autor quer afirmar que Sao Paulo exercia urna pro-
fissao (curtidor de peles) para nao parecer viver do Evangelho, infe
lizmente é pouco preciso (cf. pp. 114s): o Apostólo reconhecia aos
ministros do Evangelho o direito de ser sustentados pelos fiéis justa
mente para poderem entregar-se totalmente ao ministerio sagrado
(cf. 1 Cor 9, 14-12). Se Paulo nao quis usar déste direito, isto se deve
a motivos pessoais; julgava ele que, tendo sido colhldo tSo vivamente

— 140 —
pelo Senhor na estrada de Damasco, nao teria mérito algum se pre-
gasse o Evangelho usando dos justos direitos dos pregadores do Evan-
gelho; o seu mérito consistiría em renunciar espontáneamente a tais
direitos (cf. 1 Cor 9, 5-19). — Eis como um livro muito interessante
em sua primeira parte se torna decepcionante em seus últimos ca
pítulos.

Cristologia para o nosso tempo, por P. Jacques Doyon; traducáo


de Adailton G. Ferreira. Colecao «Revelacáo e teología» n" 14. — Edi- .
cSes Paulinas, Sao Paulo 1970, 150x210 mm, 436 pp.

Doyon tenta propor Jesús Cristo ao homem de hoje, levando em


conta tanto os dados bíblicos concernentes a Jesús Cristo como a
filosofía moderna. Comeca por tragar um quadro sumario do que
sejam o homem e suas situacOes mais marcantes: ignorancia, solidáo,
fatalidade e liberdade, pecado, morte. Tais situacóes sao «privilegia
das», porque levam o homem a tomar consciéncia de que ele é um
misterio e o incitam a procurar no MISTERIO a resposta para si
mesmo. Doyon propóe, a seguir, os sistemas messianicos que o homem
tem formulado para dar sentido á sua existencia: marxismo, exieten
cialismo, progresso indefinido, os mitos da rae.a, do Estado... Final
mente, o autor propóe o messianismo bíblico, desenvolvendo a dou-
trina do Antigo e do Novo Testamento. Trata também da historia da
Cristologia com suas heresias mals notáveis (apolinarlsmo, nestoria-
nismo, monofisitismo) assim como das questdes estudadas pela teo
logía escolástica; ao explanar a teología sistemática, Doyon apresenta,
ao lado das fórmulas tomistas, certas formulacñes inspiradas pelo
vocabulario de correntes filosóficas modernas.

Em conclusáo, o livro propOe Jesús Cristo como resposta divina


ás profundas interrogagóes do homem. Trata-se de urna sintese mere
cedora de encomios, doutrináriamente segura, apta a falar ao homem
de hoje. De maneira especial, presta-se a ser utilizada em cursos uni
versitarios e palestras de nivel superior.

Quem é teu Deus? Qucstiío viva a um Deus morto, por Jacques


Durandeaux; traducáo do francés. Colecao «Teología hoje» n* 5. —
Livraria Duas Cidades, Sao Paulo 1970, 140x210 mm, 103 pp.

Como indica o próprio titulo, éste Uvro é original. Procede sob a


forma de urna reflexáo, redigida por um fiel católico, sobre o con-
ceito de Deus. Incita o leitor a purificar tal conceito de todo infan
tilismo ou antropomorfismo, tendo em vista principalmente as críti
cas lancadas por Marx e Freud. O autor termina com um preito de
homenagem á Igreja. — É preciso observar, porém, que o livro de
Durandeaux é de difícil leitura. Emprega linguagem filosófica abs-
trata; apresen ta argumentos e contra-argumentos, que incitam o leitor
a continuar a refletir sobre as interrogares que ele deixa abertí s.
Somonte um público limitado estará em condigdes de acompanhar a
obra.

E.B.
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Premio Nobel : Por que Nobel ?

Confisso dos pecados va i ser abolida ?

Como era o sacramento da penitencia na igreja antiga ?

«A nova imagem da Bíblica»

Milagres no Evangelho : Por qué ?

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual j portc ccmum > Cr* 25'00


1971 I porte aéreo ..., Cr$ 30,00
Número avulso de qualquer mes e ano Cr$ 3,00

Número especial de abril de 1968 Cr$ 3,00

Volumes encadernados: 1957 a 1969 (prego unitario) .. Cr$ 20,00

Indico Gcral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00

índice de qualquer ano Cr$ 2,00

Encíclica «Populorum Progressio» Cr$ 1,00

Encíclica «Humarme Vitae» (Regulacáo da Natalidade). Cr$ 1,00

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