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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN.E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
pag-

■AMAR ALGUÉM É DIZER-LHE : 'TU NAO MORRERAS !'" 461

O misterio da Igreja :
E O CASO DE D. MARCEL LEFÉBVRE ? 463

Exegese do Evangelho:
MARÍA MADALENA ERA IRMA DE LÁZARO E PECADORA ? 478

Medicina e Moral:
ABORTAMENTO TERAPÉUTICO HOJE (III) 485

Quem sabe ao certo ?


E O FENÓMENO URI GELLER ? 490

"Mística" e "Ciencia":
DISCOS VOADORES E LITERATURA CONTEMPORÁNEA 498

LIVROS EM ESTANTE 505

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Neuróticos Anónimos em revista. — Exames psicológicos e


direitos do homem. — Aborto terapéutico hoje (IV). — Indi-
ferenca religiosa : que significa ?

« P E R GUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatura anual Cr$ 60,00
Número avulso de qualquer mes Cr$ 6,00

EDITORA LAUDES S. A.

REDAQAO DE FR ADMINISTRADO
Caixa Postal 2.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 368-9981 e 268-2796
"AMAR ALGUÉM É DIZER-LHE:
'TU NAO MORRERAS!"'
O mes de novembro abre-s© com um olhar para a morte
e o Além... A idéia de morte costuma impressionar profun
damente a criatura humana. Em conseqüéncia, ela sempre
fez refletir os pensadores, arrancando do íntimo da alma
humana as vibrares mais ardentes e ousadas.

Gabriel Marcel, grande filósofo de nossos tempos, escre-


vendo o seu drama «La mort do demain» (A morte de ama-
nhá), propóe interessante trecho sobre a morte :

"Um soldado francés, que combatía atrozmente ñas trin-


cheiras de Verdun em 1917, obteve licenga para visitar a fa
milia. Visto que devia voltar, para o campo de bataiha, todos
admitiam que aquela era a visita de despedida que fazia aos
seus, antes de morrer. A sua esposa tinha consciértcia disto...
Na véspera da partida do marido, recusou unir-se a ele:
para ela, seria quase um sacrilegio dormir com alguém que
no dia seguinte estaría morto. O irmáo dessa senhora, porém,
informado do que acontecerá, censurou-a com estas palavras:
'Joana, sacrificas aquele que hoje vive áquele que amanha
estará morto. Esse culto antecipado dos mortos te impede
de tornar feliz um homem de carne e sangue que te deseja...
E pon qué ?... Joana, cré-me : essa previsáo é urna traigáo.
Amar alguém é dizer-lhe: Tu nao morreras!'" (Ato I!, cena 6).

Este episodio de G. Marcel é extremamente significativo.


A predicáo «Tu nao morreras» é falsa e ilusoria, caso se
considerem os fatos : nao há amor humano que possa ga
rantir ao ser amado a vitória sobre a morte. Todavía está
na dinámica do auténtico amor solidarizar-se com a pessoa
amada e nao a rejeitar nem diante da perspectiva da morte
devoradora. Melhor aínda: o auténtico amor consiste em
querer bem, e querer, entre outros bens, a vida,... a vida
plena, sem ameaca de morte, pois tal é o bem fundamental.

Pois bem. O brado «Tu nao morreras» que o amor humano


profere espontáneamente, mas sujeito á amargura da decep-
gáo, visto que nao o pode transformar em realidade, o Amor

1 "Almer un étre, c'est luí diré: 'Tol, tu ne mourras pas r" — O


francés aínda é mais enfático do que o portugués.

— 461 —
Divino o torna plenamente verídico. Deus fez o homem por
amor e Ihe disse desde o primeiro instante da sua existencia:
«Tu nao morreras !»£o que atesta a S. Escritura :

"Deus nao é o autor da morte; a perdicáo dos vivos nao


Ihe dá alegría..." (Sb 1,13). "Deus criou o homem para a
¡mortalidad© e fé-lo á imagem da sua própria natureza"
(Sb 2,23),

E, ainda que o homem se tenha tornado réu de morte


por se haver afastado da Vida (Gn 2, 17 ; 3,19), o Senhor
o quis resgatar da morte, dando-lhe o próprio Filho feito
homem, para que, assumindo a morte do homem, esse Filho
a transfigurasse em passagem para a eternidade.

É por isto que o homem de fé olha com serenidade para


a chamada «morte», que na verdade nao é ruptura, mas
consumagáo e plenitude. O cristáo conhece a sentenga de
S. Agostinho que diz: «O que há de cristáo nos cristáos, é
o Cristo». Enxertado em Cristo, e portador da vida do pró
prio Cristo, o cristáo sabe que traz em si o penhor da imor-
talidade ou da plena superagáo da morte; o seu corpo será
transfigurado 'á semelhanca do Primogénito, ao qual o Pai
quis fossem todos conformes (cf. Rm 8,29). O cristáo, por-
tanto, se encaminha confiante e esperangoso para o desenlace
desta vida terrestre. Ele tem consciéncia de que entáo cairáo
os entraves e limites da materia, e ele encontrará o Absoluto,
que é a Grande e Única Resposta para as suas aspiragóes.
Sabe também que se romperáo os véus da fé e ele passará
a ver face-a-face a Beleza Infinita.

Sao estas as idéias que ocorrem a um cristáo diante da


perspectiva da transigáo para o Além. O episodio ficticio de
Gabriel Marcel servirá para recordar-lhe que a Utopia, es
pontánea, mas ilusoriamente acalentada por todos os homens,
se tornou a feliz realidade e a fonte de esperanga para quem
conhece o Cristo. Da parte do Senhor Deus, nao é mentirosa
a palavra:

«AMAR ALGUÉM É DIZER-LHE: TU NAO MORRERAS!'»

É desta certeza que tiramos a coragem de recomegar a


caminhada todos os días, a tomo momento... E de trans
mitir, por palavras e por gestos concretos, a todos os irmáos
a Boa-Nova: «Tu nao morreras, porque Ele te ama !■»

E.B.

— 462 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVII — N' 203 — Novembro de 1976

O misterio da Igreja:

e o caso de d. maree! leíébvre?


Em síntese: O caso de D. Marcel Lefébvre é o de um blspo que
fol oenemérito na Igreja Católica por seus trabalhos mlssionárlos na África
e na Franca, mas últimamente se fechou ás normas do. Concilio do Vati-.
cano II e do Papa Paulo VI. Embora tenha assinado quase todos os
documentos concillares, julga que deram origem a InfiltragSes protestan
tes, comunistas e majónicas no rebanho de Cristo. Em sinal de protesto
contra a Santa Sé, D. Lefébvre tem formado seminaristas e sacerdotes
segundo as normas da Igreja vigentes antes do Concilio do Vaticano II
e em espirito de desconfianza para com Paulo VI. Em junho pp. fol sus
penso "a dlvlnls", Isto é, perdeu a faculdade de celebrar a S. Missa e
administrar os sacramentos' (o que nSo é excomunhSo, pols D. Lefébvre
pode receber a Penitencia sacramental e os demais sacramentos).

A pena infligida por Paulo VI a D. Lefébvre está plenamente justi


ficada pelo fato de que aqueie blspo, fazendo uso de ordens, vai Instau
rando urna nova tgreja ou um cisma.

O presente artigo aprésente documentos de Paulo VI, D. Lefébvre


e do Cardeal Jean Villot referentes ao doloroso problema.

Comentario: A imprensa tem falado repetidamente do


caso do arcebispo francés D. Marcel Lefébvre, que se insurgiu
contra a autoridade do S. Padre Paulo VI e da Santa Sé, cons-
tituindo doloroso problema para a unidade da Igreja. Visto
que nem sempre o público está dente dos precedentes do caso
e das suas características mais marcantes, vamos, a seguir,
publicar alguns dados históricos e documentos relativos ao
episodio em foco.

— 463 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 203/1976

1. O problema

O arcebispo Marcel Lefébvre nasceu em 1905 na Franca.


Fez-se sacerdote na Congregagáo dos Missionários do Espirito
Santo. Enviado para a África, foi Vigário Apostólico e, depois,
primeiro bispo residencial de Dakar no Senegal. Tornou-se
Delegado Apostólico na África Ocidental Francesa junto ás
missóes dependentes da Congregagáo para a Propagacáo da
Fé. Foi presidente da Conferencia plenária dos bispos e Ordi
narios das missóes da África Francesa. Regressando á metró-
pole, foi constituido bispo de Tulle (Franca), com o título pes-
soal de arcebispo. Tornou-se Superior Geral da Congregagáo
Religiosa do Espirito Santo, Assistente ao Trono Pontificio, e
Consultor da S. Congregagáo para a Evangelizagáo dos Povos
(antigamente Congregagáo para a Propagagáo da Fé).

Por ocasiáo do Concilio do Vaticano n, fez parte da Co-


missáo Central preparatoria e distinguiu-se por atitudes mar
cadamente críticas como membro do «Coetus Internationalis
Patrum». D. Lefébvre assinou quase todos os documentos do
Concilio do Vaticano n. Todavía nos anos subseqüentes a este
foi-se deixando impressionar pelos abusos decorrentes de ten
denciosas interpretagóes dos textos conciliares e das medidas
renovadoras promulgadas pelo S. Padre Paulo VI. Além disto,
parecia-lhe que a magonaria, o comunismo e filosofías estra-
nhas invadiam a Igreja e inspiravam as atitudes das autori
dades oficiáis em Roma; o S. Padre Paulo VI, bem intencio
nado, estaría cercado de consultores imbuidos de heresias e
falta de fé. Certas reformas — principalmente as litúrgicas —
lhe pareciam concessóes ao protestantismo; o diálogo ecumé
nico seria despropositado, pois D. Lefébvre nao vé como dialo
gar com herejes... Em suma, a sucessáo dos acontecimentos
posteriores ao Concilio do Vaticano II levou D. Lefébvre a se
distanciar cada vez mais da S. Sé.

Em 1969, fundou em Friburgo (Suíga) urna casa desti


nada a abrigar nove seminaristas que estudavam na Universi-
dade. A iyXI/70 obteve do bispo D. Charriére, de Friburgo,
a erecgáo canónica da «Fraternidade Sacerdotal Sao Pió X»,
sodedade de sacerdotes destinados ao ministerio sacerdotal em
qualquer lugar para onde fossem chamados.

Em 1970 deu inicio a nova fundagáo em Ecóne (diocese


de Sion, Suíga), a qual se transformaría no já famoso Semina
rio de Ecóne. Neste sao preparados para o sacerdocio nume-

— 464 —
O CASO LEFÉBVRE

rosos jovens provenientes principalmente da Franga. Ai a for-


magáo é seria e rígida, mas impermeável as novas diretrizes
da Igreja: apesar das explícitas determinagóes de Roma, a
Missa ali é celebrada em latim segundo o Missal de S. Pió V
(séc. XVI). A Fratemidade Sao Pió X está hoje esparsa pela
Franga e a Inglaterra, pelos Estados Unidos, e possui mesmo
urna casa em Roma. D. Lefébvre tem viajado pela Europa,
fazendo conferencias em que propóe suas acusagóes á Santa
Sé. Tem encontrado, porém, a réplica de numerosos bispos
assim como dos Superiores da Congregagáo do Espirito Santo.

Com o passar dos anos, os bispos viram-se obrigados a


tomar medidas repressivas ao movimento de D. Lefébvre.

Depois de varias conversagóes com o prelado e com urna


comissáo de Cardeais, o atual oispo de Lausanne, Genebra e
Friburgo, D. Pierre Mamie, houve por bem retirar a aprova-
gáo concedida por seu antecessor ao Seminario de Ecóne. Isto
foi levado ao conhecimento do infeliz bispo aos 6/V/1975.
D. Lefébvre nao se intimidou, mas resolveu recorrer ao Su
premo Tribunal «da Segnatura» no Vaticano aos 21/V/75: no
seu recurso, 1) impugnava a maneira como haviam sido toma
das providencias contra Ecóne; tanto o bispo de Friburgo
quanto a comissáo de Cardeais teriam procedido em termos
contrarios ao Direito Canónico; 2) alegava que a comissáo de
Cardeais, condenando D. Lefébvre, havia exorbitado das suas
competencias; 3) afirmava ainda que a comissáo e o bispo
de Friburgo deveriam ter, na mais rigorosa das hipóteses,
condenado D. Lefébvre pessoalmente, sem tocar na Fraterni-
dade Sacerdotal e ñas obras fundadas pelo prelado. Concluia
D. Lefébvre:
"Em virtude deste recurso e por efeito do Direito (dado que o re-
curso é suspensivo), considero, até que se evidencie o contrario, que a
mlnha Fratemidade e as suas dependencias conservam a sua existencia
canónica".

Todavía em carta de 10/VI/75 o Tribunal «da Segnatura»


respondía ter rejeitado o recurso de D. Lefébvre.
A este ato tém-se seguido cartas e declaragóes de parte
a parte entre a Santa Sé e D. Lefébvre. Todavía a situagáo
foi-se tornando cada vez mais complexa, visto que o bispo fran
cés, longe de retroceder, reafirmou as suas teses e foi difun-
dindo a sua agáo no sentido de constituir um grupo de sacer
dotes e fiéis hostis á orientagáo oficial da Igreja. O desen
rolar das idéias é bem ilustrado por alguns documentos que
váo abaixo transcritos em tradugáo portuguesa.

— 465 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

2. Cartas e dfeclarajóes

1. Visto que D. Lefébvre, apesar da recusa do Tribunal


«da Segnatura», insistía em manter aberto o Seminario de
Ecóne e atuante a Fraternidade Sao Pió X, o Santo Padre
Paulo VI enviou-lhe a seguinte oarta, datada de 29/VI/75:

«Ao Nosso Irmao no Episcopado Marcel Lefébvre


antigo arcebispo de Tulle

Caro Irmao,

É com tristeza que vos escrevemos hoje. Com tristeza,


porque imaginamos a dilaceracao interior de um homem que
vé o aniquilamento de suas esperanzas e a ruina da obra que
ele julga ter empreendido em favor da boa causa. Com tris
teza, poís Nos pensamos na perplexidade dos jovens que vos
seguiram, cheios de ardor e que agora descobrem o impasse.
Todavía a Nossa dor ainda é mais viva por verificarmos qua
a decisao da autoridade competente — formulada com clareza
e plenamente justificada, digamo-ta, em virtude da vossa re
cusa de modificar vossa oposicáo pública e persistente ao Con
cilio Ecuménico do Vaticano II, as reformas pós-conciliares e
as orientacoes ñas quais está empenhada a autoridade do pro-
prio Papa — essa decisáo ainda é objeto de discussáo a ponto
de levar-vos a procurar um camiriho jurídico qualquer para
invalidá-la.

Se bem que, a rigor, nao sejam necessários ulteriores


esclarecimentois, julgamos oportuno dizer-vos de novo que fize-
mos questao de estar pessoalmente informados a respeito de
todo ó desenrolar do intraérito referente a Fraternidade Sacer
dotal Sao Pío X; e isto"... desde o inicio. A comissáo cardi-
nalicia que instituímos, prestou-Nos conta do seu trabalho
regular e escrupulosamente. Por fim, as conclusoes que ela
Nos propos, fizemo-Ias Ndssas, todas e cada qual délas, e pes
soalmente mandamos que entrassem em vigor imediatamente.

Por isto, caro Irmao, é em nome da veneracáo para com


o Sucessor de Pedro por vos professada em votesa carta de 31
de maio, e, mais ainda, em nome da obediencia ao Vigário de
Cristo, que vos pedimos um ato público de submissao, a fim
de reparardes o que os voíssos escritos, os vossos propósitos e
a vossa atitude tém de ofensivo a Igreja e ao seu Magisterio.

— 466 —
O CASO LEFÉBVRE

Tal ato implica necesariamente, entre outras coisas, a aceita-


cao das medidas tomadas em relacáb á Fraternidade Sacerdo
tal Sao Pió X com toldas as suas conseqüéncias práticas. Su
plicamos o Senhor Deus a fim de que vos esclareca e vos leve
a proceder assim, apesar das vossas atuais reticencias. E faze-
mos apelo á vossa consciéncia das responsabilidades episcopais
para que possais avaliar o bem que daí resultaría para a Igreja.

Por certo, estamos preocupados também por problemas


de índole totalmente diversa. O modo superficial de ler certos
documentos do Concilio, algumas iniciativas individuáis ou
coletivas as vezes decorrentes maLs da arbitrariedade do que
da adesao confiante ao ensinamento da Escritura e da Tradi-
cáo, algumas iniciativas que pretensamente se dizem inspira
das pela fé, Nos as coríhecemos, sofremos por causa délas e
esforcamo-Nos por lhes dar remedio na medida do Nosso pos-
sível, a tempo e a contra-tempo. Cohtudo como pode alguém
prevalecer-se desses fatos para tomar a liberdade de chegar a
excessos gravemente nocivos? Tal nao é a vía certa, pois ela
segué um itinerario que, em última análise, é semelhante aquele
que seus mentores pretendem denunciar. Que significa um
membro que quer agir a sos, independentemente do Corpo ao
qual pertence?

Permitís que seja invocado em vosso favor o caso de Santo


Atanásio. í¡ verdade que este grande bispó ficou praticamente
só na defesa da verdadeira fé e no suportar as contradicoes
que se lhe opunliam de todos os lados. Mas precisamente Ata
násio se emperihava pela defesa da fé promulgada pelo Con
cilio de Nicéia, entao recém-celebrado. O Concilio foi a norma
que inspirou a fidelidade de Santo Atanásio, como também o
foi no caso de Santo Ambrosio. Hoje em dia como1 poderia
alguém comparar-se a Santo Atanásio, ousando combater um
Concilio como d do Vaticano n, que nao tem menos autori-
dade, e que sob certos aspectos é menino mais importante
aínda do que o de Nicéia?

Nos vote exortamos, pois, a meditar sobre esta admoesta-


cao, que vos dirigimos com firmeza e em virtude da Nossa
autoridade apostólica. Vosso irmáo mais velho na fé, aquele
que receben a missao de confirmar seus irmáos, vo-la dirige
com o coracáo cheio de esperanca. Ele desejaria poder, desde
ja, regozijar-se por ter sido compreendido e ter encontrado
obediencia. Ele espera com impaciencia o dia em que terá a
fclicidade de abrir os bracofe para vos a fím de manifestar urna

— 467 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

comunhao reatada, quando! tíverdes respondido as exigencias


que ele acaba de formular. Atualmente. ele confía esta inten-
cáo ao Senhor, que náb rejeita prece alguma.

Na verdade e na candado.

Gidade do Vaticano, 29 de junho de 1975.

Paulo Pp. VI»

2. Dado que D. Lefébvre nao respondeu a esta carta, o


S. Padre Paulo VI voltou a dirigir-lhe a palavra em missiva
datada de 8/IX/1975, da qual damos abaixo o texto em tra-
dugáo portuguesa:

«Ao Nosso Innáo no Episcopado Marcel Lefébvre


antigo arcebispo-bispo de Tulle

A consciéncia da missáo que o Senhor Nos confíou, levou-


-Nos, no día 29 de junho pp., a dirigir-vos urna extfrtacáo, pre-
mente e fraternal ao mesmo tempo. Desde essa data, espera
mos diariamente um sinal de vossa parte, expressáo da vossa
submissáo — ou melhor:... da vossa adesáb e da vossa fide-
lidade sem reserva — ao Vigário de Cristo. Até hoje nada
veio. Parece que nao1 renunciastes a nenhuma das vossas ati-
vidades e que estáis mesmo concebendo novos planos.

Julgais talvez que as vossas intencóes sao mal compreen-


didas? Parece-vos que o Papa está mal informado ou é objeto
de pressoes? Caro1 Irmáo, a vossa atitude é táo grave aos
Nossos olhos que — Nos vo-lo repetimos — a examinamos
atentamente com todos os seus componentes, tendo em mira,
antes áo mate, o bem da Igreja e especial atenga» as pessoas.
A decisao que vos reafirmamos em Nossa carta precedente,
tomamo-Ia após madura reflexáo na presenca do Senhor.

£ ora tempo de que vos pronunciéis claramente. Apesar


da pena que experimentamos em tornar públicas as Nossas
interrogacóes, nao poderiamos tardar em fazé-lo se em breve
nao Nos comunicardes a vossa inteira submissáo. Suplicarao-
■vtfs que nao nos obrigueis a tomar tal medida nem a punir
urna recusa de obediencia,

Rogai ao Espirito Santo, caro Irmáo. Ele vos indicará as


renuncias nccessárias e vos ajudará a entrar na vía de urna

— 468 —
O CASO LEFÉBVRE

plena comunháo com a Igreja e com o Sucessor de Pedro. Nos


mesmos O invocamos sobre vos, reafirmando-vos a nossa afei-
cáo e a nossa aflicao.

Cidade do Vaticano, 8 de setembro de 1975


Paulo Pp. VI»

3. A esta carta D. Lefébvre respondeu finalmente aos


24 de setembro de 1975 nos seguintes termos:

«Santíssimo Padre,

Se a minha resposta a missiva de Vossa Santidade é tar


día, isto se deve ao fato de que me repugnava realizar um ato
público que pudesse dar a crer que eu tinha a pretens&o de
tratar de igual para igual com o Sucessor de Pedro.

Ao contrario, por conselho da Nunciatura, apresso-me por


escrever estas poucas Iinhas a Vossa Santidade para exprimir
a minha adesSo settn reservas a Santa Sé e ao Vigário de
Cristo. Lamento vivamente que tenham surgido dúvidas sobre
estes racus sentimentos e que algumas das minlias expressoes
hajam sido mal interpretadas.

Cristo confiou ao seu Vigário a tarefa de confirmar os


irmáos na fé; Cristo Ihe pede também que vigíe para que cada
bispo guarde fielmente o depósito), segundo as palavras de Sao
Paulo a Timoteo. Esta é a conviccáo que me guia e que sem-
pre me guiou em toda a minha vida sacerdotal e apostólica.
£ esta fé que me esforgo, com o auxilio de Deus, por inocular
nos jovens que se preparam para o sacerdocio.

Essa fé é a alma do catolicismo, afirmada pelo Evange-


Iho: 'sobre essa pedra fundarei a minha Igreja'.

Renovó de todo o coracá© o meu devotamente ao Suces


sor de Pedro, Mestre da Verdade para toda a Igreja, 'columna
et firmamentum veritatis'.

E que Deus...

Ecóne, aos 24 de setembro de 1975

Marcel Lefébvre

antigo arcebispo-bispo de Tulle».

— 469 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

Esta resposta de D. Lefébvre nao é diretamente urna


retratágáo das idéias professadas pelo prelado sobre o Conci
lio do Vaticano II, mas, sim, urna profissáo de fidelidade á
Santa Sé. Os comentadores indagam por que D. Lefébvre nao
aludiu diretamente aos motivos de divergencia, mas se deixou
ficar em afirmagóes que sao genéricas e, no caso, insuficientes.

4. O fato é que D. Lefébvre se mostrou incoerente em


suas declarares e atitudes. A «Carta aos Amigos» n« 9,
escrita pelo prelado após a resposta a Paulo VI datada de
24/K/75, revela um estado de ánimo assaz diverso daquele
que a mencionada resposta retrata. Assim, por exemplo, se
exprime o prelado:

«Parece-me ter chegado a hora de levar ao conhecimento


de voces os últimos acotntecimentos concernentes a Econe e á
atitude que, em conscisncia, diante de Deus, julgamos dever
adotar em meio a essas graves circunstancias.

£ porque julgamos que toda a nossa fé está em perigo


por causa das reformas e das diretrizes pós-conciliares que
temos tí dever de desobedecer e de guardar as tradicoes. Re
cusar a Igreja reformada e liberal é o maior servigo que pos-
samos prestar a Igreja Católica, ao sucessor de Pedro, á sal-
vacao das almas e da nossa alma, pois eremos que Nosso
Senhor Jesús Cristo1, FÜtso de Deus feito homem, nao é nem
liberal nem reformável».

Esta mesma carta renova as acusagóes de D. Lefébvre á


Santa Sé e ao Concilio e dá noticia de novas providencias
tomadas para multiplicar as casas da Fraternidade Sacerdo
tal Sao Pió X. — Como se vé, o prelado se mostrou dilace
rado em sua consciéncia; sentiu de um lado, a necessidade de
nao romper a unidadé da Igreja e de professar adesáo á Cá
tedra de Pedro, mas na prática deixou-se impelir pelo tradi
cionalismo cegó e divisionista.

5. A mesma atitude ambigua (que aceita e nao aceita,


ao mesmo tempo, as normas da Santa Sé), espelha-se em urna
carta de D. Lefébvre ao jornal francés «La Croix» datada de
6/XH/75, da qual vai transcrito aqui o seguinte trecho:

«Acusam-nos de desobedecer ao Pana Paulo VI. Rejei-


tamos esta acusacao. Obedecemos ao Papa, obedecemos á hie-

— 470 —
O CASO LEFÉBVRE 11

rarqnia da Igreja, mas nao queremos obedecer a subversáo que


reina anualmente na Igreja, nem aqueles que servem a essa
subversáo.

Ora é evidente qué em Roma prelados altamente colocados


na Igreja servem a essa subversáo1 e se esforcam por conven
cer o Papa de que os deve seguir, caluniando-nos e colocando o
Papa contra a nossa obra. Eis por que jidgamos que nao
devoremos obedecer enquanto nao pudermos explicar direta-
mente ao Santo Padre o que somos, e destruir as calúnias que
foram difundidas contra nos» («La Groix» 16/XÜ/1975).

Esta posigáo de D. Lefébvre lembra remotamente a dos


jansenitas do séc. XVII:
i

Aos 31 de maio de 1653, o Papa Inocencio XI condenou


cinco proposicóes da obra «Augustinus» de Jansénio, a saber:

1) Há mandamentos de Deus que, por falta da graga


necessária, nao podem ser observados nem mesmo pelos justos;

2) O homem, na condigáo atual, nao pode resistir a graga


interior.

3) Mérito e demérito pressupóem somente Iiberdade de


coacáo física, nao Iiberdade de necessidade interna.

4) Os semipelagianos erraram, ensinando que a vontade


humana pode ou resistir á graga ou aderir a ela.

5) Éum erro semipelagiano afirmar que Cristo morreu


por todos os homens.

Ora os jansenistas responderam a esta condenagáo, afir


mando que o Papa tinha plena razáo ao condenar essas pro
posieóes, pois eram evidentemente heréticas. Acrescentavam,
porém, que eles nao as entendiam no sentido em que o Papa
as entenderá e condenara. Por isto os jansenistas continuaram
a professar e ensinar «tranquilamente» as proposigóes ácima,
como se nao tivessem sofrido condenagáo alguma. Davam razáo
teórica ao Papa, mas continuavam na prática a contradizer á
intengáo do Pontífice.

Em sua sutileza de espirito, quiseram também distinguir


entre a «quaestio iuris» e a «quaestio facti» (questáo de direito
e questáo de fato). Diziam, sim, que a Igreja é infalível

— 471 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

quando decide se tal ou tal doutrina em si é herética ou nao;


mas nao é infalível guando julga se tal ou tal teólogo pro-
fessa essa doutrina; neste último caso, frisavam, a Igreja nao
pode exigir um consentimento interno, mas apenas um silencio
obsequioso.

Assim, recorrendo a cavüagóes, os jansenistas solapavam


o magisterio da Igreja, embora mantivessem um respeito for
mal (de labios apenas) ao mesmo.

Pergunta-se: quem diz que respeita o Papa, mas nao lhe


obedece, porque julga sutilmente que o Papa está sendo influen
ciado por subversivos, nao está assumindo posicáo que, de
certo modo, recorda a dos jansenistas?... Nao há dúvida, o
Pontífice poderia estar sendo mal assessorado. Todavía nao
parece ser este o caso de Paulo VI; leve-se em conta que repe
tidamente o S. Padre mostrou estar bem consciente de suas
posigóes, nao deixando margem a que os fiéis distinguissem
entre o Papa e, os assessores do Papa. Como demonstrar que
as medidas renovadoras da Igreja nao sao táo auténticas
expressóes do Sumo Pontífice quanto as medidas que emana-
vam do Papa antes do Concilio do Vaticano n? As normas
pos-conciliares estáo em consonancia plena com a doutrina da
fé sempre ensinada pela Igreja; apenas implantam urna disci
plina ou modalidades de vida diversas, precisamente porque
a vida é algo de dinámico, que se desdobra com o passar do
tempo, sem perder a sua identidade.

Sob o pretexto de combater a subversáo ou nao aderir


á subversáo, nao estaría D. Lefébvre implantando a subver
sáo na Igreja ?J

6. Aínda é de interesse citar urna carta do Cardeal


Jean Villot, Secretario de Estado de S. Santidade, datada de
27/X/1975 e dirigida aos Srs. Bispos Presidentes das Confe
rencias Episcopais Nacionais. Essa carta registra a ambigüi-
dade da situagáo e propóe aos Srs. Bispos a atitude a ser
tomada diante dos fatos:

«Em que ponto nos ochamos a seis meses de distancia? -


D. Lefébvre ainda nao aceitou as decisoes da antoridade com-
>• A esta altura, devenios salientar que n&o tencionamos julgar as cons-
ciénclas, nem mesmo a de D. Lefébvre; só Deus as julga. Pode o prelado
estar agindo de boa fé; todavía o seu comportamento no foro externo é
cortamente nocivo e contrario ao Espirito e á Igreja de Cristo.
2 Isto é, seis meses após as prlmelras admoestacOes feltas a D.
Lefébvre.

— 472 —
O CASO LEFfiBVRE 13

pétente. As suas atividades continuam, os seas projetos ten-


dem a concretizar-se em diversos países,, os seos escritos e os
seos propósitos continuam a engañar ceito número de fiéis
desorientados. Cá e lá afirma-se que o Santo Padre se dehura
enredar ou que o desenrolar do procedimento está, viciado em
sua forma. Ha quem evtíque a fidelidade á Igreja de ontem
para afastar-se da Igreja de hoje, como se a Igreja do Senhor
pndesse mudar de natnreza on de forma.

Levando em consideragáo o prejuízo causado ao povo cris»


tao pela protracáo deste estado de coisas e somente depois de
ter usado todos os recursos da caridade, o Sumo Pontífice
determinou que se dessem a conhecer as Conferencias Episco-
pais as informacoes seguintes, destinadas a contribuir para
eliminar as últimas dúvidas».

Continua o Cardeal Villot, dizendoi que, depois da aprova-


cá» da Fraternidade Sacerdotal Sao Pío X por Mons. Char-
riére, «em breve se verificou que os responsáveis recusavam
todo controle das legítimas autoridades, ficando surdas as
admoestagoes destas, e persistindo na orientacao preconcebida
apesar de todas as exortacoes: faaáam «oposicáo sistemática ao
Concilio do Vaticano II e a reforma pós-conciliar. Já nao se
podia tolerar que os candidatos a» sacerdocio fossem formados
em reacáo a Igreja viva, ao Papa, contra os bispos, contra os
sacerdotes, cota os quais sera» chamados a colaborar. Tor-
nava-se urgente ajudar as voca$óes que eram orientadas se
gundo tais diretrizes. Por fim, evidenciava-se necessário reme
diar a confusa» crescente em diversas dioceses da Suíca e de
outras nagoes».

O Cardeal Villot descreve entáo as sucessivas providen


cias tomadas pela Santa Sé no caso Lefébvre: visita apostó
lica, cartas do Santo Padre... Ao referir-se a resposta de
D. Lefébvre, observa que «constituí, por certo, um testemunho
de devotamente pessoal ao Sumo Pontífice; todavia nada há
ai que permita pensar que o autor esteja decidido a obedecer;
por conseguinte, essa resposta, considerada em si, nao pode
ser tida como satisfatória».

Quanto á Fraternidade Sao Pió X, diz o Cardeal Secre


tario de Estado:

«JÉ claro que deixou de existir e que os seus membros nao


podem pretender ... substrair-se a jurisdicác dos Ordinarios

— 473 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

diocesanos. Estes sao seriamente convidados a nao conceder a


incardinacáo em suas dioceses aqueles jovens que declaram
estar a servico da Fraternidade».

A mesma carta se encerrava com significativa conclusáo:

«Já nao é hora de polémica, mas de caridade e de exame


de consciéncia. Os excessos freqüentemente provocam outros
excessos. A vigilancia em questoes de doutrina e de liturgia,
a clarividencia para se distinguirem as reformas a serem ado
tadas, a paciencia e a sabedoria na orinetacáo do povo de
Deus, a solicitude para com as vocacóes sacerdotais e a sua
preparacao exigente para as tarefas do ministerio sacerdotal,
isto tud<o constituí, sem dúvida, o melhor testemunho que nm
pastor nossa dar».

7. Aínda importa transcrever urna carta de Paulo VI


a D. Lefébvre datada de 15/VÜI/76 e inspirada por especial
zelo apostólico de S. Santidade, que tudo tem feito a fim de
deter o movimento separatista do prelado:

«A Nosso venerado IrmSo Marcel Lefébvre

Nesta. festa da Assuncáo da Santíssima Virgem María,


queremos assegurar-vos nossa lembranca, acomparíhada de ora-
cao especial por urna solucáo positiva e rápida, da questao refe
rente a vossa pessoa e a vossa atividade em relacáo a Santa
Igreja. Nossa lembranca exprime-se neste desojo1 fraternal e
paternal: que consideréis, diante do Senhor e diante da Igreja,
no silencio e na responsabilidade de vossa consciéncia de bispo,
a irregularidade insustentável da vossa posicáo atual. Ela nao
estái de acordó com a verdade e com a justica. Ela se atribuí
o direito de declarar que o Nosso ministerio apostólico se des
via das regras da fé, e de julgar como inaceitável o ensmo de
mu Concilio Ecuménico celebrado segundo observancia perfeita
das normas eclesiásticas. Estas sao acusacoes extremamente
graves. Vossa posicáo nao está, de1 acordó com o Evangelho e
com a Fé. Persistir nesse caminho seria de grande prejuízo
para vossa pessoa consagrada e para aqueles que vos seguem
como guia, em desobediencia ás leis canónicas. Em vez de
trazer remedio aos abusos que queremos corrigir, isso acres-
centaria outro, de gravidade incalculável. Tende a humildade,
Irmao, e a ooragem de romper a cadeia ilógica que vos torna
estranho) e hostil á Igreja, a esta Igreja a que vos servistes
tanto e que desejais aínda amar e edificar. Quantas almas espe-

— 474 —
O CASO LEFÉBVRE 15

ram de vos esse exemplo de fidelidade simples e heroica! Evo


cando o Espirito Santo e confiando á Santa Virgem María essa
hora, que é para vos e para Nos grande e amarga, rezamos
e esperamos.
Castel Gandolfo, 15 de agostó de 1976

Paulo Pp. VI»

Os documentos até aqui transcritos permitem ao leitor


tomar conhecimento direto das atitudes assumidas por D. Le-
fébvre e por Paulo VI. Deve-se registrar, da parte do Sumo
Pontífice, urna posicao firme e exigente, mas também cari-
dosa e fraterna. Através de suas cartas e seus gestos, S. San-
tidade segué a norma bíblica: «Nao esmagar o canico rachado»,
«Nao extinguir o pavio fumegante» (cf. Is 42,3).

Passemos agora a urna

3. Reflexao final

1. Em julho de 1976, D. Lefébvre foi suspenso «a diví-


nis», isto é, foi privado da faculdade de celebrar a S. Missa
e administrar os sacramentos. Note-se que o prelado nao foi
excomungado, isto é, nao foi separado da comunháo da Igreja;
ele ainda pode receber (nao celebrar) a Penitencia e os de-
mais sacramentos. A sahcáo infligida pela Santa Sé ao pre
lado foi tida por varios fiéis como injusta. Perguntaram por'
que Paulo VI nao infligirá penas análogas aos teólogos cató
licos cujas obras tém sabor de heresia, como, por exemplo,
Hans Küng. Nao terá sido Paulo VI unilateral?

— A resposta nao é difícil. A falha de D. Lefébvre nao


está em celebrar a Liturgia em latim, pois este continua sendo
permitido na Igreja, mas, sim, em recusar a autoridade do
Papa Paulo VI e do Concilio do Vaticano IL As atitudes de
D. Lefébvre sao mais graves e prejudiciais á Igreja do que as
dos teólogos «de extrema esquerda», pois aquele bispo tem.
formado e ordenado novos sacerdotes em atítude hostil á Santa
Sé; está assim dahdo inicio a urna nova hierarquia, que poderá
ser a estrutura de urna nova «igrejinha cismática»; no. dia em
que D. Lefébvre resolver sagrar bispós, haverá um cisma con
sumado. . Ora nao chegam a tanto os teólogos «avancados»,
pois ficam no plano das idéias (verdade é que as idéias podem

•p-. 475 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS!» 203/1976

mover as pessoas a agir). Vé-se, pois, que D. Lefébvre foi


atingido no exercício de suas facilidades pelo motivo de uso
indevido ou abusivo de tais facilidades. Quanto aos teólogos
avangados, nao há dúvida de que tém sido tratados adequa-
damente a fim de que revejam suas posicóes pouco ortodoxas.

A atitude de D. Lefébvre e seus sequazes é urna réplica


aos «avances» indevidos de liturgistas e teólogos que tém inter
pretado erróneamente o Concilio do Vaticano II. Este foi
ponderado e sabio, mas nem sempre aplicado segundo as inten-
góes do Papa e dos padres conciliares.

2. A historia da Igreja tem conhecido cismas, que, por


certo, sao muito dolorosos, mas nao obscurecem a visáo da fé;
esta ensina que Cristo atua através de Pedro e seus suces-
sores... Fora desta linhagem, há criatividade humana, nao,
porém, a obra de Cristo.

3. As miserias dos homens até hoje nao conseguiram


impedir a obra do Senhor Jesús através dos tempos, nem o
conseguiráo. Ele agirá sempre através de seus ministros, con
tanto que vinculados a Pedro e seus sucessores.

4. Aos fiéis católicos compete orar instantemente para


que D. Lefébvre e seus sequazes revejam com clareza a posi-
Cáo que assumiram e, livres de paixóes, renovem a sua ade-
s£o á única Igreja de Cristo.

Qualquer extremismo religioso, seja de esquerda, seja de


direita, é altamente nocivo á Igreja; quem quer combater os
abusos dos liberáis, nao raro recorre as táticas dos próprios
liberáis e póe em prática os métodos que condena. D. Lefébvre
parece ter esquecido ou entendido em sentido unilateral o que
ele mesmo escreveu:

«N3d somos nos perturbados por abertas revoltas... de


seminaristas contra os seas superiores, de sacerdotes, Religio
sos, Irmas, que manlfestam urna atitude negativa em sen rela-
cionamento com a autoridade, tornando impossível o exercício
desta? ... Como na» comparar esse fermento, preludio de
rebeliáo, ao livre exame, que foi a fonte das grandes calami
dades dos últimos sécalos?» («Un vescovo parla». Milano
1975, p. 83).

— 476 —
O CASO LEFÉBVRE 17

A Fraternidade Sacerdotal Sao Pío X, fundada por D.


Lefébvre, caso se deixasse guiar pelas palavras de seu patrono
o Papa Pío X, certamente mudaria seus rumos:

Quando algném tem amor ao Papa, nao se p5e a dis


entir o qne ele dispoe on exige, nem até onde se deve esten
der a obediencia, ou em quais circunstancias deve obedecer.
Quando alguém tem amor ao Papa, nao diz que ele nao falou
com suficiente clareza, como se fosse obligado a repetir no
ouvido de cada um d seu desejo clara e freqüentemente ex-
presso nao só de viva voz, mas por cartas e ontros documen
tos publicóte; nao pode por em dúvida as suas ordens; nao re
corre ao fácil pretexto dos que nao querem obedecer e, por
isto, dizem qne nao é o Papa qnem manda, mas aqueles que o
cercara... Nao Umita o campo no qual ele pode e deve exercer
a sua antoridade. Nao antepoe a autoridade do Papa a de
outras pessoas que Ihe contradizem, por mais doutas que se-
jam; tais pessoas, se sao doutas, nao sao santas, porque quem
é santo nao pode divergir do Papa» (Sáb Pío X, «Discorso
all'Unione Apostólica del Clero», 18/XI/1912, «Acta Aposto-
licae Sedis» IV [1912] p. 695).

Se, pois, o caso de D. Lefébvre perturbou a consciencia


de muitos católicos, estes tém ueios para recuperar paz e fir
meza na hora presente. O Senhor Deus nao deixa de assistir
á s>ua Santa Igreja!

PALAVRAS SINTOMÁTICAS DE JEAN-PAUL SARTRE:

"DEUS MORREU, MAS O HOMEM AÍNDA NAO SE TOR-


NOU ATEU. O SILENCIO DE DEUS, ASSOCIADO A PERSIS
TENCIA DA NECESSIDADE RELIGIOSA DO HOMEM MO
DERNO, EIS O GRANDE PROBLEMA DE HOJE, COMO DE
ONTEM.

NAO SE SABE REALMENTE COMO CONCILIAR ESSAS


DUAS EXIGENCIAS INABALAVEIS E OPOSTAS : DEUS ESTA
MUDO, NAO POSSO DUVIDAR DISTO; MAS TUDO EM M1M
EXIGE DEUS, NAO POSSO ESQUECÉ-LO".

"SITUATION" I

— 477 —
Exegese do Evangelho:

maria madalena era irmá de lázaro


e pecadora?

Em síntese: Este artigo, mediante a apresentagSo e o confronto


de textos bíblicos, tenta provar que Maria Madalena nfio é a pecadora
infame de Le 7 (guardada no anonimato pelo próprio evangelista) nem
é a irmá de Lázaro. A IdentiflcacSo nao foi felta pela tradicáo oriental,
ao passo que entre os autores ocidentals se tornou freqüente desde S.
Gregorio Magno (t 604). Ela se explica por urna associac&o Indevlda de
nomes e conceitos:

— a pecadora ungiu os pés de Jesús, como Maria, a irmá de Lázaro,


os ungiu ;

— a IrmS de Lázaro se chamava Maria, como a Madalena se cha*


mava Maria;

— se de Madalena Jesús expulsou sete demontos, conclul-se (sem


fundamento suficiente) que era pecadora, como a mulher referida em Le
7, 36-50.

Em conseqüéncia, de tres mulheres fez-se urna só com o nome


María Madalena.

Comentario: De vez em quando interrogam os leitores do


Evangelho a respeito de S. Maria MadalenaJ e seu relaciona-
com outras mulheres de que fala o texto sagrado e que pare-
cem ter afinidade com a Madalena. O assunto é discutido e
acalora os ánimos. Geralmente tem-se a impressáo de que
Maria Madalena (cf. Le 8,2) era nao somente a pecadora
infame que ungiu os pés de Jesús (cf. Le 7, 36-50; Jo 12,3-8;
Mt 26, 6-13; Me 14, 3-9), mas também a irmá de Marta e
Lázaro (cf. Le 10,38-42; Jo 11, ls); ter-se-ia tornado grande
santa, merecedora de elogio da parte do Senhor (cf. Le 10,42).
Esta sentenga é freqüente entre os exegetas ocidentais a par
tir de S. Gregorio Magno (f604), embora nao seja defendida
unánimemente pela tradicáo exegética ocidental. Quanto aos

i Madalena, multo provavelmente porque oriunda da cidade de


Mágdala.

— 478 —
QUEM ERA MARÍA MADALENA ? 19

autores orientáis, nunca identificaran! entre si as tres mulhe-


res em foco; há mesmo quem distinga quatro pessoas, jul-
gando que María mencionada por Jo 12,3 (ungao dos pés do
Senhor em casa de Lázaro e Marta) é diferente da mulher
referida em Mt 26,6; Me 14,3 (onde se narra urna uncáo
aparentemente diversa da anterior).

A identificagáo das tres mulheres proposta pela trádigáo


latina nao é aceita por bons exegetas ocidentais dos últimos
tempos. Na verdade, parece nao haver dúvida de que se trata
de tres pessoas distintas entre si. É o que vamos procurar
evidenciar ñas páginas que se seguem.

1. Catalogando textos...

Antes do mais, vamos registrar todos os textos do S. Evan-


gelho que mencionam as mulheres postas em foco pela questáo.

1) Em Le 7,36-50 aparece urna mulher de má fama que


unge o Senhor Jesús, da qual, porém, o Evangelista nao refere
o nome. Chamemo-la «a pecadora anónima».

2) María, a irma de Marta e Lázaro (María de Betánia)


aparece

a) em Le 10,38-42: ouve a palavra do Senhor, enquanto


Marta, sua irmá, se entrega a tarefas múltiplas;

b) aparece em Jo 11, ls, por ocasiáo da morte e ressur-


reigáo de Lázaro;

c) em Jo 12, 3-8 de novo aparece, ungindo os pés do


Senhor seis dias antes da Páscoa. Esta ungao difere daquela
narrada em Le 7,36-50; é praticada por María, em cuja casa
Jesús se recolheu como hospede e amigo, ao passo que a ungáo
de Le 7, 36-50 é realizada por urna pecadora em casa do
fariseu Simáo.

3) Alaria Madalena é mencionada

a) em Me 16,9 e Le 8,2, como alguém «de quem Jesús


expulsara sete demonios» ;

b) em Le 8,2, como urna das mulheres que acompanha-


vam o Senhor e lhe serviam durante as viagens pela Galiléia.

— 479 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

c) Em Mt 27,55; Me 15,41, María Madalena é citada


como urna das mulheres que com Jesús subiram da Galiléia
para a Judéia pouco antes da Paixáo.

d) María Madalena esteve de ánimo forte junto 'á Cruz


do Senhor (Jo 13,25; Mt 27,55; Me 15,41).

e) No dia da ressurreigáo, era unja das mulheres que


levavam perfumes ao túmulo para ungir o corpo de Jesús
(Mt 28,1; Me 16,ls; Le 24,1; cf. Jo 20,1).

f) A Madalena foi a primeira que viu Jesús ressusci-


tado (cf. Me 16,9).

g) Foi enviada pelo Senhor aos apostólos para lhes levar


a Boa-Nova da ressurreigáo (Jo 20,17). Por istoi foi chamada
«apóstola dos Apostólos».

Após esta catalogacáo de textos, importa-nos procurar


saber se é possível ou nao identificar Maria Madalena com
Maria irmá de Marta e Lázaro, e com a pecadora infame de
Le 7. Para tanto, faz-se mister atento exame do texto do
Evangelho.

2. Identificagao é viáve! ?

A resposta compreenderá tres etapas:

2.1. María Madalena difere da pecadora anónima de Le 7

a) Na verdade, nao há fundamento para identificar entre


si essas duas figuras; Sao Lucas guarda o anonimato da peca
dora, precisamente porque a quis respeitar, conforme o seu
habitual estilo. Note-se outrossim que em Le 8,2 Maria Ma
dalena é apresentada logo após o episodio da pecadora anó
nima, como se fosse personagem desconhecida: «Acompanha-
vam Jesús... algumas mulheres que haviam sido curadas de
espíritos malignos e doengas: Maria, chamada Madalena, da
qual haviam saído sete demonios».

b) A possessáo diabólica (atribuida a Maria Madalena)


nao é equivalente á condicáo de pecador (a), conforme os evan
gelistas mesmos. Foi essa falsa concepgáo que em parte deu
origem á identificacáo das duas mulheres. Tenha-se em vista
a distingáo ocorrente ñas seguintes passagens:

— 480 —
QUEM ERA MARÍA MADALENA ? 21

Mt 8, 16: "Aí> entardecer, trouxeram a Jesús mullos endemonl-


nhados e Ele, com urna palavra, expulsou os espfrltos e curou todos os
que estavam enfermos, a (Im de se cumprlr o que fot dito pelo profeta
Isafas: 'Levou as nossas enfermldades e carregou as nossas doencas'".

Le 4, 40s: "Ao por do sol, todos os que tlnham doentes atingidos


de males diversos trazlam-nos, e Jesús, imponao as máos sobre' cada
um, curava-os. De um grande número também salam demonios gritando:
'Tu és o Filho de Deus I'".

Me 3,10s: "Jesús havla curado multa gente. E todos os que sofrlam


de alguma enfermldade, lancavam-se sobre ele para tocá-lo. E os espiritas
impuros, asslm que o viam, cafam a seus pés e grltavam: 'Tu és o
Filho de Deus I'".

c) Há quem observe que Cristo nao deveria ter levado


em sua comitiva urna pecadora de má fama logo depois de
convertida, pois isto teria agugado a malevolencia dos fariseus.

2.2. María Madalena difere de María, irmS de Lázaro e


Marta

a) Sao Joáo, em Jo 11 e 12, refere-se mais de tima vez


a María, irmá de Lázaro. Em 19, 25 menciona, entre as mu-
lheres postas ao pé da Cruz, María Madalena, sem insinuar a
pretensa identidade da mesma com a irmá de Lázaro. Ora
esta praxe seria estranha se, de fato, a Madalena fosse a
irmá de Lázaro, pois o evangelista costuma apresentar como
conhecidas as pessoas por ele já anteriormente mencionadas.
Assim.

em Jo 7, 50: «Nicodemos, um deles, que anteriormente


fora ter com Jesús...»;

em Jo 19, 39: «Nicodemos, aquele que anteriormente pro


curara Jesús a noite, também veio...» (alusáo a Jo 3,15);

em Jo 14, 22: «Judas — nao o Iscariotes — Ihe diz:


'Senhor,.. .'»;

em Jo 7, 71: «Falava de Judas, filho de Simáo, o Isca


riotes. Este, um dos doze, o haveria de entregar».

b) María, a irmá de Lázaro, tinha seu domicilio ern Be-


tánia perto de Jerusalém na Judéia, tanto que Sao Joáo se
refere a Betania como sendo «a cidade de María e de sua
irmá Marta» (cf. Jo 11,1).

— 481 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

Ao contrario, Madalena «havia acompanhado Jesús desde


a Galiléia até Jerusalém» (cf. Mt 27,55; Me 15,41; Le 23,55).
Donde se pode concluir que era residente na Galiléia (provin
cia ao norte da Judéia).

Resta agora a proposigáo mais difícil:

2.3. A pecadora de Le 7 e a ¡imS de Lázaro sao pessoas


diversas

Eis as razóes em favor desta afirmativa:

a) A identidade entre as duas mulheres se baseia geral-


mente no fato de que ambas praticam a uncáo dos pés de
Jesús. Em Jo 11, ls (ao introduzir o episodio da ressurreigáo
de Lázaro), diz o Evangelista:

"Havia um doente, Lázaro, de Betánia, cldade de María e de sua


Irma Marta. María era aquela que ungirá o Senhor com bálsamo e Ihe
enxugara os pés com seus cábelos".

Com estas palavras, o evangelista Sao Joáo quer aludir a


urna das duas uncóes já narradas pelos sinóticos: Le 7,36-50
(em casa de Simáo o fariseu) ou Mt 26, 6-13; Me 14, 3-9
(pouco antes da Páscoa). Note-se que Joáo só fala de uncáo
do Senhor no c. 12 do seu Evangelho.

Pergunta-se: a qual das duas ungóes quis o Evangelista


Sao Joáo aludir?

— Há quem afirme que Joáo quería referir-se a Le 7; no


caso, a pecadora anónima e María, a irmá de Lázaro, seriam
a mesma pessoa.

Em favor desta tese, alega-se a construgáo da frase do


evangelista em Jo 11,2: «Maria era aquela que ungirá o Se
nhor...» Ora, se somente em Jo 12 o evangelista menciona
tal ungáo, a forma de pretérito há de ser explicada pelo fato
de que Joáo quis aludir á uncáo realizada durante a vida
pública de Jesús (Le 7) e já conhecida aos leitores mediante a
tradicáo sinótica.

Contra esta sentenca, outros afirmam que Joáo se referiu


á ungáo narrada em Mt 26,6-13 e Me 14, 3-9, que também já

— 482 —
QUEM ERA MARÍA MADALENA ? 23

era conhecida aos leitores através da tradifiáo slnótica. Em tal


caso Maria, a irmá de Lázaro, nao seria a pecadora infame de
Le 7. As razóes em favor desta outra tese sao as seguintes :

Enu Jo 11, 2 está dito que «Maria ungirá o Senhor com


bálsamo e lhe enxugara os pés com seus cábelos». Ora é pre
cisamente isto que o evangelista descreve em Jo 12,3: «Maria,
tendo tomado urna libra de perfume de nardo puro, muito
caro, ungiu os pés de Jesús e os enxugou com seus 'cábelos e
a casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo».

Note-se agora que em Le 7,38 a serie dos acontecimentos


é outra:

"A pecadora chorava e com as lágrimas comecou a banhar os pés


de Jesús; enxugou-os com os cábelos, cobria-os de beijos e ungla-os
com o perfume".

Vé-se assim que a pecadora enxugou com os cábelos os


pés de Jesús banhados de lágrimas, e nao de perfume; só
depois de chorar, derramou bálsamo sobre os pés do Senhor.
Ao contrario, a irmá de Lázaro nao chorou, mas diretamente
derramou o perfume sobre os pés do Senhor. — Donde se
concluí que Jo 11,2 parece realmente aludir a Jo 12; em Jo 12
o evangelista quis completar com pormenores as narragóes fei-
tas pelos sinóticos em Mt 26 e Me 14.

De resto, pode-se notar (para dar satisfagáo aos gramá


ticos) que a alusáo a fatos futuros mediante verbos no parti
cipio aoristo nao é insólita no Novo Testamento. Podem-se
citar casos em que isto ocorre: Mt 10,4; At 1,16; At 25,13...
Ora em Jo 11,2 tem-se um participio aoristo (Mariam he
aleípsasa ton kyrlon) para designar a uncáo praticada por Ma
ria; donde se vé que he aleipsasa pode indicar nao somente o
passado («aquela que ungiu»), mas também o futuro («aquela
que havia de ungir»).

Donde se depreende que a identificagáo das tres mulheres


sob o nome de Santa Maria Madalena nao tem base no texto
bíblico; decorre mesmo de um mal-entendido, que é preciso
dissipar. Maria Madalena, por certo, nao é a pecadora de que
fala Le 7, 36-50.

A identificagáo tomou autoridade desde que S.-Gregorio


Magno Papa (t 604) a patrocinou. Mesmo assim nao foi una-

— 483 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

nime na tradicáo latina, havendo sempre quem distinguisse


duas ou tres mulheres identificadas erróneamente. Quanto ao
fato de que a Liturgia da Igreja, aos 22 de julho, celebra
S. María Madalena, dando a entender que é a irmá de Lázaro,
está longe de significar urna definicáo infalível; é certo que o
magisterio da Igreja nao quer entrar na discussáo do assunto;
apenas segué a tradicáo ocidental, que é certamente reformá-
vel. Apesar de quanto dissemos até aqui, nada se opóe a que
se considere S. María Madalena urna grande convertida ao
Evangelho e a padroeira dos (das) convertido (a) s.

A identificacáo se explica por urna indevida associacáo de


nomes e idéias, a saber:

— a pecadora ungiu os pés de Jesús, como María, a irmá


de Lázaro os ungiu;

— a irmá de Lázaro se chamava María, como a Mada


lena se chamava María;

— se de Madalena Jesús expulsou sete demonios, era


pecadora — dizem ou diziam muitos comentadores —, como
a mulher referida em Le 7, 36-50.

Em conseqüéncia, das tres mulheres fez-se urna só com o


nome de María Madalena.

"SE ATÉ AGORA NOS ENGAÑAMOS — E A PROVA.


IRREFUTAVEL DISTO É QUE ESTAMOS MAL — ESFORCE-
MO-NOS EM PROL DO NASCIMENTO DE UM HOMEM NOVO
E DE UMA NOVA VIDA.

OU A FELICIDADE NAO SERA DADA AOS HOMENS OU


— E ISTO É O QUE JESÚS PROPOE FIRMEMENTE — SE
A FELICIDADE PODE SER A NOSSA COMUM E ETERNA
PARTILHA, NAO A CONSEGUIREMOS SE NAO A TAL PRECO.
MUDAR DE RUMO, TRANSFORMAR A VIDA, CRIAR VALO
RES NOVOS... DIZER O NAO DA SANTIDADE AOS SIM
ILUSORIOS DO MUNDO".

GtOVANNI PAPINI, "VIDA DE CRISTO"

— 484 —
Medicina e Moral:

abortamento terapéutico hoje (III)

Em PR 200 iniciamos a publicacio da comunicacSo da autoría dos


médicos Drs. Jo&o Evangelista dos Santos Alves, Carlos Tortelly Rodrigues
Costa, Dernival da Silva Brandáo e Waldenir. de Braganga intitulada "Con-
sideracoes em tomo do problema da gravidez com Intercorrénda de en-
fermidade grave na gestante e o chamado 'abortamento terapéutico'".
Essa comunlcacao foi dada a lume primeramente pela "Revista da Asso-
ciagSo Médica Brasllelra", vol. 22, n? 1, Janeiro 1976, pp. 21-27. Visto
que se trata de trabalho de alto valor, o qual pode ser útil nao somente
a especialistas, mas também ao grande público, a nossa revista "Per-
gunte e Responderemos" o reproduz em fascículos sucessivos. Os nossos
ns. 201 e 202 já publlcaram duas partes de tal artigo, em que se encon-
tram os seguintes dados :

1) Consideracdes sobre a chamada "causa com duplo efelto":


um médico que tenclone tratar de senhora cancerosa e, para tanto, nao
tenha outro recurso senáo eliminar o útero grávido e canceroso dessa
pessoa, está moralmente habilitado a fazé-lo. O que ele realiza, é dltado
pelo objetivo de combater urna doenca, nSo de dar a morte a atguém;
a perda da crlanca nSo é diretamente e como tal Intencionada, mas é
aceita indlretamente e como mera conseqüéncia de urna acao médica que
visa a debelar um cáncer. A acto do médico entao tem duplo efeito:
um efelto bom, que é diretamente Intencionado e que é o único motivo
da acao (eliminacao do órglo canceroso); outro mau, que nao ó direta
mente desejado, mas apenas aceito porque inevitavelmente assoclado ao
efelto bom (a morte da crianca). Tal procedtmento difere daquela conduta
que diretamente e por si visa a eliminar a crlanca, conduta que nSo ocor-
reria se nio fosse o desejo de abortar.

2) Após estas consIderacSes gerais, foram. propostos os pareceres


de eminentes médicos relativos a "Gravidez e Cardiología", "Gravidez e
Tislologia", "Gravidez e Psiquiatría", "Gravidez e Hematología", "Gravidez
e Farmacología", "Gravidez e Metabologia", "Gravidez e Ginecología (afec-
cSes mamarias, uterianas, ovarlanas, carcinoma do endometrio)". Tais
pareceres davam a ver que nao há casos mórbidos que exljam o chamado
"abortamento terapéutico". A medicina moderna tem recursos verlos que
permiten) ao médico tratar da paciente sem recorrer diretamente á eliml-
nacfio da changa que esteja em seu útero.

Prosseguimos na transcrieáo da referida comunicasáo.

«2.8. Obstetricia

Finalmente a opiniáo dos obstetras, a quem cabe coorde


nar a assisténcia á mulher grávida. Formulamos consultas

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J6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

sobre o tema a colegas que exercem esta especialidade, cujas


respostas transcrevemos a seguir.

Antes, porém, desejamos citar dois importantes estudos


sobre o assunto. O primeiro foi apresentado na Academia Na
cional de Medicina por Leonídio Ribeiro *. Aqui nos interessa
a referencia que fez sobre o abortamento terapéutico, citando
Octavio de Souza:

«... eu nao precisaría ir muito longe, pois, aqui mesmo


desta tribuna, um de nossos mais ilustres companheiros, o
académico Octavio de Souza, recentemente, tratou do assunto,
recordando a opiniáo de varios especialistas, nacionais e estran-
geiros, todos proclamando que desapareceram, praticamente,
até mesmo as indicacóes clínicas do aborto terapéutico. E afir-
mou que se contam, pelos dedos, os casos em que teve de ape
lar para esse recurso extremo, em seus quarenta anos de exer-
cício de profissáo de parteiro, dando-nos esta importante infor-
magáo: 'Compulsando o meu arquivo de Clínica Obstétrica da
Faculdade Fluminense de Medicina, que consta de quase oito
mil fichas, só encontrei tres casos de aborto terapéutico, o
último deles praticado em 1956'. E o académico Octavio de
Souza concluiu: Tenho por boa e oportuna a afirmativa de
que o aborto terapéutico passará dentro em breve, como pas-
saram outras tantas condutas, na Obstetricia'».

O outro estudo é mais recente. Foi apresentado em Sao


Paulo, no II Congresso Católico Brasileiro de Medicina, inte
grando a mesa-redonda sobre «Respeito 'á vida». A parte refe
rente ao abortamento terapéutico foi apresentada por Martí
nez 2, de cujo trabalho sao os seguintes trechos:

«... deve-se levar em conta que a reacio mais comum


do médico nao afeito á especialidade ginecológica, quando a
prenhez ocorre em urna de suas pacientes já afetadas por pro
blema físico ou mental, é a de que a remocáo da gestagáo
poderia simplificar a questáo.

Infelizmente, esses facultativos, na maioria das vezes,


ignoram a maneira com que essas pacientes com doenga orgá
nica ou funcional reagem á prenhez e ao parto. Excepcional-

1 L. Ribeiro: "Anteprojeto do Código de Ética Módica", na "Revista


da Academia Nacional de Medicina" 1,25,1965.

2 A. R. Martínez, "Aborto Terapéutico", em "Católicos e Medicina


Hoje. II Congresso Católico Brasllelro de Medicina", Sao Paulo 1967, p. 163.

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ABORTAMENTO TERAPÉUTICO (III) 27

mente, tém experiencia sobre isso. Por outro lado, desconhe-


cem quais os riscos intrínsecos da interrupgáo da prenhez, nao
raciocinando que, na maioria das vezes, a interrupgáo da pre
nhez poderá ser mais nociva que a evolugáo da própria gesta-
gáo. Realmente, o chamado abortamento terapéutico constitui
operagáo poterícialmente perigosa e pode, em muitos 'casos,
proporcionar maiores riscos do que a gestagáo de per si».

Mais adiante, o mesmo autor:

«As indicagóes médicas estritas mostram que o lugar do


aborto terapéutico está diminuindo, ao invés de se expandir
(Rosen, 1954).

Roth (1958) assinala: 'Atualmente nao há quase indica-


gáo em medicina interna que justifique a interrupcáo da
prenhez'.

Na prática, o médico, devido a simpatías mal colocadas,


pressóes de colegas que véem somente um lado do problema e
consideragóes de parentes, é as vezes tentado a modificar o
criterio pessoal em um caso particular. Fazer urna excegáo,
entretanto, quase sempre leva a conseqüéncias embaragosas. A
inducáo de aborto com bases iracas em um case, inevitavel-
mente, resulta na demanda de novas intervengóes por indica-
gáo igualmente duvidosa. Estas podem vir de parentes ou
amigos da primeira paciente e ás vezes da própria paciente.
Se urna mulher achar fácil livrar-se de urna prenhez nao dese-
jada, ela será menos cuidadosa para evitar outra.»

Adiante, ainda Martínez:

«Seriam, portante, condigóes fundamentáis a serem pon


deradas no problema do aborto terapéutico, as citadas por Si-
monin em sua Medicina Legal Judiciária: a) que a máe corra
um perigo extremo, real, atual, que ameaga sua vida e nao
apenas sua saúde; b) que esse perigo dependa exclusivamente
da gravidez; c) que a interrupgáo da gravidez sem dúvida
alguma o fará cessar; d) nao naja outro meio, além do'aborto
terapéutico, para salvar a máe.

Dados os conhecimentos atuais da Medicina, médico al-


gum, de sá consciéncia, poderá afirmar ou infirmar categóri
camente esses itens, principalmente o item «c», ou seja, a
interrupgáo da gravidez fará seguramente cessar o perigo de

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28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

vida materna. Além do mais, a pergunta que se faz é sempre


a mesma: se a prenhez mata, o aborto salvará? Por outro
lado, a experiencia nos ensina, embora isso seja muito difícil
provar com dados exatos, que os resultados da prática do cha
mado aborto absolutamente necessário, em casos considerados
desesperados pelos nossos conhecimentos atuais. de medicina,
sao numéricamente os mesmos, quando comparados com aque
les de casos clínicamente semelhantes, em que houve absten-
gáo de qualquer intervencáo de natureza abortiva.

Aceita-se, ainda, que a indicacáo do aborto muitas vezes


é feita sem tomar em conta as diversas implicagóes e nem sem
pre por médicos categorizados. Verifica-se também que a prá
tica dos abortos, mesmo em centros especializados, nao deixa
de oferecer seus perigos e que, por outro lado, estudos feitos
por diversos autores tém mostrado que a mortalidade materna
nao é menoSj baixa nos hospitais em que se pratica o aborto
terapéutico do que nos hospitais em que estes sao proscritos
— persistimos, portante, com a interrogagáo: se- a prenhez
mata, o aborto salvará?»

Resposta de Mastroiannia, á consulta por nos formulada:

«Na minha longa experiencia, trabalhando há mais de


trinta anos, seja na clínica do Hospital-Escola, seja na clínica
particular, individualmente e em equipe, posso afirmar que os
progressos atuais das ciencias médico-biológicas sao de tal
porte que dáo ao médico-assistente urna pléiade de recursos
que praticamente aboliram do arsenal obstrético a indicaclo
para abortamento terapéutico. Se algumas vezes o obstetra
se encontra a bracos com problemas que o fazem pensar nessa
indicagáo, deverá reconsiderar novamente toda a problemática,
pois que, provavelmente, será a falta de recursos próprios ou
excessos de orgulho pessoal que o impedem de recorrer a espe
cialistas que poderiam ampará-lo terapéuticamente para resol
ver um caso clínico complicando urna gravidez, ou urna gesta-
cáo que se instala numa paciente doente, e, assim, em vez de
optar simplesmente pela interrupcáo da gestacáo, terá meios
de levá-la a bom termo ou, mesmo em casos excepcionais, aos
limites da viabilidade. Poderá assim cumprir um preceito
hipocrático do juramento que o obriga sempre a tentar salvar
urna vida e nao usará de seus conhecimentos para facilitar
o crime ou perverter os costumes.

1E. Mastroianni, Depolmento pessoal, carta datada de 2/5/72.

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ABORTAMENTO TERAPfiUTICO (III) 29

A legalizagáo do abortamento seña mais um meio de


corromper os costumes, completando os maleficios sociais que
o uso indiscriminado da pilula está acarretando».

Resposta de Paraventi4:

«Sua pergunta a respeito do assim chamado abortamento


terapéutico, em nossa época, deixou de existir.

Meu testemunho como Professor Adjunto, na Clínica


Obstétrica da Escola Paulista de Medicina, e pré-natalista na
Disciplina de Higiene e Saúde Materna, na Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de Sao Paulo: jamáis indicamos ou
presenciamos este tipo de intervengáo nestes 31 anos de vida
profissional.

Na Clínica Obstétrica da Escola Paulista de Medicina, pas-


saram as mais variadas intercorréncias clínicas e cirúrgicas,
cuidando-se sempre da preservacáo feto-materna.

Somos particularmente contrarios a este movimento de


legalizagáo do aborto, pois até o item do nosso Código Penal
atual, onde se refere que o aborto nao é punível quando feito
em máe com grave risco de vida, redunda hoje, pelo avangar
técnico e dos conhecimentos médicos, que este termo deve ser
suprimido.

Espero ter respondido e dado minha opiniáo fundamen


tada na experiencia de urna clínica universitaria de responsa-
bilidade didática e formativa, como a nossa».

(Este artigo terminará no próximo número de PR).

* H. A. Paraventi, Depoimento pessoal, carta datada de 25/4/1972.

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Quem sabe ao certo ?

e o fenómeno uri geller?

Em sínteso: O Jovem Israelense Uri Geller tem merecido a atengao


dc| mundo Inteiro desde 1972, quando inlclou as suas exlblcóes na Ingla
terra e nos Estados Unidos. Os fenómenos por ele produzldos dlvldem os
espectadores: enquanto há os que julgam poder expllcá-los pelo recurso
ao "sobrenatural" ou a torgas do Além (asslm, por exemplo, o escritor
Andrlja Puharlch), outros se mostram cétlcos e tendem a elucidar os por
tentos como resultados de truques e magia. As páginas que se seguem,
propoem alguns dos depolmentos que a literatura recente apresenta no
tocante a Uri Geller.

Em suma, parece que se' pode reconhecer neste jovem israelense


poderes sensitivos extraordinarios, como a percepjáo extra-sensorial e a
telecinese; todavía ficam abertas perguntas ponderosas, entre as quais
a seguinta: como poderia um relógio cujas pecas estivessem gastas ou
mesmo faltassem, vir a funcionar só por efeito do poder da mente ? A
mente humana seria capaz de suprlr a acao de rodas, eixos e pinos de
um relógio? Ou entao: será que todos os relóglos dos quais se diz
que passaram a funcionar, voltaram realmente a trabalhar? E por quanto
tempo voltaram a funcionar, caso Isto tenha ocorrido? Teria sido neces-
sário examinar relógio por relógio antes e depois de submetldo ao poder
de Uri Geller, a fim de se proferir umf. juizo científico sobre o fenómeno.
— Quanto a "intuicao", professada por Uri Geller, de que houve outrora
urna clvilizacao extraordinaria na Amazonia, hoja desaparecida em direcáo
do alto, toca as ralas da fantasía e difícilmente merecerá aceltacfio por
parte do bom senso critico.

Ficam asslm sumariamente expostos os matizes da questio Uri


Geller.

Comentario: No dia 15 de julho pp. o jovem israelense


Uri Geller (com 30 anos de idade) fez a sua primeira demons-
tracáo de poderes psíquicos através da televisáo no Brasil: é
corrente que em muitas e muitas casas os relógios parados
(ou mesmo quebrados) voltaram a funcionar, garios e colhe-
res se entortaram ou mesmo quebraram e outros fenómenos
estranhos ocorreram.

A fama de Uri Geller espalhou-se pelo Brasil. Ela come-


Cpu em 1972, quando o famoso «percipiente» iniciou suas expe
riencias ñas emissoras da Inglaterra e dos Estados Unidos.

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O FENÓMENO URI GELLER 31

Diante dos fenómenos assim realizados, as opinióes se divi


den!: há guem julgue que Geller é realmente um homem dotado
de facuidades mentáis extraordinarias; chegam a falar de
«homem carismático», humilde, capaz de se surpreender com
as suas próprias faganhas. Perguntam muitos: será que Uri
Geller nao recebe do Além os seus poderes extraordinarios ?
— Outros observadores, porém, se mostram céticos: identífi-
cam Uri Geller com um autor de mágicas; este pode iludir
pessoas honestas e dentistas (pessoas que procedan segundo
criterios de retidáo e veracidade), mas é incapaz de impres-
sionar outros mágicos; dizem que Uri Geller nao se exibe
perante mágicos e, sempre que algum destes presenciou as
faganhas do jovem israelense, as explicou como sendo resul
tados de truques e nada mais!

Eis o que nos incita a procurar explanar um pouco mais


os feitos de Uri Geller e a vasta bibliografía que a respeito já
foi publicada. Comeearemos pelo aspecto «místico» e «sobre
natural» do fenómeno Uri Geller.

1. O portentoso extra-terrestre

Dentre os livros favoráveis ao portentoso israelense, assi-


nala-se o intitulado «Uri — A Journal of the Mystery of Uri
Geller» (Anchor Press); deve-se a Andrija Puharich, o men
tor de Geller; foi Puharich quem levou Uri Geller de Israel
para os Estados Unidos, e é quem mais exalta as «virtudes
sobrenaturais» do israelense. O Dr. Puharich explica os> pode
res maravilhosos de Uri Geller do seguinte modo:

Durante milhares de anos, seres superiores extra-terres


tres estiveram em comunicacáo com os homens na térra; final
mente escolheram Uri como seu legado para os nossos tempos
de civilizagáo mais evoluída. Puharich assevera que «o seu
celeste editor» nao lhe pennite revelar coisa alguma do plano
cósmico dos seres superiores, plano em cujo centro está Uri.
Todavía fala freqüentemente de discos voadores¡ fenómenos
de desmaterializagáo, levitagáo, mensagens provenientes de
computadores existentes fora da térra e outros portentos, entre
os quais menciona um encontró com um falcáo gigantesco,
que ele identifica com o Deus egipcio Horus. Afirma Puharich
que o primeiro contato de Uri Geller com um disco voador se
deu aos 25 de dezembro de 1949 (data significativa!) e que

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32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

deste día em diante comegaram a se manifestar os poderes


psíquicos do jovem Uri GSeller. Refere añida Puharich que,
vinte anos depois destes fatos, Geller lhe oonfessou:

"Pode ser que eu seja descendente de um povo extra-terrestre. Meus


ancestrais aterrlssaram em um disco voador. Eles tinham poderes extra*
ordinarios e, de corto modo, mos transmitirán!".

O Dr. Puharich conta também que Uri Geller, provavel-


mente em transe, falou com «Spectra», urna das naves espa
ciáis que, á distancia de cinqüenta e tres mil e sessenta e nove
anos-luz, envia constantemente, através de varios computado
res colocados no espago, mensagens dirigidas a Puharich me
diante Uri. A voz proveniente de «Spectra» teria explicado
que Uri foi enviado á térra para salvar o género humano e
é, de fato, o único que o pode fazer.

De resto, «Spectra» seria apenas urna das varias vozes


extra-terrestres que estáo em freqüente comunicacáo com
Puharich. Outras dessas vozes seriam transmitidas por compu
tadores, como «Rhombus 4D», que se acha a um milháo e meio
de anos-luz e que mandou a Puharich escrevesse um livro a
respeito de Uri. Outra fonte, que Puharich chama Is («Intel-
ligence in the Sky», Inteligencia no céu), ordenou a Puharich
fizesse um filme a respeito de Uri. O mesmo autor do livro
acrescenta que varios objetos aparecem e desapárecem nos
ambientes em que vive Uri. Assim, por exemplo, a fita mag
nética que registrou a voz de «Spectra» desmaterializou-se!...
Puharich, por conseguinte, diz que teve, para si mesmo, evi
dencia dos fatos extraordinarios que ele relata, mas que nao
tem comprovantes aptos a convencer os seus leitores.

O próprio Uri Geller parece nao ter estado de acordó com


as narragóes do Dr. Puharich. Por isto escreveu a sua auto
biografía intitulada «My Life» (Mmha vida). Neste livro Gel
ler é sobrio em relatos — o que mostra quanto o seu nome e
os seus feitos foram explorados fantásticamente por um «em
presario», e quanto estáo aínda sujeitos a ser assim explora
dos. As realizagóes portentosas fácilmente suscitam a imagi-
nagáo, principalmente ñas pessoas mais propensas a criar fan-
tasistamente do que a raciocinar.

Deixando de lado explicagóes imaginosas, passemos agora


a um exame sereno e científico do fenómeno Uri Geller.

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O FENÓMENO URI GELLER í»

2. Os laspectos parapsicológicos

A parapsicología é a ciencia que estuda as manifestagóes


que ficam para (ao lado, em grego) do funcionamento normal
do psiquismo humano. O paranormal nao é anormal (doen-
tio), mas é mais ampio do que o normal. Entre os fenómenos
paranormais, podem ser enumerados a percepgáo extra-sen
sorial ou o fenómeno psi-gama (ou a intuigáo realizada por
meio que nao seja um dos nossos cinco ou seis sentidos), a
telecinese ou o fenómeno psi-kapa (mogáo de corpos 'á distan
cia), a telepatía, a clarividencia, a escrita automática ou psico-
grafia, etc. Tais facilidades sao naturais ou contidas dentro
das potencialidades da natureza humana.

Nao admira, pois, o fato de que Uri Geller consiga iden


tificar objetos ocultos ou desenhos encobertos por caixas e
bolsas... Também nao surpreendem os fenómenos de mogáo
de corpos á distancia, como ocorreram nos casos de garfos,
colheres, chaves que se entortaran!... Quanto ao fenómeno
dos relógios que estavam parados e passaram a funcionar por
ordem de Uri Geller e seus telespectadores, podem-se fazer as
seguintes ponderagóes:

Geralmente um relógio deixa de funcionar ou por falta


de corda ou porque tem urna de suas pegas gasta ou perdida.
No caso de falta de corda, ainda se poderia compreender que
o poder da mente passasse a acionar a maquinaria, desde qué
esta estivesse completa e válida. Dado, porém, que haja algo
de gasto ou falte alguma pega no relógio em foco, parece
ilógico ou anti-racional admitir que essé relógio possa funcio
nar normalmente; a mente humana terá a faculdade de suprir
direta ou indiretamente a agáo de pegas de relógio? — O fato,
porém, é que muitas pessoas dizem que seus relógios defeituo-
sos e «quebrados» passaram a trabalhar por ordem de Uri
Geller e dos seus telespectadores. Deixamos, pois, abertas as
perguntas:

— Passaram realmente a funcionar tais relógios ? Ou


trata-se de sugestionamento sofrido por quem o «atesta» ?

— Os relógios defeituosos funcionaram de maneira dura-


doura ou tratou-se de fenómeno efémero ?

— Os relógios que funcionaram, careciam de pecas ou


apenas tinham pecas entortadas por urna queda ou um cho-

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34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

que? Na verdade, tena sido necessário examinar com precisáo


o estado de cada relógio antes de ser submetido ao poder da
mente de Uri Geller e analisar o mesmo, com igual precisáo,
depois de fazé-lo passar pelo teste de Geller.

Por conseguinte,. diante do fenómeno dos relógios o estu


dioso se senté incapaz de proferir um juízo adequado, pois
deveria ter dados científicos e exatos para poder avaliar o
ocorrido.

Como quer que seja, parece que se devem reconhecer em


Uri Geller facuidades psíquicas de grande alcance; é um «sen
sitivo» raro. Todavía, a título de colaboragáo honesta para o
progresso da ciencia, desejamos relatar as impressóes de estu
diosos que professam descrédito em relagáo ao jovem israe-
lense.

3. Casos de truques?

Leem-se em jomáis e revistas os depoimentos de comen


tadores que reduzem os fenómenos produzidos por Uri Geller
a truques e atos de ilusionismo. Dizem mesmo que Geller pode
fácilmente impressionar os dentistas e obter os aplausos des-
tes, visto que todo homem de ciencia costuma ser criterioso
e honesto e, em conseqüéncia, supóe a mesma atitude digna
ñas pessoas que se propóem ao diálogo com a ciencia. Ao
contrario, Uri Geller nao consegue impressionar os mágicos e
prestidigitadores porque estes conhecem os segredos e truques
que os pseudo-cientistas e charlatáes costumam aplicar em suas
«artes».

Por conseguinte, importa-nos agora referir aquí algo do


que se tem escrito sobre as pretensas «artes ilusionistas» de
Uri Geller.

O jornal «O Globo», em sua edigáo de 18/VÜ/76, Jornal


da Familia, p. 2, publicou o testemunho do mágico James
Randi, que julga o professor John Taylor «um cientista muito
crédulo»; diz que as faoanhas de Geller perante John Taylor
foram realizadas fraudulentamente quando o mestre nao lhe
prestava atengáo.

A revista norte-americana «Popular Photography», de


junho 1974, pp. 74s, publicou os artigos de Charles Reynolds e
Yale Joel que abordam o fenómeno Uri Geller e atribuem ao

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O FENÓMENO URI GELLER 35

jovem israelense o uso de truques. Com efeito, Yale Joel é


antigo fotógrafo da revista «Life», tendo mais de 25 anos de
exercício de sua profissáo. Acompanhou Uri Geller em suas
exibicóes ao público. Certa vez, este homem famoso lhe pediu
um aparelho fotográfico; Yale Joel ofereceu-lhe um Pentax;
GelJer aceitou-o e pediu-lhe que recobrisse beni a lente da
cámara, pois ele conseguiría fotografar sem retirar a tampa
da lente. Mais: Geller pediu a Seth, filho de Yale Joel, que
concentrasse o seu pensamento em urna imagem grande: Seth
escolheu a de urna águia reproduzida no tamanho inteiro da
página de um livro. Seth pós-se entáo a dar o máximo de aten-
gáo a essa figura; entrementes Geller aplicou o aparelho foto
gráfico á sua- fronte, tendo a lente recoberta (portante, impos-
sibilitada de fotografar); Geller procuraría, nao obstante, fa-
zer que a imagem da águia se imprimisse no filme. O jovem
israelense fechou os olhos e contraiu os músculos da face em
sinal de intensa concentracáo. Após certo tempo, tendo batido
cinco ou seis chapas, fez sinal a Seth e comunicou-lhe que esta-
belecera contato com a águia: «Sinto que ela atravessou a
lente!», exclamou Geller. Colocou entáo a máquina Pentax
sobre urna mesa e disse que também Joel e seu filho poderiam
fotografar «psíquicamente» usando cameras cujas lentes esti-
vessem cobertas. Todavia Joel, experimentado fotógrafo, ouvia
estas afirmacóes com cetismo, pois duvidava da realidade da
fotografía que Uri dizia ter conseguido «psíquicamente».

A seguir, Geller propñs aos dois interlocutores fossem a


urna sala vizinha e lá, de portas fechadas, desenhassem o que
quisessem, enquanto Uri os esperaría onde estavam. Foram-se
os dois, e Seth, na sala ao lado bem' fechada, dseenhou urna
cadeira e colocou o desenho dentro de dois envelopes, como
Uri lhes sugerirá. Cinco minutos depois, voltaram os dois para
o quarto onde Uri os esperava; este nao teve dificuldade em
lhes dizer que o desenho era o de urna cadeira. Entáo mais
urna vez Uri aplicou o aparelho Pentax com o mesmo filme a
sua testa e bateu o restante das chapas do filme. Terminado
isto, Joel retirou do Pentax o filme e tratou de separá-lo de
quaisquer outros a fim de evitar que se misturassem. Estavam
todos cansados, tanto Uri Geller como Yale Joel e seu filho
Seth, dados os acontecimentos extraordinarios que haviam
ocorrido.

O fotógrafo Joel e seu filho Seth voltaram entáo para sua


casa, e lá, sem demora Seth pós-se a revelar o misterioso
filme das fotografías «psíquicas». Já passava de. meia-noite

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36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

quando Seth chamou seu pai para lhe mostrar a fotografía


da águia que realmente se imprimirá ao filme em questáo: a
imagem era «aceitável» em se tratando de um fotógrafo ama
dor. O fotógrafo Yale Joel ficou surpreso com o resultado:
«Aquele foi um momento traumatizante na historia da foto
grafía. .. Teria Uri Geller realizado o impossível?», pergunta
Joel (p. 135).

Muito perplexo, Yale Joel telefonou para a casa de Uri.


Atendeu-lhe entáo o mordomo Yascha Katz, a quem Joel comu-
nicou o resultado da arte de Geller e pediu que chamasse o
próprio Uri. Yascha, porém, rcspondeu que nao o chamaría,
pois o patráo estava dormindo e tinha outra demonstragáo á
tarde do mesmo día, de modo que precisava de repouso; Yale
teve de se contentar com essa resposta e ficou de telefonar
as 10 horas da manhá. O fotógrafo voltou a olhar a fotogra
fía «psíquica», meditou aínda sobre o fenómeno estranho, e
finalmente, as duas horas da madrugada, foi deitar-se.

As 10 h da manhá, Yale telefonou de novo para a casa


de Uri e perguntou-lhe: «Em que pensava vocé quando se
concentrou para fotografar psíquicamente?» Respondeu o jo-
bem israelense: «Para dizer a verdade, eu estava pensando
em urna estrela!»

No mesmo dia, Yale mostrou a foto «psíquica» a reno-


mados fotógrafos profissionais, como Alfred Eisenstaedt, o
decano do fotojornalismo, Ralph Morse e George Karas; os
tres julgaram de todo impossível que tal resultado tivesse sido
obtido mediante aparelho de lente encoberta. Diante dos fa-
tos, Yale suspeita que Geller tenha retirado a tampa da lente
e naja fotografado a imagem da águia precisamente durante
os minutos que Joel e Seth passaram na sala vizinha, dese-
nhando urna cadeira e envolvendo o desenho em envelopies,
como Ihes sugerirá Geller. Este teria praticado urna fraude
ou urna acáo sorrateira, aproveitando-se dos poucos instantes
em que nao podía ser controlado por Yale e seu filho!...

O fato é que á p. 174 do mesmo número de «Popular


Photography» se encontra o seguinte repto:

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O FENÓMENO URI GELLER 37

«Um desafio a Uri Geller

Se vocé* é realmente dotado de habilidades psíquicas e


pode, na verdade, reproduzir fotografías com um aparelho de
lente tampada, yocé nada tera a perder se produzir esse feito
sob direta e constante vigilancia. Os editores de Topnlar
Photography' convidam voce a tentar realizar tal facanha
perante urna comissalo de nossa escoma. Por nossa vez, proj>
metemols publicar a historia completa de todo que tiver acón-
tecido».

Ignoramos o resultado desse repto. Talvez tenha ficado


sem resposta. Todavía o fato de que haja sido proposto é
altamente significativo. Os peritos e especialistas julgaram ter
elementos para desafiar Uri Geller.

Nao nos deteremos no relato de episodios semelhantes,


que dáo margem as dúvidas de estudiosos a respeito dos fenó
menos «sobrenaturais» praticados por Geller. O caso deste
jovem israelense, se em parte é claro, fica sendo em parte
sujeito a controversias... É oportuno que o grande público
tenha consciénda disto, a fim de nao se deixar iludir fácil
mente; diz muito sabiamente o antigo adagio latino: «Vulgus
vult decipi. — O povo quer ser iludido».

No próximo artigo de PR (pp. 497-505 deste fascículo)


voltaremos a assunto relacionado com este e apto a projetar
luz ulterior sobre a questáo.

AMIGO(A) 1

SE, POR UM MOTIVO QUALQUER, VOCÉ PUDER ABRIR

MÁO DE ALGUM NÚMERO ATRASADO DE PR, QUEIRA

ENVIA-LO A EDITORA LAUDES (RÚA SAO RAFAEL, 38,

20.000 RIO DE JANEIRO - RJ, 2C-09), POIS A PROCURA £

GRANDE E HA VARIOS NÚMEROS ESGOTADOS.

— 497 —
"Mística" e "Cunda":

discos voadores e literatura


contemporánea

Em sfntese: O artigo comenta a grande onda de livros e panfletos


que atualmente se propagan), recorrendo á ciencia e a mística (subjeti
vamente entendidas) a fim de explicar fatos históricos e, de modo espe
cial, o fenómeno religioso como tal. Tenham-se em vista, entre outros,
os livros de Erich von Dánlken "Eram os deuses astronautas ?" e "De
volta ás estrelas".

O método utilizado pelos autores de tais obras consiste geralmente


em citar tradicdes, lendas ou escritos dos povos antigos, combinando-os
entre si, de modo a provar teses preconcebidas. Tal procedimento, alias,
nSo ó novo: já no século passado Montglave, colaborador da revista
cómica "Charivari", tentou provar que NapoleSo Bonaparte nunca existirá;
o seu nome resultarla da comblnacSo de Apoleon (nome deturpado do
deus mitológico Apolo) e da Bonaparte (reminiscencia da luta do Bem e
do Mal admitida pelos persas). A máe de Napoleüo, Leticia (= Alegría),
sería outra figura alegórica sem realidade histórica.

O método calu em descrédito durante a primeira metade do sé-


culo XX, mas torna á baila em nossos dias, servindo para "provar" que
o Cristianismo ou mesmo a ReligiSo como tal nao é senSo a conseqüén-
cia dos ensinamentos de astronautas que, vindos em discos voadores,
aterrissaram em remotas épocas no nosso planeta.

Quem dá crédito a tais estórias, resultantes da ImaginacSo reves


tida do verniz de "mística" e "ciencia", sujeita-se a acreditar também
que Branca de Nevé velo de outro planeta e enslnou aos nossos Indios
ou aos proto-aztecas doutrinas ocultas e transcendentais reservadas a
fellzes Iniciados !

Comentario: Nos últimos anos tem-se esparso no mer


cado ampia literatura referente a discos voadores e habitantes
de outro mundo que teriam aterrissado, deixando aos homens
mensagens, ensinamentos, poderes" extraordinarios, etc. Te
nham-se em vista, por exemplo, os livros de Erich von Dániken
«Eram os deuses astronautas ?» e «De volta ás estrelas» (livros
que o público brasileiro leu e comentou em grande escala), o
de Puharich referente a Uri Geller, o de A. Rossi intitulado

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DISCOS VOADORES E MÍSTICA 39

«Num disco voador visitei outro planeta» (ed. Nova Era, Sao
Paulo) e outros... — Com tragos mais serios e científicos, mas
orientados em directo semelhante, poder-se-iam citar outros-
sim os livros de Louis Pauwels e Jacques Bergier: «O desper
tar dos mágicos» (Sao Paulo 1968) e sua continuacáo «L'homme
éternel» (Gallimard, París 1970). O grande público se impres-
siona com tais narragóes e as desenvolve acrescentando-lhes
dados da sua própria «experiencia». O fenómeno merece aten-
Cáo e sugere algumas refléxóes que visam a ajudar os leitores
a caracterizar e avaliar um pouco melhor a literatura «mística»
referente aos discos voadores.

1. O fenómeno literario

As obras (livros de grande e pequeño porte, artigos, pan


fletos...) referentes aos discos voadores nao se limitam a
narrar acontecimentos ou pretensos acontecimentos; em muitos
casos, propóem interpretacóes dos mesmos, apelando para a
ciencia e a religiáo ou a mística; assim a astronomía, a antro
pología, a historia universal, a arqueología e também a teo
logía, a historia das religióes sao explanadas a fim de justificar
teorías e deducóes propostas pelos autores de tal literatura.
Toda essa bibliografía procura entrelacar dados de ciencia e
de mística, imprimindo-lhes as características do «maravilhoso»
e do «sensacional»; chega por vezes a abordar os temas mais
dificeis em estilo fantasista. Já se viu, por exemplo, urna obra
que procurava explicar o misterio da SS. Trindade recorrendo
á teoría dos discos voadores : as tres Pessoas divinas seriam
os integrantes da tripulagáo de urna nave espacial cuja missáo
civilizadora teria fracassado junto aos habitantes da térra.
Esses tres astronautas teriam sido convertidos pela imagina-
gáo popular em tres Pessoas divinas, que o Cristianismo
professa.

A dífusáo dessa bibliografía nao se limita apenas a am


bientes de pessoas de modesta cultura; atinge também leitores
de certa posicáo intelectual, atraindo-os pelo fato de mencionar
as pirámides do Egito, a ciencia misteriosa dos faraós, os arqui-
vos da Babilonia, os livros secretos dos tibetanos e também...
a Biblioteca do Vaticano... Esta teria seus depósitos secretos,
de acesso difícil ou mesmo impossível, mas riquíssimos em
informagóes para os estudiosos !... Muitas vezes atribuiu-se
aos visitantes de outros planetas a origem do fenómeno relí-

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40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

gioso na térra: eles teriam sido pregadores talentosos enviados


ao mundo para catequizá-lo; ou — em outra hipótese — eles
teriam parecido táo inteligentes e poderosos que os homens de
épocas remotas os teriam tomado por deuses e lhes haveriam
prestado um culto de adoracáo (tal é, entre outras, a tese de
Erich von Dániken no seu livro «Eram os deuses astronau
tas?»).

A difusáo de tal bibliografia atinge vastas partes do mun


do... Até mesmo a Rússia foi penetrada: houve, sim, sob o
Governo de Nikita Kruschev autores russos que pretenderam
explicar a «ressurreicáo de Cristo» como conseqüéncia da pre-
senca e das atividades de tripulantes de discos voadores na
térra; cíente disto, Kruschev resolveu condenar com severas
penas a quem defendesse tal teoría. O caso repercutiu na im
prensa mundial, embora nao tenha sido levado a serio, mas,
antes, em tom jocoso.

Merece ser citado outrossim o livro honesto e documentado


do escritor franco-russo Constantin de Grünwald : «La vie
religieuse en U.R.S.S.> (Ed. Plon). O autor é historiador de
reconhedda competencia. As pp. 7-11 refere a tese que lhe foi
proposta por um professor agregado de Universidade: o Cris
tianismo, e também o judaismo, se explicariam pela visita da
tripulagáo de um disco voador ao Egito 2.000 anos antes de
Cristo. O professor tentou enquadrar nesta perspectiva as
figuras bíblicas de Enoque e Joáo Batista, dos arcanjos e de
Jesús, a crucifixáo e a ressurreicáo de Cristo, o Apocalipse e
a esperanca da segunda vinda do Senhor. Grünwald considera
que seu interlocutor nao é caso isolado de delirio com manías
anti-religiosas, mas verifica, surpreso, que certos intelectuais
soviéticos se transforman! em exegetas da Biblia e em cultores
da ciencia de ficgáo (ob. cit. p. 11).

Ve-se, pois, que o tema dos discos voadores e das maravi-


lhosas hipóteses que ele sugere, nao é monopolio de alguns
países ocidentais (americanos ou europeus), nem interessa ape
nas a adolescentes sonhadores empolgados por aventuras inter
planeterias; é, antes, um tema de repercussáo mundial, embora
rejeitado por numerosos intelectuais de valor.

Vejamos agora o método aplicado pelos autores de tal lite


ratura para fundamentar suas teses de «mística» e «ciencia».

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DISCOS VOADORES E MÍSTICA 41

2. O método aplicado

1. O método nao é recente, pois já era utilizado no sáculo


passado por autores de obras anti-religiosas. Consiste em adu-
zir o depoimento de testemunhas oculares daquilo que o livro
conta; no caso dos discos voadores, as testemunhas dizem ter
visto baixar urna dessas espago-naves; narram ter estado em
contato com seus tripulantes, ter compreendido (ou, ao menos,
ter julgado compreender) o que estes diziam e, por último, ter
escrito um relato de toda a aventura.

Também pertence á metódica dessa literatura aduzir a


Biblia e outros códigos religiosos, como os da india, oa do Egito
ou ainda lendas gregas e polinésicas, a fim de fundamentar
mais ainda a existencia e as revelacóes de visitantes extra-ter
restres que tenham tocado o nosso planeta em tempos idos e
imprecisos. Um vasto acervo de testemunhos e depoimentos
parece depreender-se de toda a literatura religiosa da anti-
güidade; em virtude do seu estilo arcaico, hermético, exube
rante em figuras e símbolos, tais livros sagrados se prestam
as mais diversas interpretagóes, que muitas vezes consistem
em violentar o texto, visto que os pretensos intérpretes nao
tém o mínimo cuidado em reconstituir a mentalidade e o lin-
guajar dos antigos povos.

E, para que o leitor nao conceba hesitagóes ou dúvidas, os


autores da literatura moderna de ficgáo científico-religiosa
Ihe apontam os «descendentes» daquelas antigás testemunhas,
ou seja, os povos que, em nossa ignorancia de pseudo-dviliza-
dos, chamamos «selvagens»: souberam conservar, embora com
deformagóes inevitáveis, as mensagens trazidas por este ou
aquele astronauta de quatro ou cinco mil anos atrás. Os auto
res recomendam mesmo ao estudioso contemporáneo que, para
tirar as dúvidas e dissipar as suas hesitacóes, se arme de cora-
gem e, com um bom gravador, se vá internar ñas selvas da
Amazonia ou ñas de Borneo ou do Congo africano...; lá há
de ouvir testemunhos que, devidamente despojados de sua
canga místico-religiosa, nos devolvem em sua pureza originaria
as mensagens proferidas por esses remotos viajantes do espago.

Todavia quem leia com espirito objetivo e desprevenido


toda essa bibliografía moderna assim fundamentada sobre de
poimentos dos antigos e dos nossos selvagens, nao pode deixar
de indagar: Quem terá realmente investigado todas essas tra-
digóes oráis e escritas dos habitantes do Egito, do Tibe, da

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42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 203/1976

India, do Próximo Oriente, da África, da Oceania, dos indios


da América, para daí extrair as «revelagóes» feitas por cos
monautas de remotas épocas? Seriam necessárias equipes e
equipes de especialistas em etnología, antropología, historia,
lingüística, literatura..., para pesquisar o enorme acervo cul
tural da humanidade antiga, investigando fontes dos mais di
versos tipos, para daí retirar as recordagóes deformadas, mito-
logizadas que os povos primitivos guardaram de seus visitantes
espaciáis. Ora tais equipes nao existem. As informagóes que
cada autor moderno fornece sobre os povos antigos, sao infor-
magóes que difícilmente podem ser submetidas a controle.

Por conseguinte, o método que consiste em procurar indi


cios de testemunhas oculares das visitas de cosmonautas-civili
zadores entre os relatos que os povos antigos nos deixaram ou
em pretensas tradicóes (que podem ser muito recentes) de
povos primitivos, seria método eficaz táo somerite no caso de
que essa tarefa gigantesca fosse empreendida por especialistas
devidamente organizados... E, mesmo que estes se pusessem
a trabalhar, poderia acontecer que suas pesquisas chegassem
a um ponto morto, impossibilitadas de formular alguma con*-
clusáo definida.

2. Note-se ainda que a tentativa de recorrer a autores


antigos para demonstrar teses modernas foi muito explorada
já no século passado. Nao poucos escritores do século XIX
recorriam a esse método para realizar demonstragóes anti-reli-
giosas ou para mostrar que a religiáo se baseia em lendas e
invengóes mitológicas; assim as verdades do Cristianismo, com
paradas com as proposigóes de Hermes Trismegistos ou de
algum semi-ignorado discípulo de Platáo podiam parecer, sob
a pena erudita e elegante de críticos ateus, como falsificagóes
pueris de antigás crengas greco-romanas ou como «reformula-
goes cristas» de mitos pagaos.

Para se evidenciar quanto esse método é ilusorio e leva a


absurdos, servindo até para provar que a verdade é erro e o
erro é verdade, leve-se em conta a obra de Montglave, cronista
francés, colaborador da revista cómica «Charivari». Este escri
tor, com o pseudónimo burlesco «O defunto J. B. Peres» publi-
cou durante o reinado de Napoleáo m (1852-1870) o livro
intitulado «Demonstragáo de que Napoleáo nunca existiu ou o
Grande Erratum, fonte de número infinito de errata a ser
evidenciado na historia do século XIX». Nessa obra Montglave

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DISCOS VOADORES E MÍSTICA . 43

pretendía provar que Napoleáo I (1804-14) jamáis existirá e


que era táo somente um mito solar!

Tal livro — que tinha apenas 45 páginas — foi resumido


e comentado no n* 109 da revista francesa «Miroir de l'His-
toire»* Janeiro de-1959, -pp. 124s. O resumo deve-se ao histo
riador Jules Bertaut, cujo nome é acatado entre os estudiosos
de língua francesa, visto que se empenha por ser objetivo' ao
apresentar os acontecimentos ocorridos. . .

E qua] o conteúdo da tese de Montglave ou do «Defunto


J. B. Peres» ?

Referindo-se a Hornero e Plutarco, assim como as crencas


e tradicóes persas e egipcias, consegue «demonstrar» que sob
o nome do grande estadista corso (nativo da Córsega) Napo
leáo se oculta de maneira bem dissimulada a forma Apoleon
— forma esta que autores clásshos tém como deformagáo do
nome Apolo.

Note-se que Apolo, na mitología grega, era filho de Júpiter.


Este seduziu Leto, a qual, em conseqüéncia, gerou esse herói.
Distingúiu-se por sua formosura e também por suas faganhas
bélicas; era tido como o deus do Castigo Fulminante, o qual
também podia ocasionar pestes. Como quer que seja, Apolo
representava, para os gregos, o genio artístico, o ideal da ju-
ventude, da beleza e do progresso.

O cognome Bonaparte explicar-se-ia fácilmente a partir


da luta entre o bem e o mal, de que falam exuberantemente
as páginas do Zend Avesta dos persas. Neste contexto a máe
de Napoleáo chamada Leticia (= Alegría, em latim) seria per-
sonagem meramente alegórica (Apolo seria filho da Alegría).
Quanto aos quatro irmáos de Napoleáo, nao seriam senáo as
quatro estacóes do ano (primavera, veráo, outono, invernó).
Em suma, urna serie de novidades estranhas enchia o livro !
Todavía, por mais inverossímeis ou absurdas que fossem, pare-
ciam fundamentadas em demonstrares corretas apoiadas sobre
copiosas e eloqüentes fontes literarias da antigüidade. Quem
lia o escrito de Montglave, ou julgava o autor um louco per-
feito ou dizia trata-se de evidente peca de ilusionismo literario.
Todavía sempre ficava intocável a impressáo de que as de-
monstracóes do Sr. «J. B. Peres» tinham serio aspecto de ver
dades científicas, pois se baseavam em auténticas citacóes dos
autores clássicos mais conhecidos na época, ou seja, em
meados do sáculo XIX.

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44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 203/1976

Foi entáo e em conseqüéncia que se tornou evidente ao


público mais perspicaz que a faina do trabalho de «J. B. Peres» v
nao estava na carencia de leitura e erudicáo, mas, sim, no
método aplicado: manipulando os escritos de autores vene-
ráveis ou as respeitáveis tradicóes dos antigos, pode um hábil
escritor fazer-lhes dizer todo e qualquer disparate que ele
queira; basta escolher os parágrafos ou fragmentos adequados
e dispó-los com arte dialética e sofística para chegar a conclu-
sóes intrisecamente falsas, mas imponentes e aparentemente
verídicas.

A obra de Montglave, pretendendo demonstrar, na base de


assonáncias verbais e falsos silogismos, que Napoleáo I e Apolo
foram um só e mesmo mito, tornou-se famosa e caracterizou o
quanto há de fraco e, ao mesmo tempo, de capcioso no método
em foco. O livro de «J. B. Peres» parecía ser o último da serie
de seus antecedentes, de tal modo se evidenciava quanto o
método era capcioso e engañador.

Todavia os disparates, as aberragóes, como as calúnias e


os erros históricos, tém uma vitalidade extraordinaria; basta
lembrar como a lenda da Papisa Joana ainda hoje encontra
crédito, ou como os «Mónita Secreta» x dos jesuítas sao levados
a serio como se fossem auténticos documentos. É por isto que
em nossos dias o método aplicado por Montglave e outros, que
passaram para o olvido, se torna de novo vivo e presente na
literatura pseudocientifica e pseudo-religiosa. O método, porém,
já nao é aplicado a demonstrar que o Cristianismo nao é senáo
uma nova edigáo de mitos gregos ou persas ou babilónicos ou
egipcios... Ele serve a propósitos mais novos e atuais. Sim ;
um capítulo do Profeta bíblico Daniel comparado com outro
dos Upanishads da india e com os pretensos dizeres inscritos
numa caverna e interpretados pelas tradicóes de uma tribo india
servem para provar que a Religiáo comecou na térra em con
seqüéncia da vinda de astronautas aqui chegados em disco
voador, ... disco este que partiu ninguém sabe bem quando
de um satélite ainda desconhecido da estrela Alfa do Centauro!

Passemos agora a uma

i "Admoesta;Ses Secretas", das quals talaremos em um dos próxi


mos números de PR.

A respeito da "Papisa Joana", veja PR 141/1971, pp. 411-418.

— 504 —
' DISCOS VOADORES E MÍSTICA 45

3. Reflexao final

Em suma, verifica-se hoje em dia que, entre as muitas


idéias e teorías que tém livre tránsito, aparece a tese de que
a Religiáo veio-á Térra a partir de remotos pontos do universo,
trazida por visitantes que tripulavam astronaves em épocas
imprecisas. A difusáo desta tese é bastante ampia, tendo en
contrado eco até mesmo na Rússia Soviética, onde alguns
intelectuais a professaram. Para fundamentar tal teoría, os
autores modernos recorrem a tradieóes, lendas e escritos da
antigüidade hábilmente concatenados e adaptados, método este
que nao lhes é original e que permite demonstrar as mais di
versas aberragóes.

Diante do fato, parece oportuno alertar os leitores de boa


fé, principalmente os jovens, a respeito da «onda» e de seu
procedimento sedutor (... sedutor, porque, em aparéncia, sa
tisfaz aos anseios de ciencia e de mística que caracterizan! o
homem moderno). Quem dá fácil crédito ás historias (estórias)
de astronautasncivilizadores, poderá um dia acreditar em
estórias ainda mais sedutoras e empolgantes: assim, por
exemplo, poderá aceitar que, como se depreende da obra
filosófica «A República» de Platáo, devidamente interpreta
da, Branca de Nevé desceu de um disco voador e ensinou
doutrinas ocultas e transcendentais a um grupo de indios ou
de proto-aztecas, com os quais se encontrou no deserto de
Sonora !...

Este artigo é a adaptado brasllelra do texto original castelhano da


autoría de Pedro Vlllaamil Muñoz publicado com o título "Religión y pseu-
doclencla" na revista "Criterio" n? 1744, 22/VII/76, pp. 397-399.

Estévao Bettencourt O.S.B.

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46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

livros em estante
Teología para o cristSo de hoje. Volunte 3: A Atlanca de Deus com
os homens. Publlcacfio do Instituto Diocesano de Würzburg. Traducáo a
cargo dos professores do Colegio M. Cristo Rei, Sao Leopoldo (RS).
— Ed. Loyola, SSo Paulo 1976, 223 pp. 160x230 mm.

Já apresentamos o vol. I desta colecáo em PR 190/1975, 3? capa,


e o vol. II em PR 196/1976, p. 184. Trata-se de urna obra de valor, e
talvez mais acesslvel ao público do que "Mysterlum Salutis". O presente
tomo abrange as questóes que tocam o conceito de "Allanca" no Antlgo
Testamento (inclusive a formacSo do Canon bíblico é al abordada), o
pecado em sua origem e a prompssa de salvacSo que se Ihe segulu, a
criacBo do mundo na Biblia e na teología, a consumacSo da salvacSo
em Cristo.

Compete-nos chamar a atencáo para dois pontos do livro em foco,


dos quals o segundo é mals Importante do que o primelro:

A p. 17, está dito que "para Jesús e seus. discípulos valla o canon
dos livros sagrados reconhecldo pelos judeus da Palestina". Ora pergun-
tamos se antes do Sínodo judaico de Jámnla (100 d. C. aproximadamente)
já se podia talar proprlamente de canon bíblico no sentido de catálogo
bem delimitado. Nao seria esta urna expressao anacrónica naquela época?
Os judeus utiüzavam na Palestina os seus llvros sagrados sem sentir
necessldade de definir o catálogo respectivo até o momento em que os
escritos bíblicos do Novo Testamento foram lancados ñas comunidades
cristas e judeo-cristás; fol entao que os rabinos, closos de Impedir a
mesclagem dos llvros crlstaos com os livros judeus, deflnlram com exa-
tidSo o seu catálogo bíblico. Esta deflnicSo valeu para os judeus da
Palestina; todavía nao fol adotada pelos de Alexandria. Ao menos, esta
é urna das teses mais aceitas para explicar a dualldade de catálogo
entre os judeus.

As pp 81-87 nos apresentam urna explanacSo de Qn 3. (pecado dos


prlmelros país), que é interessante e fácil. Todavía n6o há mencáo da
chamada "Justlsa original", que, alóm da grapa santificante, compreendla
o dom da Imortalldade (o "poder nBo morrer"). Embora os autores cltem
Rm 5,12ss, nBo expllcitam o estado em que se encontravam os primeiros
homens antes do pecado Inicial. Tal silencio nSo parece levar em conta
a constante doutrina da Tradicfio crista, que admite a justlca original.
Se é verdade que os teólogos até os últimos tempos acentuaran) tatvez
excessivamente os dons pretematurals, nem por isto se deverla silenciar
ao menos o dom da Imortalidade ("poder nSo morrer"), que os primeiros
pais perderam em conseqüóncla do pecado.

Reconhecemos que a doutrina do pecado original é hoje em dia um


ponto nevrálglco na teología. Todavía, visto que o assunto nao é nem
de filosofía nem de arqueología, mas do plano da fó, so pode ser valida
mente explanado se o teólogo leva em conslderacao devlda o que as
lontes da fé (entre outras, o magisterio da Igreja) declaram sobre tal tema.

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LIVROS EM ESTANTE 47

Estas observares nio pretendem depreciar o volume como tal, que


em seu conjunto será multo útil aos estudiosos.

O anuncio de Cristo nos Evangelhos Sinóticos, por Wolfgang Trllllng.


Tradugio de J. Rezende Costa. Colegio "Estudos Bíblicos" n? 7. — Ed.
Paulinas, SSo Paulo 1976, 221 pp. 130x200 mm.

Este llvro constituí algo de original na nossa bibliografía exegétlca.


Aprésenla ao leitor dez passagens do Evangelho analisadas mediante o
instrumental recente oferecido petas escotas modernas da Historia da
Tradlgio, da Historia das Formas e da Historia da RedacSo. Estes mé
todos, aceitos pela exegese católica, permltem tentar penetrar ñas sucessl-
vas carnadas da transmissSo da mensagem de Cristo e asslm entender
melhor o significado do texto sagrado; multas proposites teológicas
dos evangelistas e da Igreja nascente sao asslm postas em evidencia.
Como se compreende, nem todas as conclusSes a que o exegeta chega
por essa via, sSo Indiscutfveis ou Irreformáveis. A exegese trabalha no
setor da análise e da critica literaria, que nio ó o da metafísica ou o
da matemática (cujas conclusdes geralmente gozam de certeza definitiva).

O llvro de Trllllng é rico em textos paralelos aos do Evangelho,


tirados do Antigo Testamento, da literatura rablnlca e dos apócrifos, vi
sando asslm' a apresentar e ilustrar os géneros literarios de cada seccio
evangélica analisada. Além disto, Interessa-se pela catequese, pols, ao
flm de cada capitulo, propOe normas e sugestSes aptas a tornar o texto
evangélico aplicável em aula de nivel elementar, medio e superior.

A p, 203 o autor aborda a questio dos "anjos" ocorrente no Evan


gelho. Serla para desojar al um pouco mals de clareza: os anjos, se
gundo a fé cristS, sio seres reals. W. Trilling nio o nega, mas nao entra
no ámago da questio. O llvro, por sua própria índole, está sujelto a ser
reformulado num ou noutro ponto secundarlo. Os exegetas formulam teses
e expCem-nas aos estudiosos para receber deles sugestfies e observacdes.
Como quer que seja, o llvro de W. Trllllng é precioso: em sua concisfio,
fornece um rico Instrumental aos estudiosos; além do que, assume ppsi-
c8es geratmente bem fundamentadas e enquadradas dentro do pensamento
da Igreja. Destina-se a nfvel medio de leitores.

Eu, Paulo. Vida e doulrlna do apostólo SSo Paulo, por Frederico


Dattler. — Ed. Vozes, Petrópolls 1976, 270 pp. 135x210 mm.

O Pe. Dattler acaba de brindar o público braslleiro com mals um


de seus Interessantes escritos. Desta vez, trata-se de um perfil biográfico
e doutrlnárlo do apostólo dos gentíos ou dequele entre os santos que
mate Influlu na historia do Cristianismo tanto por seu pensamento como
por sua obra. O livro vem preencher urna lacuna na bibliografía brasllelra,
pois esta carecía de um estudo sobre SSo Paulo tfio completo, atualizado
e erudito como este.

Dotado de sadio espirito critico, o Pe. Dattler propfie, na Parte I da


sua obra, a vida do apostólo depreendlda sucesivamente das nove cartas
tldas como genuinamente paulinas, do llvro dos Atos dos Apostólos e das
cartas pastorals. Na!'Parte II aprésenla a análise de cada urna das cartas
paulinas e a slntese dos principáis tópicos da teología do apostólo.

— 507 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 203/1976

Para entender o estudo em foco, o leltor terá conscléncia de que


n3o se deve confundir autoridade canónica ou (ndole inspirada de um
escrito bíblico com autoridade humana do mesmo. Podemos considerar tal
ou tal lívro ou carta como parte integrante da Biblia e, por conseguinte,
como Palavra de Deus, sem que tenhamos certeza a respelto do autor
humano de tal escrito. A questSo do autor pode ser llvremente discutida,
desde que haja suficientes indicios de critica literaria para tanto; o que
nio é Ifcito a um fiel católico, é atribuir tal ou tal escrito bíblico a
época posterior á geracáo apostólica, pois ó com a geracSo apostólica
que se encerra a RevelacSo Crista. O Pe. Dattier, por exemplo, segulndo
alias urna corrente exegética católica, julga terem sido as cartas pastorais
redigidas após a morte do apostólo SSo' Paulo; os nome Paulo, Timoteo
e Tita nSo passarlam de pseudónimos (p. 118). Esta tese é aceitável, de
mals a mais que o Pe. Dattier acata a teología e os dados históricos
contidos nessas cartas. Como se compreende, porém, nio é tese indis-
cutida ; ela se apoia em razóes que merecem atencáo (a imagem da Igreja,
ñas cartas pastorais, ó a de comunidades já bem constituidas ou hlerar-
quizadas — o que supoe época posterior á do apostólo, que faleceu em
67 aproximadamente), mas que podem delxar margem a dúvldas por parte
do estudioso.

Desejamos realgar a metlculosidade e a precls3o com que o autor


se entregou a certas análises de seu livro. Erudito e serio, este é acessfvel
a qualquer leitor de certa cultura, que se deleitará com a manelra suave
e agradável como o Pe. Dattier escreve. É para desejar que nao somente
os fiéis cristáos, mas também os estudiosos em geral se debrucem sobre
a obra do Pe. Dattier, cotejando atentamente o texto bíblico sempre que
citado pelo exegeta (pois asslm é que o leltor se tornará familiar com a
Biblia Sagrada e, em especial, com os escritos paulinos).

Renovar-«e no Espirito, por P.R. Régamey. TraducSo das monjas


beneditinas da Abadía de Santa Maria, Sio Paulo. Colecáo "OracSo e
AcSo", 3? serie. — Ed. Paulinas, S3o Paulo 1976, 329 pp., 110x190 mm.

Este é o terceiro llvro que o Pe. Régamey publica sobre a vida reli
giosa nos últimos anos. Após haver considerado a vida regular através
dos tempos, fixando-se nos seus elementos essenciais e duradouros, o
autor agora examina principalmente os elementos, que dizem respeito á
vida interior do religioso: os dons do Espirito Santo, a conversSo, o
silencio, a solidáo, a oracáo. — O livro é rico nSo somente em perspec
tivas teológicas lúcidas e valiosas, mas também em ponderacoes filosófi
cas nutridas de citacóes de pensadores contemporáneos. O Pe. Régamey
diz ter levado tres anos para escrever este seu llvro, no qual ele cotocou
os resultados de leituras muitos variadas e interessantes. Certamente temos
aquf urna obra que merece atencSo carlnhosa da parte dos Religiosos e,
— por que nSo o dizer ? — ... dos lelgos, visto que a vocacáo a
santidade é a mesma para todos e utiliza sempre alguns recursos Indls-
pensáveis: oracSo, conversSo de vida, docilidade ao Espirito Santo...

B.B.

— 508
CARO LEITOR,

>. • COMO PRESENTE DE NATAL, Di UMA ASSI-

' NATURA DE "PERGUNTE E RESPONDEREMOS".

ASSIM VOCÉ SE FARA PRESENTE AOS SEUS

FAMILIARES E AMIGOS TODOS OS MESES DO

ANO E ESTARA CERTO DE HAVER DADO ALGO

DE ÚTIL

OFERECER IDÉIAS E PERSPECTIVAS É ATIN

GIR A PESSOA HUMANA NO QUE ELA TEM DE

MAIS TÍPICO E NOBRE.

SEJA UM CONSTRUTOR DA NOSSA SOCIE-

DADE NESTE PRÓXIMO NATAL!


FILHO DE REÍ

SENHOR,

NAO HA ESBANJAMENTO NA CRIAQAO ?

OS FRUTOS NAO COMPENSAM

O DESPERDICIO DAS SEMENTES.

AS FONTES ESPALHAM EXCESSOS DE AGUA.

O SOL DERRAMA DILUVIOS DE LUZ.

QUE A TUA MAGNANIMIDADE

ME ENSINE A GRANDEZA DE ALMA 1

QUE A TUA MAGNIFICENCIA

ME LIVRE DE SER PEQUENINO I

QUE, VENDO-TE PRÓDIGO, GENEROSO E BOM,

EU DÉ SEM CONTAR, t»

SEM MEDIR,

COMO FILHO DE REÍ,

COMO FILHO DE DEUS !

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