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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibillzar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
OtWCIA

50UTQINA

BÍftLJA
MORAL

mrróma <k

VNO XIII — N? 147 DE 1


índiice

Pág.

NEM QUENTE NEM FRIÓ ! 97

Dois termos eruditos:

FUTUROLOGIA E ESCATOLOGIA SAO A MESMA COISA ? 99

Palavras e coisas controvertidas:

teología política
teología da revolucao 107

As famosas finangas do Vaticano :

VATICANO E JUSTICA SOCIAL 122

Uma entrevista-desafio:

JEAN-CLAUDE BARREAU A "L'EXPRESS" :


FÉ, MORAL, IGREJA, CASAMENTO... SAO RELATIVOS 132

RESENHA DE LIVROS 143

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


NEM QUENTE NEM FRIÓ !
(Apc 3,15)

Em tempo de veráo, é comum ouvirem-se comentarios so


bre a temperatura do dia, Muitas pessoas dizem nao suportar
nem o pesado calor nem o frío cortante. Gostam do clima
temperado, nem quente nem frió!

Tais pessoas tém razáo desde que se refiram as condig5es


atmosféricas e meteorológicas. Nao estariam, porém, de bom
alvitre, se tivessem em mira as atitudes interiores do homem.
Alguém que nao seja nem quente nem frió no plano das opcóes,
é alguém que nao tem aüdor na vida; deixou-se ficar na tepi-
dez, na acomodagáo, na rotina, sem compromisso nem enga-
jamento.

Éste grave mal pode ocorrer aqueles que gozam de bem-


-estar quase irrestrito. Nao tém fome e sede, nem no plano
físico nem no espiritual, pois tudo lhes corre mais ou menos a
contento. Sao pessoas cuja sensibilidade está embotada. Ora
o Senhor Jesús, no Evangelho, proclama que é bom ou feliz
vivermos sempre com um tanto de fome e sede,.. fome e
sede, ao menos, de justiga, de plena realizagáo dn ideal (cf.
Mt 5,6 ; Le 6,21).
Há outro tipo de tepidez ou mornura, que acomete os
homens. É o desánimo, a falta de fé no ideal que professam, a
falta de esperanga no éxito daquilo que fazem. Muitos conten-
tam-se entáo com urna vida de mera fachada, de «legalidades
honesta, mas vazia, ssm alma. Em nossos dias parece que isto
se dá com certa freqüéncia entre discípulos de Cristo e filhos
da S. Igreja: impressionados pelas contradigóes, abatidos por
choques e dissabores, perderam seu entusiasmo de cristáos ;
sao católicos «anestesiados». Sem romper com a S. Igreja, nela
se mantém com reservas, cumprindo seus deveres para com
Deus e os homens «pela tangente» e procurando comprome-
ter-se táo pouco quanto possível.

Tais pessoas nao podem cteixar de ser infelízes. Aínda


conservam no seu íntimo o amor ao ideal e a sede do bem,
mas dizem que nao véem como o realizar, porque o ambiente
as decepcionou. Tornam-se entáo pessoas de «meias-medidas»,
mediocres, sem clara definigáo.

— 97 —
Como é doloroso passar meses e anos a fio em tais condi
góes i É certo, porém, que, segundo o designio de Deus, nin-
guém foi chamado a arrastar desta forma a sua vida; nmguém
tsm a vocacáo para viver sem entusiasmo e sem empenho
total. Todavía acontece que é Deus quem fornece ao homem
as circunstancias em que ele deve comprovar o ardor de sua
fé. Ao homem nao é licito dizer: eu seria entusiasta se encon-
trasse tais e tais condigóes em meu ambiente ou em meus com-
panheiros de ideal. Um entusiasmo assim concebido já nao é
viril, nem heroico ; é mole ou furado.
A leitura da vida dos santos e dos grandes vultos da huma-
nidade tem ao menos a vantagem de nos dar a ver que os
heróis de Cristo ou do humanitarismo foram tais, justamente
porque acreditaran! no seu ideal, apesar de todas as contradi-
cóes ocorrentes e esperaram contra toda esperanza (cf.
Rom 4,18). Os santos e heróis nao viveram em circunstancias
mais afagadas do que as de nossos dias; enfrentaram seus
obstáculos,... obstáculos proporcionalmente iguais aos que um
cristáo hoje em dia deve defrontar. Seria temerario dizer que
em nossos tempos temos menos chances de nos realizarmos
plenamente do que as tiveram os heróis do passado. A cada
um Deus mede exatamente o seu quinháo de contradigóes a ser
generosamente enfrentadas.
Seja permitido 'encerrar estas reflexóes com urna palavra
amiga aos que na S. Igreja de Deus se sentem abatidos, de
cepcionados. As vezes dizem-se desanimados por motivos muito
pessoais e subjetivos. O fato, porém, é que sao infelizes. Que
tais irmáos tenham a coragem de se arrancar da sua prostracáo
e de se encaminhar decididamente para o ideal, para a pleni-
tude da sua vocacáo pessoal, pois é Deus quem chama; é Deus,
e nao tais ou tais homens, quem merece tal arranco. O que
custa em tais condigóes, é o arranco inicial ou o orimeiro abalo.
Urna vez realizado éste, os demais passos se seguem com faci-
lidade crescente, pois, em verdade, no plano espiritual também
se cumpre a lei de Newton: «A materia atrai a materia na
razáo direta das massas e na razáo inversa do quadrado das
distancias». Deus é essa «materia grande» que atrai a «materia
pequeña» (a criatura); quanto mais a criatura se aproxima do
Criador, tanto mais velozmente é ela atraída por Ele: Deus
seduz, fascina, aqueles que tém a coragem de se Lhe entregar
decidida e irrestritamente.
Amigo, nao te impressiones com crises,... nem com a
necessidade de superá-las, saindo da perplexidadé. O abalo
inicial pode ser duro. Arranca-te, porém, assume a tua fungáo,
e serás polarizado por Aquéle a quem tiveres dito o teu SIM
de pleno cora^áo!
E.B.

— 98 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIII — N' 147 — Marco de 1972

Dote termos eruditos:

futurologia e escatologla
sao a mesma coisa?

Em síntese: "Futurologia" é o estudo do futuro ou a tentativa de prever


as características da clvillzacfio dos decenios vlndouros; fala-se multo do
"homem do ano 2000". Ésse estudo previsivo se básela na obaervacfio do
passado e do presente; recorre a estatfstlcas e a "quase lels" da evolucfio
da historia; requer também urna certa dose de fantasía ou Imaglnacfio.
A futurologia 6 dita Igualmente "prospectiva". A partir do sáculo paseado,
contam-se futurologlstas genlal3, como, por exemplo, Jules Verne; reglatram-
-se também eonhadores, que mals recorrem á imaglnacfio do que a dados
científicos.
"Escatologla" é o estudo dos aconteclmentos fináis da historia da
salvacfio. £ da Palavra de'Deus — oral e escrita — que dése eatudo recebe
sua irwplracflo. Tem Importancia capital para o orlstfio, pola é a vlsfio do
flm e da consumacfio que dé alentó ao povo de Deus peregrino na térra.
A fantasía popular nfio raro se esmera por descrever o flm do mundo e
os episodios que o precederfio; tais "profecías" devem sor encaradas com
grande reserva e sobrledade, pols geralmente nada tem de autentico. Os
próprloa escritos do Novo Testamento nfio descero a pormenores no tocante
á consumacfio dos sáculos; anunclam apenas a segunda vlnda de Cristo,
a ressurreicfio dos morios e o Jufzo universal, ao qual se segulrfio o céu
e o Inferno (éste nfio será sendo a conseqOencfa de urna opcflo llvremente
felta e mantlda pela criatura).

Comentario: A vida de hoje suscita a criagáo de vocábulos


novos, cujo sentido nao é, de inicio, claro a todos os que os
ouvem ou utUizam. Visto que aos vocábulos estáo Intimamente

— 99 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

associadas as idéias, imprecisáo de termos vem a ser impre-


cisáo de nocóes e conceitos — o que é grave e nocivo. Dai a
vantagem de se esclarecerem, entre outros, os termos «Futuro-
logia» e «Escatologia» — o que abaixo faremos por sugestáo
de leitores amigos.

1. Futurologia

1. «Futurologia» é, como o nome o diz, o estudo do fu


turo ou a tentativa de prever os acontecimentos futuros e as
características da civilizacáo vindoura. Ésse estudo previsivo
recorre nao a postulados de «mística» (horóscopo, revelagóes
do Além...) ou de religiáo, mas a estatísticas, á evolucáo da
historia, a observacáo dos fenómenos contemporáneos (au
mento da natalidade, descobertas científicas, progresso da técni
ca. ..). A futurologia também se dá o nome de Prospectiva.

A futurologia constituí um ramo de estudos recente. Vai


tomando importancia cada vez maior, visto que a humanidade
evolui em ritmo vertiginosamente acelerado; as mudangas
de quadro de vida sobrevém com exigencias imperiosas mesmo
dentro do currículo de existencia de urna pessoa aqui na térra.
Para evitar despreparo e, ao contrario, favorecer o melhbr
aproveitamento dos valores novos, procuram os estudiosos pre
ver e predizer o futuro, ao qual o grande público há de tentar
adaptar-se na medida do conveniente e possivel.

As industrias e as grandes firmas mundiais solicitam e


utilizam as projegóes no futuro feitas pelos pesquisadores com
extensáo a curto, medio e longo prazo; sem éste subsidio im
portante, arriscam-se a decepcóes e graves falhas. Também as
diversas carnadas da populacáo se interessam pela prospectiva,
pois esta pode ajudar a viver com mais realismo ou a tentar
impedir futuros flagelos da humanidade. Gastón Berger com
para o género humano a um possante automóvel que vai corren-
do a toda a velocidade durante a noitej se nao possuir fortes
faróis dianteiros, diz, certamente a corrida acabará em ca
tástrofe.

2. Pode-se dizér que, desde o sáculo passado, existem


pessoas que, na base do ritmo de progresso da ciencia, tentam
predizer o futuro. Um dos mais famosos é o francés Jules
Verne (1825-1905), que foi feliz em seus romances científicos,
antevendo realizagóes de nossos dias. Acontece, porém, que
nos últimos tempos muitos autores tém cultivado a ficgáo, des-

— 100 —
FUTUROLOGIA E ESCATOLOGIA

crevendo o futuro na base de imaginagáo, ora mais, ora menos


fantástica. É o que tem concorrido para langar um certo des
crédito sobre a própria futurologia. Na verdade, esta pode ser
cultivada de diversos modos: há quem escreva romances de
ficcáo, que pouco tém de científico, como há autores que se
submetem, em grau ora mais, ora menos intenso, ao rigor da
ciencia (estatísticas, cálculo das probabilidades, leis da econo
mía, da sociología, da psicología...).

A futurologia científica tem suas instituigóes devidamente


organizadas, como o «Centre d'Études prospectives» (París) e
o «Center for the Study of Democratic Institutions» (Santa
Bárbara, California). Já se realizaram encontros internacio-
nais de futurólogos em Rayaumant (Franca, 1961), Genebra
(Suica, 1962), Santa Bárbara (California, 1962) e desde 1963
anualmente em Perúgia (Italia).

3. Entre os grandes futurólogos sobressaem o holandés


Frederich Polak, o alemáo Hermán Kahn e o norte-americano
Arthur Clarke. Éste último, trabalhando com valiosa equipe
de peritos, tem-se celebrizado por obras notáveis, entre as quais
o filme «2001. Odisséia no espago». As idéias déste pensador
merecem atengáo mais detida.

Arthur Clarke preconiza para o futurólogo grandes qua-


lidades: ousadia e imaginagáo.

Onsadia... Os dentistas que até hoje se manifestaran!


sobre o futuro da humanidade, enganaram-se, por vézes, em
virtude da sua falta de audacia ou atrevimento. «Disseram
que nao se podía fazer» é urna frase que ocorre ao longo de
toda a historia da invengáo científica, frase repetida freqüente-
mente" por pessoas que nao examinaram as razóss pelas quais
isso se diz. Há cérea de 80 anos a nogáo de luz elétrica domés
tica era objeto da zombaria de todos os peritos, excetuando o
inventor americano de 31 anos de idade chamado Thomas Alva
Edison... Quando as primeiras locomotivas estavam sendo
construidas, os críticos afirmavam seriamente que a sufocagáo
seria a sina de quem atingisse a terrível velocidade de 50 km
por hora! — Por conseguinte, concluí Clark, jamáis se deve
dizer diante de algum projeto ousado: «É impossível ou dema*-
siado fantástico!» Muitas das coisas que acontecerán! nos últi
mos cinqüenta anos foram a principio tidas como utopias.

Imagúiocao... A falta de imaginagáo é outro grande en-


trave do futurologista. Éste deve saber conceber artificiosa-

— 101 —
6 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 147/1972

mente o que poderá trazer 6 humanidade o progresso da ciencia.


Como exemplo de estudioso dotado de válida imaginagáo.
cita-se Frei Ttogério Bacon (1214-1292), que previu barcos
impelidos mecánicamente e máquinas voadoras, ultrapassando
longe as habituáis categorías de pensamento de sua época.
Segundo Clarke, é difícil crer que estas palavras tenham sHo
escritas no sáculo XEH:

"Podem-ea construir Instrumentos por molos dos quals os matares na-


vloa, tendo apenas um homem para gula-Ios, se moverSo com malor velocl-
dadé do que se estivessem chelos de marlnhelros. Podem-se construir carros
que se moverfio com Incrível rapidez, sern a ajuda da animáis. Podem-se
construir aparelhos de vdo nos quals um homem sentado cómodamente e
meditando em qualquer assunlo, poderá bater o ar com suas asas artificiáis
á manelra dos pasearos..., asslm como também máquinas que capacltaráo
os homeiw a andar no fundo dos mares".

Comenta Clarke: «Esta passagem é um triunfo da imagi-


nacáo sobre o fato bruto. Tudo nela veio tomar-se yerdade;
contudo na época em que foi escrita era mais um ato de fé
do que de lógica. É provável que todas as previsóes de longo
alcance, se forem exatas, devam ser desta natureza. O futuro
real nao é lógicamente previsível» («Perfil do futuro». Petró-
polis 1970, p. 30).

Tentando aplicar seus conhecimentos de ciencia e sua ima-


ginagáo ousada a previsáo do futuro, Arthur Qarke propóe o
Quadro reproduzido as pp. 24-25 déste fascículo (observem-se
as ressalvas feitas pelo próprio autor á margem do Quadro).

Diante da serie de dados do Quadro, o leitor assumirá a


posicáo (simpática ou nao) que mais oportuna julgar. Como
quer que seja, certas expressoes ai sao ambiguas do ponto de
vista estritamente filosófico: «inteligencia artificial», «inteligen
cia da máquina supera a do homem»... Na medida sm que
insinuam nao haver diferenga essencial entre o homem e a
máquina, sao erróneas: a máquina poderá executar, com velo-
cidade e precisáo crescentes, tarefas programadas e incutidas
pelo homem. Éste será sempre o autor, direto ou indireto, nao
súmente da máquina, mas também das tarefas que a máquina,
de maneira cega e automática, executa. A máquina nao equa-
ciona os dados confusos de urna problemática, mas apenas
efetua (brilhantemente!) as operacóes indicadas pelo cquacio-
namento já feito.

4. Em suma, sao múltiplos os setores aos quais se tena


aplicado o interésse dos futurólogos (ciencia, tecnología, socio-

— 102 —
FUTÜROLOGIA E ESCATOLOGIA

logia, política, economía, educacáo...); a bibliografía respec


tiva vai-se enriquecendo de ano para ano. Na propongo em
que tais estudos se baseiam em dados ou leis científicas, tém
valor; contudo será sempre necessário, ao abordá-los, fazer
distingáo entre elementos científicos e meros produtos da fan
tasía ou imaginacáo. Ademáis, nao se pode esquecer o jogo
do fator «libendade de arbitrio»; o comportamento do homem
é muitas vézes imprevisivel, nao se deixando sempre enquadrar
dentro das leis e «foreas compulsorias» da historia.

Passemos agora a nocáo de

2. Escatologta

1. A palavra «escatologia» compóe-se dos vocábulos gre-


gos «éschaton», último, e «lógos», doutrina. Designa, pois, na
teología católica, a doutrina concernente aos últimos aconte-
cimentos e aos estados definitivos do homem.

Para o cristáo, a historia e as suas sucessivas etapas tém


importancia capital, pois tendem a urna plenitude ou consuma-
gáo de valores. O mundo anterior a Cristo, segundo o designio
do Pai, tendía para Cristo. O Senhor Jesús assinala a plenitude
dos tempos, segundo Sao Paulo (cf. Gal 4,4; Ef 1,10), pleni-
tudo que estará totalmente realizada quando o pecado e a
morte estiverem por completo superados (cf. 1 Cor 15,20-28).
É a consumacáo dos tempos, no fina da historia, qHe projeta
luz sobre as sucessivas fases de evolugáo da humanidade. A
escatologia, portanto, vem a ser o grande ponto de referencia
da fé e da teología católicas.

Em outros termos, pode-se dizer: segundo o plano eterno


de Deus, a consumacáo de todos os homens e de t6das as
criaturas em Jesús Cristo foi, desde o inicio da historia, con
cebida como a finalidade de tudo que existe; é para ésse termo
vindouro que tudo se encaminha através dos séculos. Assim
passado e futuro estáo Intimamente associados entre si: o
futuro é o termo que polariza o passado, enquanto éste é im
pulso que se projeta no futuro.

2. A escatologia po/le ser concebida sob dois aspectos:


p individual e o cósmico ou universal. A escatologia individual
assinala os acontecimentos definitivos na vida da pessoa hu
mana: morte, juízo particular, céu (visáo de Deus face-a-face),
inferno (perene afastamento de Deus), purgatorio (transigáo

— 103 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 147/1972

para a visáo face-a-face)1. A escatologia universal ou cósmica


considera a consumacáo da humanidade e do universo como
tal: ressurreigáo dos morios, segunda vinda de Cristo, juizo
universal, «céus novos e térra nova» (cf. 2 Pe 3,13).

A respeito das realidades escatológicas, a Palavra de Deus


é assaz sobria em seus pronunciamentos — o que nos deve
incitar a nao ceder livremente á fantasía no tocants aus acon-
tecimentos fináis da historia e á vida postuma (ignoramos, por
exemplo, a data do fim do mundo). As descrigSes de Dante
Alighieri na sua «Divina Comedia» possuem- alto valor litera
rio, mas, cheias de imagens fantásticas, nao devem ser tomadas
ao pé da letra.

Em suma, a Revelacáo crista nos diz que o homem foi


chamado a ver a Deus (a Beleza Infinita) face-a-face e que,
para tanto, se deve purificar ou livrar do pecado e de suas
inclinagóes na vida presente. Caso por negligencia ou incoc-
réncia nao alcana? a devida pureza, deverá suportar que o
amor o purifique na vida postuma.

Dado que morra conscientemente avésso a Deus, o homem


será respeitado pelo Senhor em sua opcáo, permanecendo afas
tado do Bem Infinito para todo o sempre (a alma é imortal).
Caso quisesse voltar para Deus, o homem após a morte seria
recebido pelo Pai, como o filho pródigo foi recebido por seu
pai na parábola do Evangelho (cf. Le 15,11-32). Acontece, po-
rém, que a morte encerra a peregrinacáo da criatura humana
e a estabiliza na sua última decisáb (ou na decisáo que tenha
na hora da morte).

No fim da historia universal, dar-se-á a ressurreigáo dos


mortos. Na verdade, o homem é um só todo constituido de
corpo e alma, de modo que também o corpo participará da
sorte (gloriosa ou nao) da respectiva alma. O juízo universal
que se seguirá a éste acontecimiento, nao significa nova déli-
beracáo (com debates) sobre cada homem ou sobre grupos
de homens, mas, sim, a manifestagáo pública de quanto cada
qual terá contribuido positiva ou negativamente para configu
rar a historia da humanidade; somos todos solidarios entre nos;
nao há quem nao tenha influencia sobre os seus semelhantes;

1 O limbo das criangas que morrem sem batlsmo, nao constituí dou-
trlna de fé: hoje admlte-se, com freqüéncia, que Deus providencia por vías
invisiveis á salvagao dos pequeninos que nSo possam receber o sacra
mento. Cf. PR 140/1971, 347-356.

— 104 —
FUTUROLOGIA E ESCATOLOGIA

em conseqüéncia, é de todo conveniente que se evidencie a


obra de cada um no conjunto da historia.

Quanto a «céus novos e térra nova» (expressáo bíblica),


nao temos dados para desenvolver minuciosamente o que pos-
sam significar. A S. Escritura quer certamente ensinar que as
criaturas irracionais, solidarias com o homem na queda origi
nal, seráo também participantes da sua redencáo; ignoramos,
porém, o modo como isto se dará.

3. Nestes últimos tempos, tem-se debatido com grande


interésse qual o relacionamento existente entre as concepgóes
escatológicas dos cristáos e as expectativas de desenvolvimen-
to, progresso e paz da humanidade. Em resposta, deve-se
observar que a escatologia crista é, por sua natureza, trans
cendental; os seus criterios de valores sao Deus e a posse da
vida eterna no consorcio da Cidade de Deus ou da Jerusalém
celeste (cf. Apc 21,1-22,5). Por conseguinte, a escatologia nao
se identifica própriamente com o bem-estar (legítimo) dos
homens aqui na térra, mas espera algo de maior ou mais
correspondente ás aspiracóes que o ser humano tem para o
Infinito. Note-se que o progresso pode ser utilizado tanto para
a felicidade como para a desgrasa dos homens. Em conseqüen-
da, deve haver outro tipo de bens náo-ambíguos, definitivos;
cultivando-os, o homem poderá encontrar no progresso mate
rial e no desenvo1vimento tecnológico auténticos bens para a
humanidade.

Todavía nao se pode negar que a Vitoria sobre o pecado


c as suas conseqüéncias deve procurar realizar-se desde já aqui
na térra. O cristáo possui a sementé da gloria eterna em seu
intimo; por conseguinte, compete-lhe colocar valores de eter-
nidade agora no tempo — o que quer dizer: compete-lhe remo
ver todo tipo de pecado e instaurar o amor nao sómente em sua
vida pessoal, mas também na sociedade. Daí se seguem o
profundo interésse e o engajamento do cristáo por urna socie
dade em que já nao haja injusticas, opressóes, guerras, furtos,
morticinios, odio, fome, analfabetismo, inveja, desespero...
O cristáo deverá empenhar-se por obter a remocáo déstes ma
les (embora seja de crer que subsistiráo sempre, em certo
grau, enquanto nao chegar a plenitude da Redengáo, com a
segunda vinda de Cristo); entregar-se-á a táo nobre causa
com amor, de maneira a unir, e nao desunir, os hámens. Ao
cristáo nao é lícito apelar para a sua fé escatológica a fim de
omitir-se no cumplimento de seus deveres familiares, social,

— 105 —
10 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

profissionais e políticos. Verdade é que nem todos tém as


mestnas aptidóes e obrigacóes no setor sócio-politico; a cons-
ciéncia, porém, de cada um deverá estar atenta aos respectivos
deveres.

Dada a importancia déste assunto, será ulteriormente de


senvolvido no artigo seguinte de PR, em que será abordado o
tema «Teología Política».

Bibliografía:

Arthur Clarke, "Perfil do Futuro". Petrópolls 1970.


Rose-Marie Muraro, "A automoc&o e o Futuro do Homem". Petrópolls
1968.
Roberto Perelra de Andrade e Luis Carlos Lisboa, "Grandes Enigmas
da Humanldade". Petrópolis 1S68.
Ugo Apollonlo, "O homem no ano 2000". Petrópolls 1970.
MacGowan e Ordway. "A Inteligencia no Universo". Petrópolis 1970.
Norbert Wiener, "Cibernética e Sociedade". S5o Paulo 1968.
L. Coufflgnal, "A Cibernética". Sao Paulo 1966.
Mario Henrique Slmonsen, "Brasil 2001". Rio de Janeiro 1869.
Peter Drucker, "Urna era de descontlnuidade". Rio de Janeiro 1970.
Albert Rosenfeld, "O segundo Qénese. O Futuro Controle da Vida".
Sao Paulo 1971.

É PRECISO VIVER COMO QUEM SABE QUE VAI


MORRER UM DÍA, E MORRER COMO QUEM SABE QUE
VAI VIVER SEMPRE !

— 106
Palavras e coisas controvertidas:

teología política
teología da revolucáo

Em aintese: "Teología política" é a rellexSo sobre as instltuigSes po


líticas e sociais Inspirada pelas grandes llnhas do Evangelho. Éste apregoa
o Reino de Deus, o qual é, ao mesmo tempo, Imánente e transcendente.
Na medida em que á imánente, o Reino de Deus val-se constitulndo ñas
realidades déste mundo, principalmente ñas instltuicSes da Polis ou da
vida pública. Todavía, enquanto é transcendente, o Reino de Deus jamáis
se identificará plenamente com algumas das realizares sóclo-pollticas da
historia; é utopia pretender chegar á perfelcfio do amor e da justlca no
decorrer da historia*.
Dal a ambigüldade da expressáo "teología política". Está justificada
pelo falo de que a fé crista tem realmente algo a dlzer sobre a maneira
como os homens vlvem nao 8ó em seu foro particular, mas também em
seu foro social e público; é para desojar que os bens do Reino (justlga,
p*az, amor) se instaurem cada vez mals na vida presente. A teología política,
porém, poderá trair-se e desvlrtuar-se
— caso se volte quase unilateralmente para as realidades terrestres,
esquecendo-se de transmitir em primelro lugar os valores definitivos e
prlmaclals do Evangelho (Deus e a vida de unifio com Deus);
— caso a teología se quelra tornar repertorio de solucfies para todos
os problemas soclals e técnicos do homem;
— caso a teología queira Identificar a reallzacáo do Evangelho com
determinado modelo ou esquema sóclo-polltico.
Admlta-se a pcsslbilidade de opcoes políticas diversificadas, mesmo
para aqueles que se conservam Incondlclonalmente liéis aos dltames da
fé católica.

Oomentáirio: Nos últimos decenios vém-se difundindo cada


vtz mais na bibliografía teológica, principalmente da Europa
(e, de modo especial, da Alemanha), as expressóes «Teología
política» e «Teología da revoluQáo». O significado e o alcance

— 107 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

déstes termos tém provocado certa controversia, pois se trata


de locucóes ambiguas, aptas a ser entendidas em sentidos
diversos. Em vista déste questionamento, que vem atingindo
também a América Latina, sem excluir o Brasil (tenham-se em
vista os documentos de Medellin e os variados ecos que tiveram
entre nos), procuraremos abaixo indicar o que os melhores
autores entendem por «teología política»; ao que acrescentare-
mos algumas observacóes.

1. «Teología política»: que ó?

Eis o que se pode responder segundo os mais abalizados


arautos desta expressáo (entre os quais se destaca Johannes
Baptista Mete, discípulo do grande teólogo alemáo Karl
Rahner):

1. A pregacáo de Jesús Cristo anunciou a vinda do Reino


de Deus sobre a térra (cf. Me 1,15).

Éste reino vai-se instaurando paulatinamente através de


lutas e dores (contra o reino do pecado), de tal modo que
estará consumado no fim dos tempos, quando Cristo, encabe-
gando a humanidade te todo o mundo visível, entregar todas
as criaturas ao Pai; entáo, como diz o Apostólo, Deus será
tudo em todos (cf. 1 Cor 15,24). Ésse reino de Deus nao é
meramente espiritual; ele envolve as realidades visiveis e cor
póreas, pois o homem é espirito e materia, colocado em ura
mundo material; também nesse mundo sensível Deus deve
reinar.

Conscientes disto, os cristáos — e de modo especial os


teólogos — se véem incitados a refletir s&bre as realidades
terrestres á luz do Evangelho, do Reino de Deus e das reali
dades eternas. De modo particular, a Polis ou a Cidade e o
Estado interessam a essa reflexáo, pois é a Polis que cria o
ambiente público e social onde os homens devem exprimir e
reconhecer oficialmente o Reino de Deus e suas influencias.
Daí falar-se de «teología política», ou seja, «teologia da Polis».
Esta express&o, portante, quer dizer: reflexáo sobre as insti-
tuicóes civis e sociais de cada época da historia, reflexáo inspi
rada pelas grandes linhas do Evangelho e, de modo espacial,
pela consciéncia crista de que o Reino de Deus se vai formando
no tempo e no espaco em que os discípulos de Cristo estío
situados.

— 108 —
TEOLOGÍA POLÍTICA : QUE fi ? 13

2. Propalando a teología política, os seus arautos dese-


jam dissipar a concepcfio (talvez freqüente nos últimos cento
e cinqüenta anos) de que o Cristianismo diz respeito apenas
aos individuos em particular ou as almas, apregoando única»
mente urna salvagáo pessoal e transcendental; a mensagem do
Evangelho, neste caso, estaría desinteressada das instituiodes
civis e sodais, podendo mesmo tornar-se alienante para os seus
adeptos. — Ttenha-ee em vista que, a partir do sáculo passado,
as correntes filosóficas sao cada vez mais interessadas pela so-
dedade, a economía, a política, proclamando o dinamismo da
historia e a tendénda da mesma a um bem-estar temporal e
material; fala-se até das «utopias» de certas ideologías moder
nas. O sotialismo e o marxismo sao espécimens bem patentes
do interésse da filosofía pela política, a sodologia e as dénc'as
económicas. Ora o Cristianismo, embora tenha printípios e
objetivos diversos dos destas ciéndas, nao é alheio as realida
des de que elas tratam.

Os arautos da teología política lembram outrossim que a


salvagáo crista foi apregoada pelo Senhor Jesús através de um
conflito de morte com os poderes públicos do seu tempo: Jesús
foi julgado por Pondo Pilatos, representante do Estado romano
e detentor do poder político; a ésse magistrado Cristo dedarou
a índole de sua missáo (cf. Jo 18,33-39). Mais: a cruz de
Jesús nao foi colocada no santuario de um ambiente puramente
religioso, mas foi erguida em público: «O escándalo e a pro-
messa desta salvagáo sao públicos. Esta 'publiddade' nao pode
ser retirada, dissolvida ou diminuida. Ela acompanfaa o desen-
volvimento histórico da mensagem da salvagáo. E ao servigo
dessa mensagem foi dada como missáo la religiáo crista urna
forma crítica e libertadora da responsabilidade pública» (J. B.
Metz, «O problema de urna teología política», em «Concilium»,
ed. portuguesa, 1968, n« 6, p. 10).
Aínda em outros termos: a teología política acentúa que
a salvagáo apregoada por Jesús se acha permanentemente rela-
tíonada com o mundo... num sentido político-social; essa sal
vagáo atua como fator de critica e libertagáo déste mundo
frente as injustigas e desordens sodais; as promessas bíblicas
de paz, justiga, reconciliagáo dos homens entre si, libsrdade,
nao tém sentido meramente escatológíco (para o fim dos tem-
pos), mas se cumprem no desenrolar mesmo da historia déste
mundo e impóem graves responsabilidades sodais aos cristáos.

3. Destas idéias se segué algo de importante para o con-


ceito de Igreja: esta nao se acha ácima ou ao lado da realidade

— 109 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

social, mas, sim, dentro déla; e ai deve desempenhar o papel


de «instituicáo de critica social»; á Igreja toca urna missáo
critico-libertadora em relacáo as estruturas iniquas ou opres-
sivas que possam estar prejudicando os homens.

Como os profetas do Antigo Testamento despertavam sem-


pre a consciéncia dos reís de Judá e Samaría, exortando ao
mesmo tempo os magistrados e poderosos para que removes-
sem situacóes iniquas, assim também a Igreja deveria proceder:
Ela jamáis poderia permitir que o mal se esclerosasse e ins
taurase tranquilamente na sociedade.

Ao proclamaren! tal missáo da Igreja, ou autores nao pre-


tendem envolver a Igreja em militáncias políticas. Também
nao julgam que se possa um idia obter determinada ordem
sócio-político-económica que satisfaga plenamente as exigencias
do Evangelho, pois a historia da humanidade é caminhada, e
nao termo de chegada; so no fim dessa caminhada ou da his
toria se poderá encontrar a plenitude dos bens apregoados por
Cristo.

4. De maneira especial, a tarefa a ser desempenhada


pela Igreja na Polis ou frente ás instituicóes sócio-políticas
déste mundo compreenderia a proclamacáo de tres tópicos
principáis:

1) A dignidade da pessoa humana. Em todo ser humano


há algo de indevassável aos homens — a consciéncia —, so-
mente devassável a Deus. O individuo humano na sociedade
nao pode ser considerado como simples material ou meio para
a construcáo de um futuro inspirado pela tecnología e a auto-
macáo. A pessoa nao é funcionaría do progresso da civilizagáo;
ela nao vale apenas na medida em que produz lucrativamente
ou abre caminhos para a prosperidade temporal. A Igreja há
de proclamar sempre, frente ás instituicóes políticas, que tam
bém os pobres e enfermos, incapazes de produzir ou liderar,
possuem a natureza humana e tém direitos fundamentáis iguais
aos dos demais homens.

2) A crítica áo totalitarismo político. Este, subordinando


o cidadáo ao Estado, sufoca a liberdade de expressáo, de infor-
macáo, de locomocáo e outras atitudes inerentes a urna perso-
nalidade humana. A Igreja terá sempre de ensinar que aquí
na térra nada é absoluto a nao ser Deus e o que é de Deus.
Ao Estado, portante, nao é licito pretender ao absolutismo;

— 110 —
TEOLOGÍA POLÍTICA : QUE É ? 15

ele, antes, ideve servir aos cidadáos, promovendo o bem comum,


como também deve exigir o servico dos cidadáos.

3) O amor fraterno como fótr^a motriz da vida pública.


O amor cristáo nao se deve limitar ao ámbito do En e do Tu.
Também nao deve ser entendido apenas como auxilio caritativo
ministrado aos pobres. Mas ha de traduzir-se num empenho em
prol da justiga, da paz e da liberdade consuntiva ou em prol
de urna sociedade melhor.
Ésse amor, sendo cristáo, odeia incondicionalmente o erro,
mas ama o homem que erra, file também recusa a violencia,
pois sabe que a violencia gera a violencia, provocando repre
salias. Nao recusa, porém, reconhecer a legitimidade do recur
so as armas em casos extremos, isto é, quando a violencia
parega trazer a solucáo menos má de urna sitaa^a» má que se
prolonga sem esperanza de alteragáo. A Moral crista sempre
reconheoeu esta posigáo de emergencia. Todavía ela lembra
que sao necessários exato conhecimento da situagáo e perspi
cacia crista para se poder proclamar a legitimidade de urna
guerra. Estas afirmacóes constituem o núcleo de urna «Teolo
gía da Revolugáo», tema que vem sendo estudado por autores
europeus, como T. Rendtorff e H. E. Todt, «Theologie der Re-
volution. Analysen und Materialien» (Frankfurt 1968); H. E.
Bahr, «Weltfrieden und Revolution. Neun politisch-theologische
Analysen» (Hamburg 1968).

5. Ainda é importante notar que nao sonriente entre os


católicos, mas também entre os protestantes europeus (prin
cipalmente na Alemanha), se apregoa a «teología política».
Nao poucos, entre uns e outros, tendem a atribuir á Igreja
Católica ou a sua comunidade evangélica (geralmente, lutera
na) urna agáo política explícita e direta; a Igreja como Igreja
— e nao cristáos ou grupos de cristáos dentro da Igreja1 —
entraría no processo político e contribuiría para configurar a
realidade cotidiana da sociedade civil; quem defende tal tese,
fala de «Politisierung der Kirche» ou de urna «politizagáo da
Igreja». A respeito veja-se a coletánea de estudos intitulada
«Die sogenannte Politisierung der Kirche» (Hamburg 1968),
em que colabor&m H.-E. Bahr, M. Linz, O. Massing, H. Schwab-
-Felisch... Sao, antes do mais, estas afirmagóes extremistas
que vém provocando agitacáo e contestagáo nos ambientes teo
lógicos .

1 Nisto está a grande novldade: a Igreja como Igreja teria oficialmente


urna acfio política.

— 111 —
16 «PEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

6. Por último, nao se poderla silenciar o fato de que pe


riódicamente na historia da Igreja se registraram tendencias a
fazer «teoiogia política», naturalmente sob formas diversas.

Assim no séc. IV o bispo Eusébio de Cesaréia e sua escola


julgavam poder ver no Imperador Constantino «o 13» Apos
tólo»; o Imperio bizantino na térra seria imagem do Reino de
Deus no céu.

Em Bizáncio ou Constantinopla, durante os séc. IV-Vn,


verificou-se a tendencia ao cesaropapismo, ou seja, á usurpagáo
dos direitos do Papa por parte do Imperador, que se atribuía
conseqüentemente o direito ou o dever de instaurar, a seu modo
e com exclusivismo, urna ordem pública crista. O Imperador
Justiniano (527-565) foi o expoente máximo dessa tendencia.

Nos séculos Vm/IX é Carlos Magno, Imperador dos


Francos, no Ocidente, quem de certo modo exerce funcjáes
cesaropapistas.

Na época do absolutismo dos reis (séc. XWXVEI) falava-


-se do «direito divino» dos monarcas, os quais so por Deus po-
deriam ser julgados. Tal foi o caso dos soberanos da Ingla
terra, da Franca (Luís XIV, Luís XV, Luís XVI, de 1643 a
1793), da Alemanha (José n, 1765-1790, foi o «Imperador
Sacristáo»).

Sobreveio a Revolugáo Francesa de 1789, que marcou pro


fundamente o pensamento filosófico, repercutindo também na
teoiogia. Em conseqüéncia, passou-se a falar de «democracia
crista», expressáo até hoje assaz rica em sugestóes de «teoiogia
política».

As idéias até aqui propostas suscitar» naturalmente urna


reflexáo sobre o assunto.

2. Linhas de reflexáo

A temática abordada sendo complexa, nela distinguiremos


aspectos diversos.

2.1. O fundo positivo

a) Nao há dúvida, a mensagem crista nao está sómente


voltada para os valores transcendentais e invisíveis, mas ela

— 112 —
TEOLOGÍA POLÍTICA • QUE É ? 17

repercute neste mundo, devendo tomar vulto através das ins-


tituigóes civis, sociais e políticas em que vivem os homens.
O Concilio do Vaticano II, em mais de um documento (Constí-
tuicóes sobre a Igreja, decreto sobre o apostolado dos leigos..),
exortou os fiéis a santificar éste mundo, dando um cunho
cristáo a todas as realidades terrestres: familia, escola, profis-
sáo, artes, política, cultura... Já que os tempos presentes estáo
prenhes das realidades definitivas, é natural que estas trans-
paregam cada vez mais através das estruturas temporais em
que os individuos e as sociedades se exprimem; é preciso que a
regulamentagáo de direitos e deveres na sociedade seja mais e
mais iluminada pela justica e a paz que Cristo veio pregar ao
mundo, em conseqüéncia da yitória do Redentor 6óbre o pecado
c a desordem. Nao haja, pois, divorcio entre vida particular e
vida pública ou profesional dos católicos.

Mais: a Igreja nao exorbita quando lembra claramente


aos poderes públicos e aos responsáveís pelas estruturas sociais
e políticas a necessidade de se respeitarem os direitos do tra-
balhador, das empresas e iniciativas nao estatais, a dignidade
da familia, a moral pública, a escola particular... É para de-
sejar apenas que os porta-vozes do pensamento da Igreja de-
sempenhem sua tarefa sem acepcáo de pessoas ou sem favo
recer unilateralmente ou a pobres ou a ricos.

b) Deve-se mesmo acentuar o segulnte: nos últimos anos


(mais precisamente, a partir da segunda Guerra Mundial),
tém-se verificado novas formas de injustiga ou opressáo no
mundo. Trata-se de formas de nivel internacional e por vézes
extremamente requintadas. Tenham-se em vista os refugiados
de guerra, os deslocados ou desterrados, os prisioneiros de ba-
talha e os prisioneiros políticos, os que padecem torturas, os
que sao submetidos a lavagem de cránio, as criancas aborta
das, as campanhas anticoncepcionais organizadas em nivel na
cional e internacional a servico de Interésses espurios, a defor-
magáo da informagáo, da noticia, da imagem, freqüentemente
devida a interésses económicos, a falta de assisténcia aos emi
grantes, as precarias condigóes dos operarios dos países medi
terráneos que váo procurar trabalho no norte da Europa ou
em outras regidas desenvolvidas, os marginalizados pelo racis
mo, por diferengas religiosas (Ulster...), etc.

Quem levantará a voz na Assembléia das Nac.5es em favor


désses homens, que sofrem sem poder falar? A Organizagáo
das Nagóes Unidas poderá deixar de congregar nagóes como

— 113 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

tais, para congregar homens ou grupos humanos ou comunida


des existentes dentro das nacóes? Nao é provável, por motivos
evidentes, que isto se dé. Pergunta-se entáo se nao toca pre
cisamente á Igreja levantar a voz (de maneira justa e serena)
em favor désses homens que padecem — e padec?m profunda
mente — no mundo de hoje sem ter voz própria? Quem des
pertará as consciéncias para as possíveis injustigas e os abusos
que tais cidadáos ou grupos humanos váo sofrénelo em silencio?1

É claro que tal tarefa é altamente delicada ou melindrosa;


quem a executa, deve estar consciente da procedencia de suas
denuncias; deve medir o alcance de suas palavras, a fim de que,
procurando atender e servir, nao venha antes a prejudicar os
interessados ou a exacerbar indevidamente 05 ánimos... nem
venha a provocar indiretamente maiores males ou duras repre
salias.

Estas observagóes, dé grande valor como sao, pedem


agora suas complementacóes.

2.2. Os possíveis percaljos

Para que a Igreja possa desempenhar de maneira constru-


tiva e válida a missáo de iluminar e julgar as realidades terres
tres ou da Polis á luz do Evangelho, é preciso saiba evitar
graves percalgos que poderiam desfigurar a face da Santa
Igreja.
1) Politízala». É absolutamente necessário que a Igreja
nao se torne partidaria em situagóes ñas quais diversas opgóes
políticas sao lícitas. Os homens que professam a mesma fé
católica, podem as vézes divergir legitimamente sobre orien-
tagees sócio-económicas a dar á sociedade ou á patria. A Igre
ja há de respeitar sempre essa liberdade. Do seu lado, os fiéis
católicos em tais condigSes cuidaráo de nao apresentar sua
opgáo pessoal ou partidaria como sendo a opgáo da Igreja.
O Concilio do Vaticano n reafirmou claramente a necessidade
da distingáo:

"Principalmente onde vigora a sociedade pluralIstlca, é de grande im


portancia que se tenha a conveniente conslderacño da relacáo entre a comu-
nidade política e a Igreja: claramente se distinga entre as atlvldades que os
fiéis, Isoladamente ou em grupos, guiados pela consclencla crista, executam
em seu nome como cidadáos, e as que reallzam em nome da Igreja, junta
mente com os pastores.

1 Note-se que estas questfies foram vivamente levantadas no Sfnodo


Mundial dos Bispos realizado em Roma (outubro-novembro 1971).

— 114 —
TEOLOGÍA POLÍTICA : QUE fe ? 19

A Igreja que, em raz&o da sua flnalidade e competencia, de modo algum


se confunde com a comunldade política, nem está ligada a algum sistema
político, 6 ao mesmo tempo slnal e salvaguarda do caráler transcendente da
pessoa humana.

Cada urna em seu campo próprio, a comunldade política e a Igreja sfio


Independentes e autónomas entre si. Ambas, porém, embora a títulos diver
sos, estfio a servlco da vocacfio pessoal e social dos homens. Tanto mals
eficazmente executaráo para o bem de todos este servlco quanto melhor
cultivarem entre si a sfi cooperacfio, consideradas também as circunstancias
dos tempos e lugares. Pols o homem nao está restrlto apenas á ordem
temporal, mas, vivendo na historia humana, conserva Integralmente a sua
vocacáo eterna" (Const. "Gaudlum et Spes", rfi 76).

Caso nao se levem na devida canta as observares ácima,


ocorre o perigo de

2) Neo-integrésmo. No inicio do séc. XX, chamava-se «in


tegrismo» dentro da Igreja urna atitude totalitaria que preten-
dia derivar exclusivamente das verdades da fé a resposta para
todas as questóes da vida particular e pública dos cidadáos.
Tal modo de pensar nao reconhecia aos diversos setores do
saber e da cultura a sua devida (e relativa) autonomía, mas
pretendia submeté-los todos aos pronunciamientos diretos («po-
testas directa») da Igreja. O integrismo tencionava ser urna
reacáo eñcaz ao modernismo e ao liberalismo, que diluiam, em
graus diversos, a presenga e a agáo dos valores típicamente
cristáos no foro civil e profissional.

Os adeptos do integrismo se organizaram rígidamente sob


a orientagáo de Monsenhor U. Benigni, constituindo urna quase
sodedade policial secreta dentro da Igreja com o nome de
«Sodalitium Pianum» ou «La Sapiniére». Oriunrta sob o ponti
ficado de Pió X (1903-1914), a sodedade integrista cessou suas
atividades sob Bento XV e a 1» Guerra Mundial (1914-18).

Caso, porém, se levem a rigor exagerado os principios da


teología política, o integrismo pode reativar-se em nossos dias,
nao já com tendencias para a extrema direita como nos pri-
meiros decenios do séc. XX, mas, antes, favorável ao sodaBs-
mo (com todas as gamas que esta palavra possa ter).

O integrismo traria consigo igualmente a ameaca de um

3) Neo-clericalismo. Depois de se haver proclamado com


grande énfase, desde o Concilio do Vaticano n, a missáo dos
leigos dentro e fora da Igreja, poder-se-in voltar a sufocar o
papel próprio dos cristáos leigos como representantes da Igreja

— 115 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

(ou como Igreja) nos setores da política, da economía, da


cultura... Estes campos de atividades sao regidos por leis e
orientacóes próprias, derivadas das ciencias e técnicas respec
tivas. É aos especialistas em sociología, economía, teoría do
desenvolvimento..., e nao aos teólogos, que compete ditar
normas concretas para o feliz desenrolar da vida da Polis.
A Igreja, como tal, cabe apenas apontar as injusticas, chamar
a atencáo para o vilipendio dos direitos ou da dignidade do
homem nesta ou naquela situagáo, mas nao lhe toca discutir
planejamentos ou técnicas de promoclo...

A guisa de exemplo, pode-se dizer que aos bispos compete


despertar os ánimos para as necesidades das populacóes da
Amazonia (é o homem com seus direitos que lá está em causa);
mas já nao lhes toca estudar se Altamira se deve desenvolver
a partir de um pequeño núcleo industrial ou em virtucte de
diversos centros esparsos,... em forma radial ou em forma
concéntrica...

A Igreja proclama também o direito de todos os ci ladáos


idóneos e conscientes ao voto livre, mas por certo ela nao deve
discutir técnicas eleitorais.

Outro perigo a evitar no contexto da teología política


seria a

4) Institudonafiracáo da crítica. Se a Igreja, frente as


estruturas sociais e civis que a cercam, apenas soubesse criti
car (no sentido de censurar e condenar), ter-se-ia a critica
institucionalizada. Ora éste conceito é absurdo, como a qua-
dradura do círculo. Com efeito, toda instituicáo diz «estabili-
dade», ao passo que «crítica» significa «renovagáo» e «purifi-
cacáo»; urna Igreja que so tívesse pronunciamentos negativos
e condenatorios, se trairia ou desprestigiaría; nao seria mais
a Igreja de Cristo, pois nada diña de positivo ou de Boa-Nova
(Evangelho) para poder justificar suas críticas. A Igreja há
de apregoar antes do mais a Grande Noticia da salvacáo por
Cristo; caso lhe parteca defrontar-se com problemas e fallías
na sodedade civil, indique-os, apontando, porém, ao mesmo
tempo as pistas que o Cristianismo possa sugerir para encami-
nhar as respectivas solugóes.

Estas consideracSes — que muito se poderiam alongar —


já nos permitem esbocar urna

— 116 —
TEOLOGÍA POLÍTICA : QUE É ? 21

Conclusao

1. Em Boma, a mensagem da teología política consiste


em proclamar que o Reino de Deus é, ao mesmo tempo, imá
nente e transcendente em relacáo as estruturas da Polis ou
da sociedade civil.

Como realidade imánente, o Reino de Deus deve ser ex-


presso pelas instituigóes características da vida pública. O que
quer dizer que estas deveráo, em línha de mínima, respeitar e
fomentar os direitos da pessoa humana, que Deus fez aberta
para os valores absolutos e indevassável aos outros hornera
(no que diz respeito á consciéncia).

Como realidade transcendiente, o Reino de Deus nunca


se identifícará com alguma das estruturas cocíais déste mundo;
enquanto a historia estiver em curso, o Reino de Deus se esta
rá fazendo ou construindo, ora muito beni, ora menos bem.

Por isso, ao cristáo nunca poderá ser lícito identificar éste


ou aquél© modelo de organizacáo sócio-política com o Reino
de Deus; nao lhe será permitido dizer que a libertario do
homem (frente a pressóes económicas, colonialistas, precarie-
dade de higiene, de habitacáo, de instrucáo...) ou aínda a
promocáo do homem (educagáo, formacáo cultural e profissio-
nal) corresponden!, sem mais, ao tipo de Redencáo trazida por
Cristo. Está claro que a Redencáo, no sentido bíblico-cristSo,
nao ignora a natureza do homem como ola se acha na térra
antes do juízo final. Seria mesmo pecado de omissáo, para um
cristáo, deixar de combater a fome, a nudez, as molestias...
existentes no mundo. Mas o cristáo realiza tais tarefas dentro
de urna visáo diversa da do cidadáo náo-cristáo: aínda que nao
consiga debelar, por completo, o subdesenvolvimento, d fome,
a ignorancia... sobre a térra, o cristáo sabe que nem por isto
a Redengáo está frustrada. Em qualquer hipótese, o dom de
Cristo é dado a quem o procura:

... é dado irrestritamente sob a forma de vida eterna ou


de encontró com o Bem Infinito para todo o sempre;

... é dado também sob a forma de desenvolvimento tem


poral e terrestre» em graus diversos, porém;... graus que so
a Sabedoria Divina pode avaliar.
Nao há dúvida de que todo homem recebe, da parte de
Deus, os recursos materiais e espirituais de que necessita para

— 117 —
22 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

ser homem perfeito, homem de estatura espiritual plenamente


desenvolvida; ninguém é chamado á mediocridade ou ao meio-
-térmo ou a banalidade.

Compreende-se que a instrucáo, a saúde e o relativo bem-


-estar material sejam elementos valiosos para o cultivo da
vida espiritual; caso, porém, a Providencia nao proporcione tais
dons, Ela nao recusa outrós equivalentes para que o homem
possa chegar ó plenitude das suas dimensóes mais caracterís
ticas ou dimensóes definitivas.

2. Nao se poderia encerrar esta exposisáo sem observar


que a teología política encara também as delicadas quastóes
da nao-violencia, da pressao nao física, mas moral, e da
objecao de consciéocia.

A nao-violencia ou a pressáo moral sao formas de mudar


estruturas iniquas que nao utilizam as armas, mas constran-
gem as consciéncias; apelam para os valores mais típicos do
homem (brío, honra, solidariedade...) ou o senso humanita
rio. A náo-violéncia assume expressóes multo variadas, das
quais algumas sao totalmente pacíficas (greve de fome, pas-
seatas em silencio...), outras, porém, já chegam a certa bru-
talidade violenta (greves de trabalho, boicote de empresa de
modo a reduzi-la a condicóes de falencia, sonegacáo de servicos
públicos, como transportes, fornecimento de luz, gas, agua...)*
A náo-violéncia por causa justa é justa. Torna-se, porém,
muito difícil definir o que é a náo-violéncia, quais os seos ca
racterísticos distintivos e os seus limites. — O assunto poderá
ser estudado de per si em PR.

Quanto a objec&o de oonsciéncia, é a recusa que alguém


faz, de servir ao Estado em determinado setor por julgai* que
tal servico seria iniquo ou redundarla em beneficio da iniqüi-
dade. O caso mais freqüente é o da participagáo em gut-rras:
pode um cidadáo convocado negar-se a comparecer por consi
derar injusta tal campanha bélica; pode também um jovem
subtrair-se ao servico militar por nao concordar com os plano?
militares do Estado. A objecáo de consciéncia tarnbém se dá,
por vézes, no tocante ao pagamento de impostas: na Polonia,
por exemplo, o Govérno comunista exige que a Igreja pague
certos tributos, que aos bispos parecem extorsivos; as paróqulas,
os Seminarios, as Faculdades de Teología... deveriam contribuir
com taxas próprias. Julgando que tais exigencias redundam
em iniqüidade, os bispos deram ordem para que o clero nao as

— 118 —
TEOLOGÍA POLÍTICA : QUE fi ? 23

cumpra — o que o Govérno polonés vem aceitando tácitamente.


Também na Poldnia o Govérno decretou que os párocos Ihe
fornecam a lista das enancas inscritas no Catecismo paroquial
— norma que nao vem sendo executada, a título de objecáo
de consciencia.

A objegáo de consciencia também é válida. Ela vai tomando


expressóes cada vez mais variadas; requer-se, porém, que seja
devidamente entendida e praticada, a fim de nao favorecer ou-
tros tipos de injustiga. — Também o assunto merece ser tratado
a parte em PR.

Os assuntos atinentes a |ustica social abordados pelo Sínodo dos


Blspos em outubro-novembro 1971 foram condensados em opúsculos, que
as EdlcSes Paulinas e Vozes publlcaram no Brasil.

Bibliografía:

É multo rica a producao bibliográfica neste setor. Sejam reaicadas


apenas algumas das principáis obras:
Antes do mais, merece ser citado o fascículo 38, vol. 10, 1971, de 'Se
lecciones de teología", fascículo que traz a condensacáo de recentes artlgos
sobre "teología política" e "teología da revolucflo", além de ampia biblio
grafía.
Joliannes Baptlsta Melz, "O problema de urna teología política como
Instltuicfio de llberdade crltlco-soclal", em "Concillum1" {ed. portuguesa)
n? 6, junho 1968, pp. 5-20. Todo o fascículo, alias, versa sobre o mesmo
assunto.

ídem, "Polltlsche Theologle", em "Sacramentum Mundl" 3. Frelburg


i./Br. 1969, cois. 1232-1239.
ídem, "Teología del mundo". Salamanca 1969.
ídem, "Fe y compreenslón del mundo". Madrid 1970.
H. de Lima Vaz, "Cristianismo e consciencia histórica". Sfio Paulo 1963.
Hans Meler, "Politlsche Theologle ? Elnwánde elnes Lalen", em "Stimmen
der Zelt", 183. Band, februar 1969, pp. 73-91.
J. Moltrnann, "Teología da esperance", Sfio Pauto 1970.
Michael Schmaus, "Dar Glaube der Klrche". 2. Band. München 1970,
pp. 700-710.
H. Barlon, "Weltgeschlchtliche Machtform? Elne Studle zur Politischen
Theologle des II. Vatlkanlschen Konzils", em "Epirrhosis. Festgabe C.
Schmitt", Basel 1968.
J. Danlélou y C. Pozo, "Iglesia y Secularización". ColecSo "Biblioteca
de Autores Cristianos" n? 23 (formato menor). Madrid 1971.

— 119 —
QUADRO DO FUTURO

O Qvadro que se segué nao deve evidentemente ser tomado demasiado a serlo. É divertido e
Instrutivo extrapolar para o futuro a escala de tempo das realizacoes científicas realizadas no
passado. So nao valesso raaís do que ísso, o breve resumo do que acontecen nos últimos 150 anos
convencería qualquer pessoa de que iwrthuma imaginando atual pode esperar prever além do ano
2100. Eu nem sequer tentei fazer Isso (ver p. 6 dwtio fascículo).

Data Transporte Comúnfea cao Informaeño I Moleríais Man ufatura fitología Química FUIeo

O PASSADO
1800 Máquina a vopor Qufmka inorgánica Taoria atómica
Locomotiva
Máquina fotográfica
Máquina de calcular Sfnfete da uréia
Navio a vopor
1850 Telégrafo : Máquinas-operatrizoi Espectroscopio
Conservac^io da energía
Eleiricidado Química orgánica
Telefone i
Fonógrafo Eletromagneltsmo
Auloflióvel Máquina de escrever i Evolu$ao
1900 Motor Diesel
Aeroplano Motor a gasolina Corantes Raios X
Electrón*
Válvulas de vacuo Producao em massa Genética Rodioativfdade
Vitaminas
1910 Fixac,5o do nitrogSnlo Plásticos
Isótopos
Radio
Teoría do» quanta
1920 Cromossomos
Gene
Rolattvidade
Estrutura atdraico
1930 Unguagem das abelhoi
Hormónios Indetermina^ao
TV Mec&nica ondulatoria
Neutrón
1940 Aviao a joto
Foguete Radar
Círavacror eo uta i mognoiio uraao aa mar : nisao oo «ramo
Compilladom Al*tr6nlca* Antibiótico* 1 AcoUradorM
195O Ooernelica En orgia AtSmlea Sil icono» ! Radtoostfonomlo
Tronsisror Automasao
Maser
Motor do rcacSo oo »olo Bombo de fusSo TraoqGilUodorei Ano Geofísico
Internacional
Satélite Láser Derrubada da paridad*
1940 Nave espacial Comumcac.5o por satélites Estruturas das proteínas Estrutura nuclear
Agora

O FUTURO
Laboratorio espacial Código genético
1970 Desembarque na lúa Máquinas de traduzír
Foguetes nucleares Armazenagem eficiente Linguagem dos cetáceos
1980 Desembarques planetarios da cloiricidade
Ondas de grávida de
Radio pessoal Exobiologla
1990 Energía de fusoo Ciborge
Inteligencia artificial
2000 ColonizagSo dos planetas Energía c$em fio>
Tempo, percep;So Estrutura subnudear
Biblioteca universal Minerafao do mar Estimulac.ao
2010 Sondas terrestres Aparelhos tele-scusoriaii
Controle do tempo
2020 Linguagens lógicas Catalizadores nucleares
Sondogens interestelares Controle da
2030 Minerofoo do espado hereditartedado
Contactos com sfireí Bloengenharía
2040 - oxtraterrestres Animáis inteligentes
Transmutado
2050 Conirdle da grovídade Banco de memoria SuspensSo da vida

<Carro eipac¡al> Engenharia planetario


2060 Educador mecánico DistorsSo do sipo^o
Codificado de artefatos Vida artificial e do lempo
2070
Controle do clima
Velocidades próximos
2080 á da luz A inteligencia da máquina
VÓo interestelar supera a do homem
2090 Transmissor de materia Replicador
Encontró com seres Cerebro universal Imortalidodo
atrlmlaivoilnii Pnnnnhnr!» atlranAmlen
As famosas finarlas do Vaticano:

vaticano e justica social

O Vaticano é periódicamente contestado por suas pietensa^


riquezas e seu sistema financeiro. A Santa Sé, nos último j
tempos, tem respondido as observacóes que a imprenta vem
publicando a respeito; os governantes da cidade do Vaticano
tém mostrado o que há de exagerado ou falso nos rumores
divulgados.

Recentemente o jornal francés «Le Monde» voltou á carga,


suscitando assim da Santa Sé os esclarecimientos publicados etn
«L'Osservatore Romano» (ed. portuguesa) de 21/11/1971, p. 16.

Abaixo transcreveremos tal artigo, julgando prestar servic.0


a muitos lcitores, aos quais será útil saber o que há de certo
na administragáo financeira do Vaticano.

as flnancas da santa sé e as
retacees de trabalho no vaticano

ese larecímen tos

«Le Monde», na sua edicao de 27 de oufobro p.p., publicou


um artigo intitulado «Le Saint-Siége est-íl le plus mauvais employeur
d'ltalie?»1, sobre a situacao dos dependentes do Vaticano e as
flnancas da Santa Sé, apresentando aos leitores «alguns elementos
de avaliacáo que nao podem ser contestados». Sobre estas ínforma-
cóes, porém, é possível e até necessário fazer alguns esclaredmentos
e alguns desmentidos.

"A Santa Sé será o plor empregador da Italia?"

— 122
VATICANO E JUSTICA SOCIAL, 27

Tendo como pressuposto que a Santa Sé nao pode ser conside


rada como um dador de trabalho «d'ltalie», urna vez .que é sabido
que as suas relacoes com os próprios dependentes nao estSo, nem
podem estar, incluidas na ordenacao jurídica italiana, dado o seu
caráter de entidade independente e supranacional, vamos examinar,
ponto por ponto, os referidos «elementos».

I. «Depois de ter relevado que o Vaticano emprega um elevado


número de leigos, inclusivamente mulheres, observamos, primeiramen-
te, que néle nao é reconhecida nenhuma das liberdades fundamentáis
do trabalhador. No Vaticano nao existe liberdade de associacóes,
nem liberdade sindical».

é verdade que no Vaticano nao há associacóes profissionais e


sindicáis, mas o reconhecimento déste fato nao pode e nao deve
causar a mesma impressáo I nao seria correto J que se feria com razáo,
se alguém afirmasse que estas livres associacSes nao existem no
ámbito de um determinado Estado ou País. Com efeito, ñas diversas
nacoes, o mundo do trabalho aprésenla, primeiramente na realidade
social, e só depois, como seu pressuposto, no reconhecimento legis
lativo, determinadas características que todos conhecem. Ora — e
éste é o ponto — urna realidade social d&ste género nao se encon
tró no Vaticano.

1) Primeiro que ludo, os dependentes da Santa Sé, em servico


efetivo, sao apenas uns tres mil: mil leigos e dois mil, aproximada
mente, entre sacerdotes e religiosos (ou pertencentes a Institutos Se
culares). Sobre ésses últimos deveremos fazer algumas consideracoes
eipeciais (cfr. 2,a}.

Referindo-nos principalmente aos leigos, devemos relevar que os


componentes das varias categorías nao sao muito numerosos. Por
exemplo, os ¡ornalistas do Vaticano (dos quais o artigo fala no n' 6)
sao 24 (18, dos quais 2 sao sacerdotes e 1 é religioso, trabalham
em «L'Osservatore Romano»; e 6, dos quais 3 sao religiosos, traba
lham na Radio Vaticano); os dependentes do correio, entre em prega
dos e auxiliares, sao 15; os empregados do setor de transportes sao
uns 50; uns 30 trabalham na manutencao dos edificios. De modo
geral, o número de trabalhadores, em cada urna das varias catego
rías, nao é superior a 10. Só nalguns casos, como, por exemplo,
no das duas tipografías (Poliglota e «L'Osservatore Romano»), o
número dos operarios atinge a ordem da centena (exatamente 204
operarios ao todo). £ claro que o problema asociativo se apresenta,
práticamente, de um modo diverso, quando se trata de dezenas ou
centenas de milhares de trabalhadores e quando se trata de um
reduzido número de algumas centenas, ou mesmo de algumas dezenas

— 123 —
28 «FERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

de pessoas em cada categoría profesional. No primeiro caso, para


manifestar as próprias reivindicacdes, ou para proteger, de algum
modo, os interésses profissionais ou de categoría, sao necessárias
formas assodafivas, com órgaos representativos próprios, que funcio-
nem por conta ou pora o beneficio dos associados. Na segunda hi-
pótese, nao se pode excluir que o mesmo objetivo seja livremenre
alcanoado de outro modo, mais coerente com a realidade e igual
mente eficaz. Por outras palavras: a urna realidade social diferente
pode corresponder orna legislacao diversa para a obtencao das
mesmas finalidades.

2) Mas a diferenca entre o Vaticano e os sociedades civis, em


materia de relacoes de trabalho, nao se refere sámente ao número
dos trabajadores. Há também profundas diferen cas de qualidade.
a) Ao falar dos dependentes «leigos», o articulista evidente
mente nao se esqueceu de que há também, no Vaticano, dependentes
sacerdotes e religiosos, é oportuno recordar éste fato. Como ¡á
dissemos, éles consfituem a maioria (cerca de dois tercos). Oro, o
servico prestado á Santa Sé por sacerdotes, religiosos ou religiosas
(a qoase totalidade das mulheres, que ao todo sao urna centena,
pertence a Instituicoes religiosas ou seculares) fem o caráter tíe sin
gular missao de ordem espiritual, completamente compreensível á luz
da fé, e também apreciável sob o aspecto puramente humano: é um
servico, portanto, que nao pode ser reduzido a urna relacao normal
e correóte de trabalho.

b) No Vaticano, nao existem propiedades imóveis, industriáis


ou comerciáis, privadas. Todas as atividades que por enquanto vamos
denominar «económicas» (salvo o que, mais odiante, determinaremos
roelhor) sao, no Estado do Valicano, de iniciativa e de Índole pública.
Se, no Vaticano, nao existem associacóes de trabalhadores, nao se
deve esquecer que também nao existem associacoes de dadores de
trabalho. Por outro lado, o «dador de trabalho», que no Vaticano
é a Santa Sé, corresponde, porventura, verdaderamente, á típica e
corrente nocao de dador de trabalho? O dador de trabalho visa á
obtencao de lucro. A Santa Sé, porém, tem outras finalidades bem
diversas. O dador de trabalho produz bens e servicos económicos.
A Santa Sé, porém, «produz» servicos de ordem moral e espiritual.
£ verdad© que fora do Vaticano se fazem alguns servicos que nao
sao de natureza económica, mas nem por isso deixam de ser avaliados
económicamente (ex. : alguns servicos do Estado, aos quais corres
ponden! as taxas e impostos; iniciativas privadas no campo da ins-
trucao, das quais se podem obter lucros). Podemos admitir que a
Santa Sé também «produz» servicos análogos, mas esta analogía nao
é correta quando se trata da mencionada avaliacao em termos

— 124 —
VATICANO E JUSTICA SOCIAL 29

económicos. Com efeito, os servicos espirituais da Santa Sé a favor


da Igreja Universal (pensemos nos servicos dos Dicastérios da Curia
Romana) nao sao servicos de que a Santa Sé obtenha ou pelos quais
peca vantagens ou compensacoes económicas. Sao servicos que nao
tó nao produzem, mas até custam muito (manutencao dos escritorios,
material de secretaria, pagamentos e salarios, etc.). Também algurnas
pouquissimas atividades particulares, como, por exemplo, a tipográ
fica (Tipografía Poliglota e Tipografía de «L'Osservatore Romano»)
nao tém finalidades lucrativas, e, na realidade, sao passivas.

c) Déste modo, nao existe no Vaticano aquela tensao entre


capital e trabalho, que é a característica do mundo do trabafho das
sociedades civis (e que dó origem aos relativos movimientos asocia
tivos), e os dois termos da relacao de trabalho — Santa Sé e os
seus dependentes — nao se encontram naquelas condicóes que ra-
racterizam ambientes sociais profundamente diversos. Se, por hipó-
tese, também no Vaticano surgissem tensoes, a parte mais fraca
seria a Santa Sé « nao os seus dependentes.

Com efeito, a Santa Sé nao pode, de nenhum modo, suspender


a própría atividade em favor de toda a lgre¡a, nem recorrer a subslí-
tuicóes improvisadas, no caso de suspensoes coletivas do trabalho
da parte dos seus dependentes.

3) Como ¡á foi dito, as relacoes de trabalho, no Vaticano, sao


relacóes de trabalho com urna entidade pública, como é precisamente
a Santa Sé. Ora, na sociedade civil, a maturacao das liberdades fun
damentáis realizou-se, históricamente, apenas no ámbito da empresa
privada, ao passo que só recentemente o problema está a ser gra
dualmente definido no ámbito das relacSes de trabalho com as enti
dades públicas (relacoes que tém características próprfas, que nao
sao as mesmas ñas relacoes de trabalho na empresa privada). Nao
se deve também esquecer, de modo particular, que o problema de
harmonizar as liberdades sindicáis com o caráter indispensável de
alguns servicos públicos é urna questáo que aínda está aberta. Sao,
também estas, circunstancias importantes, que nao se podem delxar
de considerar, se se quiser ¡ulgor reta e honestamente a particular
situacáo do Vaticano. Além disso, nao se pode negar que a Santa
Sé nao se encontró ñas mesmas condicóes dos Ministerios ou das en
tidades públicas do Estado, que dispóem de um número muito mafor
de dependentes e de meios financelros, com a possibilidade de os
obter, o que a Santa Sé nao possuí.

4) Se nao estemos engañados, os dependentes das Organiza-


cóes Internacionais, como, por exemplo, a UNESCO e a FAO, nao
tem assodacoes sindicáis. Mas éste fato nao causa admiracao, con-

— 125 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

siderando a índole particular destas instituicow. Também elas sao


diversas das entidades estafáis. Neste caso, 6 igualmente difícil afir
mar, com seguranca, que a falta de associacoes sindicáis prejudique
v«rdadeiramente alauma liberdade fundamental dos dependentes das
citadas Organizacóes. fi a estas entidades que a Santa Sé pode ser
retómente assimilada, mais do que a urna Organizacao estatal qual-
guer. Contudo, a Santa Sé encontra-se em condicóes particulares, até
em relacao as referidas entidades internadonais.

Com estas consideracdes nao se pretende, certamenle, negar


algumas liberdades fundamentáis da pessoa humana, que a Igrejo
tem procurado diligentemente reconhecer e promover. E preciso, po-
rém, que se ponderem, primeiro que tüdo, as características e a sin-
gularidade de algumas situacoes concretas, social ou institudonal-
mente eslruturadas e configuradas de um modo diverso do normal e
corren te, que é próprio da sodedade dvil e das legislacóes estataís,
e, portanto, susceptíveJ de um diferente tratamento normativo concreto,
que nao prejudica o reconhecimento das referidas liberdades, nao so
consideradas sob o seu aspecto formal e instrumental (organizacao
de pessoas), mas também sob o seu aspecto finalístico (a finalidade
da organizagao).

No Vaticano, nao existem associacoes livres ou partidos polí


ticos. Este fato, por acaso, ofende alguma das liberdades fundamen
táis dos quindenios cidadáos do Estado da Cidade do Vaticano?
Parece difícil prova-lo. Urna tese déste. género pecaría por um evi
dente abstratismo, porque «squeceria a índole e a funcáo, inteira-
mente peculiar, única no mundo, do Estado do Vaticano.

Voltando ao tema das rejacóos de trabalho, como é sabido,


existe no Vaticano, em pleno funcionamento, urna especial Reparticao
para as relacoes com o pessoal (Ufficio per i rapporti col persónate),
criada por Paulo VI, com a finalidade institucional de tutelar os
interésses.dos dependentes da Santa Sé. A esta Reparticao tem livre
acesso todos os dependentes do Vaticano, para expotem, com a
máxima liberdade individual, ou por meio de representantes, coleti-
vamente, os próprios problemas. Além disso, sao possíveis contactos
diretos, que, realmente, se verificam entre os dependentes e as varias
Reparticoes administrativas ou os respectivos Oficiais-Maiores respon-
sáveis, contactos estes que sao facilitados pelo exiguo número do
pessoal que compSe as varias categorías, e pela proximidade material
entre os lugares de trabalho e as referidas Reparticoes. A Reparticao
para as relacoes com o pessoal e os contactos individuáis dáo a
possibilidade de se obterem, livre e efetivamente, os mesmos objetivos
conseguidos num ambiente social diverso, por meio das associacoes

— 126 —
VATICANO E JUSTICA SOCIAL 31

profissionais « dos sindicatos. Acrescenta-se a tudo isto o seguinte


falo: quando os dependentes da Santa Sé que desempenham a mesma
atividade ou trabalham no mesmo setor, elegían um representante ou
alguns representantes, para tratar os problemas concernentes as pró-
prias relacóes de trabalho, esta experiencia durava pouco tempo,
porque se verificara .que, em geral, os ¡nteressados preferiam tratar
pessoalmente com o respectivo superior ¡mediato.

Nao gostaríamos, além disso, de que a expressao categórica


«nenhuma das liberdades fundamentáis» induzisse a erro por outro
motivo, ou se¡a, levasse a pensar que os dependentes da Santa Sé
talvez fossem vítimas de um trabalho injusto e insuportável. Mas nao
é assím. Éles, de fafo, além da retribuicao-base, recebem aumentos
bienais que vao de um mínimo de Lit. ó.500 a um máximo de Lit.
8.500, abonos de familia (Lit. 12.000 pelos párenles que tém a
cargo, e Lit. 15.000 pelos filhos), ¡ndenizacáo por motivo de aumen
to do custo da vida (escala móvel, como na Italia), e outras indeni-
zacóes eventuais, usufruíndo também de assistSncia médica e de pre
videncia social (aposentadoria e indenizacáo final, atribuida em
proporcáo ao período de trabalho).

Em virtude do artigo 17 do Tratado de Latrao, cas retribuicoes


de qualquer natureza, devidas pela Santa Sé, pelos outros organis
mos centráis da Igreja Católica e pelas obras administradas direta-
mente pela Santa Sé, até fora de Roma, a dignitários, empregados
e assalariados, mesmo nao estovéis», sao isentas, no territorio italiano,
de qualquer imposto ao Estado ou a outro organismo.

Podemos também recordar que a retribuicao ou salário-base dos


«oficiáis-menores», que representam a maioria dos dependentes, vai
de um mínimo de Lit. 123.000 a um máximo de Lit. 171.230, e que
estes «oficiáis» tSm um horario de trabalho de apenas 33 horas
semanais. Todos, além disso, dispóem de 19 dias de descamo, além
dos domingos, dos dias de preceito e, naturalmente, de um mes de
ferias por ano. Nao se pode dizer, portanto, que, no Vaticano, nao
sao contempladas as exigencias da fustiga social.

Nesta altura, poder-se-ia por fim a estas consideracóes sobre o


primeiro «elemento» do artigo de «Le Monde». Mas é preferível
examinar a materia, ponto por ponto.

II. Quanto aos «non-titulaires», ou seja, ao pessoal extraordinario,


que_ nao está incluido no pessoal fixo nem é estável, é falso afirmar
que existe urna discriminacSo entre os italianos e os que nao o sao,
com prejuízos para estes últimos, e que o pessoal extraordinario nao
tein direito a qualquer tipo de seguro. Com efeito, os dependentes

— 127 —
32_ <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

da Santa Sé que nao estao inscritos no quadro do pessoal fixo, rece-


bem urna ¡ndenizacdo especial e podem dispor de assisténcia médica.
é ingenuo e aré falso afirmar que nao Ihes sao pagas as horas
extraordinarias de trabalho, dado que o seu salario é calculado por
horas. Nao se pode dizer, igualmente, que sao dispensados do ser-
vico sem previo aviso.

III. £ ¡nreiramente justo que o dependente estável, com horario nor


mal de trabalho, nao possa prestar servico ñas mesmas condicoes de
um dador de trabalho. A incompatibilidade consiste na própria natu-
reza das coisas, mesmo antes de ser contemplada pelos regulamentos.

IV. Todo o pessoal que possui um contrato individual de trabalho,


inclusivamente o pessoal extraordinario que prestava servico cm
1969-1970, recebeu regularmente a gratíficacao de Lit. 100.000 por
ocasiáo do jubileu sacerdotal de Paulo VI. As insinuacoes que o
artigo faz sobre éste ponto, sao destituidas de fundamento.

V. é verdade que as vantagens de que os dependentes da Santa


Sé usufruiam, ao comprar determinados produtos, legítimamente á
venda no Vaticano, simplesmente a título de favor, diminuiram nesies
últimos tempos, por causa de urna necessária modificacao de precos.
Mas estas vantagens, que representavam um dos modos com que a
Santa Sé procura melhorar a situacao do seu pessoal (cfr. Tratado
de Latráo, art. 17), continuam, apesar de tudo, a ser considerareis.
Por outro lado, tem-se .procurado contrabalancar o aumento do custo
de vida com indenizacoes correspondentes.

VI. Nao se pode dizer que, em materia de retribuícao, os depen


dentes que nao sao italianos, se encontrem em condicóes desfavorá-
veis. A verdade é precisamente o contrario. Com efeito, recebem
um aumento que pede ir até 15 por cento do salario, segundo a*
regióes geográficas de onde provém. € verdade que o salario dos
jornalisfas dependentes da Santa Sé é inferior ao dos ¡ornalistas ita
lianos. Mas nao se deve esquecer o que ¡á foi dito a respeito da
isencao de impostos (cfr. I) e das outras facilitacoes, que constituem
um complemento da retribuieao em dinhéiro (cfr. V). é falso afirmar
que o trabalho dos ¡ornalistas, nos dias de preceito, nao é remunerado.

O artigo de «Le Monde» pasta, depois, a falar das financas


da Santa Sé, dizendo, no inicio, que é extremamente difícil obter
informacóes iSbre o ossunto, e citando alguns dados fornecídos pelas
«Communautés critique» italiennes». Sobre éste ponto, também espe-
rávamos mais. Por que ignorar, por exemplo, os esclarecimentos dadot
por «L'Osíervatore Romano», na sua edicáo quotidiana de 23 de
¡ulho de 1970, sob o título «Precisazioni», e na sua edicáo semanal

_ 128 —
VATICANO E JUSTICA SOCIAL 33

portuguesa de 26 de ¡ulho de 1970, sob o título «Esclarecimientos»


Trata-se de um artigo que foi convenientemente apreciado por muito-
¡ornáis. Os dados por Sle forneddos poderiam contribuir para urna
justa avaliacao das informacóes difundidas pelas «Communautós cri
tiques ifaliennes». Eítos informacóes parecem fundar-se naquele pu-
blicismo tendencioso o mal informado a que se referiam os esclare
dmentos de «L'Osservatore Romano». £ o que se pode concluir do
resumo das mencionadas informacóes, apresentadas no artigo de
«Le Monde>.

Como depreende o leitor, a Declaragáo da Santa Sé tende


a por em evidencia dois tópicos principáis:

1) Nao há irregularidades nos contratos de trabalho ou


na administracáo da Santa Sé. Infelizmente os rumores propa
lados se ressentem de preconceitos ou mal-entendidos. Adémate
o Vaticano, sendo geográficamente minúsculo, nao apresenta oo
problemas e as necessidades que se encontram em outras nagóes:
em vez de tratar com o Govemador civil da Cidade do Vaticano
por meio de representantes, muitos trabalhadores e funcionarios
preferem entender-se diretamente com o respectivo «dador de
trabalho». Leve-se em conta também que os assaJariados do
Vaticino nao pagam imposto de renda na Italia; além do que,
muitos tém direito a comprar por precos especialmente módico»
os artigos estrangeiros que o Vaticano lhes oferece.

2) Mais importante aínda: a realidade do Vaticano difere


profundamente da de outro Estado ou da de urna empresa, peto
fato de que a própria existencia do Vaticano e das suas orga-
nizagóes fió se explica pelo servigo do Evangelho ou em vista
de urna missáo espiritual. O Estado Pontificio, extinto em 187o
pela criagáo do Reino da Italia, foi restaurado em 1929 segundo
proporgóes territoriais mínimas (44 néctares, ou seja, menos
do que o territorio da República de San Marino ou de Andorra),
únicamente para atender á fungáo religiosa e evangelizadora
que Cristo confiou á sua Igreja. Sem independencia frente no
Govérno da Italia ou a outros Governos, a Santa Sé estaría
sujeita a ser interceptada em suas comunicagóes com os fiéis
esparsos no mundo inteiro; o Papa precisava de autonomía tem
poral (destituida de todo aparato dispensável: exército, armas,

— 129 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

partidos políticos...) para poder exercer devidamente a sua


missáo de Pai espiritual de 600 milhóes de fiéis.

É portanto a fé (sem preocupagáo de hiero financeiro) que,


em última análise, fomece os criterios de organizacáo da Cidade
do Vaticano; se no Vaticano há garantías e emolumentos finan-
ceiros, inspirados pelas virtudes da justiga e da prudencia, ta's
elementos financeiros estáo longe de constituir a razáo de ser
das atividades do Vaticano. Mais: muitos ¿los empreendimentos
da Santa Sé nao dáo lucro material, mas. ao contrario, sao
deficitarios. Os proventos de que a Santa Sé desfruta, sao mais
do que necessários (se nao insuficientes) para manter as obras
missionárias e culturáis da Igreja (com suas escolas, creches.
hospitais...) nos mais diversos pontos do globo. De resto,
segundo Sao Paulo, qualquer provisáo de bens mataríais que
se faga na Igreja, participa da índole litúrgica ou de culto sa
grado que compete á vida crista em geral (cf. Flp 4,1S; Rom
12,1...). Nada é meramente profano, nem o intercambio pe
cuniario, para o discípulo de Cristo.

O cristáo, com a sua fé, poáerá compreenaer tal r&alidade


do Vaticano sem dificuldades. O nao cristáo, embora nao tenha
fé, poderá apreciar o sentido humanitario que tem a agáo do
Vaticano no mundo: é como sinal e apelo de paz, concordia, fra-
lernidade e cultura entre os homens que a Santa Sé procura
apresentar-sa a todos os povos. É á construcáo do homem, em
suas dimensóes essenciais, que se consagram os que labutam
no Vaticano; caso haja excegóes (de antemáo compreensiveis,
onde haja fraqueza humana), estas so faaem confirmar a regra!

— 130 —
.,.",Debru$ado sobre urna materia que
¡he registe, o trabalhador imprime-lhe o seu
cunho, enquanto para si adquire tenacidade,
engenho e espirito de invenido. Mata aínda,
vivido em eomum, na esperanza, no sofri'
mentó, na aspiraban e na alegría partilha-
da, o trabalho une as vontades, aproxima os
espíritos e sóida os corafoes: realizando-o, o$
homens descobrem que sao irmaos."

PAULO VI
(Carta Encíclica Populorum Progressio)
marco -

DDengefusa
Ética- Seguranca- Pioneirismo
Urna entrevfsta-desaffo:

jean-claude barreau a Texpress":


fé, moral, Igreja, casamento...
sao relativos

Em 8fntme: Jean-Claude Barreau ó um sacerdote que, tendo resolvldo


abandonar o ministerio sacerdotal para casar-se, declara querer continuar
a pertencer á S. Igreja, mas afirma proposIcSes singulares, que descon-
certaram a opinlBo pública.
— O Evangelho de Jesús Cristo serla apenas Mensagem, Boa-Nova,
sem normas de Moral explícitas. Cada crlstfio tirarla por si as conseqOen-
clas prátlcas e óticas do anuncio de Cristo. — Ora nSo se pode negar
que no.Cristianismo o elemento principal ó a Feliz Noticia da salvacfio, mas
esta Noticia ó Inseparável, nos labios de Cristo, de um conjunto de preceltos
e orlentacSes moráis, por vézes multo minuciosos (como sBo os do sermfio
da montanha em Mt 5-7). Enquanto o cristio é peregrino na térra, ele
precisa de ainalizacfio na estrada — slnalizagSo que sSo as lels promulgadas
através da natureza que Deus fez, atreves do Evangelho e da Igreja.
— "Tudo é relativo para Jesús Cristo!" O concubinato serla permitido
pelo Senhor. Nao ó necessárlo Insistir no que estas aflrmacGes tem de
absurdo ou antievangéllco. Os textos de Me 10,11s; Le 16,18; 1 Cor 7,1 Os
Incutem a absoluta fidelidade conjugal.
Em suma, as posiefies de Jean-Claude Barreau s3o t§o evidentemente
exóticas ou singulares que por si mesmas se denunciam como contrarias
ao bom sonso e a fé crista. O que ao público crlstSo compete nesta hora,
é orar para que tal Irmfio reencontré o sou camlnho para Cristo e a Igreja.

Comentario: Jean-Claude Barreau foi balizado aos oito


anos de idade na Igreja Católica. Já que seu avó era israelita,
o genitor de Jean-Claude julgou prudente mandar batizá-lo
durante a ocupagáo da Franga pelos nazistas (1940-44). Aos
17 anos, comegou a se yoltar própriamente para os valores da

— 132 —
FE. MORAL, CASAMENTO EM ENTREVISTA 37

fé católica, tornamdo-se cristSo convicto aos 20 anos. Apos ter


sofrido os horrores da guerra, resolveu tornar-se sacerdote.
Trabalhou na Algéria em meio as populacóes subdesenvolvidas,
mostrando sempre grande zélo apostólico. Finalmente, quanflo
ocupava cargo de grande confianca na arquidiocese de París,
como supervisor do catecumenato (ou da instrugáo religiosa)
de adultos, Jean-Claude Barreau, com 38 anos de iiiade, decidiu
deixar o ministerio sacerdotal para se casar.

A revista francesa «L'Express» foi entrevistá-lo, publican


do as declaragóes de Barreau em seu número de 4-10/X/1971,
pp. 72-78. Aqui no Brasil esta revista foi lida com interésse por
pessoas que manifestaram o desejo de comentario dos dizeres
respectivos. Eis por que, ñas páginas seguintes, abordaremos
alguns dos tragos mais salientes das .declaragdes de Barreau:
1) mensagem crista (fé e moral); 2) casamento e concubinato.

1. Boa-Nova: que é?

Que veio o Cristianismo anunciar aos homens propriamen-


te: urna Boa Noticia esperangosa e alentadora, sem preceitos
éticos, ou... também um programa de vida ?

1.1. A resposto de Barreau

Jean-Claude Barreau assume a seguinte posigáo:

"A pessoa de Cristo sempre me pareceu fascinante. Extraordinaria


mente fascinante e subversiva...

Tive conflanca em Jesús. Dlsse comigo mesmo: 'Se existe a verdade


em algum lugar, ela deve estar com Cristo'; em conseqüencla, tornel-me
crlstSo. A seguir, aceite! progresslvamente a teología da Igreja. Mas, ao
jorrar, a fé crista comeca por urna fasclnacSo pelo homem Jesús. O Cris
tianismo nao é um deísmo, é para lamentar que se tenha tornado tal.
Tornou-se simultáneamente um deísmo e um moralismo ao passo que ole
é, antes do mais, conflanca em um homem. Nada há de moralldade nos
Evangelhos. Jesús é absolutamente escandaloso para aqueles que 'pensam
bem1. "As meretrlzes vos precederáo no reino dos cóus...'. dlsse-lhes
Ele" (p. 74).

Mais adiante, Barreau lembra o que ocorreu quando os


aliados desembarcaram na Franca em 1944: em determinada
aldeia, urna mulher (alias, de vida leviana) saiu a proclamar
de porta em porta a boa nova: «Éles desembarcaram!» Nao
dava, poréir., «bons conselhos», dizendo a uns: «Voces sao cola
boracionistas! Escondam-se!» ou a outros: «Voces sao da resis-

— 133 —
38 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

téncia; hasteiem suas bandeiras!» Ela apenas apregoava a


boa nova; cada um tiraría désse anuncio as conclusóes práticas
que lhe parecessem convenientes: ou fugiria ou hastearia a sua
bandeira.

Algo de análogo competiría a. Igreja. Em vez de formular


preceitos moráis, Ela apenas deveria apregoar o Evangelho.
— E em que consiste própriamente o Evangelho, segundo
Barreau?

— "A Boa Nova crista é que a morte, o sofrlmento, os mal-entendidos,


os reveses, tudo que a razfio nos mostra ser a trama das coisas, nSo é
talvez a última palavra das coisas. Há talvez, além dessa perspectiva ra
cional, um mundo mals misterioso. Os joven¿ hoje nfio procuram, de modo
nenhum, saber se Deus existe ou nfio existe. Éles querem saber se se
pode vencer a morte, nfio a morte biológica, mas a morte que para éles
é o sonambulismo da sua vida: 'conducfio-trabalho-dormlda'. A opressfio, a
explorac&o do nomem pelo homem. É Isto a morte" (p. 75s).

Os tres adverbios «talvez» foram grifados por nos, pois


parecem extremamente significativos nessas consideracóes.

1.2. Esclarecendo...

As idéias ácima sao sugestivas...

1.2.1. Evangelho com ou sem Deus?

Nao há dúvida nenhuma de que a Igreja cabe anunciar uma


Grande Noticia ou uma nova visáo do que sejam o homem, a
historia da humanidade, o mundo, o sofrímente... Essa pro-
clamacáo, porém, é inssparável de dois elementos capitais:

— Deus existe realmente... e existe nao como tirano, freio,


rival do homem, mas, sim, como o Amor,... o Amor que sorriu
na obra da criacüo e sorri na Redengáo do homem. É essa
consciéncia de que Deus existe ese manifesta por excelencia
aos homens mediante Jesús Cristo, que permite aos cfístáos
olhar éste mundo com olhar novo, mais confiante e otimista.
Alias, a Boa-Nova fundamentada em Deus nao propóe apenas
hipóteses: «a morte talvez nao seja a última palavra». O cristáo
sabe que Cristo, por ser Deus e Homem, realmente superou a
morte e seus precursores, dando aos males do homem um
sentido positivo de transicáo para a vida eterna. Sao palavras
do Concilio do Vaticano n :

— 134 —
FÉ. MORAL, CASAMENTO EM ENTREVISTA 39

"O homem, olhando o seu <corac3o, descobre-se inclinado


para o mal e mergulhado em múltiplos males que nao podem
provir do seu Criador, que é bom. Recusando muitas vézes
reconhecer Deus como seu principio, o homem destruiu a de
vida ordem em relagáo ao seu fim último e, ao mesmo tempo,
destruiu toda a harmonía consigo mesmo, com os outros ho-
mens e com as coisas criadas.

... Bem mais. O homem se encontra incapaz, por si


mesmo, de debelar eficazmente os ataques do mal; e assim
cada um se senté como que carregado de cadeias. Mas o
próprio Senhor veio para libertar e confortar o homem, reno-
vando-o interiormente. Expulsou o príncipe déste mundo, que
retinha o homem na escravidáo do pecado (cf. Jo 12,31; 8,34)"
(Const. "Gaudium et Spes" n? 13).

Se a Igreja (e, com ela, o cristáo) nao colocar em primeiro


lugar na sua pregagáo Deus e seu plano de amor realizado por
Cristo, precaria e ilusoria será a sua mensagem concernente
ao próprio homem. A Igreja se reduziria entáo a ser mais urna
escola filosófica em meio a outras já existentes, escola menos
abalizada do que as outras, porque marcada pelo signo da am-
bigüidade e da evolugáo traicoeira (na verdade, a Igreja sempre
apregoou Deus e as iniciativas salvíficas de Deus, antes de
mais nada).

Quanto á afirmagáo de que os jovens nao se interessam


por Deus, é verídica até certo ponto. Faz-se mister, porém,
nao a generalizar, pois entre os jovens contemporáneos existem
movimentos — profundos uns, superficiais outros — de procura
de Deus e de adesáo a Cristo; dir-se-ia que, saturados pelo
materialismo da vida de hoje, numerosos jovens se voltam para
os valores transosndentais e místicos (embora nem sempre sai-
bam exatamente em que porta háo de bater para os encontrar).

1.2.2. Evangelho com ou sem Moral?

Por certo, nao se deve fazer do Cristianismo, em primeiro


lugar, um código de ética. Barreau observa bem que «muitos
cristáos conhecem os dez mandamentos, por exemplo, mas igno-
ram por completo as bem-aventurangas, que todavia sao a
Magna Carta do Cristianismo» (p. 76).

— A conduta do cristáo há de ser inegávelmente inspirada


pelo amor e a generosidade que as bem-aventurancas evangé-

_ 135 _
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 147/1972

licas incutem («felizes os mansos, os pacíficos, os misericordio


sos, os puros...»). O juridismo demasiado ou o apego excessivo
á lei e ao direito pode fazer definhar o ánimo grande e entu
siasta do discípulo de Cristo. Todavía nao se pode conceber
urna caminhada sobre a tsrra sem «sinalizacáo» ou sem setas
indicadoras da auténtica direcáo a seguir; ora as leis de Deus
e da Igreja ou os mandamentos sao como letreiros que apontam
o caminho seguro ao cristáo para que se dirija sem titubeio á
Casa do Pai. As leis nao sao fins em si mesmas; sao apenas
meios, mas meios indispensáveis para que o genuino amor nao
se desvirtué, nem se confunda com amor próprío, egoísmo, co-
bica, etc. Por isto é que nao se pode conceber um Cristianismo
sem essa sua expressáo concreta que é um código de comporta-
mentó moral. Como se compreende, é para desejar que o
cristáo cumpra os preceitos nao por temor servil, mas por ter
consciéncia de sua nobreza ou dignidade: «Noblesse oblige.
— A nobreza obriga».

Em outros termos: o Cristianismo nao pode deixar de apre-


goar também urna Ética ou Moral. Todavía essa Moral está
envolvida numa grande e Boa Nova, a saber: a soberana Se-
nhoria de Deus se manifestou entre nos; a graca e o amor do
Pai se revelaram aos homens, exigindo déstes urna resposta
condigna. Esta resposta nao consiste simplesmente em tornar-se
quite frente a preceitos, mas em imitar incondicionalmente Jesús
Cristo.

Eis as oportunas palavras do P. W. Pesch:

"Jesús diferencia-se... de todos os mestres e do con


junto da tradlgáo pelo lugar único que Ele reserva á sua própria
pessoa: Jesús nao é sonriente o porta-voz da vontade de Deus,
mas é também a pessoa diante da qual todo homem deve
fazer a sua opcáo por ou contra a sua salvacáo. — Em lugar
de um mero código de leis, propóe-se agora Incondicional
¡mitagáo de Jesús" ("Der Lohngedanke in der Lehre Jesu".
München 1955, p. 143).

Imitar a Jesús implica, entre outras coisas, conversio, mu-


danga de mentalidade e de vida (cf. Me 1,15). Visto que a
Escritura ensina isto, a Igreja nao pode deixar de o ensinar,
procurando ser clara e concreta ao formular em nome de Cristo
as exigencias dessa conversáo ñas sucessivas fases da historia
da humanidade.

— 136 —
FÉ, MORAL, CASAMENTO EM ENTREVISTA 41

1.2.3. Evangelho e conftanga

Nao há dúvida, aderir ao Evangelho significa entregar-se


confiantemente a Cristo,... a Cristo que é urna Pessoa divina
e atuante através dos sáculos. Essa confíanga implica amor
generoso e incondicional.

Um cristáo que regateie e delimite calculadamente, «poli


ticamente», as suas respostas a Cristo, é covarde e empalidece
o nome de «cristáo».

Todavía nao é menos importante afirmar que o Cristia


nismo tambán se dirige á inteligencia do homem, propondo-lhe
um conjunto de verdades a serem aceitas pela fé. A fé confiante
do cristáo é iluminada pela Palavra de Deus, que revela ao
homem quem é Deus e quais os seus designios de salvacáo.
Sem a luz da Palavra, a fé-confianca poderia desvirtuar-se, tor-
nando-se um sentimiento cegó ou um afeto inspirador de atitudes
arbitrarias ou'«adocicadas». Se nao propusesse verdades á inte
ligencia, o Cristianismo poderia desorientar-se e desmantelar-se
(tal é o perigo que ameaca os «reavivamentos» um tanto cegos
ou fanáticos e a «Revolugáo por Jesús» dos jovens norte-
-americanos).

Donde se vé que nao é possivel aceitar a proposiclo de Bar-


reau: «A fé em Deus e a fé no outro sao exatamente a mesma
coisa» (p. 75). A adesáo que o cristáo dá a Deus porque Deus
é a Verdade Infalivel e o Sumo Bem, nao pode ser tributada
a urna criatura. Contudo é verdade que o cristáo reconhece em
todo homem os valores que Deus néle depositou.

2. «Tudo é relativo para Jesús...»

A p. 76 declara o entrevistado:

"Tudo é relativo para Jesús. Nada é sagrado: nem a patria, nem o


Estado, nem a RellgiSo, nem a Moral, nem o sexo, nem a familia nem a
lgre|a".

— Nao resta dúvida: só Deus nao é relativo. Isto, porém,


nao quer dizer que os outros valores possam e devam ser arbi
trariamente ateridos pela criatura. No elenco de valores ácima
propostos por Barreau, o ólho da fé distingue urna escala deri
vada dos próprios escritos do Novo Testamento:

— A Igreja, Embora esta tenha sua faca humana e variá-


vel, Ela é o Cristo prolongado, «o corpo de Cristo» (como diz

— 137 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1972

Sao Paulo em Col 1,24). N'Ela nao existe sómente o elemento


humano, mas também está presente e atuante o próprio Senhor
Deus. Em conseqüéncia, lelativizar a Igrtja é relativizar o
próprio Cristo; impossível é aderir plenamente a Cristo sem
aderir também <a Igreja tal como Ela se aprcsenta sob o govérno
de Pedro, dos demais Apostólos e de seus sucessores. Se a
Igreja aqui ou ali parece empalidecer a face de Cristo por causa
da fraqueza de seus membros humanos, compete ao cristáo co
laborar ativamente para que em sua vida pessoal nao naja
mancha e os demais fiéis se fortalegam na fé e no amor.
— A Religiio. Entendida como «religacáo com Deus», re-
ligacáo nnsdiante atos comunitarios (vida sacramental), a Re-
ligiáo é um valor estritamente vinculado a Cristo. O cristao nao
se pode limitar a ter uma fé interior dissociada de obrigacóes
eclesiais e sagradas. Reconhecamos que há práticas religiosas
fanáticas, tendentes á superstigáo. Isto, porém, nao diminui em
absoluto o valor dos atos auténticamente religiosos.

Deve-se mesmo dizer que na vida do cristáo nada é mera


mente profano ou alheio aos valores sagrados. Sao Paulo dizia
a propósito: «Nenhum de nos vive para si, e nenhum de nos
morre para si. Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morre-
mos, para o Senhor morremos. Quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor. Para éste fim é que Cristo morreu e
ressuscitou: para ser Senhor dos mortos e dos vivos» (Rom
14,7-9).
— A Moíral. A vida moral, com seus criterios de compor-
tamento, é a resposta que o homem dá á Boa-Nova de Cristo.
Na medida em que as leis moráis sao inspiradas pelo próprio
Deus (através da natureza humana e da Escritura), elas tém
algo de perene e bsoluto: «adorar um só Deus, nao profanar o
seu santo nome; nao matar, nao roubar, respeitar a mulher áo
próximo, nao ceder a maus desejos (cf. Mt 5,28) nem proferir
palavras ofensivas (cf. Mt 5,21-23)» sao normas válidas para
todos os homens e todos os tempos, que nenhum cristáo tem o
direito de adaptar ao seu modo de ver particular. «Ser santo»
ou «ser perfeito» significa «imitar a Deus» e nao «executar um
modelo subjetivamente concebido por mim». Já que Deus é a
santidade que nao muda, a santificacáo do cristáo tem igual
mente traeos que nao mudarn.

Estas afirmacóes nao signiñeam que, em circunstancias de


terminadas, nao possa haver dispensa das leis moráis. Á cons-
ciéncia do cristáo compete fazer, na presenga de Deus, o con
fronto entre as normas objetivas da Moral e as condicóes em

— 138 —
Ffi, MORAL, CASAMENTO EM ENTREVISTA 43

que o sujeito momentáneamente se ache; por vézes resultará


désse confronto que em tais circunstancias a lei nao tem vigor
(de maneira nenhuma ou, ao menos, em parte). Cf. artigo sobre
cMoral da situagao» em PR 141/1971, pp. 400-410.

Quanto ao sexo e á familia, que Barreau enumera na serie


dos valores relativos, merecem consideracáo mais detida.

3. Sexo, matrimonio e familia

1. Barreau é favorável a que os padres se casem. O as-


sunto nSo é de fé, mas de disciplina da Igreja. Esta, em documen
tos resultantes de estados ponderados, vem reafirmando sua le-
gislacáo concernente ao celibato do clero. Tenha-se em vista,
de modo especial, o resultado das deliberagóes do Sínodo Mundial
dos Bispos realizado em outubro-novembro 1971.
2. Quanto ao sexo e ao matrimonio em geral, os dizeres
de Barreau sao surpreendentes. Eis alguns de seus principáis
tópicos:

"O casamento é urna Instltulcfio relativa para o próprlo Jesús. Jesús


nunca promulgou urna leglslacáo de Indlssolubllidade... Os Apostólos per-
guntaram-Lhe: 'É licito a alguém despedir a esposa a seu bel-prazer?' Jesús
respondeu: 'NSo. Nlnguém tem o dlrelto de despedir a esposa como quelra.
Exceto em caso de concubinato, em que nfio há compromlsso recíproco'.
Por consegulnte, Jesús admite o concubinato, como alias toda a
Igreja até o sáculo XVII. O concubinato era urna sltuacSo á margem.
Mas nSo tio condenável...
Ademáis Jesús nSo faz do casamento um absoluto. Há coisas mals
Importantes do que o casamento. Um homem e urna mulher podem separar-
-se. Os fllhos mesmos nao sSo um absoluto para Jesús. Pode alguém
delxar o pai, mSe, fllhos e espfisa por um motivo mals Importantel O casa
mento é tfio pouco um absoluto que a Igreja sempre se reservou o dlrelto
de dissolver os casamentas" (p. 77s).

Estas afirmacóes sugerem comentarios diversos, que podem


ser assim resumidos:

1) O concubinato, ou seja, a uniao de homem e mulher in-


dependente de qualquer contrato ou doacáo jurídicamente fir
mada nunca foi reconhecido por sociedade alguma, seja religiosa,
seja meramente civil. Muito menos é admitido por Jesús e
pelo Eyangelho. Reconhecer o concubinato é reconhecer o
amor livre, a vida dupla de pessoas casadas, etc.

Jesús veio aperfeigoar a legislacáo matrimonial do Antigo


Testamento, como se depreende de suas palavras em Mt 5,27s:

— 139 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 147/1OT2

«Ouvistes o que foi dito: 'Nao cometerás adulterio'. Eu, porém,


vos digo que todo aquéle que olhar para urna mulher, dese-
jando-a, já cometeu adulterio com ela no seu coragáo».

2) Pouco adiante continua o Senhor (segundo a traducáo


mais usual): «Também foi dito: 'Aquéle que rejeitar sua mulher,
dé-lhe urna carta de repudio'. Eu, porém, vos digo: Aquéle que
repudiar sua mulher, exceto em caso de adulterio (parektfo
lógtra poméias), expóe-na a adulterio; e todo aquéle que esposa
urna mulher repudiada, comete adulterio» (Mt 5,31s; cf. 19,9).

0 grande problema dos estudiosos consiste em entender a


expressio grega «parektós lógou pornéias». Significa ela que,
em caso de adulterio ou fornicagáo, Jesús reconhece o direito
ao divorcio, ou seja, á separagáo com novas nupcias?

A resposta positiva contradiría a outras afirmagóes do


Evangelho. Por exemplo, os textos paralelos de Me e Le sao
categóricos na recusa <de segundas nupcias, omitindo a cláusula
concernente a «poméia». Tenham-se em vista:

Me 10, 11: "Jesús disse-lhes: 'Quem repudiar a esposa e


casar com outra, cometerá adulterio contra ela. E, se a mulher
repudiar o marido e casar com outro, cometerá adulterio' ".

Le 16,18: "Todo aquéle que repudia a esposa e casa com


outra, comete adulterio; e quem casa com urna mulher repu
diada, comete adulterio".

Sao Paulo, em nome do Senhor, fez eco aos textos ácima,


dizendo:

1 Cor 7,1 Os: "Aos cónjuges ordeno, nao eu, mas o Senhor:
a esposa nao se separe do marido e, se por ventura se separar,
nao se case de novo".

Estas passagens tornam a interpretagáo divorcista dos tex


tos de Mt assaz suspeita, se nao impossível: o Evangelho tem
que ser explicado primeiramente pelo Evangelho e pelas Escri
turas em geral. Ora, no tocante aos textos de Mt 5 e 19, nao
resta dúvida de que Me, Le e 1 Cor nos transmitem a genuína
mente do Senhor.

Por conseguinte, as passagens de Mt. 5 e 19 háo de ter seu


significado, que a exegese tem procurado elucidar, propondo
sentengas varias, das quais as tres principáis, váo aquí apresen-
tadas:

— 140 —
FÉ, MORAL. CASAMENTO EM ENTREVISTA 45

a) A sentenga clássica desde os tempos de S. Jerónimo


(t 420), traduzindo a palavra grega pornéia por adulterio, en-
sina que Jesús realmente admitiu o repudio da esposa em caso
de adulterio, ou seja, a separacáo do casal, o desquite, mas
com isto nao introduziu novas nupcias, pois Ele acrescenta que
todo homem que se case com urna mulher repudiada ou desqui
tada comete pecado (cf. Mt 5,32), assim como peca todo homem
desquitado que se case de novo antss da morte de sua esposa
(cf. Mt 19,9).

b) Urna interpretacáo mate recente tem merecido a aprc-


vacáo de abaleados exegetas. O P. J. Bonsirven, especialista
em estudos rabínicos, analisou os textos de Mt á luz da
terminología dos judeus contemporáneos de Cristo. Concluiu,
baseado sobre erudito aparato de filología bíblica e extra-bíblica
assim como de jurisprudencia rabínica, que o termo grego
pornéia corresponde ao hebraico zenuth; ora éste designava
nao o adulterio (como supóe a interpretacáo clássica), mas o
concubinato, ou seja, a uniáo ilicita, o matrimonio falso ou nulo
(cf. Lev 18,7-18; Jo 4,17b; 1 Cor 5,1). Suposto isso, Jesús have-
ria condenado o divorcio em casos de matrimonio válido; té-lo-ia,
porém, permitido (se se pode assim dizer) desde que se trate
de casamento nulo ou de uniáo incestuosa (nao há dúvida, esta
também pode ser saneada pela legalizacáo do matrimonio ou
pela legitimagáo do contrato nupcial).

Além destas duas sentencas, urna terceira goza de certa


voga:

c) A lei de Moisés (Dt 24,1) concedia ao marido repudiar


a esposa, caso nela notasse «algo de torpe», ^erwat dabar. Esta
expressáo, vaga como é, recebia duas interpretacóes por parte
das escolas rabínicas contemporáneas a Cristo: a de Hillel alar-
gava ao máximo o sentido das palavras, compreendendo sob
elas até urna falta de respeito ou leve ofensa; a de Shammai,
ao contrario, entendía o *e¡rwat .dabar no estrito sentido de
adulterio. Pois bem; perante as duas sentencas discutidas, Jesús
se teria recusado a tomar posic.áo; haveria dito, por conseguinte,
em Mt 19,9: «Todo aquéle que repudia sua esposa — nao falo
do 'erwat dabar, ou seja, das posibilidades de repudio admiti
das pelos casuistas judeus — e se casa com outra, comete
adulterio».

Deixando, porém, de tomar partido entre Hillel e Shammai,


Jesús nao entendia permitir o divorcio (separagáo com novas
nupcias), como se depreende das suas próprias palavras assim
como de todo o contexto do Evangelho e do Novo Testamento.

— 141 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 147/1972

Em condusáo, nem concubinato nem divorcio se conciliam


com a mensagem do Evangelho.

3) Quanto ao dito «direito da Igreja no tocante á dissolucao


de casamentes:», deve ser entendido nos seguintes termos:

O matrimonio «ratum et consummatum». ou seja, o matri


monio sacramental validamente contraído e consumado é de
todo indissolúvel; ao proclamar isto, a Igreja nao pretende ser
senáo porta-voz da mensagem de Cristo e julga nao ter direito
de retocar a lei estabelecida pelo próprio Deus.

Para os casamentes nao sacramentáis ou nao validamente


contraídos ou nao consumados, a Igreja tem usado do poder
das chaves para declará-los nulos, desde que se comprove a
respectiva nulidade ou ocorram motivos que recomendem tal
declaracáo. Nestes casos a Igreja nao retoca o direito divino,
mas intervém em setor anterior ao désse direito divino. A pro
pósito, alias, notem-se os artigos de PR 118/1969, pp. 431-441;
119/1969, pp. 490-498.

Outras consideracóes poderiam ser tecidas em torno da


entrevista de Jean-Claude Barreau. É de notar que, apasar de
suas criticas e incongruencias doutrinárias, éste autor declara:
"Faco questSo de dlzer que me considero Inteiramente tnembro da
Igreja Romana e que nao tenho a Intengfio de salr déla... Estimo o Papa.
Sou-lhe submlsso; mas digo que Ale se engaña (no tocante so celibato
do clero)" (p. 78).

É muito para desejar que a intencáo de permanecer na


Igreja e na fídelidade ao Papa leve Barreau a reconhecer o
seguinte: ninguém constrói a Igreja que ama, recorrendo a cri
ticas públicas, principalmente quando mal concebidas ou fun
damentadas em erras. O relativismo ético, a negacáo de normas
moráis definidas e objetivas caracterizan! a mente do autor;
todavía é de crer que o bom senso e a reta fé venham final
mente a prevalecer no espirito de quem eseneveu o belo livro:
«O anuncio de Jesús Cristo». — E que os fiéis católicos, firmes
na sua fé, longe de se deixar ficar perplexos diante das palavras
vacilantes de seu irmáo, orem ardorosamente a fim de que re
encontré o auténtico caminho da verdade e da vida!

Eateváo Bettenoonrt O. S. B.

— 142 —
resenha de livros
Diclonárlo enciclopédico da Biblia, por diversos colaboradores sob
a responsabilidade de A. van den Born. Traducao de Frederico Stein.
— Editora Vozes, Petrópolis, em coedigáo com o Centro do Livro Bra-
silelro Limitado. Lisboa 1971. Um volume encadernado, 190x270mm,
XVI pp., 1588 colunas.
Esta obra vem acrescer cora grande mérito a serie dos Diclonários
Bíblicos de que dispomos em portugués e linguas modernas. Quanto
mais recente é a data de publicacao de urna obra désse tipo, mais se
pode crer que o trabalho tenha valor, pois os estudos lingüísticos,
arqueológicos, paleográficos, históricos, geográficos fornecem cons
tantemente novos dados para se penetrar o texto sagrado. A primeira
edicao do Diclonárlo de A. van den Born data de 1941; desde entao
essa obra vem passando por retoques e recebendo acréscimos que a
tém enriquecido; hoje conta com a colaboracao de 46 estudiosos de
varios países. De 1966 a 1869, o Diclonárlo de van den Born fol remo
delado para entrar em sua terceira edicao. Foi a partir desta que se
fez a traducao brasileira, a qual apresenta um panorama fiel da exe-
gese católica contemporánea (sentencas definitivas, hipóteses, teorías,
que tém de ser entendidas segundo o grau de verossemelhanga que
caracteriza cada urna).
Um Dicionário Bíblico pode ser muito útil ao estudo das Escritu
ras por fornecer as diversas acepgQes que determinado vocábulo (car
ne, espirito, íé...) do Livro Sagrado foi tomando através dos séculos.
Compulsando o respectivo verbete, o leitor pode fácilmente tomar
consciéncia dos conceitos teológicos que se prenderam e prendem ao
mesmo. Estuda-se assim a teología bíblica (a teología da alianca, da
Páscoa, do messianismo...), que deve ser o fruto final de qualquer
pesquisa lingüistica, arqueológica ou geográfica.

Nova historia da Igreja, vol. m (Reforma e Contra-Befomra), por


G. TUchle e C. A. Boutnan. Traducao do neerlandés por Waldomiro Pires
Martins. —Ed. Vozes, Petrópolis 1971, 160x230mra, 531 pp., 14 mapas.
Nova historia da Igreja, vol. IV (Secuto das Lu7.es, BevolugSes,
Restanracdes), por L. J. Rogier e J. de Berthier de Sauvigny, com a co
laboracao de Joseph Hajjar. Traducao do neerlandés por Leonardo P.
Seemle. — Ed. Vozes, Petrópolis 1971, 160x230mm, 475 pp., 15 mapas.
Eis mais duas partes de urna obra que abrangerá um total de cinco
volumes, dos quais o primeiro já saiu na sua traducao brasileira em 1966
(tratando dos primordios da Igreja até Sao Gregorio Magno [604]).
O 3« volume estuda um periodo que val de 1500 a 1715, abordando
o surto do protestantismo, a Reforma Tridentina, as guerras religio
sas, as correntes filosófico-teológicas que se seguiram ao Renascen-
tismo do séc. XVI, como também a expansáo da Igreja nos novos con
tinentes. A maneira de encarar táo delicados assuntos é imparcial e
minuciosa; G. Tüchle evitou criticas acerbas e apaixonadas aos pro
tagonistas da historia que ele descreve. A contribuicao de Boumar
refere-se a historia das comunidades orientáis (em Bizáncio, Moscou
e povos eslavos).
O 4' volume compreende o periodo de 1715 a 1848. Lé-se com pro-
vcito e facilidade, pois o estilo dos autores é fluente; os dois mestres

— 143 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 147/1972

souberam reconstituir coro finura hlstorlográíica as diversas fases do


séc. XVIII em que o racionalismo se alastrou, provocando sltuacSes
dificilimas para a S. Igreja.
Chamam a atencao, no fim de cada volume as longas páginas de
tabelas cronológicas, bibliografía, anotacCes, índice analítico e Índice
geral, que multo enriquecem a obra.
A importancia de um bom compendio de historia da Igreja deri-
va-se do seguinte: a historia, desde o séc. XVI, tem sido examinada
freqüentemente no intuito de se defender ou atacar a Igreja Católica;
protestantes e racionalistas tém-lhe dado atencáo nao sómente de his
toriadores, mas também de teólogos e filósofos. Em conseqüéncia,
muito se tém desfigurado certos episodios da vida da Igreja ou do
Papado. Existem ainda hoje mal-entendidos assaz disseminados na
opiniáo pública (a dita «Papisa Joana>, o sentido da Inquisicao, o
papel da Companhia de Jesús...), que um bom manual de historia
da Igreja contribuí para dissipar. Inegavelmente na Igreja se fez
sentir freqüentemente a- fraqueza humana; todavía esta nao deve
ser demais enfatizada; deve também ser recolocada no respectivo con
texto histórico, para que nao se cometam injusücas. O balanco final
de um bom estudo de historia da Igreja levará sempre a admirar a
fórga de Deus que se manlfesta na fragilidade do homem (cf.
2 Cor 12,9).

Fé e futuro, por Joseph Ratzinger. — Ed. Vozes, Petrópolis 1971,


180 x 125 mm, 78 pp.
Éste Iivrinho apresenta cinco conferencias radiofónicas proferidas
na Alemanha e no Vaticano pelo famoso teólogo J. Ratzinger: versam
sobre fé e conhecimento, fé e existencia, fé e filosofía, o futuro do
mundo pela esperanca do homem e como será a Igreja no ano 2000.
O autor comeca por explanar o conceito de fé: esta nSo é sim-
plesmente adesáo da inteligencia & verdade revelada por Deus, mas,
além disto, é também entrega da personalidade humana a Deus, que
é Verdade, Vida e Amor. O exemplo de Abraáo permanece típico
através dos séculos: o velho Patriarca ouviu o chamado de Deus e
deixou-se mover por ele até as últimas conseqüéncias. A fé dá sentido
á vida do homem, sentido que a filosofía e a mera razao nao conse-
guem abarcar, mas que a própria vivencia da fé comprova ser o
auténtico sentido.
A fé do cristao está inseparávelmente associada á esperanca, es
peranca na consumacáo do Reino de Deus. A última palestra mostra
que a atual crise da Igreja tem precedentes no século passado; mos
tra que as tendencias a reduzir o Cristianismo a mero sistema de pro-
mocáo humana fenecem, pois deixam de atender ao senso do transcen
dental que há dentro de todo homem.
Ao lado dos merecidos encomios a éste Iivrinho, poderiamos deixar
urna pergunta: por que Ratzinger levantou urna súrie de questSes
na primeira palestra sobre a historia bíblica, deixando-as sem res-
posta, quando de fato nao seria difícil responder-lhes ? Certas nar-
racOes bíblicas sao obscuras ou lnacreditáveis para o homem de hoje
porque nao sao lidas segundo os criterios e a mentalidade dos respec
tivos autores judeus ou gregos; quem lé a Biblia como leria um livro
contemporáneo, pouco entende da mensagem que o Livro Sagrado
realmente comunica a quem o sabe recolocar no seu ambiente orien
tal antigo.
E.B.

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NO PRÓXIMO NÚMERO:

Jesús, filho de soldado romano ?

Reencarnando e mundo extra-sensorial

Objecáo de consciéncia : sim ou nao ?

Jovens e Igreja enrendem-se ?

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