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quarta-feira, 13 de Abril de 2005

Faz hoje 4 anos que a primeira mensagem foi enviada para o Povo.
Era necessário que o heróico se tornasse quotidiano e o
quotidiano heróico Embora seja difícil manter uma periodicidade razoável na publicação do
João Paulo II Jornal das Boas Notícias, tenho tentado conseguir que, pelo menos uma vez
O Jornal das Boas Notícias
Homilia em Norcia, 23 de Março de 1980 por ano, nesta altura, possa sair um número. Este ano, por razões muito
especiais, o Jornal das Boas Notícias tinha que sair. A Boa Notícia é o dom
Homilia do Cardeal Joseph Ratzinger................................................................... 1 da vida do nosso Santo Padre João Paulo II. Olhando para estes dias de
“Dêmos graças a Deus por João Paulo II, servo bom e fiel”............................ 3
A intercessão de São João Paulo Magno............................................................... 4 luto, é visível a imponência da sua presença humana, da qual nos damos
Fé e Razão em João Paulo II.................................................................................... 4 mais evidentemente conta porque deixou de nos ser sensível. Por isso, esta
Um grande Papa.......................................................................................................... 5 experiência de orfandade em todos quantos nele reconheciam, mesmo que,
Um grande coração..................................................................................................... 8
O Papa da minha juventude ..................................................................................... 8 confusamente, uma paternidade. Por isso, o espanto admirado mesmo
O elogio do sacrifício................................................................................................. 8 naqueles que nele apenas viam um líder religioso com acção política e
'Não tenhais medo'..................................................................................................... 9 diplomática. A grandeza humana de João Paulo II impõe-se a todos quantos
Quando Nietzsche e Cristo se encontraram.......................................................10
“A glória de Deus é o homem que vive” .............................................................10 olham com seriedade para a sua vida: o que vêm é uma vida realmente
Na casa do pai............................................................................................................11 vivida, vivida até ao fundo, vivida intensamente em cada e em todos os
Geração João Paulo II..............................................................................................12 instantes. Nos momentos de glória do mundo quando milhões o aclamavam
João Paulo II e a fé dos homens............................................................................12
O Papa que morreu perto .......................................................................................13 e nos momentos de debilidade e aparente incapacidade quando o mundo
O anti-herói................................................................................................................14 opinava pela sua resignação. A vida, a doença e a morte de João Paulo II
Atracção com causa ..................................................................................................15 permanecerão como uma lição de humanidade, como um farol para onde
Um Papa como nós ..................................................................................................15
Um Papa sem sombras nem contradições...........................................................16
olhar quando a vida nos pedir a heroicidade quotidiana que ele nos
Um valente do primeiro ao último dia ................................................................17 mostrou.
O Pontificado de João Paulo II.............................................................................18 Na sua primeira encíclica “Redemptor hominis” diz-nos que só Cristo revela
Memória de uma benção.........................................................................................18
João Paulo II, o Kremlin e o PC português........................................................18
plenamente o homem ao próprio homem. É este o seu segredo, que nunca
A força da fé...............................................................................................................19 se cansou de proclamar. É esta descoberta que a sua palavra e a sua vida
João Paulo II ..............................................................................................................19 nos revelam de modo tão convincente e atractivo.
São João Paulo Magno, o Papa do terceiro milénio.........................................20 Se esta colecção de testemunhos e artigos sobre a sua vida puderem ser
Escolham o Santo .....................................................................................................21
Testamento de Sua Santidade o Papa João Paulo II........................................21 uma ajuda para que a nossa humanidade seja mais plenamente vivida, esta
será verdadeiramente a boa notícia, a Boa Nova que ele incansavelmente
anunciou.
Homilia do Cardeal Joseph Ratzinger Obrigado Santo Padre.
MISSA EXEQUIAL Rezamos por si, como nos pediu.
PELO DEFUNTO PONTÍFICE ROMANO
JOÃO PAULO II Pedimos-lhe que reze por nós.
Praça de São Pedro Pedro Aguiar Pinto
Sexta-feira, 8 de Abril de 2005
os jovens, que João Paulo II gostava de definir como futuro
"Segue-Me", diz o Senhor ressuscitado a Pedro, como últi- e esperança da Igreja. A minha saudação estende-se, além
ma palavra a este discípulo, escolhido para apascentar as disso, a quantos por toda a parte do mundo estão unidos a
suas ovelhas. "Segue-Me" – esta palavra lapidar de Cristo nós através da rádio e da televisão nesta participação coral
pode considerar-se a chave para compreender a mensagem no solene rito de despedida do amado Pontífice.
que surge da vida do nosso chorado e amado Papa João Segue-Me – enquanto jovem estudante Karol Woityła era
Paulo II, cujos restos mortais hoje depositamos na terra entusiasta da literatura, do teatro, da poesia. Trabalhando
como semente de imortalidade – o coração cheio de tristeza, numa fábrica de químicos, rodeado e ameaçado pelo terror
mas também de jubilosa esperança e profunda gratidão. nazi, sentiu a voz do Senhor: Segue-Me! Neste contexto
São estes os sentimentos do nosso espírito, Irmãos e Irmãs muito particular começou a ler livros de filosofia e de teolo-
em Cristo, presentes na Praça de S. Pedro, nas ruas adjacen- gia, mais tarde entrou no seminário clandestino criado pelo
tes e em vários outros locais da cidade de Roma, povoada Cardeal Sapieha e depois da guerra pôde completar os seus
nestes dias por uma imensa multidão silenciosa e orante. A estudos na faculdade teológica da Universidade Jaghellonica
todos cumprimento cordialmente. Também em nome do de Cracóvia. Muitas vezes, nas suas cartas aos sacerdotes e
Colégio dos Cardeais, desejo endereçar a minha atenção nos seus livros autobiográficos, falou-nos do seu sacerdócio,
deferente aos Chefes de Estado, de Governo e às delegações para o qual foi ordenado a 1 de Novembro de 1946. Nestes
dos vários Países. Cumprimento textos interpreta o seu
as Autoridades e os Repre- sacerdócio particularmente a
sentantes das Igrejas e partir de três palavras do
Comunidades Cristãs, bem Senhor. Em primeiro lugar
como das diversas religiões. esta: "Não fostes vós que me
Cumprimento ainda os escolhestes; fui Eu que vos
Arcebispos, os Bispos, os escolhi a vós e vos destinei a
sacerdotes, os religiosos, as ir e a dar fruto, e fruto que
religiosas e todos os fiéis permaneça " (Jo 15,16). A
provenientes de todos os segunda palavra é: "O bom
Continentes; de modo especial pastor dá a vida pelas suas
ovelhas" (Jo 10,11). E finalmente: "Assim como o Pai me rezar, quem o ouviu pregar, sabe-o. E assim, graças a este
amou, assim Eu vos amei. Permanecei no meu amor" (Jo profundo enraizamento em Cristo conseguiu carregar um
15,9). Nestas três palavras vemos toda a alma do nosso peso que ultrapassa as forças meramente humanas: Ser pas-
Santo Padre. Foi realmente por toda a parte e incansavel- tor do rebanho de Cristo, da sua Igreja universal. Não é este
mente para dar fruto, um fruto que permanece. "Levantai- o momento de falar dos conteúdos ímpares deste Pontifica-
vos, vamos!", é o título do seu penúltimo livro. "Levantai- do tão rico. Gostaria somente de ler duas passagens da litur-
vos, vamos!" – com estas palavras despertou-nos duma fé gia de hoje, nas quais aparecem elementos centrais do seu
cansada, do sono dos discípulos de ontem e de hoje. anúncio. Na primeira leitura diz-nos São Pedro – e diz-nos o
"Levantai-vos, vamos!" diz-nos também hoje. O Santo Papa com São Pedro: "Reconheço, na verdade, que Deus
Padre foi, ainda, sacerdote até ao extremo, porque ofereceu não faz acepção de pessoas, mas que, em qualquer povo,
a sua vida a Deus pelas suas ovelhas e por toda a família quem o teme e põe em prática a justiça, lhe é agradável.
humana, numa entrega quotidiana ao serviço da Igreja, Enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a
sobretudo nas difíceis provações dos últimos meses. Deste Boa-Nova da paz, por Jesus Cristo, Ele que é o Senhor de
modo tornou-se uma coisa só com Cristo, o bom pastor que todos" (Act 10,34-36). E, na segunda leitura, São Paulo – e
ama as suas ovelhas. E, por fim, "permanecei no meu com São Paulo o nosso Papa defunto – exorta-nos em alta
amor": O Papa que procurou o encontro com todos, que voz: "Meus caríssimos e saudosos irmãos, minha alegria e
teve uma capacidade de perdão e de abertura de coração minha coroa, permanecei assim firmes no Senhor, caríssi-
para com todos, diz-nos, também hoje, com estas palavras mos" (Fl 4,1).
do Senhor: Permanecendo no amor de Cristo aprendemos, Segue-Me! Com o mandato de apascentar o seu rebanho,
na escola de Cristo, a arte do verdadeiro amor. Cristo anunciou a Pedro o seu martírio. Com esta palavra
Segue-Me! Em Julho de 1958 começa para o jovem sacerdo- conclusiva e que resume o diálogo sobre o amor e sobre o
te Karol Woityla uma nova etapa no caminho com o Senhor mandato de pastor universal, o Senhor evoca um outro
e atrás do Senhor. Karol dirigira-se como habitualmente, diálogo, que teve lugar no contexto da última ceia. Aqui
com um grupo de jovens apaixonados pela canoagem, aos Jesus tinha dito: "Para onde Eu vou, vós não podeis vir".
lagos Masuri para umas férias em conjunto. Mas levava Pedro disse-Lhe: "Senhor, para onde vais?". Jesus respon-
consigo uma carta que o convidava a apresentar-se ao Pri- deu-lhe: "Para onde eu vou, não podes tu agora seguir-Me,
maz da Polónia, Cardeal Wyszynski e era capaz de adivinhar mas seguir-Me-ás mais tarde" (Jo 13,33.36). Jesus da ceia vai
o objectivo do encontro: a sua nomeação como Bispo Auxi- para a cruz, vai para a ressurreição – entra no mistério pas-
liar de Cracóvia. Deixar o ensino académico, deixar esta cal; Pedro não pode segui-Lo ainda. Agora – depois da
estimulante comunhão com os jovens, deixar o grande cam- ressurreição – chegou este momento, este “mais tarde”.
po da discussão intelectual para conhecer e interpretar os Apascentando o rebanho de Cristo, Pedro entra no mistério
mistério da criatura homem, para tornar presente no mundo pascal, vai para a cruz e a ressurreição. O Senhor di-lo com
de hoje a interpretação cristã do nosso ser – tudo isto devia estas palavras: "… quando eras mais novo... ias para onde
parecer-lhe como um perder-se a si mesmo, perder até querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e
quanto se tornara a identidade humana deste jovem sacerdo- outro te cingirá e te levará para onde tu não queres" (Jo
te. Segue-Me – Karol Woityła aceitou, sentindo no chama- 21,18). No primeiro período do seu Pontificado o Santo
mento da Igreja a voz de Cristo. E depois deu-se conta de Padre, ainda jovem e cheio de forças, guiado por Cristo ia
quão verdadeira é a palavra do até aos confins do mundo.
Senhor: "Quem procurar salvar Mas depois entrou cada vez
a vida há-de perdê-la; e quem a mais na comunhão dos
perder, há-de conservá-la" (Lc sofrimentos de Cristo, cada
17,33). O nosso Papa – todos vez mais compreendeu a
sabemos – nunca quis salvar a verdade das palavras: "Outro
sua vida, guardá-la para si; quis te cingirá…". E precisamente
dar-se a si mesmo sem reservas, nesta comunhão com o
até ao último momento, por Senhor sofredor anunciou
Cristo assim como também por incansavelmente e com
nós. Precisamente desse modo renovada intensidade o
pôde experimentar que tudo o Evangelho, o mistério do
que entregara nas mãos do amor que vai até ao extremo
Senhor regressou dum modo (cf. Jo 13,1).
novo: o amor à palavra, à Ele interpretou por nós o
poesia, às letras foi uma parte mistério pascal como mistério
essencial da sua missão pastoral da divina misericórdia.
e deu uma nova frescura, uma nova actualidade, uma nova Escreve no seu último livro: O limite imposto ao mal "é,
atracção ao anúncio do Evangelho, até mesmo quando este definitivamente, a divina misericórdia" ("Memória e Identi-
é sinal de contradição. dade", p. 70). E reflectindo sobre o atentado diz: "Cristo,
Segue-Me! Em Outubro de 1978 o Cardeal Woityła ouve de sofrendo por todos nós, conferiu um novo sentido ao
novo a voz do Senhor. Renova-se o diálogo com Pedro sofrimento; introduziu-o numa nova dimensão, numa nova
relatado no Evangelho desta celebração: "Simão filho de ordem: a do amor… é o sofrimento que queima e consome
João, tu amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas!" à pergun- o mal com a chama do amor e retira até do pecado um
ta do Senhor: Karol, tu amas-Me?, o Arcebispo de Cracóvia multiforme florescimento de bem" (p. 199). Animado por
respondeu do fundo do seu coração: "Senhor, Tu sabes esta visão, o Papa sofreu e amou em comunhão com Cristo
tudo; Tu bem sabes que te amo". O amor de Cristo foi a e por isso a mensagem do seu sofrimento e do seu silêncio
força dominante no nosso amado Santo Padre; quem o viu foi tão eloquente e fecundo.

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 13 de Abril de 2005
Divina Misericórdia: O Santo Padre encontrou e reflexo esta veneração torna-se mais clara ao considerar como,
mais puro da misericórdia de Deus na Mãe de Deus. Ele, nestes anos do seu ministério como Pastor Supremo, nos
que perdera a mãe em tenra idade, amou muito mais a Mãe facilitou a nós, católicos, o cumprimento do nosso dever
divina. Ouviu as palavras do Senhor crucificado como se lhe filial de adesão fiel, com o exemplo da sua intensa vida espi-
fossem realmente ditas a ele pessoalmente: "Eis a tua mãe!". ritual – que se tocava! –, da sua alegria ao serviço das almas,
E fez como o discípulo predilecto: acolheu-a no íntimo do da sua caridade para com todos os homens e também da sua
seu ser (eis ta idia: Jo 19,27) – Totus tuus. E com a mãe exigência paterna, ao erigir a Obra em Prelatura, para que
aprendeu a conformar-se a Cristo. façamos o Opus Dei, esta partezinha da Igreja, como Deus
Para todos nós permanece inesquecível como neste último quer.
domingo de Páscoa da sua vida, o Santo Padre, marcado "Com agradecimento profundo e sereno, ofereçamos sufrá-
pelo sofrimento, apareceu uma vez mais à janela do Palácio gios pelo eterno descanso da sua alma".
Apostólico e deu pela última vez a bênção "Urbi et orbi". Conhecíamos o enorme prestígio espiritual e moral que o
Podemos estar certos de que o nosso amado Papa está agora Santo Padre tinha em todo o mundo. Mas nos dias passa-
à janela da casa do Pai, vê-nos e abençoa-nos. Sim, abençoe- dos, também ao ver a extensa cobertura que lhe dedicaram
nos, Santo Padre. Nós confiamos a tua querida alma à Mãe os meios de comunicação, penso que todos, também os não
de Deus, tua Mãe, que te guiou todos os dias e te guiará católicos, tocaram na verdade de que ubi Petrus, ibi Ecclesia:
agora à glória eterna do Seu Filho, Jesus Cristo nosso onde está Pedro, aí se encontra a Igreja. E agora, depois de
Senhor. Ámen. tantos anos de entrega generosa a Nosso Senhor, ressalta
ainda mais a incisividade e a eficácia do seu ministério como
“Dêmos graças a Deus por João Paulo II, servo Supremo Pastor.
bom e fiel” Temos a certeza de que a Santíssima Trindade lhe abriu de
Carta de D. Javier Echevarría aos fiéis da Prelatura e aos cooperadores do Opus Dei. par em par as portas do Céu, para premiar o seu constante
03 Abril 2005
Javier Echevarría, prelado do Opus Dei.
zelo pelas almas, o seu perseverante convite para que todos
Que Jesus me guarde as minhas filhas e os meus filhos! abramos as portas da alma a Cristo. Ao mesmo tempo, com
Queridíssimos: preparávamo-nos já para o doloroso transe agradecimento profundo e sereno, ofereçamos sufrágios
do falecimento do nosso amadíssimo Papa João Paulo II pelo eterno descanso da sua alma. Para além dos estabeleci-
que, mais frequentemente nestes últimos anos e meses, dos por S. Josemaria no Opus Dei para momentos como os
ofereceu a todo o mundo um testemunho sereno e alegre da que estamos a viver, aconselho-vos a serdes generosos no
sua íntima união com Deus através do sofrimento. oferecimento de sufrágios por João Paulo II. Tende a certe-
Desde a quarta-feira passada, quando o estado de saúde do za de que essas orações, já estamos habituados a vê-lo, serão
Santo Padre se agravou repentinamente, toda a Igreja se petições de ida e volta: subirão ao Céu e Nosso Senhor
congregou em torno do seu Pastor supremo, rezando com devolvê-las-á à terra convertidas numa chuva abundante de
fé em todos os cantos da terra. Uma vez mais se reproduziu graças.
a cena narrada pelos Actos "Minhas filhas e meus filhos: João Paulo II, junto de Nosso
dos Apóstolos: quando o Senhor, continua a dizer-nos: "Levantai-vos, vamos!". Para
rei Herodes pôs na prisão o que nos decidamos a reempreender com decisão o caminho
Apóstolo Pedro, com o da nossa vida cristã".
intuito de o fazer morrer, a Minhas filhas e meus filhos: João Paulo II, junto de Nosso
Igreja rogava incessan- Senhor, continua a dizer-nos: "Levantai-vos, vamos!". Para
temente por ele a Deus que nos decidamos, dia após dia, a reempreender com deci-
(Act 12, 5). são o caminho da nossa vida cristã. Duc in altum! (Lc 5, 4),
Esta oração pelo Sucessor recorda-nos a cada uma e a cada um. Todos nós, os cristãos,
de S. Pedro, para além de como filhos fiéis da Igreja, temos de nos lançar mar adentro
ter sido fonte de fortaleza no grande oceano do mundo, para levar a cabo, sem medio-
para o Papa nos passados cridades, com entrega plena e decidida, a missão corredento-
dias, uniu-nos com maior ra que Cristo nos confiou.
solidez a Cristo e à sua Quando o Conclave dos Cardeais, reunido sob a inspiração
amada Esposa, a Igreja; fez do Espírito Santo, eleger o novo Sucessor de Pedro, escuta-
com que os católicos remos o anúncio: habemus Papam!. Preparemos-lhe o cami-
descobrissem uma vez mais nho desde já. Roguemos ao queridíssimo João Paulo II que
que formam parte da interceda diante de Deus Nosso Senhor para que o novo
grande família dos filhos de Papa encontre o sulco aberto e preparado pela abundante
Deus, que têm um Pai oração e mortificação de todos os cristãos. Já o amamos
comum também na terra. com toda a alma, seja quem for; e, como nos disse o nosso
Sentimos além disso a Fundador em ocasiões análogas, ofereçamos tudo pela sua
proximidade de muitos Pessoa e intenções..., até a respiração!
outros cristãos e de Durante estes dias de sede vacante, talvez nos ajude aquela
inumeráveis homens e mulheres de boa vontade, que se jaculatória que o nosso Fundador sugere no Sulco: Para
uniram também à nossa oração. Demos graças a Deus por tantos momentos da História (...), parecia-me uma conside-
todos estes bens, por servo tão bom e fiel, o Papa João ração muito acertada aquela que me escrevias sobre lealdade:
Paulo II! "trago todos os dias no coração, na cabeça e nos lábios uma
Muitos motivos de gratidão nos vinculam, na Obra, a João jaculatória: Roma!" (Sulco, n. 344).
Paulo II. O nosso Padre ensinou-nos a amar ardentemente o Com todo o carinho vos abençoa o vosso Padre
Papa, seja quem for, pela simples e sublime razão de que é o + Javier
Roma, 3 de Abril de 2005.
Vigário de Cristo, seu Representante visível na terra. Mas

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 13 de Abril de 2005
A intercessão de São João Paulo Magno propósitos dos opositores (descentralização papal e fim da
João César das Neves cúria, casamento de padres e ordenação de mulheres, liber-
DN 050411
dade para aborto, homossexualidade, divórcio, preservativo,
Nestes dias muito se fala do Papa peregrino, ecuménico, etc.) são aspectos que distinguem as comunidades protestan-
reformador, do Papa dos jovens, dos pobres, da vida. Mas, tes e, com os avanços do diálogo ecuménico, quase os úni-
além de tudo isso, a morte de João Paulo II marca o termo cos que as distinguem.
do concílio Vaticano II. O seu imponente pontificado con- Os críticos chamam aos fiéis "tradicionalistas" e "conserva-
sistiu apenas na encarnação, institucionalização, normaliza- dores". Bem podiam chamar-lhes "católicos" e a si próprios
ção e plenitude desse ensinamento. Dentro de dias começará "protestantes".
para a Igreja Católica a era pós-concílio. O próximo Papa, o As tarefas do novo Papa são gigantescas. A descristianização
primeiro do último meio-século que não foi padre conciliar, e decadência europeias, a crise de vocações no Ocidente, o
lançará a nova fase da Igreja. desafio gnóstico e esotérico, a evangelização das potências
A situação dos cristãos em meados do século XX era muito nascentes China, Índia, Islão, os dramas sociais nas católicas
difícil. O problema não vinha das perseguições e perda de América Latina e África, a luta pela vida e família, etc. São
fiéis, pois o "pequenino rebanho" (Lc 12, 32) vivia habitua- problemas que se podem dizer impossíveis de resolver.
do a isso. A dificuldade estava em, desta vez, a Igreja se Como sempre, a Igreja não tem capacidade humana de
sentir culpada por essas circunstâncias. Por isso estava desa- subsistir. Só a presença do Espírito Santo dá vida ao corpo
nimada, complexada, à defesa. místico de Jesus Cristo, que conta agora com a poderosa
Esta não era a primeira vez que o fenómeno existia. Era a intercessão de São João Paulo Magno.
segunda. No século XVI viveu-se um forte ataque de cris- naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
tãos fervorosos contra o que consideravam a imoralidade,
abusos e perversão eclesiais. O resultado foi a terrível Fé e Razão em João Paulo II
Reforma, que dividiu dolorosamente a Igreja e a Europa por João Carlos Espada
200 anos. Desta segunda vez as acusações não eram tão In: Expresso, 050410

graves. Não se tratava de corrupção moral ou vícios institu- Um Papa extraordinário.


cionais, mas de desadequação da linguagem e métodos aos Uma semana depois da morte de João Paulo II, já tudo foi
tempos modernos. A casa estava bem fundada; só precisava dito sobre esse Papa extraordinário que conquistou o respei-
abrir as janelas. to e a admiração do mundo. Em modesta homenagem,
Nos dois casos, a solução foi conciliar. O século XVI viu o permito-me apenas recordar um aspecto menos realçado: o
grandioso concílio de Trento (1545-1563), aplicado por um combate intelectual de João Paulo II contra o niilismo con-
santo, São Pio V (Papa de 1566-1572), inverter a situação. temporâneo.
"Em 1590 cerca de metade da massa terrestre europeia Foi Karl Popper quem primeiro me chamou a atenção para
estava sob o controlo de Governos o facto, à primeira vista inesperado, de ser o Papa uma das
protestantes e/ou da cultura protestan- poucas vozes a defender a razão no
te; em 1690 o número era apenas cerca mundo (pós) moderno que nos rodeia.
de um quinto." (MacCulloch, D. A mesma ideia tem sido realçada por
Reformation, Penguin Books, Londres, George Weigel, o biógrafo norte-
2003, p.669). Quatro séculos depois, o americano do Papa (Testemunho de
concílio Vaticano II (1962-1965) reali- Esperança, Bertrand, 2000). No seu
zou uma reforma equivalente aplicada estilo acutilante e divertido, George
por quatro santos João, Paulo e João Weigel gosta de dizer que «Voltaire
Paulo. ficaria chocado com a ideia de que o
O impulso apostólico e pastoral de Papa e a Igreja católica pudessem ser
João Paulo II mudou completamente o os defensores dos direitos humanos e
estado de espírito, atitude e ânimo dos da razão».
fiéis. O Papa deixa uma Igreja jovem e Contra a negação da verdade objectiva
ordenada, empenhada, alegre e con- O tema foi particularmente crucial na
fiante. Com a doutrina esclarecida no Encíclica «Veritatis Splendor», de 1993,
catecismo (1992), alimentada pelo e foi retomado na Carta Encíclica «A
jubileu (2000), pelo rosário (2003), pela Fé e a Razão», de 1998. Esta Encíclica
eucaristia (2005), vive num mundo afirma que «um dos dados mais salien-
consagrado ao Imaculado Coração de tes da nossa situação actual consiste na
Maria (1984). A receita vinha do pri- ‘crise de sentido’ (gerada por) esta
meiro momento "Não tenhais medo! dúvida radical que facilmente leva a um
Abri, mais, escancarai as portas a Cristo! Abri ao seu poder estado de cepticismo ou indiferença ou às diversas expres-
salvador as portas dos Estados, dos sistemas económicos e sões de niilismo» (págs. 108-109). O niilismo caracteriza-se
políticos, dos extensos campos da cultura, da civilização e por uma «rejeição de qualquer fundamento e, simultanea-
do desenvolvimento" (homilia na inauguração do mente, a negação de toda a verdade objectiva»(pág.120).
pontificado, 22 de Outubro de 1978). Quais são as consequências do niilismo?
Hoje ninguém pode negar a enorme transformação do Vati- «Antes mesmo de estar em contraste com as exigências e os
cano II, semelhante à de Trento. Mas, por muito que se conteúdos próprios da palavra de Deus, (o niilismo) é a
mude, ainda há quem queira mais. A História repete-se e os negação de toda a verdade objectiva... Deste modo, abre-se
críticos do Papa pretendem alterações que transformariam a espaço à possibilidade de apagar, da face do homem, os
Igreja Católica numa seita protestante. Isto não é insulto, traços que revelam a sua semelhança com Deus, conduzin-
mas mera constatação. Com todo o respeito, nota-se que os do-o progressivamente a uma destrutiva ambição de poder
ou ao desespero da solidão» (pág. 120). Este foi, em meu

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entender, precisamente o destino do niilismo germânico na inacabada, do bem e da verdade. Uma razão crítica como
viragem do século XIX para o XX: nas ruínas da razão e do esta só pode trabalhar em diálogo com as tradições, desig-
sentido deixadas pelas investidas de Nietzsche e seus segui- nadamente com a tradição teológica e metafísica, e com as
dores, cresceu o irracionalismo nacional-socialista, ou a propostas da Fé, reconhecendo a autonomia mútua. Daqui
ambição crua do poder nu. renascerá «o ponto de encontro (ou o terreno comum de
Do racionalismo dogmático ao relativismo dogmático entendimento e diálogo, pág. 136) entre as culturas e a fé
Mas donde surgiu, por sua vez, a investida niilista? Karl cristã, o espaço de entendimento entre crentes e não cren-
Popper pensava que ela surgira das debilidades próprias do tes» (pág .106). Mas, para que esse diálogo possa ter lugar, é
racionalismo dogmático, do racionalismo excessivo - que indispensável que a filosofia se liberte do subjectivismo e
Nietzsche detectara, caindo na filosofia do desespero. E relativismo desenfreados para onde é empurrada pelo niilis-
Popper antecipara que, quando o racionalismo dogmático mo, produto do fracasso merecido do racionalismo dogmá-
do marxismo caísse por terra, uma espécie de simbiose tico.
niilista entre Marx e Nietzsche passaria a ser o novo «ópio
dos intelectuais», ou a nova «religião secular». Da confiança Um grande Papa...
cega na certeza da Razão, passar-se-ia à certeza cega na P. Duarte da Cunha
impotência da razão. (3 de Abril de 2005)

João Paulo II não poupou «o espírito excessivamente racio- Eis-me em Timor procurando acompanhar a Igreja toda que
nalista de alguns pensadores». E recordou que «diversas chora pelo Papa. As notícias vão chegando pela Antena 1,
formas de humanismo ateu... não tiveram medo de se apre- pela RTP i ou pela Rai Internacional. E vemos partir para
sentar como novas religiões, dando base a projectos que junto dAquele a quem já há muito tinha dado a vida, um
desembocaram, no plano político e social, em sistemas tota- Papa que nos ensinou a tantos de nós, que só dando a vida a
litários que foram traumáticos para a humanidade»(págs. 64- Cristo ela tem sentido.
65). Vão surgindo muitos comentários sobre o pontificado. Os
«Como consequência da crise do racionalismo», prossegue a primeiros vão ser muito elogiosos, depois virão os mais
Encíclica, «apareceu o niilismo. Enquanto filosofia do nada, críticos. Provavelmente vamos ser bombardeados com
consegue exercer um certo fascínio sobre os nossos con- tantos, que até pode acontecer que nos esqueçamos de pro-
temporâneos... Na interpretação niilista, a existência é curar ter um olhar de fé, tal como o Papa sempre nos ensi-
somente uma oportunidade para sensações e experiências nou a ter. Ouviremos políticos, homens e mulheres de cultu-
onde o efémero detém o primado» (págs. 65-66). ra, pessoas de várias religiões, alguns não crentes, e, claro,
À beira do precipício. alguns católicos, bispos, padres, leigos...
Face ao niilismo, João Paulo II afirmou que «a necessidade Já se ouvem muito daqueles que elogiam o Papa por ter
de um alicerce para construir a existência pessoal e social lutado contra a morte (quando o que vimos foi um homem
faz-se sentir de maneira premente, principalmente quando se a aceitar a morte à medida que ela se aproximava nos últi-
é obrigado a verificar o carácter fragmentário de propostas mos anos, sem esconder, sem achar que só a vida activíssima
que elevam o efémero ao nível do valor, anulando assim a pode ter lugar na sociedade)! O Papa lutou contra a morte,
possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existên- ou melhor, contra a cultura da morte, mas acolheu muito
cia. Deste modo, muitos arrastam a sua vida quase até à claramente a sua morte. Virão, sem dúvida, as análises sócio-
beira do precipício, sem saber o que os espera»(págs. 13-14). políticas que não podem deixar de vincar a importância do
Por isso, considerou «muito importante que, no contexto Papa para as mudanças políticas que o final do segundo
actual, alguns filósofos se façam promotores da descoberta milénio viu acontecerem. O fim do comunismo, não há
do papel determinante da tradição para uma forma correcta dúvida, muito lhe deve. Mas que ninguém se esqueça que a
de conhecimento. De facto, o recurso à tradição não é mera sua força estava no facto dessas e outras ideologias serem
evocação do passado; constitui, sobretudo, o reconhecimen- verdadeiramente contra o homem. Aquele Papa que acredita
to dum património cultural que pertence a toda a humani- em Deus não podia deixar de denunciar como anti-humana
dade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos nós que perten- as ideologias (socialistas ou liberais) que neguem a impor-
cemos à tradição, e por isso não podemos dispor dela a tância de Deus. O Papa foi, como tantos têm estado a dizer,
nosso bel-prazer. É precisamente este enraizamento na um Papa dos Direitos do Homem, mas não se esqueçam
tradição que hoje nos permite poder exprimir um pensa- esses e nós todos que de todos os Direitos o que ele melhor
mento original, novo e aberto ao futuro» (pág. 116). nos mostrou ser necessário defender é o Direito à vida, esse
No centro da mensagem papal parece estar precisamente o direito que pertence a cada ser humano desde o primeiro
apelo a «recuperar quer a profunda tradição teológica... quer instante da sua existência como ser unicelular até à morte
a tradição perene daquela natural!
filosofia que, pela sua real Outros falam do Papa do diálogo,
sabedoria, conseguiu superar as que é sem dúvida uma das suas
fronteiras do espaço e do grandes características, mas alguns
tempo» (pág. 116). falam desta sua capacidade de
Fé e Razão dialogar à maneira do mundo, ou
Pessoalmente, entendo assim a seja, um diálogo em que cada um
mensagem do Papa: se a razão diz o que tem a dizer e todos
abdicar da arrogância fatal que a ficam na mesma! É verdade que
levou ao racionalismo João Paulo II reconheceu o valor
dogmático e, a seguir, ao de tantos que são diferentes, de
desespero niilista, ela pode e pessoas doutras religiões, de gente
deve retomar a legítima com outras ideias políticas ou
ambição da busca, sempre com diferentes perspectivas da

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sociedade, e todos se sentiram acolhidos. O Papa mostrou de Cristo que vence todos os medos.
muito bem que não é a violência mas o amor que pode E no entanto, este homem consciente e sofredor pelo mal
construir o futuro. Mas nunca o ouvimos dizer que as reli- todo que o mundo insiste em gerar, era um homem alegre,
giões ou as opiniões se equivalem, nem o vimos com medo alguém que ria e fazia rir, um homem que brincava e fazia as
de chamar as coisas pelo seu nome diante de quem quer que pessoas à sua volta estarem bem dispostas. Nunca o vimos
fosse. Nunca o vimos com respeitos humanos a calar a com a alegria própria do distraído, sempre o vimos com a
verdade. Para o Papa não havia fórum humano que estivesse alegria do santo que, vivendo conscientemente da fé, tem
fora da sua missão, ele ouvia, aprendia com todos, com esperança e por isso sabe que a ressurreição é um facto. A
cientistas e políticos, homens religiosos ou pessoas sem fé, esperança que nos ensinou não foi a utopia de que o mundo
mas também a todos dirigia a palavra. Nunca foi uma pala- será o paraíso, mas também nunca foi uma coisa que nos
vra de conveniência. dispensasse do empenho dramático na construção dum
Quando o Vigário de mundo mais conforme ao plano de Deus. Ele deu-nos a
Cristo falava não perdia esperança em Cristo: mostrou que não somos deste mundo
tempo em inutilidades, e deu-nos força para fazer deste mundo uma casa onde
Cristo tem algo a dizer, o Cristo reine mesmo. Falava da importância de construir um
Papa punha ao Serviço mundo melhor, e muitos se comprometeram a partir da sua
do Senhor o seu palavra, mas nunca deixou de lembrar que esse mundo só é
ministério. Ele foi, por melhor se Deus estiver presente, se o coração de cada
tudo isto e sem dúvida homem e cada mulher abrir as portas a Cristo. A frase mais
um homem de diálogo, vezes repetida em tantas e tão variadas ocasiões o Papa
mas porque vivia a expe- pegou-a do Concílio: “Na realidade, o mistério do homem
riência da certeza. Que só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeira-
certeza? Talvez seja isso mente” (GS 22).
que poucos jornalistas ou O Papa da certeza sobre Cristo é, por isso, o Papa que não
comentaristas (salvo a deixou que o fim do segundo milénio e o início do terceiro
Aura Miguel) vão saber tivesse declarado que Deus não existia, ou que relegasse
dizer. A certeza de que Deus para um longínquo céu. O Papa tornou claro que
Cristo é o Senhor, está Deus está presente e que precisamos dele. O Papa foi, de
vivo, ama-nos e chama facto, um homem de fé, alguém para quem acreditar não era
todos à conversão. O Papa é, de facto, um grande uma coisa marginal aos problemas sociais, ou algo que pas-
testemunho de Cristo, foi e sê-lo-á sempre. Ele mostrou-nos sava ao lado da vida. Este é o Papa que nos libertou das
Cristo sem disfarces, sem adocicar a sua cruz, sem tentar filosofias racionalistas ou idealista para afirmar que existe
adaptar. Por isso, o Papa mostrou-nos Cristo em todo o Seu uma autêntica relação entre a fé e a razão. Culturalmente, até
esplendor, em toda a Sua atractividade. É isso que os jovens entre teólogos, havia quem julgasse que a fé e a razão nada
lhe agradecem. Com este Papa tantos descobriram Cristo e tinham que ver uma com a outra, e, a partir desta separação
decidiram consagrar a sua vida e tantos outros acolheram o tornavam a religião uma coisa à margem da vida, o Papa
Evangelho da Família e da Vida nas suas vidas. É Cristo que disse, mas mais do que só falar, mostrou na sua vida e mor-
este Papa nos tem dado. É Cristo que nós todos con- te, que só em Deus e com Deus o homem se realiza verda-
tinuamos a querer e a amar. deiramente, só na fé a razão alcança o seu cume, mas fé sem
O Papa tornou claro a quantos de coração iluminado pela fé razão não é cristã.
o ouviram que Cristo está aqui e agora. Desde o início, O Papa que nos anunciou Cristo e que nos mostrou a sua
Cristo Redentor do Homem, Cristo centro do cosmos e da presença na vida só podia ser um Papa de Nossa Senhora.
história, foi o centro de toda a sua mensagem e de toda a sua Um Papa filósofo, teólogo, professor... mas nem por isso
vida. Cristo, com a força e o amor deste Papa, não foi rele- menos simples na devoção. A devoção a Nossa Senhora
gado para uma esfera do religioso ou para um qualquer com a oração do Terço é uma marca evidente da fé cristã,
passado, não foi reduzido a um profeta ou a um revolucio- algo que todos sentiam ser profundamente autêntico no
nário marxista. Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Papa e algo que fazia os mais simples sentirem o Papa como
Deus, entrou na vida de todos nós, neste quotidiano capilar um dos seus. O Papa reza a Nossa Senhora porque acredita
das nossas vidas de trabalho, família, sofrimento e alegrias, e mesmo na Encarnação de Deus. O Papa de Nossa Senhora
está mesmo presente. É de ontem, de hoje e de sempre. O é o Papa que não nos deixou com uma simples experiência
Papa, até ao fim, disse-nos, muitas vezes mostrando com a religiosa, não falou só na importância de procurar Deus mas
sua própria vida, que Cristo está vivo. Como era claro quan- mostrou-nos uma presença real e encarnada, a presença de
do este homem, que todos eram capazes de dizer que era Cristo, do Verbo eterno do Pai que se fez homem no seio
um santo, denunciava os piores crimes, esses que até já há daquela jovem de Nazaré. O Papa de Nossa Senhora é, além
quem queira tornar um direito, como o aborto, a eutanásia, a disso, o Papa que sabe que Nossa Senhora, por ser mãe de
guerra, não deixando nenhuma dúvida sobre o terrível que é Deus, por ser a Mãe do Redentor, é, de facto, alguém excep-
a cultura da morte e sobre o importante que é construir uma cional e não seria inteligente quem sabendo disto não se
cultura da vida e do amor. Donde lhe vinha essa coragem? socorresse dela. O Papa totus tuus mostrou como a huma-
D’Aquele que tudo pode, do Senhor da vida. Talvez seja nidade redimida, a começar por Maria, está chamada a viver
essa a razão pela qual até aqueles que mais o criticavam não uma vida completamente nova e, por isso, confiou nela,
podiam deixar de o respeitar. O mundo tem muito poucos confiou a ela o mundo, consagrou ao seu Imaculado Cora-
homens que experimentam e testemunham esta intimidade ção o mundo inteiro, sabendo que a Mãe do Céu a todos
com Deus. Quem o quer seguir sabe muito bem que nestas protege, ele sabe bem que pode confiar porque ele mesmo
coisas que tocam no essencial da vida humana não pode experimentou essa protecção e desde 13 de Maio 1981 con-
haver brechas, mas também pode contar com a mesma força siderava-se um miraculado de Nossa Senhora.

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O Papa de Nossa Senhora é o Papa da Eucaristia. Termina a não têm razão de ser, que há mal objectivo, que a consciên-
vida na Páscoa do Ano da Eucaristia, mas ao longo destes cia é sagrada, mas não pode decidir tudo sozinha, tem de
26 anos quantas vezes não nos comovemos ao vê-lo celebrar aprender, tem de conhecer a Lei de Deus. É, por isso, o
a Missa. Talvez agora alguns venham falar das suas homilias, Papa do Evangelho da Vida, o Papa da centesimus annus,
que nos arrastavam a todos, mas não podemos esquecer, que denunciou os males sociais, que fez frente aos grandes
como se fosse secundária, a força interior com que as pala- do mundo quando estes se lançavam na aventura da guerra,
vras e o silêncio da Missa eram vividos. Fosse na pequena que não se deixou convencer pela normalização da contra-
capela privada ou fosse diante de uma multidão de jovens, o cepção, o Papa que não cedeu à superficialidade. Este é o
Papa quando celebrava a Missa colocava toda a sua pessoa Papa da moral cristã, não do moralismo que se reduz a
nesse acto. E isto porquê? Porque na Missa é Cristo que está regras, mas da moral que vai buscar os seus fundamentos à
presente. O mesmo que Maria concebeu, na Sua verdadeira verdade do homem, é o Papa que insiste para que vejamos o
humanidade e divindade, está presente no altar! O Papa da esplendor da Verdade e coloquemos a nossa vida no seu
Missa é, ainda, o Papa da Adoração, caminho. O Papa que uns chamavam
daqueles longos e sempre profundos conservador e outros reformador, era
olhares para Cristo na custódia, no o Papa que não se deixa definir por
sacrário, nas mãos do sacerdote, nas critério humanos mas defende a
suas próprias mãos. É o Papa que pede verdade do homem em todas as
ao Senhor que fique connosco, que questões. O Papa que apela ao res-
permaneça presente no nosso mundo. peito humano é o mesmo que ensina
O Papa da Adoração é o Papa que pôs que há maneiras humanas e
o mundo inteiro a rezar. Para ele não grandiosas de viver a sexualidade. O
havia ninguém para quem Cristo não Papa da moral sexual exigente é, por
fosse tudo. Convocou os jovens, as isso, o Papa da teologia do corpo. O
famílias, os idosos e as crianças, os Papa que mostrou a grandeza do
trabalhadores, os pobres e os políticos, amor humano e da sexualidade não
os deficientes e os atletas, os artistas e podia deixar de ser o Papa que
os consagrados, a todos convidou a denunciaria as reduções que a cultura
adorarem Deus presente com a oração erótica, dominante e facilitista, insiste
e com uma vida que tivesse a ousadia em propor.
da santidade. O Papa insistiu para que Este é, por outro lado e ao mesmo
não tivéssemos medo de ser santos. Porque acreditou mes- tempo, o Papa da misericórdia. Só quem não teme a verdade
mo na presença e na força de Cristo, ele sabia que nos podia revelada por Deus sobre o homem tem coragem para dizer,
pedir para ser santos. Ele sabia que a santidade, embora mesmo que seja contra corrente, que há bem e mal. Quem
conte com todo o nosso empenho, é sobretudo uma graça, diz o que o homem é pode dizer como o homem deve agir.
um dom que Deus quer dar a todos. O Papa ajudou-nos a Mas o Papa quando diz o que deve ser a humanidade sabe,
não ter vergonha da santidade, ajudou-nos a perceber que porque a fé cristã sempre assim ensinou, que o homem está
vale a pena o nosso pouco esforço, porque Deus o abençoa marcado pelo pecado original, tem em si uma ferida que o
infinitamente. O Papa da santidade é o Papa dos grandes torna estranhamente propenso para o pecado. Porém, a fé
desafios morais. O Papa que não se contentou com o pouco também ensina que já aconteceu a vitória do perdão. Quem
mas nos propôs o máximo. O Papa que se arriscou a este conhece esta verdade, quem vive a Páscoa de Cristo, tam-
desafio é aquele que mostrou como nada disto é abstracto bém sabe que a última palavra não é o nosso pecado, mas a
ou impossível e, por isso, nunca até ele alguém tinha dado à misericórdia de Deus. Só alguém que não esquece as fragili-
Igreja tantos modelos de santidade empenhando a sua auto- dades humanas nem se esquece que mesmo assim o homem
ridade nas beatificações e nas canonizações. nunca deixou de ser imagem de Deus, pode falar de miseri-
Este é o Papa da Igreja. O Papa que deu a verdadeira inter- córdia. Este Papa não fingiu que não havia pecado nem
pretação do Concílio Vaticano II, o Papa da Lumen Gen- contou só com as forças do homem, ele acredita em Cristo
tium e da Gaudium et Spes foi o Papa que deu força à Igre- que é mesmo o Redentor do Homem, ele acredita que o Pai
ja. Essa Igreja que se sentia velha rejuvenesceu, encheu-se de é mesmo Rico em Misericórdia, e, por isso, não se limita a
jovens, viveu a primavera com o Jubileu, está comprometida dizer que Deus nos desculpa, mas mostra que Deus nos
com o mundo para anunciar a todos Jesus Cristo, para que quer salvar, ele sabe que o Pai ao dar-nos o Espírito que
cada homem encontre Cristo no seu caminho e com ele vivifica quer que descubramos e vivamos a verdade plena
percorra a sua vida. O Papa da Igreja que nasce da Eucaris- das nossas vidas, colocando realmente a nossa liberdade em
tia, da Igreja católica e universal, é também o Papa que pro- jogo, deixando o pecado e abraçando o caminho da santida-
curou a comunhão com os outros cristãos. Com que força de.
ele experimentava o desejo do próprio Jesus quando pedia O Papa que anunciou a Redenção e a Misericórdia é o Papa
ao Pai para que todos fossem um! Mas sabia e mostrou bem do Jubileu. Tudo preparou para que celebração dos 2000
que esse caminho da unidade não é o do relativismo, é o anos de Cristo não fosse apenas uma comemoração mas se
caminho da conversão e da verdade, por isso um caminho tornasse a experiência viva nos corações e na sociedade da
que compromete estruturas e doutrinas, mas sobretudo os presença de Jesus Cristo, nascido há dois mil anos mas ver-
corações, por aí devemos começar o ecumenismo. E o Papa dadeiramente ressuscitado e vivo. O Papa deu-nos um Jubi-
deu provas evidentes de que é possível avançar. leu que foi uma autêntica experiência da presença de Cristo,
O Papa que fez todos estes desafios rompeu também com uma porta aberta para passarmos e entrarmos na comunhão
os ideais dos que se deixam convencer pelas delícias mun- da Igreja e com a Santíssima Trindade.
danas, que agradam à superfície mas esvaziam o coração, é o Mas, de novo, como no tempo dos Apóstolos, houve quem
Papa que nos disse com todas as letras que há pecados que o ouvisse e houve quem se fechasse. O mundo depois do

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Jubileu não se tornou um paraíso, o mundo, porém tem A defender, em todas as circunstâncias, a paz.
agora de maneira mais viva, gente que sabe que Jesus é o A lutar pela liberdade.
Redentor do homem, que experimenta a alegria da comu- Numa época marcada pela voracidade na disputa dos bens
nhão com Deus, que não teme a santidade. Por isso o Papa materiais, pela competição desenfreada, pela luta pelo poder,
não deixou que o Jubileu fosse um tempo fechado em si. pelo primado do dinheiro, pela ausência de valores, João
O Papa do Jubileu é, então, o Papa da Igreja que se põe em Paulo II difundiu uma mensagem simples: para ser feliz
marcha. Se Cristo é tudo, como calar o encontro que tive- basta ter um coração grande.
mos? O Jubileu fez-nos pôr ao largo e lançar as redes. Não Porque essa é a fonte de um bem que não se compra com
se seguem tempos de descanso mas tempos para gastar as dinheiro nem se alcança com poder - e que, no entanto, é
forças na missão. O Papa da missão é ele mesmo o Papa essencial à vida: o amor.
missionário, das viagens e dos grandes embates culturais. Sem ele, definha-se e morre-se.
Por todo o mundo é preciso ir, por todo o mundo o Papa
foi e mostrou que não há cultura, não há povo, não há país O Papa da minha juventude
onde a Missão do Redentor não deva ou não possa chegar. Isabel Teixeira da Mota
Com o seu exemplo muitos se lançaram nas missões, muitos Jornalista do Jornal de Notícias
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novos movimentos se espalharam pelo mundo, por esse Participei nas jornadas mundiais da Juventude de Santiago
mundo pobre ou rico que não conhecia Cristo ou se tinha de Compostela (1989), Denver (1993), Loreto (para os que
esquecido dele mas continuava à espera da salvação. O Papa não foram a Manila, 1995), Galileia ( 2000), Toronto ( 2002).
de Cristo é o Papa que, até ao fim, não deixou de levar a O testemunho que aqui deixo desses encontros é pessoal, de
Igreja a dizer a todos os homens: “abri as portas do vosso um Papa que não se anunciava a si próprio, mas unicamente
coração a Cristo”. a Jesus. Foi esse Jesus
Agora parte, mas não deixa a Igreja na mesma, virá outro e que João Paulo II me
Cristo continuará a ser para o novo Papa e para toda a Igreja ensinou a amar. Cristo
aquilo que João Paulo II nos ensinou. Nós somos a sua parecia criar nele uma
geração, um povo que está pronto. Contamos com a inter- tenaz capacidade de
cessão de Karol Wojtyla, comprometemo-nos com a sua alegria, de grandes
herança: amar a Cristo, amar a Igreja, anunciar a todos os projectos para a
povos que Cristo está vivo e salva-nos do mal e da morte. Humanidade, abertos
ao futuro e sem
Um grande coração nostalgias do passado.
Editorial do Expresso, Talvez por isso tivesse
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«Numa época marcada pela voracidade na disputa dos bens tanta empatia com os
materiais, pela competição desenfreada, pela luta pelo poder, jovens. Referirei dois
pelo primado do dinheiro, pela ausência de valores, João desses encontros que
Paulo II difundiu uma mensagem simples: para ser feliz resumem, grosso
basta ter um coração grande.» modo, a sua mensagem
HOUVE papas que se notabilizaram pela astúcia diplomáti- aos jovens do Mundo
ca. Outros pela força doutrinária. Outros pela capacidade inteiro. Em Toronto,
organizativa. Outros pela habilidade na gestão de conflitos. logo a seguir a ter
Outros pela elegância do discurso. Outros ainda pelo espíri- rebentado o escândalo
to reformista. de pedofilia na Igreja
João Paulo II não teve como principal característica ser um Católica da América,
grande diplomata, nem um grande doutrinador, nem um JPII exortou-nos a não
grande organizador, nem um grande gestor de conflitos, desanimarmos por
nem um grande tribuno, nem um grande reformador: aquilo causa do mal, enraizado
que verdadeiramente o distinguiu foi ter um grande coração. também na Igreja: “Nós não somos a soma das nossas difi-
ESSE grande coração deu-lhe uma inesgotável capacidade culdades e falências. Constituímos a soma do amor do Pai
de amar. por nós e da nossa capacidade concreta de nos tornarmos
Karol Wojtyla amava Deus ardentemente. imagem do seu Filho, Jesus”. Olhando para uma América
Mas também amava ardentemente os homens. pós-11 de Setembro, disse-nos que “o Mundo contemporâ-
E a vida. E a liberdade. E a Paz. neo precisa de ser curado pela beleza e pela riqueza do amor
Foi essa capacidade de amar, que se lhe lia no olhar e na de Deus”. Em 2000, no monte da Galileia , perante milhares
expressão do rosto, que fez dele um Papa tão popular. de cristãos, judeus e muçulmanos, pronunciou as Bem-
As multidões que acorriam a recebê-lo podiam não perceber Aventuranças ( “Felizes os pobres em espírito, os que cho-
por vezes o que dizia - mas sentiam a força enorme do amor ram, os mansos, os misericordiosos, os pacíficos”... ). Inci-
que ele tinha pela Humanidade. tou-nos, então: “Buscai o olhar do amor de Cristo nos acon-
Pressentiam a grandeza do seu coração. tecimentos da vida e no rosto dos demais. Disso depende a
Havia, entre ele e a multidão, uma corrente afectiva que vossa plena realização e a vossa alegria”. De facto, tenho
passava. experimentado que assim é.
FOI este coração grande, enorme, que levou o Papa a viajar Obrigada Santo Padre!
por todo o planeta ao encontro dos católicos e dos fiéis de
outras religiões. O elogio do sacrifício
A condenar os atentados à vida humana, no início, no meio Miguel Portas
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ou no fim. No momento em que escrevo, o estado de saúde de João

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Paulo II é muito precário. O eclesiástico das más notícias já foram muitos os Papas que puseram as pombas brancas a
se encontra em Roma e, a 31 de Março, foram dados os voar na Praça de São Pedro. Mais que o seu diagnóstico
últimos sacramentos. Mesmo que o Papa recupere momen- sofrido sobre a vida, conta o modo como se entregou ao seu
taneamente, a doença de Parkinson avançou o suficiente mundo.
para que o destino siga as leis da vida. Nesta circunstância, Ele é "o incansável". Mesmo na doença, e principalmente
hesitei em escrever. Estas linhas serão sempre interpretadas nela, assume, até ao último suspiro, o rosto do sacrifício. Há
como as de um texto fúnebre avant la lettre. Corro, no algo de "desumano" - ou "sobre-humano" - nestes dias
entanto, o risco. Porque é ainda em vida que posso escrever finais, na voz que se esvai e na janela que fala, silenciosa.
com franqueza sobre a ambivalência que a figura deste Papa Uma igreja mais gentil teria convencido o seu Papa à resig-
me suscita. nação. Mas a insistência deste é um epílogo que entendo - à
Primeiro, o aviso como sabem, não sou cristão. Recorro a altura do desafio que a si próprio se atribuiu. É o elo que,
uma frase que Karol Wojtyla proferiu em Roma, na viragem simbolicamente, une a sua missão ao momento fundador da
do século: "Pela primeira vez na História da Humanidade, tradição cristã. Que tal ocorra em plena quadra pascal ape-
há um homem que vive como se Deus não existisse: o nas acrescenta força à obstinada vontade dos últimos dias.
homem europeu." Eu pertenço a esse homem. E no entanto Respeito e admiração, portanto. Até no adeus foi consisten-
a este homem nem João Paulo II nem o seu Deus são indi- te com a sua vida.
ferentes. www.miguelportas.net

Segundo, a advertência apesar de ateu, penso que a religião


não é uma questão exclusiva do foro privado de cada um(a) 'Não tenhais medo'
dos seus praticantes. Deus - o deus que cada crente faz seu - antónio ribeiro ferreira
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é privado. Mas a religião é uma invenção humana. A mais As primeiras palavras de Karol Wojtyla quando foi eleito
perene e poderosa delas. Para o pior e o melhor, só pode Papa em 1978 foram, e muito bem, lembradas por várias
existir no espaço público. A necessária separação entre personalidades na hora da morte do líder da Igreja Católica.
Estado e religião não é a remissão desta última a qualquer Seria bom que esta mensagem, e em especial o exemplo de
"gineceu" dos tempos modernos. Por dois motivos sucessi- vida de João Paulo II nos seus 26 anos de Pontificado, não
vos: porque pode a religião recuar entre o Homem, nomea- fique perdida na imensa floresta de registos sobre a obra do
damente o europeu, mas nem por isso a religiosidade dimi- Santo Padre à frente da Igreja. Particularmente em Portugal,
nuir. E porque a religião é uma história milenar de poder. A um país que teve o privilégio de ter recebido o Papa três
importância de João Paulo II é, aliás, a que decorre de uma vezes, viu Fátima consagrada como um verdadeiro Altar do
marcante intervenção no espaço público ao longo de um Mundo e dois dos pastorinhos de 1917 elevados a beatos da
quarto de século. Marcante e coerente, acrescente-se. Igreja Católica.
A citação a que recorri define a preocupação central deste Portugal, o País dos medos das rupturas e das mudanças,
Papa. Dela decorre todo um programa evangélico e político. dos falsos consensos, da promoção da mediocridade, devia
O fio invisível que liga o seu anticomunismo dos primórdios lembrar nestes dias o combate extraordinário de João Paulo
à actual recusa da guerra preventiva, é uma leitura preocupa- II contra o comunismo, o seu papel no derrube do Muro de
da e angustiada sobre os tempos modernos que prescindem Berlim e no fim do império soviético. Portugal, o País do
de Deus. E é essa difícil relação com o processo de laiciza- Bloco Central dos negócios e dos interesses, devia recordar
ção das sociedades ao longo do século XX que igualmente e reflectir sobre a luta vitoriosa que o Papa polaco desenvol-
explica o seu conservadorismo em matéria de hábitos. Ou a veu contra a Teologia da Libertação, uma forma encapotada
defesa das prerrogativas indevidas que a Igreja ainda man- de promoção do marxismo e do comunismo no combate à
tém em muitos países. pobreza na América Latina. Portugal, país com vergonha do
As posições antiquadas que a instituição continua a ter sobre passado, do presente e sem esperança no futuro, incapaz de
preservativo, aborto, escolha sexual ou até o lugar da mulher reconhecer os erros e afastar os seus demónios, devia seguir
na própria Igreja não a ajudaram particularmente. Nem o o exemplo de um Papa que pediu perdão aos judeus pelos
facto de a hierarquia continuar a pensar que os critérios crimes e ofensas cometidos pela Igreja Católica ao longo de
morais que reclama para os seus devem ter força de lei para séculos e séculos.
todos. O "Não tenhais medo" do Papa João Paulo II mostra uma
Não partilho do diagnóstico. forma de encarar a vida que, concorde-
Não é a Igreja que está bem se ou não com as práticas políticas e
num mundo que piora. Ao doutrinais do seu autor, devia servir de
contrário, julgo que a Igreja exemplo a todos os que pragmatica-
precisa de mudar para que o mente esquecem valores e vendem a
mundo melhore. Mas sei alma a qualquer Diabo que lhes apareça
reconhecer a mudança onde com 30 moedas de prata na mão.
existe. Em particular nos O "Não tenhais medo" de Karol
últimos anos, João Paulo II Wojtyla aplica-se igualmente à forma
teve a coragem de de- como o Papa defendeu de forma radi-
senvolver uma crítica sistemática da guerra. Chamou insis- cal, contra muitos ventos e marés, as suas posições sobre o
tentemente a atenção para as injustiças geradas pela civiliza- aborto, a contracepção, as práticas sexuais, a eutanásia e o
ção individualista do capitalismo. Teve a lucidez de contra- papel das mulheres na Igreja. João Paulo II, tanto no seu
riar quantos queriam - e querem - levar o mundo para um papel de Chefe de Estado do Vaticano como de pastor dos
real choque de tradições civilizacionais. E assumiu uma católicos, mostrou, de facto, que não tinha medo de assumir
posição muito digna sobre os fenómenos da imigração, ao perante o mundo posições difíceis, controversas, violentas
arrepio do cinismo das políticas dominantes. Este legado é até para quem ousasse fazer-lhe frente no interior da Igreja.
inestimável. Porque ao longo da História da Igreja não O "Não tenhais medo" do Papa polaco que conheceu os

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horrores do nazismo e do comunismo não será, por certo, cionário" ou, numa versão mais escolar mas não menos
esquecido pelo mundo. E estará com certeza presente no enevoada, como um papa da "Contra-Reforma". João Paulo
espírito dos 117 cardeais que irão escolher o seu sucessor. II não teve de enfrentar o protestantismo, mas o niilismo,
Para um agnóstico que não rege os seus dias pelos dogmas e duas coisas bem diferentes. E, ao contrário do que por vezes
regras da Igreja Católica, João Paulo II foi um exemplo de se ouve, não esqueceu o Vaticano II. Bem pelo contrário,
vida. E de coragem. como o mostram o famoso ecumenismo (que lhe permitiu
sarar a ferida do presumível anti-semitismo cristão) ou as
Quando Nietzsche e Cristo se encontraram preocupações ditas "sociais".
Luciano Amaral João Paulo II não representou nenhum regresso ao passado.
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Antes representou uma tentativa, bem ancorada no século
Nietzsche foi talvez quem melhor percebeu o século XX, XX, de adequação dos valores cristãos à corrente idade
mesmo tendo vivido apenas parte do seu primeiro ano. Mas democrática. Não ressuscitou qualquer passado remoto.
deve-se-lhe a antecipação do homem típico do século, o Antes se inspirou na jurisprudência próxima do Vaticano II
"último homem". Aquele para quem "Deus morreu" e que (e, mais indirectamente, de Leão XIII), a que adicionou
no lugar de "Deus" instaurou pequenos ídolos, como a certos elementos de fé radical. Perante a liberdade sem
ciência e a técnica, ou certos "providencialismos seculares", regras do "último homem", quis instaurar limites "constitu-
como o socialismo. Pensa-se muitas vezes que a "morte de cionais" (chamemos-lhes assim) a essa liberdade. Pode não
Deus" foi para Nietzsche uma constatação libertadora. Mui- se partilhar a fé (como acontece com este que aqui assina) e
to pelo contrário, tratou-se de uma descoberta desesperante. pode não se estar de acordo com tudo o que disse e fez
A sua filosofia pouco mais é do que a tentativa de encontrar (idem). Mas quem anda por cá a tentar não ser o "último
um substituto para "Deus". Feliz com a dita morte ficou homem", a tentar "reencontrar" Deus ou um seu "substitu-
apenas o "último homem", para quem não há transcendên- to", não pode senão sentir a morte de João Paulo II como a
cia, mas apenas uma vida terrestre que, apoiada na ciência, partida de um companheiro de busca.
na técnica e na organização social "perfeita", deve ser vivida João Paulo II fez um trabalho preparatório que a Igreja
sem risco ou contradição. Por isso, o "último homem" é o deveria agradecer, ao colocá-la em excelente posição para
indivíduo apenas centrado na prossecução da sua felicidade. participar na famosa profecia de André Malraux depois do
Ele é, portanto, o homem para quem nada existe para além terrível século XX, caberia ao século XXI a difícil tarefa de
do seu corpo e respectivo valor social. Perdidos os limites "reintegrar os deuses" na vida humana. Mas certamente não
que Deus oferecia, o "último homem" é, também, o o fará nem ajudará a fazer se sucumbir à facilidade de seguir
"homem-manada", à espera de se reunir com outros para o espírito que é o do tempo nalgumas partes do Ocidente,
seguir docilmente, como um escravo, o comando superior escolhendo um Papa transigente com o "politicamente cor-
de um mestre. Disto resultou o mais terrível dos séculos a I recto". Não é preciso ser crente para perceber que nem a
e II Guerras Mundiais, o nazismo e o gulag bastam como Igreja nem o mundo teriam qualquer coisa a ganhar com
antologia. isso.
Eis o grande problema da Igreja no século XX lidar com
este homem. João Paulo II terá sido talvez um dos seus
“A glória de Deus é o homem que vive”
representantes que melhor o conseguiu fazer. O que faz de
Comunicado de imprensde Comunhão e Libertação pela morte de João Paulo II
si uma das figuras mais importantes do século. Neste senti- Milão, 3 de Abril de 2005
do, tal como Nietzsche, compreendeu como poucos o “Meus amigos, sirvamos este homem, sirvamos Cristo neste
"último homem". Nietzsche, para quem o cristianismo era o grande homem com toda a nossa existência”. Assim nos
horrível causador da decadência do Ocidente, ficaria certa- disse don Giussani à saída da sua primeira audiência com
mente surpreendido com a sua capacidade para encontrar João Paulo II no início de 1979. Procurámos realizar estas
recursos eficazes na luta contra a "morte de Deus". Quase palavras em todos estes anos de vida do movimento Comu-
todo o pontificado de João Paulo II se organiza em torno do nhão e Libertação, segundo a tarefa que o próprio Papa nos
combate ao "último homem". É ele que explica a sua intran- confiou por ocasião de uma audiência em 1984: «”Ide por
sigência nas questões do preservativo, do aborto e da euta- todo o mundo” (Mt 28,19) foi o que Cristo disse aos seus
násia, entendidas como manifestações da tentação de reduzir discípulos. E eu vo-lo repito: “Ide por todo o mundo a levar
a vida apenas ao corpo (descartável, quando socialmente a verdade, a beleza e a paz,
inútil). É também ele que permite entender o culto mariano, que se encontram em Cristo
que desde a Idade Média foi a grande fonte de religiosidade Redentor”. Esta é a palavra
popular, constituindo, portanto, o melhor instrumento para de ordem que vos deixo
a "ressurreição de Deus" junto do "homem comum". Permi- hoje” (Pelos 30 anos do
te ainda entender a prática evangélica, traduzida nas cons- nascimento de CL, Roma, 29
tantes viagens e aparições televisivas. E explica, naturalmen- de Setembro de 1984).
te, o anticomunismo. Gratos, inclinamo-nos diante
Pode argumentar-se que, sendo a Igreja Católica o que é, do cumprimento da vida do
nada disto surpreende muito. Seria esquecer ou não com- Papa, que exerceu a sua
preender muitas das derivações do Concílio Vaticano II, no autoridade antes de mais
qual a Igreja tentou durante os anos 60 lidar com a contesta- como testemunho pessoal de
ção (típica da época) aos seus valores tradicionais. Basta Cristo – “centro do cosmos e
lembrar a tolerância perante o ateísmo, a "teologia da liber- da história” (Redemptor
tação" ou mesmo o fenómeno efémero (mas bem represen- hominis) – dado ao mundo
tativo do tempo) da "teologia da morte de Deus", para per- com infatigável dedicação e
ceber que havia outro caminho. Foi a recusa desse caminho sacrifício de si.
que permitiu a muita gente apelidar João Paulo II de "reac- Na festa dos seus vinte e cinco anos de pontificado, don

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 13 de Abril de 2005
Giussani escreveu de João Paulo II: “Seguindo a vida do porá nos nossos lábios uma formosa oração, no prefácio da
Papa neste 25 anos, aquilo de que nos damos mais conta é missa de defuntos, que nos confirma na "esperança da nossa
que o cristianismo tende a ser verdadeiramente a realização feliz ressurreição". Com que luminosidade sente agora a
do humano. Todas as suas viagens, como longa marcha em Igreja que, "se a certeza da morte nos entristece, conforta-
direcção à morte, tiveram a sua razão na evidente unidade nos a promessa da imortalidade"! Que natural é agora ima-
que corresponde ao génio do cristianismo: Gloria Dei vivens ginar o Papa na presença da santíssima trindade, vivo já para
homo (a glória de Deus é o homem que vive)”. sempre. Porque sabemos que "para os que crêem em vós,
O Papa deixa o mundo mais cheio da humanidade de Cristo Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma; e, desfeita a
e a Igreja mais consciente de ser ela mesma “movimento”. morada deste exílio terrestre, adquirimos no céu uma habi-
tação eterna"!
Na casa do pai João Paulo II caracterizou-se por muitas qualidades e face-
D. Javier Echevarria tas, e não faltará quem, nesta hora, enalteça o seu papel na
Público050408 história da Igreja e da humanidade, as suas virtudes humanas
João Paulo II repetiu com frequência, também quando lhe e sobrenaturais, os seus talentos. Para mim -como para
pediam que não se desgastasse tanto fisicamente, estas pala- incontáveis homens e mulheres no mundo inteiro -, o Papa
vras: "Depois de um Papa vem outro." Penso que essa foi, acima de tudo, um pai. Na sua pessoa experimentámos
expressão manifestava a consciência de estar de passagem de modo muito intenso que a Igreja está unida pelos laços
neste mundo, como todos nós, mas também a certeza de de comunhão próprios de uma família; que o Papa é um pai
não ter sido colocado pelo Espírito Santo na sede de Pedro para os católicos dos mais variados países, que é princípio e
para ser aclamado como homem, mas para incentivar os fundamento da unidade na Igreja, fonte de fraternidade
homens a aclamarem Deus entre todos os homens, promotor da paz.
João Paulo II falou-nos de muitas maneiras. Com encíclicas, Atrever-me-ia a dizer que João Paulo II representou de
homilias, discursos, cartas e livros. De viva voz, por escrito, modo excelso o principal papel da sua vida, o papel de pai, a
com imagens. Usou também a linguagem dos símbolos, com função de vigário de Cristo. Imagem, com toda a sua perso-
gestos eloquentes, carregados de sentido. Todas essas acções nalidade; e símbolo vivo entre nós. Oxalá saibamos entender
nasciam do fundo de uma alma intimamente unida a Jesus e secundar tudo o que Deus nos pede, de modo tão claro e
Cristo e por isso transportavam consigo a força comunicati- próximo, e acertemos a fazer da Igreja, como João Paulo II
va da palavra de Deus. nos propôs, "casa e escola da comunhão".
Estes pensamentos assaltavam a minha mente com força Hoje, acumulam-se os motivos de gratidão. A Deus pelo
insistente na noite de sábado, 2 de Abril. Parecia-me que dom deste Papa. A João Paulo II pela sua fidelidade forte e
todo o dia era um suceder-se de sinais de penetrante elo- doce; a tantas pessoas - eminentes ou desconhecidas - que
quência. De manhã, chegaram-nos as palavras fragmentadas foram seus colaboradores nestes quase 27 anos; especial-
que dirigiu aos jovens, a sua última mensagem: "Procurei- mente àqueles que cuidaram dele com amor filial até ao
vos, agora vindes vós junto de de mim e agradeço-vos." último momento: a D. Stanislau Dziwisz, fiel assistente de
Como foi dito nalguns dos programas televisivos de Itália, o toda a vida; a essas religiosas cujos nomes não aparecem nos
dia 2 de Abril foi uma improvisada e jornais; à Polónia, que ofereceu à
imprevista "jornada mundial da Igreja este filho ilustre; aos médicos;
juventude". À noite, 100.000 pessoas aos jornalistas que, partilhando a
rezavam a Nossa Senhora pelo Papa, emoção, nos vêm contando estes
quando expirou. A Virgem Maria acolhia momentos difíceis e únicos... Não há
benevolamente a oração dos filhos pelo espaço para fazer uma lista, mas é de
seu pai. "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai justiça expressar, pelo menos de
por nós pecadores agora e na hora da forma genérica, a gratidão para com
nossa morte." Parece que João Paulo II aquelas pessoas que estiveram
faleceu ao terminarem as orações da sempre perto e fielmente serviram
praça, e que o "ámen" foi a sua palavra este servo bom e leal que o Senhor
de adeus. Antes, às oito da noite, D. recebeu com um abraço no Céu.
Stanislau Dziwisz celebrou a Santa Missa João Paulo II repetiu com
do Domingo da Misericórdia. Seria frequência, também quando lhe
porventura possível pronunciar uma pediam que não se desgastasse tanto
palavra mais consoladora junto do leito fisicamente, estas palavras: "Depois
de morte de uma pessoa que amássemos? A misericória de de um Papa vem outro." Penso que essa expressão manifes-
Deus pai, que sempre te acompanhou, espera-te no céu, tava a consciência de estar de passagem neste mundo, como
morada definitiva do amor. todos nós, mas também a certeza de não ter sido colocado
Diante dos meus olhos, o dia 2 de Abril aparecia denso de pelo espírito santo na sede de Pedro para ser aclamado
simbolismo, de coincidências impossíveis de prever, impos- como homem, mas para incentivar os homens a aclamarem
síveis de organizar. Só a providência de Deus, rico em mise- Deus.
ricórdia, pode reunir a oração de milhares de filhos em favor Nestes dias, nós, os católicos, rezamos já pelo próximo
do seu pai, diante da Virgem Maria, na véspera da festa Papa, quem quer que venha a ser. Desde já lhe queremos
universal da Misericórdia. bem, com toda a alma, antes ainda de o conhecer. E pedi-
Todas essas circunstâncias nos interpelam, não apenas com mos ao nosso muito querido João Paulo II que interceda
a linguagem das palavras, nem somente com a expressivida- diante de Deus pelo seu sucessor. Vêm-me à memória umas
de das emoções, mas com a beleza dos símbolos, que palavras de S. Josemaria Escrivá: "Para tantos momentos da
imprimem uma marca indelével na alma. História, parecia-me muito acertada aquela consideração que
A liturgia que se irá celebrar nas exéquias de João Paulo II me escrevias sobre a lealdade: "Trago todo o dia no coração,

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O JORNAL DAS BOAS NOTÍCIAS 13 de Abril de 2005
na cabeça e nos lábios uma jaculatória: Roma!" Um nome de za, mas de uma profunda presença de Deus. Todas elas de
cidade, uma oração, um laço de união para todos os católi- louvor ao Pai por, na imensidão do tempo, ter permitido
cos, para todos os homens de boa vontade." que partilhássemos a nossa época com a de João Paulo II.
Prelado da Opus Dei
Julgo poder dizer que esta esperança é tão manifesta que até
os mais atrevidos jornalistas se mostram tocados pelas mul-
Geração João Paulo II tidões que acorrem a Roma e esperam horas para ver o
Inês Q. Fonseca
7 de Abril de 2005
Papa, sem comer e sem dormir, mas também sem um quei-
Nasci dois meses depois da eleição de Karol Wojtyla. Dos xume, sem um desacato. Foi a essa alegria que os encontros
Papas anteriores conheço apenas o que li, ou o que deles de jovens com o Papa os habituaram durante a sua vida, e a
ouvi falar, mas não tive experiência pessoal dos seus pontifi- continuidade é evidente depois da sua morte. Todos pres-
cados. O Papa João Paulo sentimos que estamos a assistir a
II esgota o meu conheci- algo que é absolutamente
mento daquilo que significa verdadeiro, e a nossa tristeza
ser chefe da Igreja. Para converte-se numa esperança que
mim, como para a minha cria, animada por uma grande
geração, ser Papa é ser João curiosidade ansiosa por acolher
Paulo II: é ser o primeiro o novo sucessor de Pedro.
na Fé, o primeiro na Por essa razão, ao contrário do
Esperança, o primeiro na que eu supunha, estes
Caridade, no Dom de si momentos têm sido, também,
mesmo. Ser Papa é, de um motivo de grande crescimento.
ponto de vista humano, Crescimento para a Igreja, que
atrair multidões, acolher a sai deste pontificado tão
juventude, ser um enriquecida; crescimento para o
poliglota, ser empenhado mundo que aprendeu que
nos problemas dos Homens, ser viajante, desportista, bem nenhum empreendimento tem sentido se não coloca o bem
humorado, interessado pela Humanidade. Não conheci, do Homem, criatura de Deus, como centro.
como não conheço, outro modo de se ser Papa. Por fim, sei agora que também nós, “Geração João Paulo
Mas, a este Papa, conheci-o bem. Estive com ele em três II”, estamos a crescer. Agora, como durante a juventude
jornadas da juventude (a de jovens europeus, em Loreto, em “meditámos em todos estes factos, guardando-os no nosso
1995, e as mundiais de Paris e Roma, em 1997 e 2000). coração” (Lc, 2, 19); pelo Papa fomos apelidados de “senti-
Estive, já com o João, na audiência dos noivos, na 4ª feira nelas da aurora”, “sal da terra, luz do mundo”. Somos agora
seguinte ao nosso casamento. Como milhões de portugueses chamados para a grande tarefa que a nossa Fé e a grande
recebi por três vezes o Papa em Portugal. Li as suas mensa- família a que pertencemos nos pedem: que convertamos os
gens de Advento, Quaresma, algumas das suas cartas apos- seus ensinamentos em regra de vida e sejamos uma geração
tólicas e obras. Li as suas bibliografias, segui atentamente a de adultos empenhados (com a ajuda do nosso novo inter-
sua vida, escutei os seus ensinamentos, falei sobre ele, e o cessor junto do Pai, e sempre em unidade com o novo Papa)
mais que não fiz não se deve a qualquer falha de comunica- em responder ao apelo que João Paulo II nos lançou na
ção da sua parte, mas à minha própria dureza de coração. Jornadas da Juventude em Roma, durante o ano jubilar:
Ao longo de toda a minha infância e juventude encantei-me “Jovens de todos os continentes, não tenhais medo de ser os
com este Papa, sempre jovem entre os jovens. santos do novo milénio!”.
Por todas essas razões posso dizer que pertenço ao que
estou segura que em breve se chamará a “Geração João João Paulo II e a fé dos homens
Paulo II”: a minha espiritualidade está tão unida à experiên- Henrique Monteiro
Expresso, 050409
cia de Fé deste Papa, que preciso de um grande esforço para PERANTE cinco milhões de pessoas que se deslocaram a
separar dela a minha própria Fé. Roma para prestar as suas últimas homenagens ao Papa João
Assim, apesar de os derradeiros anos irem revelando a fragi- Paulo II (e as muito mais que quereriam ir, mas que por um
lidade da sua saúde, habituei-me, sem dar por isso. a pensar motivo ou outro não foram), têm existido várias leituras.
que este Papa não acabaria, afastando a sensação de um Alguns, pretendem que o Papa era, à sua maneira, como que
certo fatalismo desconhecido que a solução contrária parecia uma «pop-star», uma celebridade mundial do tipo Diana de
revelar. Gales; outros, que João Paulo II era um incontornável líder
Apesar disso, os últimos dias têm sido de uma descoberta político cuja acção foi determinante para a moldagem do
espiritual verdadeiramente fecunda. Toda a azáfama dos final do séc. XX e início deste século XXI; outros, ainda,
últimos acontecimentos é-me completamente nova. Nunca que estes milhões de pessoas se sentem ameaçados pelos
tinha assistido à morte de um Papa, e, atrevo-me a dizer, muçulmanos e recorrem à Igreja, instituição que cimenta (e
esse acontecimento é muito mais bonito do que eu poderia de certa forma foi, também fundadora) da sociedade ociden-
imaginar. Os testemunhos que tenho ouvido, desde os Car- tal. E outras explicações existem e existirão, todas elas com a
deais aos sacerdotes, e a tantos leigos incógnitos, são con- sua parte de verdade, mas cada uma delas incapaz de expli-
fiantes, corajosos, e cheios de esperança. Referindo a sauda- car a inusitada dimensão da homenagem.
de tão forte que já sentem do Papa, renovam a certeza pro- A palavra fé está constantemente arredada das análises e dos
funda da sua maior proximidade agora que está junto do Pai comentários, porém estou em crer que este caso não tem
Celestial. Na verdade, ao preceder-nos no caminho para o explicação se esse misterioso sentimento de total confiança e
Pai, já não precisamos de viajar ou de escrever cartas para devoção não for levado em conta. Na verdade, a fé, da qual
falar com o Papa: ele intercede por nós a todo o instante. As popularmente se diz mover montanhas, moveu muitos e
Missas a que assisti durante esta semana não foram de triste-

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muitos destes milhões na direcção de João Paulo II. Como não se faça a minha mas a Tua vontade!...".
já os movia nas peregrinações do Papa um pouco por todo João Paulo II optou por partilhar, com o mundo inteiro,
o mundo, quase desde o princípio do seu pontificado. Por- essa dolorosa experiência final. Ao contrário de Pedro e dos
quê? Eis uma pergunta que não tem uma resposta simples, já onze, incapazes de velar com o Mestre por mais de uma
que as respostas habituais - carisma, liderança, simpatia, o hora, os seus 70 mil companheiros na praça de S. Pedro não
que se quiser - não explicam nem podem explicar a fé de sucumbiram ao sono. Resistiram a pé firme a noite inteira.
cada um. Acompanhados na vigília pela Pátria Polaca, e por milhares
É esta crença num homem que representou uma instituição de crentes de todo o mundo.
cujo principal poder reside na palavra e na transcendência Do sucessor de Pedro, não se poderá dizer que ficou aban-
que deve fazer reflectir cada um de nós com humildade. donado no seu Jardim das Oliveiras. A última jornada mun-
João Paulo II não tentou captar os ares do tempo. Pelo dial da Juventude realizou-se, sem precisar convocatória, em
contrário, foi-lhes adverso. Defendeu, até à exaustão, valores pleno horto da agonia. Aos jovens, que o acompanharam
e princípios tão surpreendentemente incongruentes no nessa derradeira vigília de oração, o Papa agradeceu com
mundo moderno como o não uso do preservativo. Tudo uma última frase: "Procurei-vos, fui ao vosso encontro,
isto torna ainda mais admirável que numa Europa que pare- agora sois vós que vindes até mim!". Missão cumprida.
ce sem valores tantos milhões tenham ido agora ao seu Mas a catequese da Vida (a que mais lhe mereceu o anátema
encontro e muitos mais ainda se sentissem tocados pela sua de ultra-conservador, o insulto reservado pelo politicamente
mensagem. correcto a quem se opõe ao pensamento único) não estava
Na verdade, esta busca completa sem o exemplo vivido do seu encontro com a
de algo que está para lá morte. Por isso, o pastor vindo de longe quis deixar-se mor-
do compreensível, a rer entre as suas ovelhas.
busca do Os media, geralmente bons a reagir ao cheiro da "morte", na
transcendente, está pose filante de abutres de serviço, tornaram-se um aliado
presente, embora de indispensável desta última catequese. Destaparam respeito-
modo menos visível, samente as cabeças, mas foram incapazes de resistir a por
em diversos em marcha o grande circo do adeus! Em directo quase 48
fenómenos recentes horas. Por uma vez terão tido o mérito de, apesar dele (ou
(entre os quais o através dele), acabarem a interpelar-nos sobre o porquê do
sucesso e inúmeras segredo da atracção deste velho doente, de 84 anos, que
sequelas do Código Da lança aos milhões de jovens que o seguem, desafios tão
Vinci ou a polémica loucos como o de viverem contra-corrente e felizes uma
apaixonada de A sexualidade casta, na recusa da ideologia hedonista dominan-
Paixão de Cristo). te. Coisas que, desde os anos 60, os mais avisados alertam
Está presente no para o risco de o fazer "perder clientes". Isto a somar ao
sucesso de algumas seitas religiosas, na procura cada vez imperativo de partilha solidária com os mais pobres, renun-
maior de verdades antigas das religiões orientais, nos movi- ciando a vergar-se aos ditames da voragem consumista.
mentos carismáticos da própria Igreja Católica. Fui um daqueles que ele, há vinte anos, conquistou. Viviam-
É uma busca que tem a ver com algo de sólido, de antigo, de se tempos difíceis numa Igreja dividida entre os vencidos do
perene num mundo instável, inseguro e com cada vez pós-Concílio, desiludidos com a limitada abertura da Igreja
menos referências. É uma busca simultaneamente enterne- em questões de moral e organização interna, e os saudosistas
cedora e assustadora, porque a fronteira para o fanatismo do pré-Concílio. O novo Papa parecia conservador de mais
pode ser ténue e nas massas em movimento nem sempre para uns e, perigosamente progressista para outros. Sem
prevalece o bom senso. temer a crítica humana interna e externamente optou por ser
Mas é, desde já, uma lição para os que persistem em olhar o fiel a Cristo. Face ao apostolado do exemplo, o mundo
mundo como um terreno no qual a fé não tem lugar nem é acabou rendido à sua inabalável coerência.
uma variável a ter em conta. Felizmente, a humanidade Foi fácil amar este pastor por mais difícil que seja a resposta
continua a sua busca na tentativa, talvez infrutífera, de fiel a todos os seus ensinamentos. Fascinou-nos com a sua
encontrar o sentido da vida, o desígnio do homem. Assim o solicitude social e o desassombro de uma proposta radical
possa fazer sempre e em liberdade. de fidelidade a um Deus de Paz, de Justiça e de Perdão.
Porque, como tantas vezes repetiu: não há Paz sem Justiça,
O Papa que morreu perto nem Justiça sem Misericórdia. Foi o Papa dos pobres, dos
Graça Franco direitos humanos, da Vida, da Reconciliação, da Família, do
Público050404 Diálogo Inter religioso, do Ecumenismo, da Europa Unida,
É lenta a agonia. É quase sempre assim. Quando a morte da Nova Evangelização, da Purificação da Memória e da
não nos apanha à traição, na esquina de um caminho, vem Liberdade!
lenta, lentamente, como se a certeza de nos agarrar não lhe Aos que, como eu, eram jovens no início do seu pontifica-
desencadeasse pressas. Pudéssemos nós fugir-lhe e ela não do, era fácil admirar o seu porte atlético de esquiador. O
haveria de apanhar-nos nunca. Nem hoje, nem amanhã, nem rosto eslavo a lembrar uma maçã sorridente e a respirar
noutro dia qualquer. Nunca seria sua a nossa hora. Mas não saúde. Em 82, quando visitou a Católica, pude sentir a força
podemos. Deve ser por isso que à chegada, perante a certeza física com que nos apertava as mãos, enquanto pisava as
de não poder escapar-lhe, a pressa em lhe cair nos braços é, capas. Um dia depois, em Coimbra, dirigiu-se à estudantada
quase sempre, nossa. Mas nem aí ela deixa de se apresentar com um vigoroso: Olá Malta! No Parque Eduardo VII a
contra-natura: Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! juventude adoptou-lhe a divisa "Totus Tuus!". Passaram
Foi a frase de Jesus em agonia. Capaz de consolar mesmo os mais de 20 anos e a doença minou quase todo o seu corpo.
incapazes de o acompanharem até ao fim na oração: " mas, Os jovens não fugiram do velho prostrado pela dor antes se

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tornaram a sua audiência mais fiel. Eis o mistério! O anti-herói
Durante todos este tempo o Papa insistiu em recordar ao Eduardo Oliveira e Silva
DN050405
mundo que as vidas valem a pena ser vividas, desde o seu
início e até ao seu final, e podem apagar-se serenamente João Paulo Segundo partiu e, seguramente, que uma das
como velas, numa entrega fiel ao Criador. Há nove anos mais comoventes homenagens que se lhe tenha feito, entre
explicou ao mundo, pela primeira vez, porque não tenciona- nós portugueses, foi a de um jornal tablóide como o 24
va resignar, esperando antes que Cristo "o demitisse" quan- Horas que se limitou escrever que “há mais um anjo no
do bem entendesse. Foi no Sábado às 21h37. Só então se lhe céu”, isto com uma foto em fundo em que aparecia o Papa e
escancararam as portas da casa do Pai. uma pomba branca. As coisas simples são muitas vezes as
O seu exemplo parece ter querido gravar em nós a certeza mais tocantes. E Karol Wojtyla foi, numa verdadeira simpli-
de que a morte e o sofrimento são, para quem tem fé, sim- cidade, um grande homem numa época marcada por enor-
ples bilhete de passagem para a vida eterna e podem fazer mes figuras da humanidade. Uma faceta curiosa e que pou-
sentido, mesmo na sua normalidade mais repugnante. A cos hoje recordam, foi, por exemplo, a capacidade que
mesma sociedade, que despacha as consciências depositando demonstrou em se tornar amado dos romanos e dos italia-
os pais moribundos nas camas de hospital na esperança de nos, sendo que desde logo se dirigiu a eles num italiano sem
que a parafernália técnica os substitua no derradeiro dever mácula. Polaco de nascimento e de mentalidade, Wojtyla
de os acompanhar seguiu, a par e passo, esta lenta agonia. O acabou por ser inteiramente assimilado por um país que se
mundo acabou convidado a assistir à morte santa de um habituara, ao longo de cinco séculos, a ser a Igreja. Só isso
Cristão. E não virou a cara. chegava para demonstrar da sua parte
No quase impudor de sofrimento que o uma fabulosa capacidade de se fazer
Papa partilhou com a humanidade está o respeitar. De João Paulo Segundo
facto de nos mostrar que é possível olhar a haverá muitos ensinamentos a reter,
morte de frente, quando não se teme a alguns mais perceptíveis do que outros,
cruz, e se vê nela a Salvação. Quando se porque foi um Homem que falou para
acredita, sem limites, na Ressurreição para a todos, do teólogo ao ateu mais convicto.
vida eterna. Daí a serenidade, quase alegre, Há, em todo o caso, um aspecto que
com que vemos partir este Papa. tornou o Papa polaco num ser
Não sem antes, lhe agradecer as graças absolutamente fora do comum: a sua
concedidas durante os quase 27 anos do seu relação com os media. João Paulo
pontificado, a começar na purificação da Segundo soube perceber a força da
memória colectiva. Esse enorme pedido de comunicação e sobretudo da televisão.
perdão pelos crimes cometidos por uns Serviu-se dela como ninguém, mas sem
quantos de nós em nome de Deus. Graças nunca ceder, minimamente, nas
a ele olhamos agora de cabeça erguida, os questões de princípio tal como (bem ou
dois mil anos da história de Santidade da mal, não vem para o caso) as entendia.
Igreja, sem esconder que eles estão man- Nos dias de hoje, mesmo outros
chados pelo sangue inocente das vítimas do grandes dirigentes mundiais suavizam e
nosso fanatismo, da nossa infidelidade. adaptam a mensagem em função do
Despedimo-nos do Papa que visitou sinagogas e mesquitas, meio que a divulga. Não foi, manifestamente, o caso de João
que reconciliou cristão e judeus, e estendeu os dois braços Paulo Segundo. Aliás, é nessa senda que se deve entender a
aos irmãos ortodoxos, que empurrou até cair o muro da exposição a que se sujeitou na sua doença penosa e trágica.
vergonha e incitou os cristãos ( incluindo os seus compatrio- Só quem for ingénuo é que se pode convencer de que o
tas polacos) a "Não ter medo!". Esse Papa, vítima da perse- Papa não quis que tudo acontecesse exactamente assim.
guição nazi e da ditadura comunista, não se esqueceu de Quis morrer como qualquer um de nós. Mostrou-se como o
criticar, com igual veemência, a deriva capitalista. Esse que era, um velhote doente, um verdadeiro anti-herói, um
modelo cuja trave mestra é um liberalismo económico que simples ser humano agonizante. Essa foi uma lição prodi-
tem o seu Deus na busca ilegítima e desenfreada do lucro giosa para uma sociedade como a nossa, onde o sofrimento,
egoísta. Por essa coragem merece o nosso Obrigado. Não a doença, a pobreza e as chagas são escondidas porque não
por ter sido um grande Homem mas, sobretudo, por ter são bonitas, nem jovens, nem telegénicas e porque, em
sido, como lembrou o cardeal Patriarca "um grande crente!". regra, os que disso padecem não são consumidores activos.
Valeu a pena! A Igreja não está mais débil mas mais forte. Dito isto, é uma evidência que a vida (a nossa vidinha) vai
Depois de João Paulo II nunca se poderia repetir a gaffe de seguir dentro de Ldias e retomar o seu ritmo mais ou menos
Estaline ao perguntar sobranceiro "quantas Divisões tem o frenético. Passado um tempo, que deve ser aproveitado para
Vaticano?". A resposta seria: as suficientes para fazer cair o alguma meditação simples, tudo retomará o seu lugar e
muro e libertar, um a um, todos os povos de Leste a come- conviveremos de novo com o primado da estética, da maçã
çar na sua martirizada Polónia. Ao Vaticano bastou afinal envernizada e do corpo “danone”. Talvez por tudo isto não
um único homem sem medo e com fé! seja absolutamente irrelevante, para nós cidadãos, tentarmos
Bush teve de enfrentar as suas inocentes pombas perfiladas, conhecer aqueles que nos dirigem, procurando escolher os
a recordar-lhe o erro da invasão iraquiana. Nem ele pode que se regem por princípios, pelo rigor e que não caiem na
evitar o elogio fúnebre. A China fechou as portas à sua tentação do facilitismo. Sob a sua aparente facilidade, a vida
presença mas não conseguiu deixar de vergar-se perante a de hoje é difícil, muito difícil mesmo. Mais do que nunca é
sua memória. Não foi apenas um vice-Cristo na Terra, foi o preciso esforço, espírito de sacrifício, determinação, convic-
Cristo mesmo que, na sua Vida, passou de novo por aqui! ção e, porque não dizê-lo, factores terceiros que vão da
Adeus Papa. Até ao Céu! sorte, à cunha, passando pelo apelido. Mas, mesmo esses, se
permitem ascenções, em regra já não garantem posições

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intocáveis. A noção construtiva do serviço público em jovens sentiam-se e continuaram a sentir-se atraídos pela
detrimento da visão meramente aparelhista é, portanto, hoje figura de João Paulo II porque este lhes levava uma mensa-
um valor absolutamente decisivo para o nosso futuro colec- gem especial. A mensagem de que, agora que "caíram os
tivo. Aqueles que são chamados a assumir funções chave da fatais messianismos laicos, em seu lugar já não há valores,
nossa sociedade devem saber ser dignos dessa circunstância não há outro sentido" que não o dos cristãos. E que ser
excepcional que é deter a confiança da comunidade. Preci- cristão era também ir contra a corrente.
samente por isso e voltando ao essencial do que se pretende Esses valores, que muitos acusaram João Paulo II de ter
aqui evocar, importa sobretudo que cada um avalie antes de defendido de forma especialmente ortodoxa e conservadora,
escolher as qualidades humanas, a convicção e a coerência mais do que serem praticados com rigor por todos aqueles
de quem se apresenta. Hoje, cada líder seja político ou reli- jovens, eram por eles entendidos. Como na altura disse um
gioso, é um exemplo. Uns serão bons e outros maus, mas dos peregrinos portugueses, o facto de nem sempre seguir
são exemplos. No caso português é tanto mais importante os ensinamentos do Papa não o levava a pensar que este
fazer essa avaliação quanto é certo que dentro em breve devesse deixar de os pregar porque a Igreja tinha de ser mais
iremos escolher o Chefe do Estado que tem um papel abso- exigente e conservadora, não devia andar a fazer experiên-
lutamente determinante, sobretudo nas situações mais com- cias. Ou seja, aceitava que lhe fosse apontado um caminho
plicadas. O exemplo que João Paulo Segundo nos deixou mais rigoroso do que aquele que seguia, mas que lhe servia
pode, evidentemente, ser tomado em conta como referência. de referência.
A coerência, a exigência e a rectidão são claramente atribu- Recordo esses dias de Agosto de 2000 porque talvez o que
tos essenciais a ter em conta, seja o escolhido ou eleitor ateu, neles se passou, assim como em tantos outros encontros do
católico, muçulmano, budista ou animista. Se formos mais Papa com os jovens, ajude a entender o poder de atracção
exigentes nas escolhas, contribuiremos activamente para um que continuou a exercer até à morte, um poder que há muito
mundo melhor… deixara de ser económico ou político ou de se alimentar de
qualquer dependência, um poder que também não era o
Atracção com causa mesmo do brilho das estrelas glamorosas, um poder que só
José Manuel Fernandes se explica por aquele homem velho que se extinguiu lenta-
Público 050404
mente, sob os olhares do mundo, ter sido sempre Karol
Mesmo na agonia que ontem o levou à morte, o Papa João Wojtyla, o polaco determinado que em 1978 chegou ao
Paulo II cativou e comoveu milhões em todo o mundo. E trono de Pedro para defender o legado de Pedro. Sem con-
isso era parte do seu mistério cessões, com convicções.
Num mundo tão fortemente mediatizado, no final de um
pontificado que tão bem aproveitou as potencialidades da
Um Papa como nós
mediatização, não surpreendeu que nos últimos dias as tele-
Luís Delgado
visões de todo o mundo tenham enchido horas e horas de DN0504
transmissão - às vezes totalmente despropositadas e sensa- Que diferençou este Papa dos outros chefes da Igreja?
cionalistas - com a agonia de João Paulo II. João Paulo II mostrou-nos, na era da comunicação, que não
Não surpreendeu? A verdade é que as televisões só o fize- poderia ficar apenas no Vaticano, e que era um homem
ram porque sabiam que as notícias que estavam a transmitir como nós, que na cadeira de Pedro procurou a santidade a
interessam às suas audiências. Garantem-lhes as audiências. que todos os católicos aspiram. Sendo como era, percorreu
O que significa que o Papa, a sorte do Papa, o esperar pelo o mundo aproximando-se de todos, em todos os continen-
mais ínfimo fragmento de notícia sobre o seu estado de tes, de todos os credos e raças, sem preconceitos ou misti-
saúde, foi capaz de prender a atenção de milhões. cismos.
Mas não só. A Praça de São Pedro encheu-se. Centenas de João Paulo II foi o primeiro Papa visível, próximo, humano
milhar de peregrinos afluíram a Roma apenas para acende- e tocável.
rem uma vela, rezarem, ajoelharem ou, simplesmente, olha- Todos o vimos, todos o com-
rem para aquelas janelas de luz sempre acesa, as janelas dos preendemos, todos o
aposentos do Papa. Ontem, horas antes de ser anunciada aceitámos como símbolo da
oficialmente a morte de João Paulo II, as igrejas estiveram uma Igreja universal, aberta, e
mais cheias, e não apenas na sua Polónia natal. Também em disponível para falar do
Jerusalém. Em Lisboa. Em Paris. No Rio de Janeiro. E, quer sofrimento e das dificuldades
na imensa praça desenhada por Bellini, quer nos lugares de do nosso tempo.
oração espalhados pelo mundo, muitos notaram que havia Antes de João Paulo II, os
jovens. Muitos jovens. Papas eram figuras místicas e
Esta capacidade que João Paulo II sempre teve para atrair míticas, poucas vezes visíveis,
multidões, e atrair a juventude, esta capacidade para os emo- fechados no Palácio Apostóli-
cionar mesmo quando a última imagem que dele deverá ser co na cidade-Estado do
guardada é a de um velho tolhido pela dor e pela doença, Vaticano, carregados de um
fez-me recordar um dos momentos altos do seu longo papa- simbolismo inacessível ao
do: a celebração do Jubileu em Agosto de 2000, em Roma, comum dos mortais.
quando dois milhões de jovens vindos se juntaram para o João Paulo II foi o oposto de
ouvir. Nessa altura recordo-me de um texto de Rossana tudo isso saiu do Vaticano,
Rossanda, um ícone da esquerda radical italiana, onde ela se percorreu o mundo, aproximou--se das pessoas - de todas -
interrogava: "por que é que o catolicismo é capaz, nos alvo- pediu perdão pelos pecados da Igreja e mostrou que a santi-
res de 2000, de organizar estas grandes reuniões e nós, [os dade está ao alcance de todos, todos os dias, por gestos e
laicos irritados,] não?". palavras.
Arrisquei então uma resposta, ou a pista de uma resposta: os Foi um Papa excepcional, acima da sua condição, que per-

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correu um caminho longo, difícil e sofredor, que todos, centes (que não têm voz) a todas as considerações de ordem
lenta ou rapidamente, têm de fazer. E fê-lo com a dignidade política. E fazia-o quando condenava o aborto, pensando
e a grandeza do enviado de Deus na Terra, do pastor uni- também na criança não nascida como a mais inocente e
versal dos católicos. indefesa das criaturas (também ela sem voz). É, por isso, por
João Paulo II soube, como ninguém, perceber que a comu- demais absurdo que tenha sido a sua oposição ao aborto a
nicação global teria de ser usada em favor da sua mensagem, impedir que lhe fosse atribuído o prémio Nobel da Paz..
e sendo o único chefe da maior Igreja mundial com uma Era também a coerência evangélica que o levava a tomar
visibilidade sem precedentes, usou-a com sensatez e nos posições tidas por “progressistas” no âmbito da justiça
momentos certos. social e tidas por “conservadoras” no âmbito da moral fami-
João Paulo II foi o Papa de todos, e isso percebeu-se nesta liar. Respeitar a dignidade da pessoa humana como imagem
caminhada final que fez, serenamente, em direcção a Deus. de Deus é recusar em absoluto a sua instrumentalização, em
Foi impressionante, e é, como em nenhum outro caso, que função do prazer físico ou em função da ambição económi-
tenha causado tanta consternação entre católicos, cristãos, ca. Incoerente, e também irrealista, será antes pensar que a
judeus, muçulmanos e crentes de outros cultos. justiça no âmbito social e político se constrói solidamente
João Paulo II partiu como queria, caminhando lentamente quando se difunde uma mentalidade hedonista no âmbito da
em direcção ao Céu, e à vista de todos nós. conduta privada, ou que pode haver coesão na sociedade
sem haver coesão na família.
Um Papa sem sombras nem contradições A respeito das questões de ética sexual, foca-se sobretudo o
Pedro Vaz Patto que da sua mensagem são interditos, e esquece-se a sua
050410
dimensão positiva (aquilo a que diz “sim”, e
Poucos dias depois do falecimento de não só aquilo a que diz “não”). Nunca
João Paulo II, um título de um jornal nenhum outro Papa (nem qualquer outro
espanhol dizia que este recebera «os pensador) apresentou uma tão rica e
elogios mais universais da História». profunda visão da beleza e dignidade da
Pessoas de todos os quadrantes políticos sexualidade humana (integrada num
(árabes e israelitas, George W. Bush e desígnio de Deus que faz da mútua doação
Fidel Castro) e de todas as religiões, física e pessoal do homem e da mulher um
crentes e não crentes, reconheceram a sinal da comunhão entre as pessoas divinas)
sua incomparável estatura moral e a como a que decorre da teologia do corpo
relevância histórica da sua acção. Uma aprofundada por João Paulo II.
multidão esperou mais de dez horas para Há quem não compreenda o valor que dava
lhe prestar uma última homenagem, num ao celibato sacerdotal. Também aqui se
comovente gesto de gratidão. Muitos foca o que possa este representar de
reclamaram a sua imediata canonização privação, esquecendo a sua dimensão
(«Santo, Subito»). positiva. Esta dimensão abre as portas a
Sendo assim, pode pensar-se uma paternidade espiritual mais ampla e
desnecessário dar alguma resposta às universal do que a paternidade física. Ele
críticas que, mesmo assim, lhe são próprio é disso um testemunho eloquente.
dirigidas, pois estas pouca sombra farão diante de tão Quantos milhões de pessoas não viram nele uma pessoa
extraordinárias manifestações de apreço. Senti, em todo o plenamente realizada, antes de mais como pai espiritual?
caso, como um dever dar um pequeno contributo para lhe Houve mesmo quem explicasse o fascínio que exercia sobre
fazer justiça, tentando responder a algumas dessas críticas. os jovens precisamente por esta sua dimensão de paternida-
Impressionou-me, desde logo, ler que o seu pontificado de, numa época em que os jovens dela cada vez mais sentem
seria marcado por sinais contraditórios. Ora, o que me pare- falta. Uma dimensão de paternidade que nunca teria alcan-
ce mais do que evidente é precisamente a coerência e auten- çado se não tivesse sido radical e completa a sua entrega a
ticidade daquilo que sempre disse e fez. Cristo e à Sua Igreja.
Coerência entre a palavra e o exemplo, antes de mais. João A respeito da mulher, foca-se apenas a sua recusa do sacer-
Paulo II proclamou com vigor que «não há paz e justiça sem dócio feminino, muitas vezes com completa ignorância da
perdão» e efectivamente perdoou a quem tentara assassiná- dimensão teológica que está subjacente a essa recusa, que se
lo. Sempre exaltou o valor da vida até ao seu termo natural e liga a uma opção de Jesus que à Sua Igreja não compete
o seu testemunho de perseverança no final da sua vida (a sua “corrigir”. Mas, como reconheceram várias mulheres, nunca
mais eloquente encíclica, como disseram alguns) demons- nenhum outro Papa (nem qualquer outro pensador) como
trou isso mesmo. João Paulo II exaltou, na Mulieris Dignitatem e noutros
A coerência de João Paulo II não tem por referência o pas- textos, a insubstituível riqueza daquilo a que chamou o
sageiro «espírito do tempo», mas antes o Evangelho, aquele “génio feminino”, e dos frutos que só deste podem advir
livro colocado sobre o caixão durante o seu funeral. Dele para a sociedade e para a Igreja. Esta só com esse contributo
retirou todas as suas exigência e implicações, as “populares” há-de revelar cada vez mais o seu perfil mariano, a primazia
e as “impopulares”, as que superficialmente poderão ser do amor sobre a autoridade. Por isso, aprovou a disposição
consideradas “progressistas” e “conservadoras”. estatutária que impõe que seja sempre uma mulher a presidir
A incoerência será, antes, a de quem selecciona ou privilegia ao Movimento dos Focolares, um movimento laical a que
algumas dessas exigências e implicações, descurando outras. também pertencem sacerdotes e bispos. O pleno reconhe-
João Paulo II guiava-se sempre pela mesma consciência da cimento do papel específico e insubstituível (não à imagem
sacralidade da vida humana e pela mesma exigência de tutela do papel do homem) da mulher na Igreja há-de, pois, decor-
dos mais fracos e inocentes. Fazia-o quando condenava as rer do acentuar deste perfil mariano da Igreja.
guerras ilegítimas, sobrepondo a tutela dessas vítimas ino- Foi ainda a coerência cristã que levou este Papa à afirmação

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doutrinal clara e segura da fé católica, mas também à abertu- pelo Papa que governou a Igreja Católica durante mais de
ra e diálogo, sem precedentes, com cristãos de outras deno- vinte anos. João Paulo II é um dos grandes construtores da
minações, com fiéis de outras religiões e com pessoas de História das últimas três décadas. O Papa foi um homem
outras convicções. O diálogo não se confunde com o sincre- valente, na vida e no caminho para a morte. Nem a excessi-
tismo, supõe a definição e autenticidade da identidade de va mediatização deste doente do século XXI, que recusou
cada um. Mas é precisamente a identidade cristã que exige voltar ao hospital para poder morrer em casa, abanou a
sempre valorizar o que une e construir pontes. Como afirma fortíssima espiritualidade que um homem tão debilitado
o teólogo Piero Coda, a Igreja sabe que a «a Verdade é Jesus como João Paulo II conseguia transmitir.
e, portanto, não quer e não pode ceder a compromissos, Comentadores bem mais habilitados do que eu fizeram já
mas sabe também que Jesus inaugurou definitivamente a análise ao contributo do Papa João Paulo II para a queda do
estrada do diálogo e do amor universal». regime comunista, oposição frontal à guerra (com relevo
Uma outra contradição que por vezes se aponta a João Pau- para a mediática crítica ao ataque ao Iraque), esforço inédito
lo II diz respeito ao exercício da autoridade disciplinar sobre na aproximação de igrejas (em que o encontro de Assis e o
vários teólogos, que contrastaria com a sua defesa dos direi- pedido de perdão ao povo judeu surgem entre os pontos
tos humanos no âmbito civil. Não tem sentido, porém, mais visíveis), a denúncia clara ao capitalismo selvagem e a
invocar a este propósito os direitos humanos. Não se trata luta a favor dos mais pobres (pedindo, nomeadamente, o
de privar alguém desses direitos, trata-se, antes, de esclarecer perdão da dívida do Terceiro Mundo).
e clarificar ideias à luz da Verdade revelada, num indecliná- Tudo isto ligado a uma produção riquíssima de enciclícas, de
vel serviço dos fiéis, que precisam de ser orientados. Esque- leitura essencial para a compreensão deste papado. Como
cem-se, também, situações em que o diálogo permitiu evitar peregrino tornou-se mediático e revolucionou a ligação da
condenações e contribui para correcções de rota. O exemplo Igreja ao mundo. Sem cedências, deu testemunho da sua fé
de Gustavo Gutierrez, teólogo da libertação (importa dizer em Deus, onde o homem (tal como afirma na sua primeira
que a condenação da Igreja não incidiu sobre a teologia da encíclica) «é o primeiro e fundamental caminho da Igreja».
libertação, mas sobre as cedências ao marxismo de algumas João Paulo II testemunhou-o de forma radical e em contra-
das suas versões, sendo que a experiência histórica veio corrente à ditadura «bem pensante» do relativismo moral
posteriormente a confirmar cabalmente a ilusão da “liberta- que procura a solução mais fácil para as questões que cada
ção” inspirada nos esquemas marxistas), pode ser evocado a um de nós enfrenta no seu dia-a-dia.
este propósito. E também se esquece que da parte dos visa- Se a rebeldia das propostas sociais, económicas e políticas de
dos por essas condenações de modo algum se notou aquela João Paulo II parecem suscitar hoje os aplausos da generali-
sincera humildade e aquele desapego às suas próprias ideias dade dos católicos e
que se notam, por exemplo, nas referências dos escritos de não católicos, já igual
Santa Teresa de Ávila (ela, que veio a ser proclamada Dou- rebeldia na defesa de
tora da Igreja) às autoridades eclesiásticas do seu tempo. um conjunto de
Critica-se, ainda, o suposto centralismo do pontificado de valores morais em
João Paulo II, que teria ofuscado a colegialidade, contra a oposição ao pensa-
linha do concílio Vaticano II. No entanto, muitos foram os mento dominante
sínodos de bispos realizados durante estes anos. E foi este continua a ser criticada
Papa quem, em vista da unidade dos cristãos, aceitou, na e apontada como um
encíclica Ut Unum Sint, rever as modalidades do exercício retrocesso da Igreja,
do seu primado, sem sacrifício do essencial da sua função. acusação de con-
Função que, enquanto instrumento de unidade, se mantém servadorismo que mais
sempre necessária, como podemos verificar quando assisti- se acentua quando se
mos a cismas nas Igrejas ortodoxas, ou graves riscos de elogia a temeridade de
cisma nas Igrejas da comunhão anglicana. João Paulo II por
A espiritualidade de comunhão, que João Paulo II, na propor caminhos
Novum Millenio Ineunte, traçou como estrada para a Igreja «desajustados» ao
do Terceiro Milénio ( a Igreja deve ser «casa e escola de mundo de hoje.
comunhão»), certamente permitirá reforçar as riquezas da É fascinante como um Papa acusado de propor uma moral
colegialidade sem sacrificar a unidade. conservadora, em especial na segunda metade do seu ponti-
Seria necessária uma enciclopédia para dar a conhecer a ficado, conquista o sector mais rebelde e mais exigente da
multifacetada grandeza do pontificado de João Paulo II. E sociedade ao ser acompanhado por milhões de jovens nas
este não tem as sombras e contradições com que análises suas peregrinações por todo o mundo. O desafio quase
superficiais por vezes o caracterizam. Compreeende-se bem impossível que lhes fazia não os assustava, afinal, tanto
que se tenha começado a falar no Papa João Paulo Magno, como aos seus pais. Muitos milhares dos que estiveram com
João Paulo, o Grande. João Paulo II farão melhor que eu a descrição dos episódios
que viveram. Apenas testemunho a força que João Paulo II
Um valente do primeiro ao último dia transmitia, quando estive, com muitos outros jovens de
Francisco Azevedo e Silva vinte anos, fisicamente próximo deste Papa. O exemplo de
DN050407 Cristo, como homem mais revolucionário do seu tempo e
Chefes espirituais das mais diferentes Igrejas e de Governos grande comunicador, era o caminho sistematicamente pro-
das mais diversas ideologias de todos os continentes mani- posto. João Paulo II cativou os jovens para uma revolução
festaram sincero pesar pela morte de João Paulo II, confir- que, como todas as revoluções, era feita de avanços, quedas
mando-o como o maior líder mundial dos últimos anos. (por vezes grandes) e novos avanços na conquista de um
Todos eles foram muito além das palavras de circunstância, ideal sempre distante, mas um ideal.
numa demonstração de vontade em exprimirem a admiração O tempo, mais de vinte anos passados, não apaga as marcas

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deixadas em milhões de jovens, católicos e não católicos, fosse santa nos seus membros, não seria a verdadeira Igreja
contemporâneos da eleição de João Paulo II e que conti- de Cristo. O Papa sublinhou com frequência que a finalida-
nuámos a ver transmitidas a gerações posteriores por este de de toda a actividade pastoral da Igreja e das suas próprias
longo pontificado. Os entraves da Igreja a uma maior demo- estruturas, não é senão o de suscitar nos fiéis o desejo de
cracia interna pouco ou nada interferiram com este fenóme- tender à santidade; àquela santidade que é a plenitude da
no. Os jovens aderiam sem esperar dividendos da instituição humanidade.
Igreja, apenas queriam seguir em frente sem medo. Sem
medo até na doença, foi o último testemunho de João Paulo Memória de uma benção
II, mais de vinte anos depois. Manuela Paixão
DN050403
Os sinos da Basílica de S. Pedro dobram a finados, choram
O Pontificado de João Paulo II
como todos nós a morte do Papa João Paulo II, o Papa que
D. José Saraiva Martins
DN050404 veio de longe mas que sentíamos tão perto de nós. A Igreja
"Não tenhais medo. Abri as portas a Cristo." Estas palavras continuará, mesmo sem Papa Wojtyla, mas para nós, que
dirigidas pelo cardeal Karol Wojtyla, Arcebispo de Cracóvia, atravessámos com ele estes 25 anos, para nós a quem conta-
no dia 16 de Outubro de 1978, logo depois da sua eleição, va a história dos homens através dos olhos de Cristo, para
aos fiéis que enchiam a Praça de São Pedro para ver o novo nós, que sentimos naquela janela de onde se despediu sem
Papa, contém já os elementos fundamentais que caracteriza- esconder a dor de nos deixar, o símbolo da sua tenacidade,
riam o seu longo pontificado. O de João Paulo II foi, sem fé, amor e alegria, fica um vazio enorme. Ninguém como
dúvida, um pontificado extraordinariamente intenso e este Papa amou a humanidade, ninguém esteve mais presen-
fecundo. Em todos estes anos, o te em todos os acontecimentos que
Papa "vindo de longe", como ele fizeram a história dos últimos anos.
mesmo se definiu, desenvolveu Karol Wojtyla, o Papa que
uma incansável e eficaz actividade certamente mudou o curso da
pastoral em todos os níveis da Europa, que sepultou as últimas
Igreja e da sociedade do nosso ideologias extremistas. O corpo que
tempo. As suas numerosas viagens testemunhou como nenhum outro
apostólicas pelos cinco Papa o vigor do Homem feito à
continentes são a mais perfeita imagem e semelhança de Cristo. A
expressão do seu zelo pastoral, voz que gritou e fez tremer os
como sucessor de Pedro. poderosos. A sua determinação, a
Seguindo o exemplo de São Paulo, força interior que brilhou mesmo no
também ele se pôs a caminho olhar que se apagava... A doença, o
pelas estradas do mundo, para sofrimento, aceitou-os como uma
anunciar a Boa Notícia do Evangelho aos homens e aos graça do Senhor, como aceitava o abraço da gente simples.
povos. O Papa polaco foi, sem dúvida, em todos estes anos, Vejo as lágrimas de milhões de pessoas nas últimas semanas,
o primeiro missionário da Igreja. A segunda característica do diante da sua agonia, nas últimas horas, quando aquele cor-
pontificado de João Paulo II foi a sua grande paixão pelo po dobrado pela doença fez o impossível gesto de uma
homem. Como sucessor de Pedro, ele esteve sempre ao lado benção, de uma saudação. Ontem, hoje, aqui, nesta mesma
do homem de hoje. Num mundo cada vez mais complexo, Praça de S. Pedro, onde invocou a Virgem de Fátima para
como é o nosso, perante os vários problemas relativos ao que salvasse o mundo do mal, do pecado, do horror, da
homem, o Papa levantou sempre a sua voz para defender a fome! "Não tenhais medo", foram as suas primeiras palavras
dignidade da pessoa humana, a sua sacralidade e centralida- da janela da Basílica de S. Pedro, aclamado pela multidão.
de, as suas aspirações, os seus direitos fundamentais e, por- Nunca esquecerei esse momento. Arrivederci Karol Wojtyla.
tanto, sagrados, intangíveis. Toda e qualquer ofensa ao Arrivederci João Paulo II. Pai de todos nós.
homem é, e será sempre, uma ofensa a Deus que o criou à
sua imagem e semelhança. Em terceiro lugar, falando de João Paulo II, o Kremlin e o PC português
João Paulo II, não se pode esquecer o que ele fez, ao longo DN050407
de todo o seu pontificado, pela paz entre os homens e os José Manuel Barroso

povos. O homem foi feito para viver em paz consigo mes- As recentes revelações, a partir de documentos secretos, de
mo, com Deus e com os outros. Não há nada mais contrário que o atentado ao Papa João Paulo II, em 1991, teria sido
à verdadeira natureza humana do que as guerras entre os planeado pelo KGB, os serviços secretos da então União
homens. As mensagens anuais do Papa Wojtyla, por ocasião Soviética, não contêm surpresa relevante. Estão na sequên-
da Jornada Mundial da Paz, são outras tantas preciosas cia do sentimento de "perigo" do Kremlin, então o centro
lições sobre o tema da paz. Da verdadeira paz, ou seja, da do impé- rio comunista, com a eleição de Wojtyla para líder
paz baseada na verdade, justiça, liberdade, amor e perdão. da Igreja Católica. Esse soar de campainhas de alarme não
Em particular, sem justiça em todos os sectores da vida era consonante com a ideia de João Paulo II, segundo revela
humana, não pode haver paz "Opus iustiae pax." A justiça Tad Szulc, no seu excelente livro sobre Wojtyla, sobre o
social é o outro nome da paz. Quisera, por fim, sublinhar futuro dos regimes comunistas. O novo Papa tinha uma
como Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, outro ideia de evolução progressiva dos países do Leste europeu
aspecto extremamente importante do pontificado do Papa para a democracia, mas não acreditava num caminho curto.
actual: o da santidade. Promovê-la foi sempre uma das preo- O Kremlin, no entanto, levou as coisas bem mais a sério.
cupações fundamentais desde o início do seu ministério Quando a Igreja polaca (de acordo com comunistas locais)
petrino. A santidade pertence ao código genético da Igreja. convidou João Paulo II para visitar a Polónia, poucos meses
É um dos seus elementos constitutivos. Uma Igreja que não depois da sua eleição, o czar comunista, Leonid Brejnev,
telefonou ao líder do PC polaco, Gierek, e disse-lhe "Acon-

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selho-o a não o receber, porque vos trará muitos proble- constitui uma política nova". Dez anos depois, Gorbachev
mas." Gierek respondeu: "Como posso não receber um iniciaria um caloroso diálogo com João Paulo II - e o comu-
Papa polaco, se a maioria dos nossos compatriotas é católica nismo ruiria. É a vida.
e para eles a eleição foi um motivo de júbilo? Além disso, o
que pensa que posso dizer ao povo? Porque lhe fechamos a A força da fé
fronteira?" Brejnev terminou a conversa, segundo relato do Francisco Sarsfield Cabral
próprio Gierek, desta maneira: "Então, faça como quiser, DN050403

desde que o senhor e o seu partido não o lamentem depois." Depois do "aggiornamento" do Concílio, em que activamen-
A visita de João Paulo II à Polónia foi um extraordinário te participou, João Paulo II preocupou-se com a ortodoxia
sucesso. Dez milhões de polacos, um terço da população do da doutrina católica. Nenhuma confissão religiosa, partido
país, ocuparam as ruas, vitoriando o Papa, outros tantos político, escola literária, etc., dispensa uma linha demarcan-
seguiram a visita pela televisão - que recebeu ordens do do a sua identidade. Ora há 27 anos essa linha tornara-se,
Governo comunista para filmar sobretudo grandes planos, por vezes, pouco clara na Igreja Católica. Foi o caso de
evitando dar imagem às multidões. A situação interna polaca certas versões da chamada teologia da libertação ou da "teo-
não precisava de um estímulo externo para explodir. Mas a logia da morte de Deus".
visita do Papa, a primeira das quatro que realizou nos anos A preocupação com a ortodoxia acarretou alguns custos, em
80, con-tribuiu para acelerar a marcha de um povo profun- particular quanto à liberdade de investigação teológica. E foi
damente católico. Szulc transcreve estas significativas pala- propícia à afirmação do "religiosamente correcto" (sobretu-
vras do amigo e editor de poesia de Karol Wojtyla, Marek do em matéria de moral familiar e sexual), atitude que encai-
Skwarnicki. Segundo Marek, o "choque de liberdade" e a xa mal com o mais religiosamente incorrecto dos homens,
"euforia" da Polónia foram maiores durante a estada de João Jesus Cristo. Mas o Papa impulsionou o diálogo inter-
Paulo II do que quando caiu, uma década depois, o regime religioso, contrariando a tendência para hostilizar o Islão, e
comunista. "Foi", escreveu ele, "uma embriaguez com a pediu perdão inúmeras vezes por pecados da Igreja, inco-
liberdade das multidões de viver numa 'Polónia humana', de modando muita gente.
sair para as ruas 'deles' nas cidades e nas aldeias que eles (os Tendo contribuído para a queda do comunismo, João Paulo
comunistas) já não controlavam." Marek, que acompanhou II atacou incessantemente o materialismo prático e o indivi-
o Papa em diversas viagens, diz que teria bastado uma sim- dualismo egoísta da sociedade ocidental. Para ele, o colapso
ples palavra do Santo Padre para incendiar a Polónia. E ter do comunismo não significou o fim da história nem a entra-
tido a mesma noção quando, durante a ditadura de Marcos, da no paraíso. Com a autoridade de se ter oposto ao comu-
o Papa visitou as Filipinas. Este era o poder de um homem, nismo, criticou o capitalismo selvagem e defendeu o prima-
de um só homem. do do direito internacional e das Nações Unidas, pugnando
Depois da visita à Polónia, e por uma globalização na solidariedade, politicamente enqua-
segundo documentos obti- drada.
dos em 1994 nos arquivos O mais importante não está aí, porém. Está na força da fé
do PC soviético, os de João Paulo II. E no seu amor à humanidade, a começar
dirigentes comunistas de pela mais sofredora - para quem o sofrimento do Papa foi
Moscovo reuniram-se para um formidável sinal de esperança. No fundo, apenas a san-
analisar o perigo que tidade pode mudar o coração das pessoas.
constituía o Papa polaco e E o testemunho de vida de João Paulo II tocou o coração de
aprovaram, a 13 de muitos. Quando tinha saúde e energia e quando se tornou
Novembro de 1979, uma fraco e doente.
resolução para "trabalhar
contra as políticas do João Paulo II
Vaticano em relação aos Narana Coissoró
JN050402
Estados socialistas". As No momento em que escrevo estas linhas, as notícias que
principais organizações chegam do Vaticano são extremamente dolorosas e apertam
comunistas, desde o coração. O homem que marcou indelevelmente a segunda
departamentos especializa- metade do século XX e os primeiros anos do actual, o Papa
dos do PC soviético até ao peregrino, "a explosão do verbo", como foi chamado por
MNE, KGB, Academia das Ciências, agência noticiosa um cientista político de nomeada, está a chegar ao fim da
TASS e à rádio e televisão estatais, receberam missões con- sua vida terrena, e ao termo dos seus grandes combates
cretas na campanha contra Wojtyla. O documento foi assi- físicos, para doar à Humanidade a sua "dor salvífica"; o
nado por, entre outros, o líder comunista Brejnev e os futu- teólogo que, com as suas encíclicas e discursos, marcou o
ros pre- sidentes Chernenko e Gorbachev. A decisão conti- seu luminoso apostolado; o chefe da Igreja Católica que,
nha seis pontos centrais de propaganda contra o Vaticano, mais do que qualquer outro, contribuiu para o ecumenismo
que envolvia a "mobilização" dos PC das repúblicas soviéti- das grandes religiões do Globo; o diplomata e o político,
cas com importantes populações católicas, acções nos países que contribuiu decisivamente para a implosão do sovietis-
ocidentais, feitas através de "canais especiais" do KGB, e a mo, e se bateu, sempre e em todas as circunstâncias, pela
"troca" de informação e propaganda sobre as políticas do defesa da paz entre as nações, pelo direito ao desenvolvi-
Vaticano com PC europeus. Entre estes destacavam-se os da mento dos povos que ainda não conhecem senão a miséria e
Áustria, Bélgica, Irlanda, Itália, França, Alemanha Ocidental a serem olhados pelos países ricos como uma obrigação
e… Portugal. Segundo o PC soviético, que analisou à lupa moral, antes de tudo o resto, para promover também o
todas os discursos, entrevistas e declarações do novo Papa, direito à "vida mais humana", e pela sua presença constante
este não apenas usava a religião "na luta ideológica contra as no meio de multidões de jovens, que sempre o souberam
terras socialistas" como "aplica esta nova propaganda, o que amar e ele retribuiu, com extrema generosidade, o seu afec-

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to. monia dos países mais fortes. A sua última grande encíclica
Treme-me a mão só de pensar que pode chegar, em qual- social, Centesimus annus, contém uma intrépida recapitula-
quer momento, a notícia que, embora esperada, é a mais ção sobre a doutrina do destino universal dos bens, e, como
indesejada e triste de todas. nunca se escreveu antes, a mais extensa, dura e directa crítica
ao capitalismo materialista da era pós-comunista, rejeitando
São João Paulo Magno, o Papa do terceiro milé- a ideia do "fim da história" e, pelo contrário, defendendo
nio uma conversão, uma reforma espiritual do sistema económi-
Mário Pinto co vitorioso da guerra fria. Foi ao concreto de propor o
Público, 050411 perdão da dívida aos povos do terceiro mundo, à imagem do
1.O povo que pela televisão, pela rádio e pela imprensa perdão jubilar e em aplicação daquela doutrina sobre a pro-
globais vimos unido em pensamento e coração com o pas- priedade. Apoiou sem meias palavras o progresso do papel
samento de João Paulo II, excedeu o que se podia imaginar. da ONU, os direitos humanos e o direito internacional;
Na homenagem que livre e espontaneamente tantos e tão visitou religiosamente os templos dos judeus e muçulmanos,
diversos homens e mulheres, poderosos e anónimos, velhos abrindo a amizade e a concórdia às religiões abraâmicas.
e jovens, crentes de tantas religiões e não crentes, lhe quise- Abraçou fraternalmente os cristãos das outras igrejas. Foi a
ram prestar, em Roma e por toda a parte, reuniu-se, como Cuba e quis ir à Rússia e à China. Quis ir a todos os povos,
nunca dantes, o mundo todo! sem nenhuma excepção de cultura ou religião maioritária. A
Perante isto, não é possível passar honestamente adiante todas as religiões convidou para Assis, onde todas rezaram
sem nos sentirmos fortemente interpelados pelo essencial em simultâneo e assinaram uma solene Carta Universal pela
do fenómeno. E uma interpelação pede resposta, ensaiada Paz. No momento em que aí os chefes religiosos se davam o
que seja. abraço da paz, liturgicamente resumido no abraço ao próxi-
2. Por mim, creio que neste Papa brilhou o novo pentecos- mo, espontânea e inesperadamente foi quebrado o protoco-
tes que João XXIII pediu para a Igreja e o mundo, quando lo porque todos quiseram abraçar João Paulo II, e por
convocou o Concílio, e a momentos não houve nem protocolo nem ordem. Algo de
Igreja recebeu, desde então semelhante parece que sucedeu na última cerimónia do seu
pela sua renovação vem funeral, entre os chefes e altos representantes dos Estados,
vivendo e como sinal ofere- que se cruzaram e cumprimentaram fora dos modos oficiais
cendo em partilha ao mundo. correspondentes às suas relações protocolares e políticas, em
Brilharam a fé e a santidade; o certos casos muito conflituais.
amor a todos os homens na 4. A Igreja renovou-se com o Vaticano II e vem sempre
pureza de coração; não só os renovando-se no após-Vaticano II. Mas "mutou" com a
carismas, mas sobretudo os continuação desse renovamento em João Paulo II, que abriu
(sete=infinitos) dons do Espí- o seu pontificado pedindo em voz forte: "Não tenhais
rito Santo; enfim, uma trans- medo, abri as portas a Cristo", e o terminou com o "ao
parência de Deus. largo" da "nova evangelização", que ele próprio incarnou
Creio que, pelas razões do como autêntica inauguração do terceiro milénio. Recorde-se
coração, tal foi inexplicavel- a importância profética que o Papa Wojtyla deu ao conselho
mente conhecido por muitís- do seu pai espiritual, o Primaz da Polónia, quando foi eleito,
simos, dentro e fora da Igreja. a ponto de o ter escrito no seu testamento: "O dever do
Em João Paulo II o mundo novo Papa será introduzir a Igreja no Terceiro Milénio".
pôde ver que estavam unidas Esta acção de introdução não é meramente cronológica,
duas coisas: uma, "falar em nome de Deus"; outra, "conhe- seria caricato. É sim essencialmente de renovamento epocal,
cer e ser conhecido de Deus". Sabemos que "conhecer", na a caminho do fim dos tempos.
linguagem bíblica, é união e posse recíproca. Só conhecer 5. Renovação epocal que se vê no corpo e na vida da Igreja
permite ser transparência de Deus. Esta distinção está no de muitos modos, e em especial nos "novos movimentos e
Evangelho: "Muitos me dirão, naquele dia: Senhor, Senhor, comunidades eclesiais", que este Papa tanto apoiou, mas só
não pregámos nós em teu nome, não foi em teu nome que conhece quem tem querido conhecer. Quem, por exemplo,
expulsámos os demónios e fizemos muitos milagres? E no sabe (e se sabe valoriza) que, em pouco mais de trinta anos,
entanto, eu lhes direi: nunca vos conheci. Apartai-vos de mais de cem milhões de católicos se ligaram ao Renovamen-
mim, vós que praticais a iniquidade" (Mt 7,22). Terríveis to Carismático? Quem conhece os Focolari e a sua obra
palavras... intercontinental, nascida na última guerra, que é um milagre
3. É assim que compreendo mais facilmente porque este de aproximação ecuménica e de inter-confessionalidade? E
Papa foi humilde e forte; caloroso e sem respeitos humanos os neocatecumenais, que alastram pelo mundo? Quem nota
contra o erro; foi corajoso e fez a confissão inteira e pública que o movimento dos cursilhos, que foi um dos pioneiros
dos pecados da Igreja, perante o mundo e as outras religiões; da renovação, continua pujante? E a irradiação de Comu-
foi um homem de oração e de acção; sem receio de mostrar nhão e Libertação, em tão pouco tempo? E a continuação
o seu discernimento místico na fé, como fez na revelação do firme do Opus Dei, apesar de tantos ataques? E as novas
terceiro segredo de Fátima, escreveu encíclicas sobre as mais comunidades laicais espalhadas por muitos países, como a
difíceis e cruciais questões filosóficas e científicas, como a Comunidade Emanuel, a de Santo Egídio, a das Beatitudes,
encíclica sobre "a fé e a razão" e a encíclica sobre "o esplen- etc? E o Movimento dos Casais de Nossa Senhora? E
dor da verdade". Foi conservador porque conservou o que é Schoenstatt? E o revigoramento das grandes congregações
bom e deve ser conservado, pense o mundo o que quiser. mais antigas? Quem mede as novas iniciativas missionárias e
Mas não reteve nada que tivesse que ver com o conservado- de cooperação de jovens? E a constante multiplicação das
rismo dos orgulhos ou poderes do passado, os velhos privi- iniciativas sócio-caritativas da Igreja, que cresce impressio-
légios de poder ou de influência, com a submissão à hege- nantemente? E entre nós a renovação das Misericórdias e

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das IPSS? E os grupos de oração de muitas inspirações, por que, na própria pessoa, levou a toda a parte - excepto onde
toda a parte, milhões no mundo? Quem não vê a manifesta não o deixaram entrar - a mensagem do Evangelho.
renovação dos movimentos de peregrinação aos santuários e A dimensão da morte de João Paulo II é proporcional à
da devoção mariana? Quem se interroga se a diminui- dimensão da sua vida e ao
ção das vocações sacerdotais não possa ser provi- acolhimento que o seu
dencial para que o sacerdócio do povo de Deus, testemunho teve no coração
proclamado no Vaticano II, não fique apenas uma humano, à escala global.
palavra, e se multipliquem os diáconos casados e Descontinuar esta obra, este
desenvolvam os vários ministérios laicais? Não é efeito, descontinuar este
verdade que nunca o diaconado e o laicado teve tanto dinamismo histórico do
apelo de participação e revigoramento, desde a era pré- papel da Igreja não parece
constantiniana? boa opção.
6. A reunião do mundo em S. Pedro, e por toda a Finalmente, a razão decisiva
parte, foi a coroação da reunião inter-religiosa de Assis pela do impacto profundo que João Paulo II teve na Humanida-
paz, da ida à ONU pela ordem internacional e pelos direitos de radica num ponto nuclear: a sua santidade.
humanos, da visita aos países do mundo inteiro pela justiça e O segredo da decisão dos cardeais que se fecharam em
pela fraternidade universais, pela defesa dos mais fracos, Roma está em tomar a santidade do próximo Papa como o
doentes e pobres, do apelo à santidade e à misericórdia. O primeiro critério de decisão.
mundo sentiu que João Paulo II sinceramente quebrava Santidade que se revela numa fé diferente, nem maior, nem
todas as barreiras que separam e violentam os homens; e menor do que a dos outros, mas misteriosamente diferente.
que lançava pontes para a fraternidade universal na fé since- Santidade que se revela no olhar, na palavra, na consistência
ra a um Deus Único. da bondade, no calor humano, na centralidade do coração e
7. João Paulo II foi autenticamente um testemunho vivo e do amor na decisão de vida.
irradiante, oferecendo, com a sua vida, uma transparência Santidade que se revela na energia espiritual, na alegria
ascética e mística de Jesus Cristo e do Seu Espírito universal. indestrutível, no desassombro amorosamente construtivo,
No testamento, o que especialmente luziu para mim foram no traço eterno dos gestos.
estas palavras finais: "Espero ser útil na mais importante Santidade que se revela não apenas no sentido de missão e
causa que busco servir: a salvação dos homens, a salvaguar- de serviço, mas na aceitação da cruz, como sucedeu, com
da da família humana, e com ela de todas as nações e de uma beleza humana rara, com o Papa que agora morreu.
todos os povos (...) pela glória de Deus". A encruzilhada da Igreja tem uma resposta: o mundo precisa
Terá sido esta "esperança e busca" de fraternidade universal de exemplos de santidade.
que brilhou na sua vida, de tal modo forte e mistérica que o Procurem o santo, é esse o caminho dos cardeais.
mundo todo lhe quis prestar uma estremecida homenagem Há a tese oposta, a tese de que a Igreja deve escolher um
de agradecimento e reverência. No mundo aconteceu uma pragmático, que saiba organizar a Igreja, e pôr o santo a
poderosa profecia de fraternidade espiritual universal, uma rezar por ele.
unção mundial. Que, na cerimónia da Praça de S. Pedro, foi Entre escolher um santo e pôr o pragmático a trabalhar para
"inesperadamente" confirmada, a terminar, "por uma forte ele ou escolher o pragmático e pôr o santo a rezar por ele, a
rajada de vento". Igreja deve escolher a primeira solução.
O caminho mais seguro para o diálogo entre civilizações é a
Escolham o Santo santidade, porque difícil não é sair de um avião na terra do
António Pinto Leite Expresso, 050409 outro, difícil é entrar no coração do outro.
E AGORA, depois da morte de João Paulo II? O caminho mais seguro para a reforma da Igreja é a santida-
A encruzilhada da Igreja Católica não deve passar por querer de, porque difícil não é emitir ordens de serviço, difícil é
ter uma réplica de João Paulo II. Somos todos únicos e discernir que ordens dar, como e quando, e, sobretudo,
irrepetíveis, mas há uns que são mais únicos e irrepetíveis do como adaptar a Igreja aos sinais dos tempos sem que a
que outros. É o caso de João Paulo II. radicalidade essencial em que assenta se perca.
Também não passa por escolher o novo Papa segundo a O caminho mais seguro para a evangelização é a santidade,
região do mundo onde nasceu. Como católico, não me faz porque difícil não é falar de amor, difícil é ser amor.
qualquer sentido que o sucessor de João Paulo II tenha Por isso, escolham o santo. Embora desarrume a circuns-
necessariamente que ser não-europeu, ou necessariamente tância, a santidade traz em si o equilíbrio e a harmonia. João
europeu. Paulo II provou isso mesmo.
Já algum significado poderia ter a idade do novo Papa. Não
é irrelevante a Igreja Católica abrir um novo ciclo papal Testamento de Sua Santidade o Papa João Paulo
longo ou antes optar por um papado mais curto, eventual- II
mente de transição. Tradução revista pelo Pe. Duarte da Cunha
João Paulo II deixa um legado que, a ser respeitado, gera os 050410

seus próprios mecanismos de decisão. Testamento de 6.3.1979


Em primeiro lugar, a prioridade da Igreja do século XXI Totus Tuus ego sum
está fora de si e não dentro de si. Em nome da Santíssima Trindade. Amém.
Isto é, a escolha do novo Papa não deve ter como primeira "Vigiai, porque não sabeis o dia em que o Senhor virá" (cf.
motivação a reforma (ou impedi-la) das estruturas da Igreja Mt 24,42). Estas palavras recordam-me o último chamamen-
(casamento dos padres, participação das mulheres), mas sim to, que ocorrerá no momento em que o Senhor quiser.
o papel crítico da Igreja na evangelização do mundo e na Desejo seguí-Lo e desejo que tudo o que faz parte de minha
promoção da paz. vida terrena me prepare para este momento. Não sei quando
Em segundo lugar, o mundo inteiro habituou-se a um Papa isso ocorrerá, mas como tudo, também esse momento,

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entrego nas mãos da Mãe do meu Mestre: Totus tuus. Nas e pesado se tornou também o caminho da Igreja, prova
mesmas mãos maternas deixo tudo e todos aqueles aos quais característica destes tempos - tanto para os Fiéis, como para
fiquei ligado através da minha vida e da minha vocação. Em os Pastores. Em alguns países (como por exemplo, naqueles
suas mãos deixo, sobretudo, a Igreja; e também a minha sobre os quais li durante os exercícios espirituais), a Igreja
nação e toda a humanidade. Agradeço a todos. A todos peço encontra-se num período de tais perseguições, que não é
perdão. Peço também a oração, para que a Misericórdia de menor que nos primeiros séculos; antes pelo contrário,
Deus seja maior do que a minha fraqueza e a minha indigni- supera-os, tamanho é o grau da desumanização e do ódio.
dade. Sanguis martyrum - semen christianorum (O sangue dos
Durante os exercícios espirituais, fiz a releitura do testamen- mártires é semente do Cristianismo). E além disso - tantas
to do Santo Padre Paulo VI. Esta leitura inspirou-me a pessoas inocentes desaparecem também neste país que
escrever o presente testamento. vivemos...
Não deixo nenhuma propriedade própria, da qual seja preci- Desejo mais uma vez confiar-me totalmente à graça do
so dispor. Quanto às coisas de uso diário que me serviam, Senhor. Ele mesmo decidirá quando e como devo terminar
desejo que sejam distribuídas como considerarem oportuno. a minha vida terrena e o meu ministério pastoral. Na vida e
Que minhas anotações pessoais sejam queimadas. Peço que na morte, Totus Tuus através da Imaculada. Aceitando já,
cuide disto mesmo, dom Estanilslao, a quem agradeço a desde agora, esta morte, espero que Cristo me conceda a
colaboração e a ajuda nestes longos anos e sempre tão com- graça para a última passagem, isto é, a (minha) Páscoa.
preensiva. Todos os outros agradecimentos, deixo-os no Espero também que a torne útil na mais importante causa a
coração diante do próprio Deus, porque é difícil exprimí-los. qual procuro servir: a salvação dos homens, a salvaguarda da
No que diz respeito ao funeral, repito as mesmas disposi- família humana, e com ela de todas as nações e dos povos
ções que deixou o Santo Padre Paulo VI (aqui uma nota na (entre as quais, me dirijo, de modo particular, à minha Pátria
margem: que o sepulcro seja na terra, e não em um sarcófa- terrena), útil para as pessoas que, de modo especial, me
go, 13.3.92). confiou, para a questão da Igreja, para a glória do próprio
"apud Dominum misericórdia Deus.
et copiosa apud Eum redemptio" Não desejo acrescentar nada àquilo que escrevi há um ano,
João Paulo II somente expressar a prontidão e ao mesmo tempo esta
Roma, 6.3.1979 confiança, para a qual os presentes exercícios espirituais de
Após a morte peço Santas Missas e orações novo me dispuseram.
5.3.1990 João Paulo II
*** ***
Folha sem data Totus Tuus ego sum
Expresso a mais profunda confiança de que, apesar de toda 5.3.1982
minha fraqueza, o Senhor me concederá toda a graça neces- No decorrer os exercícios espirituais deste ano, li (várias
sária para enfrentar, conforme a Sua vontade, qualquer vezes) o texto do testamento de 6.3.1979. Apesar de o con-
tarefa, prova e sofrimento que queira pedir ao Seu servo, siderar provisório (não definitivo), deixo-o na forma na qual
durante a vida. Também tenho confiança de que o Senhor está. Não mudo nada (por enquanto) e também não acres-
não permitirá nunca que, mediante as minhas atitudes: pala- cento nada, no que diz respeito às disposições ali contidas.
vras, obras ou omissões, eu possa trair as minhas obrigações O atentado a minha vida no dia 13.5.1981, confirmou, de
nesta santa Sé Petrina. certa forma, a exactidão das palavras escritas durante o
*** período dos exercícios espirituais de 1980 (24.2 - 1.3).
24.2 - 1.3.1980 Ainda mais profundamente sinto que me encontro total-
Também durante estes exercícios espirituais tenho reflectido mente nas Mãos de Deus - e permaneço continuamente à
sobre a verdade do Sacerdócio de Cristo, na perspectiva disposição do meu Senhor, confiando-me a Ele na Sua Ima-
daquela Passagem que para cada um de nós é o momento da culada Mãe (Totus Tuus).
Sua própria morte. Da despedida deste mundo - para nascer João Paulo II
para o outro, para o mundo futuro, sinal eloquente (acres- No que se refere a última frase do meu testamento de
centado em cima: decisivo) é para nós a Ressurreição de 6.3.1979 ("sobre o lugar/ isto é, o local do funeral/ decida o
Cristo. Colégio Cardinalício e os compatriotas") - esclareço que
Li, portanto, os registros do meu testamento do último ano, tenho em mente: a metropolita [arcebispo] de Cracovia ou o
feitos também durante os exercícios espirituais - e tenho Conselho geral do episcopado da Polónia. Peço ao Colégio
comparado com o testamento do meu grande Predecessor e Cardinalício, portanto, que satisfaça, na medida do possível,
Pai Paulo VI. Com esse testemunho sublime sobre a morte os eventuais pedidos que estes agora citados possam fazer
de um cristão e de um papa – e renovei em mim a consciên- ***
cia das questões, às quais se referem os registros de 1.3.1985 (durante os exercícios espirituais)
06/03/1979 preparados por mim (de maneira muito provi- Novamente – no que diz respeito à expressão: "Colégio
sória). Cardinalício e Compatriotas": o "Colégio Cardinalício" não
Desejo hoje acrescentar apenas isto: que cada um de nós tem nenhum dever de perguntar sobre este argumento os
deve ter presente a perspectiva da morte. E deve estar pron- "Compatriotas", todavia, pode fazê-lo se por qualquer moti-
to a apresentar-se diante do Senhor, o Juiz e, ao mesmo vo considerar justo.
tempo, Redentor e Pai. Portanto, também eu tenho conti- João Paulo II
nuamente isto em consideração, confiando esse momento ***
decisivo à Mãe de Cristo e da Igreja - à Mãe da minha espe- Os exercícios espirituais do ano Jubilar de 2000
rança. (12-18.3)
Os tempos nos quais vivemos são difíceis e inquietos. Difícil (Para o testamento)

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1. Quando no dia 16 de Outubro de 1978 o conclave dos no período precedente.
cardeais escolheu João Paulo II, o Primaz da Polônia, Car- 4. Ao encontrar-me no início do terceiro milênio "in medio
deal Stefan Wyszyski disse-me: "O dever do novo Papa será Ecclesiae", desejo expressar uma vez mais a minha gratidão
introduzir a Igreja no Terceiro Milênio". Não sei se repito ao Espírito Santo pelo grande dom do Concílio Vaticano II,
exactamente a frase, mas, ao menos, este era o sentido ao qual, junto com toda a Igreja – e sobretudo todo o epis-
daquilo que na altura ouvi. Disse-o o Homem que ficou na copado -, me sinto devedor. Estou convencido de que ainda
história como o Primaz do Milénio. Um grande Primaz. durante muito tempo será possível às novas gerações rece-
Tenho sido testemunha da sua missão, da sua total entrega. ber das riquezas que este Concílio do século XX ofereceu.
Das suas lutas: da sua vitória. "A vitória, quando vier, será Como bispo que participou no evento conciliar desde o
uma vitória por intermédio primeiro até ao último dia, desejo
de Maria". Estas palavras confiar este grande património a
são do seu predecessor, o todos aqueles que são e serão
Cardeal August Hlond, que chamados no futuro a realizá-lo.
o Primaz do Milénio Da minha parte, dou graças ao
costumava repetir. Pastor Eterno que me permitiu
Deste modo, fui, de certa servir a esta grandíssima causa ao
maneira, preparado para a longo de todos os anos de meu
tarefa que no dia 16 de pontificado.
Outubro de 1978 se "In medio Ecclesiae"... desde os
apresentou diante de mim. primeiros anos de serviço
No momento em que episcopal - precisamente graças ao
escrevo estas palavras, o Concílio - pude experimentar a
Ano Jubilar de 2000 já é uma realidade em acto. Na noite do comunhão fraterna do episcopado. Como sacerdote da
dia 24 de Dezembro de 1999 foi aberta simbolicamente a arquidiocese de Cracóvia tinha experimentado o que era a
Porta do Grande Jubileu na Basílica de São Pedro; em fraterna comunhão do presbitério. O Concílio abriu uma
seguida a de São João de Latrão, depois de Santa Maria nova dimensão a esta experiência".
Maior - no primeiro dia do ano, e no dia 19 de Janeiro a 5. Quantas pessoas teria que nomear aqui! Provavelmente o
Porta da Basílica de São Paulo Fora dos muros. Este último Senhor Deus chamou para Si a maioria delas. Quanto àque-
evento, por causa do seu carácter ecuménico, ficou impresso les que ainda se encontram deste lado, que as palavras deste
na minha memória de modo particular. testamento as recordem, a todos e em todos os lugares em
2. À medida que o Ano Jubilar de 2000 vai avançando, de que se encontrarem.
dia para dia, vai-se fechando para nós o século XX e abre-se Nestes mais de vinte anos em que presto o serviço Petrino
o século XXI. Segundo os desígnios da Providência, foi-me "in medio Ecclesiae", tenho experimentado a benévola e
concedido viver o difícil século que está a acabar, e agora, muito fecunda colaboração de tantos cardeais, arcebispos e
no ano em que a idade de minha vida alcança os oitenta bispos, de tantos sacerdotes e pessoas consagradas - irmãos
anos ("octogesima adveniens"), é necessário perguntar se e irmãs -, enfim, de tantos leigos, no ambiente da cúria, no
não está no tempo de repetir, como o bíblico Simeão "Nunc Vicariato da diocese de Roma assim como fora destes
dimittis". ambientes.
("Agora deixai o teu servo ir em paz, pois os meus olhos viram a Como não abraçar com grata memória todos os episcopados
salvação") do mundo, com os quais me encontrei ao longo das visitas
No dia 13 de maio de 1981, dia do atentado ao Papa, duran- "ad limina Apostolorum"! Como não recordar também de
te a Audiência Geral na Praça São Pedro, a Divina Provi- tantos irmãos cristãos - não-católicos! E o rabino de Roma e
dência salvou-me da morte milagrosamente. Aquele que é o tantos representantes das religiões não-cristãs! E quantos
único Senhor da vida e da morte, Ele mesmo prolongou-me representantes do mundo da cultura, da ciência, da política e
esta vida, de certa maneira deu-me-a de novo. A partir desse dos meios de comunicação social.
momento, ela pertence-Lhe ainda mais. Espero que Ele me 6. À medida que se aproxima o limite de minha vida terrena,
ajudará a reconhecer até quando devo continuar esta missão, volto com a memória ao início, aos meus pais, ao meu irmão
para a qual me chamou no dia 16 de Outubro de 1978. e à minha irmã (que não conheci porque morreu antes do
Peço-lhe que me volte a chamar quando Ele mesmo quiser. meu nascimento), à paróquia de Wadowice, onde fui
"Na vida e na morte pertencemos ao Senhor... somos do ba+tizado - cidade que amo, aos meus coetâneos, compa-
Senhor " (cf. Rm 14,8). Espero também que enquanto me nheiras e companheiros da escola primária, do liceu, da
for dado de realizar o serviço petrino na Igreja, a Misericór- universidade, até aos tempos de ocupação, quando trabalhei
dia de Deus me dê as forças necessárias para este serviço. como operário e depois à paróquia de Niegowic, à cracovia-
3. Como todos os anos, durante os exercícios espirituais, na de São Floriano, na pastoral dos universitários, àquele
tenho lido meu testamento de 6.3.1979. Continuo a manter ambiente... a todos os ambientes... em Cracóvia e em
as disposições contidas nele. Aquilo que nessa altura e tam- Roma... às pessoas que de modo especial o Senhor me con-
bém o que durante os sucessivos exercícios espirituais foi fiou.Quero dizer a todos somente uma coisa: "Que Deus
acrescentado é o reflexo da difícil e tensa situação geral que vos recompense".
marcou os anos oitenta. Desde o Outono de 1989, esta "In manus Tuas, Domine, commendo spiritum meum"
situação tem mudado. A última década do século passado (Em tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito)
estava livre das tensões anteriores; isto não significa que não João Paulo II
tenham carregado consigo novos problemas e dificuldades.
De modo particular, seja louvada a Divina Providência por
isto: que o fim da chamada "guerra fria" tenha acontecido
sem o violento conflito nuclear que pesava sobre o mundo

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