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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarñ)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
W_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleza
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confisca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
reme

<:l
MFRENTE
..£■■!■

■■ i. n
índice
pág.

PESSIMISMO OU OTIMISMO ? 49

Unía aspIracSo ecuménica:


DATA DE PASCOA COMUM PARA TODOS OS CRISTAOS E... FIXA? 51

Urna nova edlcSo da Biblia:


"O MAIS IMPORTANTE É O AMOR" 63

Mals um Credo religioso oriental:


A CRENCA BAHA'I 70

Llvro de renome:
"CARTAS DiA PRISAO" (Freí Betto) 82

Um documento candente: ■
O CONFRONTO ENTRE CATÓLICOS E COMUNISTAS NA ITALIA .. 86

A IV SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA ".'. 92

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

«Jesús», por J. E. M. Térra S.J. — «Cristaos para o Socialismo. —


Meditacao Transcendental. .,

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS v

Assinatura anual Cr$ 100,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 10,00

REDAgAO DE PR ADMINISTRAgAO
Llvraria Mlssionárla Editora
CaiOT Postal 2.666 Rúa México, 168-B (Castelo)
ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tel. : 224-0059
PESSIMISMO OU OTIMISMO ?
Em todo inicio de ano, costumam-se ouvir prognósticos
a respeito do que será o ano entrante. Essas «profecías» par-
tem nao só de astrólogos e videntes, mas também de pensa
dores abalizados. Ora a tónica das previsóes tem sido som
bría, fazendo eco a já volumosa bibliografía de futurólogos,
que em seus escritos antevéem os próximos anos ou dece
nios. Nao poucas sao as causas de «estrangulamento» levan
tadas pelos estudiosos: a poluicáo crescente dos meios am
bientes (cidades, mares, ríos...), o progressivo exaurimento
das materias-primas (entre as quais o petróleo e a madeira),
o impasse do sistema monetario internacional, a radicaliza-
cáo das oposicóes ideológicas, o crescente empobredmento
das massas subdesenvolvidas, a inaudita prosperidade das
industrias de armamentos e de drogas, a ineficacia do con
trole internacional que preservaría da deflagracáo de guer
ras, a explosáo demográfica nos continentes do Terceiro
Mundo e ainda as rivalidades e lutas entre os homens, que
impedem a colaboragáo na procura de dissipar as ameagas
do porvir. Quem lé a literatura futuróloga, que por seus
volumes e sua qualidade se vai impondo cada vez mais, nao
pode deixar de ser levado, em primeira reagáo, ao 'pessi1
mismo: dois tercos de cada livro apresentam prospectivas
sombrías, as quais se seguem páginas de esperanga,... espe-
ranga, porém, condicionada por tantas variáveis que ela
parece utópica ou nao passível de realizágáo. Dir-se-ia que a
humanidade vai caminhando incoercivelmente para a sua
autodestruigáo; embora se percebam os fatores determinan
tes desse quadro, nao se vé como debelá-los, pois constituem
um emaranhado ou labirinto inextricável.
Procurando refletir de maneira objetiva e serena sobre
a situagáo, perguntamo-nos: que dizer a propósito?
1) Sejamos realistas e sinceros. Nao é sem funda
mento sólido que os autores alardeiam os povos contemporá
neos. Talvez mesmo se possa dizer que, humanamente fa-
lando, nao há solugáo ou saída á vista.
Nao obstante, o cristáo ainda tem urna palavra a pro
ferir. Nao pretende afirmar que possui o segredo mágico
para transformar a historia e desviar o curso da mesma.
Mas ele leva em conta um dado novo no equacionamento da
problemática: o que é impossivel aos homens, é sempre pos-
sível a Deus... Eis, pois, como se colocaría o problema mima
perspectiva crista: •
— os males que ameagam a humanidade de nossos tem-
pos, tém a sua raiz nao tanto no meio ambiente (poluic&o

— 49 —
ecológica, esgotamento dos recursos naturais.. .)• mas, sim,
antes do mais, no próprio homem. No necessário confronto
entre o homem e o ambiente, deve-se dizer categóricamente
que ao homem toca urna primazia de excelencia e dignidade.
Embora em alguns casos o ambiente faca o homem, via de
regra é o homem quem faz o ambiente; sao os homens os
responsáveis pelo meio vivencial: «Nos somos os tempos,
dizia S. Agostinho. Quais formos nos, tais seráo os tempos».
Um grupo de homens penetrados de odio constituí um am
biente infernal, como também um núcleo de pessoas impreg
nadas de amor á verdade e ao bem dá origem a um am
biente de construgáo e auto-realizagáo. O centro da situagáo
de impasse, portante, é o homem, e nao as coisas.
2) Assim colocado o problema, reconhegamos que nao
parece haver escola, filosofía ou ciencia que possa sanar o
homem: o desenfreio das páixóes, o egoísmo, a cobiga, os
ressentimentos acumulados sao tais que parece simplório
esperar a renovagáo da humanidade a partir da mesma. O
impasse só encontrará solugáo na irrupgáo de valor novo,
transcendental, ou do Senhor Deus, na historia dos homens.
Alias, dizia muito apropriadamente Gabriel Marcel que o
homem nao é problema, mas é misterio. Sim, enquanto o
problema tem a solugáo no reto equacionamento dos seus
componentes, o misterio tem solugáo fora de si; ora é esta
segunda perspectiva que caracteriza o homem.
Vé-se assim que a angustia da humanidade contemporá
nea nao está fadada ao desespero. Existe no horizonte um
aceno de esperanga e otimismo. Este, porém, só será efi
ciente se os homens lhe abrirem os olhos e se decidirem a
urna conversáo.
Embora esta afirmativa possa provocar um sorriso de
descrédito, ela se torna, para o cristáo ou para o homem de
fé, um auténtico programa... Programa que cada discípulo
de Cristo há de executar em sua própria vida, a fim de que,
por ondas concéntricas, a mensagem da Boa-Nova vá criando
novos ambientes nos lares, ñas oficinas, nos escritorios, ñas
escolas, nos clubes... Ademáis o cristáo está consciente de
que o Senhor Deus se serve de todo esforgo sincero, por
mais insignificante que parega, para transformar o mundo;
Ele sabe multiplicar o valor das pequeñas coisas (gestos e
atitudes), dando-lhes eficiencia que ultrapassa a da labuta
humana.
É, pois, esta a hora importante e decisiva dos cristáos,
aos quais os sinais dos tempos pedem pungentemente que
sejam nao mais, nao menos do que auténticos cristáos!

._ 50 —
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIX — N' 218 — Fevereiro de 1978

Urna aspiracao ecuménica:

data de páscoa comum para todos os


cristáos e... fixa ?
Em síntese: Os textos bíblicos que Instltuem a festa de Páscoa
(Lv 23,5-8; Dt 16, 1...), associam a data de sua celebragáo as fases da
Lua. É o que explica tenha havido constantes divergencias entre judeus e
cristáos asslm como entre os próprios crlstáos, a respeito da maneira de
computar a data dessa solenidade. O Concflio de Nlcéia I (325) determinou
que Páscoa. fosse celebrada no- domingo após a primeira Lua chela subse-
qüente ao equinócio da primavera. A determlnacáo astronómica desse do
mingo supunha conhecimentos científicos que varlavam no Ocidente e no
Oriente... No século VIII, chegou finalmente a haver unanlmidade entre
cristSos orientáis e ocidentais a respeito dessa computacao. Todavía em
1582 o Papa Gregorio XIII reformou o Calendario juliano, que implicava a
defasagem de dez dias entre o ano civil e o astronómico. Tal reforma nao
foi aceita pelos orientáis ortodoxos, que se havlam separado da unldade
da Igreja em 1054. No sécula XX, as nacdes de fé ortodoxa reconheceram
finalmente a validade da reforma gregoriana, mas continuaram a celebrar
Páscoa segundo o cómputo pré-gregoriano. é o que acarreta até hoje dlfe-
rengas entre católicos e ortodoxos quanto á data daquela solenidade.

O S. Padre Paulo Vi, atendendo a anseios dos blspos e fiéis do


Ocidente, tem proposto aos cristáos ortodoxos urna revIsSo do calendarlo
pascal, de modo mesmo a fixar a data de Páscoa em determinado domingo
do mes de abril. Da parte de varios ambientes nSo católicos, a propbsicSo
foi acolhida com slmpatia; encontra, porém, resistencia seria por parte de
certas comunidades ortodoxas muilo ciosas de suas tradicoes.

Como quer que seja, a unidade do calendario pascal nfio é essencial


á unldade de fé e de comunhSo entre os crlstáos (nfio a houve, alias, antes
do século VIII), embora seja um valor apreciável e desejável.

Comentario: Sabe-se que a data da solenidade de Pás


coa, baseada em indicagóes bíblicas, nao é igualmente cal
culada por todos os cristáos, de modo que católicos e orto
doxos orientáis celebram aquela festa em dias diversos. Além

— 51 —
«PERCUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

disto, os textos bíblicos fazem de Páscoa uma festa móvel.


Ora vém tomando vulto entre os cristáos dos últimos dece
nios duas aspiragóes: 1) haja um só modo de calcular a data
de Páscoa; 2) muilos daqueles que desejam essa unidade, apre-
goam seja determinado domingo do ano (como o domingo
após o segundo sábado de abril) escolhido para tal cele-
bracáo.

Visto que o interesse pela questáo vem aumentando,


proporemos abaixo: 1) breve histórico do problema; 2) situa-
gáo presente; 3) um olhar sobre o Oriente cristáo hoje.

1. Breve histórico

Mandava a Lei de Moisés que todos os anos os judeus


celebrassem a sua Páscoa a 14 de Abib (mais tarde, Nisá),
que era o primeiro mes do ano (supondo-se que o ano come-
easse com a primavera); Abib ou Nisá correspondía, pois, a
margo-abril. O 14" día era o da Lúa cheia. Nessa data, os
israelitas imolavam o cordeiro pascal á tardinha, e o comiam
após o por do sol. Já que os judeus contavam os dias de
ocaso a ocaso, com o ocaso comee.avu novo dia; era, pois,
ñas primeiras horas de 15 de Nisá que os filhos de Israel
consumiam o cordeiro pascal.

No dia 15 de Nisá comeoava também a festa dos Ázi


mos, que durava sete dias; nessa ocasiáo nao devia ficar ñas
casas parcela alguma de pao levedado e de fermento.

"No primeiro mes, no décimo quarto dia, pela tarde oferecereis a


Páscoa ao Senhor. E no día décimo quinto desse mes terá lugar a testa
dos Ázimos em honra do Senhor; durante tele dias comeréis ázimos. O
prlmelro dia será para vos de santa convocacáo. Nao taréis nenhum tra-
balho servil. Oferecereis ao Senhor um sacrificio pelo fogo durante sete
dias seguidos. No sétimo día haverá convocacáo santa. Nao fareis nenhum
trabalho servil" (Lv 23, 5-8).

"No mes de Abib cuida de celebrar a Páscoa em honra do Senhor


teu Deus, porque foi no mes de Abib que o Senhor leu Deus te fez sair do
Eglto durante a nolle" (Dt 16,1). .

Jesús Cristo, na sua última ceia, observou o ritual de


Páscoa dos judeus, dando-lhe, porém, um conteúdo novo.
Assim a Páscoa judaica se consumou na Páscoa de Cristo e
dos cristáos... E tíos cristáos, sim, pois o Senhor Jesús
inandou que seus discípulos continuassem a celebrar a Pás-

— 52 —
A DATA DA PÁSCOA

coa, fazendo o que Ele fizera na última ceia (cf. Le 22,19;


ICor ll,24s).

Por conseguinte, a data da Páscoa crista, desde os pri


mordios da Igreja, foi sendo estipulada segundo os criterios
do texto bíblico. Em linguagem moderna, dir-se-ia: ...era
funeáo da primavera (no hemisferio Norte), ou seja, a partir
de 21 de margo. Em Roma, porém, no resto do Ocidente,
como em numerosas regióes orientáis, os cristáos houveram
por bem deslocar a Páscoa para o domingo que se seguisse
¡mediatamente a 14 de Nisá ou a primeira Lúa cheia da pri
mavera. A razáo disto é que Cristo ressuscitou no domingo,
lendo morrido na sexta-feira e passado o sábado no sepulcro.
O domingo é, pois, o día, por excelencia, do Senhor, ao passo
que 14 de Nisá se tornou propiciamente o dia da imola^áo
do Cristo.

Ña Igreja antiga, porém, registrou-se uma controversia


a respeito da data de Páscoa. Com efeito, na Asia procon-
sular ou Asia Menor, os fiéis nos séc. I e II celebravarr. Pás
coa precisamente a 14 de Nisá, ou seja, na Lúa cheia, inde-
pendentemente do dia da semana em que caisse. Essa praxe
foi chamada quartodecimanismo. Tinha sua justificativa no
fato de que a morte de Cristo foi o inicio da vitória sobre o
pecado e a morte; o misterio de Páscoa contém tanto a rea-
lidade do Calvario como a do sepulcro vazio. Todavia a praxe
singular dos fiéis da Asia Menor causava mal-estar entre os
cristáos de outras regióes, pois patenteava divisáo (embora
acidental)! em torno de uma celebragáo muito cara á S. Igreja.
A situacáo se tornou assaz grave; todavia, por intervengo
do Papa Vítor (189-198), os orientáis, com poucas excegóes,
foram abandonando o seu costume particular.

Em 325, o Concilio de Nicéia I tentou eliminar os últi


mos resquicios do quartodecimanismo, estabelecendo solene-
mente que Páscoa fosse celebrada no domingo que se seguisse
á primeira Lúa cheia após o inicio da primavera.

Embora esta determinagáo do Concilio de Nicéia parega


simples, é na verdade assaz complexa, porque se baseia sobre
tres sistemas de calcular o tempo independentes uns dos
outros:

— 53 —
Ü vPKRÜUNTK E RESPONDEREMOS 218/1Ü78

— o ano solar, em fungáo do qual se calcula o equinó-


cio' da primavera;

— o ciclo lunar, do qual depende a indicagáo da primeira


Lúa cheia após o equinócio;

— o ciclo semanal, dentro do qual se sitúa o primeiro


domingo após a Lúa cheia.

Ora na antigüidade os conhecimentos astronómicos eram


assaz falhos — o que ocasionava divergencias no tocante á
indicagáo do dia concreto em que se celebraría a Páscoa.
— Em algumas regióes, os cristáos, desinteressando-se de
chegar a resultados astronómicos precisos, adotaram por re-
gra celebrar a sua Páscoa no domingo que se seguisse á Pás
coa judaica (bastava-lhes, pois, informar-se a respeito do dia
de celebragáo da Páscoa israelita). Todavía o calendario
judaico, no caso, se baseava sobre o ano lunar, que tinha 354
días apenas, intercalando um mes de tres em tres anos. Em
conseqüéncia, acontecía que certos cristáos celebrassem Pás
coa antes do equinócio da primavera...

Outras comunidades cristas adotavam criterios preten


samente científicos para seguir as indicagóes bíblicas relati
vas á Páscoa. Contudo, no tocante ao equinócio da prima
vera, havia diversos modos de computá-lo. O Calendario
juliano, por exemplo, admitía o ano solar alongado de onze
minutos e quatorze segundos, e registrava o equinócio da
primavera a 25 de margo3. Eis, porém, que, sem abandonar
o Calendario juliano, os cristáos tentavam calcular mais pre
cisamente o equinócio: no século IV, este era fixado aos 22
(posteriormente foi fixado aos 21) de margo pelos alexan-
drinos no Egito, ao passo que em Roma era registrado aos
25 de margo ou também, em época posterior, aos 18 de margo.
Esta divergencia fez que em 387 os romanos tenham cele
brado Páscoa aos 21. de margo, enquanto os alexandrinos a

1 Equinócio (do latim aequlnoctiu) é o ponto do ano solar (ou da


órbita da térra) em que se registra igual duracáo do dia e da noite — o
que sucede nos dias 21 de margo e 23 de setembro.

2Sabe-se que o Imperador Julio César (101-44 a.C), apoiado pelo


astrónomo egipcio Sosígenes, resolveu reformar o precario calendario ado
tado em Roma. Atribuia alternadamente aos meses do ano a durando de
30 ou 31 dias, Meando fevereiro com 28 dias apenas. De quatro em quatro
anos acrescentar-se-ia um dia ao mes de fevereiro. A reforma foi introdu-
zfda no ano de 45 a. C, que se tornou ano bissexto.

54
A DATA DA PÁSCOA

festejaram cinco semanas depois, ou seja, aos 25 de abril.


O Imperador Teodósio, diante do fato, tentou unificar a data
de Páscoa, pedindo ao bispo Teófilo de Alexandria que pro-
curasse elaborar um calendario homogéneo para o Oriente e
o Ocidente, a fim de evitar a confusáo entre os fiéis. Teófilo
tentou cumprir a sua missáo estabelecendo as datas de Pás
coa para os cem anos subseqüentes ao primeiro consulado de
Teodósio (380); apresentou esse trabalho ao Imperador como
obra de conciliafiáo. Todavia Teófilo supunha que Jesús fora
crucificado aos 15 de Nisá (como os sinóticos insinuam), e
nao aos 14 de Nisá (como Sao Joáo insinúa) K Além disto,
adotava urna norma que nem todos os cristáos aceitavam, a
saber: quando a Lúa cheia cai em domingo, a Páscoa há de
ser celebrada no domingo seguinte.

No sáculo V, os romanos tinham por certo que a Pás


coa nao deveria ser celebrada antes de 22 de margo nem
depois de 21 de abril, segundo a maneira habitual de calcular
os tempos em Roma. Aconteceu, porém, que em 444 os ale-
xandrinos estavam para celebrar a Páscoa aos 23 de abril,
ao passo que os romanos a festejariam aos 26 de margo.
Diante desta disparidade, o Papa Sao Leáo Magno consultou
Sao Cirilo, bispo de Alexandria, sobre a data exata da cele-
bragáo, obtendo a confirmacáo da data de 23 de abril. Como
Sao Leáo conservasse as suas dúvidas, houve por bem con
sultar o bispo Pascasino de Lilibéia, que Ihe exp6s os moti
vos pelos quais naquele ano nao se poderia celebrar a
Páscoa antes de 23 de abril... O Papa resolveu aceitar o
cómputo alexandrino, de tal modo que em 444 Páscoa foi,
pela primeira vez, celebrada em Roma aos 23 de abril.

Em 455 nova dificuldade surgiu. O calendario alexan


drino assinalava Páscoa aos 24 de abril, ao passo que o
romano aos 17 do mesmo. O Papa Sao Leáo Magno escre-
veu a propósito ao Imperador Marciano pédindo-lhe mandasse
realizar pesquisas apuradas sobre a verdadeira data de Pás
coa naquele ano. Os alexandrinos, porém, insistiram em que

M divergencia entre os SInótIcos e Sfio JoSo pode-se explicar pela


hloótese provável de que os Judeus Imolavam o cordelro de Páscoa durante
dols días (14 e 15 de Nlsfi), dado o grande afluxo de peregrinos em Jeru-
palém por ocasifio daquela solenldade. Os sinóticos suporiam a morte de
Jesús a 15 de NIsS, ao passo aue S. JoSo preferiu enfatizar o aspecto de
aue Jesús morreu como verdadelro Cordeiro pascal: por conseaulnte, morreu
auando os Judeus Imolavam o cordeiro ritual no Temólo. — Hé outras sen-
tencas plauslveis para explicar a divergencia entre Sfio JoSo e os SInótIcos
neste ponto.

— 55 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

era reaimente o dia 24 de abril, de tal sorte que o Papa


acabou aceitando a tese alexandrina, embora nao estivesse
convencido do alvitre (importava-lhe mais cultivar a unidade
entre os cristáos): «... Nao por causa da evidencia dos argu
mentos, mas porque o culto da unidade que muito estimamos,
no-lo incute», dizia Sao Leáo Magno ao explicar a sua atitude
(PL 54, 1101).

No sáculo VI, o monge Dionisio o Pequeño, de origem


oriental, mas residente em Roma, obteve grandes méritos
pela sua tentativa de conciliar os criterios alexandrinos e os
romanos referentes á celebragáo da Páscoa. Propós um cál
culo que correspondía ao de Alexandria, mas que, por estar
claramente fundamentado, logrou a aceitacáo de toda a Ita
lia; a tabela de Páscoa de Dionisio se estendia do ano 513 ao
ano 626; todavía podia ser fácilmente continuada.

A proposicáo de Dionisio deveria, com o tempo, conciliar


orientáis e oddentais no tocante á data de celebragáo da Pás
coa. Dissipadas aos poucos as dúvidas ocasionadas pelas con-
digóes precarias da ciencia astronómica e dos meios de comuni-
cagáo, no sáculo VIII os cristáos comegaram a seguir uma nor
ma única para a celebragáo de Páscoa. Tal norma vinha a ser
a aplicagáo concreta da determinagáo do Concilio de Nicéia I
e se resumía nos seguintes termos: Páscoa deverá anualmente
cair no domingo que se segué ao 14' dia da Lúa do equi-
nócio da primavera, ou seja aínda, no domingo que se segué
a Lúa cheia posterior a 21 de margo.

A unidade assim obtida a tanto custo nao haveria de


durar muitos séculos... Com efeito, em 1582 o Papa Gre
gorio XIII verificou a grande diferenga existente entre a
computagáo do ano astronómico e a do ano civil — o que
decorria do fato de que o ano civil seguia o calendario juliano.
Com efeito, sabe-se que o ano astronómico conta 365 dias,
5 horas, 48 minutos e 46 segundos, ao passo que o ano juliano
365 dias e 6 horas. Ora onze minutos e quatorze segundos
a mais em cada ano perfazem um dia de 24 horas de 128 em
128 anos. Em 1582, o eauinócio da primavera (que no tempo
de Julio César caia a 25 de margo e no tempo do Concilio
de Nicéia I, 325, caia a 21 de marco) foi registrado aos 11
de marco; sendo assim, a festa de Páscoa ia recuando cada
vez mais a sua data. Popularmente dizia-se que a festa de
Sao Barnabé (11 de junho) assinalava «o dia mais longo e
a noite mais curta» do ano, querendo-se com isto insinuar o

— 56 —
A DATA DA PASCOA

solsticio do veráo (que na realidade cai aos 22/23 de junho).


Os astrónomos, desde fins da Idade Media, pédiam aos Papas
que interviessem na questáo para impedir o anacronismo do
calendario eclesiástico ou das festas movéis cristas. O sabio
Pedro d'Ailly no Concilio de Constanga (1414-1418) e o Car-
deal Nicolau de Cusa no de Basiléia (1431-1437) fizeram
relatórios sobre o problema do calendario civil... Finalmente,
o Concilio de Trento (1545-1563) solicitou ao Pontífice a
reforma do Calendario; em conseqüéncia, Gregorio Xm resol-
veu dedicar-se a essa tarefa, recorrendo aos prestimos dos
dentistas Clávio, alemáo, Chacón, matemático espanhol, e
Lélio, calabrés; após os devidos estudos, o Papa houve por
bem sancionar o alvitre dos consultores, a saber: suprimir-
-se-iam tres días bissextos de quatro em quatro sáculos, ou
melhor, dos anos centenarios cujos dois primeiros algarismos
nao formassem um múltiplo de quatro; por conseguinte, 1600
seria ano bissexto, nao, porém, 1700, 1800 e 1900 (visto que
17, 18 e 19 nao sao divisíveis por 4), ao passo que 2000 será
ano bissexto. Antes, porém, de aplicar tal norma, era pre
ciso que os equinócios fossem colocados em datas tao próxi
mas quanto possível da verdade astronómica. Os sabios esco-
Iheram entáo o dia 21 de marco como dia do equinócio. Isto
implicou outra medida «revolucionaria»: seria preciso supri
mir dez dias do calendario... O Papa Gregorio xm decidiu
pmpreendé-lo mediante urna Bula datada de 24 de fevereiro
de 1582: esta determinava que o dia 4 de outubro seria
seguido mediatamente de 15 de outubro, de tal modo que
Santa Teresa, tendo morrido aos 4 de outubro de 1582, foi
sepultada no dia seguinte, isto é, aos 15 de outubro de 1582.

Os países ■ católicos aderiram, dentro do prazo de cinco


anos, á reforma de Gregorio XTtl. As naqóes protestantes
hesitaram até o século XVIII, pois, como dizia Voltaire, «pre-
feriam discordar do sol a concordar com Roma»; em 1778
foram dissipados os últimos resquicios do calendario juliano
na Alemanha.

O Oriente cristáo ortodoxo,1 embora sentisse a defasa-


gem do ano civil e do ano astronómico, recusou-se perempto-
riamente a aceitar a reforma gregoriana, como se fosse heré
tica e contraria ao Concilio de Nicéia. Quando no século XX

1 "Crlstfios ortodoxos" sSo os oue nfio aderiram ás hereslas de Nes-


tórlo, Éutiques e outros heresiarcas dos séculos V/Vtl, mas Infelizmente se
separaren? da unldade da lgre}a sob o Patriarca Miguel Ce rularlo de Cons-
tantinopla em 1054.

57
_10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

os Governos da Bulgaria, da Iugoslávia, da Grecia, da Tur


quía e outros adotaram a reforma gregoriana no foro civil,
as autoridades eclesiásticas daqueles países reunidas em Cons-
tantinopla (Istambul) no ano de 1923 houveram por bem
adaptar seu calendario as normas gregorianas, mas conser-
varam para a festa de Páscoa os seus antigos modos de
computar. O calendádio assim concebido foi chamado «calen
dario juliano reformado», proyavelmente para se evitar a
aparéncia de adesáo á cronología de Roma.

Eis, porém, que até mesmo o «calendario juliano refor


mado» encontrou resistencia por parte dos monges orientáis
ortodoxos, que exercem grande influencia sobre a piedade
popular oriental. Por conseguinte, na Rússia a reforma de
1923 nao foi aceita; na Roménia e na Grecia, apareceram
grupos cismáticos ditos «paleoimerologítas», ou seja, segui
dores do antigo calendario. A conseqüéncia é que atualmente
no ámbito mesmo da Ortodoxia há diversos calendarios; ape
nas a fésta de Páscoa é celebrada por todos na mesma data,
ou seja, segundo a computacáo pré-gregoriana ou niceno-ale-
xandrina. Ora observa-se que em nossos dias o cálculo das
fases da Lúa, segundo o calendario alexandrino, está atrasado
de cinco dias em relagáo á realidade astronómica.

Passemos agora a sumario exame da situagáo presente


da questáo, como ela se póe no plano ecuménico.

2. A sftuasáo presente

Já em 1918, por ocasiáo da reforma da Liturgia romana,


fez-se ouvir entre os católicos o desejo de chegar a urna
data única e fixa da celebragáo de Páscoa. Durante o Con
cilio do Vaticano II a tese foi de novo proferida e estudada.
A partir de 1964, o S. Padre Paulo VI encarre.gou o Secre
tariado Romano para a Uniáo dos Cristáos de estabelecer os
contatos necessários com o Conselho Mundial das Igrejas * a
fim de sondar a opiniáo dos cristáos nao católicos a respeito.
Em 1970 registrou-se importante encontró de católicos, orto
doxos, anglicanos e protestantes para estudarem a questáo.

Urna vez terminada a fase consultiva, o S. Padre proce-


deu a nova etapa, que seria a das propostas concretas a

lAssembléla que reúne cristáos protestantes e ortodoxos de diversas


denominares.

— 58 —
A DATA DA PÁSCOA 11

serem feitas pelo Secretariado para a Uniáo dos Cristáos aos


chefes de comunidades cristas nao católicas. Era especial
mente considerado o fato de que, em 1977, a Páscoa seria
celebrada por todos os cristáos (ocidentais e orientáis) preci
samente no mesmo dia 10 de abril; pensavam muitos católi
cos e nao católicos em fazer desse marco o ponto de partida
de nova computagáo de Páscoa unánimemente admitida por
todos os cristáos. Por conseguinte, novas conversagóes tive-
ram lugar entre Roma e o Conselho Mundial das Igrejas, o
qual, por sua vez, intensificou a análise da questáo entre as
comunidades eclesiais a ele filiadas.

Aos 18 de maio de 1975, o Cardeal Ian Willebrands,


escreveu carta as Conferencias Episcopais católicas do mundo
inteiro, relatando-lhes o curso dos acontecimientos. Entre
outros dados, afirmava:

"Nao tenclonamos sufocar urna tradicáo mediante oulra tradlcfio. Ao


contrario, desojamos chegar á expressáo de um acordó ao qual nos levarla
o Espirito Santo em obediencia 6 intenc&o dos bispos do prlmelro Concillo
Ecuménico1, que procuravam principalmente a unidade de todos na cele-
bracáo da RessurrelcSo do Senhor...

Além disto, pedimos ás Igrejas que tenham dlficuldades para aceitar


a nossa proposta de unidade, quelram indicar-nos se serlam contrarias a
que a Igreja Católica flxe a celebracSo da festa de Páscoa no domingo
sucessivo ao segundo sábado de abril, no caso em que a malorla das
Igrejas seja favorável á adocSo de tal data".

As propostas do Cardeal Willebrands encontraran! eco


benévolo da parte de comunidades protestantes, como seja a
Conferencia Litúrgica Luterana. Quanto ás ortodoxas, algu-
mas preferiram aguardar; todas manifestaram o desejo de
chegar a urna decisáo coletiva, evitando atitudes isoladas.
Propuseram, alias, inserir a questáo da data de Páscoa na
temática a ser estudada pelo Concilio Pan-ortodoxo que está
em fase de preparagáo para se realizar nos próximos anos.

Assim foi diferida a perspectiva de acordó,... perspec


tiva que o Cardeal Willebrands formulava aos 4 de maio do
1975 em carta dirigida -ás Igrejas Orientáis, que naquele ano
celebravam Páscoa cinco semanas depois dos católicos:

"Apraz-nos esperar que em próximo futuro possamos todos juntos


encontrar as vías para um consentlmento comum, no Oriente e no Ocldente,
a respelto de urna mesma data na qual celebraremos, a urna só voz, a

> Concillo de Nicéla I (325).

— 59 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

Páscoa do Senhor. Assim a nossa (é comum adquirirá também a sua ex-


pressáo comum, slnal daquela unldade plena que as Igrejas do Ocldente
e do Oriente desejam ardentemente realizar em obediencia á vontade do
Senhor" ("Radloglornale Vaticano", 4/06/1975).

Urna vez dissipada a perspectiva de acordó a partir de


10 de abril de 1977, o Cardeal Willebrands, aos 15/03/1977,
houve por bem informar mais urna vez as Conferencias Epis-
copais sobre o andamento da questáo; depois de haver agra
decido as observagóes e sugestóes que recebera a propósito,
o missivista propós a seguinte conclusáo:

"As reacóes das Igrejas e comunidades de tradicáo ocidental foram


quase unánimemente favorávels ao projeto. Todas, porém, acentuaran! a
necessidade de que nenhuma mudanca se (izesse sem consulta previa as
Ig rejas do Oriente e sem o acordó das mesmas.

As Igrejas Ortodoxas estudaram seriamente a proposta. Exprlmlram


publicamente o seu desejo de que todos os crlstSos celebrem juntos a
testa de Páscoa. Todavía, por causa das serias dlflculdades pastorals exis
tentes no selo de algumas Igrejas, estas estSo convictas de que necessitam
de ulteriores. estudos e reflexSes antes de se pronunciar definitivamente.
Tais estudos estSo em curso, mas é claro que nao se poderá tomar declsfio
alguma em futuro próximo. Além disto, parece claro que, se as Igrejas e
comunidades ecleslals de tradlcfio ocidental decidlssem agora realizar o
projeto, tal declsáo nao contribuiría para aproximar-nos do nosso objetivo,
a saber: a celebracSo do misterio central da nossa fé na mesma data por
parte de todos os crlstaos.

Em tais circunstancias, o S. Padre |ulgpu n&o estar a situacáo suficien


temente amadureclda para que a Igreja Católica Romana mude os criterios
atuaimente adotados para calcular a data de Páscoa. Flca assim postergado
o intento de fixar, a partir de 1978, esta fasta em determinado domingo do
mano", 2-3/05/1977).

O Cardeal Willebrands concluía:

"Apesar de tudo, tendo em vista as respostas dadas á nossa proposta


de 1975, estamos convictos de que o mundo cristSo, como tal, está decidido
a chegar quanto antes a urna solucáo do problema" ("L'Osservatore Ro
mano", 2-3/05/1977).

As dificuldades que a questáo encontra, devem-se geral-


mente á incompreensáo dos cristáos (católicos e, principal
mente, ortodoxos) que, se de um lado se mostram muito fer
vorosos, doutro lado pouco aptos estáo para distinguir o essen-
cial e o aqidental na mensagem teológica do Cristianismo. É
notorio que entre católicos ocorre o fenómeno do tradiciona
lismo, que nao aceita o diálogo. Entre os orientáis ortodoxos
algo de análogo se dá, como se depreenderá do exposto
subseqüente.

— 60 — .
A DATA DA PÁSCOA 13

3. O próximo Concilio Pan-Ortodoxo

Como a Igreja Católica realizou seu último Concilio


Ecuménico no Vaticano, de 1962 a 1965, também as comu
nidades autocéfalas ortodoxas orientáis desejam realziar um
Concilio geral dito «pan-ortodoxo». Os preparativos para o
mesmo já estáo em curso, sob a presidencia do Metropolita
Damaskinos Papandreou, que estabeleceu seu centro de tra-
balho em Chambésy, perto de Genebra (Suiga). Ora, de
28/06 a 3/07 reuniram-se nessa cidade peritos ortodoxos de
Teología Pastoral, Direito Canónico, Astronomía, Historia e
Sociología, no intuito de estudar a questáo da data de Pás-
coa e urna possivel uniformizagáo da mesma entre todos os
cristáos.

Nessa assembléia, o astrónomo grego M. N. Kontopoulos


recomendou aos participantes que adotassem o calendario
gregoriano. Estes aceitaram a proposta de confiar a urna
comissáo de astrónomos o encargo de fazer os cálculos neces-
sários para se determinar o domingo subseqüente á Lúa cheia
que ocorra depois do equinócio da primavera. Todavia urna
das comissóes de peritos elaborou um relatório em que apon-
tava alguns motivos para nao se alterar o calendario de Pás-
coa entre os ortodoxos. Veja-se o trecho abaixo:

"Plenamente conscientes da sua responsabllldade pela unldade da


Igreja1, os peritos asslnalam os pontos segulntes contrarios á modlflcacSo
do calendarlo:

a) A dlmensSo pastoral do problema. Considerando-se a sltuacfio


presente de algumas Igrejas Ortodoxas, seja do ponto de vista sociológico,
saja do ponto de vista da historia, urna mudenca na data de Páscoa poderla
provocar perturbado e acarretar novas divisSes no povo de Deus... A
mor parte dos fiéis nao está nem psicológicamente nem pastoralmente pre
parada para aceitar tal mudanca.

b) A preocupacfio com a Inlegrldade da Igreja Ortodoxa. A celebra-


cao da Páscoa ortodoxa em data diferente da das outras conflssSes cristas
lem, para algumas Igrejas nacionais,... o significado de afirmar a sua
origlnalidade e a sua Ildelldade á ortodoxia. A aceltagao de urna data
comum abrirla as portas ao proselitismo entre os fiéis dessas Igrejas *

c) A estrila observancia do primeiro Concilio Ecuménico de Nlcéla.


Alguns delegados observam que modificar a data de Páscoa Implicarla
contrariar as prescrlcoes do primeiro Concilio Ecuménico e acarretaria o

1 Trata-se da unidade vigente entre os ortodoxos, a qual correrla risco


de ser prejudlcada.
3Chama-se "proselitismo" a tentativa de aliclar alguém á profissfio
de algum Credo mediante meios espurios ou desonestos.

— 61 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

perigo da perda de confianza por parte dos fiéis em seus dirigentes ecle
siásticos. £ preciso manter firme a distingo entre a Péscoa hebraica e
a Páscoa crista.

d) A proveniencia nao ortodoxa da proposta de Páscoa comum. As


Igrejas ortodoxas comecaram a discutir o problema sob a pressflo de fatores
estranhos ¿ sua vida ecleslal. Os ortodoxos nao sentem necessidade de
mudar a data de Páscoa. Por todos estes motivos alguns delegados sfio
da oplniáo de que o grande e santo Concillo da Igreja Ortodoxa nao se
deve ocupar com tal questáo" ("Stimme der Orthodoxle", Berlim Oriental
1977, n« 7, 7s).

Como se vé, as ponderagóes ácima nao sao muito funda


mentadas. .. Como quer que seja, dissipam as esperanzas de
próxima concordia entre cristáos a respeito da data de Pás
coa. Nao há dúvida, esta seria um valor apreciável e dese-
jável. Todavia nao é essencial á unidade entre os cristáos.
Os dados históricos propostos no corpo deste artigo eviden-
ciam bem que, mesmo antes do cisma de Miguel Cerulário
em 1054 (cisma que dividiu os cristáos entre ocidentais e
orientáis), a festa de Páscoa era celebrada em diversas datas
no mesmo ano; portante esta diversidade de calendarios é
compativel com a unidade de fé e de comunháo entre os cris
táos; em última instancia, vem a ser algo de acidental, em-
bora nao desprezível; a própria Biblia, associando a celebra-
gáo da Páscoa as fases da Lúa, dá margem á variedade de
cálculos, que os homens, dé boa fé, empreenderam através
dos séculos.

O que importa a um bom cristáo diante dos fatos, é


pedir ao Senhor acelere o processo, já bem evoluido, de
reconstituigáo da unidade de fé e comunháo entre fiéis cató
licos e ortodoxos.

Bibliografía:

R. Hotz, "Verso II Concillo delle Chlese Ortodosse. Tra deslderlo e


realtá", em "La Clvlltá Cattollca". n<? 3049, 2/07/1977, pp. 53-60.

ídem, "Alia rlcerca di una data comune della Pasqua", ib. n? 3057,
5/11/4977, pp. 268-271.

H. Leclercq, "Paques", em "Dictionnalre d'Archéologle chrétlenne et


Liturgia", por Cabrol e Leclercq, t. Xlll/ll, cois. 1521-1574.

NoSle M. Denis-Boulet, "Le calendrler chrétlen". París 1959.

R. Etchegaray, "Pour une Páque oecumónlque", em "La Documenta-


tlon Cathollque" n? 1719, 1/03/1977, pp. 439s.

— 62 —
Mais uma edigao da Biblia:

lfo mais importante é o amor"

Em slnlese: "O mais importante é o amor" vam a ser uma edicfio


do Novo Testamento sublinhado distribuida pela Liga Bíblica Mundial ás
escolas oficiáis do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se, na verdade, nfio
de uma traducSo fiel, mas, slm, de uma Intorpretacáo e paréfrase do texto
bíblico; basta cotejar a "traducSo" do Novo Testamento sublinhado com a
vetsSo protestante de Ferrelra de Almeida ou a traduefio católica da Biblia
de Jerusalóm para verificar que o novo texto está chelo de InsercOes e
desvios em relacfio ao original grego. Além disto, o texto do Novo Testa
mento é acompanhado de um roteiro de leitura que vem a ser autentico
instrumento de doutrlnacfio protestante, onde a tese da "sola fldes" e uma
pledade subjetlvista (sem Igreja e sem sacramentos) sSo insinuadas. Ora
nao se compreende que tal livro seja divulgado ñas escolas oficiáis do
Estado sem que se diga explícitamente que é obra catequétlca protes
tante ; os responsáveis por tal edicSo nao vlsaram apenas a fazer aposto
lado bíblico, mas tlveram em mente um plano proselltlsta.

Comentario: No segundo semestre de 1977 foi doada ás


escolas oficiáis do Estado do Rio de Janeiro a quantia de
um milháo de exemplares de um livro intitulado «O mais im
portante é o Amor» (doravante abreviadamente: MÍA). Na
capa de frente lé-se: «Edicáo ilustrada do Novo Testamento
vivo» ou também: «Edigáo sublinhada do Novo Testamento».
Trata-se de uma versáo do Novo Testamento baseada nos
principios de tradugáo da famosa Biblia em inglés «The
Living Bible»; a versáo brasileira foi publicada pela Liga
Bíblica Mundial em convenio com a Secretaria de Educagáo
e Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Logo em suas pri-
meiras páginas traz uma carta de apresentacáo assinada pela
Sra. Secretaria de Educacáo e Cultura do Estado do Rio de
Janeiro, Profa. Myrthes de Luca Wenzel. A seguir, vem uma
Introducto em que oito perguntas sao formuladas,... per
a-untas cujas respostas sao textos do Novo Testamento adrede
indicados. Esses textos aparecem no corpo do livro sublinha-
dos como sendo textos-chaves. Ei-los: Uo 1,8; Rm 2,11-15;
Jo 3,16; Rm 3,21s; At 2,38; Mt 16,24s; ICor 13,1-13; Jo ll,25s;
Le 9,24s. Tais textos foram selecionados para constituirem
um roteiro de doutrinagáo... Ainda ñas páginas preliminares
do texto bíblico encontra-se uma serie de outras perguntas,

— 63 —
tó «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

para as guais outros textos bíblicos sao apontados como res-


postas. Sonriente após tais páginas introdutórias aparece o
texto do Novo Testamento a comeear pelo Evangelho segundo
Mateus.

Pergunta-se: que pensar a respeito de tal edigáo bíblica?

Eis as observacóes que se impóem após atenta leitura


da obra.

1. Interpretado tendenciosa

1. O texto nao é propriamente urna traducáo do Novo


Testamento (táo fiel quanto urna tradugáo o pode ser), mas
em muitos pontos vem a ser urna interpretagáo e paráfrase
do texto bíblico inspirada pela teología protestante e ten
dente a «catequizar» o leitor segundo a mensagem do pro
testantismo. Para comeear a se convencer disto, é suficiente
que o estudioso note a freqüéncia com que ao pé das pági
nas do livro se encontram as observacóes «Subentendido» e
«Literalmente». Assim citamos á guisa de exemplos:

Subentendido!: pp. 1, 2, 3, 4, 8, 9, 10, 11... Isto quer


dizer que no texto em pauta se encontram aditamentos que
nao constam do original grego e que se devem ao intérprete.

literalmente: pp. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9... Isto quer


dizer que o texto original, tido como obscuro ou insuficien
temente claro, nao foi traduzido como tal, mas interpretado
segundo o modo de ver do tradutor.

Chama a atengáo também o fato de que, no fim de


cada epístola do Novo Testamento, o tradutor acrescentou
sempre (exceto em Hb) urna conclusáo semelhante á das
cartas modernas. Assim veja-se

& p. 317 (Tg): «Afetuosamente... Bago»


á p. 264 (Ef): «Oom estima... Paulo»
á p. 269 (Fl): «Oom estima... Paulo»

P. S. Saúdem por mim a todos os cristáos daí; os


irmáos que está© oomigo enviam lembransas tam
bém.. .»

á p. 287 (lTm): «Com toda a estima... Paulo»


á p. 291 (2Tm): «Adeus, Paulo».

— 64 —
«O MAIS IMPORTANTE É O AMOR» 17

Ora nenhum desses fechos faz parte do texto original


(em Fl, o P. S. faz parte do corpo da carta)! Vém a ser
acréscimos subjetivos do tradutor (verdade é que inocuos,
do ponto de vista teológico).

2. Examinemos agora de mais perto alguns dos textos


parafraseados. Quem os coteja com os origináis gregos, toma
evidente consciéncia de que houve manipulacáo do texto.
Ábaixo limitar-nos-emos a confrontá-los com a tradugáo de
Ferreira de Almeida (abreviadamente FA), que é geralmente
utilizada pelos protestantes e que em suas linhas gerais é
fiel aos origináis gregos, assim como com a Biblia de Jeru-
salém (BJ).

a) Eis urna das paráfrases mais significativas:

Rm 3,21a (MIA>: "Agora, porém, Deus nos mostrou um camlnho


diferente para o céu — nflo o lato de sermos 'bonzlnhos' e procuramos
guardar suas lels, mas um novo camlnho (aínda que nao seja tfio novo
assim, realmente, pols as Escrituras falaram dele há multo tempo). Agora
Deus diz que nos aceitará e nos absolverá; Ele nos declarará 'sem culpa'
se nos confiarmos em Jesús Cristo para Ele tirar os nossos pecados. E
todos nos podemos ser salvos deste mesmo modo, vlndo a Cristo, nSo
importa o que somos ou o que temos sido".

Rm 3,21 s (FA): "Agora, sem lei, se manlfestou a justica de Deus


testemunhada peta leí e pelos profetas: justlca de Deus mediante a fé em
Jesús Cristo, para todos / e sobre todos / os que créem: porque nao há
distlncfio".

Rm 3,21s (BJ): "Agora, porém, Independentemente da Leí, se manl


festou a justica de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas, Justlca
de Deus que opera pela fé em Jesús Cristo, em favor de todos os que
créem — pois nao há dlferenca".

Ve-se que o texto de MÍA é muito mais longo do que o


de Ferreira de Almeida (o qual, por sua vez, enxerta indevi-
damente as palavras e sobre todos). Mais: o vocábulo jus
tica (dikaiosyne), importante na teología paulina, nao apa
rece, mas é interpretado... A palavra fé (písrtis) também
nao ocorre, mas é traduzida por «se nos confiarmos», segundo
a teología protestante, que professa a fé fiducial ou entende
a fé como confianga, deixando em segundo plano o conteúdo
intelectual da mesma.

— 65 —
^8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

b) Outra profissáo de fé protestante é a que se encon-


tra em

Rm 1,178 (MÍA): "Esta Boa Nova nos diz que Deüs nos prepara para
o céu — e nos faz justos aos olhos de Deus — quando colocamos nossa
fé e nossa conflanca em Cristo como Salvador. Isto ó realizado pela fé, do
principio ao flm. Tal como a Escritura afirma, 'o homem que encontré a
vida, val encontrá-la confiando em Deus'".

' Rm 1,17 (FA): "A justica de Deus se revela no Evangelho, de fé


em fé, como está escrito: O justo vivera por fé".

Rm 1,17 (BJ): "Nele (no Evangelho) a justlca de Deus se revela da


fé para a fé, conforme está escrito: O justo vivera da fé".

Vé-se nítidamente que no texto de MÍA há muitos dize-


res que nao sao do original, mas vém a ser paráfrase sub
jetiva. Quem lé a passagem de MÍA, nao está lendo o texto
bíblico, mas um tendencioso comentario do mesmo.

A palavra grega pístis (fé) é traduzida por confianza


também em Jo 3,18; Gl 3,11; Hb 10,38.

c) A confissáo de Pedro em Cesaréia, observe-se a res-


posta de Jesús:

MI 16,189 (MÍA): "Vocé é Pedro, urna pedra; e sobre esta Rocha


edificarel a mlnha igreja; e todas as torgas do Inferno nSo prevalecer&o
contra ela. E Eu darel a vocé as chaves do Reino dos Céus; todas as portas
que vocé fechar na térra teráo sido fechadas no céu; e todas as portas
que vocé abrir. na térra terao sido abortas no céu I"

Mt 16,18a (FA): "Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta


pedra edificarel a mlnha Igreja, e as portas do Inferno nao prevalecerán
contra eta. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: o que ligares na térra,
terá sido ligado nos céus; e o que desligares na térra, terá sido desligado
nos efeus".

Mt 16,183 (BJ): "Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta


pedra edificarel minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecer&o
contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e o qu.e ligares na
térra será ligado nos céus, e o que desligares na térra será desligado nos
céus".

Observe-se que as duas tradugóes protestantes usam o


futuro anterior: «teráo sido fechadas...», «teráo sido aber-
tás...» (MÍA), insinuando que Pedro apenas declara ter sido
concedido anteriormente o perdáo pelo Pai do céu; Pedro
nao seria o ministro do perdáo sacramental. Ora a respeito
do uso do futuro anterior em tal passagem já foi publicado

— 66 —
«O MAIS IMPORTANTE É O AMOR» 19

um artigo em PR 132/1970, pp. 543-547, onde se evidencia


que o modo de traduzir de MÍA e FA (protestantes) nao
leva em conta o sentido exato do participio perfeito asso-
ciado ao futuro em grego. Esta construgáo nao significa
necessariamente acáo futura anterior a outra agáo futura
(= futuro anterior), mas, sim (via-de-regra), agáo simples-
mente futura cujo efeito será duradouro e definitivo. Indica
um estado que se verificará no futuro e será permanente.
Significa, pois, o ministerio que Pedro deverá exercer em
nome do próprio Deus.

Além disto, o texto de MÍA evita o binomio «Iigar-desli-


gar», que na linguagem dos rabinos tinha significado jurídico,
designando entre outras coisas a excomunháo que podia ser
imposta (de modo a ligar) ou retirada (de modo a desligar).
A agáo de Pedro perde assim o seu caráter jurisdicional e
torna-se urna orientacáo moralizante, em conformidade com
o que pensam os protestantes, mas em desacordó com o sen
tido do texto bíblico original.

d) Com referencia a María lé-se em

Le 2,7 (MÍA): "E ela deu á luz seu prímeiro filho, um menino. En-
rolou-0 num cobertor e O deltou numa manjedoura, porque nao havia lugar
para eles na hospedarla da atdela".

Le 2,7 (FA): "E ela deu á luz o seu filho primogénito, enfalxou-o e
o deltou numa manjedoura porque nSo havia lugar para eles na hospedarla".

Le 2,7 (BJ)f: "'E ela deu á luz o seu (ilho primogénito, envolveu-o
com falxas e recllnou-o numa manjedoura, porque nao havia um lugar para
eles na sala".

Ora, como foi dito em PR 216/1977, pp. 523s, o termo


grego prootótokos, na linguagem do Novo Testamento, tem
conotagóes semitas, que o tornam equivalente a bem-amado.
Veja-se, por exemplo, Zc 12,10:

"Pranteá-lo-So como quem pranteia um unigénito, e chorá-lo-So como


se chora amargamente o primogénito".

Nesta passagem, percebe-se que há sinonimia entre «uni


génito», «primogénito» e «bem-amado». Por conseguinte, a
tradugáo «deu á luz o seu prímeiro filho» é evidentemente
urna interpretagáo... e interpretacáo preconcebida em favor
de urna tese protestante.

— '67 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

e) Quanto as palavras «cpiskopos» e «presbyteros», sao


diversamente traduzidas de acordó com o contexto respec
tivo:

Assim epískopos em Fl 1,1; lTm 31,1; Tt 1,7 é vertido


por pastor — o que nao cabe, pois a palavra grega corres
pondente a pastor é poimén. Em At 20,28 epískopoi é tra-
duzido por supervisores. Em lPd 2,25, aparece a tradugáo
guardiao.

O vocábulo presbyteros em lTm 5,17.19 também é tra-


duzido por pastor. Em At 20,17, ocorre a tradugáo líderes
para presbyteroi. Em Tg 5,14, presbytérous vem a ser
anclaos.

Ve-se, pois, que, do ponto de vista meramente lingüís


tico, a tradugáo de MÍA é falha e destituida de criterios.
Tende a insinuar a figura do pastor, tal como existe ñas
comunidades protestantes. Note-se ainda que em lTm 5,22.24
aparece a menc.áo de pastor, sem que exista algo de corres
pondente no texto grego.

É desnecessário insistir, mediante a indicagáo de outros


exemplos, sobre a índole espuria do texto do Novo Testa
mento sublinhado. Um leitor atento nao terá dificuldade em
descobrir novas e novas paráfrases do texto original desde
que coteje a traducáo de MÍA com a de FA e da BJ. Algu-
mas dessas paráfrases sao neutras do ponto de vista teoló
gico, enquanto outras insinuam posigóes teológicas discutí-
veis. Em todo e qualquer caso, porém, trata-se de desres-
peito ao texto bíblico e ao leitor, visto que o titulo do livro
dá a crer ao leitor que se trata de urna nova edicáo do Novo
Testamento.

Faz-se mister ainda dizer urna palavra sobre o

2. Roteiro cafequético

Os nove textos selecionados como passagens fundamen


táis do Novo Testamento e sublinhados na edigáo do «Novo
Testamento Ilustrado» constituem genuino compendio de dou-
trinagáo protestante; insinuam a doutrina luterana da «sola
fides» ou da fé-confianca que salva o cristáo, sem que haja
alusáo aos sacramentos e á Igreja. Suscitan), pois, urna pie-
dada subjetivista.

— 68 —
«O MAIS IMPORTANTE £ O AMOR» 21

Em conseqüéncia, a edigáo do «Novo Testamento Vivo


ou Sublinhado» nao é apenas urna edigáo bíblica, mas vem a
ser um manual de doutrinagáo catequética protestante. Ora
a distribuigáo de tal livro as escolas públicas do Estado do
Rio de Janeiro; sem dedaragáo de que é livro protestante,
torna-se, de certo modo, um embuste ou urna armadilha para
o público usuario. Muitos professores e alunos desprevenidos
servem-se e servir-se-áo do livro em foco como se fosse sim-
plesmente urna edigáo a mais do Novo Testamento; seguem
ou seguiráo o roteiro indicado para o estudo sem ter cons-
ciéncia de que estáo sendo assim induzidos a conclusóes teoló
gicas protestantes.

Ora tal procedimento viola a liberdade de consciéncia


do público escolar. Já nao é apostolado, mas proselitismo, pois
recorre a táticas espurias para obter a .propagagáo de deter
minado Credo. É isto que leva a crer que o livro «O mais
importante é o amor. Edicáo ilustrada do Novo Testamento
vivo» airida é mais tendencioso do que «A Biblia na lingua-
gem de hoje», que já foi comentada em PR 216/1977,
pp. 520-529; esta, embora seja urna tradugáo-interpretagáo
protestante, nao é acompanhada do Roteiro Catequético que
está anexo á edigáo dita «sublinhada» ou «O mais impor
tante é o amor».

É, pois, oportuno que a Secretaria de Educagáo e Cul


tura do Estado do Rio de Janeiro tome consciéncia do que
está sendo praticado ñas escolas do Estado e adote as medi
das necessárias para que o público ledor saiba que o livro
em foco é urna interpretagáo do Novo Testamento orientada
por premissas teológicas confessionais.

_ 69 —
Maís um Credo religioso oriental:

a (renca baha'i

Em sfntese: A crenca Baha'i tem sua origem no islamismo persa do


sáculo passado. O seu fundador é BaháVJIah (1817-1892), que procurou
dar á rellgifio um caráler menos arabo e muculmano, maís universalista
ou patente a todos os homens; menos se ¡mportou com metafísica e mística,
mals se voltou para a ética; consegulu desta forma que a sua seiia se
espalhasse pelo mundo. A mensagem de Bahá'u'llah pretende ser a consu-
ma?8o de todas as crencas religiosas da humanldade — o que redunda
em relativismo e ecleticísmo. No Brasil, os escritos da religiáo de Baha'i
tomam características cristas, citando o Evangelho, a fim de lograr mais
fácil penetracáo no povo braslleiro. Na verdade, trata-se de um movimento
religioso subjetlvísta e pretensioso — notas estas que em nossos días sao
aptas a angarlar adeptos.
* *

Comentario: Já tem sido comentada em PR a difusáo


de crengas religiosas orientáis no Brasil. Neste fascículo será
considerada a religiáo Baha'i, de origem persa e islámica, a
qual já tem seus adeptos e suas sedes em nosso país. De
antemáo, convém mencionar que essa nova crenga nao pro-
fessa o panteísmo, como as de origem indiana e japonesa,
que tém entrado no Brasil, mas, sim, o monoteísmo, preten-
dendo ser a consumagáo de todas as grandes confissóes reli
giosas da humanidade.

A seguir, proporemos as etapas iniciáis do Baha'ismo, as


suas principáis linhas doutrinárias e, por fim, urna avaliagáo
dessa crenga.

1. Origens da cren$a Baha'i

A religiáo de Baha se prende a algumas tendencias do


islamismo tal como era vivido na Pérsia do século passado.

Havia, com efeito, urna corrente de piedade mugulmana,


dita «dos Chutas», que aguardava a vinda de um Messias
(Qa'im) 'á térra, desde o século IX d.C. (isto é, desde o
ano 260 da era mugulmana tal como esta era calculada pelos
Chutas).

Ora, mil anos após o inicio desta expectativa, isto é, em


1844 d.C. (1260 da era musulmana), surgiu na Pérsia um

— 70 —
A CRENgA BAHA'I 23

arauto de Deus que dizia ser «o Aguardado» ou o Bab


(= Porta da Verdade, em árabe), incumbido de transmitir
aos tiomens a nova e definitiva revelagáo de Deus.

O Bab nascera em Chiraz (Pérsia) no ano de 1812, tendo


o nome civil de Mirza 'Ali Mohamed. Dotado de índole pro
fundamente mística, abandonou o comercio, ao qual seus país
c destinavam, e foi para o Iraque ouvir os ensinamentos do
famoso mestre mugulmano Sayid Kassem. Depois de visitar
os santuarios mais venerados do islamismo, voltou a Chiraz
e entregou-se á pregagáo. Para os maometanos em geral,
Maomé fora o selo dos profetas, a consumagáo das revela-
cóes divinas, de modo que ao aguardado Arauto dos Chutas
só podia caber a missáo de purificar a religiáo mesma do
Coráo e difundi-la pelo mundo inteiro. Nao foi, porém, este
o encargo que Bab atribuiu a si: aos 23 de malo de 1844,
apresentou-se como portador de nova revelacáo, baseada em
novo Código sagrado, quebrando assim as tradigóes musul
manas da Pérsia (onde o islamismo era a religiáo oficial
desde o sáculo XVI). Bab agugou contra si o ánimo infenso
tanto das castas religiosas como das governamentais. Ane-
xou-se-lhe, porém, um grupo de dezessete homens e urna
mulher, grupo cognominado «Epístola do Vívente», o qual o
tinha na conta de Ser Divino; com o Mestre sofreram violen
tas perseguigóes. No fim de sua vida, Mirza 'Ali Mohamed
transferiu o título de Bab (= Porta da Verdade) para um
de seus seguidores, e veio a morrer executado em praga
pública de Chiraz aos 9 de julho de 1850, por um pelotáo
de soldados. Urna vez desaparecido o fundador da comuni-
dade, os discípulos de Bab foram entretendo as idéias do
Mestre, até que um deles, Mirza Husain 'Ali Nuri Bahá' u'llah
(1817-1892) no ano de 1863 proclamou ser a Manifestagáo
por excelencia da Divindade ou também o Grande Manifes
tante da Divindade prometido para «os últimos dias» ou
aínda «Aquele que Deus haveria de manifestar». Bab teria
sido apenas seu Precursor.

Aceito como Chefe Supremo por seus correligionarios,


Bahá'u'Uah remodelou por completo as doutrinas e práticas
legadas por Bab; um dos sinais mais evidentes dessa mu-
danga é a troca do nome «Babis», com que se designavam
os discípulos de Bab, pelo de «Bahá'is». Os ensinamentos de
Bahá'u'Uah tendiam a dar á religiáo um caráter menos árabe
ou mugulmano, mais universalista ou patente a todos os

— 71 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

homens; menos se importavam com metafísica e mística, mais


se voltavam para a ética; conseguiram desta forma que a
sua nova sociedade nao ficasse sendo insignificante seita
musulmana. Na esperanga de congregar a humanidade inteira
sob urna única religiáo, Bahá'u'llah dirigiu mensagens escri
tas ao xá da Pérsia, Nasiru'd-Din Shah, á Rainha Vitoria da
Inglaterra, ao Czar da Rússia, ao Imperador Napoleáo III da
Franga, assim como a Sua Santidade o Papa!

Bahá'u'llah e seus adeptos, considerados como revolucio


narios religiosos, nao deixaram de sofrer perseguigáo por
parte das autoridades civis e do povo da Pérsia, vindo o novo
Mestre a falecer exilado em Acca na Palestina aos 29 de
maio de 1892. Ao morrer, Bahá'u'llah confiou a seu filho
Abbas Shoghi Effendi (também chamado 'Abdu'1-Bahá, o
servo de Bahá) a missáo de difundir as suas crencas e man-
ter contato com os Baha'is do mundo inteiro. Por conse-
guinte, hoje encontram-se comunidades da fé Bahá'i esparsas
por varias nagóes e territorios, tanto orientáis como ociden-
tais, congregando cerca de dois milhóes de membros; mais
de quinhentas comunidades se acham situadas na Pérsia
mesma; nos Estados Unidos da América do Norte, contam-se
aproximadamente noventa núcleos. No Brasil, a fé Bahá'i
vem-se expandindo. Um dos grandes centros mundiais da
nova religiáo é o Monte Carmelo, para onde foram transferi
dos os despojos mortais de Bab; nos Estados Unidos da Amé
rica, existe outro notável templo bahá'i em forma octogonal
(para significar a universalidade da crenga; oito simboliza
plenitude, segundo a mística dos números!).

Analisemos agora as principáis linhas doutrinárias do


bahaismo.

2. A mensagem Bahá'i

1. A fé Bahá'i, como se depreende dos precedentes, se


deriva do islamismo. Ora, já que este aproveitou muitos
temas do Judaismo e do Cristianismo, nao nos surpreende-
mos por encontrar na religiáo bahá'i alguns tragos das Escri
turas do Antigo e do Novo Testamento.

Os bahá'is professam a existencia de um só Deas, dis


tinto do mundo, portante nao identificado com a natureza
ou com o homem; abracam assim um Credo monoteísta, nao
panteísta ou monista (nisto divergem das religides da india
e do Extremo-Oriente, que sao panteístas). O Deus Único,

— 72 —
A CRENCA BAHA'I 25

conforme os bahá'is, se dá a conhecer por seus profetas:


Moisés, Daniel, Cristo, Maomé... (nesta linha, Cristo vem a
ser apenas «um sabio educador da humanidade, assistido e
confirmado por um poder divino»). Com Baha'u'llah as ma-
nifestagóes da Divindade chegaram finalmente á consumacáo,
de sorte que para a fé Bahá'i convergem todas as demais
crencas religiosas da humanidade: Judaismo, Cristianismo,
Islamismo, Budismo, Hinduismo... A religiáo de Bahá está
conseqüentemente fadada a ser a religiáo universal, na qual
todos os homens se aproximarais e uniráo entre si; em vista
deste objetivo, a nova religiáo muito se ocupa com a paz do
mundo a ser obtida mediante instituicóes internacionais
a&sim discriminadas:

"Apropiadamente considerada, a Revelacfio de Baha'u'llah deve ser


vista como introdutora de um periodo cuja significado na historia humana
é Insuperável. Nem a unlflcacfio da humanidade, nem o estabeleclmento de
urna paz mundial, nem mesmo a InauguracSo de urna comunldade mundial,
completa a historia do periodo da maturldade do homem. Restará ao
mundo alcanzar urna condlefio particular que todos os grandes Profetas
exaltaran). Será alcancada num período áureo quando os homens viverfio
|untos harmoniosamente em urna socledade inspirada pela graca de Deus.
Cada rellglfio tem seu nome particular para esse áureo periodo. Os cristSos
o conhecem como o Milenio e sua condlcfio como o Reino de Deus na
ierra, que devora ser 'repleto do conheclmento do Senhor como as aguas
cobrem o mar'.

Baha'u'llah velo para criar essa condlcfio, chamando-a de 'A MAIOR


PAZ*. Ela florescerá quando Sua Nova Ordem Mundial tlver sido eregida e
dado abasteclmento a urna nova clvlllzacfio mundial, como nunca antes a
humanidade conheceu. Essa civil Izacfio, Infclalmente sustentada pela Maior
Paz, continuará a se desenvolver em Idades e eras futuras até que, daqul
a milhares de anos, alcance sua completa maturidade" ("Curso de Enslna-
mentos Bahá'is por correspondencia", LIcSo rr? 9 da Parte II).

Shoghi Effendi desenvolve os prognósticos nos seguin-


tes termos:

"A unldade do género humano — asslm como Baha'u'llah a conce-


beu — compreende o estabeleclmento de urna comunldade mundial em
que todas as nacoes, rasas, credos e classes estejam estreita e permanen
temente unidas, e na qual a autonomía dos Estados que a compOem, a llber-
dade e a iniciativa pessoai dos membros Individuáis destes sejam garantidas
de modo definitivo e completo. Tal comunldade mundial deve abranger, se
gundo o nosso- concertó, urna legislatura mundial, cujos membros, os repre
sentantes de todo o genero humano, virfio a controlar todos os recursos
das respectivas nacOes componentes e criar as leis que forem necessárlas
para regular a vida, satisfazer as necessidades e a|ustar as relacSes de
todas as racas e povos entre si.

— 73 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

Um executlvo mundial, apoiado por urna torca internacional, eletuará


as declsfies dessa legislatura mundial... Um tribunal mundial devoré julgar
toda e qualquer disputa que surja..., sendo Irrevogável a sua decisSo.

Um Idioma mundial será criado ou escolhldo dentre as Knguas existen


tes, e será ensinado em todas as escolas de todas as nacSes federáis,
como auxiliar á llngua nativa. Urna escrita mundial, urna literatura mundial,
um sistema uniforme e universal de moedas, pesos e medidas, simpilflcarfio
o intercambio e entendimento entre as nacfies e ragas da humanidade.
Nesta socledade mundial, a ciencia e a rellglfio, as duas torgas mals pode
rosas da vida humana, serSo reconciliadas, assim cooperando e desenvol-
vendo-se harmonlosamente" (Ib.).

2. Na sua antropología, a fé Bahá'i admite a exis


tencia, no homem, de um principio espiritual ou de urna
alma imortal. Esta vive urna só vez na térra; nao se reen
carna; contudo após a morte, separada do corpo, ainda pode
evoluir e aperfeigoar-se.

"Bahá'u'llah compara a vida na térra com a vida da crianca no ventre


materno antes do nascimento. Ela adqulre poderes para os quais, aparen
temente, nfio terá uso no ventre, tais como os poderes da vlsflo e audlcfio,
que só poderfio ser usados após o nascimento. De forma semelhante, neste
mundo adquirimos poderes e qualldades que somente utilizaremos quando
o espirito estlver libertado do corpo e a falta deles será muito sentida no
além...

As almas que perderam tal oportunldade também contlnuam a existir


depois de deixarem seus corpos, mas em um estado de existencia que ó
como a morte, comparada com a existencia daqueles que adqulrlram a
Vida Eterna ainda na térra" (Ib., LicSo n<? 15 da Parte IV).

De resto, assaz vagas e, por vezes, pouco coerentes


entre si sao as afirmagóes do bahaismo a respeito da vida
postuma. Tal religiáo nao possui nem ritual nem cerimo-
nial nem sacerdocio hierárquico. Muito mais se ocupa com
preceitos de ética do que com proposigóes de filosofia e
metafísica.

3. Eis a sintese doutrinária que os próprios adeptos


bahá'is propóem ao estudioso interessado:

«A fó Bahá'l

— reconhece a Unldade de Oeus;

— afirma a unidade dos Manifestantes da Vontade Divina;

ensina que a Revelacfio Divina constituí um processo contfnuo e


progressivo;

— que todas as grandes religISes sfio de orlgem divina;

— 74 —
A CRENCA BAHA'I 27

— que suas funcfies sfio complementares, diverglndo apenas quanto


ás pfátlcas religiosas e aos aspectos nfio essenclals de suas doutrlnas;

— que elas correspondem a épocas sucessivas na evoluc&o da socle-


dade humana" ("Curso de Enslnamentos Bahá'is..." LIcflo n? 16 da Parte V).

4. Que é, pois, um Bahá'i?

Segundo Abdu'1-Bahá, «ser Bahá'i significa simples-


mente ter amor a todos, amar a humanidade e procurar
servi-la, trabalhar pela paz e pela fraternidade universal».
Ainda conforme o mestre, um Bahá'i é «urna pessoa dotada
de todas as perfeicóes humanas em agáo».

Como se vé, o ideal Bahá'i é preponderantemente um


ideal ético, que incute a morigeragao e os seus frutos bené
ficos sobre a humanidade. Quase nada tem a dizer sobre
Deus e os designios divinos ou sobre temas teológicos pro-
priamente ditos.

5. A despeito da sua sobriedade em questóes de dou-


trina, os ensinamentos bahá'is sao explícitos e extravagan
tes no tocante a mística dos números, dos nomes e das
letras!

O número sagrado, por excelencia, é 19, pois a expres-


sáo «Em nome de Deus benigno e misericordioso» em árabe
se escreve com dezenove letras; estas, portante, sao consi
deradas como a «Manifestado da Divindade». Acontece
outrossim que o conceito de Unidade é muito caro aos mu-
culmanos, pois exprime a esséncia da Divindade; ora a pala-
vra Wahid (= Um) compóe-se de quatro letras que repre-
sentam respectivamente os algarismos 6, 1, 8 e 4 e que,
somadas, dáo o total 19. Este número, portante, também
a tal título, é símbolo da Divindade. Em terceiro lugar,
observam os bahá'is que o atributo «o Vívente» (Hayy),
característico da Divindade, se escreve com letras cuja soma
é 8 + 10 = 18; adicionando-se a isto a unidade (base de
toda a multiplicidade), chega-se mais urna vez ao total 19.
Conseqüentemente, Bab escolheu dezoito discípulos, que com
ele integravam um grupo de dezenove pessoas, constituindo
«a Epístola Vívente» ou a «Prímeira Unidade».

Mais ainda: o produto 19 X 19 (= I?2), ou seja, o


número 361, também é santo, pois representa o mundo
inteiro; com efeito, as palavras Kullu shay (= todas as coi-

— 75 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

sas) constam de letras árabes cujo valor numérico é res


pectivamente 20, 30, 300 e 10; a estes números acrescentan-
do-se a unidade (que é o fundamento pressuposto pela plu-
ralidade), atinge-se o total 361 (= 19 x W ou 19 a). Em
resumo: o número 19 é o símbolo de Deus, ao passo que
19 2 é o do Universo, segundo a mística que os bahá'is cons-
truiram recorrendo ao vocabulario árabe.

Dada a importancia do número 19, a religiáo de Bahá


tende a tomá-lo como base dos seus sistemas cronológico e
monetario. Assim o ano bahá'i compreende 19 meses de 19
dias cada qual; a esses 361 dias acrescentam-se mais quatro,
a fim de haver correspondencia com o ano solar, adotado
pelo calendario internacional dos povos; os mesmos nomes
(Baha, Jala, Jamal...) que designam os meses, designam
também um dos dias de cada mes, de modo que urna vez
por mes o dia e o mes sao indicados pelo mesmo nome; tal
dia é sempre festivo para os bahá'is. — A cunhagem de
moedas que tomava por base o número 19 teve de ser
abandonada por se evidenciar pouco prática.

A mística Bahá'i dos números tem aplicagáo na ma-


neira cifrada de aludir as cidades que desempenharam pa
pel importante na historia da propagagáo da nova fé: assim
Adrianopla, chamada Edirne em turco, é pelos bahá'is cog-
nominada Arzu's-Sirr (a térra do Misterio), visto que os
nomes Edirne e Sirr sao equivalentes á cifra 200, portanto
equivalentes entre si. A cidade de Zanjan (= 111) também
é dita ArzuT-A'la (= 111). Neste setor, prepondera como
criterio a intuicáo subjetiva dos devotos, criterio que nem
todos os homens aceitam.

As nogóes ácima já bastam para procurarmos formular

3. Um juízo sobre a fé Bahá'i

Do sistema religioso dos bahá'is focalizaremos apenas


a respectiva posigáo fundamental. Se esta for comprovada
vá, está claro que todo o edificio da nova fé se mostrará
inconsistente.

1. A posigáo fundamental da nova religiáo é a de


Manifestagáo suprema do Deus Uno, manifestagáo que deve
consumar quanto foi dito pelos profetas anteriores (Abraáo,
Moisés, Cristo, Maomé).

— 76 —
A CRENCA BAHA'I 29

Ora tal esquema, relativista e eclético, é muito ilusorio;


nao resiste a sereno exame da lógica.

Na verdade, Abráo, Moisés e Cristo se situam em linha


homogénea, ascensional; sao arautos progressivos da reve-
lacáo divina, de sorte que as suas respectivas mensagens
se concatenam entre si. Cristo corresponde ás expectativas
e profecias do Antigo Testamento; entre as profecías de
Israel e a obra de Cristo há nexo lógico resultante da
sabia pedagogía divina, a qual, adaptando-se á capacidade
de compreensáo do homem, passou de ensinamentos mais
rudimentares para doutrinas mais perfeitas. Desta forma
os profetas de Israel se relacionam com Cristo como o caule
com seu fruto ou como etapas preparatorias com o seu
termo definitivo.

Entre o Cristianismo, porém, e o Islamismo (que lhe


sobreveio no cenário da historia seis séculos mais tarde),
já nao há continuidade, mas, antes, hiato. Maomé herdou
o monoteísmo e algumas sublimes proposigóes das Escritu
ras judaico-cristás, mas fundiu-as com crengas pagas gros-
seiras. Embora julgasse ser o consumador da Revelagáo
Divina anterior, propós um sincretismo, que significava des
vio ou mesmo retrocesso doutrinário e moral correspon
dente ao ardor do temperamento árabe (cf. PR 33/1960,
pp. 385-393). Numa palavra: a mentalidade da religiáo
islámica, embora tenha seus rasgos de ardente mística, fica
aquém da mentalidade do Evangelho (tenham-se em vista,
para nao citar outros particulares, a permissáo de poligamia
e o conceito de «guerra santa»). Sendo assim, vé-se que
nao tem cabimento apresentar a fé Bahá'i como consuma-
cáo homogénea dos Credos religiosos anteriores (Judaismo,
Cristianismo e Islamismo). Nao somente o Cristianismo,
mas também o Isla, nao reconhece nessa nova religiáo o
desabrochar homogéneo do seu patrimonio; é demais sub
jetiva e fantasista para poder ser tida como o fruto da
maturidade da religiáo de Maomé. De resto, Bahá'u'llah,
para tentar congregar todos os homens sob a sua religiáo,
teve que deixar de lado muitos dos elementos característicos
que o Islamismo lhe apresentava e que seu precursor Bab
ainda adotava.

2. As apostilas da doutrina Bahá'i dizem que em 1844


os cristáos aguardavam a volta de Jesús á térra, basean-
do-se, para tanto, numa profecía de Daniel. — Na verdade,

— 77 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

nao eram todos os cristáos que aguardavam a segunda vinda


de Cristo naquele ano, mas apenas um pequeño grupo, que
nos Estados Unidos da América do Norte seguiu o líder
Guilherme Miller (t 1849). Este, depois de passar pela
escola do racionalismo, se convertera á denominagáo pro
testante dos Batistas. Miller lia em Dn 8, 14: «(A abomi-
nacáo durará) até duas mil e trezentas tardes e manhás; a
seguir, o santuario será purificado». Neste texto muito enig
mático, tomando as «tardes e manhás» por anos, julgava
que Cristo viria instaurar o milenio no ano de 2300 a par
tir da data do oráculo, ou seja, a partir de 457 a.C; o que
equivalía a dizer que o Senhor voltaria para instaurar jus-
tiga e paz no ano de 1843 da nossa era ou, mais precisa
mente, entre marco de 1843 e margo de 1844. Quando em
1831 a profecía de Miller comecou a ser propalada, suscitou
muitos adeptos entusiastas, principalmente entre batistas e
metodistas, os quais passaram a ser chamados adventistas
(urna chuva de asteroides, em 1833, parecia ser o abalo de
estrelas — prenuncio do fim). Todavía o ano de 1843
trouxe a grande decepcáo aos 50.000 discípulos! Miller con-
tinuou a afirmar que o Senhor nao tardaría; S. Snow refez
os. cálculos, anunciando o fim do mundo para 22 de outu-
_bro de 1844; em conseqüéncia, em certas regióes dos EE.UU.
da América do Norte, camponeses e operarios abandonavam
o trabalho, e passavam as noites ao relento, esperando com
impaciencia febril a vinda de Cristo; a desilusáo sofrida
a inda foi mais amarga. Os adventistas até noje conservam
a cren;a no próximo regresso do Senhor; alguns dizem que
o prazo previsto por Daniel de fato terminou em 1844, mas
que Cristo ainda está a purificar o santuario; vira logo
depois de completar esta obra!

De resto, chama a atengáo como os textos de difusáo


da crenga Bahá'i no Brasil apresentam a mensagem desta
como se fosse realmente a consumagáo do Cristianismo; o
leitor inadvertido é propenso a ver na pregagáo bahá'i a
continuidade da fé crista — o que é falso.

3. Os discípulos de Bahá'u'llah apelam... para o


texto mesmo do Evangelho de Jesús Cristo, para tentar
mostrar que este nao constituí senáo urna etapa provisoria
na historia das revelagóes divinas.

Os trechos focalizados sao as seguintes palavras de Je


sús na última ceia:

— 78 —
A CRENCA BAHA'I 31

Jo 14,25s: «Eu yos disse estas coisas, estando ainda


convosco. O Paráclito, porém, o Espirito Santo, que o Pai
mandará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo que Eu vos disse».

Jo 16,12s: «Tenho ainda multas outras coisas a dizer-


-vos, mas nao as podéis compreender agora. Quando vier o
Espirito da verdade, Ele vos levará á verdade completa.
Nao falará por si mesmo, mas vos dirá tudo que tiver ouvido
e vos anunciará o que há de acontecer».

Estes textos nao forneceriam base para a concepgáo


bahá'i da Revelagáo progressiva?

A fim de se perceber o seu alcance, faz-se mister con-


siderá-los separadamente.

a) Em Jo 14,35s, Jesús dá por encerrada a sua mis-


sáo doutrinária; está táo próximo da morte que as suas
comunicacóes com os Apostólos já lhe parecem pertencer
ao passado. Nao obstante, Ele sabe que seus ouvintes estáo
longe de haver compreendido tudo. Quem entáo prosse-
guirá a missáo de Jesús? — Será o Espirito Santo, que o
Pai celeste há de enviar em nome de Cristo, ou seja, para
substituir Cristo e falar em nome de Cristo (cf. Jo 14,25s).
A fungáo do Espirito Santo, diz Jesús, consistirá nao ape
nas em preservar do esquecimento os ensinamentos do Di
vino Mestre, mas também em ajudar a penetrar o sentido
de tais ensinamentos. — Pergunta-se: esta promessa de Je
sús visava aos Apostólos apenas ou também aos seus suces-
sores no corpo docente da Igreja até o fim dos séculos?
Esta última sentenga merece franca preferencia, pois é cla
ramente sugerida pelo contexto do capítulo 14; este con
signa promessas varias referentes aos tempos de ausencia
do Senhor, extensivas portante as geragóes que se deviam
seguir aos Apostólos. Note-se, porém: a missáo do Espirito
Santo é determinada com precisáo; limita-se áquilo que
Jesús ensinou, nSJo) consiste em comunicar verdades novas
ou em fazer ulteriores revelagóes, mas em ilustrar o sen
tido profundo das proposigóes ensinadas por Cristo. Justa
mente baseando-se na assisténcia do Espirito Santo, a Igreja
tem sabido, no decorrer dos séculos, tirar do depósito reve
lado por Cristo modalidades doutrinárias antigás e novas;
Ela está habilitada a dar, em todos os tempos, juventude e

— 79 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

vigor & tínica mensagem do Evangelho, sem ter que aguar


dar nova revelagáo divina no curso da historia.

b) Passemos agora aos dizeres de Jo 16,12s. Nao sao


propriamente paralelos aos de 14,25s; supóem que os Apos
tólos nao estejam, no momento, devidamente capacitados
para entender tudo que Jesús lhes quer ensinar; em conse-
qüéncia, promete o Senhor que, mais tarde, o Espirito Santo
completará os ensinamentos de Cristo, nao somente ilus
trando e aprofundando, mas também estendendo os mesmos,
a fim de levar os ouvintes a plenitude da revelagáo crista.
Neste contexto, o Espirito Santo aparece, sim, como Porta
dor de verdades novas, nao comunicadas por Cristo, ver
dades que os Apostólos, ainda comparáveis a criancinhas
na ordem sobrenatural, nao poderiam assimilar diretamente
dos labios de Jesús. Depois de Pentecostés, tal incapacidade
já nao se verificaría; os Apostólos entáo estariam aptos a
entender a plenitude da mensagem do Evangelho que o Es
pirito Santo lhes haveria de comunicar. Quanto aos suces-
sores dos Apostólos, já nao se ressentiriam da insuficiencia
momentánea em que se achavam os Apostólos por ocasiáo
da última ceia, pois comegariam a conhecer o Cristo depois
de Pentecostés, isto é, depois que o Espirito Santo tivesse
derramado a sua presenga e os seus dons sobre a Igreja.
Por conseguinte, a comunicagáo de novas verdades anun
ciada por Jesús em Jo 16,12s se restringe aos Apostólos
apenas, nao se estende aos seus sucessores; com a geragáo
dos Apostólos encerrou-se a revelagáo divina proposta por
Cristo e pelo Espirito Santo. Nao há dúvida, nos decenios
que transcorreram entre a Ascensáo do Senhor (a. 33?) e
o fim da geragáo dos Apostólos, o Espirito Santo comuni-
cou a estes verdades que anteriormente nao teriam com-
preendido (dai falar-se, na Igreja, de «tradigóes divino-
-apostólicas», válidas como regra de fé ao lado das tradi
góes escritas ou do Evangelho). Jesús, de resto, frisava
bem qué esse ensinamento do Espirito Santo nao sería estra-
nho nem heterogéneo em relagáo ao de Cristo; antes proce
dería da mesma fonte suprema, ou seja, do Pai Celeste...:
«Nao falará por si mesmo, mas vos dirá tudo que tiver
ouvido e vos anunciará o que há de acontecer... Receberá
do que é meu, e vo-lo anunciará» (Jo 16,13s).

Os Apostólos, por sua vez, tinham consclfincia de que a mensagem


do Evangelho é a definitiva comunlcacfio de Deus aos homens na historia
deste mundo. Era tal consclóncla que eles exprlmlam quando aflrmavam

— 80 —
A CRENCA BAHA'I 33

que "os últimos tempos ou a última hora haviam chegado" (cf. 1. Jo 2,18;
i Pdr 4,17). "último", no caso, nao significa posicfio na ordem cronológica
(n3o insinúa, portanto, proximidade do fim do mundo), mas designa a fase
definitiva da historia religiosa do género humano: após a vlnda de Cristo
nfio se espera mais nenhuma revelagfio otfcial de Deus aos homens nem
algum novo estatuto de salvacao. A historia do mundo podará aínda pro-
tralr-se por milenios...; o Senhor Oeus, porém, nao mudará essenclalmente
os melos de salvadlo outorgados mediante a pregaffio e a cruz de Cristo.

4. Por fim, ainda urna observacjio parece oportuna.


Pode-se verificar que os movimentos religiosos ou as «reli-
gides novas», em nossos tempos, nao raro se apresentam
cada qual como «religiáo de cúpula» ou «consumagáo dos
credos anteriores»; pretendem dar em plenitude aquilo que
dizem estar esfacelado de maneira infantil nos demais sis
temas religiosos- Para congregar todos os homens sob a
sua égide, esses hovos credos reduzem ao mínimo as suas
proposites doutrinárias e insistem principalmente na ética
natural, ou seja, na reta conduta de vida que a consciéncia
por si mesma incute a todo individuo. Tal posicáo parece
magnánima e generosa; na verdade, é capciosa; sob o rótulo
de plenitude e maturidade religiosas, bajula, de um lado, o
orgulho e, de outro lado, a tendencia dos homens ao menor
esforc.o. Sim; tais modalidades de religiáo, em que o subje
tivo prepondera sobre o objetivo, sao relativamente cómo
das; na realidade, equivaiem a apostasia religiosa camuflada;
sao, por parte do homem, o desvirtuamento ou o abandono
do auténtico senso religioso... Em tais movimentos moder
nos, a Religiáo deixa de constituir algo de absoluto; vem
a ser considerada como sistema de morigeragáo e benefi
cencia, que o homem é livre de fundar, fundir, refundir e
desfazer, segundo o seu bom senso pessoal. Deus passa a
ser praticamente tratado como projegáo da mente humana,
nao como Criador e Absoluto Senhor; do qual o homem
tenha que aprender, por meio de sinais objetivos e concre
tos, a prática da Religiáo ou o caminho de volta ao seu
Autor!

Com estes dizeres damos por caracterizada a posicáo


fundamental da fé Bahá'i. Se tal atitude se manifesta pre
caria, precaria ou errónea há de ser a nova fé ou a pre
tensa «religiáo de cúpula».

— 81 —
Livro de renome:

"cartas da prisáo"1

Frei Betto

Tem sido grandemente divulgado em portugués, como


também em italiano, francés, alemáo, sueco, holandés e
espanhol, o livro que contém as cartas de Frei Betto (Car
los Alberto Libánio Christo), escritas na prisáo, desde feve-
reiro 1972 até 25 de setembro de 1973. Frei Betto, junta
mente com tres outros jovens dominicanos (Frei Ivo Les-
baupin, Frei Fernando de Brito e Frei Tito de Alencar
Lima), foi preso e condenado á prisáo por ter favorecido a
fuga, do país, de alguns jovens implicados nos movimentos
estudantis que se seguiram a 1964. Frei Betto passou por
oito cárceres em quatro anos, sendo que dois anos entre
presos políticos e dois anos entre presos comuns.
O livro merece aiguns comentarios que abaixo propore-
mos, certos de que qualquer reflexáo sobre o mesmo é
tarefa difícil e delicada; há, sim, varios aspectos ñas Cartas
de Frei Betto, que devem ser tratados cada qual «de per si»
para se evitarem as generalizagóes indevidas.
1. «Cartas da Prisáo» vem a ser o retrato da alma
de um prisioneiro que tem a consciéncia de estar inocente
e se revela entusiasmado por seu ideal (cf. p. 119). Em-
polga-o o desejo de colaborar na construcáo de urna socie-
dade mais justa e fraterna, que ele apregoa invocando o
Evangelho.
A pessoa humana que se manifesta através de tais mis-
sivas, é a de um bom filho, irmáo e amigo, solícito por
todos com quem se relaciona. Nao perde o ánimo apesar
das vicissitudes da sua vida de prisioneiro; mas aceita o
sofrimento com aparente serenidade — o que Ihe permite
escrever páginas interessantes sobre historia, psicología,
cultura geral...
0 sofrimento parece ter avivado no autor a consciéncia
do valor da pobreza voluntariamente abracada por amor a
Cristo: «Quem passa pela prisáo aprende que nao existem
trabalhos humilhantes; existem, sim, relagóes humanas humi-
lhantes» (p. 184). O jejum torna a mente mais lúcida, como
1 Editora Clvlllzagao Brasllelra, 2? edlcSo. Rio de Janeiro 1977.

— 82 —
«CARTAS DA PRISAO> 35

Frei Betto mesmo reconhece (cf. pp. 71-77). Há no livro


belas passagens sobre o valor da oragáo:
"A contemplacfio ó da essdncla mesma da vida crista, por mals ativa
qua ela se|a. O cristáo que nfio reza, ó como um ser vivo que nfio respira
e, se sua vida nfio camlnha em dlrecfio a urna comunhfio cada vez mais
profunda e existenclal com Deus e com os homens, entfio necessarlamente
ela estará regredlndo. Nfio existe meio-termo" (p. 192).
"A vida crista supoe a Imitado do testemunho de Jesús. Porém, ele
nfio é um simples modelo, é quem dá vida á nossa vida. Só quando des
velamos sua presenca no Interior de nossa existencia ó que a vida crista
deixa de ser algo que só Intelectualmente é apreendido para se tornar em
nos urna profunda experiencia de amor entre o homem e o Senhor ressus-
citado. O movlmento que conduz a este amor e o aprofunda, é a oracfio.
á multo difícil (alar da oracfio porque sobre ela estamos sempre aprendendo.
Mas, pela experiencia de outros, sabemos que no vazlo e no silencio da
sua Interloridade o homem descobre pela fe a preaenca real do Senhor.
Essa comunhfio tem sua fonte na medltacfio do Evangelho, nos sacramen
tos, no nosso contato com os condenados da térra, etc. Ela á quem opera
em nos aqueta transformacfio que nos faz trocar a sabedorla do mundo
pela loucura da Cruz" (p. 140).
Sao também dignos de nota os sentimentos de solida-
riedade do autor com os companheiros de prisáo, mesmo os
de cultura inferior. Percebe-se que se preocupava com a
alíabetizagáo e a instruyo dos mesmos (cf. p. 200), bem
como com a pastoral carcerária ou a evangelizado. Mais
de urna vez pede aos familiares que nao lhe enviem doces,
pois isto é privilegio; nao ousa comer os doces a sos, mas
reparte-os; ora, como é impossível reparti-los entre todos
os colegas de prisáo, prefere nao os receber da familia
(cf. pp. 123 e 194).
Frei Betto nao raro lembra que a sociedade, pelo fato
de se fechar aos egressos de prisáo, é, em grande parte,
culpada do fato de que estes, urna vez libertos, se sintam
impossibilitados de ocupar lugar condigno na sociedade e
por isto recaiam no crime. Nao há dúvida, a criminalidade
é algo que está vinculado ao ritmo de vida e aos ambientes
que caracterizam a nossa sociedade; de modo especial, a
familia e a escola sao responsáveis pela formagáo e educa-
cáo daqueles que tanto podem vir a ser honestos cidadáos
como criminosos.
2. Através das páginas de Frei Betto, percebe-se cons
tantemente urna atitude de crítica as instituicóes da socie
dade ocidental. Trata-se de critica exacerbada e generali
zada, que pode redundar em injustica por parte de quem a
profere; tenham-se em vista os dizeres da p. 193:
"Nada poético, porém, é o mundo carcerárlo que há tres anos e meló,
tece em nos, com nos e apertos, um novo ser, se nfio na manelra de vlver,

— 83 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

pelo menos no modo de encarar a vida e os homens. So entfio certos


dados de nossa fe parecem brotar com evidencia assustadora, como se
de repente o botfio vermelho revelasse, na quietude de urna tarde, que sua
cor é 8angue derramado pelos esplnhos crávados na roselra. A flor nao
se tornarla menos bela, mas seria contemplada com mais carlnho. Seriamos
entfio cúmpllces do segredo de sua beleza, como agora o somos do mis
terio de um homem cujo corpo fol cravado numa cruz. Perdido num momento
da historia, abandonado pelo próprfo Pal, nu, sedendo e dllarecado pelos
cravos e pelas torturas, aquete homem revelou o significado da vida de
todos esses companheiros que agora prolongam a sua palxáo até que venha
o momento da ressurrelcfio. Esta vira e nos trará a gloria e a Imortalldade.
Passaréo a General Electrtc, as Casas Pernambucanas, o Departamento de
Estado e todos os tangos de París; passarfio os nossos días de oclosldade,
a nossa pregufca de amar, as nossas fugas do outro, o nosso medo á ver-
dade e á llberdade; passarSo os que nao querem passar e os que só querem
llcar; mas as Suas palavras nfio passaráo até que surja um novo céu e
urna nova térra, onde nfio haverá nem choro nem lágrimas, nem cartees
de crédito, nem artlgos em llquldacflo, nem fome, nem dor, nem supermer
cados, nem lotería esportiva. Entfio Ele será tudo em todos e vivaremos
em sua plenltude. É claro que em Wall Street, na Bolsa de Londres, no
Fundo Monetario Internacional e no Eximbank haverá choro e ranger de
dentes. Mas toda lágrima será enxugada dos olhos assustados e famlntos
das criancas de Hué, Nova Delhi, Blafra, Recife e Porto Rico" (pp. 194s).

A propósito é preciso observar que nem todos os pro-


prietários de capital sao iniquos e condenáveis aos olhos de
Deus. É geralmente o marxismo que indistintamente re-
prova todos os proprietários; o cristáo sabe que um rico
que se aproveita do que tem, para dar trabalho e justa
subsistencia, a quem pouco ou nada tem, está cumprindo a
sua missáo e pode ter méritos diante de Deus. O entusiasmo
de certos jovens pela justiga social (que é um valor cristáo
desejado pelo Senhor Deus) pode transformar-se em idea
lismo um tanto fanático ou cegó. Nao se pode conceber que
um cristáo favorega um comunista como comunista e lhe dé
apoio, pois o comunismo é essencialmente anticristáo, ou seja,
ateu e materialista; donde colaborar para a promogáo do
comunismo ou de um comunista é colaborar indiretamente
para a perseguigáo aos valores da fé e a sufocagáo dos sen-
timentos e gestos religiosos da populagáo dominada pelo
marxismo. É o que os pensadores católicos da Italia aínda
recentemente (outubro de 1977) recordaran!, por ocasiáo
de nova tentativa de aliciamento dos católicos italianos por
parte do Partido Comunista da Italia. O ideal cristáo con
siste na promoqáo dos pobres e pequeninos por amor a
Cristo e ao Evaneelho — o que significa que implicará sem-
pre a afirmagáo dos valores religiosos (em antitese ao mar
xismo). Veja as pp. 87-92 deste fascículo.
• 3. A preocupacáo de Frei Betto com a questáo social
leva-o a criticar a própria Vida Religiosa como instituigáo
— 84 —
«CARTAS DA PRISAO» 37

regida por unía regra de vida (a de S. Agostinho, a de


S. Francisco, a de Sao Bento....). Julga que a Vida Reli
giosa nao nasceu na Igreja, mas tem origem paga (p. 138)
—. o que nao corresponde á realidade; cf. PR 212/1977
pp. 329-339.

4. Certas proposigóes teológicas do autor sao um


tanto imaturas. Nao se pode dizer, por exemplo, que um
prisioneiro, pelo fato de ter sido «forjado no odio e na dor»,
ocupará o primeiro lugar no Reino dos Céus (p. 132)...
— O prisioneiro que saiba aproveitar da dor para mais culti
var o amor a Cristo, este, sim, está a caminho da pleni-
tude do Reino. O que faz o mérito do homem diante de
Deus, nao sao os quadros externos ou as estruturas sociais
ñas quais ele tem que viver, mas sao as disposigóes ínti
mas de quem é colocado em tais conjunturas.

Também imatura é a proposigáo segundo a qual «o


avango da ciencia restituirá ao homem aquela longevidade
de que nos fala o livro do Génesis a respeito das primeiras
geragóes humanas» (cf. p. 145). — Na verdade, o Génesis
em seu capitulo 5, ao atribuir 930 anos a Adáo, 912 a Sete,
950 a Enós..., nao pretende indicar duragio de vida, mas
táo somente os predicados de venerabilidade e autoridade
que comumente sao associadas ao conceito de vida longa;
Adáo, Sete, Enós sao tidos como respeitáveis, nao, porém,
como longevos, no livro do Génesis. Quanto á possibilidade
de se debelar a morte mediante recursos científicos, é um
tanto utópica e irreal...

Sao estas algumas observacóes propostas á margem do


livro «Cartas da Prisáo» de Frei Betto. Em suma: nao há
dúvida de que nesses escritos se encontram belas páginas,...
páginas que sensibilizam e comovem porque póem o leitor
em contato com a realidade carcerária, que é extremamente
dura e pouco conhecida ao grande público; a despersonali-
zagáo imposta pelo sistema penitenciario impressiona pro
fundamente a quem tenha senso humanitario. Além disto,
a personalidade de Frei Betto fala vivamente ao leitor; o
idealismo, a coragem e autenticidade do autor nao podem
deixar de chamar a atengáo... Contudo as idéias apregoa-
das por Frei Betto no tocante á questáo social pareceni
passionais; a critica a instituicóes da Igreja também se
ressente de preconceitos inadequados... É o que nos leva a
fazer restricóes ao livro de Frei Betto, por mais fascinante
e suave que seja a sua leitura.

— 85 —
Um documento candente:

o confronto entre (atol icos e


comunistas na itália

Aos 6 de julho de 1976, o bispo de Ivrea (Itália), Mons.


Bettazzi, dirigiu urna carta aberta aos comunistas do seu país.
Mais de um ano depois, isto é, aos 12/10/77, o Sr. Enrico
Berlinguer, Secretario Geral do PCI, publicou urna resposta
de quatorze páginas enderegadas a Mons. Bettazzi, em que
realcava a possibilidade, para os católicos, de militar no seu
Partido, visto que «este, como Partido, nao professa explíci
tamente a ideología marxista como filosofía materialista
atéia».

O jornal «L'Osservatore Romano» do Vaticano, em sua


edígáo em 17-18/10/1977, publicou um comentario a essa
carta de Berlinguer, sem signatario, e com o título «PARTIDO
COMUNISTA E CATÓLICOS NA ITÁLIA». Em síntese, o
autor do comentario faz votos para que Berlinguer esteja
dizendo a verdade, mas revela-se cético; ademáis lembra aos
fiéis católicos as diretrizes da Igreja até hoje sempre contra
rias á militáncia marxista, visto que esta se inspira radical
mente em postulados ateus e materialistas, dos quais até nos-
sos días nao conseguiu libertar-se.

Publicamos, a seguir, o texto de tal documento em- tra-


dugáo portuguesa.

PARTIDO COMUNISTA E CATÓLICOS NA ITÁLIA

Urna carta como a que nos últimos días foi dirigida ao bispo
de Ivrea pelo Secretario do Partido Comunista Italiano (PCI) requer
evidentemente leitura particularmente atenta. Com efeito é impossível
nao Ihe atribuir importancia especial, primeiramente em vista da
autoridade do seu redator, e, depois, porque, como se supoe fácil
mente, nao foi escrita sem o acordó das outras instancias responsá-
veis do Partido do qual o Sr. Berlinguer se faz porta-voz, e, por
último, em vista das próprias questoes levantadas.

_ 86 —
COMUNISTAS E CATÓLICOS NA ITALIA 39

O verdadeiro destinatario da carta : o episcopado italiano

A ¡mprensa italiana, nao sem razáo, consagrou comentarios á


carta e interrogou-se a respeito da mesma. Ela pergunta a si mesma
especialmente qual será a reaeáo das autoridades competentes da
Igreja diante do que se considera urna nova máo estendida pelo
Partido Comunista aos católicos italianos.

A ¡mprensa observou com muíto acertó que essa carta do Sr.


Berlinguer, dirigida a um bispo que dera ocasiao á mesma mediante
interpelacáo pública editada há mais de um ano (atraso este que
deu lugar a numerosos comentarios, que percebiam no mesmo urna
nova manifestacáo da fótica comunista), tem, na verdade, como des
tinatario o episcopado italiano. Toca, portanto, a este tomar posicao
reflelida e responsável, principalmente no que diz respeito aos as
pectos concretos c mais específicamente italianos da iniciativa comu
nista e das suas possíveís conseqüéncias.

O PCI pode dizer que nao professa explícitamente


a ideología marxista, materialista e atéía ?

Da nossa parte, nao podemos silenciar certas reflexóes sugeridas


por essa longo e densa exposicáo do Secretario Geral do PCl. Em
primeiro lugar, segue-se urna reflexáo realmente fundamental, por
que versa sobre a questáo dos ideáis nos quais se inspira o Partido.
Como se lé na carta a Mons. Bettazzi, estes ideáis sao, de um lado,
«a plena e rigorosa laicidades do Partido Comunista Italiano, a qual
seria garantida especialmente pelas disposicoes do artigo 2* dos seus
Estatutos; e, de outro lado, a fidelidade a certos principios, a um
patrimonio de ideáis, isto é, a «essa grande e viva licao. . . transmi
tida (aos comunistas italianos) pelos mestres do pensamento político
revolucionario, pelos fundadores do movimento comunista», cm outros
termos: «o marxismo concebido e utilizado de maneira crítica como
ensinamento, e nao aceito e lido de maneira dogmática como texto
imutável».

O Sr. Berlinguer observa em sua carta que a referencia ao


artigo 2° dos Estatutos poderia provocar resposfa negativa á questao
seguinte : sería exato afirmar que «o PCl como tal, isto é, como
Partido e organizacáo política, professa explícitamente a' ideología
marxista como filosofía materalista atéio» ?

E, ainda segundo o Sr. Berlinguer, seria preciso também excluir


que do «grande patrimonio ideológico e cultural» do qual se inspira

— 87 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

o PCI, decorra «o conceito de om Partido político que professe urna


filosofía, em particular, urna metafísica materialista e urna doutrína
atéia, e que tencione ¡mpor ou mesmo apenas privilegiar, na ativi-
dade política e no Estado, urna ideología particular e o ateísmo».

Tem sido observado por diversos comentadores que, se a carta


do Secretario Geral do PCI se refere tongamente ao artigo 2?, nao
faz mencao alguma do artigo 5' doi Estatutos do Partido. Essa omis-
sáo é fáo evidente que nao pode ser atribuida a esquecimento. Ora
o alcance desse artigo 5* é tao importante que recentemente o Par
tido Comunista, para responder a preocupacoes mais do que justifi
cadas da parte dos católicos, encarou ou mesmo previu redonda
mente o seu caneelamento em futuro próximo.

Verdade é que o artigo 5? «salvaguarda as disposicoes do


artigo 2'» e que o Sr. Berlinguer, como se viu, fala da ftdelidade do
Partido a um marxismo «que nao é aceito nem lido de man eirá
dogmática como um texto imutável»; Berlinguer dá assim a entender
que o artigo 5» dos Estatutos, e, de modo mais geral, a referencia
constante e característica á matriz marxista do PCI devem ser inter
pretados em sentido nao dogmático, e somente neste sentido. Resta,
porém, a questáo de saber se podemos considerar que assim fica
suficientemente garantida dentro do PCI tal interpretacáo, que, sem
dúvida, há de parecer a muitos um recuo e a outros algo de ambiguo,
pois se trata de um texto que admite certamente, e exige segundo
outros, inferpretacóes bem diferentes. Mais : mesmo que abstraíamos
desta questáo, é mais do que legitimo perguntarmo-nos quais sao
os limites admissíveis na leitura e na utüizacáo «crítica» do enstna-
mento marxista (e mesmo do marxismo-leninismo, como determina o
artigo 5*).

Observamos outrosiim: nao só a concepcao materialista e atéia


do mundo e da historia causa díficuldade ao cristao que estuda o
marxismo. Esta fica sendo, sem dúvida, a dificuldade mais profunda
e mais radical. Mas muitos outros aspectos da teoría e da prática
marxistas (que até o presente resistem a toda tentativa de ser lidos
ou aplicados criticamente) parecem nao conciliáveis, ou difícilmente
conciliáveis, com urna auténtica visco crista. Se outros motivos de
divergencias nao houvesse, ao menos se deveria apontar a dife-
renca que há entre urna prática que reconhece, sem discutir, a liber-
dade justa e responsável, considerada como condicSo indispensável
da justica, e urna prática que se mostrou sempre pronta a sacrificar
a liberdade em nome de .urna ¡ustiea freqüentemente parcial e dis-
cutível.

— 88 —
COMUNISTAS E CATÓLICOS NA ITALIA 41

Precedentes pouco animadores

Alias, o artigo 2' — em sua disposicáo e em sua motivacao,


que é a unidade da luto revolucionaria — tem ¡lustres precedentes
na historia dos movimentos comunistas, a comeear pela célebre frase
de Lenine anterior á revolucao de outubro : «Eis por que nao pro
clamamos, nem devemos proclamar, o ateísmo em nosso programa;
eis por que nao recusamos, nem devemos recusar, o ingresso no Par
tido aos proletarios que conservam cortos traeos de antigos precon-
ceitos», nem mesmo aos eclesiásticos que aceítem o programa poli-
tico do Partido. Mas esses precedentes nao sao táo animadores para
aqueles que desejaríam tirar dessas disposicoes algumas conclusóes
a respeito do que seria a política religiosa de um Partido Comunista
levado ao poder, e a respeito da atitude desse Partido em relacao
aos católicos. E, para sermos honestos, ninguém, nem mesmo dentro
os comunistas, poderío continuar a atribuir exclusivamente ao clero
e aos católicos a responsabilidade das discriminacSes, mesmo pesa
das, baseadas em criterios ideológicos (dos quais fala Berlinguer
em sua carta), ducriminaeoes as quais foram submetidos os fiéis
católicos, o clero e a Igreja, nao somente na Europa Oriental (como
lembra a carta), mas até o presente em todos os países onde se
estabelecou um regime comunista; essas difcriminacoes tém sido apli
cadas com urna constancia e um .paralelismo (ñas motivacoes e nos
faton) que nos dáo a concluir razoavelmente a existencia de urna
leí inscrita na natureza e na lógica me'.ma do marxismo-leninismo.

Ninguém, mais do que nos, se poderla regoziiar


da evokicao do PCI, mas. . .

O Sr. Berlingucr afirma que «os comunistas comecam a sair dessa


situaeao, ainda que seja com dificuldades, lentidao e mesmo contra
dices ...» Ninguém mais do que nos poderío dese¡ar que esse mov¡-
mento inicial assuma o mais rápidamente possível — mesmo com
dúvidas, desilusdes e receios — as dimensóes que o mundo católico
espera. E ninguém mais do que nos se regozi¡aria se um grande
Partido de massa, tao rico em foreas e em fermento quanto o PCI,
chegasse realmente a superar, na teoría e na prática, os preconceí-
tos da ideología marxista-leninista, materialista e atéia, e a se desem-
baratar do caráter totalitario e hegemonista que o sitúa á distancia
dos Partidos auténticamente democráticos, se bem que «leigos» (este
termo «leigo», alias, necessita de reservas e de ulteriores determi
na ?6es, dadas as ambigüedades e as diversas acepcoes do vocábulo).

— 89 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS.» 218/1978

Mas nao poderemos censurar os católicos italianos pelo fato de


que, apesar de todo o ¡nteresse atribuido á carta do Sr. Berlinguer,
o que neles domina é a perplexidade {para nao dizer mais) gerada
pelas experiencias negativas e preocupantes que se observam na
Italia ou em algumas regioes da Italia.

Em todo e qualquer caso, resta por fazer um longo e difícil tra


ba I ho de esclarecimenro no plano doutrinário e de dissipacoes de
temores no plano prático. Trabalho este tao dificil que a muitos
católicos e nao católicos — parece impossível, de tal modo os
termos sao radicalmente contraditórios e inconciliáveis entre si.

Nao desejamos desencorajar nenhuma vontade sincera, pois es


tamos convictos, também nos, de que se trata de problemas cuja
solucáo positiva (ou possível, acrescentamos e desejamos) é muito
importante para o futuro da sociedade e da Italia.

A incompatibilidade entre a fé crista e os pressupostos


ctautrirvais do marxismo

Enquanro aguardam, os católicos nao podem esquecer nem negli-


genciar o claro ensinamento da Igreja a respeito da incompatibili
dade da profissáo de fé crista com a aceitacao das premissas dou-
trinais do marxismo. Essa incompatibilidade, alias, é confirmada
pelos esforcos que o PCI vem realizando, nao sem dilaceracoes inter
nas, para excluir a exigencia de tal aceitacao por parte daqueles
que querem militar e agir dentro do Partido. Com efetto, o PCI está
bem consciente de que, se tal exigencia é mantida, se torna auto
máticamente impossível que um católico se inscreva no Partido Comu
nista, desde que deseje permanecer católico em verdade, e nao
apenas por palavras.

E, se alguém quiser lembrar o que disse Joao XXIII na encíclica


Pacem in Terrís a respeito da distíncao entre as doutrinas filosóficas
e os movimentos históricos aos qvais aque'as deram origem, e a
respeito da possibilidade de aproximacao e de encontró com estes
últimos no plano prático, é também necessário nao esquecer o que
a mesma encíclica logo acrescenta a propósito da decisáo a tomar
com referencia as ocasióes, aos modos e aos graus de tais aproxi-
macoes ou encontros da parte dos católicos: «lembrar-se-ao todos
de que os direitos e deveres da Igreja nao se limítam a salvaguardar
a inregridade da doutrina concernente a fé e aos costumes, mas
a autoridade da Igreja junto aos seus filhos se estende também ao

— 90 —
COMUNISTAS E CATÓLICOS NA ITALIA 43

setor profano quando se tratar de avalíar a aplicacao dessa dou-


trina aos casos concretos».

Á virtude da prudencia, recomendada por JoSo XXItl na mesma


passagem da encíclica Pacen» ¡n Tenis (prudencia tanto mais neces-
sária quanto o problema que hoje os desafia é mais grave), os cató
licos italianos soberao associar a ateneao as palavras que os seus
pastores Ihes diri,gem no exercício das responsabilidades que os
pastores nao podem declinar.

O documento dispensa comentarios. Evidencia mais urna


vez a tática comunista; para que as palavras e promessas
dos marxistas possam merecer crédito, deveriam compro-
var-se por longa e patente prática de vida, ou seja, pelo
exercicio concreto do respeito aos direitos humanos, k liber-
dade religiosa e aos ideáis democráticos; o totalitarismo
marxista, sufocador e massificante, até hoje praticado im
pede se dé crédito as tentativas de aliciar os fiéis católicos
e os auténticos demócratas.

Estévao Bettencourt O.S.B.

AOS AMIGOS DE PR

COMUNICAMOS QUE PESSOA OU PESSOAS DESCONHECI-


DA(S) A DIRECAO DE PR TEM (TlM) ENVIADO MENSAGENS
DOUTRINARIAS (GERAIMENTE FOLHAS XEROCOPIADAS QUE, ENTRE
OUTRAS COISAS, TRAZEM NOTICIAS DA IMPRENSA SOBRE RELI-
GIAO) A DESTINATARIOS DIVERSOS. PARA TANTO SERVEM-SE DE
ENVELOPES CUJO MITENTE É INDICADO COMO SENDO «PERGUNTE
E RESPONDEREMOS», CAIXA POSTAL (2666, 20.000 — RIO DE
JANEIRO (RJ). — ORA A DIRECAO E A REDACAO DE PR SE
ISENTAM DE QUALQUER RESPONSABlLIDADE NO TOCANTE A
ESSAS MENSAGENS E PEDEM A QUEM ESTEJA USANDO O NOME
DA REVISTA SEM A DEVIDA AUTORIZACAO, QUEIRA DEIXAR DE
FAZÉ-LO.
PR
E.B.

— 91 —
_44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 218/1978

Á IV SEMANA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA


Realizou-se em Curltiba (PR) de 3 a 9 de |anelro pp. a IV Semana
Internacional de Filosofía, a qual teve por tema central "A Filosofía e as
Ciencias". Contou com a participado de 136 professores nacional, 28 mes-
tres estrangeiros e 114 estudantes. Do Amazonas ao Rio Grande do Su I
estava all o Brasil representado, ao lado de dez nacOes européias e cinco
americanas. Além das sessSes plenárias, reglstraram-se tambóm as espe
cializadas, que versaram sobre Filosofía dos Valores, Filosofía da Educacáo,
Filosofía da Llnguagem, Filosofía da Rellglfio,... abrangendo diversas face
tas do pensamento filosófico.

Após seis días de intensos estudos e debates, a assembléia chegou


a treze conclusOes significativas, asslm enunciadas:
1. Há urgencia em reafirmar a objetivldade do conlüeclmenlo Inte
lectual, tendo-se em vista os desatinos da violencia no mundo resultantes do
irraclonallsmo passlonal.
2. A assembléia recomendé que os dentistas nio delxem de lado
o problema da verdade objetiva, empenhando-se em prol da superacSo do
mero Idealismo e do neoposltlvlsmo científico.

3. Tendo em vista que mullos dentistas da época atual se mostram


preocupados com o sentido filosófico das coisas e do mundo, a assembléla
recomenda o estabeleclmento' de diálogo permanente entre filósofos e den
tistas, Interes8ados nos citados problemas.
4. A assembléla julga que o diálogo deve abranger nfio apenas os
cultores das ciencias naturals e os filósofos, mas também os estudiosos
que se dedlcam ao desenvolvimento das ciencias humanas.
5. A assembléla recomenda estudos especializados particularmente
nos dominios da Lógica e da Filosofía da Llnguagem, em .que se investl-
guem as relacSes Interdisciplinares entre tais estudos e as pesquisas da
Matemática.
6. A assembléla recomenda aéja dada .a devlda atencSo ao cariter
interdisclplinar da Estética.
7. A assembléla recomenda que os estudos da dimensio do futuro
nao se limitem A perspectiva dos especialistas em ciencias naturais e tecno
logía, mas sejam abordados á luz dos principios éticos da Filosofía perene
e de sua» aplicacOes ao estudo do homem e do seu destino.
8. A assembléla recomneda que.o elevado nivel das pesquisas cien*
tíficas contemporáneas venha a ser acompanhado por padrñes éticos Igual
mente elevados, de tal maneira que se evite criar sltuac6es em que os
deveres do dentista para com a pesquisa entrem em confuto com seus
deveres de cídadáo responsável vinculado a determinada socledade.
9. Tendo em vista os prejufzos causados pela secularizado dos
valores vinculados á esfera do sagrado, a assembléia recomenda aos teó
logos qué se empenhem intensamente pela reconquista do valor do sagrado
no mundo.

10. Considerando que a crlacfio do mundo visto e amado por Deus


se prolonga de maneira permanente, a assembléla recomenda recordar
constantemente aos homens a obrlgapflo de amarem e protegerem a reall-
dade concreta através da qual se manlfesta a obra da criacfio divina.

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11. Ponderando que a cosmovisao crtstS e o marxismo nao se con-
clllam entre si, a assembléla faz votos para que a cultura crista se mantenha
permanentemente aberta aos valores oriundos de Deus e da transcendencia
sobrenatural.

12. A assembléla é do parecer de que a humanldade deve ser pre


parada para vlver sob novas figuras do poder político e para as radicáis
transformares do convivio social que estáo surgindo em conseqüéncla da
progresslva penetracSo da técnica em setores sempre mals numerosos da
cultura e da vida dos homens.

13. A assembléta recomendé constante preocupado com a qualldade


gramatical e estilística dos melos utilizados como veiculos de comuntcacao
das diversas ciencias, asslm como alerta os responsávels para excessos de
tecnología aplicada recentemente a educacao, com detrimento do espirito
critico dos educandos.
Sintetizando, pode-se dizer que foram tres as categorías de temas
que constituirán! as tónicas das exposicfies e dos diálogos subseqüentes:
1) A Inteligencia humana e sua capacldade de apreender a verdade
objetiva. Foram explanadas e discutidas varias das teorías modernas que
reduzem o acume do intelecto e negam a objetlvidade do pensamento.
Principalmente o neoposltivismo e a Filosofía da ünguagem, nos últimos
tempos, tém procurado lanzar o descrédito sobre o valor do conhecimento
humano, de tal modo que a ciencia se limitarla á lógica da construcSo de
frases e sentencas. — A orlentacáo predominante e oficial do Congresso
fol a de reafirmar o valor da inteligencia humana, assim como a possibili-
dade de chegarem os homens á verdade objetiva, mediante a correcáo
paciente e paulatina dos seus erros científicos e filosóficos.
2) Uso e abuso da técnica. Com freqüéncia, expositores e debate-
dores abordavam os problemas resultantes de desenfreado recurso acs
potentes instrumentos da técnica moderna: o meló ambiente se polui cada
vez mais, a educagSo se torna Impessoal, os povos passam a sor gover-
nados por coisas ou por números, e nüo por homens... Além disto, a
falta de ética explica que duas sejam as mais prósperas industrias contem
poráneas : a dos armamentos, que alimentam a violencia e as guerras, e
a das drogas, que despersonalizam o ser humano. — Frente á problemática,
os congressistas houveram por bem lembrar os imprescindlveis valores da
ética ou da consciéncia moral, sem a qual a ciencia se pode tornar instru
mento de suicidio para a humanidade. é sobre urna conduta ética hamio-
niosa e bela que se podem fundamentar a esperanga e o otlmlsmo dos
homens de nossos tempos. A futurologia, táo cultivada nos días atuais,
delxará entáo de ter cores t3o sombrías.
3) Ciencia, técnica e valores transcendenlais. A referencia a Deus
e ás perspectivas da fé se flzeram presentes mais de urna vez, e com
énfase, durante as sessóes do Congresso. Dlr-se-la que os problemas con
siderados com acume e objetlvidade levavam a impasses tais que se
percebia a inepcia do homem e resolvé-los pelos próprlos e exclusivos re
cursos da ciencia e da técnica. Era entSo patente a necessidade de nfio
só admitir valores transcendentais, mas também de inclui-los na cosmovlsáo
que o Congresso de Filosofía poderla e haveria de propor aos seus obser
vadores e interlocutores.
Na verdade, a IV Semana Internacional de Filosofía foi grandiosa
{como, alias, foram também as precedentes) tanto pelo número e o preparo
intelectual de seus participantes e seus temas como também pela cordiall-
dade que reinou entre todos os congressistas, aos quais Curitlba, a Cidade
Esperanza, oferecia o ambiente acolhedor de seus pinheiros e de seu
sorrlso humano!
EstévSo Bettencourt O.S-B.
UMA BELA IDADE
«COMPLETAREI 72 ANOS NA PRÓXIMA PRIMAVERA. ISTO QUER
DIZER QUE JA HA MUITO FACO PARTE DO QUE SE CHAMA 'A TERCEIRA
IDADE1, DE MAIS A MAIS QUE DESDE CEDO FUI REDUZIDA A INVALIDEZ
EM VIRTUDE DE LONGA ENFERMIDADE.

ORA POSSO ASSEGURAR QUE ESTE ÚLTIMO DECENIO VEM A


SER, PARA MIM, O SEGMENTO MAIS FELIZ DA MINHA VIDA. POR CERTO.
NO DECORRER DA JUVENTUDE E DA IDADE MADURA HOUVE MUITAS
ALEGRWS PROFUNDAS COMO TAMBÉM NUMEROSOS E RUDES SOFRI-
MENTOS. MAS O QUE PREVALECE ÑAS MINHAS RECORDARES, É O
QUE HOUVE DE MELHOR E, POR CONSEGUINTE* PERMITE NAO CON
SERVAR AMARGURA ALGUMA DO PASSADO.

A TERCEIRA IDADE É A DO REPOUSO, NAO A DA INERCIA. HA


TANTAS COISAS A FAZER, HA MULTIDAO DE PEQUEÑOS SERVICOS A
PRESTAR, EXISTEM TANTAS MAOS ESTENDIDAS, TANTOS CORACOES
A SER AMADOS, TANTOS SOFRIMENTOS A SER OUVIDOS E CONSO
LADOS, TANTAS ALEGRÍAS A DAR OU A COMPARTILHAR...

NAO HA DÚVIDA, ESTA É TAMBÉM A IDADE DA SOLIDAO. EM


TORNO DE MIM, VEJO MUITOS LUGARES VAZIOS. OS AMIGOS DESA-
PARECERAM. TODO O PASSADO SE APAGA AOS POUCOS, DEIXANDO
APENAS RECORDACOES. MAS ESTA SOLIDAO É SALUTAR E APAZIGUA-
DORA, TENHO TEMPO PARA PENSAR, PARA REFLETIR UM POUCO MAIS.
NO DECORRER DOS ANOS, HOUVE O DESAPEGO EM RELACAO A TAN
TAS COISAS QUE A VIDA SE SIMPL1FICOU. ISTO ALIVIA E DA O GOSTO
DA PAZ. TUDO SE AFASTA, COMO DIZ, CREIO. MONS. BAUNARD, E
DEUS VEM. ELE SE TORNA MAIS PRESENTE ; ELE ESTA Al, PERTINHO ;
ESPREITA-NOS, OUVE-NOS QUANDO TUDO SE CALA. VELA SOBRE NOS
E GUIA-NOS. ESTA É A HORA DA CONFIANCA, DO ABANDONO, DA
ESPERANCA.

É TAMBÉM A HORA DA ACAO DE GRACAS. BENEFICIEI-ME DE


TANTAS DELICADEZAS DIVINAS, DE TANTO AMOR, QUE INSTINTIVA
MENTE SOBE AOS NOSSOS LABIOS UM HIÑO DE AGRADECIMENTO:
MAGNÍFICAT I

É A HORA DO RECOLHIMENTO, DO SILENCIO. AS RENUNCIAS, AS


SEPARARES, AS DECEPCOES DA VIDA DEIXARAM O LUGAR LIVRE:
DEUS O OCUPA. DE RESTO, NAO SERA TAMBÉM EM BREVE A HORA
DO GRANDE ENCONTRÓ?

A TERCEIRA IDADE É UMA BELA IDADE, NADA Ai É INÚTIL E, SE


NAO PODEMOS PAZER SENAO COISAS PEQUEÑAS, PARA DEUS NADA
É PEQUEÑO. TUDO ESTA PRENHE DE ETERNIDADE I"

Testemunho extraído do llvro "Quando les vleux parlent" (Quando


os velhlnhos falam), de A.-M. Besnard.

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