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BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª Dr.ª Virgínia Maria Fontes
Universidade Federal Fluminense
___________________________________________________
Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso
Universidade Federal Fluminense
___________________________________________________
Prof. Dr. Leandro Konder
Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro
___________________________________________________
Prof. Dr. Sidnei Munhoz
Universidade Estadual de Maringá – Paraná
___________________________________________________
Prof. Dr. Gelsom Rozentino de Almeida
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Niterói
2002
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Dedicatória:
Para Gonçalo e Liduína, que me levaram à primeira sessão de cinema.
Uma lembrança remota da emoção que cercou o primeiro encontro com o cinema.
Era 1965 e eu tinha sete anos. Meu pai disse que só me levaria se eu dormisse à tarde. A
expectava era tão grande que não conseguia adormecer. Atenta, minha mãe, de vez em
quando vinha observar. Eu fingia que dormia para não perder por nada aquela oportunida-
de.
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Agradecimentos:
Agradeço inicialmente à profª. Virgínia Fontes pela orientação profundamente ge-
nerosa e carinhosa, aspectos que acompanharam outras tantas qualidades pertinentes ao
rigor científico que pude usufruir no decorrer deste trabalho. Rigor, capacidade e estímulo
se conjugam de forma que me sinto tremendamente beneficiado com a convivência.
Agradeço também aos professores Ciro Flamarion Cardoso e João Luiz Vieira, que
acompanharam o trabalho desde o exame de qualificação, fornecendo importantes suges-
tões que procurei, na medida do possível, incorporá-las ao texto final. Redobro o agrade-
cimento a estes dois professores por terem aceito participar da banca de exame da tese,
juntamente com os professores Leandro Konder (PUC/RJ), Sidnei Munhoz (Universidade
Estadual de Maringá) e Ana Maria Mauad (UFF) e Gelsom Rozentino (UERJ).
Aos professores Bernardo Kocher, André Laíno, Jorge Ferreira, cujas aulas foram
momentos enriquecedores da etapa inicial do trabalho. Novamente agradeço ao prof. Ciro
pela oportunidade que me ofereceu de estudar semiótica de análise fílmica, momento fun-
damental para o amadurecimento do projeto inicial. Ao professor Carlos Augusto Addor
agradeço a acolhida sempre simpática em momentos importantes.
Ao CNPq agradeço à concessão da bolsa de estudos que me permitiu a dedicação
necessária à conclusão da pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF agradeço a atenção a que me
foi dispensada em todas as ocasiões. Na pessoa do prof. Guilherme Pereira das Neves ex-
presso este reconhecimento.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em História da UFF agradeço o clima
de camaradagem e interesse nos rumos da pesquisa. Particularmente o Grupo de Trabalho
de Orientação, coordenado pela profª Virgínia Fontes, pelos importantes comentários sobre
um dos capítulos da tese.
Aos colegas que leram capítulos da tese e fizeram sugestões: Anita Handfas, Mar-
celo Augusto, Marcela Pronko e Eurelino Coelho.
Agradeço a Simone Dubeux, com quem apresentei uma comunicação sobre análise
fílmica na Anpuh, onde pude ouvir sugestões sobre uma área nova de pesquisa para mim.
De Gil Vicente tive oportunidade de conhecer uma generosidade imensa. Nos mo-
mentos iniciais, abriu sua biblioteca para um novato nos estudos fílmicos.
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Sumário
Introdução, p. 12
Capítulo 1: O tema , p. 33
Conclusão, p. 154
Capítulo 6: Os filmes e os diretores, p. 158
1. Cortina de ferro (1948), p. 160
2. O terceiro homem (1949), p. 167
3. Anjo do mal (1952), p. 177
4. Matar ou morrer (1952), p. 182
5. Viva Zapata! (1952), p. 189
6. Sindicato de ladrões (1954), p. 196
7. Vampiros de almas (1956), p. 201
8. Sob o domínio do mal (1962), p. 211
9. 007 contra o satânico dr. No (1963), p. 219
10. Dr. Fantástico (1964), p. 223
11. Cortina rasgada (1966), p. 229
Conclusão, p. 255
Bibliografia, p. 263
Anexos , p. 272
Lista de ilustrações
1. Igor Gouzenko (Dana Andrews) e um camarada (John Shay) em Cortina de fer-
ro, p. 277
2. Holly Martins (Joseph Cotten) e Harry Lime (Orson Welles) na seqüência do
parque de diversões em O terceiro homem (1949), p. 278
3. Skip McCoy (Richard Widmark) e o capitão Tiger em Anjo do mal (1952), p.
279
4. Will Kane (Gary Cooper) tenta convencer a assembléia a apoiá-lo em Matar ou
morrer (1952), p. 280
5. Zapata (Marlon Brando) é conduzido prisioneiro em Viva Zapata! (1952), p. 281
6. Charley Malloy (Rod Steiger) procura convencer Terry Malloy (Marlon Brando)
a aderir aos gângsters em Sindicato de ladrões (1954), p. 282
7. Becky (Dana Winter) e Miles (Kevin McCarthy) tentam escapar da transforma-
ção em “vagens” em Vampiros de almas (1956), p. 283
8. Sgt. Raymond (Lawrence Harvey) na sala onde as experiências com hipnose e
“lavagem cerebral” são “comprovadas” em Sob o domínio do mal (1962), p. 284
9. Honey (Ursula Andrews) e James Bond (Sean Connery) em 007 contra o satâni-
co dr. No (1963), p. 285
10. Reunião na sala de guerra do Pentágono em Dr. Fantástico (1964), p. 286
11. O prof. Lindt (Ludwig Donath) conversa com um atento prof. Armstrong (Paul
Newman), p. 287
12. Cartaz do filme Topázio (1969), de Alfred Hitchcock, p. 288
13. As duas Alemanhas, com Berlim Oriental e Ocidental e Leipiz, a rota de fuga
em Cortina rasgada (1966), p. 289
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Resumo
O tema desta pesquisa é o anticomunismo nos filmes sobre a primeira Guerra Fria,
produzidos no período de 1948 a 1969. Procuramos prosseguir na linha de abordagem do
tema que prioriza o estudo a partir da crítica das ideologias a cerca da produção fílmica. A
Guerra Fria nos filmes será vista em suas implicações na construção de estereótipos, ideo-
logias e visões de mundo, tendo como pano de fundo, o confronto entre capitalismo e soci-
alismo.
As opções teórico-metodológicas situam-se no campo do materialismo histórico, re-
tomando desde as contribuições iniciais de Marx e Engels, Lênin e Gramsci, a Escola de
Frankfurt e as recentes abordagens do marxismo. As opções metodológicas mais específi-
cas são aquelas derivadas da análise semiótica de filmes.
A hipótese central afirma que a construção fílmica sobre o anticomunismo se dá em
dois níveis: a) numa primeira abordagem, o nível de elaboração tende para a simplificação,
num discurso claramente propagandístico, neste caso as críticas recaem no comunismo e
nas experiências socialistas; b) num segundo nível a abordagem é complexa, sendo possí-
vel encontrar críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo.
Verificamos nossa hipótese observando a abordagem dos filmes sobre duas grandes
redes temáticas “indivíduo e sociedade” e “indivíduo e poder”. Concluímos que o antico-
munismo tende a considerar as sociedades e os indivíduos como abstrações, onde os últi-
mos ou são fragmentados e/ou desumanizados e as sociedades são a-históricas e imperme-
áveis à ação coletiva. Por outro lado, a ação política dos comunistas é desqualificada pela
via da sua associação com o crime e vistos essencialmente como membros de uma conspi-
ração destinada a conquistar o poder e destruir a individualidade.
No meio cinematográfico, o anticomunismo acirrou as tensões entre aqueles dispos-
tos a se vincularem acriticamente ao status quo e uma tendência contra-hegemômica, que
elaborou formas variadas de resistência.
O anticomunismo dos filmes diretamente associados ao mccarthismo está identifi-
cado com a abordagem nitidamente propagandística. Presente no cinema desde o início do
século, o anticomunismo ultrapassa esse período. Com a nova Guerra Fria dos anos 80,
aspectos distintos se incorporariam ao novo ciclo.
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Abstract
The theme of this research is the anticommunism on the films about the first Cold
War between 1948 and 1969. We aim at focusing the idelogical critique of movie produc-
tion, which has been developed before. The Cold War on films will be seen on its implica-
tions on the construction of stereotypes, ideologies and world views. The context which
embraces these aspects is the conflict between capitalism and socialism.
The theoretical and methodological options are on the horizon of the historical ma-
terialism, taken up since the contribuitions of Marx and Engels, Lenin and Gramsci, the
Frankfurt School and the latest approaches of Marxism. The methodological options most
particular are those which derive from the semiotic analysis of films.
The central hypothesis is that the films construction about anticommunism happens
in two levels: a) first, the level of elaboration preponderates in the simplification, on a clear
speech of propaganda, and in this case the criticisms lie on communism and the socialist
experiences; b) second, a complex approach is possible here in order to meet the criticism
as regards communism and capitalism.
Ours hypothesis is based on two great thematic nets: “individual and society” and
“inidividual and power”. We then conclude that anticommunism mainly focuses society
and subjects as abstrations, the latter being dehumanized or fragmented, and the former
being de-historic and unchangeable under colletive actions. Further, the political action of
the communist is disqualified through their association with crime, fundamentally seen as
members of a conspiration to conquer power and destroy individuality.
In the cinematographic community, anticommunism stimulated the tensions be-
tween those likely to join the status quo and a counter-hegemonic tendency, which put on
various forms of resistance.
The anticomunism of the films directly associated with Mccarthysm is identified
with the propagandistic approach. It has been present on cinema since be beginning of the
twentieth century, but it is surpassing this phase. With the new Cold War, began in the
eighties, different aspects were incorporated to the new cycle.
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Résumé
L’objet de cette recherche est l’anticommunisme lié à la première Guerre Froid,
dans les films realisés entre 1948 et 1969. L’approche met en premier plan la critique des
ideologies dans la prodution filmique. La Guerre Froide au cinema sera analysée dans ses
implications pour la constrution des stéréotypes, ideologies et concepcions du monde, a-
yant comme toile de fond, la confrontation entre capitalisme et socialisme.
Les options théoriques et méthodologiques se situent dans l’horizon du matérialime
historique, d’aprés las contributions originelles de Marx et Engels, Lenin et Gramsci, de
l’école de Frankfurt et le contribution plus récente du marxisme. Les options méthodologi-
ques plus spécifiques sont celles dérivées de l’analyse sémiologique de films.
L’hypothèse principale est que la constrution filmique sur l’anticommunisme agit
sur deux niveaux: a) dans un premier, le niveau de l’elaboration s’incline à la simplificati-
on, predominant un discours nettement de propagande. Ici les critiques s’adressent direc-
tement au communisme et aux experiences socialistes; b) l’autre niveau est complexe, et
l’on peut trouver des critiques au aussibien comunisme qu’au capitalisme.
Cette hypothèse est vérifiée à partir de l’établissement de deux grands reseaux thé-
matiques: “individu et société” e “individu et pouvoir”. La conclusion signalle que
l’anticommunisme dans les films analysès, s’incline a considerer les societés et les indivi-
dus comme abstractions. Dans le premier cas, nous trouvons des entités a-historiques et
imperméables a l’action coletive. Dans le second cas, nous mettons en évidence la frag-
mentation et/ou désumanisation. L’action politique des communistes est disqualifiée par le
biais de son association avec le crime, ceux-ci étant montrés fondamentalement comme
membres d’une conspiration destinée a conquerir le pouvoir et à détruire l’individualité.
Dans le milieu cinématographique, l’anticommunisme a provoqué des tensions en-
tre ceux liés au status quo et une tendence contre-hégémonique, qui a élaboré formes di-
vers de résistence.
L’anticommunisme des films directement associés au mccarthysme est identifié a-
vec l’approche de propagande. Présente au cinema des le debut du XXème siécle,
l’anticommunisme dépasse cette période. Avec la nouvelle Guerre Froide des annés 80,
d’autres aspects s’incorporeraient à ce nouveau cycle.
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Introdução
“De Stettin a Trieste desceu-se uma cortina de ferro que atravessa o continente...”
nismo, no seu célebre discurso em 1946, em Fulton, Estados Unidos. O comunismo surgia,
quase cem anos depois da frase de Marx e Engels, como algo mais que um espectro, era
uma realidade inevitável e que exigia o combate dos anticomunistas em todas as dimen-
cupação do alcance junto ao grande público. A Guerra Fria no cinema será vista em suas
1
Manifesto do Partido Comunista, p. 33.
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meiro lugar, boa parte da filmografia ocidental do período do pós-guerra foi intensamente
marcada pelos implicações trazidas pela Guerra Fria, mesmo em períodos posteriores ao
arrefecimento dessa oposição. Essa abrangência, que evidencia a relevância do tema por si,
exige entretanto uma definição sobre o universo fílmico a ser considerado. Duas ordens de
sobre o tema. Não se trata de importância apenas no sentido da crítica de cinema enquanto
“matrizes” de qualidade fílmica (isto é, de expressão artística), mas sobretudo filmes nota-
damente comerciais.
americana, foram analisados dois filmes britânicos – O terceiro homem e O satânico dr.
No.
Nenhum desses filmes está disponível nas cinematecas brasileiras, cuja prioridade
tem sido a preservação do acervo nacional, por sinal, ainda a demandar recursos que a tor-
nem, de fato, uma política de preservação da memória nacional. A principal forma de aces-
geral, e esta temática, em particular, parece continuar a despertar interesse. Restam ainda
os festivais e mostras, onde filmes sobre o tema ou correlacionados foram assistidos; recor-
ri ainda o acervo das locadoras, mais recentemente ampliado com a oferta de títulos em
amostra abrange filmes com tendências propagandistas claras2, como Cortina de ferro, e
filmes onde os aportes ideológicos estão diluídos na pretensão artística, como Dr. Fantás-
tico.
O recorte temporal tem como marcos 1948, com o lançamento do primeiro filme
sobre o tema – Cortina de ferro, e 1969, quando é lançado Topázio – filme que expressa a
decadência do modelo estabelecido vinte anos atrás. Paralelamente, trabalho com os dois
marcos cronológicos do tema: o lançamento das duas bombas atômicas sobre o Japão e o
célebre discurso, nos Estados Unidos, em 1946, de Winston Churchill, quando o ex-
primeiro-ministro britânico usou pela primeira vez a expressão “cortina de ferro”, e 1963,
quando é criada a “linha quente” que colocava as duas potências em contato permanente.
rooseveltiano de 1945 a 1947 e o período iniciado com a morte, em 1953, de Stalin até
1957, ano de lançamento pela União Soviética do Sputnik, do primeiro satélite artificial ao
tas e a divisão da Alemanha em 1948, a Guerra da Coréia (1950-1953) e a crise dos mís-
seis em 1962, em Cuba, (antecedida pela construção do muro de Berlim no ano anterior.
Como os filmes expressam muito das circunstâncias nas quais estão inseridos, o
tom mais unilateral ou complexo variou de acordo com as oscilações na relação Estados
Unidos/União Soviética. Cortina de ferro (1948) e Fui um comunista para o FBI (1951),
2
A partir da informação de Furhammar e Isaksson de que se fazia um filme por mês com estas característi-
cas, pode-se estimar, para o período estabelecido, cerca de uma centena de filmes. Cf. Cinema e política, p.
64.
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nas relações entre os dois países. Já Dr. Fantástico (1964), comédia negra sobre os riscos
que será construída com base no modo de vida capitalista e no reconhecimento de virtudes
xos, pois o cinema que se apresenta como defensor do chamado “mundo livre” precisa
mento liberal, como individualidade e liberdade. Quero afirmar que este empreendimento
3
Eric J. HOBSBAWM, Era dos extremos, p. 240.
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filmes, a origem da ameaça é dupla: pode vir do comunismo ou da própria sociedade capi-
talista.
americano; esta relação altera a construção fílmica dos estereótipos; a imagem do inimigo
lhantes ao conflito externo: individualismo e/ou solidariedade ou ação coletiva estão medi-
sociedade americana;
ca, daí o recurso inicial ao thriller, um gênero de forte conexão com a realidade e o recurso
mente a gêneros menos realistas, como a ficção científica, até se consolidar numa mescla
Apresento agora uma síntese das opções teóricas. Trabalho basicamente com o
pressuposto de que é impossível pensar a influência do cinema sem refletir sobre o signifi-
sob o ponto de vista do materialismo histórico e dialético. Antes de mais nada, é preciso
dentemente da consciência.
A teoria marxista do conhecimento, por sua vez, parte de duas premissas: a primei-
to, refletindo na consciência coletiva; a segunda afirma que o homem pensa segundo con-
Desde as contribuições iniciais, até os debates mais recentes, a teoria do reflexo tem
sido alvo de grandes polêmicas. O materialismo histórico, na sua expressão mais próxima
das idéias de Marx e Engels, tem afirmado que reflexo estético constituir-se-ia numa ima-
mais essenciais.
Emilio Garroni tem criticado em Lukács uma certa abordagem dessa teoria, suge-
rindo que uma visão superficial do realismo e do racionalismo pode comprometer a elabo-
ração de uma nova cultura crítica. Garroni relaciona a teoria do reflexo com o problema da
“Seria incorreto e inadequado defender que neles [Lukács e Croce]o princípio da re-
presentação artística é explicitamente a mimese; e no entanto é suposto tal princípio; e é
o que explica – como já se disse – a sua aversão pela arte de vanguarda, ou talvez sim-
plesmente moderna, na medida em que ela põe em questão a capacidade mediadora e
explicadora do esquema mimético (pelo menos na sua formulação degradada). Lukács
(o chamado segundo Lukács) fala sim, explicitamente, de ‘espelhamento artístico’ da
realidade social, mas também tem a preocupação de precisar continuamente que não se
trata de modo nenhum de espelhamento puramente mecânico e imitativo, fotográfico.
Explicitamente, portanto, está em jogo não tanto o espelhamento mimético da realidade
como sobretudo a referência em geral à realidade, a capacidade – para a arte e a literatu-
ra – de interpretá-la, torná-la comunicável ou também de ter incidência sobre ela, o que
é talvez o aspecto do espelhamento artístico mais desenvolvido na recente Aesthetik I.
(...) E o ‘amor’ dedicado à ‘realidade’ é tão forte e ingénuo (ingénuo, porque não há de
facto necessidade de amar a realidade, desde o momento que ela ‘existe’) que o espe-
lhamento artístico torna-se de novo, mesmo explicitamente, puro e simples isomorfismo
4
Ciro Flamarion CARDOSO, Ensaios racionalistas, p. 4.
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(...) O erro, portanto, não está tanto em adoptar um esquema mimético, mas antes em
absolutilizá-lo como único esquema possível, como um paradigma implícito, óbvio (na
realidade mágico) e como tal não merecedor de tratamento analítico: o que é o erro, a
inadequada assunção, explícita ou implícita, que nos pareceu reconhecer num Lukács ou
num Croce.6
mento tem com a prática, a partir da segunda tese de Marx sobre Feuerbach: a praxis como
critério último da verdade. Nos Cadernos Filosóficos, esta tese será retomada na expressão
e da possibilidade das idéias se constituírem também como força material, está presente
discurso fílmico anticomunista. Não é possível dar conta das nuances apresentadas nos
filmes, se não se concebe as possibilidades de atuação das idéias como força capaz de pro-
O problema da ideologia também deve ser situado, no âmbito dessa discussão, co-
5
Emilio GARRONI, Projecto de semiótica, pp. 45-46.
6
Ibid., p. 49.
7
Tarso GENRO, Notas ao artigo Para uma leitura de ‘materialismo e emipirocriticismo’, de Dominique Le-
court, pp. 53.
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O conceito de ideologia pode ser visto a partir das mais diversas abordagens, mas funda-
ideologia como falsa consciência. Estas duas matrizes representam tensões que apontam
para uma visão totalizante, necessariamente, da ideologia, supondo-se que o seu sentido
desapareçam.
“Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a cons-
ciência”.9
Ciro Flamarion Cardoso aponta três enfoques e três noções para o conceito. Há um
enfoque genético (conexão entre um determinado grupo social e sua consciência coletiva),
As noções daí advindas são a) a ideologia como sistema de crenças e idéias caracte-
rísticas de classes ou grupos, b) falsa consciência (burguesa), que leva a oposição entre
orgânicas e ideologias arbitrárias. A primeira forma se liga aos intelectuais orgânicos, con-
8
Adam SCHAFF, História e verdade, p.168.
9
Karl MARX e Friedrich ENGELS, A ideologia alemã, pp. 36- 37.
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20
ra/superestrutura:
O trabalho sobre a ideologia a partir de uma concepção semiótica pressupõe que ela
seja uma dimensão do social, atravessando-o em toda sua extensão, não podendo assim ser
conceito de bloco histórico, de Gramsci, à medida que aponta para a superação dessa dico-
tomia.
as reflexões de Marc Ferro e Pierre Sorlin. Para o primeiro, o filme “vale por aquilo que
testemunha”. O seu uso como fonte para história pressupõe que não seja abordado particu-
larmente como obra de arte, atentando-se para aquilo que “não é filme”: o autor, a produ-
ção, o público, a crítica, o regime político no qual foi realizado.14 Das reflexões de Sorlin,
me interessa, particularmente, sua idéia de que os modelos miméticos, aqueles que partem
da sociedade para encontrar seu reflexo nos filmes, têm sido insuficientes “à medida que
não fazem senão repetir o que já se sabe desde o princípio; seguiremos outro itinerário: dos
10
Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, pp. 30-36.
11
Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, pp. 62-63.
12
Ibid., p. 52.
13
Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, p. 36.
14
Marc FERRO, O filme. Uma contra-análise da sociedade?, p. 203.
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21
desse risco:
“(...) a construção fílmica é o processo pelo qual o cinema de uma época capta
um fragmento do mundo exterior, o reorganiza, dá-lhe uma coerência e produz, a partir
desse contínuo que é o universo sensível, um objeto determinado, fechado e descontí-
nuo e transmissível; em outros termos, a construção funda a imagem cinematográfica da
15
sociedade, a sociedade tal como é mostrada no cinema que os viu nascer”.
narrativo que tem origem com David W. Griffith, ofereça confortáveis retratos da realida-
de, especial atenção deve ser dada ao seu caráter de reprodução do mundo social:
Mais adiante Ciro Flamarion, com base em Sorlin, retoma alguns elementos que
15
Pierre SORLIN, Sociologia del cine, p. 230.
16
Ciro Flamarion CARDOSO, Análisis semiótico de películas: um método para historiadores, p. 14.
17
Ibid., pp. 14-15.
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22
duas posições nos estudos que relacionam cinema e história: o cinema visto como janela
para o mundo e o cinema como artefato, revelando seu caráter fictício, mesmo quando
ao conceito de imagem:
período histórico, tanto no conteúdo como na forma; 2) por outro lado, também produzem
leitura apressadamente realista dos filmes. Turner, ao analisar o cinema australiano e es-
pecialmente o filme Metrópolis (1926), de Fritz Lang, desenvolve uma importante reflexão
sobre o caráter histórico-social do cinema. Ela tende a enfatizar o segundo aspecto, usando
como base a lingüística estrutural, a antropologia estrutural e uma certa interpretação das
“o cinema não reflete nem registra a realidade; como qualquer outro meio de
representação, ele constrói e ‘re-apresenta’ seus quadros da realidade por meio de códi-
gos, convenções, mitos e ideologias de sua cultura, bem como mediante práticas signifi-
cadoras específicas desse meio de comunicação. Assim como o cinema atua sobre os
sistemas de significação da cultura – para renová-los, reproduzi-los ou analisá-los -,
também é produzido por esses sistemas de significado”.20 (grifos da autora).
18
Pierre SORLIN, Cines europeus, sociedades europeas, p. 15.
19
Stuart SAMUELS, The age of conspiracy and conformity: Invasion of the body snatchers (1956), p. 206.
20
Graeme TURNER, Cinema como prática social, pp. 127-128.
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23
ção do filme são envolvidos por interesses ideológicos, não importa quão insistentemente
Já na década de vinte, um passo adiante fora dado pelos soviéticos. Além da per-
cinema na formação das idéias. Desde as experiências de Lev Kuleshov, até a prática da
riência da platéia, o cinema soviético viveu basicamente duas preocupações: a intensa ên-
1935, que o cinema da construção revolucionária (O prado de Bezhin, 1935) não poderia
ser o mesmo do momento inicial da revolução (Outubro, 1927). Num primeiro momento,
as experimentações precisam fluir da forma mais livre possível, num segundo momento, se
faz necessária a síntese, para que os passos já percorridos sejam consolidados e novos
sejam dados.
As confrontações entre bem e mal, beleza e feiura, pureza e sujeira, ordem e caos
saksson.23 Esses dois autores procuram levantar questões sobre a eficácia e limitações dos
21
Ibid., p. 143.
22
Serguei EISENSTEIN, Novos problemas da forma cinematográficas, pp. 219-220.
23
Cinema e política, pp. 158-159.
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24
André Bazin, de um cinema que sugira em vez de dirigir, questione em vez de afirmar.24
“Na verdade pode-se dizer que os filmes de propaganda são em si mesmos fi-
guras de retórica. Desde que o objetivo do gênero (filme de propaganda) é criar deter-
minadas generalizações a partir dos incidentes isolados e exibidos, os acontecimentos e
os personagens principais sempre representam mais do que a si mesmos. Invariavelmen-
te representam conceitos coletivos mais amplos – uma coletividade, um movimento,
uma ideologia, uma nação, um inimigo. Assim, cada filme de propaganda, bem como
cada herói e cada vilão, é de per se uma sinédoque.”25 (grifos de Furhammar e Isaks-
son).
Brasil dos gringos: imagens no cinema, que analisa a representação do Brasil e dos brasi-
leiros nos filmes estrangeiros de ficção, produzidos na década de 80, se aproxima das for-
mulações de Furhammar e Isaksson quanto ao uso desse conceito. Para estes, os comunis-
tas têm traços e comportamentos estereotipados visando a identificação deles como deso-
porada aos filmes e como o cinema opera o processo de significações. O filme A confissão
(1970), de Costa-Gravas, é confrontado com este aporte teórico e Jean-Patrick Lebel en-
frenta o mesmo dilema de Sorlin, e definindo, de forma semelhante, a realidade que o fil-
24
Ibid., p. 145.
25
Ibid., p. 157.
26
Ibid., p. 132.
27
Tunico AMANCIO, O Brasil dos gringos: imagens no cinema, p. 192.
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25
“Não se trata de julgar a maneira como um filme se refere ao real induzido por ele,
visto que, de facto o filme não induz nenhuma realidade. O que interessa não é que um
filme seja a imagem de qualquer coisa (que existiria realmente), mas que seja simples-
mente uma imagem. O que está em discussão, não é esta realidade da qual o filme não é
senão a imagem, visto que esta realidade não existe, ou melhor, visto que só existe no
universo da ficção do filme, ou seja esta realidade não é literalmente outra coisa senão
imaginária”.28(grifos de Lebel).
tanto, faz-se necessário retornar às condições materiais de sua produção, para compreendê-
(...) a dimensão verbal não é estranha à imagem, mas é interior a ela como uma
das condições da sua estrutura e da sua legibilidade. Neste caso, a palavra que ‘desabro-
cha’ nos lábios de uma personagem-imagem, embora imprevista ou inesperada, não
chega como inserção imotivada de uma dimensão nova, até então totalmente estranha,
mas não faz mais que produzir explicitamente o que já estava implicitamente presente
como modelo formal no próprio plano da visualidade.”29
28
Jean Patrick LEBEL, Cinema e ideologia, p. 97
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26
verbal tem função distintiva em relação à imagem, ou seja, a linguagem verbal funciona
imagem tem função distintiva em relação a linguagem verbal , ou seja, a imagem funciona
como semiose-guia e a linguagem verbal como conotador, ex.: filmes publicitários, de pro-
nem plano do conteúdo, como é o caso dos filmes de maior complexidade artística.31
ótica do cinema, aos estudos de Claude Bremond e Tztevan Todorov sobre sintaxe narrati-
vincente.
29
Emilio GARRONI, Projecto de semiótica, p. 354
30
Ciro Flamarion CARDOSO, Narrativa, sentido, história, p. 217.
31
Ibid., pp. 217-218.
32
Ibid., pp. 219-220.
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27
mundo fictício, formado por elementos constitutivos de uma globalidade, significando tan-
aquilo em que ela se apóia; 3) e por último, a diegese deve ser entendida como forma em
figurativo e temático formam uma oposição complementar: enquanto o primeiro diz respei-
to diretamente aos sentidos (olfato, visão, audição, tato e paladar), o segundo organiza os
significados apreendidos. O nível axiológico tem a ver com o sistema de valores eufori-
ram o método da leitura isotópica, que consiste primeiramente no exame comparativo das
ticas, e por fim, distribui-se estas categorias pelos três níveis semânticos (figurativo, temá-
tico e axiológico).34
estudo, as redes temáticas não se limitam somente a um único filme, como é mais recorren-
te. Estabeleci um corpus de doze filmes, cada um deles é recortado em redes temáticas de
alcance mais específico e depois, agrupadas em duas redes temáticas maiores. Compõe-se
assim, desde a sinopse da obra, passando pela sintaxe narrativa, até a leitura isotópica, um
33
Jacques AUMONT e outros, A estética do filme, pp. 113-116.
34
Ciro F. S. CARDOSO, Narrativa, sentido, história, pp. 172-174.
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28
instrumento de pesquisa, a serviço da análise mais acurada das questões levantadas para a
investigação.
Cada filme é “cortado” em pequenas unidades que explicitem sua sintaxe narrativa
(uma espécie de novo roteiro do filme), neste caso, trabalhando o filme inteiro (técnica
indispensável gravar as redes temáticas dos filmes, numa espécie de copião, para que pos-
sa ser visto e revisto com mais praticidade do que um filme isolado, e revelando, na cola-
deixando em segundo plano seus elementos estéticos, não se pode fazer análise de qualquer
documento sem levar em conta as suas características. No caso de obras com pretensões
aproximados, planos intermediários e plano geral, que não supõe subdivisão. O primeirís-
de maior proximidade com o objeto; o plano médio, definido como o enquadramento que
dá conta do objeto na sua inteireza e o plano americano fazendo um corte de parte desse
objeto; e por último, o plano geral, com sua definição de recorte amplo do ambiente onde a
ação se desenvolve.
fica. A câmera baixa ou contra-plongée é quando o tema é fotografado de baixo para cima,
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29
ficando a câmera abaixo do nível normal do olhar. Esta posição tem sido associada ao efei-
A câmera alta ou plongée (o tema é fotografado de cima para baixo) tende a esma-
panorâmica e trajetória.
Deve-se levar em conta que os três elementos acima, na prática, se interligam con-
quadramentos, com primeiros planos virando planos gerais à medida que a câmera se afas-
ta do objeto filmado.35
gráfica, como cor, iluminação, vestuário, cenário e desempenho dos atores. Todos esses
que nos projetos chamamos de relevância social e científica dos temas e interesse pessoal.
35
As definições dos elementos de linguagem acima tiveram como base Marcel MARTIN, A linguagem cine-
matográfica, pp. 31-74.
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30
parece muito restritivo. Prefiro pensar, como Vladimir Maiakovski, o cinema como con-
cepção do mundo, onde intrepidez, luz, emoções, idéias são inseparáveis. As minhas pri-
meiras aproximações com o mundo das imagens envolveram esses múltiplos aspectos. No
final dos anos 70, participei de ações culturais onde os filmes estavam muito ligados à luta
política travada naquele período: apresentávamos filmes sobre movimento operário de São
Bernardo para contribuir com o fundo de greve, debater aqueles movimentos e organizar
outras lutas. Era um cineclubismo colado ao calor dos acontecimentos, bem pouco pareci-
formando percepções na dimensão mais emotiva. Viva Zapata!, Vampiros de almas foram
ali vistos pela primeira vez. Ambos me impressionaram muito e confesso que, até bem
pouco tempo, não pensava que um dia estariam sendo alvos de uma tese acadêmica, parti-
cularmente o segundo, com aquela exótica história de vagens gigantes que assumem a for-
ma humana.
científico ocorreu graças a vários motivos. Entre outros, destacaria o ambiente propício a
novas proposições que a Universidade Federal Fluminense, a qual estou vinculado como
estudante, desenvolve.
torno das idéias assume muita importância num tempo onde freqüentemente o seu fim é
decretado, seja como fim das ideologias ou fim da história. Assim, estudar as idéias onde
elas parecem cercadas de limites aparentemente tão consolidados parece justificar o desa-
fio. De fato, o cinema e o audiovisual de um modo geral, ainda são um universo pouco
como objeto de investigação bastante peculiar, certamente, contribuiu para este formato. O
que necessariamente a exposição de uma investigação fílmica deve ter esta forma, parecida
relações entre a construção fílmica, expressa nas redes temáticas, e concepções filosóficas
e políticas que os filmes apresentam. De certa forma, as questões ligadas aos conceitos de
pos sobre o homem no modo vida capitalista e o homem comunista, estabelecendo duas
“mensageiros do bem”.
vos ao meio cinematográfico (capítulo 4), sejam alusivos ao tratamento que os aconteci-
mentos centrais da Guerra Fria receberam no cinema (capítulo 5). Nestes capítulos, vere-
(crítica e tratamento dispensado pela imprensa) tem destaque no capítulo 6, onde apresen-
Neste capítulo, cada filme é apresentado com a) uma ficha técnica com dados es-
senciais, uma resenha crítica com uma pequena sinopse e uma valorização crítica do filme;
b)um contexto onde as condições de sua produção são associadas ao tema; c) uma sintaxe
aspectos relacionados com o tema; e) e por último, a grade da leitura isotópica, com as
redes temáticas assinaladas. Ainda consta, numa seção específica, o conjunto das redes
Capítulo 1: O tema
Palmiro Togliatti36
preço pago, no entanto, foi bastante alto: cerca de vinte milhões de vítimas humanas, mais
de quinze grandes cidades destruídas, seis milhões de prédios arrasados, deixando vinte e
xas sofridas durante a guerra. Com o fim da guerra, para iniciar a reconstrução, houve
uma desmobilização de oito milhões e meio de soldados, entre 1945 e 1947, quando o E-
xército Vermelho chegou a um contingente inferior a três milhões. Como fazer crer que
industrial aumentou duas vezes e meia durante o conflito em razão das encomendas de
terça parte das exportações mundiais e 70 % das reservas de ouro dos países capitalistas.
Além disso, tinham estabelecido o dólar como moeda internacional no mundo capitalista,
Woods, em 1944. Não seria esse o país com mais chances de se constituir numa ameaça à
políticas e econômicas, por sua vez, são mais imediatas. Algumas medidas urgentes fo-
36
Rinascitá, ano XI (8 e 9), 1954.
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34
ram tomadas pelos Estados Unidos logo após a guerra, entre outra, duas começam a ser
Motivado pelo pedido de ajuda que o governo britânico fez aos Estados Unidos, de
que passassem a financiar os governos grego e turco, o presidente Harry Truman enviou
conflitos sociais que ameaçassem o capitalismo: “os povos livres do mundo olham para
Truman tinha como base a idéia da contenção do comunismo, defendida por George Ken-
nan, responsável pelos negócios americanos em Moscou. Kennan apresentava a União So-
O Plano Marshal começou a ser articulado no mesmo ano pelo secretário de Estado
americano George Marshall. Tinha como objetivo oferecer empréstimos em dólar aos paí-
ses europeus (inclusive à União Soviética) e desta forma, integrá-los à órbita capitalista,
não são aceitas pela União Soviética. Na Tchecoeslováquia, a recusa do Plano provocou o
Além das definições nos planos político (Doutrina Truman) e econômico (Plano
Marshal), a atuação no campo ideológico se intensifica. Como ainda havia uma forte opi-
nião pública contra o fascismo e pela paz, era preciso combatê-la, brandindo as armas da
expressão desse embate e os comunistas e a União Soviética são definidos como a ameaça
a tais valores. A partir dos Estados Unidos, inicia-se a “caça às bruxas”, visando eliminar a
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35
cultural.
A Guerra Fria, considerando o seu início com o lançamento das bombas atômicas
sobre o Japão, em 1945, ou com o discurso de Churchill, em 1946, passou por períodos de
Guerra Fria viveu a sua fase de arrefecimento ou distensão por um período mais longo.
prolongada estagnação da economia soviética, fala-se em uma “nova Guerra Fria”, que se
encerra não mais numa situação de certo equilíbrio, como em 1963, mas com a desintegra-
Sobre a relação do cinema com a luta em torno das idéias, no período da Guerra
Fria, comecemos com o trabalho de John Howard Lawson. Ainda no calor dos aconteci-
mentos, escreveu em 1953, Film in the battle of ideas, onde analisa as relações do cinema
anticomunismo no cinema.
o tema: a “ortodoxa”, que procura atribuir a responsabilidade pela Guerra Fria à União
37
Origins of the cold war. Foreign Affairs, nº XLVI (1967), p. 22.
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36
Schlesinger Jr. considera maniqueístas e ingênuas tais visões, pois depositam uma
importância demasiada nos atores individuais do processo. Procura, então, voltar-se para a
análise das duas concepções de ordem internacional que disputam a condução da política
do governo Woodrow Wilson (1913-1920), que teve continuidade com o governo Franklin
de manutenção da paz mundial; b) a outra posição tem nos conceitos de “esferas de influ-
comunismo pelo mundo, cabia aos americanos, portanto, conter sua expansão, pois este
bloco não poderia ser considerado senão como adversário; representam esta corrente no-
Schlesinger Jr. considera a Guerra Fria um antagonismo mortal entre os dois blo-
cos. Claude Delmas, em Armamentos nucleares e Guerra Fria, atenua esta visão dura do
conflito, chamando atenção para o papel que as armas nucleares vão desempenhar, na me-
dida que o seu uso traria um efeito catastrófico para o responsável pelo ataque inicial, sem-
do um retorno ao tema. Merecem destaque Richard Crockatt, em The fifty years war; the
United States and the Soviet Union in the world politics, 1941-1991, estuda o assunto num
em The Cold War, que combina abordagem factual com discussão sobre questões funda-
38
Ernest MAY, A Guerra Fria, pp. 339-340.
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37
mentais, como perigo nuclear e a crise dos mísseis.39 Sobre o papel desempenhado pelas
que o primeiro não explicaria o colapso da Alemanha Oriental, num momento de extenso
e sofisticado aparato repressivo, como também não vê utilidade no uso de poliarquia, pois
Terceiro Reich.
Eric J. Hobsbawm em Era dos extremos; o breve século XX: 1914-1991, oferece
pistas para o estudo dos efeitos da Guerra Fria no mundo do final do século XX e propõe
uma interessante periodização: haveria uma primeira Guerra Fria, cujo início se deu com o
lançamento das bombas atômicas sobre o Japão, esta fase se encerraria em 1963, com a
instalação da "linha quente" entre Washington e o Kremlin. A segunda Guerra Fria teria
início com o governo Reagan em 1980 e terminaria com os acordos de paz de 1986/1987.40
O significado da Guerra Fria seria: a guerra acabara, mas a guerra contra o comunismo
D.F.Fleming, a Guerra Fria não foi apenas resultado da segunda guerra, suas origens estão
pela Guerra Fria: em primeiro lugar, a eliminação ou atenuação dos conflitos e rivalidades
criando-se um estado de coisas não fixo e provisório, cujo melhor exemplo era a Alema-
39
Outras obras foram lançadas a partir de 1995: Origins of the Cold War: an international history, de Melvin
LEFFLER e David PAINTER, de 1995, The culture of the Cold War, de Stephen J. Whitfield, de 1996 e
America, Russia and the Cold War, 1945-1996, de Walter LaFEBER, de 1997,
40
Eric J. Hobsbawm, Era dos extremos, pp. 223-252.
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38
socialismo do Leste europeu, e por último, o mundo fora tomado por uma quantidade de
As grandes potências não entraram em guerra aberta, mas tiveram atuação pre-
1962, em Cuba.
Os dois gigantes: história paralela dos Estados Unidos e da URSS, de André Mau-
rois e Louis Aragon, por seu extenso material factual e pela abordagem comparativa ino-
vividos no panorama mundial e no cotidiano da política dos dois países. Maurois defende a
como um movimento reacionário que se constitui num verdadeiro modo de vida america-
século XIX e que colocava os Estados Unidos como “polícia imperialista”, responsável
pelo controle do mundo. Outra conclusão importante de Parenti diz respeito às contradi-
“(...) devemos lembrar que alguns dos valores defendidos da boca para fora pe-
lo anticomunismo, como a ‘dignidade humana’ e a ‘liberdade individual’, são valores
preciosos e em grande parte derivados da ideologia da democracia clássica. Tomamos
um caminho diferente do anticomunismo porque seu compromisso com a liberdade é
uma hipocrisia, seu raciocínio é faccioso e inteiramente simplista e a política que inspira
nos levou à tragédia e à vergonha”.43
41
Citado por Nilo ODALIA, O Brasil nas Relações Internacionais: 1945-1964, in Carlos Guilherme MOTA,
Brasil em perspectiva, p. 352.
42
Eric J. HOBSBAWM, Era dos extremos, pp. 248-251.
43
Michael PARENTI, A cruzada anticomunista, p. 311.
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39
o autor, os comunistas não eram o alvo, já que sua influência era pequena nos anos 50, mas
sim arma para atingir todo um conjunto, desde liberais, passando pelos reformistas, adep-
tos do New Deal, até a administração republicana que não contivera a influência desses
setores44 . Neste sentido é importante lembrar que o auge da caça às bruxas se dá no último
Eisenhower (de 1953 a cerca de 1956). Hofstadter lembra também que na década de 50, os
Carl Schmitt45 conjuga suas preocupações com a Guerra Fria a uma importante re-
sintetizada:
“Nos nossos dias, o termo inimigo é, em relação à guerra, o conceito que ante-
cede. (...) Se se aplica a distinção antiga e aparentemente inevitável de guerra-ação e
guerra-estado (status), se percebe que a guerra-ação, em suas batalhas e suas operações
militares, quer dizer, nas suas próprias ações, nas hostilidades, implica na presença ime-
diata e visível de um inimigo como adversário (como antagonista), de modo que não
necessário como um pressuposto. Não se dá o mesmo com a guerra-estado (status). Esta
implica a existência de um inimigo sobrevivente depois da cessação das hostilidades
imediatas e violentas”. (...)
A guerra dita total, para ser verdadeiramente, deve ser total também como ação
e como estado.”47
44
Richard HOFSTADTER, O antiintelectualismo nos Estados Unidos, p. 52.
45
Carl Schmitt nasceu em 1888 em Sauerland, Alemanha, foi teórico e colaborador do regime nazista.
46
Carl SCHMITT, La notion de politique. La teorie du partisan, p. 64.
47
Ibid., p. 161.
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40
de qualquer reflexão sobre o papel das classes sociais. Da sua teoria, interessa-nos a arti-
culação dos conceitos amigo/inimigo, Estado e guerra, particularmente útil na análise que
farei do papel do Estado na designação do inimigo, no contexto novo que a Guerra Fria
traz.
Para Carl Schmitt, particularmente a Guerra Fria, torna o conceito mais explicati-
vo:
Estados Unidos/América Latina e tem como pressuposto a ligação entre ideologia e propa-
da, particularmente, nos seus aspectos sociológicos.50 Roger Manvell, em The film and the
public, analisa questões como freqüência ao cinema e sua influência na formação de valo-
res. No que diz respeito ao público, os teóricos e historiadores têm tomados posições apa-
48
Ibid., p. 53.
49
Karen KATCHATUROV, A expansão ideológica dos EUA na América Latina, p. 10.
50
O capítulo 5 da obra coletiva A estética do filme traz artigos de Jacques Aumont, Michel Marie e Alain
Bergala sobre o tema com enfoque de base psicológica.
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41
rentemente opostas. Eric Foner chega a afirmar que não se pode jamais prever como uma
momento atual, consideramos que é sempre necessário identificar aqui suas implicações
ideológicas. Como já vimos, a escola soviética explicitava sua crença nas possibilidades do
O trabalho pioneiro sobre cinema e Guerra Fria é da jornalista Nora Sayre publi-
cado em 1982, Running time: films of the Cold War. Preocupada, essencialmente, com a
relação dos filmes com as mudanças de comportamento típicas do período, Sayre faz um
amplo recorte, incluindo filmes sem uma ligação direta com o tema da Guerra Fria, como
Vidas amargas (1955), de Elia Kazan e O selvagem (1953), de Laslo Benedek. A autora
propõe situar os filmes no contexto em que foram realizados e, ao mesmo tempo, analisá-
can history/american cinema: interpreting the Hollywood image, há três artigos sobre fil-
mes do período da Guerra Fria: “The age of conspiracy and conformity”, de Stuart
Samuels e “An american cold warrior”, de Paul J. Vanderwood, e “The Pentagon and Hol-
lywood: Dr. Strangelove or How I learned to stop worrying and love the bomb (1964)”, de
Lawrence Suid. O primeiro relaciona o filme Vampiros de almas (1956), de Don Siegel,
51
Eric FONER, Uma conversa com Eric Foner e John Sayles, pp. 27-28.
52
Segundo Marcello Giacomantonio, em O ensino através dos audiovisuais, p. 40, o espectador de cinema
percebe em média 15% do que vê e memoriza apenas 5%. Como o autor deve estar se referindo a uma reali-
dade onde os filmes estrangeiros são dublados, é de se imaginar que o nível de apreensão em filmes legenda-
dos se reduz mais ainda.
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42
ao clima de paranóia53 e alienação vivido pela sociedade americana nos anos 50. Para Sa-
muels, o filme traduziria a tensão entre a expectativa pessoal e a realidade social. Já Paul
J. Vanderwood considera que Viva Zapata! mostra menos a Revolução Mexicana que as-
pectos da sociedade americana dos anos 50. O terceiro admite o papel importante de fil-
mes, como Dr. Fantástico, na crítica à imagem de infalibilidade que os americanos fazem
de suas forças armadas, no entanto, destaca o peso de derrotas militares, como a do Vietnã,
Daniel J. Leab à coletânea sobre a Guerra Fria no cinema publicada pela Film history em
1998 comenta tanto as contribuições mais gerais sobre o tema, como se detém na aborda-
gem dos artigos da coletânea, apresentados como pistas para futuras pesquisas. Os artigos
dão conta de um vasto espectro, desde o anticomunismo na polícia montada canadense, até
O tema tem sido estudado com enfoques variados, desde as preocupações mais li-
gadas ao comportamento, como em Nora Sayre, passando pela abordagem voltada para as
53
Paranóia é um conceito derivado da psiquiatria, que nas ciêncas sociais aparece como paranóia coletiva.
Na psiquiatria, o conceito define um tipo de doença mental caracterizado por delírios estruturados com base
lógica. A paranóia é situada, por alguns, no limite da esquizofrenia, o que leva em alguns casos a diagnosti-
car-se o problema como esquizofrenia paranóide. Para Laplanche e Pontalis, a paranóia consiste numa “psi-
cose crônica caracterizada por um delírio mais ou menos sistematizado, pela predominância da interpretação,
pela ausência do cansaço intelectual e que em geral não evolui para a deterioração. Freud classifica como
paranóia não apenas o delírio de perseguição mas também a erotomania, o delírio de ciúmes e o delírio de
grandeza” (p. 299). No recente filme Uma mente brilhante (2001), de Ron Howard, a doença de John Nash
é diagnosticada como esquizofrenia. É importante notar neste filme a combinação, do clima paranóico da
sociedade americana com a doença mental desenvolvida pelo cientista, confirmando a tendência das ideolo-
gias políticas entrarem, com freqüência, no sistema delirante. Nas ciências sociais, a paranóia tem sido estu-
dada como resposta coletiva ao conformismo e como base para as teorias conspirativas. Nos anos 50, o medo
do comunismo e das bombas atômicas gerou esta reação que se expressava no temor de que na escola de seu
filho, um professor lhe estivesse inculcando ideologias indesejáveis ou nos ridículos treinamentos a que os
alunos eram submetidos, conduzidos pela propaganda da defesa civil americana, onde uma tartaruga ensi-
nava a “se abaixar e se proteger”. Ver Harold S. ZAMINSKY, verbete Reaciones paranoides, Enciclopedia
internacional de las ciencias sociales, pp. 564-568 e verbete Paranoia, Encyclopedia of Psychology, pp. 35-
39, LA PLANCHE et PONTALIS, verbete Paranoia, Vocabulaire de la psyhanayse, pp-299-300. O docu-
mentário The atomic café (1982), de Kevin Rafferty, Jayne Loader e Pierce Rafferty, oferece um bom retrato
do clima paranóico vivido pela sociedade americana nos anos 50.
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43
“Stalingrado...
Depois de Madrid e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem
enquanto outros, vingadores, se elevam.”
mem e sociedade” e como esses elementos se articulam no modo de vida capitalista. Dois
Introdução
e à desumanização, como tem sido comum nas distopias sobre a sociedade comunista, co-
mo A revolução dos bichos, de George Orwell. Por outro lado, o modo de vida capitalista,
54
Concepção dialética da história, p. 38.
55
Carta a Stalingrado, A rosa do povo, p. 163.
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45
de homem defendida pelo pensamento liberal e valorizada no cinema sobre a guerra fria. O
homem é visto como natureza imutável e não-transitiva e a sociedade, numa visão muito
Nesta situação, o homem estaria livre para realizar seus interesses. Como tal busca
estamos frente a um problema moral novo. A solução vem através do mito da harmonia
natural, onde os interesses individuais confluiriam sempre para uma realização positiva
com a coletividade, harmonização realizada pela idéia de mão invisível reguladora do mer-
cado, desenvolvida por Adam Smith e pela escola de Manchester. A busca do interesse
pelo indivíduo, sendo orientada por esta força estranha, divina, redundava em resultado
mentos da natureza humana que deveriam ser contidos para impedir a manifestação do
56
Esta elaboração nasce na vertente chamada utilitarista do liberalismo, representada principalmente por
Hobbes, Jeremy Bentham , James Mill e Voltaire. Apoiavam-se em motivos utilitários, como a produção de
empregos, para justificar o luxo: argumentavam que a riqueza era fruto não intencional de atos egoístas, a
própria busca de interesse pessoal levava à prosperidade geral e à harmonia social. Note-se aqui a forma
harmonia social, mais um dos paradoxos liberais, ao naturalizar também a sociedade. Cf. Nicola
MATEUCCI, O liberalismo, pp. 685-705 e José Guilherme MERQUIOR, O liberalismo antigo e moderno,
pp. 54-55. Ver também Paulo SANDRONI, Novíssimo dicionário de economia, pp. 365-366.
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46
exalta-se o individualismo no momento mesmo em que o ser humano sofre duas transfor-
que aliena sua força de trabalho, por outro, ganha, na medida em que se desvincula dos
sua matriz mais pertinente à nossa análise, apresenta o paradoxo de “uma natureza humana
sobre a qual a sociedade não atua ou cuja atuação, como em Locke, diz respeito unicamen-
Virgínia Fontes.
57
Herbert MARCUSE, Sobre o caráter afirmativo da cultura, p. 110.
58
Virgínia FONTES, A questão nacional: alguns desafios para a reflexão histórica, p.10.
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47
Marx pensa o conceito de homem com base em dois aspectos. Criticando Jeremias
“Se queremos, por exemplo, saber o que é útil a um cão, temos de conhecer an-
tes sua natureza. Essa natureza não pode ser inferida do princípio de utilidade. Do mes-
mo modo, para julgar todas as ações, movimentos, relações etc. do homem pelo princí-
pio de utilidade, temos de nos ocupar, antes, com a natureza humana em geral e a e ain-
da com a natureza humana historicamente modificada em cada época”60.
condicionada. No plano dos valores, onde também há elementos mais gerais e outros histo-
pela liberdade, onde prevalece a preocupação com a defesa do conteúdo moral da nova
sociedade. A célebre passagem de A sagrada família ilustra bem esta fase: “Se o homem é
Da mesma forma, o também não menos célebre comentário de O manifesto do partido co-
munista, retoma a questão: “No lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e
“Deve-se evitar antes de tudo fixar a ‘sociedade’ como outra abstração frente
ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. A exteriorização da sua vida – ainda que não
apareça na forma imediata de uma exteriorização da sua vida coletiva, cumprida em u-
nião e ao mesmo tempo com outros – é, pois, uma exteriorização e confirmação da vida
social. A vida individual e a vida genérica do homem não são distintas, por mais que
necessariamente, o modo de existência da vida individual seja um modo mais particular
59
Idem, História e verdade, p. 113. Neste artigo, Virgínia Fontes reconhece como igualmente importante a
contribuição de Sigmund Freud no sentido de romper com a visão do sujeito-plena-consciência.
60
Karl MARX, O capital, vol. 1, p. 708.
61
Karl MARX e Friedrich ENGELS, A sagrada família, p. 129.
62
Idem, O manifesto do partido comunista, p. 54.
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48
ou mais geral da vida genérica, ou quanto mais a vida genérica seja uma vida individual
mais particular ou geral “(grifos de Marx).63
pensa o problema da alienação sob quatro enfoques: o trabalho alienado aliena a natureza
alienado converte a vida-espécie do homem em um ente estranho e em meio para sua exis-
tência individual; por último, Marx frisa que o homem é alienado por outros homens e que
mas o seu aspecto central de cisão entre o homem e o resultado do seu trabalho é mantido,
63
Karl MARX, Manuscritos econômico-filosóficos, p.10.
64
Ibid., pp.95-97.
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49
acrescido nos trabalhos seguintes da teoria do valor e seus desdobramentos na forma mer-
cadoria e na mais-valia:
Antonio Gramsci retoma o conceito de homem como ser social, mas prefere se per-
O homem, portanto, se faz homem pela sua atividade e em associação com outros
homens.
ção para a complexidade dos dois últimos, em particular da relação orgânica do indivíduo
com os outros homens e do papel do trabalho e da técnica na relação do homem com a na-
tureza.67 O par homem e sociedade exigiria ser pensado como totalidade, para tanto
65
Karl MARX, O Capital, vol. 1, p. 81.
66
Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, p. 43.
67
Ibid., pp. 39-40.
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50
Adam Schaff, de forma semelhante, afirma que o conceito de homem em Marx está
ancorado em três aspectos: “o indivíduo como parte da natureza, como objeto; o indivíduo
como parte da sociedade, no sentido da explicação das suas concepções, opiniões e juízos
sociedade ampla, mas construiria para si uma outra sociedade em torno da família e dos
amigos. Tocqueville vê, com muita admiração, esses dois elementos se desenvolvendo na
sociedade americana da primeira metade do século XIX. Ele observa como os americanos
se associavam para realizar desde as atividades mais prosaicas até as mais sofisticadas. A
sociais, vistos como fenômenos distintos, seria o caminho para a preservação do progres-
so.70
povos, baseado em elementos como “democracia americana”, “país mais poderoso e mais
68
Ibid., p. 47.
69
Adam SCHAFF, O marxismo e o indivíduo, pp. 78-79.
70
Alexis de TOCQUEVILLE, A democracia na América, pp. 285-287.
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51
71
próspero do mundo”, representa uma importante peça na estratégia do anticomunismo.
do uma extensa malha de idéias: fundamentos morais, caráter nacional, em suma, os ele-
mentos que configuram outro vago conceito – ethos. Procuraremos articular tal conceitual
Vejamos agora como aparece o modo de vida capitalista e como se dá o seu uso na
to parece estar sendo substituído, na segunda metade do século XX, pela exacerbação do
Canadá por soviéticos, visando obter informações sobre a bomba atômica, o modo de vida
capitalista exerce grande atração sobre o casal de soviéticos Igor e Anna Gouzenko. As
imenso deficit habitacional, arrasado pela guerra, com um saldo de seis milhões de prédios
ciado a boas notícias. A panorâmica72 pela mobília do apartamento de três quartos antecede
71
O. REINHOLD e F. RYZHENKO, El anticomunismo moderno. Política. Ideologia, p. 331.
72
Tomada na qual a câmera realiza um movimento em torno de seu eixo, sem deslocamento do aparelho,
enquadrando uma área a ser descrita [caso em consideração] ou objeto em movimento.
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52
à revelação de Anna de que está grávida (4.2)73. Gouzenko está no quarto do bebê, quando
Os passeios que Igor e Anna Gouzenko fazem pelos arredores são muito revelado-
pela narração, que trata-se, na verdade, de um hábito do casal fazer caminhadas, onde um
que o filme nos mostra, a música religiosa parece exercer forte atração sobre Anna, a ponto
de Igor precisar levá-la pelo braço (4.3). Mais adiante, o casal passa por um comitê de so-
lidariedade ao esforço de guerra russo, onde consta em destaque uma página de jornal com
a manchete “Comunistas atacam governo”, sugerindo que as atividades do comitê são mais
casal é invadida e o desertor é alvo de pressão psicológica (7.12). No entanto, mesmo der-
rotados, com os participantes presos, a ameaça comunista perdura e o casal não pode mais
levar uma vida tranqüila, “com todos os direitos, liberdades e privilégios dos canadenses”.
Anjo do mal (1952), thriller sobre o roubo de um microfilme com importantes se-
que entregá-lo ao FBI, apresenta o outro lado do modo de vida capitalista.74 A rede temáti-
carteira Skip McCoy (Richard Widmark) é totalmente refratário aos apelos patrióticos do
agente do FBI. Não se comove ao ser comparado àqueles que entregaram a bomba a Sta-
73
Os números entre parênteses correspondem a seções da sintaxe narrativa reproduzidas no capitulo 6, refe-
rentes à cada filme analisado.
74
Federal Bureau of Investigation, a polícia federal americana.
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53
lin, como diz o agente. Skip fora preso três vezes e segundo a lei americana, seria conde-
nado à prisão perpétua se preso uma quarta vez. Fizeram dele um perdedor, que não vies-
sem agora com essa “tolice de patriotismo” (2.7). Notamos que o individualismo se sobre-
põe ao patriotismo, ser um vencedor é um valor acima dos demais para o americano médio.
dará por razões puramente afetivas, da mesma forma que McCoy não se engaja em ne-
Matar ou morrer (1952) é um western sobre o dilema do xerife Will Kane (Gary
Cooper), que se vê abandonado por sua cidade ao decidir enfrentar um pistoleiro em busca
de vingança. Kane havia pacificado a cidade anos atrás, com o casamento, se demitira do
róicos ficavam para trás, substituídos pelo mundo formalmente pacato do mercado, do
Will Kane volta para enfrentar os pistoleiros porque aquela é a sua cidade, lá estão
seus amigos – amigos que o abandonarão na hora mais aflitiva (3.2). Para Kane, a lealdade
nesta posição inarredável na qual ele se encastela, não importa o que pensem os outros
sobre sua atitude. A extensa peregrinação de Kane sugere que ele também pensa que os
O movimento de Kane em direção aos seus vínculos afetivos e sociais esbarra numa
“Mas a tentativa que ele faz de inverter a corrente é infrutífera. Quando ele in-
siste em voltar à cidade e a seu posto, Amy é forçada a ver nisto a dissolução do seu ca-
samento; a gente da cidade, por sua vez, não pode por várias razões aceitar a reintegra-
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54
como ele retornara por lealdade (4.10 e 4.13). Amy, apesar do preconceito contra Helen
Ramirez, mulher forte e discriminada pela cidade por sua independência afetiva, ouve seus
conselhos de não deixar um homem como Kane sozinho (3.31). Amy e Helen têm a atitude
mais efetiva de solidariedade que o xerife recebe. Há outras manifestações, mas menos
pessoas e que reaparece na seqüência final trazendo a charrete para que o casal finalmente
possa partir em lua de mel. Note-se o gesto de agradecimento de Kane para com o menino,
enquanto olha com desprezo para as outras pessoas que se juntam a ele para vê-lo jogar a
estrela de xerife no chão (4.14). O filme tem duas manifestações bastante antiamericanas: a
fuga do juiz no início do filme, enrolando a bandeira e partindo, e o gesto final de Kane.
John Wayne e companhia não perdoariam o roteirista Carl Foreman por tão violentos aten-
mingo na igreja é, certamente, o momento máximo da tensão entre o ponto de vista repre-
sentado por Kane e a posição política da cidade. A situação parece, num primeiro momen-
to, se apresentar muito favorável a seu pedido de ajuda, com vários voluntários se apresen-
cável a opinião de uma mulher que diz: “Não se lembram de quando nossas ruas não eram
seguras?”
75
Phillip DRUMMOND, op. cit., p. 62.
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55
Todos, na verdade, consideram Kane um ótimo xerife, o problema é que ele não é
mais oficialmente o responsável pela segurança da cidade, pois entregara o cargo (2.2) e
era o objeto da vingança de Frank Miller, elementos capazes de provocar o retorno à época
ca da inoportunidade da presença de Kane: “as pessoas do Norte estão pensando nesta ci-
dade. (...) O que pensarão se souberem que houve violência aqui?” (3.24 e 3.26). Esta é a
principal derrota de Kane porque ali está a mais importante instância decisória da cidade,
A busca de solidariedade de Kane esboça uma ética que procura romper os limites
do indivíduo: não se dispõe a interferir para que Harvey seja nomeado xerife em troca de
seu apoio. Neste outro embate com um representante institucional – no caso o único ainda
presente na cidade, já que o juiz Mettrick partira no início do filme (3.3), Kane repudia
qualquer desvio dos princípios adotados pelo grupo: a escolha do novo xerife deve passar
pela decisão da Junta simplesmente. Philip Drummond observa que nesses embates, Kane
assume uma clara passividade e sua postura é ditada pela ação do outro:
Esta solidão do herói se intensifica na medida que ele não tem ninguém com quem com-
“Em vez de nos identificarmos com as ações do nosso herói, nos identificamos
com a cadeia de olhares mudos que marcam sua aceitação da recusa e da negação. O o-
lhar do herói em Matar ou morrer nem sempre, portanto, contém a carga ativa associada
ao simbolismo de gênero do texto hollywoodiano. Ao contrário, é o rosto de Gary Coo-
per como índice de sua passividade e também de sua perspicácia que é o domínio-chave
para o espectador em Matar ou morrer”.77
76
Phillip DRUMMOND, op. cit., p.68.
77
Ibid., p.68.
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56
tamente sozinho quando na rua deserta vê as duas mulheres passando rumo à estação (4.4).
São três elementos da narrativa que compõem o clímax do processo de isolamento do he-
rói. O primeiro é a seqüência que sintetiza a carga dramática do filme (4.3), onde temos
uma criativa junção de imagens figurativas, espaciais e de sons. O som dos relógios e do o
das duas mulheres por Kane. Aqui a solidão e a angústia do personagem se intensificam
porque ele está imóvel, enquanto partem, o plano ponto de vista das mulheres assumido
pela câmera, num movimento de travelling para trás, produz o esmagamento de sua figura
na paisagem da rua deserta (4.5). Na terceira seqüência, um primeiro plano seguido de no-
vo travelling para trás, agora com grua, repete o esmagamento, mas o movimento de Kane
tão bem construídas e carregadas de profunda dramaticidade, que sua leitura isolada pode
bléia na igreja. Como já vimos, somente Helen Ramirez e Amy Fowling se solidarizam
com Kane.
festação de apoio de Amy, o herói torna-se vitorioso. Tal desfecho é uma incisiva crítica ao
do Norte:
78
Nora SAYRE, Running time: films of the Cold War, p. 176.
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57
“Matar ou morrer é um dos muitos filmes que modelam uma visão específica
de opções políticas da época em relação a idéias de ‘consenso e comunidade’, pois o
filme critica os dois modelos de federalismo: o federalmente centrado, defendido pelos
liberais corporativos e o modelo mais populista, preconizado pelos conservadores.79
tismo, Matar ou morrer reafirma uma posição típica dos filmes que estamos analisando. É
crítico quanto ao patriotismo (o gesto de Kane, jogando no chão a estrela de xerife é muito
interesses hegemônicos.
O filme Vampiros de almas (1956) conta a história da invasão de uma pequena ci-
dade do interior dos Estados Unidos por estranhas vagens que assumem a forma humana,
4.2, 4.3, 5.1, 6.2) em Vampiros de almas (1956) é particularmente ilustrativa das tensões
O processo de invasão em Santa Mira provoca uma profunda cisão entre, de um la-
do, os novos seres – réplicas humanas sem “amor, desejo, ambição e fé”, como define o
seu porta-voz, o Dr. Kaufman ( Larry Gates), e de outro, os que se recusam a ser “os últi-
mos homens” – Dr. Miles (Kevin McCarthy) e Becky (Dana Winter). Os homens-vagem
procuram argumentar sobre o bem-estar que a ausência de emoções traria e Kaufman insis-
te que os homens da ciência deveriam compreender isso. Por outro lado, a emoção, a intui-
79
Peter BISKIND, Seeing is believing: how America taught us to stop worring and love the fifties, apud Phil-
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58
autêntico. É importante notar que esta cisão emoção/razão vai provocar outra dicotomia –
evitada, pois sacrificaria a essência humana – o terreno das emoções e da intuição. A liber-
dade, por sua vez, não poderia estabelecer vínculos com a perigosa luta pela sobrevivência
(5.1).
Vampiros de almas tem sido interpretado tanto como uma crítica tanto ao comu-
alismo?
Eric Fromm, embora não analise a abordagem do filme, identifica duas grandes in-
filme. A primeira seria que o desejo de vantagem monetária e conforto constituiria o prin-
cipal incentivo ao ser humano; a outra, afirma que Marx teria negligenciado o valor do
indivíduo, atribui-se a ele “não ter respeito nem compreensão das necessidades espirituais
do homem, e de ter sido seu ‘ideal’ a pessoa bem nutrida e bem vestida, porém ‘sem al-
ma’.82
vada por um desejo de maiores ganhos materiais, conforto e aparelhos de toda a sorte, e
esse desejo só é restringido pelo desejo de segurança e de evitar os riscos. Elas ficam
cada vez mais satisfeitas com uma vida regulamentada e dirigida, tanto na esfera da
produção quando na do consumo, pelo Estado e grandes empresas e pelas respectivas
máquinas burocráticas; elas chegaram a um grau de conformismo que eliminou o indi-
vidualismo em grande parte. Elas são, para empregar a expressão de Marx, impotentes
‘homens-mercadoria’ que servem a máquina viris. O próprio retrato do capitalismo de
meados do século XX é difícil de ser distinguido da caricatura do socialismo marxista
desenhada por seus opositores”.83
Stuart Samuels, analisando diretamente o filme, confirma uma tensão entre expecta-
tiva individual e realidade social na sociedade americana dos anos 50, que Vampiros de
átomo, mas havia coisas fora de controle, como o conflito entre o desejo de autonomia
americano, fora abalada pela Segunda Guerra. Desta forma, Samuels a define:
amplos setores da vida social, fortalecendo convicções sobre a importância da ação coleti-
va. Desde a Revolução Russa de 1917, com sua prolongada experiência de planejamento
significativo em vários setores da vida social. Por outro lado, importantes movimentos e
83
Ibid., p. 15.
84
Stuart SAMUELS , The age of conspiracy and conformity, p. 211.
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60
política.86
rias da conspiração ajudavam a construir um inimigo contra o qual todos se uniam. Se-
gundo Samuels, tem-se, assim os ingredientes para uma era de alienação pessoal.
Eric Fromm, retomando a idéia de que a alienação aliena os alienadores, diz que,
uma sociedade inteira também pode estar alienada, o homem não adaptado a ela pode ser
considerado o núcleo saudável. 87 Vampiros de almas apresenta uma sociedade (uma pe-
quena cidade do interior dos Estados Unidos) que, neste sentido, progressivamente se alie-
na. O Dr. Milles Bennel, o médico que resiste ao processo instaurado pelos alienígenas,
apresenta traços fortes de humanidade: brinca, ri, se apaixona, mesmo no momento em que
precisa destruir as réplicas vegetais ele esboça pesar e reluta em perpetrar o ato, pois trata-
filme como núcleo emocional, desta forma, são antípodas do homem autêntico – o homem
uma sociedade socialista, cumpre papel de denúncia das experiências socialistas. Ora, a
concepção marxista que vê o homem como produto do trabalho, este elemento de perma-
85
Ibid., p. 210.
86
Para um balanço das transformações sociais, políticas e culturais do período 1945-90, ver Eric J.
HOBSBAWM, Eric, Era dos extremos, capítulos 10, A revolução social: 1945-90, e 11, Revolução cultural,
87
Eric Fromm, Psicanálise da sociedade contemporânea, pp. 26-34.
88
Bill WARREN, Keep watching the skies!, p. 289.
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61
presentada no filme, sintetizada na fórmula “amor, ambição, desejo, fé”: os novos seres
de Miles foi inglória, pois incapaz de incorporar os elementos de ação coletiva e auto-
condenação ao macarthismo, ainda que bastante diluída na versão definitiva. Don Siegel
foi convencido pelos produtores a acrescentar as cenas iniciais e finais (que chamamos de
primeiro prólogo e segundo epílogo) que esmaecem bastante o caráter de paranóia que a
obra procura construir. E neste sentido a advertência de Miles, na cena final: “Vocês serão
os próximos!” se prestaria muito mais a crítica ao macarthismo. Crítica com maior poder
vam longe do prestígio adquirido nos anos 30, apenas aproveitavam o vento favorável da
89
Eric FROMM, Conceito marxista de homem, pp. 35-36.
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62
cada seguinte.
ria tanto no mundo capitalista como no socialismo, Vampiros de almas acaba defendendo
capitalista. Individualismo e submissão cega aos aparelhos repressivos são as grandes mar-
cas finais do filme. Todo movimento de busca de apoio à resistência se frustra. No caso de
Vampiros de almas, esta situação é terrivelmente mais dramática que Matar ou morrer,
pois até a namorada de Miles se passa para o lado dos não-humanos. Resta apenas a ação
salvadora do FBI.
Harvey) representa o indivíduo que sucumbe ao peso das forças destrutivas, desde a com-
plicada relação com a mãe, até o processo de hipnose e “lavagem cerebral”. Já Ben Marco
corresponde ao homem que consegue se articular com os seus pares, estabelecendo algum
nível de solidariedade com eles e com outras pessoas próximas, como a mulher, condições
Em Dr. Fantástico, o modo de vida capitalista seduz ambos os lados. Alguns dos
mo goma de mascar, meias de náilon e batom, são mais típicos de um consumismo que
necessariamente itens indispensáveis (2.7). Aliás muito parecidos com aqueles que o agen-
te americano (Jô Soares) em O homem do sputinik (1959) oferece para barganhar o satélite
90
Stuart SAMUELS, op. cit., p. 212.
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63
perdido. Em outra seqüência (2.11), o embaixador soviético coloca a questão nos seguintes
las meias de náilon e máquina de lavar nos impuseram a construção da máquina do juízo
te 20 anos chegar o PIB (Produto Interno Bruto) aos níveis da época da destruição. A fria
mesmo tempo, esta lógica é apresentada como inevitável para a sociedade soviética. O
embaixador soviético aplaude o plano neo-nazista e a população anseia por meias de náilon
Há uma crítica vigorosa à concepção de homem que o capitalismo, na sua fase im-
perialista, defende. Pierre Giuliani se referiu ao Dr. Fantástico como um Prometeu inverti-
do, em razão de sua proposta pós-hecatombe: entrega-se o fogo aos deuses da técnica [e do
capital], realizando o sonho de Zeus de substituir os homens por outra raça, escolhida
com base em critérios que possam assegurar o retorno aos índices do PIB em vinte anos.91
O doutor Fantástico pode ser este Prometeu invertido ou mesmo um Minotauro, ca-
O indivíduo nos filmes analisados vive duas tensões essenciais: de um lado, está em
como motor desse processo; do outro, as relações com a coletividade estão marcadas por
91
Pierre GIULIANI, op. cit., p. 27-28.
92
Ibid., pp. 37-38.
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64
uma forte dose de frustração. Os homens estão sempre prestes a se transformarem em má-
quinas, autômatos, em razão de um novo Prometeu, agora cego pela acumulação, que es-
terminam isolados e partem sozinhos (no máximo com a mulher, como em Matar ou
morrer). Por último, podem ainda, o que é mais grave, terminar apelando para a seguran-
ça que o aparelho repressivo possa dar (dr. Miles recorrendo ao FBI, em Vampiros de al-
mas).
verídico de espionagem soviética no Canadá, durante a Segunda Guerra, age com uma
desenvoltura que beira à invasão de privacidade. Na visita ao Dr. Harold Norman, mexe
em papéis, liga aparelhos domésticos (5.6), apontando para um claro desrespeito à proprie-
dade dos meios individuais de consumo. Este comportamento amoral dos comunistas vai
atingir seu clímax com a invasão do apartamento de Igor Gouzenko. Note-se que Igor se
recusa a atender à porta, apesar dos apelos dos camaradas, até que eles a arrombam (7.12).
Os comunistas têm uma boa justificativa para a polícia: estavam ali em busca de documen-
tos roubados. Mas este legítimo direito só pode agora ser reivindicado à própria polícia. O
Dr. Norman, por sua vez, depois de usado, é deixado solitário, para ser lembrado quando
93
A expressão “comunismo” tem uma origem remotíssima. Já estava presente na República de Platão, como
privilégio das classes dominantes. O movimento dos “niveladores” e “cavadores” da Revolução Inglesa de
1640 seriam os primeiros representantes do comunismo utópico. A partir do Manifesto do Partido Comunista
de 1848, começa-se a falar em socialismo crítico em oposição ao utópico. O socialismo crítico ou o comu-
nismo seria um horizonte revolucionário baseado em princípios teóricos a serem praticados à luz da luta de
classes e não da atenuação dos antagonismos sociais. Cf. Carla Luciana SILVA, Anticomunismo brasileiro:
conceitos e historiografia, pp. 195-197 e Karl MARX e Friedrich ENGELS, Manifesto do Partido Comunis-
ta, pp. 64-67. Trabalhamos, portanto, com uma definição ampla, sem pretensões de análise maior das experi-
ências do chamado socialismo real, conjunto de experiências que se desenvolveram a partir da Revolução
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65
com o que está acontecendo na URSS: o pai, que fora um marxista revolucionário, hoje é
possível de ser alcançada. A origem destas angústias é o drama vivido por Kulin, durante a
II Guerra, quando em Karkov matou friamente soldados russos para que outros se apresen-
dos soldados soviéticos na guerra trouxera uma situação inteiramente nova para os comu-
esforço coletivo que contou com a participação de tantos outros povos – altivez e coragem
que revelam “uma imperecível tradição do esforço do homem pela emancipação da dupla
Russa de 1917 e da formação das democracias populares no Leste europeu, após a derrota do nazi-fascismo
em 1945.
94
A batalha de Stalingrado ocorreu entre 23 de agosto de 1942 e 2 de fevereiro de 1943 e representou um
ponto de ruptura na II Guerra Mundial, assinalando uma importante derrota do nazismo. Nesta batalha, de-
senvolveu-se uma prática de atiradores de tocaia, semelhante ao movimento stakanovista da década de 30, de
quebra dos recordes na extração de carvão. Os atiradores procuravam quebrar recordes do número de oficiais
nazistas acertados. O filme Circulo de fogo (2001), de Jean-Jacques Annaud, aborda especialmente este as-
pecto, contando a história de Vassili Zaitsev, que matou 149 oficiais alemães.
95
Alcir LENHARO, Sacralização da política, p. 179, citando Harold LASKI, Fé, razão e civilização, pp. 63-
64.
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66
pela improbalidade de uma convicção como a que unificava o povo soviético pudesse ter
origem no capitalismo. 97
tre outros fenômenos, uma espécie de stakanovismo guerrilheiro: uma competição em tor-
era fundamental para ganhar a batalha em torno das concepções sobre a guerra e sobre o
papel das diferentes nações no seu desfecho. O comportamento amargurado do Major Ku-
lin pode ser factível, mas qual a sua representatividade entre os militares soviéticos vitorio-
sos no conflito mundial, depois de tantas provas da capacidade de combate?, como observa
Laski:
tomar conta dos Gouzenko após a palestra de Kanev, chefe da representação diplomática
soviética no Canadá. Na sua fala, Kanev adota uma posição classista (“os objetivos do ca-
dos comunistas, que prosseguiram após o fim da guerra, com a política de aliança com as
burguesias locais (Brasil) ou mesmo se dissolveram (EUA). Este posicionamento faz Anna
atingir o ponto de virada, abandonando as antigas convicções, pois acha que desta forma
os comunistas estavam artificialmente fazendo dos antigos aliados seus inimigos (6.5).
96
Harold LASKI, Razão, fé e civilização, pp. 18.
97
Ibid., pp. 99.
98
Ibid., p. 19.
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67
ria o seu racionalismo exacerbado e uma abstrata igualdade. A igualdade é vista como in-
“mundo novo”: “onde todos são iguais” (4.1). Assim, notamos que, em Vampiros de al-
como mais danoso que a própria morte, pois produziria uma sociedade de autômatos, ca-
racterística que muitos cientistas sociais viam estar se desenvolvendo tanto no capitalismo
tivas que ele estabelece. O envolvimento entre Miles e Becky, dois divorciados, em Vam-
piros de almas, constitui, além de um elemento progressista para os anos 50, uma forma de
Becky, Miles segue em frente quando descobre sua incorporação aos novos seres.
tam para este mundo onde a emoção é um valor absoluto. Primeiro, a duplicação aponta
“Na linguagem usual, o termo para alguém que é claramente insensível , inca-
paz de qualquer reação ou emoção é ‘vegetal’ . Em Vampiros de almas, pessoas se tor-
nam literalmente ‘vegetais’. A coisa mais deprimente para muitas pessoas é uma vida
desprovida de conteúdo emocional, ainda que todos em volta de nós vejam esse tipo de
gente, pessoas que seguem pela vida sem sentir, nem desejar nada”.100
déia de que dormir é morrer. Como as vagens agem mais desenvoltamente quando se dor-
100
Bill WARREN, Keep watching the skies! American sicence fiction movies of the fifties, pp. 287.
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almas joga com a idéia do medo da morte para defender uma postura de permanente vigília
no dos sentimentos, trabalho e história estão completamente ausentes. Os dois únicos vín-
culos de Santa Mira com o mundo são a estrada de ferro, de onde chega o Dr. Bennel de
sua conferência, e a rodovia por onde ele escapa para alertar ao mundo da ameaça. Mas
certa forma, ele detecta um problema no sistema, ou seja, a massificação e perda da identi-
dade, e inicia uma cruzada contra tais anomalias. Mas, se permanece nos limites do libe-
ralismo clássico, na medida que repudia um mundo sem “emoção, desejo, ambição e fé”, e
teme a igualdade que poderá pôr em risco tais valores, há um outro tipo de vida, também
simples, que ele aspira: chegar cedo em casa para o jantar, amar, ter filhos ...
natureza humana está no âmbito das emoções. Os alienígenas reproduzem uma cópia hu-
mana idêntica, só lhe faltam sentimentos. Desde o início do filme, os aspectos afetivos são
apresentados como fatores de identificação: Becky pergunta a Miles como ele saberia que
ela é ainda a mesma dos tempos de colégio e Miles responde beijando-a (3.5). Da mesma
forma, é ao beijá-la, de volta ao túnel onde se esconde dos alienígenas, que descobre que
ela não é mais humana (5.2). Para os homens-vagens, as emoções complicam a vida.
Kaufman, o psiquiatra porta-voz do grupo, tenta convencer Miles que eliminar amor, dese-
jo, ambição e fé torna a vida muito mais simples (4.1). Além da afetividade, a intuição é
garoto fugindo da mãe, acha que já deveria ter desconfiado de alguma coisa (3.1), ao ter-
minar a visita a Wilma, prima de Becky, diz que seu sexto sentido o alertava para os estra-
101
Ibid., pp. 287-290.
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69
nhos comportamentos, mas não dera ouvidos (3.4.). A figura humana, depositária desses
blemática do indivíduo está vinculada aos dois modos de vida, fazendo com que definamos
3.4, 3.5, 5.7, 5.8). Não há valores do modo de vida capitalista explicitamente enunciados.
Apresenta pessoas que, em diferentes níveis, estão insatisfeitas com o socialismo. Gro-
que viveu em Nova York. Gromek é apresentado a Armstrong, pelo chefe da Stasi, sr. He-
inrich Gerard, como não-confiável: “se ele causar algum problema, avise-me”. A Condes-
sa Kuchinska, por sua vez, deseja desesperadamente emigrar para os Estados Unidos, mas
Gromek é pretensioso, viveu em Nova York, estudou em uma escola noturna que
lhe permite discutir noções básicas de matemática, mas é um desastroso agente de seguran-
ça, é imobilizado por duas pessoas desarmadas e assassinado com facadas e intoxicação
por gás (3.11). O filme constrói um estereótipo que nada deixa a desejar aos produzidos no
início do ciclo de filmes sobre a Guerra Fria, curiosamente, a passagem de Gromek por
Nova York e o seu casaco de couro preto remeteriam para o modelo do comunista gângster
pelos comunistas para reaver o microfilme roubado, são elementos importantes na forma-
Alfred Hitchcock fez dois filmes abertamente anticomunistas. O segundo foi To-
pázio (1969), que enfoca a crise dos mísseis de Cuba (1962) como parte de um complô de
Deve-se ter em conta que no bloco comunista, há agora diferenças a considerar. Os comu-
nistas cubanos são situados, no quadro do estereótipo, entre a truculência dos gângsters e
ficam a dever aos requintes do modo capitalista de vida. Os cubanos têm cabelo e barba,
gam cascas de frutas no chão, bebem em copos empoeirados e circulam com prostitutas
capitalista é limpo, ordenado e conta com uma tranqüilizadora peça musical tocada pela
sam uniformes que lembram os uniformes nazistas e Rico Parra, ao se dirigir à multidão,
em frente ao Hotel Theresa, usa a saudação nazista da mão estendida em ângulo reto
(2.11.9).
Conclusão
mem aparece, na maioria da vezes, de forma invertida. No caso da ficção científica, o não-
homem é produzido pelo contato com os seres extraterrestres. Os seres alienígenas mate-
rializam pavores coletivos típicos dos anos 50: a paranóia anticomunista da Guerra Fria e
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mente de racionalidade. Do ponto de vista ético, este homem defende que o fim justifica
os meios, sendo capaz de mudar de lado pela recompensa material, matar e torturar para
atingir seus objetivos; como espaço de ação, escolhe o ambiente sujo e promíscuo e sua
forma de atuação é a guerra subterrânea (o complô), saindo das trevas para a conquista do
mundo. Neste aspecto, deve-se lembrar que os métodos e práticas nazistas são sugeridas
como base para sua orientação política. Assim, a associação comunismo/nazismo completa
no campo da política.
trução fílmica pode ser sintetizado num modelo onde o elemento constitutivo fundamental
é a emoção, atuando do ponto de vista ético em torno da busca da realização pela via do
esforço pessoal, condição para ter acesso a bens de consumo, à propriedade ou ao pequeno
nia, ratificando a máxima do liberalismo clássico, “sem propriedade não há cidadania está-
vel”.
(democracia representativa burguesa). A forma de atuação desse indivíduo, fora dos cami-
102
Cf. Ciro F. S. CARDOSO, A ficção científica, imaginário do século XX, pp. 67-68, e Stuart SAMUELS,
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domínio do mal, representam bem tal perfil. Realizam a proeza de resistir às piores pres-
sões do meio, como as investidas dos alienígenas para que durma e a dolorosa identifica-
ção de que sua amada fora contaminada pela doença, no caso do Dr. Bennel; e a procura
de cura e o questionamento sobre os estranhos sonhos feitos pelo Major Marco – como o
Édipo da tragédia, desconfia do que vê à sua volta e lança-se a fazer perguntas sobre a situ-
ação. O sargento Shaw, por sua vez, é um misto de Édipo e Orestes, derrotado e submisso
aos desígnios da mãe e sem um pai para vingar-se. Ambos os filmes, precisam desenvolver
exaustivamente o modelo do homem não-humano, para erigir no seu lugar não um homem
com suas múltiplas faces, mas um super-homem, um herói, seja no sentido positivo, de
tico. A harmonia destas sociedades é quase sempre quebrada por elementos externos: os
alienígenas e os espiões. Dr. Fantástico é uma exceção, à medida que os elementos per-
que atrapalha sua corrida armamentista, e existem setores, nos Estados Unidos, dispostos a
limitações são visíveis quanto aos indivíduos, deles se extrai o seu caráter de ser social, a
relação que estabelecem com a sociedade é sempre parcial, fragmentada. Elevam-se mais à
mite uma extensão do uso da ideologia, tornando possível a própria desumanização do ad-
versário. Este mecanismo de ampliação do uso ideológico, agora mais voltado para o pro-
blema da ação política, será observado no que chamamos construção do mito do herói
Introdução
rios, a preparação para o combate é também de importância tremenda, ou melhor dito, ga-
nha uma guerra quem se prepara melhor para ela. É na fase de preparação para a guerra
que a conspiração tem seu relevo acentuado, se situando no âmbito das manifestações que
103
Crítica ao Programa de Gotha, pp. 216-217.
104
O herói trágico concentra em torno de si elementos que lhe serão fatais. O herói dramático concilia suas
paixões e a necessidade imposta pelo mundo exterior, evitando, desta forma, a destruição. Ver Herói, In Pa-
trice PAVIS, Dicionário de teatro, pp. 193-194. Acreditamos que o cinema costuma incorporar aspectos de
ambos: Zapata é um herói trágico, já Terry Malloy é um herói dramático.
105
Antonio Gramsci define três conceitos para guerra: guerra de posição, caracterizada pelas ações de resis-
tência passiva, boicotes, etc., guerra de movimento, como as greves e insurreições e a guerra subterrânea,
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No imaginário político, sua origem é remota, desde o complô de Bruto e Cássio pa-
ra assassinar César, na Roma antiga, passando pela Conspiração dos Iguais, de Babeuf, na
dos judeus para conquista do mundo, definida nos Protocolos dos sábios do Sião106 e dos
jesuítas, via Sociedade de Jesus. Nota-se no conjunto dos movimentos conspirativos duas
condições subjetivas.
tes resultados disso, sendo o mais freqüente a criação de ambiente favorável à paranóia, ou
seja, ao medo coletivo das ações do inimigo. Para que a conspiração se desenvolva são
necessários homens, mulheres, símbolos, rituais que a tornarão uma força material, é a
Nos filmes relacionados com a Guerra Fria, o tema da conspiração está presente em
duas formas muito próximas: a paranóia108 anticomunista da ficção científica e nos enre-
caracterizada pela preparação clandestina. Gramsci chama atenção para a possibilidade freqüente de se passar
de uma forma à outra. Cf. Maquiavel, a política e o Estado moderno, pp. 67-81.
106
Os protocolos dos sábios do Sião é uma falsificação, elaborada pela polícia czarista, nos últimos anos do
século XIX, que atribui aos judeus a participação num movimento conspirativo voltado para o domínio mun-
dial. Antes da Primeira Guerra Mundial e sobretudo, no entreguerras, mereceu grande difusão, chegando a
tiragens próximas da Bíblia. Cf. Raoul Girardet, op. cit., p. 32.
107
Raoul GIRARDET, Mitos e mitologias políticas, passim.
108
Ver nota 52.
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76
primeiro filme do ciclo desenvolve uma abordagem da organização comunista que será
abandonada nos filmes seguintes. Nele os comunistas são politizados, o cotidiano das or-
ganizações é reconstituído através de reuniões e grupos de estudos, onde são lidos textos
de Marx e feitas citações de Lênin. A conspiração comunista não é confundida com gangs-
John Grubb, fundador e membro do Partido Comunista do Canadá, que se encontram num
carro, em Ottawa, e decidem montar uma rede de espionagem, a pedido de Moscou (3.1).
O plano encontra base nas organizações do Partido, como a Associação dos Amigos da
(3.3 e 6.2).
Os “grupos de estudo” são outra forma de atuação dos comunistas apresentada com
bastante fidelidade: numa residência de classe média, um grupo ouve a leitura em voz alta
espionagem (3.4).
ção da bomba atômica, resumido em dez páginas, e uma amostra de urânio enriquecido
(5.5).
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77
ponsável pela codificação, começa a duvidar dos ideais comunistas e decide permanecer
no Canadá, apesar da decisão dos superiores de mandá-lo de volta à União Soviética, de-
dos oportunamente (7.1.). Quando percebe que seu retorno à URSS era iminente, reúne os
dando certo, pois não é recebido pelas autoridades canadenses (7.3). A imprensa canadense
também não tem interesse pelo roubo dos papéis e o editor recomenda que procure a polí-
cia (7.9). É a esposa de Gouzenko, Anna, que realiza a ação decisiva, enquanto Gouzenko
policiais canadenses dizem aos russos que reclamem a posse dos papéis oficialmente e
drão do microfilme não tem nenhuma veleidade patriótica, pelo contrário, está inconfor-
mado com a polícia por tê-lo transformado num perdedor, prendendo-o três vezes. A polí-
cia consegue que a namorada de McCoy colabore com eles por razões sentimentais. Mc-
Coy, por sua vez, não tem nenhuma simpatia pelos comunistas, chegando a tratar Candy
participantes do complô comunista parecem chefões da Máfia, bem vestidos, fumam cha-
rutos e dão ordens a um homem (Joey) que pagam para dar conta do microfilme. Não há
política, nem ideologia, tanto que foi exibida na França uma cópia dublada onde se substi-
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tuía a palavra microfilme por entorpecente e comunistas por traficantes sem prejuízo do
entendimento da trama.109
aparição dos “vampiros” como grupo articulado aconteceu após o encontro de Miles, mé-
dico de uma pequena cidade dos Estados Unidos, com Wilma Lentz, sua paciente. Miles a
encontra na rua e ela afirma que está bem e que não precisa mais de ajuda psiquiátrica.
Wilma entra na loja e avisa a alguém que Becky, namorada de Miles, dormira na casa do
médico (4.2). Música tenebrosa, mudança do aviso na porta da loja para “fechado” e gestos
Quando percebe que a invasão das vagens é real, Miles procura ligar para outras
cidades e para o FBI, mas é tarde demais, “eles” já controlam as ligações telefônicas (4.2).
casa da enfermeira Sally, há uma reunião onde a duplicação de uma criança está aconte-
Miles tenta descobrir a origem das vagens. Considera duas hipóteses: radiação atô-
mica ou seres alienígenas e conclui: “Seja qual for a inteligência que controla a formação
de carne e sangue humanos, é poderosa e incompreensível” (4.2). Mais adiante, o líder dos
alienígenas, o Dr. Kaufman, afirma que a origem das sementes é o espaço (5.1). Um ponto
paranóia, conformismo e alienação e considera que estes três conceitos são dominantes na
década de 50, funcionando como respostas à falta de sentido para a vida e às ameaças de
109
Antoine de BAECQUE, A moral é uma questão de travellings, p. 254. Este curioso artifício visava prote-
ger o filme das reações de um público, onde um em cada quatro votava comunista.
110
Stuart SAMUELS, The age of conspiracy and conformity, p.207.
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de pessoas normais, oculta-se um perigoso inimigo. Dessa forma, torna-se impossível dis-
controle que já estavam em curso na esfera da vida individual. Os seres robotizados ofere-
cem a possibilidade de imunizar os seres humanos das aflições geradas numa área perme-
ada por grande insegurança, que é a das relações afetivas. A paranóia coletiva funciona
como uma contrapartida ao indivíduo isolado: é a obsessão contra tudo e contra todos se
cristalizando em crenças coletivas. Em alguns filmes, como Dr. Fantástico, essa paranóia é
claramente ironizada no pretenso complô comunista para minar a essência humana pela
Lentz acha que há um impostor no lugar do tio (3.3), filhos não reconhecem a mãe, como
o pequeno Jimmy, levado ao consultório do Dr. Miles pela avó porque acha que sua mãe é
uma estranha (3.3). De volta à casa, num descontraído churrasco, Miles encontra vagens se
transformando em seres humanos na estufa do jardim (4.2). No final, quando Miles e Be-
cky fogem da cidade, ouvem música romântica ao longe, pensam que este pode ser um
de “vampiros” carregando um caminhão com sementes (6.2). Desta forma, Samuels co-
menta o quadro:
111
Stuart Samuels associa conspiração (conspiracy) e paranóia, reconhecendo que a primeira se baseia na
clara distinção entre eles e nós, distinção difícil de ser feita nos 50, quando a subversão estava em todo lugar,
enquanto a segunda é vista como uma resposta ao conformismo, na medida em que o indivíduo pressiona-
do a assegurar um lugar no sistema, encontra na paranóia coletiva uma justificativa para sua inadequação. Em
certos casos, a conspiração pode deixar de ter existência real e assumir formas fantasiosas, constituindo-se
uma paranóia, na sua forma de delírio persecutório Sabemos que no caso em estudo – a chamada ameaça
comunista, a paranóia tem bases reais na medida em que há um sistema que rivaliza com o capitalismo e de
alguma forma se apresenta como alternativa – as experiências socialistas que então vigoravam. Sabe-se ainda
que os comunistas não deixavam de prosseguir conspirando para ampliar o alcance do socialismo. Não de-
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“O cotidiano está cheio de perigo. Não é de admirar que ele [Miles] esteja à
beira da loucura, não é de se admirar que ele trate as pessoas com uma suspeita paranói-
ca. A paranóia torna-se a alternativa lógica ao conformismo dos “autômatos”.
co, procura avisar a motoristas indiferentes que “eles estão aqui”. Na decupagem que fize-
mos, chamei esta seqüência de primeiro epílogo, porque Don Siegel pensava em terminar o
filme aqui. Pressões do estúdio no sentido de “incluir uma clarificação”, levaram Siegel a
que o sgt. Raymond mate um dos seus companheiros, o psiquiatra Yen Lo, responsável
pela operação, apresenta uma extensa bibliografia que respalda sua experiência (4.2). Nes-
vemos esquecer, no entanto, que o perigo comunista era significativamente exagerado, havendo sem dúvida
um aspecto doentio no problema. Op. cit. pp. 205-211.
112
Stuart SAMUELS, op. cit. , pp. 207-208.
113
Peter BOGDANOVICH, Afinal, quem faz os filmes, pp. 850-852.
114
Lavagem cerebral é um método de persuasão constituído por um conjunto de condições e procedimentos
bem específicos, incluindo mecanismos psicológicos como diminuição da capacidade intelectual, sugestão,
conduta condicionada e medidas como prisão, cansaço e tortura, além de uso de agentes químicos, visando a
inculcação de determinadas crenças, notadamente políticas. Depois da Guerra da Coréia, o governo dos Esta-
dos Unidos encomendou estudos sobre o problema, provocado por declarações de ex-prisioneiros americanos
de que o governo do seu país teria usado armas bacteriológicas no conflito. Em 1956, a CIA conduziu um
estudo secreto sobre o tema. Cf. verbete Brainwashing, Encyclopedia of Pscycology, vol. 1, pp. 463-464 e
Lavado de cerebro, Enciclopedia Internacional de las Ciências Sociales, vol. 6, pp. 491-495. A hipnose é
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bemos depois que o local é Tunghwa, (10.2), talvez uma cidade da Manchúria115. A orga-
nização que está por trás da conspiração, como é próprio dos movimentos conspirativos,
que é preciso checar as conexões, novas instalações são requeridas, agora disfarçadas sob a
Shaw, o major Benneth Marco e o cabo Melvin. Melvin e Marco, de um lado, e Raymond,
um dos que recriminam o sgt. Raymond, quando ele vem tirá-los da farra para uma mis-
são. No carro, Marco, por sua vez, balançara a cabeça, como se desaprovasse a atitude do
sargento.
Melvin, de volta à vida civil, está casado e parece levar uma vida estável, mas é
torturado por horríveis pesadelos. Marco vive sozinho e está desvinculado de qualquer
estrutura familiar. Raymond, por sua vez, vive às voltas com uma mãe controladora e inva-
siva. Constantemente sob pressão da mãe, Raymond obedece ou esboça uma tímida reação,
O major Marco, depois de solicitar ajuda de seus superiores para os estranhos pesa-
delos que tem, onde Raymond aparece assassinando companheiros, decidiu procurar o
do, Raymond confidencia ao amigo ter escrito uma carta repudiando a mulher amada, por-
que a mãe exigira. Diz que ela “sempre vence e ele não merece ser amado” (8.4.).
estruturadas. A escolha de Raymond para ser transformado numa máquina assassina levou
em conta traços de sua personalidade, como fixação em autoridade, deduzida por Yen Lo
pelo fato de ter respondido que era o Capitão Marco quem desejava matar em primeiro
lugar naquela sala (onde a apresentação dos resultados da experiência acontecia). Também
pesou nesta escolha a complicada relação de Raymond com a mãe, onde o padrão de com-
sempre que deve executar alguma tarefa, é necessário que tenha a dama de ouro à frente, o
mor/ódio à mãe (8.5). Na cama do sanatório, onde Raymond se interna para que as cone-
“Então, nesses corpos privados de alma, mudos, sombrios, frios, insuflamos [a-
firma um dos mestres jesuítas do romance] o espírito de nossa ordem; imediatamente os
cadáveres andam, vêem, agem, executam maquinalmente a vontade, da qual ignoram os
desígnios, assim como a mão executa os mais difíceis trabalhos sem conhecer, sem
compreender o pensamento que a dirige”.116
Ainda sobre a manipulação psicológica, é importante lembrar que ela depende essencial-
116
Raoul GIRARDET, op. cit., pp. 34-36.
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83
Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick, opta por ironizar o medo coletivo do
Scott).
fluoretação da água (2.10), que começara no pós-guerra, em 1946 (2.12). O general chegou
a esta conclusão ao fazer amor. De alguma forma, o flúor estaria drenando a essência hu-
conta esta história para um coronel Mandrake impaciente e apreensivo com o destino dos
Uma perspicácia vaga é valorizada positivamente, pois foi ela que permitiu ao ge-
117
“Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta frente a seus pais. Sob a
forma considerada positiva, o complexo se apresenta como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do
rival, personagem do mesmo sexo, e desejo sexual pelo personagem de sexo oposto. Sob sua forma negativa,
ele se apresenta contrariamente: amor pelo genitor de mesmo sexo e raiva enciumada do genitor de sexo
oposto. (...) O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na
orientação do desejo humano. Os psicanalistas consideram-no o eixo de referência principal da psicopatolo-
gia, procurando determinar para cada tipo patológico os modos de sua posição e sua resolução”. Verbete
Complexe de Oedipe, Vocabulaire de la psichanalyse, pp. 79-84
118
Mario STOPPINO, Manipulação, p. 731.
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84
Por mais mirabolante que isto pareça, Stanley Kubrick e Peter George não são os
autores desta fantasia: a Sociedade John Birch, grupo de direita americano, fez circular
uma carta em 1957, onde constam, entre outras acusações mais usuais aos comunistas, co-
Sabe-se que o uso do flúor foi alvo de questionamento quanto à eficácia na prevenção da
cárie dentária, o que leva ainda hoje a discutir-se sobre a pertinência de sua utilização. Esta
Derrotado, o general Ripper teme que não resista à tortura para revelar o código
que permita trazer de volta os bombardeiros. Decide suicidar-se e o próprio gesto está mar-
cado por uma preocupação de se descontaminar: dá a entender que vai lavar-se, dirige-se
Os banheiros são lugares especiais da ficção de Kubrick, “lugares onde existem es-
pelhos e que se tornarão lugares da morte”119 Nota-se que o general Ripper, um homem
que luta contra uma conspiração que contamina a água, com a morte foge da tortura e tam-
bém se purifica, na medida que livra o corpo dos fluidos impuros definitivamente.
O general Turgidson também acredita que os comunistas são uma ameaça perma-
nente. Logo ao ver o embaixador soviético chegando à Sala de Guerra, o agarra, acusando-
o de estar fotografando o painel com as posições americanas (2.7). Depois da primeira ex-
plosão, ainda está preocupado com o expansionismo dos comunistas, afirmando ser neces-
sário levar bombas para os subterrâneos, pois “os russos podem aproveitar qualquer des-
119
Pierre GIULIANI, Stanley Kubrick, p. 59.
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85
vantagem” (4.1.). Neste momento, Dr. Fantástico, o cientista orientador da estratégia nu-
clear americana, está apresentando seu plano de manter uma amostra de seres humanos em
abrigos subterrâneos, o embaixador soviético o elogia e sai, ao passar pelo painel, fotogra-
fa-o, confirmando a apreensão de Turgidson (4.1). Neste bloco de seqüências temos con-
oportunidades para se apoderar de informações que lhes interessem, estão também prontos
na sétima parte. Depois que o major Ben Marco passa a suspeitar dos seus estranhos pesa-
delos, forma-se uma comissão mista inteligência militar/CIA120/FBI, da qual Ben faz parte
zendo observações sobre os traumas produzidos no relacionamento entre pais e filhos (8.5).
trasado ao local da convenção política, não conseguindo evitar os disparos que matam Ise-
lin e Eleanor (10.2. e 10.7). O final da trama reforça a figura de Raymond como herói que
mas), sintonizado com o contexto de contestação dos anos 60, não deposita todas as fichas
120
Agência Central de Inteligência.
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86
blica, no meio artístico, com a finalidade de facilitar a fuga de alemães orientais para o
Ocidente. A drª Koska (Gisela Fisher) frisa que não se trata de uma organização política, o
objetivo deles é simplesmente “ajudar pessoas que desejam passar longas férias longe des-
se lugar” (4.2).
complô que vimos em outros filmes. Neste filme e em Topázio, ele adquire conotação es-
pecial porque os comunistas estão no poder, ou melhor, o complô comunista foi vitorioso e
age com as facilidades que o aparato estatal permite. Em todo lugar, há sempre policiais
rapidamente, estudantes são mobilizados para localizar o professor e sua assistente (5.1).
No correio, logo um guarda suspeita dos movimentos dos dois, agora acompanhados da
condessa Kuchinska (5.8). No teatro, o casal é descoberto pela bailarina, no meio de uma
lência: a organização Pi parece uma forma estatal, dado o seu espraiamento na sociedade e,
por sua vez, o tratamento reservado ao Estado, como sua onipresença e incompetência,
talvez queira nos dizer que os Estados comunistas já não sejam mais os mesmos depois da
uma ameaça. Estamos frente a um curioso paradoxo: Estado um tanto quanto inofensivo,
dos pela deserção de um diplomata soviético, Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius). Dele
funcionários franceses que trabalham para a União Soviética (4.2). Em Cuba, o agente
francês André Deveriaux (Frederick Stafor) se articula com a amante, Juanita de Córdoba
(Karin Dor), que lidera uma organização secreta em luta contra o governo cubano. O con-
tra-complô comunista tem seu ponto de articulação com a rede de espionagem através de
Rico Parra (John Vernon), líder do governo cubano e amigo de Juanita. O complô antico-
munista é apresentado como tendo sólidas bases na sociedade cubana, a própria Juanita é
soviéticos em Cuba são recuperados por um pacato camponês, montado em seu cavalo, que
passa pelo local onde o casal de espiões fora preso pela polícia cubana (3.1.7).
ções mútuas que estabelecem. As formas de atuação e a simbologia dos movimentos cons-
121
Raoul GIRARDET, op. cit., p. 59.
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pouco relevância e pode até ser substituída por um outra atividade criminosa (tráfico de
drogas, por exemplo, como a versão dublada francesa de Anjo do mal). Na segunda abor-
processo de desqualificação da política. O conceito pode ser visto em três significados es-
senciais: o primeiro diz respeito ao seu sentido lingüístico e estilístico de expressões fixas,
Dos três aspectos, o que nos interessa, particularmente, é o das representações cole-
Num sentido mais amplo, o estereótipo estaria presente em qualquer tipo de trans-
missão ou massificação da cultura. Como lembra Van Tïlburg, os estereótipos são “ele-
122
Ibid., p. 60.
123
Tunico AMANCIO, op. cit. p. 139. Para um histórico do uso do conceito nas ciências sociais e análise do
problema no cinema referente à imagem do Brasil, ver a obra citada, especialmente o capítulo Clichês. nas
páginas 137 e 138.
124
João Luís VAN TILBURG, Texto e contexto: o estereótipo na telenovela, p. 6.
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Frisamos que o uso que fazemos é do sentido mais restrito, do estereótipo como
“uma atitude, firmemente arraigada na psicologia social ante alguns fenômenos, fatos e
Antes de passarmos para a análise dos filmes, devemos mencionar que o bloco te-
mático conspiradores está incluído na rede temática conspiração . A sua separação formal
defensiva. Joey, o amigo de Candy, responsável pelo envio do microfilme à pessoa que o
levaria para fora do país, ao perceber a insinuação de roubo reage: “nós não somos crimi-
nosos” (2.4).Quando Candy diz para os comunistas que McCoy só entregaria o microfilme
por 25 mil dólares, um dos camaradas de Joey afirma que a responsabilidade é dele porque
foi pago para isso. O filme mostra comunistas que se movem por razões unicamente finan-
ceiras, não há nenhuma motivação ideológica em jogo. Na fase em que Skip McCoy pen-
sa que Candy é comunista, não vê o menor motivo para acreditar nela, todos os comunis-
tas são mentirosos: “negocio com uma comunista, mas não sou obrigado a acreditar nela”
(3.7).A Sra. Moe, uma informante e vendedora de gravatas, põe os comunistas numa es-
cala inferior aos criminosos comuns. Repreende McCoy por estar fazendo negócios com
trouxera o microfilme tão procurado pela polícia, mas o agente não sabe que Candy está
mentindo, ela conseguira o microfilme depois de dar uma pancada no namorado. Zara
reconhece que um batedor de carteira pode até dar problemas, mas não cometeria tal he-
125
O. REINHOLD e F. RYZHENKO, El anticomunismo moderno. Política. Ideologia, p. 320.
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resia (5.2). Esta conclusão parece tranqüilizar o agente, pois anteriormente McCoy repudi-
ara qualquer tipo de patriotismo (2.7). Punguistas não sensíveis ao discurso patriótico re-
presentariam, sem dúvida, uma ameaça à segurança do Estado, particularmente se esta de-
inquieto, barba por fazer e à medida que seus objetivos não são alcançados, parte para a
violência mais indiscriminada. Candy é espancada e alvejada ao fugir, depois que ele dá
Candy acabara de terminar com Joey quando conhece McCoy, por quem vai se a-
As mulheres comunistas, que não mudam de lado, também são caracterizadas por
um comportamento rígido, sendo interpretadas por atrizes que fogem aos padrões de beleza
outras abraçam efusivamente seus maridos (4.1). Por sua vez, a escolha de dois astros, Da-
na Andrews e Gene Tierney, para interpretar o casal comunista desertor não é uma escolha
No homem comunista, representado por Gouzenko, não há nenhum sinal dos avan-
ços relativos à participação da mulher na vida social soviética. Ele é o cabeça do casal,
126
Samuel Fuller afirma que J. Edgar Hoover, diretor do FBI, não gostou da frase de Skip McCoy: “Não
venha com essa droga de patriotismo”. Reclamou com Zannuck [Darryl F. Zannuck, diretor da Twentieth
Century-Fox] numa reunião onde Fuller estava presente. Hoover não gostou que no auge da Guerra Fria, um
americano dissesse isso. Zanuck propôs tirar “droga”. Hoover reagiu furioso e disse: “Você sabe muito bem o
que quero dizer”. Zanuck retrucou: “É o personagem quem fala e esse personagem não liga a mínima para a
pátria. Pátria não significa nada para ele. Tem que haver esse personagem, senão vira um filme de propagan-
da, e não fizemos esse tipo de filme”. Cf. Martin SCORSESE, Uma viagem pessoal através do cinema ame-
ricano, parte 3.
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mulher com a vizinha e pensa que é melhor ter um filho do sexo masculino porque o futu-
virada dos anos 50 para 60. Os chineses e os cubanos passam a encarnar o estereótipo de
Sob o domínio do mal, o líder do complô tem traços orientais e a operação teria ocorrido
na Manchúria, território chinês. Embora seja uma ação conjunta do bloco socialista, a riva-
Comunista da União Soviética, propõe que se aumente o peso da derrota chinesa de uma
companhia para um batalhão, na fictícia história da ação heróica do sgt. Raymond, para
humilhar “os bravos aliados chineses”(5.2). Na visita à Raymond, para checar se este con-
tinua sob o comando hipnótico dos comunistas, Yen Lo graceja do russo, o qual se orgu-
aparece novamente a imprecisão, na visão da Sra. Iselin. Comunista, para ela, é algo tre-
mendamente vago, o Senador Thomas Jordan, um liberal, defensor das liberdades civis, é
profundamente comunista porque se opõe ao seu desejo de ver o marido candidato a vice-
presidente (8.2). O jornalista Holborn Gaines, porque fez denúncias contra seu marido,
A construção dos personagens em Dr. Fantástico não deixa de ter algum nível de
do, é o russo bêbado cuja imagem será recorrente no imaginário ocidental. Kubrick rea-
presenta uma versão divulgada, por ocasião da crise dos mísseis de 1962, mas pouco sus-
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tentável, de que Krushev estaria louco ou bêbado, quando enviara a Kennedy uma carta
contraditória, ofensiva e medrosa. Tal carta nunca existiu, a mensagem enviada na sexta-
feira, dia 27 de outubro, embora extensa, promete retirar os mísseis soviéticos de Cuba se
“a carta não era, como se disse posteriormente, histérica. Embora pulsasse com
uma paixão de evitar a guerra nuclear e desse a impressão de ter sido escrita com pro-
funda emoção, por que não poderia ser assim? De um modo geral, evidenciava uma per-
feita compreensão da crise”.127
A contradição que se estabeleceu foi entre esta carta e outra, divulgada na manhã
diretor constrói em torno dos dois personagens, o embaixador soviético e o premier Dimi-
O uso de estereótipos para caracterizar os comunistas não vai sofrer alteração nos
dois filmes de Hitchcock analisados. Em Cortina rasgada (1966), temos na figura de Gro-
mek, o agente da STASI, truculento e saudoso de Nova York, muito parecido com os co-
munistas/gângsters de Anjo do mal. É importante notar que sua simpatia por Nova York
não o impede de ser um fiel funcionário do regime comunista, assassinado quando desco-
suporta mais aquele café desprezível servido nas cafeterias de Berlim Oriental, nem os
O personagem do líder cubano Rico Parra em Topázio (1969) cristaliza uma cons-
trução marcada por clichês: violento, a ponto de atirar contra uma multidão, que instantes
atrás o saudava, matar a própria amante para que ela não seja torturada (neste caso uma
127
Arthur SCHLESINGER, Mil dias, John Fitzgerald na Casa Branca, p. 828.
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93
do); também é desleixado e sujo (um documento importante é recolhido engordurado pois
ta a comitiva cubana em visita a Nova York: os rebeldes cospem e jogam lixo no chão e
andam pelos corredores abraçados com prostitutas (2.11.4, 2.11.14 e 2.11.15). Por outro
lado, os indivíduos integrados ao modo de vida capitalista vivem num ambiente de ordem e
filha Tâmara toca piano (2.7). No quarto, há mesas com objetos bem arrumados e flores
nos jarros. No primeiro caso, a desordem é euforizada, no segundo, é a ordem que recebe
este tratamento.
apresentado como parcialmente constituído, podendo faltar-lhe emoção, como nas metáfo-
ras dos extraterrestres ou dos seres transformados em autômatos, ou ainda ser um profis-
Viva Zapata! , uma pretensa biografia do líder camponês mexicano Emiliano Zapa-
ta, foi lançado no ano de 1952, quando os Estados Unidos bombardeavam a Coréia, ajuda-
gimes antidemocráticos em todas as partes do mundo e impunham pesados ônus aos povos
dania” poderia ser traduzida, de outra forma como “o poder corrompe e as revoluções de-
voram seus filhos”, tese central do filme. Se compreendermos indivíduo como um “con-
128
John Howard LAWSON, op. cit., 39.
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94
junto de relações sociais”, as manifestações individuais ligadas à luta pelo poder necessari-
amente situam-se num universo onde as mediações entre indivíduo e sociedade devem se
fazer presentes.129 Esta concepção se opõe à visão liberal que vê o indivíduo, como “mô-
Do ponto de vista da ação política, os indivíduos em Viva Zapata! estão sendo con-
manifesto que Fernando, emissário de Francisco Madero,130 lê para Zapata procura clara-
(2.3). Após esta leitura, Zapata conversa com o seu companheiro Pablo Gomez e ordena
que este procure Francisco Madero, com a seguinte recomendação “se gostar da cara dele,
fale de nossos problemas aqui e diga-lhe que o reconhecemos como líder da luta contra
Diaz”. É surpreendente que logo, nos primeiros momentos, Elia Kazan apresente Zapata
como um líder absolutamente incapaz de tomar uma decisão sobre qual caminho deveria
tomar.
sofisticada. A defesa que Fernando faz dos valores da democracia americana (proteção
aos refugiados políticos e consulta eleitoral regular) não convence Zapata a se integrar ao
exército de Madero (2.7). Esta decisão é tomada quando um camponês é vítima de mais
uma injustiça do Estado: trata-se da seqüência onde o homem conduzido por policiais é
solto por Zapata e seus companheiros (2.8). Parece que os próprios realizadores não esta-
convencimento não opera pela via da palavra, o filme o conduz no sentido da experiência
emocional.
129
Cf. Karl MARX, Para a crítica da economia política, p. 104, Antonio GRAMSCI, Concepção dialética
da história, p. 43 e pp. 47-49 e Norbert ELIAS, A sociedade dos indivíduos, pp. 52-54
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é o elemento valorativo central. Gomez não se considera de forma alguma traidor por ter
conversado com Madero, deixando claro que o ideal pelo qual lutara não era uma “idéia”,
“mas a terra”, e o presidente estava empenhado nisso, na sua opinião. Notamos, nas aspi-
rações de Pablo Gomez, a importância da propriedade da terra como condição para preser-
sem propriedade (...) não tinham interesse pela manutenção da ordem social e, portanto,
como sinal de ascensão social. Zapata precisa abandonar a violência (reagira contra a a-
gressão a uma criança), pois é “inteligente e capaz”, elementos favoráveis a que obtenha
“dinheiro e propriedade”. Cabe aqui registrar que, na mescla promovida pelo diretor Elia
Kazan e pelo roteirista John Steinbeck entre as biografias de Zapata e Villa, o primeiro é
apresentado como um “rancheiro sem rancho”, como o define o pai de Josefa. Qual o sen-
ras em Anenecuilco e a sua motivação central sempre foi o retorno das propriedades co-
munais aos camponeses ocupadas pelas haciendas (grandes propriedades rurais) que se
expandiam com o crescimento econômico promovido por Porfírio Diaz, no poder de 1877
a 1911. Por sua vez, Francisco Pancho Villa fora peão numa hacienda. Ao envolver-se no
130
Francisco Madero era um rico proprietário rural que, em 1908, iniciou a luta contra o ditador Porfirio
Diaz, no poder desde 1877.
131
Bolivar LAMOUNIER, Jefferson, Paine e Federalistas. Vida e obra, p. XII
132
No Que viva México!, (1931-1932), de Serguei Eisenstein, a situação que levou Pancho Villa ingressar na
luta contra Porfirio Diaz é dramatizada no episódio Maguey.
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luta contra Diaz logo se incorporou. Preso, conheceu na cadeia o intelectual zapatista Gil-
dardo Magaña, que o ensinou a ler e escrever e o introduziu ao programa agrário de Zapa-
ta.133 Villa era, portanto, o camponês sem terra e não Zapata, como também foi o princi-
Josefa o compara com Zapata e diz que aquele sim sabe agir como um general, mostrando
um jornal onde Villa aparece em uniforme de gala, sugerindo que o general sabia aprovei-
Zapata para decidir o destino do México, após a vitória da Revolução. Villa é apresentado
poder, depois de dizer que nada tem a discutir, nomeia Zapata presidente (3.10). A terceira
aparição de Villa é na célebre fotografia do seu encontro com Zapata na Cidade do México
mínimos detalhes a fotografia, num grande esforço em dar credibilidade ao filme (3.9).
Esta ardilosa confusão entre os dois líderes será também muito útil na tese central do filme:
Revolução Mexicana, o villismo e o zapatismo, afirma que a luta dos camponeses de Mo-
relos (sul) de retomada das terras comunais teria um caráter regressista, já o villismo (nor-
te) teria aspectos mais inovadores e radicais ao defender a divisão dos latifúndios. Na Lei
133
Eric WOLF, Guerras camponesas do século XX, pp. 56-57.
134
Huerta era governador de Morelos, lutou contra Diaz e assumiu o poder com o assassinato de Madero em
1913 até ser derrotado por Villa em 1914.
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Agrária Geral, expedida por Villa na cidade de León, em 1915, afirma-se que a grande
sociais, o poder como exercício coletivo escapa aos fins do movimento revolucionário,
sendo a sua corrupção o corolário natural, só restando a renúncia como atitude digna. Já
vimos que a motivação para Zapata ingressar na luta tem um forte componente emocional,
não teve origens em simpatias pelo modelo americano nem qualquer outro. É o indivíduo,
no filme, que toma sozinho suas decisões, sem influências externas. Apenas as situações
que vivencia embasariam suas opções. Toda a trama e, conseqüentemente, o retrato da re-
volução mexicana que o filme expressa, repousa sobre o caráter dos personagens.
A narrativa opõe Villa a Zapata, apresenta o primeiro como mais propenso aos jo-
lutar, escolhe Zapata como presidente. No poder, Zapata tende a repetir o mesmo ciclo
ro. Zapata acrescenta que a ausência de vínculos afetivos facilitará a passagem de Fernan-
“Nem campo, nem lar, nem esposa, nem mulher, nem amigo e nem amor. Você
só destrói, esta é a sua grande paixão. Eu vou lhe dizer o que vai fazer agora, vai procu-
rar Obregon ou Carranza.136. E nunca vai mudar” (3.11)
O tratamento dedicado ao personagem Fernando é uma tentativa arrojada de Kazan
emissário de Madero, daí em diante adquire uma incrível autonomia, aparecendo sempre
135
Arnaldo CÓRDOVA, La ideologia de la revolución mexicana, pp. 158-167.
136
Venustiano Carranza, governador do Estado de Coahuila, no Norte do país, primeiro líder a declarar a
guerra a Huerta, em 1913; foi presidente de 1914 a 1920. Álvaro Obregón comandou a luta contra Huerta no
estado de Sonora e sucedeu Carranza, em 1920, governando até 1924.
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98
rios. Respondendo a críticas sobre a falsificação histórica de seu filme, Kazan afirma que
Como toda revolução, a revolução mexicana contou com um forte movimento inte-
lectual, capaz de coesionar aspirações dispersas e organizá-las como uma força material.
tada por intelectuais como Ricardo Flores Magón e Antonio Diaz Soto y Gama. No filme,
líderes camponeses completamente incapazes de com ele dialogarem e tomar uma decisão
merecendo que seu filme seja considerado também antianarquista e sintonizado como o
filme também pode ser vista como mais uma renúncia: agora a renúncia à liderança. Desde
fortes não precisam de homens fortes” (4.4). Duas seqüências depois, esta apregoada tese
vai ser contestada: Zapata morto torna-se um mito a habitar no alto das montanhas, pronto
a descer com seu cavalo branco para ajudar os pobres camponeses (4.7).
John Smith no artigo Three liberal films retoma a discussão aberta em 1955 por
137
John H. LAWSON, op. cit., pp. 14-15.
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99
como forma de ascensão social (2.6), na medida em que Dom Nacio recomenda que Za-
pata abandone esta atitude rebelde e preocupe-se com seus interesses pessoais. Pablo Go-
mez na seqüência do julgamento por traição diz a Zapata “que nada de bom pode sair de
tanta violência” (3.7). Há algumas seqüências, fomos confrontados exatamente com o con-
trário: Zapata responde ao apelo de Madero para que entregue as armas apontando seu
fuzil para o presidente, tomando seu relógio e em seguida entregando a arma para que a
tome de volta (3.1). Nesta seqüência, a força da armas estabelece o direito. O método de
Kazan é justapor uma mentira a cada verdade, gerando confusão e simpatias à primeira
leitura.
“Sem tema digno desse nome que seja trabalhado por completo, exceto na
questão da não-significação em termos humanos do poder político e sua inevitável tira-
nia. Política, vê-se, tem sido assimilada por Kazan e Steinbeck como fatalidade que ope-
138
John SMITH, Three liberal films, pp. 19-20.
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100
poneses de Morelos, que sentam-se em torno de Zapata, como os ouvintes de Jesus Cristo
nas versões pictóricas do sermão da montanha, são avisados pelo líder da carga de dores e
Harold Laski reconhece, na afirmação do catolicismo de que cada ser humano pode
insegurança que vai se instalar no mundo, no final da II Guerra. Por outro lado, Laski ad-
mite que agora essa valorização da realização individual não era mais monopólio do catoli-
final, o seu Zapata-Villa não está muito longe de um salvador, pronto a retornar para ins-
taurar um mundo de justiça. Smith liga esta questão ao que chama de romantização dos
camponeses:
139
Ibid., p. 19
140
Rogrigo Pato Sá Motta afirma que as três bases do anticomunismo são o liberalismo, o catolicismo tradi-
cional e o fascismo. Cf. verbete Anticomunismo, in Dicionário do pensamento de direita, p. 42.
141
Harold LASKI, Fé, Razão e Civilização, pp. 53-64, citado por Alcir LENHARO, Sacralização da políti-
ca, pp. 178-180.
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101
(romantismo) como causa superior porque nasce e serve ao ‘povo’. (...) A prevalência
no filme do método elíptico provoca uma incapacidade de realizar as conexões essenci-
ais, e assim, facilita a evasão e qualquer questionamento dos conceitos de pureza e ino-
cência. Se ‘um homem forte faz um povo fraco’, como o povo torna-se forte com Zapa-
ta? Se o povo está forte, porque eles precisam do mito de Zapata?”142
verdadeira natureza humana e não contaminados pela ambição, em contrapartida eles são
todo o tempo mostrados como incapazes de se defender. A pureza seria, portanto, instaura-
dora de fragilidade. No meio dessa fraqueza generalizada e submissa, não há uma saída
Viva Zapata! trata do malogro a que está fadada toda revolução, representada pelo
víduo sem alma, disposto a romper com todos os princípios e laços afetivos para atingir
Conclusão
zer que temos três níveis distintos. No primeiro caso, a atuação dos comunistas é vista
como um simples complô criminoso, é o caso de Anjo do mal. Antoine de Baecque já iden-
142
John SMITH, op. cit., pp. 19-20.
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102
entes no amor). Fuller não confronta portanto os sistemas ideológicos, põe em oposição
os comportamentos e os afectos. Mas o dinheiro que circula por todo o lado, assim co-
mo os gestos da violência, os suores e os abraços, aproximam todas estas personagens,
ligam-nos íntima e fisicamente, a tal ponto que é terrível dizer, não obstante um happy
end convencional, quem é ‘bom’ e quem não o é, e sobretudo em nome de que motivo
cada um pode agir (não sendo seguramente esta a linha política)”.143
mente política. As referências diretas ao comunismo são muito vagas em Anjo do mal. O
problema não é só os comunistas serem inescrupulosos, o grave é que para alcançar seus
ção dos comunistas qualquer conteúdo político. Joey não é um militante, é um profissional
politização tendenciosa. A concepção de indivíduo fragmentado é uma base firme para esta
dupla articulação, pois permite manobrá-lo em qualquer direção, seja na conversão a novos
ideais, seja na ausência de qualquer um deles – como já dissemos, McCoy chega a desde-
pirando juntos. Se os comunistas querem uma base de apoio nos Estados Unidos, com um
candidato que eles possam manipular, a sra. Iselin, por sua vez, numa conversa com Ray-
mond, deixa claro que não é comunista, o que deseja é apenas chegar ao poder. Quando
mericana, com suas instituições e heróis ameaçados pela inusitada conspiração comuno-
anticomunista.
143
Antoine de BAECQUE, A moral é uma questão de travellings, p. 250.
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103
governantes terão poderes imensos, sugerindo um poder que faria “a Lei Marcial parecer
anarquia” (10.3).
cerebral” e de hipnose.
conspiração é praticamente invisível (eles vieram do espaço e adotam a forma humana sem
escola do filho ou o tio aparando grama no jardim). O que leva Miles quase à loucura é que
este universo familiar se voltou contra os valores que ele tem mais apego: amor, desejo,
conspirativos de ilegitimidade. Como já vimos, três formas são estabelecidas nos filmes: a
144
Sete dias de maio, do mesmo diretor, realizado em 1963, retoma o tema do golpe de Estado, agora patro-
cinado por setores das forças armadas americanas inconformados com os acordos de redução das armas nu-
cleares entre Estados Unidos e União Soviética.
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104
conspiração situada num terreno que beira o non-sense. No primeiro, o debate se desloca
para o universo da criminalidade, no segundo a batalha em torno das idéias adquire algum
contrário, constrói-se um tipo de herói dramático que atravessa todas as narrativas, acumu-
lando crescente força, até se estruturar como o super-homem da série James Bond. 145 Nos
dois filmes de Elia Kazan analisados, esta defesa do herói, repudiando qualquer possibili-
dade de ação independente das classes sociais, é feita recorrendo a um conjunto de signifi-
cações de forte conotação religiosa. Zapata fala para camponeses que o ouvem como a um
zada anticomunista.
145
Violette MORIN, James Bond Connery: um Móbil, p. 15.
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105
Herbert Biberman
dos acontecimentos.146 Filmes como Viva Zapata!, a história da revolução mexicana sob o
olhar de Elia Kazan, Sindicato de ladrões, do mesmo diretor, aparentemente sobre confli-
tos nas docas de Nova York, e Matar ou morrer, de Fred Zinnemann, western sobre o con-
falam, entre outros aspectos, de problemas como o papel da propaganda comunista e soli-
146
Já em 1950, John Berry dirigiu o documentário Os dez de Hollywood (The Hollywood Ten) sobre os acon-
tecimentos ligados à atuação do Comitê contra Atividades Antiamericanas. Em 1957, exilado na Grã-
Bretanha, Charlie Chaplin realiza Um rei em Nova York, onde ridiculariza o american way of life e os inqui-
sidores de Hollywood. Quase duas décadas depois, em 1973, Hollywood volta ao tema, com o lançamento de
O nosso amor de ontem (The way we were, 1973), de Sidney Pollack; o filme trata da trajetória de um rotei-
rista, desde os anos 30 até a cruzada anticomunista de 50. Em 1976, o tema já é abordado de forma direta em
Testa de ferro por acaso (The front), de Martin Ritt), trata-se de um bem-humorado acerto de contas com o
macarthismo. Além do diretor, vários atores incluídos na lista negra participam do filme. No ano seguinte,
Fred Zinnemann dirige Júlia (Julia), inspirado nas memórias de Lillian Hellman. Com um enfoque centrado
no problema do perigo atômico, é lançado em 1982, o documentário The atomic café, de Kevin Rafferty,
Jayne Loader e Pierce Rafferty. Em 1983, Sidney Lumet em Daniel conta a história dos Rosemberg a partir
da trajetória dos filhos do casal. Em 1991, Irwin Winkler realiza Culpado por suspeita (Guilty by suspicion),
enfocando as repercussões da lista negra na trajetória de um diretor. No ano seguinte, temos Cidadão Cohn
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106
denúncia, sempre tendo como parâmetro este peculiar componente ideológico que é o ame-
ricanismo 147.
ção, não combatem o capitalismo simplesmente, eles são contra os Estados Unidos, são
tas sempre foram acusados de querer destruir a pátria. Mas, logo em seguida, lembra que
tal acusação carece de fundamento, pois os proletários ainda não têm uma pátria, devem
ainda se constituir como classe nacional, de forma própria. Conjugar patriotismo e comu-
nismo, num país onde ser patriota tem um nome – americanismo, é um grande desafio
para as idéias de internacionalismo. No auge da Guerra Fria, o Partido Comunista dos Es-
tados Unidos tenta resolver a questão numa aparente conversão ao nacionalismo: o comu-
nismo é o americanismo do século XX. A pátria como coletividade e seus distintos desdo-
bramentos será outra questão presente nas tensões que cercam o meio cinematográfico no
primeiro foi dado, em 1948, quando a Corte Suprema decretou a ilegalidade do sistema de
integração vertical. Este sistema tinha sido montado com o aparecimento do som em 1927,
(Citizen Cohn), de Frank Pierson, sobre os vínculos entre o senador McCarthy e Roy Cohn, promotor que foi
peça importante na cruzada de McCarthy.
147
Antonio Gramsci atribui à ausência de classes parasitárias o que distinguiria os Estados Unidos da confli-
tuosa convivência da herança feudal com o modo de produção capitalista na Europa. Americanismo, para o
autor, se associa ao caráter dinâmico da sociedade americana. Cf. Maquiavel, a política e o Estado moderno,
pp. 377-378. Desde o início do século XIX, com a elaboração da Doutrina Monroe, tem sido fortalecida a
idéia de que os Estados Unidos deveriam exercer uma posição de supremacia sobre os demais países, o cha-
mado destino manifesto.
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107
Columbia, MGM, Paramout, RKO, 20th Century Fox, Universal e United Artists, com ex-
ceção dessa última, que não possuía estruturas produtivas próprias, constituíam um sistema
no.149
res instalados chegara a 5 milhões e o número de freqüentadores das salas de cinema con-
tinuava a declinar, depois do pico registrado em 1946, com o registro de 4 bilhões e meio
rara uma tensão no meio agora ampliado pela nova mídia. O excessivo grau de monopoli-
Este estúdio mais outros quatro (Warner , MGM, RKO e 20th Century Fox) exerciam con-
trole direto sobre três mil salas de cinema, conseguindo deter 70% das vendas nas bilhete-
rias. Em 1948, a Suprema Corte decretou ilegal este sistema. A destruição da concentração
o cinema americano.150
148
Antonio COSTA, Compreender o cinema, pp. 65 e 90-91.
149
BARBÁCHANO, Carlos. O cinema, arte e indústria, pp. 102-117.
150
C. BOSSENO e J. GERSTENKORN, Hollywood: l’usines à reves, p. 104.
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108
O terceiro golpe não se voltou contra a indústria de um modo geral, mas visou atin-
gir internamente setores que poderiam representar uma visão crítica frente à investida ide-
É preciso dizer, inicialmente, que juntamente com o CCAA, presidido pelo deputa-
por Joseph McCarthy, voltado para investigações sobre a infiltração comunista na adminis-
tração pública, de um modo geral. É importante registrar que McCarthy não participou
diretamente das investigações sobre Hollywood, sua influência se deu, ao lado de muitos
outros, na criação do clima de desconfiança e delação, que atingiu boa parte da sociedade
americana no período.
uma parcela da ofensiva mais geral do anticomunismo americano no pós-guerra, que atin-
giu outras áreas até com maior violência, como os trabalhadores ligados à investigação
científica. O caso dos Rosemberg, dois membros do Partido Comunista dos Estados Uni-
dos, acusados de passarem segredos atômicos para a União Soviética, é emblemático: fo-
ram presos em 1950 e após rápido e polêmico processo foram executados na cadeira elétri-
ca em 1953; sabe-se que as evidências usadas para condená-los foram tão frágeis que ainda
Lawson, Lester Cole, Alvah Bessie, Richard Collins, Gordon Kahn, Howard Koch, Ring
Lardner Jr., Albert Maltz, Samuel Ornitz, Waldo Salt e Bertolt Brecht (roteiristas), Ed-
ward Dmytryk, Irving Pichel, Adrian Scott, Robert Rossen, Herbert Biberman (diretores ou
produtores) e Larry Parks (ator).151 Das dezenove, apenas onze foram chamadas na primei-
ra fase de investigações, sendo que Bertolt Brecht preferiu adotar estratégia distinta (não
apelar para a Primeira Emenda, alegando não ser cidadão americano); os que se apresenta-
sua influência na sociedade americana. Com a crise provocada pelos julgamentos de parte
dos membros da velha guarda bolchevique em 1938, muitos já tinham se afastado do parti-
do.
Dunne decidiram formar um Comitê pela Primeira Emenda. A Primeira Emenda proclama
que o Congresso não tem o direito de criar nenhuma lei que restrinja a liberdade de expres-
são ou reunião pacífica. Faziam parte do Comitê: Humphrey Bogart, Rita Hayworth, Ka-
therine Hepburn, Mirna Loy, Groucho Marx, Judy Garland, Frank Sinatra, Gene Kelly,
151
Otto FRIEDRICH, A cidade das redes, p. 302.
152
Ibid., p. 305.
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110
perguntas que possam incriminá-lo, estava descartada. A maioria das testemunhas não
o período marcado pela posição digna daqueles que se recusaram a colaborar com o Comi-
tê: John Howard Lawson153, a mais importante liderança comunista no meio cinematográ-
A estratégia ofensiva de Lawson e dos demais provocou divisões entre aqueles que
Dez de Hollywood ainda confiavam que a Corte Suprema anulasse a condenação. No en-
tanto, se no início das audiências, a opinião pública estava dividida, como demonstra pes-
quisa realizada logo depois do primeiro relatório, onde 37% apoiavam o Congresso e 36%
As listas negras começam a surgir logo depois dos inquéritos, em 1951. A conse-
qüência imediata de estar na lista era a perda do emprego e dificuldades para implementar
projetos fora do sistema. Os estúdios resistiram, num primeiro momento, mas após as pri-
meiras pressões, se engajaram na cruzada. De onde vieram as pressões não se pode definir
153
John Howard Lawson nasceu em Nova York, em 1894, foi autor de peças para o teatro e roteiros de fil-
mes, escreveu, entre outros, o roteiro de Bloqueio (Blockade, 1938), sobre a Guerra Civil Espanhola, dirigido
por William Dieterle, foi o primeiro presidente do Screen Writers’ Guild (Sindicato dos Escritores Cinema-
tográficos), tendo ingressado no Partido Comunista em 1934.
153
John Howard LAWSON, op. cit., p.13.
154
Argemiro FERREIRA, A caça às bruxas, pp. 128-129.
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111
exatamente: dos capitalistas de Nova York associados aos estúdios? É importante registrar
que a cruzada anticomunista assume caráter amplo. O presidente Harry Truman (1945-
O Comitê incluiu no relatório anual de 1952 uma lista de 324 pessoas denunciadas
seu anticomunismo, organizou outra lista com trezentos nomes e a enviou para os oito
maiores estúdios. Outras organizações e periódicos aderiram, como Aware, Inc., Counte-
rattack e Alert. 156 Uma importante organização de direitos civis, a American Civil Liberti-
es Union (ACLU) se alinhou à cruzada entre 1953 e 1959, não só se recusando a defender
seus afiliados ao FBI.157 Para cumprir o papel negligenciado pela ACLU foi criada a E-
dos Dez que agora resolvia ser uma “testemunha amistosa”. Elia Kazan foi o seguinte,
sido membro do Partido Comunista, mas se negou a fornecer nomes. No segundo depoi-
ao Partido Comunista). Além disso, publicou no New York Times, de 11/04/52, matéria
paga reiterando seu depoimento e exortando outros a seguirem seu exemplo. Embora tenha
feito uma autocrítica parcial ao se reaproximar de Arthur Miller em 1964, quando dirige a
peça Depois da queda, que enfoca precisamente a indignidade da delação, Kazan prosse-
guiu argumentando contra o comunismo sempre que a questão era retomada nas entrevis-
155
Otto FRIEDRICH, op. cit., p. 412.
156
Otto FRIEDRICH, op. cit., pp. 372-373.
157
Nora SAYRING, op. cit., p. 12.
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112
tas. Da mesma forma, seu gesto não foi esquecido: quando foi receber em 1999 o Oscar
honorário pelo conjunto da obra, parte significativa dos convidados presentes protestou
contra o prêmio.
A produção de filmes foi afetada pela perseguição política. John Howard Law-
son158, no livro Film in battle of ideas, adverte que não se deve simplificar as relações entre
mesmo tempo sofreram reveses, pois foram obrigados a dispensar os serviços de talento-
tória do cinema americano, filmes como The desert fox (A raposa do deserto, 1951), de
Henry Hathaway , que faz apologia do comandante nazista Rommel e One minute to zero
(Um minuto para zero, 1952), de Tay Garnett, sobre a Guerra da Coréia, virulentamente
estudo que comparou os roteiros elaborados pelos escritores da lista negra com a linha do
Partido Comunista, concluindo não haver qualquer relação, o alvo não era os comunis-
tas160. Na realidade, a caça às bruxas afetaria o que Adrian Scott chama de cinematogra-
fia liberal, que vinha se desenvolvendo desde 1935, expressa em obras de diretores como
Escolhemos três filmes produzidos no início dos anos 50 para analisar como o meio
estabelecidas nas obras nos remetem para argumentações claramente distintas: de um lado,
159
John Howard LAWSON, op. cit., p.13.
160
Argemiro FERREIRA, Caça às bruxas, p. 30
161
Adrian SCOTT, Historique de la liste noire, pp. 45-47.
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113
Viva Zapata! (1952) e Sindicato de ladrões (1954), por outro lado, os apelos parcialmente
Convém mencionar que outros filmes foram feitos, abordando de forma crítica a
cruzada anticomunista, como O menino dos cabelos verdes (The boy with the green hair,
O western Silver Lode (1954), dirigido por Allan Dwan conta a história de uma fal-
sa acusação que consegue colocar parte de uma cidade contra um inocente. O líder da frau-
de se chama McCarthy. Um rei em Nova York (1956), de Charles Chaplin, conta a história
dos problemas de um rei estrangeiro que se vê às voltas com o Comitê por ter sido solidá-
rio com um menino, cujos pais estão na “lista negra”. Storm center (1956), dirigido por
Daniel Taradash é uma crítica aberta às táticas do Comitê. Uma bibliotecária (Betty Davis)
sonho comunista. O filme O panorama visto da ponte (The view from the bridge, 1962), de
Sidney Lumet, é uma adaptação da peça de mesmo nome de Arthur Miller, que condena o
De que forma Matar ou morrer é um filme “sobre” a “lista negra”? Para confron-
tarmos sua leitura com aquela apresentada em Viva Zapata! e Sindicato de ladrões, parti-
mos do pressuposto de que esta é uma questão secundária na obra. Em Matar ou morrer,
liberal.
uma primeira manifestação de lealdade expressa pelo ex-xerife Will Kane (Gary Cooper)
ao dizer para Amy Fowling (Grace Kelly), sua esposa, que fica na cidade porque ali estão
os seus amigos, deixando claro que não tem nenhuma pretensão de ser herói. Acrescenta
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114
ainda que é melhor enfrentar os adversários ali, onde tem melhores condições, pois tem
certeza de que eles irão persegui-lo de qualquer modo. Trata-se, como se vê, de um racio-
cínio bastante lógico e sensato, pelo menos, num primeiro momento (3.2). Esta, no entanto,
Amy Fowling, enquanto espera o trem para deixar a cidade, conhece Helen Rami-
rez (Katy Jurado), que procura mostrar-lhe como lutaria por Kane se estivesse no lugar
dela. Partem juntas rumo à estação e, no momento, em que Amy ouve o primeiro tiro, re-
torna em direção à cidade, dando início à uma ruptura bastante significativa. Depois de ler
o testamento de Kane, atira num dos pistoleiros, tornando-se efetivamente solidária com a
gesto do jovem que se dispõe a lutar ao lado de Kane. A atitude de Amy se reveste de im-
portância tendo em vista que rompe com as suas convicções de quacre, de prescrição do
Peter Biskind acha difícil distinguir Matar ou morrer de um filme de direita, pois
seja bem vindo e se constitua no motivo central do rompimento com o xerife. Will Kane
velha ordem. Os tempos heróicos deviam dar lugar à segurança, indispensável ao mundo
dos negócios.
cer que eles são bem incipientes. Nesse seu movimento à esquerda, Matar ou morrer in-
mond que, ao se afastar da matriz liberal corporativa, o filme não se vincula diretamente
mundo dos negócios como fator de estabilidade. Os cidadãos mais antigos são mostrados
presos aos interesses pessoais e à covardia moral. Helen Ramirez, “a pessoa mais compre-
ensiva e mais bem-sucedida nos negócios da cidade”, desempenha papel relevante na tra-
ma. Um pequeno negócio, a gerência de um armazém, é o que Amy almeja para o marido,
reforçando a segurança que este tipo de atividade pode representar .162 Como a pequena
de esquerda, afirma:
“Ele tem razão, porém, ao dizer que os filmes de direita e de esquerda da época
quase sempre mostravam estranha semelhança entre si. Filmes radicais, sustenta ele,
‘em geral obscureciam a diferença entre direita e esquerda a fim de criar uma ampla co-
alizão contra o centro. Apresentavam-se como acima da política, nem direita nem es-
querda, mas apenas ‘moral’ e procediam assim por motivos não só ideológicos mas
também comerciais. O medo da clareza ideológica era especialmente verdadeiro no caso
de filmes de esquerda”163.
Embora Matar ou morrer seja metafórico e ambíguo, foi diretamente atingido pelas
162
DRUMMOND, Phillip, Matar ou morrer (High noon), pp. 93-94.
163
Ibid., p. 94.
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116
de 1938 a 1942. O produtor Stanley Kramer imediatamente rompeu com ele, o que o obri-
Matar ou morrer incorpora uma tímida discussão sobre solidariedade e sentido éti-
co, o que o faz representar, de certa forma, a causa dos Dez de Hollywood. A campanha
que a MPAPAI166 fez contra o filme é insuficiente para credenciá-lo como contrário ao
John Wayne prosseguiu com as hostilidades até os anos 70, quando revelou que tinha satis-
fação em ter ajudado a expulsar Foreman dos Estados Unidos. No entanto, isso convive
da direita. A sua consagração com quatro Oscars em 1953, no auge da caça às bruxas, in-
dica uma adesão dos controladores da produção cinematográfica que ratifica esta caracte-
rística fundamental do filme – timidez quanto ao debate ético e ambigüidade entre indivi-
dualismo e solidariedade.
àquelas de O terceiro homem. Neste caso, o produtor David O. Selznick queria um filme
mais anticomunista do que o diretor Carol Reed e o roteirista Graham Greene pareciam
dispostos a aceitar. Além das já famosas, mas um tanto exageradas intervenções de Orson
Welles para dar vida própria ao seu personagem, esta batalha entre os realizadores condi-
cionou o produto final. Em Matar ou morrer, certamente, Carl Foreman gostaria que o
164
Ibid., p. 94.
165
Ibid., p. 25.
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117
vam submetidos nos anos cinqüenta. No entanto, não era esta a intenção nem de Fred Zin-
nemann nem de Stanley Krammer, embora ambos tivessem posição distinta. Zinnemann
sempre afirmou que a história de metáfora do macarthismo, no filme, era uma idéia de Fo-
reman e que não concordava com ela, no entanto, mostrou-se solidário quando o colega
foi intimado pelo CCAA. Já Krammer imediatamente rompeu a sociedade após as audiên-
cias: uma testemunha hostil não podia continuar trabalhando com ele, num gesto classifi-
cado por Foreman como “suprema traição”. Isto certamente resultou num filme muito
Sal da terra (Salt of the earth, 1954), dirigido por Herbert Biberman e produzido
por Paul Jarrico, com uma história sobre uma greve de mineiros de zinco no Novo Méxi-
co, ocorrida em 1950, talvez seja mais representativo da atitude que Foreman procurou
expressar em Matar ou morrer. Michael Wilson escreveu o roteiro de Sal da terra com
nista que a obra assumiu. Diretor, roteirista e produtor já estavam incluído na “lista negra”
quando começaram a realizá-lo, o que fez com que o filme fosse produzido em condições
bastante adversas.
A atriz principal, Rosaura Revueltas foi expulsa dos Estados Unidos, antes da con-
clusão do filme. O produtor Paul Jarrico teve que ir ao México para rodar a cena final, on-
ameaças foram tantas, que a montagem teve que ser feita, às escondidas, no banheiro de
um cinema. A sua distribuição foi praticamente impedida nos Estados Unidos, apenas exi-
sem exibir o filme eram ameaçados de serem excluídos do sindicato, o que significava es-
166
A Motion Picture Alliance for Preservation of American Ideals foi fundada em 1944 por Sam Wood e
tinha como finalidade combater as idéias de esquerda no meio cinematográfico; foram seus membros desta-
cados: Walt Disney, John Wayne, Cecil B. de Mille, King Vidor e outros.
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118
nal. O filme foi exibido no Festival de Cannes de 1954 e recebeu críticas elogiosas, como
a de Willy Acher, no Cahiers du cinèma, de abril de 1955. Somente a partir de 1965, ele
começou a ser distribuído comercialmente, ainda que de forma limitada, fora dos Estados
Unidos.
Coursodon afirmam que talvez este seja um dos únicos filmes não-criticáveis da história do
cinema (uma resposta também um pouco exagerada, reconhecida pelos próprios autores ao
lembrarem do peso formal de algumas seqüências), dado os esforços que precisaram ser
feitos para provar que era possível fazer filmes apesar da “lista negra”.167
sa da delação. Neste segundo filme, Kazan se esforça para fundamentar a traição como
atitude defensável, procurando dar-lhe estatuto ético. A história do estivador Terry Malloy,
Se o homem é o conjunto das relações sociais, a ética não pode ser compreendida
como uma dimensão puramente individual. Embora ela se expresse de forma “individual”,
“não se realiza e desenvolve sem uma atividade para o exterior, atividade transformadora
167
Bertrand TAVERNIER e J.-P. COURSODOM, 50 ans de cinéma américain, p. 291. Sobre Sal da terra,
ver ainda Fernando PEIXOTO, Hollywood: episódios da histeria anticomunista, pp. 146-147, Nora SAYRE,
Running times: films of the cold war, pp. 173-175 e Willy ACHER, Un dynasmisme clair et réaliste, Cahiers
du cinèma, VII (46), abril de 1955, pp. 41-44.
168
Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, p. 48.
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ção: ela será delação ou denúncia (atitude louvável) dependendo dos interesses aos quais
liberalismo que vê o homem restrito aos limites do indivíduo e a sociedade como mais uma
abstração, daí sua fragilidade e a imperiosa necessidade de religiosidade para legitimar sua
conduta.
Terry é um ex-boxeador que agora trabalha para o líder do sindicato dos estivado-
res. Joey, um amigo de Terry está causando problemas para o sindicato, à medida que está
decidido a depor na Comissão do Crime Portuário, que investiga as ações de um bando que
controla o sindicato dos estivadores. Terry conduz Joey à uma armadilha para ser intimi-
Quando é chamado para espionar o padre e a irmã de Joey, que tinham começado a
menta que fazer um favor ao chefe não é trair(2.7). O padre Barry vai mais longe, usando a
mesma linha argumentativa para outro fim, ao dizer que “delatar é falar a verdade”, por
vai apontar para uma moralidade não-prescritiva, determinada pelas circunstâncias, como
ta, assim princípios morais não-históricos, como o imperativo categórico de Kant, mas
169
Friedrich ENGELS, Anti-Dühring, pp. 103-105, 107 apud Howard SELSAM & Harry MARTEL, Reader
in Marxist philosophy, pp. 252-253.
170
Karl MARX e Friedrich Engels, A Sagrada Família, cap. V, p. 129.
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zan, estas mediações necessariamente são eliminadas, para dar lugar a uma ética a serviço
rindo diferentes conotações: quando Johnny Friendly ordena que Charley convença Terry a
desistir de depor, temos Charley na condição de possível traidor, o que acaba não aconte-
pelo bando (3.7 e 3.8). Assim Kazan retoma uma temática já desenvolvida em Viva Zapa-
ta!: o sofrimento como fatalidade. Neste caso, o sacrifício é antecedido pela incorporação
do sentimento de culpa, pois podemos observar que a mudança em Charley ocorre depois
que o irmão o responsabiliza pelo fracasso como boxeador (3.8). Assim Nora Sayre des-
creve esta cena: “A angústia compartilhada pelos dois irmãos depois que Rod Steiger a-
ponta a arma para Brando, e ambos são forçados a compartilhar a mútua traição, resulta
Nora Sayre lembra que o dilema de Terry se torna mais angustiante na medida que
repudiado pelos amigos que o consideravam delator(4.3), neste ponto Kazan completa o
ao clima que cercava as audiências sobre os comunistas em Hollywood. Quando Edie acu-
sa Terry Malloy de “pertencer” ao chefe do bando (2.13), somos lembrados que os comu-
171
Nora SAYRE, Running time: films of the Cold War, p. 159.
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nistas americanos eram considerados “propriedade” de Moscou. O roteiro usa com fre-
qüência termos que a esquerda destinou às testemunhas amistosas (termos que também são
queijo”, “canário que canta” etc. Sayre afirma que até hoje não se pode deixar de ver este
filme como “uma fria defesa do informante, e um apelo de simpatia para com a dor dos
No entanto, os homens e a sociedade que constrói no seu filme são muito pouco livres no
seu conjunto, embora precise fazer caras concessões, como naquele diálogo entre Edie e
Terry, onde ela diz que cada um é parte do outro. Os operários não se dispõem decidida-
ação efetiva quando Johnny é empurrado na água por “Pop” Doyle e depois da chegada do
padre Barry. Os operários (como os camponeses em Viva Zapata!) têm pouca iniciativa, o
padre assegura a sanção moral e social, sendo responsável pela junção dos dois elementos
Observando as imagens tão ostensivamente fixadas por Kazan nestas últimas se-
qüências (4.5 e 4.6), identificamos o herói dramático na sua via crucis parcial, conciliando
as pressões do meio com suas aspirações individuais. Os operários são imagens muito fiéis
dos acompanhantes de Cristo ao calvário, não faltando Simão Cirineu (padre Barry e Edie
para ajudá-lo a conduzir a cruz). Smith detecta este medo da autonomia operária na cena da
comemoração da queda de Johnny na água (4.5): segundo o autor, Kazan não transmitiria
172
Ibid., p. 163.
173
Ibid., p. 163.
174
John SMITH, op. cit., p. 20.
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122
mante, que passa por um processo de purificação, tornando-se capaz de ser apresentado
padre Barry junto ao cadáver do operário morto pelos capangas de Friendly (3.3) volta-se
para a condenação do mal e da conivência com ele. Esta seqüência, juntamente com a se-
na seqüência final, completa a via crucis.175 Novamente Kazan abandona a palavra como
balho, sob o comando do capitalista: “Muito bem, ao trabalho!”, não há muito a se come-
morar, já que retornam à rotina de exploração de sua força de trabalho. Por outro lado, há
uma pequena vitória, pois se livraram do líder sindical mafioso. As classes subalternas têm
limites muito demarcados nesta visão, não conseguem esboçar nenhuma autonomia frente
centro da dinâmica do filme”, embora a conexão com as relações sociais esteja nas mãos
de Terry por não ter estudado (2.9), pela vida dura que levou no orfanato (2.12), e do início
da carreira de boxeador, quando Johnny comprara uma “parte” dele (2.12). Para um fun-
175
A via crucis e o sermão da montanha são dois ícones religiosos retomados por Kazan. O conceito de
ícone é aqui visto como aquilo que exibe a mesma qualidade ou a mesma configuração de qualidades do
objeto denotado. Cf. Oswald DUCROT e Tzvetan TODOROV, Dicionário das ciências da linguagem, p.113.
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cionário da Comissão Contra o Crime Portuário, Terry diz como foi obrigado a perder uma
luta crucial por causa da aposta do irmão (3.6). Na conversa que tem com o irmão no táxi,
culpa-o, novamente, por tê-lo feito fracassar como boxeador(3.8). Esta fixação em torno
Edie diz na conversa depois da fuga da igreja: “o que torna as pessoas ruins é não
cuidarem delas”(2.9), sugerindo que a superação dos problemas se dará simplesmente com
“pessoas cuidando de outras pessoas”, como ela se propõe a fazer com Terry. Novamente,
corta-se os liames do indivíduo com o mundo social. O problema não estaria na forma de
organização social, mas nas pessoas. As diferentes oportunidades que se colocam frente
aos indivíduos de classes sociais distintas nada contam, porque bem-estar coletivo se reali-
(4.4) que as coisas mudam como as pessoas, lentamente. Em ambos os filmes, um não-dito
L. Egea avalia que o problema vai além da retratação por ter delatado companheiros:
possível efetivar a cisão emoção/razão nos seres humanos concretos. Neste terreno a pró-
176
John SMITH, op. cit., p. 20.
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almente, em Sindicato de ladrões é de grande beleza plástica. Estamos frente, mais uma
Não há salvação sem confissão. Kazan procura legitimar sua delação através do
martírio de Terry Malloy. O filme vira confessionário e tribunal onde o artista espera a
absolvição do público. O caminho de ambos é tortuoso, Terry procura o padre Barry, mas
este se recusa a ouvi-lo, pois não deseja ficar preso ao segredo da confissão. Com a sua
insistência, acaba ouvindo-o e, por fim, recomenda que ele conte tudo a Edie. Terry relata
sua participação no assassinato de Joey, tendo ao fundo os ruídos do porto, Edie fica horro-
rizada e foge. Nesta seqüência, a semiose-guia evolui de algum registro da palavra para o
“(...) magistral seqüência da confissão feita pelo jovem a Edie, enquanto os ru-
ídos do porto abafam sua voz: a angústia interior do personagem, gerando um conflito
de fundamento moral, choca-se com a agressividade do registro sonoro, com a acumula-
ção dos sons suplantada afinal pela música estridente que coroa a cena num achado
simbólico”.178
O problema do diretor permanece insolúvel, à medida que seu gesto continua “sem salva-
ção”, pois esteve sempre procurando se justificar. Se é possível dizer, como Marx, referin-
do-se a Balzac, que podemos ter obra revolucionária e autor conservador. Também deve-se
pensar que há limites para o reacionarismo e esse limite deve ser procurado nas relações
que a conduta ética individual estabelece com a ética, vista do ponto de vista de uma soci-
edade dividida em classes sociais. Kazan poderia continuar sendo um diretor brilhante e
177
J. L. Egea, Elia Kazan, p.3.
178
Cyro Siqueira, Sindicato de ladrões, p. 2.
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missão começa a se concretizar quando os assassinos do irmão estão sendo punidos. Por
outro lado, o exemplo de Terry é fundamental para que os operários enfrentem Friendly.
Como afirma Smith, de forma muito benevolente, deixando de lado, o problema da justifi-
cação da delação: “A força real do final do filme está no fim da auto-piedade e na afirma-
retorna, dessa vez visando manter a luta de classes nos limites institucionais: depois do
assassinato de Charley, o padre Barry convence Terry a não usar violência contra Friendly,
mas a prestar depoimento junto à Comissão (4.1). O esboço dos operários em socorrer
Terry é muito tímido: uma multidão se detém frente à meia dúzia de gângsters, simples-
Ao voltar para casa, após o depoimento, Terry encontra o repúdio dos amigos (4.3).
É importante notar que Kazan procura tornar patética tal atitude. Soa bastante fora de tom
o ódio do menino para com Terry: mata seus pombos e choroso joga um na direção dele:
“um pombo para outro”180, como, para Kazan, também seriam exageradas as manifesta-
ções contra seu depoimento no CCAA (Comitê Contra Atividades Antiamericanas, do Se-
nado americano). Mas o processo de superação da auto-piedade está no fim: Terry pega
seu gancho e vai ao porto “lutar pelos seus direitos”. Como Kazan, Terry “alegra-se pelo
que fez”.
179
Ibid., p. 21.
180
Pidgeon corresponderia, na gíria, ao nosso dedo-duro.
181
Autor de Naming names, New York, Viking Press, 1980, sobre a cruzada anticomunista em Hollywood.
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por vantagens em dinheiro ou ambição de qualquer tipo. Somos levados a crer que Kazan
de Kazan não pode se afastar dos fundamentos do capitalismo, as suas atitudes visam não
para o desespero, ou até mesmo para a morte de alguns, é plenamente justificável, pois há
valores, não explicitados, como o direito à propriedade privada, que estão em jogo. O crí-
tico José Egea ressalta esta habilidade na defesa dos valores do capitalismo:
em duas etapas: um primeiro ensaio é tentado em Viva Zapata!, de 1952, onde o clima que
comportamento ético defensável. Nestes dois filmes o problema do indivíduo adquire ex-
a salvação.
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127
Conclusão
como os dois filmes de Kazan são do pensamento de direita.184 Enquanto Matar ou mor-
rer situa-se no campo terrivelmente ambíguo dos chamados filmes de esquerda, Kazan
“Hábil entre os hábeis, Elia Kazan sabe que até a abjeção se pode fazer sedu-
tora, que a mentira e o ódio podem ganhar adesão e alimentar entusiasmo, que os arran-
jos são possíveis, especialmente os piores. A sua inteligência de homem de cinema é tão
profunda que da sua confusão moral nada escapa ao encantamento de sua encenação,
como se tudo aquilo que ele não pudesse ocultar servisse de matéria a um lirismo salva-
dor. Cada um dos seus filmes leva um pouco mais adiante a pergunta: até onde pode o
artista trair?”185
des mudam como mudam as pessoas”, muito presente em Viva Zapata!. Quando este
elementos da ideologia religiosa, expressos nos ícones religiosos muito expressivos na par-
te final do filme. Estes dois caminhos tornam as mensagens de Kazan carregadas de uma
182
Marco Antonio de LACERDA, Elia Kazan, O estado de São Paulo, 11-01-1981.
183
José EGEA, Elia Kazan, p. 3.
184
Certamente Storm Center (1956), de Daniel Taradash sobre uma bibliotecária que se recusa a retirar, a
pedido do conselho local, um volume chamado The comunist dream, e O menino dos cabelos verdes (The
boy with the green hair, 1948), de Joseph Losey, serão mais representativos da visão de esquerda no meio
cinematográfico do período.
185
Olivier-René VEILLON, Dicionário de cinema americano: os anos cinquenta, p.125.
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sofrível ingenuidade: é o mito do cavalo branco em Viva Zapata! e a via crucis de Terry
tuação. Para alguns, a única alternativa foi o exílio; aqueles que ficaram e se recusaram a
colaborar com o Comitê, a prisão foi também uma forma de denúncia. Uma parte dos que
foram presos, saiu da cadeia insistindo que era possível fazer filmes apesar da lista negra.
ainda no interior do sistema. A epopéia dos realizadores de Sal da terra assinala o ponto
mesmo tempo que as novas condições de produção incorporavam um clima de terror polí-
tico ainda não visto na sociedade americana, se confirma, de forma secundária, a vitalidade
te lembrar que Sal da terra apresenta na sua produção formas coletivas de trabalho e suge-
re também uma forma coletiva de abordagem do problema ético. Não se trata do discurso
não significa abandonar completamente o problema das condições de produção dos filmes
Karl Marx
mentos históricos stricto sensu, procurando observar que recursos os filmes usam para
Mesmo sabendo que, a rigor, inexiste filme histórico, estando os filmes a testemu-
nhar fundamentalmente a sua época187, examinaremos aqui esta relação tensa entre a ence-
nação e o fato histórico, que alcances e limites na elaboração do discurso sobre a Guerra
Fria. Qual o historiador que ainda não se perguntou sobre a exatidão histórica de certos
Introdução
de uma nação, de D. W. Griffith. Neste filme, certas cenas são concebidas como cópias de
bert E. Lee é descrita num letreiro como um fac-símile da cena real. 188 A prática inaugura-
da por Griffith estará presente em diversos momentos na história do cinema: Elia Kazan
186
O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p. 329.
187
Ciro F. S. CARDOSO, Análisis semiótico de películas: un método para historiadores, p. 14, Francis
VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, pp. 58-59 e Marc FERRO, O filme: uma
contra-análise da sociedade? P. 203.
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em Viva Zapata! vai reconstituir o célebre encontro de 1914, entre Emiliano Zapata e Pan-
cho Villa, no palácio presidencial, na Cidade do México, onde pousam para a fotografia
que vai se tornar um ícone da Revolução Mexicana. Em 1972, no Brasil, Carlos Coimbra
dência ou morte.
gráfico, uma série de recursos, como montagem mais entrecortada, enquadramentos apro-
ximativos, movimentos de câmera mais perceptíveis, tomadas frontais, olhares para a câ-
mera, são postos em ação em determinados filmes para construir o chamado “efeito do
real”.
A narração não pode obviamente ser inserida nesta lista, embora muito recorrente
nos documentários. Ela se presta ao papel de realizar as conclusões que o espectador médio
não conseguiria fazer, cumprindo a função de “voz do poder e do saber”190. Às vezes, subs-
Topázio, onde este artifício cumpre o papel de ligação entre a realidade documental e a
A voz off é a voz do saber e do poder no cinema. Ela domina as imagens, propor-
188
Leif FURHAMMAR e Folk ISAKSSON, Cinema e política, p. 188.
189
Impressão de realidade é a sensação ou crença de quase-realidade que as imagens e sons provocam. Na
impressão de realidade se manifesta uma divisão, a partir do momento em que o espectador começa a assistir
o filme: uma parte se identifica com os acontecimentos representados, como se estivesse mesmo ao lado
deles, outra, se mantém vigilante, consciente de estar nada mais que frente a um filme. Cf. verbete Impressi-
ón de realidade, Eduardo RUSSO, Dicionário de cine, pp. 135-136.
190
Francis VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, op. cit., p. 109.
191
Francis VANOIE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, p. 109.
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nero histórico, no mínimo, ambivalente tanto no seu discurso sobre o período histórico que
aborda, como também nos referenciais do momento histórico em que é realizado, qual a
relação que se estabelece, então, quando o cinema procura referenciar-se basicamente na-
quilo que já é considerado histórico, num sentido mais restrito do termo, significando co-
nhecimento do passado?
No caso da Guerra Fria, os primeiros filmes voltados para a discussão dos seus a-
ton, Estados Unidos, em 1946, dois anos depois surge Cortina de ferro, o primeiro filme
respeito, já em 1950, com The steel helmet (O inferno da Coréia), de Samuel Fuller. Em
1952, surge One minute for Zero (Muralhas de sangue), de Tay Garnett. Outros episódios,
como a crise dos mísseis em Cuba de 1962, só tardiamente vão aparecer no cinema.193 A
reflexão tardia sobre o acontecimento, certamente, se deve às poucas conexões diretas com
de ferro, Topázio e Sob o domínio do mal) possuem elementos históricos referentes ao te-
ma que permite uma análise histórica strictu sensu. Alguns mais, como Cortina rasgada,
192
Leif FURHAMMAR e Folk ISAKSSON, op. cit. , p. 154.
193
Sobre o mccarthismo e a caça às bruxas em Hollywood já apresentamos filmografia à pagina 89, sobre
outros episódios da Guerra Fria, além dos analisados neste capítulos, há Mísseis de outubro (The missiles of
october, EUA, 1974), de Anthony Page, U-2 – vôo clandestino (Francis Gary Powers: the true story of the
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Cortina de ferro e Topázio, que têm como base históricas verídicas, outros menos, com
Observamos em O terceiro homem (The third man, Grã-Bretanha, 1949) duas se-
qüências e dois planos que compõem um núcleo temático194 que chamamos “Viena ocupa-
minuto e 5 segundos apresentado logo após os créditos, com a narração em off feita na
cidade pelas tropas aliadas. O plano 23 desta seqüência apresenta um quadro desolador:
recolhendo coisas no chão e identifica-se claramente aquela área como zona russa, pois
vemos a roda gigante ao fundo. Saberemos mais adiante que este é o cenário do encontro
de Holly Martins (Joseph Cotten) e Harry Lime (Orson Welles), que se refugiara na zona
russa.
No plano isolado “Holly Martins chega à zona russa”, que introduz a famosa se-
qüência que chamamos aqui de “encontro de Holly Martins e Harry Lime na roda gigante”
vemos o mesmo quadro se repetir: a decadência da zona russa é como uma pintura querida
na parede, está sempre lá. Mesmo que o narrador diga ser aquela a situação de toda a cida-
de, e que Viena “não estava pior que as demais capitais européias”, há uma recorrência em
boa parte por suas qualidades como obra de arte e também pela realidade particular que ele
U-2 spy incident, EUA, 1976), de Delbert Mann, JFK – a pergunta que não quer calar (JFK, EUA, 1991), de
Oliver Stone e o recente 13 dias que abalaram o mundo (Thirteen days, EUA, 2001), de Roger Donaldson.
194
Não é possível falar em redes temáticas se não há um conjunto expressivo de temas recorrentes.
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133
aborda. A Áustria é o contra-exemplo da Guerra Fria, ocupada pelas quatro potências alia-
manter neutra. Como parte dos acordos de paz, a União Soviética, neste mesmo ano, retira
Certamente não foi apenas a opinião de um produtor polonês que levou Alfred Hit-
República Democrática Alemã. Desde 1948, com a reforma monetária capitalista patroci-
trole Aliado, Estados Unidos, Grã-Bretanha e França decidiram, juntamente com seus par-
ceiros alemães, pela introdução de uma nova moeda, o Deustche Mark. A partir de então,
como depósitos bancários foram convertidos a DM 6,50 para cada 100,00 RM (Reich
Mark) anteriores.195
político militar capitalista, a URSS respondeu com o imposição de registro de todo o trans-
195
H. W. KOCH, As duas Alemanhas, p. 2552.
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134
Deutsche Mark, que passara a circular na área oriental, criou um mercado negro da moeda
nessa área, com uma taxa de câmbio bastante desvantajosa. O bloqueio provocou o acir-
ramento das relações entre as duas potências e uma primeira ameaça de conflito direto. No
início de julho começaria a “ponte aérea”, assegurada pelos americanos, entre a zona oci-
rea: “uma medida dispendiosa, inútil e puramente publicitária que sobrecarrega a Alema-
Estado alemão ocidental como uma necessidade para colocar em ordem sua economia e
apresenta a “ponte aérea” como “um verdadeiro milagre de logística. Ao todo, os aviões
pela Administração Soviética, com a emissão do velho Reich Mark, atrapalhasse o Plano
Marshall. 198
deixara de circular na zona oriental de Berlim, a seguir, os dois lados começam a tomar
196
Louis ARAGON, Os dois gigantes, p. 198.
197
Ibid. p. 47.
198
Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA, A reunificação da Alemanha, p. 63.
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135
camente administrada pelas quatro potências. Com a crise de 1948/49, esta administração
uma cidade e dois sistemas rivais, vai permanecer instável até a crise de 1962.
cumprimento dos acordos de Potsdam. Neles, a Alemanha era obrigada a conceder repara-
ções e estava impossibilitada de novo rearmamento, entre outros pontos. Para os soviéti-
cos, era fundamental não permitir o retorno à situação anterior, onde o país permanecera
cercado de inúmeras nações hostis. Os Estados Unidos, por sua vez, não tinham interesse
em fazer valer tais pontos, pois não precisavam de reparações e um retorno à situação ante-
rior era o que lhes interessava. Para o governo americano, o acordo de Potsdam dava a
“impressão de que a queda do III Reich anunciava uma punição” para o povo alemão, o
prometida depois que perceberam os termos contrários à uma política econômica indepen-
dente ali contidos.200 Se o Plano fracassou na sua tentativa de obter a adesão dos países
investiram cerca de 600 bilhões de dólares e o governo de Bonn, outra quantia semelhante.
to de, em 1960, apresentar para apenas 100.000 pretendentes, cerca de 600.000 vagas de
199
Claude DELMAS, Armamentos nucleares e guerra fria, p. 55.
200
A. Z. MANFRED, Historia Universal, tomo II, pp. 341-342.
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136
Com toda esta importância no contexto da Guerra Fria, Berlim Ocidental se trans-
formou num grande centro de espionagem e de emissão de estações de rádio para Berlim
sentada no filme de Hitchcock como voltada para a realização de fugas, - trata-se do inte-
A situação da Alemanha Oriental era grave por duas razões essenciais: o desejo das
da, como aspirava a União Soviética, e os problemas internos gerados pela guerra e o atra-
so industrial. A fuga de trabalhadores para o lado ocidental era uma conseqüência dessa
situação de crise e mais uma causa de problemas econômicos, pois a esvaziava de mão-de-
obra qualificada.
cos do processo decisório, como a reforma monetária deixara claro. Isto conduzira a União
que representava um grande desafio, pois além das dificuldades próprias do pós-guerra, a
área oriental alemã, como já vimos, era a mais pobre em recursos industriais.
201
Luiz Alberto MONIZ BANDEIRA, op. cit. , p. 82.
202
Ibid., p. 83.
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137
zembro de 1965, a RDA perdeu mais de 2 milhões de cidadãos. Os fugitivos eram traba-
oriental. A política educacional da RDA contribuía para a formação desse trabalhador qua-
lificado, pois oferecia maior igualdade de oportunidades aos seus jovens que a RFA: mais
do status da cidade como capital da Alemanha Oriental. Bonn e seus aliados reagem afir-
mando que Berlim é parte da questão germânica como um todo. Na noite de 12 para 13 de
vinha crescendo: no início dos anos 70 já era o segundo lugar quanto ao nível de vida no
bloco socialista, a maior renda per capita e experimentava intensa industrialização no setor
Segundo Hitchcock, o tema de Cortina rasgada (1966) foi inspirado no caso Bur-
guess e Maclean, diplomatas ingleses que abandonaram seu país, depois do governo inglês
descobrir que espionavam para União Soviética, onde passaram a viver. A partir daí, pre-
203
H. W. Koch, As duas Alemanhas, p. 2562
204
Ibid., p. 2558.
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138
nagens Michael Armstrong (Paul Newman), diplomata americano que pede asilo a Repú-
blica Democrática Alemã, e a organização Pi, com sua rede de agentes infiltrados em am-
plos setores da sociedade alemã oriental pisam num chão histórico de grande credibilidade:
havia muitos espiões atuando nos dois lados de Berlim e as organizações voltadas para
fuga eram inúmeras. Uma dessas organizações fora colocada na ilegalidade no final dos
anos 50.
A operação ideológica realizada por Hitchcock é uma batalha que exige o sacrifício
seja, o “bom” americano é ao mesmo tempo o ‘mau espião”, isto acontece em duas se-
discordar da política externa de seu país (3.11), além de cumprir a função que Hitchcock
atribuía, mostrar como é difícil matar alguém, revela o lado repugnante da atividade, nada
que se assemelhe ao glamour posterior de James Bond. A ação do assassinato dura quase
sete minutos e é encenada sem música, reforçando sua crueza. Nesta seqüência, a perso-
nagem da mulher tem uma ação afirmativa, toma a iniciativa do ataque jogando o pote em
direção a Gromek, acerta o primeiro golpe e o final, ao empurrar sua cabeça no fogão. A
ação dos membros da organização começa a ser euforizada nesta passagem. A mulher as-
ção entre Armstrong e Lindt sobre o conhecimento de ambos (4.12). Armstrong procura
205
Peter BOGDANOVICH, Afinal quem faz os filmes, p. 626.
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139
fazer crer que conhece a invenção do cientista alemão para, na verdade, roubá-la, recorren-
do professor, Sarah Sherman (Julie Andrews) ouve os elogios dos representantes do gover-
no alemão oriental, fica estarrecida. Diversas tomadas em primeiro plano de Sarah alter-
nam-se com o plano geral da recepção de Armstrong. Sarah veste um sobretudo laranja e
Na seqüência do diálogo de Sarah e Armstrong (3.5), com uma longa tomada com
a traição é verbalizada na acusação de Sarah, mas Armstrong se defende dizendo que seus
sentimentos vão além de simples patriotismo. Aqui de certa forma, o problema da traição é
neutralizado pela defesa do professor, mas certamente, para Sarah a situação é angustiante.
Armstrong traíra os seus valores mais caros ao passar a colaborar com o bloco socialista.
O conflito vivido por amar um traidor, produz sensíveis marcas no seu comportamento,
notadamente depressivo, desde a chegada à Alemanha Oriental. Sarah supera esta caracte-
rização comportamental quando é chamada para responder sobre o Gama 5, já que Arms-
trong está sob suspeição (4.5). Reage indignada: “Prof. Armstrong, você que se vendeu a
eles, responda!”
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140
não-política, voltada apenas para a preparação de fugas para a Alemanha capitalista. Esta
particular de Armstrong que possui esta característica e mesmo ela acaba sendo resgatada
forma mais inusitada: um pé no meio do caminho (4.1), ônibus falsos (5.3), na administra-
zig-Berlim é metralhado pelos policiais sem a menor advertência (5.6). Como afirmam
configurando o que alguns chamaram de Estado totalitário 208, aparece na seqüência dos
206
Leif FURHAMMAR e Folke ISAKSSON, op. cit., p. 132.
207
Ibid., p. 133.
208
Mario Stopino reconhece dois aspectos fundamentais no chamado fenômeno do totalitarismo ou Estado
totalitário. O primeiro ele denomina de natureza específica do totalitarismo: “ a penetração e a mobilização
total do corpo social com a destruição de toda linha estável de distinção entre o aparelho político e a socieda-
de”. O segundo aspecto diz respeito as condições que o tornaram possível: a formação de uma sociedade
industrial de massa, a persistência de uma arena mundial dividida e o desenvolvimento da tecnologia moder-
na. O autor admite que o conceito não pode ser aplicado a todos os regimes comunistas e que o seu desenvol-
vimento, em regimes fascistas e comunistas, não autoriza a concluir na similaridade fundamente entre fas-
cismo e comunismo. Além de reconhecer que o conceito está intrinsecamente ligado à tentativa de legitimar a
política americana durante a Guerra Fria, penso que a discussão do caráter autoritário do Estado não pode
prescindir da análise das instituições estatais como representativas de determinados interesses de classe e que
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141
(5.4). Certamente, as cisões no interior do sistema socialista buscam credibilidade nos mo-
grande esforço para politizar a decisão do espião Igor Gouzenko (Dana Andrews), para o
antigos ideais e adesão aos novos. Primeiramente, este processo ocorre com a mulher (4.2,
4.3), o que provoca imediata reação de Gouzenko, recriminando-a por estar adotando cos-
Gouzenko vai ser bastante influenciado pelo episódio que caracteriza a desilusão do
major Kulin com a revolução russa e com o pai. A revolução degenerara e o pai virara um
um dia terá que prestar contas a ele, como agora cobrava o Major Kulin de seu pai, terá que
dizer ao filho como é o mundo no qual vive, o que significa admitir que as bases de sua
Guerra para a situação de prestígio que os comunistas gozavam a seguir. Procuraram apre-
sentar duas questões para abalar esta posição. Primeiro, o lançamento das bombas sobre o
mais de 200.000 mil japoneses, para atender a objetivos claramente expansionistas.209 São
estas manchetes que antecedem as cenas documentais de celebração do fim da guerra (6.1).
lhe dão um caráter coercitivo em qualquer sociedade marcada por esta característica. Cf. Mario STOPINO,
Totalitarismo, pp. 1247-1259.
209
Sabe-se que o lançamento das bombas atômicas era um objetivo militar completamente nulo. Antes do uso
da bomba, todos os membros do Estado-Maior Conjunto admitiam que o Japão se renderia incondicional-
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142
para mostrá-los como seres abomináveis. O major Kulin se sente assim, ele é um homem
torturado pelo remorso de ter matado soldados para obter voluntários numa missão perigo-
sa. Ele se considera um sádico, mas se referindo ao governo soviético, pergunta: e os go-
uma herança apresentada como doentia, enquanto as bombas sobre o Japão redundam em
esfuziantes comemorações.
comunistas, o que só amplia sua decepção. Recita uma frase que parece ser de Lênin, sobre
a guerra como desdobramento para o comunismo mundial. Da mesma forma, não crê mais
que exista verdade, diz que esta palavra não tem mais sentido naqueles tempos.
na fabricação da bomba atômica. Segundo ele, o seu desenvolvimento era apenas uma
mente. O General Dwight Eisenhower em suas memórias afirma: “não era necessário ameaçar o Japão com
aquela coisa pavorosa”. Cf. Argemiro FERREIRA, A caça às bruxas, p. 40.
210
Newton CARLOS, A conspiração, pp. 119-129.
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143
Em janeiro de 1959, em Cuba, tinha sido vitoriosa uma revolução de libertação que
até o ano seguinte se mantinha fora de um enfrentamento direto com o imperialismo ame-
ricano. Nos primeiros meses de 1959, a revolução cubana era mesmo vista com simpatia
em certos círculos nos Estados Unidos, tanto que na primavera, Fidel Castro visitara Nova
ceu hospedagem gratuita para a delegação cubana, depois que o Hotel Shelburne, incomo-
dado com a presença do líder revolucionário, pediria que ele se retirasse. Lá, Fidel recebe a
Malcon X.
oferta de ajuda econômica. O diálogo vai se deteriorando à medida que ocorrem as nacio-
socialista da revolução, em 1961, após a tentativa de invasão na Baía dos Porcos. Ainda
lhões de dólares para a organização da intervenção em Cuba. Esta perspectiva era facilitada
organização de um movimento nas cidades, chefiado por Manuel Ray, que lutara pela der-
ocorre a definição pelo socialismo.211 Mesmo antes de sua posse, John Kennedy, tomara
Unidos rompe relações diplomáticas com Cuba e a 20 de janeiro, Kennedy tomava posse.
211
Arthur SCHLESINGER, Mil dias, pp. 231-232.
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144
cesse. Os líderes da invasão argumentavam que, dentro em breve, Cuba receberia jatos da
União Soviética, o que tornaria a operação mais arriscada. A Agência Central de Informa-
ção (CIA) informava que a resistência interna ao governo revolucionário possuía cerca de
se em ação, incentivados por largas promessas de apoio americano feitas pela CIA. A inva-
força aérea cubana por ataques provenientes de bases nicaragüenses não aconteceu, poucos
aviões foram atingidos e a participação da força aérea americana terminou num grande
fiasco
de apresentar fotos de pretensos desertores cubanos, responsáveis pelos ataques aéreos, que
depois revelar-se-iam como membros da tropa invasora. As forças armadas cubanas, lide-
radas pessoalmente por Fidel Castro, logo derrotaram as tropas invasores. De uma força de
intervenção de cerca de 2500 membros, o governo cubano chegou a prender cerca de duas
mil pessoas.212
apontam para versões distintas. Nas suas entrevistas, Fidel Castro enfatiza a solicitação
soviética para a instalação dos armamentos, enquanto Kruschev ressalta apelos de Cuba,
212
Ibid., pp. 275—276.
213
Claude DELMAS, Armamentos nucleares e Guerra Fria, pp. 140-144.
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145
dos cubanos sobres instalações nucleares. De fato, desde agosto, começara a instalação de
Para justificar sua ação o governo americano procurava obter comprovação da pre-
sença de mísseis ofensivos. A partir de setembro de 1962, os aviões U-2 realizaram diver-
viético dirigiu apelo ao governo americano para que desistisse da ofensiva.215 A 14 de ou-
tubro provas da instalação dos mísseis são obtidas – fotografias aéreas tiradas pelos U-2,
bre a descoberta dos mísseis. Assim o porta-voz do presidente traduzia a posição america-
na:
“(...) declarou (o presidente) que qualquer ataque com mísseis, que partisse de
Cuba, a qualquer nação do hemisfério ocidental seria considerado como um ataque aos
Estados Unidos pela União Soviética, e motivaria uma retaliação com um ataque à Uni-
ão Soviética; solicitou à Organização dos Estados Americanos que apoiasse nossas
providências contra a ameaça à segurança do Hemisfério Ocidental e à ONU que agisse
contra a ameaça soviética à paz mundial; e exigiu de Krushchev que ordenasse o des-
mantelamento dos locais de mísseis e assim retirasse o mundo da beira da destruição a-
tômica”.216
214
José Cantón NAVARRO, Historia de Cuba, pp.230-232.
215
Anatoli GROMIKO, Os 1036 dias do presidente Kennedy, p.218.
216
Harold C. SIRRETT (org.). Documentos históricos dos Estados Unidos, p. 336.
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146
nedy substituiu-o por “quarentena” e posicionou navios visando impedir a chegada de ar-
mamentos à ilha. Navios soviéticos transportando aviões a jato retornaram e dois navios
um avião U-2 que violara seu espaço aéreo. Procurando conter a ala mais à direita de seu
governo, representada por Dean Acheson e Curtis LeMay217, que defendiam o bombardeio
dos mísseis e de suas bases, Kennedy obtém de Kruschev a aceitação da maior parte das
A crise dos mísseis colocou os dois maiores países socialistas em posições opostas.
Desde 1959/60, China e União Soviética tinham começado a tomar posições distintas na
mísseis para Cuba. Mao afirmaria em 1965: “Um país socialista não deve, absolutamente,
ser o primeiro a usar armas nucleares, nem deve, em qualquer circunstância, brincar com
mísseis identificadas são: “espionagem no Hotel Theresa” (2.11), quando Dubois fotografa
ros” (3.4 e 3.5), quando o casal Medoza aparece com sinais de tortura, na analogia com a
secreto francês. Nesta seqüência Parra mata Juanita para que ela não seja “torturada como
217
Curtis LeMay foi chefe do Comando Aéreo Estratégico nos anos 50, conselheiro de Kennedy, em 1962, e
inspirador do personagem do general, que por iniciativa própria, resolve atacar a União Soviética no filme
Dr. Fantástico.
218
Michael PARENTI, A cruzada anticomunista, pp. 172-173 e 325.
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147
tão útil à elaboração de versões interessadas. Como já mencionamos, Fidel esteve, de fato,
Na narrativa de Topázio, existe uma personagem chamada Rico Parra (John Ver-
governo cubano e, naquele momento, chefiava a delegação do país na ONU. Rico Parra
está hospedado no mesmo Hotel Theresa, age com truculência e trabalha num ambiente
caótico e sujo. Não falta sequer a clássica cena do tiroteio na multidão (2.11.16). Quando
Parra descobre que os documentos de sua pasta foram fotografados, atira contra o falso
cio (3.2), onde cenas documentais dos líderes cubanos Fidel Castro, Che Guevara e Raul
da tortura de prisioneiros.
tado cubano. Hitchcock apresenta o Estado capitalista como protetor e cauteloso, como
vemos na seqüência em que agentes americanos impedem que os soviéticos atirem na fa-
mília Kusenov, enquanto o Estado socialista prima pela violência, como a mesma seqüên-
(2.11).
219
A expressão alter-ego (outra identidade) parece apropriada pois ele também não é Fidel Castro, aparecen-
do junto do líder cubano, no comício, onde o complô anticomunista é descoberto.
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148
extradição. Juanita de Cordoba justifica a ação de espionagem pelo fato dos revolucioná-
rios terem transformado seu país numa grande prisão. De fato, houve prisões de opositores
do regime desde a vitória da revolução, no episódio da Baía dos Porcos, foram presos, cer-
das idéias
A Coréia foi ocupada pelo Japão de 1911 a 1945, sendo sua liberação diretamente
ligada à luta dos coreanos contra a ocupação japonesa, sem envolvimento de outros países.
A Guerra Fria transferiu para a região os interesses da nova potência imperialista – os Es-
tados Unidos, acrescentando-se à secular rivalidade entre Japão e China. Neste conflito,
onde, segundo Hale, citado por Crockatt, a Coréia desempenhou o papel de “ponto estraté-
japonesa e das primeiras tensões entre Estados Unidos e União Soviética no pós-guerra.
os Estados Unidos vinham pressionando pela realização de eleições nos moldes da demo-
Como na Alemanha, os Estados Unidos não estavam interessados numa Coréia uni-
ficada, estimularam a realização de eleições no sul coreano em agosto de 1948, o que le-
vou à formação da República da Coréia. Em setembro foi criada a República Popular De-
220
Richard CROCATT, op. cit., pp. 107-108.
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149
Até setembro de 1950, as tropas norte-coreanas, comandadas por Kim Il Sung reali-
zam uma rápida ocupação da parte sul da península, fazendo as tropas adversárias recua-
rem até uma estreita faixa próxima ao litoral. No mesmo mês, o governo americano resolve
intervir e com o apoio da ONU desembarca tropas em Inchon, sob o comando do General
co tinha pouca importância para a política de segurança nacional dos Estados Unidos. A
partir de então, a situação na Coréia começara a alimentar a percepção “de que a guerra
que os Estados Unidos não interviriam no conflito, como também na esperança de que o
fato de mascarar a intervenção com a bandeira das Nações Unidas, teria repúdio interna-
É provável que a União Soviética não tivesse um plano definido e agisse ao sabor
das decisões americanas. Cinco meses antes do início da Guerra, o Secretário de Estado
221
Edgar Luiz de BARROS, A Guerra Fria, pp. 50-51.
222
Richard CROCKATT op. cit., p. 92.
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150
Dean Acheson havia afirmado que a Coréia não era considerada uma área de vital interes-
se, o que parece ter levado a URSS a crer que os Estados Unidos não interviriam. 223
A República Popular da China teria entrado na guerra pelas seguintes razões: a uni-
ficação da Coréia sob os auspícios capitalistas colocava o problema da segurança nas suas
fronteiras; voluntários norte-coreanos lutaram ao lado das forças de Mao na guerra civil; e
daí a guerra assumiu uma estratégia de posições e têm início as negociações, diminuindo
te, de 1,5 a 2 milhões de combatentes, Coréia do Sul, 300 mil, americanos,142 mil, Grã-
nismo.
ão pública se revelaria, portanto, uma violenta disputa no âmbito das idéias e sentimentos.
Novelas e filmes foram feitos para apresentar a imagem do inimigo como verdadeiramente
condenável. A revista popular Collier’s publicou histórias imaginárias sobre uma provável
vitória dos Estados Unidos, com cenários de uma Moscou invadida pelos americanos. Fil-
mes como O inferno da Coréia (The steel helmet, 1950), de Samuel Fuller, The bamboo
223
Ibid., pp. 90 e 101-102.
224
Ibid., p. 103.
225
Ibid., p. 52.
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151
prison (1954), Prisioner of war (1954), The rack (1956), Time limit (1957), Sob o domínio
do mal (1962)226, ampliavam a metáfora dos comunistas como vampiros de almas e corpos,
à medida que passam a atuar nesta outra esfera, submetendo o corpo a constrangimentos,
rebral” provocaram dois tipos de reação. Por um lado, reforçaram pavores em torno da
maldade e desumanidade, particularmente, dos comunistas asiáticos. Por outro lado, pro-
vocaram inquietações sobre a fragilidade da adesão dos jovens americanos aos valores do
próprio sistema. Os americanos pareciam não dispor de firmeza suficiente que os tornasse
grau de fervor ideológico. Foi sobre a administração Eisenhower (1953-1960) que expres-
sões como “com a ajuda de Deus” foram acrescentadas à saudação à bandeira america-
na.228
Acrescente-se as denúncias feitas por soldados americanos do uso por parte dos
vitória militar. Nem o retorno dos veteranos produziu entre os seus compatriotas interesse
226
MASH (EUA, 1970), de Robert Altman e a popular série dos anos 70, dirigida por Alan Alda,de mesmo
título retomam a Guerra da Coréia com poucas referências históricas ao acontecimento, estão mais influenci-
adas pela conjuntura da Guerra do Vietnã (1964-1975).
227
Ver nota sobre o tema no capítulo 3.
228
Richard CROCATT, op. cit., p. 106.
229
Ibid., p. 106.
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152
bral. Em Sob o domínio do mal a questão é apresentada de uma forma muito pouco crível.
lavagem cerebral, transformando um deles – o sgt. Shaw em instrumento dos seus planos
de chegar a presidência dos Estados Unidos. Tais ações dos comunistas são apresentadas
através dos pesadelos do major Marco e o do cabo Melvin, o que atenua as exigências de
qüência que apresenta os resultados da experiência de lavagem cerebral (4.2) conjuga di-
versos pontos de vistas, dando uma conotação fantasiosa e multifacetada dos fatos.
mental pavloviana, que não oferece absolutamente fundamentos para o caso. Enfim, além
das bases falsas, o resultado é inacreditável: o soldado Raymond Shaw se tornou um autô-
mato capaz de ser dirigido a partir de comandos com base no jogo de paciência (6.1, 8.5,
10.1, 10.2).
230
Susan L. Carruthers, Redeeming the captives, pp. 278-279.
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153
ações, se aproxima do modelo que temos observado em outros filmes do indivíduo cindido
comportamento padrão distinto das demais situações em que os Estados Unidos se viram
envolvidos e afirma que “os filmes que dramatizaram as condições dos prisioneiros con-
com o inimigo. Esta, somente era considerada como admissível, caso resultasse de algum
tipo de coerção. Os filmes negam a sinceridade da colaboração (The bamboo prison e Pri-
sioner of war), atribuem a colaboração à uma inacreditável lavagem cerebral (Sob o domí-
nio do mal), ou acentuam os limites da resistência humana (The rack e Time limit).
dor Iselin na entrevista coletiva do Secretário de Defesa (5.1) guarda muitas semelhanças
com fatos ligados ao senador McCarthy: a sra. Iselin acompanha pelo monitor de TV a
denúncia de infiltração comunista no governo e os gestos de Iselin mostram que ele está
levando em conta o meio de comunicação que veicula sua mensagem. Sabemos a impor-
ção com o comunismo são expressas pelas palavras do senador Jordan quando diz que
“um dos maiores encantos da sra. Iselin é chamar de comunista quem discorde dela” (8.2).
Conclusão
A análise dos elementos estritamente históricos nos filmes sobre a Guerra Fria con-
firma o uso da história para fundamentar o discurso ideológico. A história emprestaria uma
credibilidade para além do uso instrumental, que veria o conhecimento histórico como útil
guerra y.
Na abordagem dos fatos históricos, o cinema sobre a Guerra Fria recorreu a uma sé-
ras reais.
Cuba é apresentada como uma enorme prisão, os dirigentes são sujos e violentos. Os diri-
de imagens de Raul Castro e Che Guevara, juntos com as do alter-ego de Fidel Castro no
último, de forma a atribuir os atos de Parra aos líderes reais do governo cubano.
para garantir longas férias longe da Alemanha Oriental, como diz uma das personagens.
“Na verdade pode-se dizer que os filmes de propaganda são em si mesmos fi-
guras de retórica. Desde que o objetivo do gênero é criar determinadas generalizações a
partir dos incidentes isolados e exibidos, os acontecimentos e os personagens principais
sempre representam mais do que a si mesmos. Invariavelmente representam conceitos
coletivos mais amplos – uma coletividade, um movimento, uma ideologia, uma nação,
um inimigo. Assim, cada filme de propaganda, bem com cada herói e cada vilão, é de
per si uma sinédoque”.231
Já Sob o domínio do mal inova na paródia do senador McCarthy e apresenta uma
truncada discussão sobre os prisioneiros de guerra na Coréia. O seu núcleo central é mais
um documento sobre as ansiedades da classe média americana frente aos desafios e pres-
sões do final da primeira Guerra Fria, do que algum relato sobre Coréia , 1952, como o
prólogo insinua.
pelas experiências da escola soviética, pelos falsos documentários, como o prólogo de Ci-
dadão Kane, ou ainda, os noticiários reconstituídos dos anos 10, a tradição valorizada pelo
cinema sobre a Guerra Fria oscila entre o realismo próprio dos thrillers e o imaginário po-
pular da ficção científica, para se afirmar numa mescla dos dois na série James Bond.
231
Leif FURHAMMAR e Folke ISAKSSON, Cinema e política, p. 157.
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156
A relação que os filmes sobre a Guerra Fria estabelecem com a história tem como
documentário são muito utilizadas, à medida que, tradicionalmente, este gênero está asso-
mentais são dois elementos usados com o objetivo de investir os filmes de credibilidade.232
No caso de Topázio, este esforço cria uma grande fraude. As imagens documentais dos
das teses do filme: a tortura era uma prática daquele governo – fato que a análise histórica
descredencia.
Nos filmes sobre a Guerra Fria diversos recursos de linguagem cinematográfica que
as reais, filmagem em locais onde teriam ocorridos os acontecimentos, enfim, não faltam
elementos para revestir a narrativa dos aparatos típicos do chamado “cinema do real”.233
Enganosas mas indispensáveis, assim Pierre Sorlin se referia às imagens como fon-
te para o historiador. Esse duplo caráter impõe que aceitemos o desafio de investigá-las,
como fonte sócio-histórica, e ao mesmo tempo, questionar seu uso como recurso legitima-
dor de verdades e/ou fraudes nos filmes. A tortura de prisioneiros em Cuba e na Coréia,
como a renúncia de Zapata, são dois exemplos do uso da contextualização histórica para
construir fantasias.
sui, e logo conjugaram a novidade com o antigo conhecimento. Nos filmes sobre a Guerra
232
Francis VANOYE e Anne GOLIOT-LETÉ, Ensaio sobre a análise fílmica, pp. 58-59.
233
Francis VANOIE e Anne GOLIOT-LETÉ, op. cit., pp. 58-59.
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157
Fria, essa prática se mantém como importante elemento de construção da pretensa credibi-
Capítulo 6: Os filmes
“O cinema expressa a realidade mediante a realidade. É uma
espécie de ideologia pessoal, de vitalismo, do amor de viver dentro das
coisas, dentro da vida, dentro da realidade. Expressando-me com o cine-
ma não saio nunca da realidade, estou sempre entre as coisas, entre os
homens, entre o que mais me interessa na vida: a própria vida”.
Este capítulo pode ser lido de forma corrente ou funcionar como um hipertexto, a
seus autores. O roteiro seguido para sua redação é este: 1, ficha técnica; 2, resenha crítica;
O capítulo fornece desde as informações elementares, como ficha técnica, até co-
mentários sobre o contexto histórico e de produção nos quais os filmes foram realizados.
aos filmes como unidades artísticas a serem consideradas na sua inteireza. A análise sócio-
histórica de filmes, com base na metodologia adotada, secciona as obras em unidades que
só têm sentido para os pesquisadores. O filme é sempre um discurso completo e deve ser
O aparato metodológico propriamente dito está presente nos tópicos “sintaxe narra-
blocos de seqüências, que permitem depois o estabelecimento de redes temáticas com base
plano como unidade fílmica situada entre duas transições, sendo portanto um resultado da
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159
unidade de ação e o lugar que ocupa na montagem. Quando ocorre o caso de apenas uma
seqüência se prestar à análise, ela é submetida a cortes menores, reproduzindo-a plano por
plano. Isto acontece com as seqüências “Viena ocupada”, “Encontro de Holly Martins e
Harry Lime na zona soviética” de O terceiro homem. Deste filme, também recortamos
para análise, o plano isolado “Chegada de Holly Martins à zona russa”. O universo diegéti-
co é o universo que o filme nos oferece quando começa a contar uma história, construindo
duz as redes temáticas identificadas em cada filme, acrescidas do conjunto das redes temá-
Cortina de ferro
1. Ficha técnica:
Título: The iron courtain (em português Cortina de ferro)
Ano: 1948
Estúdio: Twentieth Century-Fox
Duração: 87 min
Diretor: William A . Wellman
Produtor: Darryl F. Zanuck
Produtor executivo: Sol C. Siegel
Roteiro: Milton Krins, baseado na história pessoal de Igor Gouzenko, ex-técnico em codificações da
Embaixada da União Soviética em Ottawa, Canadá
Diretor de fotografia: Charles G. Clarke;
Montagem: Louis Loeffler
Música: seleção de obras dos compositores soviéticos D. Shostakovich, S. Prokofieff, A Khachaturi-
an e N. Miaskovsky, orquestrada por Alfred Newman;
Direção de arte: Lyle Wheeler e Mark Lee Kirk;
Vestuário: Bonnie Cashin;
Som: Bernard Freedricks e Harry M. Leonard;
Distribuição: Twentieth Century-Fox (Darryl F. Zanuck).
Personagens e atores principais: Igor Gouzenko (Dana Andrews), Anna Gouzenko (Gene Tierney),
June Havoc (Karanova), Berry Kroeger (Grubb), Edna Best (Sra. Foster), Stefan Schnabel (Ranev),
Nicholas Joy (Dr. Norman), Eduard Franz (Major Kulin), Frederic Tozère;
Preto e branco;
Cópia analisada: gravação a partir da exibição na televisão
2. Resenha crítica:
Os soviéticos montam uma rede de espionagem no Canadá com o objetivo de al-
cançar o segredo da fabricação da bomba atômica. Um jovem técnico em codificação che-
ga acompanhado de militares veteranos para participar da operação. A crise ideológica de
um deles, os apelos do modo de vida canadense e a persistência da guerra contra o capita-
lismo fazem Igor Gouzenko denunciar a rede de espionagem ao governo canadense.
A produção do primeiro filme da série anticomunista, no pós-guerra, foi cercada de
cuidados especiais. O projeto foi mantido em sigilo durante toda sua realização.
Cortina de ferro se destaca por apresentar o comunismo como uma filosofia políti-
ca. Apresenta comunistas realizando grupos de estudos para ler Marx, personagens citan-
do frases de Lênin e discursos políticos com razoável reprodução de teses comunistas, co-
mo uma defesa intransigente da luta de classes. Não deixam, no entanto de reproduzir al-
guns comportamentos típicos dos gângsters, como na invasão do apartamento dos Gouzen-
ko. Esta abordagem é logo abandonada, na maioria dos filmes que se seguiram, os comu-
nistas estão identificados fundamentalmente como golpistas, gângsters e assassinos.
Baseado num história verídica, o filme tem pretensões documentaristas, com loca-
ções onde ocorreram os acontecimentos e uma narração bem pouco discreta.
Cortina de ferro é um thriller com características de filme negro234. Igor Gouzenko
(Dana Andrews) representa o detetive, oscilando entre vítima e herói, os comunistas, meio
gângsters, meio militantes políticos, e obviamente, o universo do crime, representado pela
espionagem comunista.
234
Filme negro ou filme noir define um conjunto de filmes no qual predomina o universo marginal: em torno
de atos criminosos cria-se acentuado clima de suspense. Pode-se falar em sub-gêneros, como a história de
detetive, o filme de gângster e o thriller.
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161
3. Contexto histórico-narrativo
Cortina de ferro (1948) é um filme de um diretor já veterano. Wellman nasceu em
1886 e morreu em 1975, em 1948 já tinha realizado dezenas de filmes e era um diretor
consagrado. Com Inimigo público (Scarface, 1931), garantira seu lugar entre os grandes
realizadores de Hollywood. Na Primeira Guerra Mundial serviu como piloto.
Bertrand Tavernier e Jean-Paul Coursodon consideram a visão de mundo de Well-
man democrática, embora também afirmem que se trata de um anarquista com idéias muito
conservadoras. Quanto a opções de linguagem, afirmam que Wellman se recusa a privile-
giar os heróis românticos. Os heróis nos seus filmes nunca parecem verdadeiramente li-
vres: “o destino, o contexto social ou histórico é sempre muito forte, talvez mais que eles
próprios”. Em Heroes for sale (Fome por glória, 1933), Wellman mostra um marxista sen-
do integrado ao sistema capitalista e a brutal repressão a uma greve, como também denun-
cia sem concessões a situação das vítimas da crise de 1929.235
A partir desse primeiro piloto no gênero thriller, outros títulos foram se somando,
como Nuvens na tempestade (1950), Fui um comunista para o FBI (1951), Não desonres
o teu sangue (1952), Anjo do mal (1952) e outros
4. Sintaxe narrativa
1.Créditos:
1.1.Sobre uma mesa um relatório recebe na capa o carimbo The iron courtain, as
páginas vão se abrindo, com créditos e um texto sobre a base verídica da história. O texto
informa: “História baseada no relatório de 27 de junho de 1946 e nas provas apresentadas
em tribunais canadenses, que levaram à prisão de dez agentes secretos da URSS. As men-
sagens e documentos mostrados são exatamente os mesmos que foram usados como provas
durante os julgamentos dos agentes acusados. Todos foram autenticados pela Polícia Fede-
ral Canadense. Todas as externas foram filmadas no Canadá, in loco”. Até 1min44s.
an War Relief [Contribua com o esforço de guerra russo, a tradução da fita analisada é
Contribua para amenizar o sofrimento dos russos, trocando guerra por sofrimento]. Até
26min52s.
4.4. Numa conversa trivial, em casa, Gouzenko recrimina a educação política dos
canadenses, “não pensam corretamente porque não têm líderes”. Anna quer saber se ele
gostaria de um menino ou uma menina e não está interessada em política. Embora insista
em discutir política, admite que deseja um filho homem, pois “tem um futuro melhor”. São
interrompidos por uma vizinha que traz um pedaço de torta. Gouzenko repreende duramen-
te a mulher, “não quer relação com amigos canadenses”. Até 28min48s.
4.5. Gouzenko dorme, quando recebe chamado para comparecer urgente ao escritó-
rio. Até 30min24s.
fuso, Gouzenko sai do quarto. Na sala, liga o rádio e ouve as comemorações pela vitória
dos aliados. Ele, no entanto, está triste. Corte e primeiro plano do bebê com a voz do nar-
rador em off: “A paz não é maravilhosa?” Até 45min57s.
6.4.Trigorin, Kulin e Gouzenko, na embaixada. O diretor da operação, em Moscou,
envia mensagem exigindo mais informações sobre a bomba. A explosão da primeira bom-
ba atômica deixa o Coronel Trigorin impressionado. Kulin, embriagado, não vê nenhuma
novidade e lembra da guerra em Karkov [guerra contra os nazistas], onde diz que fora o-
brigado a atirar em dez soldados para o décimo-primeiro se apresentar como voluntário.
Ele é considerado um sádico. E quanto aos governos que matam e justificam o assassinato?
O que Gouzenko acha deles? Pede que ele abra os olhos para esta situação. Trigorin o a-
meaça de retorno à Rússia, como não o contém, dá-lhe um tapa no rosto e depois o prende.
Até 50min27s.
6.5.Gouzenko conversa com Kulin. Quer saber porque o filho de um herói da revo-
lução (também amigo íntimo de Lênin) aceita se submeter a um pelotão de fuzilamento.
Kulin não acredita mais na verdade e está decepcionado com o pai, que, hoje, é um pau-
mandado do regime. Gouzenko pergunta sobre uma nova guerra e Kulin responde: “A
guerra é parte do processo que leva a uma revolta geral mundial, que resultará no estabele-
cimento do comunismo mundial”. Até 53min25s.
6.6. Gouzenko sai da embaixada ouvindo todas aquelas frases contraditórias: fideli-
dade aos ideais ou as advertências de Kulin e da mulher? As frases são ouvidas em off en-
quanto ele caminha, de repente, ele se volta para trás, marcando o ponto de ruptura. Até
54min18s.
6.7.Gouzenko chega em casa e fala que Kulin será mandado de volta. Diz à mulher
que o motivo da sua doença é estar decepcionado com o pai, e ele, Gouzenko, não pode
fazer o mesmo que o pai de Kulin: “Devo dizer a ele [ao filho] como é o mundo em que
deve viver e o homem que quero que seja. Um dia terei que prestar contas a ele e quero
poder encará-lo sem medo, nem vergonha”. Aproxima-se de Anna e diz que não deverão
voltar à Rússia; ela o abraça, emocionada. Até 56min6s.
7.10.Crubb, Trigorin e Kanev discutem o que fazer. Crubb sugere que procurem-
nos no apartamento. Até 1h11min33s.
7.11.Gouzenko, de fato, voltara ao apartamento. Pede à mulher que o aguarde na
casa da Sra. Foster com os documentos, avisando-a que se algo acontecesse a ele, deveriam
ser entregues à polícia. Sozinho, aguarda seus camaradas chegarem. Até 1h15min50s.
7.12.Os russos, tendo Kanev à frente, arrombam a porta e iniciam um interrogató-
rio. Kanev assume atitude paternal: diagnostica que Gouzenko está doente e contém as
ameaças de Trigorin. Como Gouzenko se recusa a falar, Kanev chantageia com os parentes
na Rússia. De repente, a polícia canadense chega, avisada por Anna, depois do barulho do
arrombamento. Anna entrega os documentos à polícia. Os russos reclamam-nos da polícia,
pois teriam sido roubados. Os policiais dizem aos russos que eles devem encaminhar a
reclamação à Central de Polícia e que os Gouzenko estão, a partir de então, sob proteção da
polícia. Até 1h23min50s.
7.13.Crubb traça com Leitz um plano de defesa: o deputado pode ser preso. Até
1h24min25s.
7.15.Kanev lê mensagem ordenando o retorno dos russos envolvidos na operação.
Até 1h24min51s.
7.16.O narrador apresenta os presos e o resultado do julgamento. Até 1h25min34s.
8.Epílogo:
8.1.Seqüência iniciada com um plano geral mostrando os Gouzenko saindo de casa
de campo para um piquenique, acompanhados de duas pessoas. A narração afirma, inici-
almente, que levam uma vida tranqüila, corte para outra voz que diz “com todos os direi-
tos, liberdades e privilégios dos canadenses”, depois a voz da narração principal retoma e
replica: “Na verdade, não podem. Ameaçados, vivem escondidos, sob constante proteção
da Polícia Federal Canadense, mas não perderam a esperança. Sabem que a segurança de-
les e dos filhos depende da sobrevivência da democracia”. Plano geral dos Gouzenko ca-
minhado por uma estrada com dois agentes de segurança atrás. Até 1h26min18s.
5. Universo diegético:
Cortina de ferro é um exercício rigoroso de pretensa credibilidade. Desde o estilo
documentário, presente no carimbo do título em páginas de um relatório que será logo
apresentado pelo texto inicial como verídico. A narração e tomadas com manchetes de jor-
nais são dois outros recursos usados para reforçar o aspecto documental. Numa das reuni-
ões dos comunistas (3.4), ouve-se trechos de texto que parece ser de Karl Marx. O movi-
mento de solidariedade à União Soviética também é apresentado com pretensões de inspi-
rar credibilidade (4.3) como também as intervenções do representante diplomático soviéti-
co enfatizando a permanência da luta de classe (6.2). A tentativa de caracterizar um mal
estar entre os militares soviéticos pelos pretensos abusos cometidos na luta contra os nazis-
tas se materializa no comportamento amargurado do oficial Kulin. Como o pai do oficial
teria sido um companheiro devotado de Lenin, usa-se uma frase deste para caracterizar a
violência gratuita dos comunistas (6.5).
6. Leitura isotópica:
As duas principais redes temáticas em Cortina de ferro são conspira-
ção/conspiradores (2.8, 3.1, 3.3, 3.4, 5.4, 5.5, 6.1) e sua inversão contra-complô/membros
do contra-complô (7.1, 7.9, 7.12) e indivíduo/modo de vida capitalista (4.2, 4.3, 6.7, 7.12 e
7.13) e sua inversão indivíduo/socialismo (4.1, 4.4, 5.6, 6.4). Observa-se que o filme con-
cebe os dois mundos, pretendendo criar um contraponto entre as duas alternativas. A ênfa-
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se nos aspectos positivos (capitalismo) e negativos (socialismo) inaugura uma visão mani-
queísta que vai se desdobrar mais adiante.
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O terceiro homem
Gênero: thriller
1. Ficha técnica:
Título : The third man, Grã- Bretanha (em português O terceiro homem)
Ano: 1949
Estúdio: London Film Productions Ltd.
Gênero: Suspense
Duração: 104 min.
Diretor: Carol Reed
Diretor assistente: Guy Hamilton
Produção: Carol Reed, David O Selznick e Alexander Korda
Roteiro: Graham Greene
Fotografia: Robert Krasker
Montagem: Oswald Haffenricher
Música: Anton Karas
Diretor de arte: Vicent Korda
Som: John Cox
Distribuição: Selznick Realing Organization, Inc.
Cor: Preto e branco
Cópia analisada: fita de vídeo VHS distribuída por Continental Home Video
Personagens e intérpretes principais: Holly Martins (Joseph Cotten), Anna Schmidt (Alida Valli),
Harry Lime (Orson Welles), Calloway (Trevor Howard), Sargento Paine (Bernard Lee), Barão Kurz
(Ernst Deutsch), porteiro de Harry (Paul Hoebiger), Popescu (Siegfried Breur) e outros.
2. Resenha crítica
Holly Martins, escritor de novelas do Oeste americano, vai à Viena do pós-guerra,
ocupada por britânicos, americanos, franceses e russos, para encontrar-se com um velho
amigo. Ao chegar, fica sabendo que o amigo morreu em um acidente. Desconfiado das
circunstâncias em que o fato teria ocorrido, a partir de informações colhidas com amigos
de Lime e sua namorada, Anna Schmidt, começa a investigar e descobre que o amigo esta-
va envolvido no contrabando de penicilina falsificada. Martins é levado a entregar o ami-
go à polícia inglesa, enquanto Anna permanece fiel ao amante.
O mais destacável em O terceiro homem é a sutileza do anticomunismo. E talvez o
anticomunismo mais eficaz, pois o fenômeno da ocultação da política insere este problema
num conjunto de questões universais, como a fidelidade ao ente querido, mesmo crimino-
so, o que faz Anna lembrar uma Antígona moderna a enterrar duas vezes Polinices/Lime.
Se Anna se torna o herói positivo, representando uma busca da liberdade sem concessões
(se recusa a aceitar a liberdade sob o preço da traição, já que Martins conseguira sua libe-
ração em troca da colaboração para prender Lime), Martins torna-se o traidor que entrega o
amigo e Calloway, a autoridade que mantém a ordem sem sujar as mãos. Anna representa
bem as constantes mudanças de direção que sofrem os personagens, surge como uma atriz,
apegada aos detalhes do cotidiano e ao sucesso e torna-se no desenrolar da narrativa uma
mulher coerente e obstinada em manter-se fiel aquele que ama. No livro e no roteiro, Anna
é húngara, no filme ela torna-se uma tcheca que foge do regime comunista. Temos aqui a
premência das questões do momento influenciando no filme: esta mudança está claramente
motivada pela tomado do poder pelos comunistas e social-democratas em 1948, ano em
que o filme foi rodado. No seu artigo, Marc Ferro chama atenção para outras modificações,
como a mudança de nacionalidade de Holly Martins de inglês para americano, o que cola-
bora para dar ao filme um certo teor de crítica aos americanos.
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Ao contrário do que já foi publicado, a parceria entre Grahan Greene e Carol Reed
é uma experiência valorizada pelo escritor inglês. Greene chegou a dizer: “o filme, na ver-
dade, saiu melhor que o livro porque é, no caso, a forma final da história."236 A seqüência
final, onde Anna, saindo do segundo enterro de Harry Lime, caminha pela alameda e passa,
sem um olhar, por Holly, mostra que mantém sua dignidade, se recusa a pactuar com a
traição, mesmo que sua fidelidade seja a um traidor/criminoso.237 Nesse ponto, há uma
alteração significativa, feita por Carol Reed, no roteiro final do filme, na novela, Greene
põe os dois caminhando de braços dados. Um retrato rigoroso de Antígona tem um papel
importante na ocultação da política em O terceiro homem. Afinal, há um herói positivo,
que é Anna. Como fica, então a afirmação de Harry Lime no plano 18 de que “não há mais
heróis no mundo”, a que ela se dirige? Em primeiro lugar, ela busca justificar os crimes de
Lime, num ambiente de terra arrasada, todos os meios valem. Por outro lado, amplia a o-
fensiva contra os comunistas e social-democratas, que saem da segunda guerra prestigiados
pela resistência ao nazismo. Como vimos na Tchecoeslováquia, em 1948, estão juntos con-
tra os conservadores, e na própria Áustria, o governo no pós-guerra é chefiado pelo social-
democrata Karl Renner. Na verdade, há valores, pessoas, partidos que saem da guerra bas-
tante fortalecidos, “há lugar para tais coisas”. O discurso de Harry Lime se assemelha
muito à pregação nazista de uma violência purificadora.
O outro argumento anticomunista se manifesta na associação decadência física da
zona russa à decadência moral da administração russa na Áustria. No primeiro aspecto a
imagem é a semiose-guia, sem nenhum aporte verbal, no segundo a semiose-guia é o texto
da fala de Harry Lime, onde parece que a imagem da decadência urbana tornara-se o terre-
no para a semeadura das palavras. Aqui também, a caracterização da zona russa como de-
cadente é feita com sutileza, ela aparece no contexto de cidade, como um todo devastada
pela guerra, o que assinala uma diferença é a sua recorrência, a zona russa só aparece as-
sim: nas outras áreas, há bares, teatros, aglomerações.
Ter construído obra com tais sutilezas custou algum atrito com o produtor David O.
Selznick, que em telegrama a Betty Goldsmith, sua coordenadora para o estrangeiro, ex-
pressa sua insatisfação por Reed e Greene não estarem seguindo sua opinião, isto é, con-
vertendo “explicitamente os russos em vilões”.238 Reed e Greene, como diretor e roteirista,
respectivamente, e o co-produtor americano, Selznick, sustentaram um certo enfrentamento
que reflete os problemas da guerra fria e situa a Grã-Bretanha como um pólo menos ex-
pressivo no conflito, mas capaz de apresentar seus pontos de vistas.
O terceiro homem ilustra um tratamento ideologicamente reacionário da presença
soviética na Europa do pós-guerra, mas faz isso com uma certa dose de crítica ao oportu-
nismo dos americanos.
3. Contexto histórico-temático:
O estudo das duas seqüências e dos dois planos, o plano 23 da seqüência “Viena
ocupada” e o plano isolado “Holly Martins chega à zona russa”, fornece alguns elementos
para compreender o anticomunismo sofisticado de O terceiro homem.
Ao contrário da maioria dos filmes anticomunistas, este foi um grande sucesso de
público e crítica. Não há, contudo, unanimidade quanto às suas qualidades: “Direção gran-
diloqüente e empolada”, segundo o historiador de cinema Georges Sadoul, “filme sem rea-
236
Graham GREENE, O terceiro homem, p. 8. O livro foi a forma inicial da história. Solicitado pelo produtor
inglês Alexander Korda a escrever um roteiro para Carol Reed, Greene escreveu a novela, pois considerava
impossível caracterizar personagens e ambiente no formato conciso do roteiro cinematográfico.
237
Marc FERRO, op. cit., pp. 54-57.
238
Glen K. S. MAN, El tercero hombre, p. 345.
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lidade social nem significação; uma intriga sobre o mercado negro não tem o menor inte-
resse”239, na opinião de Bosley Crowther, crítico americano, filme cheio de “propaganda
anti-russa e de filosofia dos gângsters modernos”240, escreveu um periódico comunista vie-
nense.
É importante lembrar que o filme foi rodado logo após o chamado “golpe de Pra-
ga”, em 1948. Com a recusa pelo governo tcheco-eslovaco do Plano Marshall, os partidos
conservadores da coalizão ficaram numa situação difícil, por outro lado, comunistas e soci-
al-democratas contavam com o apoio de operários armados. O desfecho foi a renúncia dos
conservadores e a formação de um governo hegemonizado pelos comunistas.241
Rapidamente o filme recebeu inúmeros prêmios: primeiro prêmio em Cannes (1949)
e em Veneza, indicado para o Oscar de melhor direção e fotografia, foi vitorioso nesta
última indicação e recebeu o prêmio da crítica nova-iorquina de melhor direção. Foi o
clímax da carreira do diretor britânico Carol Reed, marcado por um notável sentimento de
nacionalidade em suas obras.
Plano 2: 2 seg.
Estátuas de um músico em primeiro plano e
imagens mitológicas ao fundo.
Plano 3: 2 seg.
Estátua em contra-plongée
239
Marc FERRO, Um combate no filme O terceiro homem, p. 53.
240
J. ADAMSON, e P. STRATFORD, En busca del tercero hombre, p. 348.
241
Paulo Vizentini, A guerra fria, pp. 202-203.
242
No filme usa-se zona russa e russos, consideramos mais adequado falar de União Soviética e soviéticos, já
que a união de diversas repúblicas em torno do socialismo era, de fato, uma realidade desde 1922.
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170
Plano 5: 2 seg.
Plano de detalhe dos objetos que estão sen-
do negociados.
Plano 7: 2 seg.
Pessoas manipulando dinheiro
Plano 2: 8 seg.
PG243 de Harry dirigindo-se ao encon-
tro de Holly
Plano 3: 7 seg.
Holly vê o amigo e se movimenta em
sua direção.
Plano 4: 7 seg.
Novo PG da trajetória de Harry.
Plano 5: 2 seg.
PA de Holly em contra-plongée.
Plano 6: 3 seg.
Harry atravessa o campo (a câmera está
fixa)
.
Plano 7: 13 seg. Harry Lime: Como vai?
Harry se aproxima afetuoso, tira a luva Holly Martins: Olá, Harry.
como se fosse estender a mão para Hol- M.: Quero falar com você.
ly, mas se detém, pois este se esquiva. L.: Falar comigo? Mas claro ... Fale!
243
Usaremos a partir de agora as abreviaturas PG (plano geral), posição distanciada da câmera, valorizando a
paisagem como espaço físico, PM (plano médio), posição da câmera que permite distinguir o indivíduo no
espaço, estabelecendo um equilíbrio entre ação e cenário, PA (plano americano), posição da câmera que
destaca o personagem, registrando a imagem, no caso de figuras humanas, geralmente, dos joelhos para cima,
PP (primeiro plano), posição da câmera que evidencia um elemento da ação. Cf. Marcel Martin, A lingua-
gem cinematográfica, p. 263.
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173
Plano 21: 13 seg. L.: Desde que não interfira, tenho pla-
PA de ambos. Holly atravessa o campo nos para você.
e retorna. M.: Nos apertos, sempre tinha uma
saída.
Plano 22: 1 seg. M.: Para você, não para mim.
ganhar?
5. Universo diegético:
O terceiro homem começa num estilo claramente documental, narração em terceira
pessoa e cenas de ruas, enfatizando o problema do mercado negro que será o contexto para
situar a falsificação de penicilina (elemento central de seu anticomunismo). O plano “Che-
gada de Holly Martins à zona russa” apresenta o problema da decadência do setor russo
como elemento central na caracterização. A outra seqüência analisada (“Encontro de Holly
Martins e Harry Lime na zona soviética”) segue-se ao plano e reforça este elemento apre-
sentado anteriormente, na medida em que apresenta a roda gigante vazia: “antes as crianças
brincavam, agora não têm mais dinheiro”, diz Harry Lime.
6. Leitura isotópica:
A análise de O terceiro homem se limitou a recortar duas seqüências e um plano di-
retamente ligados ao tema. A Guerra Fria é um elemento secundário ao problema central
da obra, que é a fidelidade circunstanciada por imperativos éticos. As duas seqüências e o
plano recortados podem ser lidos como uma rede temática: “Viena ocupada e a decadência
da zona russa”, no entanto, neste caso, não definimos propriamente redes temáticas, mas a
visão do anticomunismo que o filme expressa nestas passagens.
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Anjo do mal
1.Ficha técnica:
Título: Pick-up on south street, Estados Unidos (em português Anjo do mal)
Ano: 1952
Estúdio: Twentieth Century-Fox
Duração: 80 min
Direção: Samuel Fuller
Produtor: Jules Shermer
Roteiro: Samuel Fuller, baseado numa história de Dwight Taylor
Diretor de fotografia: Joe MacDonald
Montagem: Nick De Maggio
Música: Leigh Harline
Direção musical: Lionel Newman
Direção de arte: Lyle Wheeler e George Patrick
Vestuário: Travila;
Som: Winston H. Leverett e Harry M. Leonard;
Distribuição: Twentieth Century-Fox;
Cópia analisada: gravação em VHS a partir de exibição na televisão;
Personagens e intérpretes principais:
Skip McCoy (Richard Widmark), Candy (Jean Peters), Moe (Thelma Ritter), Murvyn Vye, Joey
(Richard Kiley), Willis B. Bouchey e Milburn Stone.
2. Resenha crítica:
Microfilme a ser desviado para fora dos Estados Unidos é roubado no metrô por ba-
tedor de carteira. A jovem que faria a entrega é uma prostituta que namora um dos comu-
nistas envolvidos na operação. A polícia e o FBI, que já acompanhava o caso, tentam
convencer o batedor de carteira a devolvê-lo, mas ele está interessado em negociar com os
comunistas. Apaixonada pelo ladrão, a jovem recupera o microfilme e colabora na caça ao
comunista.
A principal marca de Anjo do mal é sua posição ambivalente. É terrivelmente duro
com os comunistas, da mesma forma que revela dissenções no âmbito do sentimento patri-
ótico. Os comunistas são gângsters, mas a personagem principal, o batedor de carteira Skip
McCoy (Richard Widmark) desdenha o apelo patriótico do agente do FBI.
A despolitização da atividade política é visível no tratamento reservado aos comu-
nistas, são executivos do crime, bem vestidos, fumando charutos e dando ordens para um
alucinado Joey (Richard Killey), que eles contratam para fazer o trabalho sujo.
O anticomunismo é naturalizado na expressão dos personagens oriundos das classes
subalternas. Candy (Jean Peters) decide “ajudar a combater o comunismo”, sem saber ab-
solutamente do que se trata, quer apenas salvar o namorado (Richard Widmark), da mesma
forma Moe (Thelma Ritter) rejeita os comunistas, dizendo que mesmo marginais, como ela
e Skip devem ter limites e não se envolver com esse tipo de gente e mesmo sob a ameaça
de Joey não negocia com “nojentos como ele”. Fuller não é um ingênuo, certamente tem
apelo o anticomunismo vindo das classes populares.
A narrativa tem um ritmo atraente e mantém a carga emocional característica do di-
retor Samuel Fuller.
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3. Contexto histórico-temático
Este é o sexto filme de Samuel Fuller, diretor americano que realizou outros quatro
filmes com temática anticomunista: The steel helmet (Capacete de Aço244,1950), Fixed
bayonets (Baionetas caladas, 1950), Hell and High Water (Tormenta sob os mares, 1953)
e China Gate (No umbral da China, 1957).
Fuller nasceu em 1911 e morreu em 1997. Foi jornaleiro, repórter policial, roteirista
de cinema e diretor. Durante os anos 30, percorreu os Estados Unidos, desempregado. Em
1942, se alistou no Exército, participou do desembarque na Normandia, sendo condecorado
por bravura. Dirigiu 23 filmes com seu nome e outros cinco não atribuídos a ele e escreveu
33 roteiros. Esteve no Brasil, em 1954, para pesquisar locações para um filme que jamais
realizou, Trigrero. Trechos filmados no Brasil foram usados em Shock corridor (Paixões
que alucinam, 1960). Em 1982, foi morar na França, depois que seu filme White dog foi
considerado racista. Apareceu interpretando a si mesmo em Pierrot le fou, de Jean-Luc
Godard, é neste filme que ele afirma que “cinema é um campo de batalha. O cinema é a-
ção, sexo, violência ... em uma palavra, emoção em movimento. Cinema é emoção”. O seu
anticomunismo lhe trouxe duras críticas de Georges Sadoul:
“Samuel Fuller é o McCarthy do cinema. Além do papel eminente que teve na
caça às bruxas, tornou-se realizador depois de 1950 com uma série de filmes exclusiva-
mente consagrados à guerra da Coréia e à cruzada antivermelha. Vi vários desses filmes
(entre os quais o ignóbil Pickup on south street, apresentado em Veneza em 1953. O seu
nível artístico é muito inferior ao do Jude Süss [filme anti-semita de Veit Harlan, de
1940, entre vários produzidos pelo governo nazista alemão]. Nenhuma, absolutamente
nenhuma qualidade formal o poderia recomendar à atenção de algum crítico”.245
Alguns críticos dos Cahiers du cinèma vão insistir exatamente neste ponto: abstrair
o conteúdo fascista dos filmes de Fuller e identificar neles a riqueza formal, como é o caso
de Antoine de Baecque, que chega a dizer que o anticomunismo de Anjo do mal é insigni-
ficante porque está apenas na história, “nem os enquadramentos, nem a mistura, nem a
montagem são moscovofóbicos ...”246
Nos Estados Unidos, Fuller tem admiradores em Martin Scorsese e Andrew Sarris,
que assim comentam sua obra, respectivamente:
“Samuel Fuller era um forte antídoto contra a complacência dos Estados Unidos du-
rante a Guerra Fria. Nenhuma ideologia escapou de sua ironia mordaz. A hipocrisia ameri-
cana foi seu alvo constante”.247
“Fuller é um autêntico primitivo do cinema americano, cujas obras têm de ser vistas
para serem compreendidas; vistas, não ouvidas ou resumidas”.248
Fuller, ao contrário de Kazan, nunca assumiu uma postura claramente anticomunis-
ta. Dizia que Sadoul não compreendera seus filmes sobre a Coréia nem Anjo do mal. A sua
posição se aproxima mais de Don Siegel: tanto o patriotismo tolo como os comunistas são
duramente retratados na sua obra.
4.Sintaxe narrativa:
1. Créditos. Até 1min9s;
2.1. Punguista rouba carteira de jovem no metrô, observado por dois homens.
Até 3min40s.
2.2. Quando chega à estação, a jovem percebe que foi roubada, e nervosa, liga
para alguém perguntando se deve ir ao encontro mesmo assim. O homem que atende orde-
na que volte imediatamente. Um dos homens continua seguindo-a . Ate 5min16s.
2.3. O outro, o agente Zara do FBI, vai à delegacia e pede ajuda para encontrar o
ladrão. Os comunistas estão envolvidos, e o agente Zara diz que esta moça passa informa-
ções para eles. Todos os envolvidos já são conhecidos, menos o que receberia as informa-
ções, que deve ser o chefe e encarregado de “fazê-las atravessar o oceano”. Até 6 min.
2.4. Candy (a moça do metrô) explica a Joey, seu ex-namorado, o que aconteceu.
Joey insiste para que ela o ajude a encontrar o ladrão da carteira, pois lá se encontra um
microfilme contendo uma fórmula química importante. Candy conclui que a fórmula fora
roubada e Joey reage dizendo que eles não são criminosos. Até 8 min2s.
2.5. Na delegacia, o Capitão Tiger decide procurar uma informante, Sra. Moe,
para ajudar na localização do batedor de carteira. Moe vende gravatas e informações para
comprar uma sepultura digna. Depois de acertarem o preço, chegam a Skip McCoy. Até
14min25s.
2.6. Enquanto McCoy guarda os objetos roubados, entre eles o filme, dois poli-
ciais chegam. Um deles revista o local de moradia (um posto de venda de material de pesca
no porto), o outro leva-o à delegacia. Até 17min26s.
2.7. Na delegacia, McCoy é pressionado por Tiger a colaborar. O agente Zara
confirma que o viu roubando a moça do metrô, mas McCoy diz que precisam encontrar os
objetos roubados para incriminá-lo. Zara revela a importância do filme e da operação. Ape-
la para seu patriotismo e o ameaça de puni-lo por traição. Se não entregasse o microfilme
estaria agindo como aqueles que entregaram o segredo da bomba a Stalin. McCoy desde-
nha o apelo e a ameaça. O Capitão Tiger o fizera um perdedor, portanto que não viessem
agora como essa “droga de patriotismo”. Até 20min57s.
nela”. Candy dá um tapa em McCoy, que a expulsa, dizendo que só terá o filme se volta
com 25000 dólares. Até 42min43s.
5.7. McCoy volta a delegacia, pega seus papéis de soltura e sai com Candy. Tiger
acha que em trinta dias será preso “com a mão no bolso de alguém”, Candy duvida. Até
1h20min13s.
5. Universo diegético:
Quando Candy argumenta junto a McCoy a sua necessidade em obter o filme, afir-
ma tratar-se de fotos do irmão que luta na Guerra da Coréia, sugerindo que a narrativa é
contemporânea ao evento. O agente do FBI compara a resistência de McCoy em colaborar
com aqueles que “entregaram o segredo da bomba a Stalin”, numa referência ao casal Ro-
semberg e a outros que teriam colaborado com os comunistas, como o personagem dr.
Norman de Cortina de ferro.
6. Leitura isotópica:
As duas redes temáticas centrais em Anjo do mal são complô e contra-complô e seu
desdobramento na caracterização dos conspiradores e contra-conspiradores (2.3, 3.7,
4.1,4.4, 5.5) e o indivíduo/coletividade/patriotismo (2.7, 5.2, 5.4 e 5.7). Enquanto o batedor
de carteira, Skip McCoy (Richard Widmark) está interessado em apenas ganhar dinheiro
negociando o microfilme, sem nenhuma preocupação com qualquer interesse coletivo, sua
amante Candy, motivada pelo desejo de preservar a vida do namorado, se engaja ao lado
do contra-complô.
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Matar ou morrer
Gênero: western
1.Ficha técnica:
Título: High noon, Estados Unidos, (em português, Matar ou morrer)
Ano: 1952
Estúdio: United Artists Corporation
Duração: 85 min
Direção: Fred Zinnemann
Produção: Stanley Kramer (Stanley Kramer Productions)
Supervisor de produção: Clem Beauchamp
Roteiro: Carl Foreman, baseado no conto The tin star, de John W. [sic, i.e., M] Cunningham
Direção de fotografia: Floyd Crosby
Supervisor de edição: Harry Gerstad
Edição: Elmo Williams
Desenhista de produção: Rudolph Sternad
Música: Dimitri Tiomkin
Canção: High noon, de Dimitri Tiomkin (música), Ned Washington (letra), executada por Tex Ritter
Direção de arte: Ben Hayne
Cenografia: Murray Waite
Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Herbert Richers
Personagens principais e intérpretes: Will Kane (Gary Cooper), Jonas Henderson (Thomas
Mitchell), Harvey Pell (Lloyd Bridges), Helen Ramirez (Katy Jurado), Amy Fowler Kane (Grace
Kelly), Juiz Percy Mettrick, Martin Howe (Lon Chaney Jr.), Sam Fuller (Henry Morgan), Frank
Miller (Ian McDonald), Mildred Fuller (Eve McVeagh), Pastor (Morgan Farley), Cooper (Harry
Shannon), Jack Colby (Lee Van Cleef), James Pierce (Robert Wilke), Ben Miller (Sheb Wooley) e
outros.
2. Resenha crítica:
O xerife Will Kane, recém-casado e disposto a tornar-se pequeno comerciante, se
vê obrigado a abandonar seus planos para enfrentar criminoso que prendera há cinco anos e
fora agora libertado pelas “autoridades do Norte”. Abandonado pela comunidade e pela
mulher, Kane está sozinho contra um desafio aparentemente além de suas forças.
Situado no interior do sistema hollywoodiano, este filme consegue elaborar uma
crítica ao medo coletivo de uma cidade do oeste americano frente às pressões das “autori-
dades do norte”. Tem sido visto como uma metáfora do medo que atingiu a sociedade ame-
ricana na caça às bruxas.
Abandonado por todos (a mulher recua no final dessa posição e apenas um jovem
permanece disposto a ajudá-lo até o fim), a saída é uma ênfase significativa no esforço
individual. Kane, praticamente sozinho, apenas com a ajuda, no último momento, da mu-
lher, consegue eliminar os quatro pistoleiros que o desafiavam.
A narrativa se desenvolve em tempo real e mantém um sensível equilíbrio entre a
preparação e o desfecho dramático da última parte.
O isolamento do herói é caracterizado por expressivos travellings para trás, na parte
final do filme. O primeiro travelling enfatiza uma solidão irremediável e ainda marcada
pela imobilidade; o segundo travelling, realizado com grua, mostra o herói sozinho, num
plano americano, mas à medida que a tomada se transforma num imenso plano geral, a
figura de Kane se dilui na paisagem da cidade, que o abandonara, e caminha resolutamente
em direção à estação.
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183
que as torna suportáveis”. 250 “Nós o homenageamos por seus filmes e seu caráter, coragem,
integridade e dedicação a estes princípios”, assim George Stevens falou ao entregar-lhe ,
em 1970, o Prêmio D. W. Griffith, do Directors Guild of America.
2. Sintaxe narrativa:
1. Prólogo e créditos iniciais:
1.1. Ao som da canção High noon, vemos três homens se encontrarem e seguirem
juntos. Até 2min43s.
1.2. Os três homens chegam à cidade no momento em que se ouve os sinos da igre-
ja que convidam para o culto de domingo; por onde passam causam temor e curiosidade.
Alguém comenta que o dia promete ser agitado. Um dos cavaleiros se posiciona de forma
ameaçadora em frente à delegacia. Até 4min8s.
1.3. Os cavaleiros passam em frente a um cartório, onde Will Kane e Amy estão se
casando. Até 4min32s.
1.4. Os três passam em frente à barbearia, onde um relógio marca 10h35min e se di-
rigem à estação, que possui uma placa com o nome da cidade – Hadleyville. O chefe da
estação lê um telegrama que o deixa preocupado. Os cavaleiros se instalam na estação e o
telegrafista, amedrontado, sai para entregar a mensagem. Até 6min15s.
250
Olivier-René VEILLON, O cinema americano dos anos cinqüenta, p. 287.
251
Seita religiosa fundada na Inglaterra, no século XVII, muito difundida nos Estados Unidos; entre outros
aspectos, os quacres rejeitam o uso de armas.
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3.22. Um bêbado chama por Kane e diz que está disposto a lutar ao seu lado. Kane
não pode levá-lo à sério e lhe dar alguns trocados para a bebida. Até 40min58s.
3.23. Harvey procura Helen e tenta convencê-la a ficar. No entanto, ela acha que
Frank Miller vai matar Kane e a cidade morrerá com ele. Harvey se aproxima para beijá-la
à força, ela diz que só gosta que a toquem quando quer, como ele insiste, ela o esbofeteia-
o. Até 42min58s.
3.24. Kane chega à igreja e pede ajuda. Um grupo de voluntários se dispõe a cola-
borar. No entanto, alguém questiona o fato de Kane não ser mais delegado e haver proble-
mas entre ele e Miller. O culto é interrompido, com as crianças sendo retiradas e tem início
a “assembléia”. Até 45min27s.
3.25. Na estação, os pistoleiros aguardam impacientes. Até 45min53s.
3.26. Várias opiniões vão sendo dadas de apoio a Kane. Alguém lembra que se
Frank Miller está de volta a culpa é das autoridades do Norte, que não o enforcaram. Um
mulher se levanta e repreende aqueles que se negam a apoiar o xerife: “Não se lembram de
quando nossas ruas não eram seguras?” Por fim Jonas Henderson, conselheiro da cidade e
amigo de Kane, convence o público que a presença do delegado vai trazer de volta a vio-
lência e a cidade perderá o apoio dos capitalistas do Norte. Conclui: “Will, é melhor ir em-
bora enquanto há tempo. É melhor para você e pra nós”. Kane agradece e vai embora. Até
50min47s.
3.27. Kane prossegue sua peregrinação pela cidade. Até 51min47s.
3.28. Kane vai à casa de Martin Howe, o antigo xerife, e o encontra doente. Além
disso, Mart está descrente com a função que exerceram: eles prendem os assassinos e o júri
liberta. Olhando para o relógio que marca 11h e 45 min afirma: “É tudo em vão, Will. É
tudo em vão”. Até 54min26s.
3.29. Kane caminha sozinho pela cidade. Até 57min36s.
3.30. Kane dirige-se ao estábulo. Harvey, que bebe no saloon o vê e o acompanha.
Lá , Kane revela que pensou em fugir, pois estava cansado. Harvey sela o cavalo e preten-
de fazê-lo montar. Kane não quer mais fugir e reage quando Harvey o força, lutam e Kane
deixa Harvey desacordado. Até 1h2min33s.
3.31.Amy, enquanto espera no hotel, visita Helen, que diz-lhe como odeia a cidade
por ter sido discriminada como mexicana. Amy diz compreendê-la, Helen não, pois “luta-
ria até a morte por um homem como Kane”. Até 1h3min3s.
3.32. Kane vai à barbearia para lavar os ferimentos da briga e ouve o barulho do
marceneiro fazendo caixões.
5. Universo diegético:
O tempo indicado no roteiro de Carl Foreman é início de 1870, Hadleyville estaria
localizada em algum lugar do Oeste e a sua história estaria marcada por um passado de
desordem e violência e o presente de tranqüilidade e alguma perspectiva de crescimento
econômico. Na igreja, o conselheiro Jonas Henderson argumenta em favor do não apoio
ao xerife tendo em vista recursos econômicos oriundos do Norte. As referências ao que
está fora são vagas: Frank Miller esteve em Abilene, Amy Fowler Kane está prestes a vol-
tar para St. Louis e Will Kane e Amy estão partindo de Hadleyville, mas não se sabe para
onde. Há dois registros visuais que nos oferecem informações sobre o final do século XIX:
no trajeto da estação à delegacia, o bando de Miller passa por um cartaz que anuncia Maz-
zepa, melodrama popular no início da década de 1860 e na sala do xerife outro cartaz in-
forma sobre a convocação de tropas adicionais, apontando para a Guerra da Secessão
(1861-1865). Como a referência a 1870 está apenas no roteiro e no desenvolvimento da
narrativa são nulas as referências históricas mais precisas, os dois únicos problemas na
caracterização do universo diegético são a data de 1888 estampada num prédio no início do
252
Em Portugal, o filme recebeu o singelo título de O comboio apitou três vezes.
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6. Leitura isotópica:
As redes temáticas em Matar ou morrer são indivíduo e coletividade (2.2, 3.24,
3.26, 4.5, 4.6 e 4.7), indivíduo/propriedade/estabilidade da cidadania (2.2 e 3.2) e a amiza-
de/lealdade como imperativo categórico (3.2, 4.10 e 4.13). Preferimos não incorporar à
leitura do filme a alegoria da política externa americana por não encontrarmos elementos
muito consistentes para justificá-la.254
253
Phillip DRUMMOND, Matar ou morrer, p. 75.
254
Harry Shein, em The Olympian Cowboy, desenvolve esta abordagem. Cf. Phillip Drummond, op. cit., pp.
94-95
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Viva Zapata!
1.Ficha técnica:
Título: Viva Zapata! (em português Viva Zapata!)
Ano: 1952
Estúdio: Twentieth Century-Fox
Duração: 113 min
Direção: Elia Kazan
Produção: Darryl F. Zannuck
Roteiro: John Steinbeck, baseado no romance Zapata, the unconquerable, de Edgcumb Pinchon
Direção de fotografia: Joe Mac Donald
Edição: Barbara McLean
Música: Alex North
Direção de arte: Lyle Wheeler e Leland Fuller
Efeitos fotográficos especiais: Fred Sersen
Som: W. D. Flick e Roger Herman
Cor: Preto e branco
Cópia analisada: fita em VHS a partir de exibição na televisão
Personagens principais e atores: Zapata (Marlon Brando), Josefa (Jean Peters), Eufemio (Anthony
Quinn), Fernando (Joseph Wiseman), Don Nacio (Arnold Moss), Pancho Villa (Allan Reed), Margo
(Soldadera), Madero (Harold Gordon), Pablo (Lou Gilbert), Mildred Dunnock (Senhora Espejo),
Huerta (Frank Silvera), a tia (Nina Varela), Senhor Espejo (Florenz Ames), zapatista (Bernie Gozi-
er), Coronel Guajardo (Frank De Kova), General Fuentes (Joseph Granby), Inocente (Pedro Regas),
Diaz (Fay Roope), Don Garcia (Harry Kingston), Oficial (Ross Bagdasarian) e outros.
2. Resenha crítica:
História pretensamente inspirada na trajetória de Emiliano Zapata e Pancho Villa,
líderes da Revolução Mexicana de 1910. Particularmente o primeiro é enfatizado no seu
romantismo revolucionário e na rejeição ao poder. Zapata participa da luta pela terra e do
movimento que leva à queda de Porfírio Diaz em 1911, casa-se com a filha de um comer-
ciante, depõe as armas e volta à luta quando Madero é assassinado.
Viva Zapata! tem dois níveis de leitura muito claros. O primeiro procura construir
um discurso simpático ao heroísmo e à passividade das massas. Num segundo nível, mais
subliminar, fundamenta um discurso anticomunista calcado nos estereótipos já em circula-
ção em 1951, quando o filme foi produzido. Foi realizado, portanto, antes do depoimento
de Elia Kazan no Comitê, e pôde ser apresentado pelo diretor como um “filme anticomu-
nista”.
Como filme histórico, estabelece uma relação perniciosa com a veracidade dos fa-
tos.
Segundo Carlton Beals, especialista em revolução mexicana, “a história épica de
Zapata (...) não pode servir como propaganda nem contra nem a favor do comunismo, ou
sua dura trajetória pode ser mistificada num discurso ginasiano sobre Gandhi e a democra-
cia, envolto num simbolismo adolescente de um cavalo branco”.255
Howard Lawson listou três afirmações facilmente contestáveis no filme:
1. Zapata nunca renunciou ao poder, pois não chegara efetivamente ocupá-lo;
2. Fernando não corresponde à imagem dos intelectuais mexicanos; a participação
dos intelectuais na revolução é considerada bastante madura, havendo troca de opiniões,
adesões a palavras de ordem, elaboração de programas, como o Plano de Ayala de 1911,
255
Paul J. VANDERWOOD, An american warrior Cold War, p. 197.
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3.Contexto histórico-temático
O diretor Elia Kazan nasceu na Turquia, em 1909, e aos 4 anos vai morar nos Es-
tados Unidos, com a família. Começa a trabalha como ator no teatro ainda bem jovem,
passando em seguida para a direção. Nos anos 40, já é um diretor consagrado, sendo res-
ponsável pela montagem de peças como Um bonde chamado desejo, de Tennensee Willi-
ans, e Morte de um caixeiro viajante, de Arthur Miller. Em 1947, Kazan e Cheryl Craw-
ford criam o Actor’ Studio, responsável por métodos inovadores de interpretação.
No cinema, também começa trabalhando como ator. Em 1945 realiza seu primeiro
filme, A tree grows in Brooklin (Laços humanos). Quando começa a “caça às bruxas”, Ka-
zan já é um cineasta consagrado. Até 1963 dirige, em média, um filme por ano, a partir de
então a carreira de cineasta entra em declínio, dando início ao trabalho de romancista. Em
1969, retoma a atuação no cinema, sem, no entanto, o mesmo brilho da primeira fase. Os
dois filmes que analisamos (Viva Zapata!, 1952, e Sindicato de ladrões, 1954) estão situa-
dos na primeira fase da produção cinematográfica.
Viva Zapata! foi lançado em 1952; é seu oitavo filme e se insere na fase de grande
produtividade que vai até 1963. John Steinbeck e Kazan começam a colaborar no roteiro
em 1949, tendo como base o romance Zapata, the unconquerable, de Edcomb Pinchon .
Paul Vanderwood descreve os passos da confusão ideológica em que se viram me-
tidos e o produtor Darryl Zanuck, na produção de Viva Zapata!. Este achava que o público
podia ver no filme defesa da guerra civil como meio para se chegar a paz.259
Steinbeck viajou ao México para fazer entrevistas que deram forma à trama central.
As filmagens não puderam ser feitas no México porque o governo atendeu as pres-
sões da indústria cinematográfica mexicana, que não via com bons olhos o ambivalente
256
Eric WOLF, Guerras camponesas do século XX, pp. 51-52.
257
John Howard LAWSON, op. cit., p. 42.
258
John Howard LAWSON, Film in the battle of ideas, p. 42.
259
Paul VANDERWOOD, op. cit., p. 191.
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191
Zapata de Kazan e Steinbeck.260 Para exibição no México, diversas alterações tiveram que
ser feitas, entre outras, retirar a referência depreciativa sobre a forma de governo local. Foi
um fracasso de bilheteira, permanecendo apenas uma semana em cartaz.
Em Nova York foi lançado em 7 de fevereiro de 1952. Depois de uma primeira
semana de sucesso, foi prejudicado por uma ineficiente campanha de promoção. Kazan
avalia que Zanuck perdera o interesse no filme como fonte de dinheiro e temia repercus-
sões negativas no CCAA. Kazan também acredita que o empenho de Zanuck em alterar a
história tenha sido motivado por emissários do governo.
4.Sintaxe narrativa
1.Créditos: os créditos são apresentados como pichações em muros. Até 56s.
saída de Madero, lamenta suas manifestações de bondade. Sabe que ambos são perigosos
porque lutam por aquilo que acreditam, com a diferença que Madero é um rato que pode
ser manipulado e Zapata um tigre que deve ser morto. Até 1h5min52s.
3.3. Na visita a Morelos, Zapata parece estar sendo convencido a depor as armas
quando é surpreendido com o ataque do General Huerta. Zapata e seus companheiro se
posicionam para conter o ataque. Pablo Gomez procura demovê-lo, pois acredita na since-
ridade do presidente. Chega a beijar a mão de um atônito Madero. Até 1h10min35s.
3.4. As tropas de Zapata surpreendem as forças de Huerta. Até 1h12min40s.
3.5. Por sua vez, Madero é conduzido a uma emboscada, tramada por Huerta, sendo
assassinado. Até 1h15min17s.
3.6. Num acampamento, Eufêmio julga um soldado como traidor, responsabiliza-o
pela morte de 244 companheiros numa emboscada. No entanto, a guerra está sendo ganha
pelas forças rebeldes. Até 1h17min31s.
3.7. Há um outro caso de traição: Pablo Gomez está sendo acusado de traição por
Fernando, pois se encontrara com Madero. Gomez retruca que não traíra seu ideal, pois ele
“era a terra e não uma idéia” e Madero estava empenhado nisso. Diz a Zapata que nada de
bom pode sair de tanta violência. Fernando insiste: “244 dos nossos foram mortos hoje de
manhã, planejamos surpreender o inimigo e ele nos surpreendeu”. Enquanto o julgamento
prossegue, ouve-se os tiros do fuzilamento, que parecem sensibilizar Zapata. Condenado,
Gomez pede que seja Zapata mesmo quem o fuzile. Neste momento chega a mensagem de
Pancho Villa. Até 1h21min58s.
3.8. O pai de Josefa reclama do fato de Zapata ser um general que nada tem, diz que
ele poderia ser dono de metade do país, mas não aceita. Aponta para um jornal (plano de
detalhe de foto de Villa em uniforme de gala: “Villa, sim, sabe agir como um general. Veja
como se veste”.Um torturado Zapata chega em casa após a vitória contra Huerta e os fuzi-
lamentos. Até 1h23min44s.
3.9. Zapata e Pancho Villa se encontram na cidade do México e são fotografados
juntos aos símbolos da república mexicana. Até 1h24min30s.
3.10. Numa prosaica cena, num bosque, comendo e bebendo, com o povo à distân-
cia, Zapata, Villa e Fernando decidem o destino do México. Villa, cansado, vai voltar para
seu rancho e nomeia Zapata presidente. Até 1h26min20s.
3.11. Zapata, no poder, despacha com Fernando, quando recebe uma delegação de
Morelos acusando Eufêmio de ter tomado suas terras. Zapata, repetindo o comportamento
de Diaz, responde aos camponeses dizendo que quando puder cuidará disso. Um dos cam-
poneses toma atitude idêntica a de Zapata, na audiência com Diaz. Zapata vai escrever o
seu nome quando se detém e decide “renunciar ao poder”. Fernando procura demovê-lo,
mas Zapata revela que finalmente sabe quem ele é: “Nem campo, nem lar, nem esposa,
nem mulher, nem amigos e nem amor. Você só destrói, esta é a sua grande paixão. Eu vou
lhe dizer o que vai fazer agora, vai procurar Obregon ou Carranza. E nunca vai mudar”.
Até 1h30min35s.
gos, eles vão voltar. Se sua casa for queimada, construa outra vez, se o seu milho for des-
truído, plantem de novo, se seus filhos morrerem, gerem outros, se os expulsarem desse
vale, fujam para as montanhas, mas vivam. Procuraram sempre por líderes, homens fortes
e sem defeito, mas não há nenhum. Só existem homens como vocês. Eles mudam! (Aponta
para a direção em que Eufêmio seguiu). Eles desertam, eles morrem! Não há líderes, só
vocês. E um povo forte é a única coisa invencível e duradoura. Certo?”
Um dos camponeses, do grupo próximo a Zapata, atira em Eufêmio pelas costas.
Zapata corre, se inclina e chora a morte do irmão. Até 1h36min4s.
4.2. No palácio do governo, discutem como acabar com Zapata e seus seguidores.
Alguém argumenta que isso é difícil porque se trata de idéias e não é fácil exterminar com
elas. Fernando, saindo por trás da águia que decora a parede, vestido com uniforme militar,
sugere que se mate Zapata, pois cortando a cabeça da cobra, o corpo morrera. Até
1h37min1s.
4.3. Zapata é informado que um coronel federal quer passar-se para o seu lado com
um regimento e armas. Josefa suspeita que é uma cilada e pede para que não vá, Zapata diz
que ainda não decidira o que fazer. Até 1h41min2s.
4.4. Zapata e Josefa, à distancia, conversam. Ela quer saber se ele já decidira e diz
que agora não está pensando só nela, mas nos camponeses. Como ficarão sem ele. Zapata
responde que eles contarão com sua própria força. Josefa pergunta o que realmente mudou
depois de tanta luta. Zapata diz que os camponeses mudaram: “As coisas mudam lenta-
mente, como as pessoas. Serão guiados um pelo outro. Um homem forte é para um povo
fraco. Os povos fortes não precisam de homens fortes”.
Zapata pergunta ao grupo como seria se algo lhe acontecesse, os camponeses dizem
que se arranjam e um dia voltarão para o seu vale. Outro diz: “E até lá, a gente vai ter que
sobreviver”. Até 1h44min40s.
4.5.Zapata toca no lenço que Josefa traz à cabeça, acaricia o cachorro que ela tem
no colo e parte. Josefa, desesperada, segura-se nos arreios do cavalo e é arrastada até cair
no chão, quase sob as patas do cavalo. Até 1h45min41s.
4.6. Zapata chega ao local, cumprimenta o coronel que o beija no rosto. Ao centro
do forte se encontra seu cavalo. Zapata caminha até ele e o acaricia. O animal está inquie-
to. O oficial se afasta e ordena o fuzilamento: atiradores situados no alto da fortaleza estra-
çalham o corpo de Zapata. Fernando, saindo novamente, da penumbra, grita para que atin-
jam também o cavalo. Até 1h4958s.
4.7. O corpo é estendido na praça, as mulheres o acolhem, primeiramente, a seguir
velhos combatentes se aproximam e um deles diz que aquele não é Zapata. O líder conti-
nua nas montanhas e voltará quando dele precisarem. Os camponeses olham em direção às
montanhas e vê-se um cavalo branco no alto de um delas. Até 1h52min20s.
5. Universo diegético:
Para escrever o roteiro, John Steinbeck viajou ao México, onde fez entrevistas que
contribuíram para dar forma à trama central do filme.
Joe MacDonald, o cinegrafista, se baseou em fotos de Zapata em meio aos aldeões,
procurando reproduzir com fidelidade seus traços e as situações. O filme reproduz a famo-
sa fotografia de Villa sentado na cadeira presidencial, com Zapata ao lado e cercado de
companheiros com bastante fidelidade(3.9). Uma das ações mais freqüentes dos rebeldes, o
descarrilamento de trens, é outro quadro da iconografia revolucionária reproduzido (2.12).
Alfred Newman e Alex North usaram antigas canções mexicanas como base para a
partitura musical.
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6. Leitura isotópica:
Em Viva Zapata! identificamos as seguintes redes temáticas: indiví-
duo/propriedade/cidadania estável (2.3 e 2.7), retomando a idéia da propriedade como
fator de estabilidade da cidadania e da liberdade, violência/não-violência (2.6, 3.1 e 3.7), a
corrupção intrínseca do poder (2.7, 3.10, 3.11, 4.4 e 4.7) e indivíduo/destino/sofrimento
(4.1 e 4.5). Uma rede temática particularmente importante é a do comunista como ser des-
provido de humanidade (3.1, 3.11 e 4.2), muito recorrente na filmografia sobre a Guerra
Fria e aqui também desenvolvida.
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Sindicato de ladrões
Gênero: drama
1.Ficha técnica:
Título: On the waterfront, Estados Unidos (em português Sindicato de ladrões)
Ano: 1954
Estúdio: Columbia Pictures Corporation
Duração: 108 min
Direção: Elia Kazan
Produção: Elia Kazan e Sam Spiegel
Diretor de produção: George Justin
Companhia produtora: Elia Kazan Production
Roteiro: Budd Schulberg, baseado em história original de Budd Schulberg inspirada em artigos de
Malcom Johnson
Direção de fotografia: Boris Kaufman
Edição: Gene Milford
Música: Leonard Bernstein
Direção de arte: Richard Pay
Personagens principais e atores: Terry Malloy (Marlon Brando), Padre Barry (Karl Malden), Johnny
Friendly (Lee J. Cobb), Charley Malloy (Rod Steiger), “Kayo” Dungan (Pat Henning), Edie Doyle
(Eva Marie Saint), Glover (Leif Erickson), Bic Mac (James Westerfield), Truck (Tony Galento), Ti-
lio (Tami Maurello), “Pop” Doyle (John Hamilton), Mott (John Heldabrand), Moose (Rudy Bond),
Luke (Don Blackman), Jimmy (Arthur Keegan), Barney (Abe Simon), J.P. (Barry Macollum), Specs
(Mike O’Dowd), Gillette (Marty Balsam), Slim (Fred Gwynne), Tommy (Thomas Hanley), Mrs.
Collins (Anne Hegira).
2. Resenha crítica
Terry Malloy é estivador e ex-boxeador envolvido com um bando de criminosos
que controla o sindicato dos trabalhadores do cais de Nova York. Ao se infiltrar no movi-
mento dos trabalhadores, conhece um padre e a irmã de um amigo que conduzira à morte,
ainda que involuntariamente. Terry vive frustrado por ter sido levado a perder uma luta
crucial para favorecer o irmão. A morte do irmão, que se recusa a entregá-lo aos crimino-
sos, leva-o a depor na Comissão do Crime Portuário. Disposto a continuar lutando pelo
direito de trabalhar, enfrenta o líder do bando. Derrotado o líder criminoso, Terry conduz
os operários à nova relação com os capitalistas, sem intermediação do crime organizado
nem da organização sindical.
Se Viva Zapata! ficava a meio caminho, com paradoxos que fazem dele um filme
ambíguo em alguns momentos, Sindicato de ladrões é uma detestável peça de propaganda.
O talento de Kazan não desapareceu, talvez esteja até mais refinado. A defesa da delação é
que parece pouco sustentável. O autor vai longe demais para justificar que pessoas devam
ser presas por pensarem diferente de outras.
Como algum tipo de ética que tivesse por base coletividades faria ruir seu argumen-
to, a saída é a retomada do mito do herói dramático: o estivador Terry Malloy (Marlon
Brando) catalisa para si todas as dores e esperanças dos operários e quase se sacrifica por
eles. Terry Malloy parece um pouco um Cristo que ressuscita da derrota física, renascendo
para a exploração sob o capital. Estamos novamente no pior dos mundos, os operários li-
vram-se dos gângsters para cair diretamente nas malhas dos patrões.
O resultado político é tão melancólico que os belos enquadramentos, como o final
do discurso do padre Barry (Karl Malden), junto ao corpo de Dungan (Pat Henning), onde
a câmera acompanha, quase fixa, a subida da prancha com o padre e o corpo do operário
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morto, parecem deslocados. Da mesma forma, permanecem como peças isoladas as belas
seqüências da revelação de Terry a Edie (Eva Maria Saint), junto ao cais e a tensa conversa
entre o estivador e seu irmão (Rod Steiger), no taxi que leva o último para a morte.
A parte final da seqüência do discurso do padre e a revelação de Terry a Edie são
dois exemplos onde a semiose-guia é a imagem. Depois de longo discurso, a imagem con-
duz a narrativa, mostrando a altivez do padre frente aos gângsters. Na seqüência da revela-
ção, a fala de Terry é emudecida pelos apitos dos navios. Toda a dramaticidade da cena se
expressa nos gestos de Terry e na fuga de Edie.
3.Contexto histórico-narrativo:
Arthur Miller escreveu um primeiro roteiro sobre o tema intitulado The hook, onde
tratava da infiltração de mafiosos no sindicato dos portuários de Nova York, baseando-se
no caso de Pete Panto, estivador assassinado pelos gângsters. Roy Brewer, presidente do
Conselho de Cinema da American Federation of Labor e opinião influente junto a Harry
Cohn, presidente da Columbia Pictures, veta o roteiro, pois, segundo ele, não havia mafio-
sos no sindicato dos portuários, mas sim comunistas. Recomendava, assim que Miller rees-
crevesse a história. Miller replicou que os comunistas que conhecia no porto eram pessoas
confiáveis e se recusava a continuar com o projeto.
Depois do segundo depoimento de Kazan no CCAA (10/4/52), Miller rompe com o
amigo e escreve O panorama visto da ponte, onde condenava a delação.
Kazan solicita então a Budd Schulberg, uma testemunha amistosa , que escrevesse
outro roteiro, dessa vez baseado em reportagens de Malcon Johnson, escritas em 1949.
O filme foi lançado em 1954, quando o sindicato dos estivadores de Nova York
não estava controlado pelo crime e combatia a política macarthista.
Sindicato de ladrões foi um grande êxito de bilheteria e ganhou oito Oscars em
1954: melhor filme, melhor ator, melhor atriz coadjuvante, melhor direção, melhor história
e roteiro, melhor montagem, melhor direção de arte e melhor fotografia.
Elia Kazan nasceu em Constantinopla, no ano de 1909. Os pais eram gregos e se es-
tabeleceram nos Estados Unidos quando ele tinha quatro anos. Jovem começa a trabalhar
no teatro, como ator e diretor. Nos anos 40 já é um nome consagrado no teatro americano,
dirigindo peças como Uma rua chamada pecado, de Tennesee Williams e Morte de um
caixeiro viajante, de Arthur Miller.
4.Sintaxe narrativa:
1. Créditos. Até 1min22s.
2.4. No bar, Johnny Friendly, o presidente do sindicato, bebe com outros homens e
acerta contas. Terry, ex-boxeador e agora trabalhador nas docas, está inconformado por ter
colaborado com a morte do amigo. Johnny faz um discurso justificando sua atitude: não
poderia largar o sindicato por causa de um vagabundo. Friendly enfia uma nota na roupa de
Terry e dá-lhe uma boa posição no trabalho do dia seguinte. Até 10min58s.
2.5. Terry, pela manhã, já está cuidando dos pombos no terraço. Até 12min1s.
2.6. No porto, o sindicato distribui as senhas para quem vai trabalhar. O represen-
tante do sindicato joga as senhas que restam para o alto e começa a confusão. O padre pre-
sencia a cena e exorta os operários a se unirem contra aquilo e oferece a igreja para reuni-
ões. Até 19min57s.
2.7. Charley procura o irmão para que ele se infiltre na reunião que o padre e a ir-
mã de Joey estão organizando. Terry reage dizendo que já dedurara alguém para eles.
Charley expõe uma peculiar noção de delação: “Dedurar é quando você apronta com seus
amigos. Quando Johnny quer um favor, não pense, faça. Una-se aos fiéis”. Até 21min6s.
2.8. Pouco operários vão à reunião e mesmo assim, não se dispõem a falar sobre os
crimes dos líderes sindicais. Quando a reunião está para terminar, membros do bando cer-
cam a igreja e espancam os participantes. Um dos operários, Dungan, tem a cabeça que-
brada e sela um acordo com o padre para colaborar. O padre faz uma distinção: o que eles
chamam delatar é falar a verdade. Até 25min59s.
2.9. Terry, presente à reunião, protege Edie e ambos escapam da pancadaria. No
caminho para casa, conversam e mostram interesse um pelo outro. Terry lamenta a sua
situação: tem admiração por pessoas que estudaram. Ele não foi bem sucedido porque es-
tava sempre aprontando alguma e as irmãs queriam educá-lo a pancadas. Edie diz que o
trataria com paciência e bondade:
“O que torna as pessoas ruins é não cuidarem delas”. Até 30min49s.
2.10. Ao chegar em casa, o pai está com as passagens e as malas prontas, observa-
ra-a de braços dados com Terry e a previne sobre quem ele é: irmão de Charley Malloy,
braço direito de Johnny Friendly, “um carniceiro de roupas elegantes”. O pai fala do esfor-
ço que ele e a mulher fizeram para ela estudar. Pede que não o desaponte. Ela, no entanto,
diz que não pode voltar aos livros, vai ficar e descobrir que matou o irmão. Até 33min8s.
2.11. Edie vai observar Terry cuidar dos pombos no terraço. Ele cuida também dos
pombos que foram de Joey. Terry a convida para tomarem uma cerveja. Até 37min27s.
2.12. Terry e Edie conversam no bar. Terry fala de sua infância num orfanato e da
sua carreira como boxeador, como Johnny “comprou” uma parte dele. Edie acredita que as
pessoas são parte uma das outras (uma fraternidade), estranhando que alguém compre uma
parte de outro. Edie quer ajuda, mas ele diz que nada pode fazer. Triste, ela se levanta e
sai, Terry, amargurado, permanece sentado. Até 42min39s.
2.13. Na parte da frente do bar, acontece uma festa de casamento. Edie não conse-
gue sair. Por sua vez, Terry está indo em sua direção e a encontra. Saem juntos por outra
porta. No salão, dançam até um capanga de Johnny chegar, com o recado de que o chefe
quer vê-lo. Ainda no salão de dança, Terry é abordado por dois funcionários da justiça,
com uma intimação, Terry se irrita e pergunta se eles sabem o que estão querendo dele.
Um funcionário responde que só a verdade. Edie quer saber mais sobre o envolvimento de
Johnny e Charley no assassinato de Joey. Terry recomenda que ela não se preocupe com
“verdades”, mas consigo mesma. Edie desabafa: “Eu deveria saber que não me diria.
Johnny é o seu dono. Ainda é.” Terry diz que não pode fazer mais nada além de protegê-la
Edie diz querer que ele faça muito mais e sai. Terry fica sozinho, novamente amargurado,
como na seqüência anterior. Até 47min51s.
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4.2. Terry depõe na Comissão e incrimina Johnny. Corte para o homem em frente à
televisão que acompanha o depoimento. Este instrui ao empregado para que ele diga que
não está, caso Johnny Friendly ligue. Até 1h30min21s.
4.3. Terry ao chegar em casa, acompanhado de dois policiais, é repudiado por um
velho amigo. Edie procura consolá-lo dizendo que talvez eles não sejam, de fato, seus ami-
gos. No terraço, Terry encontra os pombos mortos. O menino Tommy não perdoara ele ter
deposto contra Johnny, isto é, ter se tornado um delator. Edie insiste para que eles partam
para algum lugar, no interior, no Oeste. Terry pega seu gancho e segue para as docas “lutar
por seus direitos”.Até 1h34min21s.
4.4. Nas docas, todos vão trabalhar, menos Terry. Na sede do sindicato, Johnny diz
esperar sair das manchetes para cuidar do traidor. Até 1h37min24s.
4.5. Terry, acompanhado de longe pelos operários, dirige-se à sede do sindicato.
Johnny acusa-o de tê-lo delatado. Terry revida acusando de criminoso e desafia-o. Diz que
sem ameaças, pressões e pistoleiros, ele não é nada: “Você é um bandido, pobre, barato.
Fico feliz pelo que fiz a você! E virando-se para os operários: “Ouviram isso? Alegro-me
pelo que fiz! E vou continuar. Terry e Johnny lutam com a assistência dos operários, que
não se dispõem a enfrentar o bando, mesmo Terry sendo covardemente massacrado. O
Padre Barry e Edie chegam e socorrem Terry, que está inerte no chão. O transportador exi-
ge que Johnny ponha os doqueiros para trabalhar, estes se recusam se Terry não for incluí-
do na turma. Ao ser empurrado para trabalhar, “Pop” Doyle revida e joga Johnny na água.
Os operários comemoram. Até 1h44min23s.
4.6. Terry é convencido pelo padre Barry de que pode ganhar a guerra se se dispu-
ser a entrar no trabalho, já que os operários agora condicionam seu ingresso à participação
dele – assim os transportadores verão que não aceitam mais ordens de Johnny e retomarão
o controle do sindicato. Amparado pelo padre e Edie, Terry se levanta e sobe as escadas
cabaleante em direção à entrada. Primeiro plano de Terry caminhando. Plano geral do
transportado que está pé junto à entrada, este enquadramento assume o ponto de vista de
Terry. Plano médio de Terry, ao fundo, os operários. Plano de detalhe das pernas cambale-
antes. Primeiro plano de Terry. O efeito distorsivo do plano ponto de vista se intensifica.
Primeiro plano de Terry ... Pernas cambaleantes... Operários ... A câmera desce e parece
passar por cima de Terry (imagem indefinida). Pernas ... Plano médio do transportador.
Plano médio de Terry, ao fundo, os operários. Plano médio do transportador: “Muito bem,
ao trabalho”. Os operários seguem Terry: Johnny esbraveja. Barry e Edie sorriem. O portão
se fecha. Até 1h47min10s. Fim.
5.Universo diegético:
Os diálogos estão marcados pela presença da gíria dos trabalhadores das docas,
como “pombo”, “canário que canta”, “rato” etc. O uso dessa linguagem cumpre duas fun-
ções: dá coerência ao modo de vida daqueles trabalhadores e liga tais expressões à crítica
que a esquerda faz dos delatores.
6.Leitura isotópica:
Se todo poder leva à corrupção, portanto toda revolução está fadada ao desvio de
suas metas originais, em Viva Zapata!, em Sindicato de ladrões, a salvação está na expia-
ção pelo sofrimento e no culto ao herói. Em torno deste núcleo estão as seguintes redes
temáticas: a alienação do indivíduo e a superação pelo martírio/heroísmo(2.9,2.12,3.3,3.8e
4.6), indivíduo/fatalidade/sofrimento/violência/não-violência (4.1 e 4.5 ) e a defesa da de-
lação (2.7, 2.8, 3.7 e 4.3).
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Vampiros de alma
1. Ficha técnica:
Título: The invasion of the body snatchers, Estados Unidos (em português Vampiros de almas) Ano:
1956
Gênero: Ficção científica (modalidade paranóia)
Estúdio: Allied Artists
Duração: 80 minutos
Diretor: Don Siegel
Produtor: Walter Wanger
Roteirista: Daniel Mainwaring 261, adaptação do livro de mesmo título de Jack Finney)
Fotografia: Ellsworth Fredericks
Editor: Robert Eisen
Diretor de arte: Edward (Ted) Haworth
Efeitos especiais: Milt Rice
Cenografista: Joseph Kish
Maquiagem: Emile LaVigne
Música: Carmem Dragon
Cor: preto e branco
Cópia analisada: fita de vídeo VHS distribuída por Herbert Richers e vídeo digital (DVD) distribuí-
do por Continental Home Video
Personagens e intérpretes principais: Dr. Miles Bennel (Kevin McCarthy), Becky Driscoll (Dana
Winter), Jack Belicec (King Donovan), Theodora (Teddy) Belicec (Carolyn Jones), Dr. Daniel
Kaufman (Larry Gates), o xerife Nick Grivet (Ralph Dumke), enfermeira Sally Withers (Jean Wil-
les), Wilma Lentz (Virginia Christine), Tio Ira (Tom Fadden), Sr. Driscoll (Kenneth Patterson), Sam
Janzek (Gay Way), Charlie Buckhotz (Sam Peckinpah) e outros.
2. Resenha crítica:
Uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos começa a sofrer o que parece
ser uma histeria coletiva, alguns habitantes não identificam mais os seus parentes como
tais, são seres estranhos, racionais e sem sentimentos. O médico do local começa a suspei-
tar que a origem está em vagens gigantes que replicam os corpos humanos, transformando-
se em cópias idênticas. Descobre que a duplicação se completa com a quebra da vigilância
(o sono). O médico e uma amiga tentam fugir para avisar ao mundo do grande perigo que
todos correm.
Vampiros de almas é uma ficção científica modalidade paranóia, representante de
um modelo largamente desenvolvido nos anos 50.
O gênero ficção científica é de difícil caracterização em razão de suas ligações com
a realidade mesmo que seja em termos de projeção para o futuro (o uso de elementos da
investigação científica para intuir sobre uma outra sociedade, seja no passado ou no futuro)
e ao mesmo tempo com o fantástico, à medida que estas projeções ou retornos ao passado
são desenvolvidos com bastante especulação.
A modalidade paranóia se constitui junto com a consolidação do gênero cinemato-
gráfico, no início dos anos 50, e está ligada ao início da Guerra Fria. O medo de uma inva-
são soviética e da bomba atômica, ao lado das questões ligadas ao avanço soviético na tec-
nologia espacial, criaram um ambiente propício para este tipo de produção cinematográfi-
ca.
261
Segundo Bill Warren, Sam Peckinpah teria colaborado no roteiro, fato negado por Don Siegel, op. cit., p.
286.
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202
Vampiros de almas ainda pode ser enquadrado na vertente soft da ficção científica,
aquela que enfatizam especulações de base psicológica e sociológica, ao contrário da mo-
dalidade hard, que se estrutura em torno das inovações tecnológicas.
Vampiros de almas se constitui um desses filmes clássicos do gênero, já tendo sido
refilmado duas vezes. A primeira em 1978 sob o mesmo título (em português, Invasores de
corpos), dirigido por Philip Kaufman, e a segunda em 1993, agora intitulado apenas Body
snatchers (em português, Invasores de corpos – a invasão continua), dirigido por Abel
Ferrara.
A narrativa de Don Siegel é correta e garantiu um bom ritmo ao filme. Não há
grandes sofisticações na linguagem, exceto, a mudança na fotografia na seqüência onde os
dois fugitivos se escondem na caverna. O estilo neo-realista que predominara até então é
substituído por uma fotografia altamente estilizada e de um claro-escuro carregado.262
As suas ambigüidades na crítica aos dois sistemas (capitalismo e socialismo) e as
medianas qualidades artísticas o fazem situar-se numa fronteira entre a massa dos produtos
do gênero e obras primas, como O dia em que a terra parou, marcante pela inversão de
papel dos extraterrestres e pelo apuro de linguagem.
3. Contexto:
Quais as marcas essenciais da sociedade americana e do mundo na década de 50?
Nos Estados Unidos talvez o elemento mais notável seja o antiintelectualismo, que se ma-
nifesta na rejeição de Adlai Stevenson, candidato do Partido Democrata e identificado com
um perfil intelectual e popular. Eisenhower, candidato do Partido Republicano e vitorioso,
representa o pragmatismo e a virilidade. Esse antiintelectualismo também será oportuno no
caça às bruxas iniciado em 1947 e intensificado com a atuação do senador McCarthy e
outros nos anos 50. Como afirma Hofstadter, não há expressiva reação dos intelectuais a
esta investida:
“... nem mesmo o macarthismo conseguiu detê-los [os intelectuais defensores
dos chamados valores americanos]: o próprio temor de que o senador e sua turba pudes-
sem destruir alguns valores até ali tidos como sagrados foi uma demonstração de que
havia algo de verdadeiramente precioso com relação aos valores americanos do passa-
do”.263
Entre os profissionais ligados a Hollywood, que desde 1947 eram alvo do Comitê
de Atividades Antiamericanas, se esboça resistência na atuação dos chamados Dez de Hol-
lywood, que sofreram penas de prisão por não renunciarem às suas convicções, entre esses,
se encontravam John Howard Lawson, Dalton Trumbo, Christopher Plummer e outros.
A busca de possíveis traidores leva a investigação a Ager Hiss, membro do governo
Roosevelt, acusado de ter pertencido ao Partido Comunista e fornecido documentos sigilo-
sos aos soviéticos. O casal Rosemberg, também acusado de fornecer segredos militares à
União Soviética, é executado em 1953. Ethel e Julius Rosemberg eram filiados ao Partido
Comunista e até hoje são insuficientes ou improváveis (já que o físico Openheimer argu-
mentara que não havia segredo na bomba A ) os indícios de sua “traição”. Em 1949, a Uni-
ão Soviética explodira sua primeira bomba atômica e, certamente, o fizera por contar com
recursos e cientistas capacitados. O clima de obscurantismo se amplia em diversas dire-
ções, atingindo o psiquiatra austríaco Wilhelm Reich, preso em 1957, acusado de prática
de medicina ilegal. A perseguição a intelectuais de esquerda vai além das prisões: são co-
262
Bill WARREN, Keep watching the skies, p. 285.
263
Richard Hofstadter, Antiintelectualismo nos Estados Unidos, p. 494.
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203
nhecidas as “listas negras”, em que profissionais são vetados, tendo por base suas posições
ideológicas.
No plano mundial dois elementos devem ser destacados: primeiro o maior cresci-
mento das economias comunistas nesta década e a retração na economia americana no pe-
ríodo de 1953-54, ameaçando esquentar a guerra fria. Um sinal do avanço comunista era
visto no lançamento do primeiro satélite artificial, em 1957. Acrescente-se a isso o desen-
volvimento de novas armas atômicas, como a bomba de hidrogênio, em 1952 e 1953, nos
Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. O momento mais dramático foi a
guerra da Coréia (1950-1953), primeiro conflito aberto envolvendo as duas grandes potên-
cias e agora, um terceiro fator, a China, transformada em país socialista desde 1949. Neste,
também, pela primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra, houve risco de uso de armas
atômicas.
Em segundo lugar, as lutas de libertação nacional atingem graus elevados no com-
bate ao imperialismo com a vitória da guerra de independência do Vietnã em 1953, a inde-
pendência de Marrocos e Tunísia, em 1956, e a Batalha de Argel, marco da independência
da Argélia, e libertação de Gana em 1957. Na América Latina, a década se fecha com a
vitória da Revolução Cubana em 1959.
Recordando uma fala do psiquiatra Daniel Kaufman, personagem do filme Vampi-
ros de almas, de que a histeria coletiva (sua explicação para a situação em Santa Mira)
poderia ser provocada pelas preocupações com os problemas do mundo contemporâneo,
podemos dizer que, sem dúvida, eles deveriam preocupar. De fato, preocupação e confor-
mismo pareciam ser as marcas da sociedade americana nos anos 50.
O livro de Jack Finney, The invasion of the body snatchers, foi publicado em 1954
(há uma tradução brasileira com o título Os invasores de corpos, publicada em 1987), sen-
do adaptado, pela primeira vez, para o cinema em 1956. Pode ser classificado como ficção
científica soft pois seus desenvolvimentos partem de certa leitura da psicanálise e da socio-
logia, ao contrário da ficção científica hard que se estrutura em torno das inovações tecno-
lógicas. Mas, o que é a ficção científica? A definição de ficção científica gira em torno da
relação conhecimentos científicos e não-científicos (aqui entendidos como situados no
campo do terror ou do fantástico, do insólito ou ainda dos aspectos míticos). A relação com
o fantástico parece fornecer uma definição mais precisa:
“Em outras palavras, a relação entre fantástico e ficção científica seria análoga
à relação, no passado, entre magia e religião. O fantástico acede ao sentido que ultrapas-
sa o do quotidiano mediante a transgressão da norma. A ficção científica, porém, não é
‘mágica’, é ‘mítica’: ela se instala num aspecto da norma socialmente aceita – a ciência
ou a aparência dela – e, a partir desse lugar, finge responder às questões que a ciência da
época em que a obra é realizada não sabe resolver. No interior das obras de ficção cien-
tífica o que se tem é uma ficção da ciência, uma ciência virtual ou imaginária, mesmo se
às vezes misturada com elementos científicos autênticos.
264
Ciro Flamarion CARDOSO, A ficção científica, imaginário do século XX. Uma introdução ao gênero, p.
11.
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204
A adaptação para o cinema que vamos analisar situa-se naquela modalidade dos
filmes de ficção científica típica dos anos 50 – a paranóia em torno da invasão de seres
alienígenas.
1. Primeiro prólogo:
Médico psiquiatra atende chamado de urgência em hospital onde se encontra o Dr.
Miles Bennel , considerado louco por contar uma estranha história de invasão extraterres-
tre. O médico consente que Miles conte sua história. Até 2 min e 43 seg....
2. Segundo prólogo:
Atendendo a chamado de urgência, o Dr. Bennel deixa uma convenção e chega a
sua cidade, onde tudo parece normal. Sua enfermeira o aguarda na estação e diz que sua
agenda está cheia: todos o aguardam. Até 4 min e 10 seg.
Na volta da casa dos Lentz, Miles convida Becky para jantar. No estacionamento
do restaurante, encontram o Dr. Kaufman, o psiquiatra da cidade, que acredita numa histe-
ria coletiva como causa do comportamento estranho dos habitantes de Santa Mira, provo-
cada, talvez, pelas preocupações com o mundo.
Miles e Becky entram no restaurante . Becky pergunta como ele saberia se ela ainda
é a mesma dos tempos do colégio. Miles diz que é assim ... e a beija (O afeto como forma
de reconhecimento estará presente em outra cena mais adiante).
O casal está dançando e Miles recebe um chamado de urgência de Jack e Theodora
Belicec. Interrompem o jantar e partem para a residência dos Belicec.
Lá encontram um corpo de feições indistintas, “a primeira impressão numa moeda”,
como diz Jack. Decidem não chamar a polícia e aguardar.
Miles leva Becky em casa e aproveita para fazer mais uma de suas investidas em
direção a jovem (como a luz da sala estava apagada, sugere que ela estava arrastando-o
para o escuro). Neste momento, vêem a sombra do pai de Becky subir ameaçadoramente
do porão para a sala. Ele estava trabalhando no porão...
Miles se despede e vai para casa.
Na casa dos Belicec, o corpo continua a se transformar e quando Theodora acorda
percebe que ele é idêntico ao marido, e apavorada foge com Jack para a casa de Miles. Este
chama o Dr. Kaufman e procura confortar os amigos fazendo café. Caminhando em dire-
ção à cozinha ouve Jack perguntar por Becky, ao mesmo tempo vê sua sombra refletida na
parede e, num estalo, lembra da sombra do pai de Becky no porão e, imediatamente, corre
para a casa dos Driscoll, porque sente que a jovem está em perigo. No porão, encontra uma
réplica de Becky, sobe ao seu quarto, em vão, tenta acordá-la. Toma-a nos braços e leva-a
para sua casa.
Com a chegada do Dr. Kaufman, Miles, Jack e o psiquiatra partem para a casa dos
Belicec, com o objetivo de examinar os corpos. Quando lá chegam, a réplica de Jack havia
desaparecido. No porão dos Driscoll, dá-se o mesmo. Kaufman procura convencê-lo de
que estão tendo pesadelos. O barulho acorda o Sr. Driscoll, a polícia chega e os dois são
pressionados pelo xerife a irem para casa ou serão presos. Até 38 min e 51 seg.
Miles está desconfiado. Se as pessoas ficaram boas sem sua ajuda, por que fazem
questão de mostrar isso para ele? Por que fazê-lo pensar que tudo vai bem?
De volta à casa, tudo parece ir muito bem até o momento em que vai buscar “algo
melhor que martini” para acender o fogo na estufa do jardim. Miles depara-se com as va-
gens gigantes que se transformam em cópias de seres humanos. Tentando explicar a Becky
o que está acontecendo, Miles levanta a hipótese de radiação atômica, seres alienígenas ...
Conclui: “Seja qual for a inteligência que controla a formação de carne e sangue humanos,
é poderosa e incompreensível”. Alarmados, procuram ligar para outras cidades e para o
FBI. Mas “eles” já controlam as ligações telefônicas. Miles pede que Jack e Teddy saiam
para pedir ajuda e ele e Becky ficam para atender ao telefone. Depois de destruir as répli-
cas (as vagens sintetizam com rapidez os corpos humanos) Miles e Becky fogem. Até 50
min e l1 seg.
4.3.Não há mais em quem confiar
Miles decide procurar Sally, sua enfermeira. Pensa que poderia confiar nela. No
posto de gasolina, onde param, duas vagens são colocadas no porta-malas. Miles percebe e
as queima na estrada. Ao chegar na casa de Sally, encontra uma reunião dos novos seres
que, naquele momento, iniciariam a duplicação de uma criança. A mãe, que parece orientar
o processo de duplicação, comenta: “logo não haverá mais lágrimas” (Li referências a um
som de choro de criança que acompanharia esta cena, o que daria um tom realmente engra-
çado ao comentário. Na versão em videocassete que analisei não há nada audível neste
sentido). Abordado por um guarda, Miles reage com um soco e foge. Todos os carros de
polícia são alertados para que não permitam que eles deixem Santa Mira. Os dois se es-
condem no consultório, onde miraculosamente, não são encontrados. Até 57 min e 02 seg.
Miles e Beck tomam comprimidos para não dormir e conversam sobre o problema
que têm pela frente (Neste momento o problema é identificado como sendo a desumaniza-
ção, normalmente, lenta, no caso em que vivem, abrupta e acelerada). A cena termina com
os dois em primeiro plano, com Miles frisando que a sua humanidade (dele) é tão querida
como ela (Becky). Até 58 min e 10 seg.
Miles decide enfrentá-los, com a ajuda de Becky e de drogas paralisantes que pos-
sui no seu consultório. Prepara as injeções e os seres são dominados. Fogem para a auto-
estrada. Até 1 h, 08 min e 14 seg.
6.2. Do consultório ao túnel:
Saindo do consultório, fingem ser um “deles”, no entanto, Becky não se controla ao
ver um cãozinho atravessar em frente de um caminhão e grita, expressando emoção. O
guarda desconfia, corre ao consultório e percebe a fuga. Aciona um assustador alarme que
soa durante todo este grupo de seqüências, onde os dois perseguidos pelos habitantes da
cidades sobem uma escada e colinas até chegarem ao túnel, onde se escondem num buraco
sobre tábuas e despistam os perseguidores. Até 1 h, 15 min e 52 seg.
Ainda no túnel, exaustos, ouvem música e Becky reconforta-se de não serem os ú-
nicos a conhecerem o amor. Miles decide investigar e deixa Becky no túnel. A música vem
do rádio de um caminhão, provavelmente deixado ligado pelos antigos usuários. Naquele
momento, está sendo carregado de mais sementes. Até 1 h, 19 min e 01 seg.
Miles retorna ao túnel e encontra Becky adormecida, toma-a nos braços e dirige-se
para a auto-estrada. Ao tropeçar, caem abraçados e Becky diz que precisam dormir um
pouco e ele insiste: vão conseguir e a beija. A música é aterradora e sinaliza a horrível
transformação: Becky é um deles. Estupefato, Miles não vacila e recusa-se, mais uma vez,
agora, ao seu amor, a se converter num daqueles seres. 1 h, 19 min e 12 seg.
7. Primeiro epílogo:
Miles corre para a auto-estrada, perseguido novamente, pois Becky o denunciara.
No meio da pista, aborda motoristas que passam e não param: “eles estão atrás de vocês!
De sua família! De todo mundo! Eles estão aqui! Você são os próximos!” (Em primeirís-
simo plano).
Miles continua a gritar entre os carros que passam (plano médio). Até 1 h, 20 min e
18 seg.
8. Segundo epílogo:
A narrativa retorna ao hospital e Miles apela para que acreditem em sua história.
Chega um acidentado, vítima de atropelamento por um ônibus e que ficara soterrado sob
sementes gigantes. O psiquiatra percebe que isto indica a veracidade da história de Miles e
pede a telefonista que ligue para o FBI. O filme termina com Miles recostando-se na pare-
de um pouco aliviado e o seu rosto, em close-up , é emoldurado (na versão em DVD não
há moldura) numa tela: não se assustem, trata-se apenas de um filme... Até 1 h, 22 min e
10 seg.
4.Universo diegético:
O filme se passa numa típica cidade do interior dos Estados Unidos, Santa Mira,
Califórnia. A identificação pela polícia, por ocasião do alerta geral do carro do Dr. Miles
Bennel, com um Ford Sedan, 1955, (4.3), indica o ano em ocorrem os acontecimentos. Os
elementos urbanísticos estão bem sintonizados com o padrão da típica cidade interiorana.
As externas foram filmadas em locações próximas de Los Angeles, na cidade de Sierra
Madre (a praça triangular da cidade), e as cenas da fuga final foram feitas num bairro da
própria Hollywood. A loja de presentes da Sta. Lentz (4.2), a loja de cachorro-quente onde
policiais ouvem o alerta geral (4.3) e as cenas onde as ruas da cidade aparecem com mais
destaque criam o clima de normalidade que Don Siegel procura construir para nele instau-
rar a progressiva anormalidade/paranóia.
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208
5. Leitura isotópica:
A crítica à vida moderna (o diretor diz que identifica esse problema tanto no capita-
lismo, como no socialismo) na sua expressão de vegetatismo se traduz numa rede temática
particularmente expressiva: indivíduo/coletividade/emoção/racionalidade (1.5, 4.1, 4.2, 5.1
e 6.2). É interessante notar que esta racionalidade extrema, da qual são dotados os “vampi-
ros”, tem origem externa, não sendo fruto de desenvolvimento reflexivo, a própria mente é
vista como limitada na compreensão de si própria (1.5).
Outra rede temática analisada é a conspiração/paranóia (1.3, 1.4, 1.5, 4.2, 4.3, 5.1, 7
e 8). A conspiração em Vampiros de alma tem peculiaridades, como a origem extrema-
mente vaga, pois vieram, simplesmente, do espaço, e o contágio como se fosse, de fato,
uma doença; na verdade, o diagnóstico inicial, feito pelo psiquiatra dr. Kaufman, é de que
se trataria de uma histeria coletiva.
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Ficha técnica:
Título: The manchurian candidate, Estados Unidos (em português Sob o domínio do mal)
Ano: 1962
Distribuição e estúdio: United Artists
Duração: 126 min
Diretor: John Frankenheimer
Produtores: George Axelrod e John Frankenheimer
Produtor executivo: Howard W. Koch
Diretor de produção: Richard Sylbert
Produção: M.C.
Roteiro: George Axelrod, baseado na novela de Richard Condon
Diretor de fotografia: Lionel Lindon
Montagem: Ferris Webster
Música: David Amram
Direção de arte: George Nelson
Vestuário: Moss Mabry
Penteados de Janeth Leigh: Gene Shacove
Jóias: Ruser, Beverly Hills
Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Warner Home Video
Personagens principais e intérpretes: Benneth Marco (Frank Sinatra), Raymond Shaw (Laurence
Harvey), Rosie (Janeth Leigh), Eleanor Iselin (Angela Lansburry), Chunjin (Henry Silva), Senador
John Iselin (James Gregory), Jocie Jordan (Leslie Parrish), Senador Thomas Jordan (John McGiver),
Yen Lo (Khigh Dhiegh), Cabo Melvin (James Edwards), Albet Paulsen (Zilkov) e Douglas Hen-
derson, Barry Kelly, Lloyd Corrigan e Madame Spvy.
1. Resenha:
Pelotão americano sofre lavagem cerebral durante a Guerra da Coréia. Ao retorna-
rem aos Estados Unidos, dois desses soldados – o Sargento Raymond Shaw (Lawrence
Harvey) e o Major Benneth Marco (Frank Sinatra) se vêem envolvidos num complô para
assassinar um candidato à presidência, beneficiando o candidato a vice, Senador Iselin
(James Gregory), líder da campanha anticomunista e passivo instrumento dos planos da
Sra. Iselin (Angela Lansburry). Raymond é filho da Sra. Iselin, com quem tem uma relação
bastante problemática. Marco e o Cabo Melvin (James Edwards) têm pesadelos onde o
Sargento Shaw aparece assassinando friamente dois dos companheiros da patrulha dados
como mortos. Marco e Melvin repetem, como se estivessem em transe, que o Sargento
Shaw é “o mais gentil, corajoso, cordial e maravilhoso ser humano” que já conheceram.
Marco procura ajuda dos seus superiores e começa a investigar, aliado à CIA e ao FBI, os
estranhos pesadelos. Descobre que o Sargento Shaw se transformara numa máquina de
matar a serviço dos comunistas e do operador americano, a Sra. Eleanor Iselin. O Major
Marco descobre o mecanismo em que Shaw está enredado e tenta impedir a concretização
da trama comunista.
Sob o domínio do mal é um thriller político dotado de um componente pouco usual
no gênero – o non-sense. Embora muito realista, por um lado, fazendo uso da narração,
de cenas documentais (a convenção partidária), recursos fortalecedores do “efeito do real”,
incorpora um tratamento surrealista na abordagem da lavagem cerebral e em outras se-
qüências, como o encontro de Ben Marco (Frank Sinatra) e Rosie (Janeth Leigh).
Pauline Kael, crítica de cinema americana, o classificou como a “sátira política
mais sofisticada jamais feita em Hollywood”.
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212
O enredo é mirabolante. A conspiração que visa tomar o poder nos Estados Unidos
é simplesmente uma coligação de comunistas e anticomunistas.
Há uma área da ideologia que permanece intocada. O patriotismo é preservado de
qualquer crítica, ao lado da defesa do herói individual trágico, que se sacrifica para o bem
da pátria.
A linguagem tem pontos altos, como a panorâmica de 360º na apresentação dos re-
sultados da lavagem cerebral, com seus múltiplos pontos de vista, proporcionados pelo de
cenários giratórios; e a muito dinâmica seqüência do enfrentamento do senador Iselin (Ja-
mes Gregory) com o secretário de Defesa, onde os vários pontos de vista são agora criados
pelas imagens de televisão ali localizadas. Nesta seqüência foram usadas cinco câmeras de
televisão e quatro cinematográficas.
Em Sob domínio do mal o anticomunismo se conjuga com o senso de humor, en-
contro que se repetiria dois anos mais tarde com Dr. Fantástico. Indica que o perigo agora
deve vir dos comunistas chineses e dá sinais das divergências perceptíveis no bloco socia-
lista, desde 1960.
3. Contexto histórico-temático:
Sob o domínio do mal (1962) é o quinto filme do diretor John Frankenheimer, nas-
cido em 1930, nos Estados Unidos. Estudou na Academia Militar de La Salle, foi assisten-
te de Sidney Lumet e dirigiu peças para a televisão. A sua inovadora experiência na televi-
são está presente em Sob o domínio do mal, onde a montagem muito rápida, o uso de pla-
nos gerais e várias câmeras em determinadas seqüências, como na entrevista coletiva do
Secretário de Defesa, no Pentágono, onde foram usadas cinco câmeras de televisão e qua-
tro cinematográficas, nada lembram os procedimentos técnicos usuais da televisão.
Nos anos 60, exerceu militância política, como membro da American Civil Liberti-
es Union e participando da campanha de Robert Kennedy. Em 5 de junho de 1968, a reali-
dade imitava a ficção: em campanha para ser escolhido candidato a presidente dos Estados
Unidos, Robert Kennedy era assassinado, lembrando com sinais ideológicos invertidos o
assassinato do personagem Johnny Iselin em Sob o domínio do mal.
Frankenheimer representa o interesse freqüente de uma geração pela ficção política,
que ele explicava assim:
“Saía-se de um período abominável, na América, o macarthismo. Nós tí-
nhamos passado por oito anos de Eisenhower e nós todos sentíamos que era necessário
fazer alguma coisa e tudo explodia durante algum tempo. Isso tudo produzirá algo novo,
eu creio, a despeito dessa nossa submissão atualmente aos Estados Unidos de Nixon,
que ultrapassa toda imaginação. Na época, nós éramos muito conscientes dos numero-
sos problemas e o fato de emergirmos de um período de opressão nos permite cristalizar
nossos esforços: nós fomos todos muito marcados por MacCarthy, pelo problema atô-
mico ...265
265
Michel CIMENT et Bertrand TAVERNIER, Entretien avec John Frankenheimer.1., p. 65.
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213
mas (The burning season, 1994), sobre a vida de Chico Mendes, líder dos seringueiros no
Brasil.
Sob o domínio do mal foi lançado em 1962 e acolhido friamente, tanto pela crítica
quanto pelo público. Quando do assassinato de John Kennedy, em novembro de 1963, o
filme já estava fora de cartaz. E permanecerá fora das telas até ser relançado no Festival de
Nova Iorque em 1987. Um processo entre Frank Sinatra, um dos produtores do filme, e a
United Artists impedia sua exibição. O segundo lançamento consolidou a posição do filme
como um clássico do gênero thriller político. Pauline Kael, crítica do New Yorker, conside-
ra-o “a sátira política mais sofisticada jamais feita em Hollywood”.
Sintaxe narrativa
1. Prólogo:
1.1. Coréia, 1952: dois militares chegam de carro, o que está na direção desce, o ou-
tro parece desaprovar sua atitude. Trata-se de um bordel, onde soldados se divertem. O
ambiente está repleto de sinais dos Estados Unidos: jazz, retrato do gen. McArthur na pa-
rede, algumas mulheres lêem revistas americanas, frases em inglês na parede e a cafetina
fala algo em inglês; o sgt. Raymond apita, convocando seus soldados, que reclamam de
sua aparente reprovação por estarem se divertindo. Até 1min42s.
1.2. Uma patrulha americana, da qual faz parte o sgt. Raymond, se encontra numa
área pantanosa, orientados por um guia coreano, seguem em fila indiana para uma armadi-
lha: são nocauteados e postos em helicópteros com a estrela vermelha, sob o comando de
um oficial que parece ser soviético. Até 4min6s.
2. Créditos. Até 5min43s.
3. Primeira parte: A chegada do herói
3.1.Um narrador em off apresenta a chegada do sgt. Raymond Shaw a Washington
para ser condecorado por bravura; além de oficiais, o aguardam uma multidão de repórte-
res. A mãe de Raymond pretende fazer da ocasião um ato de promoção do Senador Iselin,
seu marido. Aborrecido, Raymond recrimina o oportunismo. A mãe, fazendo-se de vítima,
discursa sobre o seu altruísmo; como uma criança, Raymond tapa os ouvidos. Até
8min22s.
3.2. A narração sobre a imagem do avião militar que o trouxera, informa que o sar-
gento salvara a patrulha e capturara um ninho de metralhadoras do inimigo, numa atitude
de “bravura maior do que lhe requeria o dever”. Até 9min1s.
3.3. No avião de campanha do Senador Iselin, Raymond diz que não seguirá com os
pais, vai ficar em Nova Iorque, trabalhando no jornal de Holborn Gaines, adversário de sua
mãe e de Iselin. Questionado por estar indo trabalhar com “aquele comunista”, Raymond
diz que ambos têm muita coisa em comum: “desprezamos você e Johnny” [Iselin].
4. Segunda parte: O pesadelo
4.1. A narração apresenta a nova situação do agora Major Bennet Marco, foi desig-
nado para a inteligência militar: uma panorâmica parte de seu casaco, passando por uma
série de livros, até à cama, onde o major tem seu pesadelo recorrente. A música torna-se,
aos poucos, minimalista e tenebrosa. Até 11min20s.
4.2. Num agradável saguão de hotel, uma senhora conferencia sobre o cultivo de
hortênsias para uma platéia formada pelos membros da patrulha e mulheres brancas; a par-
tir da senhora inicia-se uma panorâmica que termina num homem de feições orientais, que
discursa para uma platéia de líderes comunistas sobre as possibilidades da lavagem cere-
bral e da hipnose. Depois de apresentar uma bibliografia que respalda a tese de que é pos-
sível sob hipnose realizar atos contra a vontade, o psiquiatra Yen Lo ordena que o Sgt.
Raymond mate um de seus companheiros. A narrativa alterna vários pontos de vista: o dos
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soldados que pensam estar participando de uma conferência sobre hortênsias, o de Yen,
que faz uma demonstração de sua técnica a representantes comunistas, entre os quais, sovi-
éticos e chineses, e várias combinações do ponto de vista dos soldados. Note-se que as
imensas fotos de Stalin, Mao e outros líderes comunistas decoram os dois ambientes, com
destaque para os dois primeiros. Até 17min1s.
4.3. O major Marco relata seu pesadelo a um grupo de oficiais. O major acha intri-
gante que seja Ed Mavole quem seja estrangulado no seu pesadelo: foi um dos dois ho-
mens da patrulha mortos na Coréia; um oficial diz que não há razões para se suspeitar de
Raymond Shaw. O próprio Marco afirma sobre o colega: “é o mais gentil, corajoso, cordial
e maravilhoso ser humano que já conheci”, opinião compartilhada por todos. O major é
removido para um setor menos estressante: o serviço de relações públicas. Até 18min56s.
6.4. Raymond chega à casa de Gaines para matá-lo, este se encontra vestido com o
penhoar da mulher, morta há seis anos. Raymond se aproxima da cama e a câmera fecha no
paletó escuro. Até 37min38s.
8.3.A sra. Iselin chama Raymond para uma conversa: quer saber porque ele anda
com “aquela canalha comunista”. Diz que os americanos vivem uma guerra, uma guerra
fria, “que ficará cada vez pior até que cada homem e mulher deste país se erga e diga se
está do lado do direito e da liberdade ...” Raymond põe as mãos nos ouvidos, como fizera
na recepção do aeroporto. Esta cena se funde com a cena da conversa com Ben. Até
1h13min10s.
8.4.Ben diz que fora levado pela mãe a escrever uma carta a Jocie, repudiando-a .
Lamenta, mas sabe que sua mãe sempre vence e ele não merece ser amado. Chora e o ami-
go o conduz para a cama. Até 1h14min24s.
8.5.Raymond entra em um bar, onde vai se encontrar com Ben. O dono do bar fala
sobre jogo de cartas e o cunhado inconveniente. Quando Raymond ouve a expressão “por
que não joga paciência?”, pede o baralho e inicia um jogo, ao ver a dama de ouro, ouve o
dono do bar dizer que mandara, aborrecido, o cunhado tomar um táxi e pular no lago do
Central Park, e é o que Raymond faz. Ben o segue e ao perguntar porque o amigo fizera
aquilo, lembra que no sonho, Raymond sempre joga cartas. Com o consultor psiquiátrico
tenta identificar o mecanismo acionador e acaba lembrando da associação que o chinês
fizera: “Posso ver aquele chinês, rindo como Fu Manchu e dizendo: ‘a dama de ouro lem-
bra de várias formas a amada de Raymond e sua mãe odiada É a segunda chave para libe-
rar o mecanismo para qualquer outra tarefa’”. Até 1h19min38s.
mond com o operador. Raymond diz que a patrulha fora levada por uma unidade aérea
russa pela fronteira da Manchúria até Tunghwa, [Manchúria é antiga região do nordeste da
China, de onde vieram os manchus, povo nômade que domina o império chinês de 1644 a
1911, Tunghwa pode ser uma cidade da Rússia] lá foram submetidos por cientistas do Ins-
tituto Pavlov a uma técnica para atingir o consciente. Falou das mortes, mas não pôde res-
ponder qual o objetivo de tudo isso. A mãe de Raymond telefona e diz que há um carro
pronto para levá-lo à convenção. Raymond acha que é melhor ir, Ben lhe dá um número
para que ele ligue quando souber qual o objetivo da operação. Até 1h49min24s.
10.3. Babe prepara Raymond para o ato final: o assassinato do candidato a presi-
dente. Johnny erguerá o corpo do candidato nos braços e começará o discurso. A seguir
“atacará câmeras e microfones ... todo sujo de sangue, afastando quem tentar ajudá-lo ...
defendendo a América até a morte, se preciso. Levada à histeria, a multidão de telespecta-
dores nos levará a Casa Branca com poderes que farão a Lei Marcial parecer anarquia”. A
Sra. Iselin diz que os comunistas a subestimaram, no poder, se livrará deles, pelo que fize-
ram a seu filho. Toma o rosto de Raymond e o beija de forma sensual. Até 1h53min12s.
10.4. Raymond chega ao local da convenção e se instala na cabine. Na comissão de
investigação, Ben e o tenente Milt aguardam com apreensão o telefonema; depois de muito
esperar, decidem ir ao local. Até 1h57min14s.
10.5. Os convencionais chegam, Ben e Milt procuram Raymond. Até 1h58min26s.
10.6. Canta-se o hino nacional americano e planos do ginásio e da cabine se alter-
nam; enquanto canta-se o hino, Raymond prepara o rifle. Até 2h40s.
10.7. O candidato a presidente começa o seu discurso. Temos três níveis de planos:
o do candidato, de Raymond apontando a mira (curiosamente aponta sempre para o candi-
dato, estaria ainda sob o comando dos conspiradores?) e de Ben, que localizara uma luz, e
corre em sua direção. Raymond muda a mira e atira em John Iselin e em seguida na mãe.
Quando Ben chega à cabine, ele atira em si próprio. Até 2h4min7s.
10.8. Chove como na seqüência na Manchúria. Ben está com Rosie e lamenta a
perda do amigo. Abre um livro e lê uma citação de bravura, fecha e diz a que seria de
Raymond: “Feito para atos impossíveis de serem citados por um inimigo que capturou sua
mente e sua alma, ele se libertou finalmente. E com heroísmo, e sem hesitação, deu sua
vida para salvar este país”. Até 2h5min56s.
5. Universo diegético:
A seqüência dos resultados da lavagem cerebral e do novo uso da hipnose (4.2)
mistura as mais arbitrárias fantasias com elementos estritamente históricos. A sala onde o
psiquiatra Yen Lo apresenta os resultados de sua experiência está repleta de fotografias de
líderes comunistas, como Stalin, Mao Tse-tung e outros. Nota-se a ausência de Krushev e
Tito, líderes que os liberais americanos não desejariam estigmatizar naquele momento pré-
détente.
A águia americana estampada no bumbo da banda que recebe o sgt. Raymond é a
localização simbólica do lugar onde a narrativa passa a desenvolver-se, depois do situado
no território coreano. Nestas cenas iniciais, o bordel é um local apresentado como repleto
de referências americanas: jazz, revistas americanas, retrato do gen. MacArthur na parede e
outros. Por outro lado a presença dos comunistas é identificada no helicóptero que recolhe
a patrulha americana, pois tem uma estrela vermelha e o oficial que comanda a operação
parece ser soviético.
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6. Leitura isotópica:
Há duas redes temáticas fundamentais em Sob o domínio do mal: a conspiração
comunista e a abordagem do indivíduo numa dupla caracterização, como suscetível de
profunda manipulação e capaz de superar situações adversas. Na rede temática conspira-
ção (4.2, 6.1, 6.2), é importante registrar que um dos conspiradores, a sra. Eleanor Iselin, se
distingue dos demais ao se dizer não-comunista, e revela ter interesse, simplesmente, em
chegar ao poder a qualquer preço. Nesta situação, livrar-se-á dos próprios comunistas, que
a fizeram sacrificar seu filho (10.3). A rede temática indiví-
duo/manipulação/independência/heroísmo apresenta dois personagens com personalidades
bem distintas: Raymond Shaw com sua frustrada tentativa de se livrar da manipulação,
desde aquela que se origina na relação com a mãe, até a resultante da hipnose e lavagem
cerebral. Shaw só supera completamente tal situação com o sacrifício (3.1, 6.2, 8.3, 8.4 e
10.7) e a escalada de independência e heroísmo de Ben Marco (4.3, 7.2, 7.9 e 10.8).
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1.Ficha técnica:
Título: Dr. No, Grã-Bretanha (em português, 007 contra o satânico Dr. No)
Ano: 1962
Estúdio: United Artists
Duração: 111 min
Direção: Terence Young
Produtores: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman
Roteiro: Richard Maibun, Johanna Harwood e Berkley Mather, baseado no romance de Ian Fleming
Direção de fotografia: Ted Moore
Edição: Peter Hunt
Música: Monty Norman
Direção de arte: Dyd Cain e Ken Adam
Cor: colorido (Technicolor)
Cópia analisada: fita em VHS
Personagens e atores principais: James Bond (Sean Connery), Honey Ryder (Ursula Andrews), dr.
No (Joseph Wiseman), Felix Leiter (Jack Lord), prof. Dent (Anthony Dawson), Quarrell (John
Kitzmuller, Miss Taro (Zena Marshall), M (Bernard Lee) e outros.
2. Resenha crítica:
O agente James Bond (Sean Connery) vai à Jamaica para investigar o assassinato
de um agente britânico e sua secretária. Auxiliado por um agente da CIA, Felix Leiter
(Jack Lord), Bond escapa de vários atentados e descobre que as mortes estão ligadas a visi-
tas feitas a Crab Key, distante ponto da costa. Ali vive o misterioso cientista de origem
chinesa, dr. No (Joseph Wiseman).
Bond parte para investigar a suspeita fortaleza do dr. No. Ao desembarcar na praia,
encontra Honey (Ursula Andrews), que o alerta sobre um dragão. Bond descobre que o
dragão, na verdade, é um tanque de guerra, equipado com lança-chamas e que o local é
uma base para interceptar os foguetes americanos lançados em Cabo Canaveral.
O filme retoma alguns clichês de antigos seriados e beneficia-se do arsenal que a
série de filmes anticomunistas havia produzido, atualizando-os segundo os princípios da
distensão entre os blocos capitalista e socialista, iniciada a partir de 1963. O aspecto novo
está na construção do herói. James Bond é um herói robotizado, ao contrário dos heróis da
série anticomunista que entravam em choque com o processo de desumanização em desen-
volvimento na sociedade. Bond é um frio assassino, que em pelo menos uma ocasião, ex-
trapola sua “licença para matar”. Isto ocorre na seqüência em que ele se confronta com o
prof. Dent.
2. Contexto histórico-narrativo:
As novelas de Ian Fleming com o personagem James Bond já faziam algum sucesso
antes do lançamento da primeira adaptação para o cinema em 1963. No início dos anos 60,
os produtores ingleses Harry Saltzman e Albert R. Broccoli compraram os direitos autorais
das novelas e iniciaram a série de longo sucesso, como demonstra a recente
Terence Young foi o diretor de três dos quatro primeiros episódios (007 contra o
satânico dr. No (1962), Moscou contra 007 (1963) e 007 contra a chantagem atômica
(1965) – o terceiro, 007 contra Goldfinger (1964) foi dirigido por Guy Hamilton. Young
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220
3.Sintaxe narrativa:
1. Créditos. Até 1min57s.
3.7. Bond, Quarrell e o agente da CIA conversam sobre as interferências. Bond fica
sabendo que o único local ainda não suficientemente investigado é uma ilha chamada Crab
Key, pertencente a um chinês conhecido como dr. No. Até 34min26s.
3.8. Bond vai até o escritório do prof. Dent, o geólogo com quem Strangsways jo-
gava cartas, para saber sobre as pedras que o agente teria trazido de Crab Key. Dent afirma
que as jogara fora por não terem nenhum valor. Até 36min45s.
3.9. O prof. Dent vai até Crab Key e relata a uma voz misteriosa o problema da pre-
sença de Bond e a possibilidade de que ele chegue até Crab Key. O prof. Dent sai com uma
aranha para assassinar Bond. Até 40min23s.
3.10. À noite, Bond é vítima de mais uma tentativa de assassinato: uma aranha ve-
nenosa fora colocada no seu quarto. Até 43min43s.
3.11. Na representação diplomática britânica, Bond fica sabendo que o dr. No ad-
ministra a ilha como um campo de concentração. Recebe uma encomenda de Londres e
suspeita que a secretária, Miss Taro, ouvira a conversa atrás da porta. Até 45min49s.
3.12. Bond descobre que as pedras que Strangways trouxera da ilha são radioativas
e prepara-se para ir até la. Até 47min23s.
3.13. Bond é convidado pela secretária a visitá-la. No caminho, é perseguido por
um carro que acaba caindo num precipício e incendiando-se. Até 50min29s.
3.14. Bond dorme com a secretária. Em seguida, a entrega à polícia. Aguarda a
chegada do assassino e descobre que trata-se do prof. Dent. Ao tentar matá-lo, Dent atira
com uma arma descarregada. Bond friamente o assassina. Até 50min29s.
5. Epílogo
Bond e Honey namoram enquanto aguardam a chegada do agente da CIA para res-
gatá-los. Até 1h48min33s.
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5. Universo diegético:
Há três elementos do universo diegético ligados à nossa preocupação analítica: os
problemas com os lançamentos de foguetes, a origem da interferência se localizar numa
ilha do Caribe e a responsabilidade de um cientista chinês pelos problemas causados ao
projeto espacial americano.
O primeiro problema era naquele momento um fator de constrangimento para o go-
verno dos Estados Unidos. Desde o lançamento do primeiro satélite artificial (Sputnik), os
soviéticos ocupavam a dianteira na corrida espacial. Os sucessivos fracassos provocavam
apreensão nos americanos e até piada, como é o caso de O homem do sputnik (1959), de
Carlos Manga. Neste filme, um desanimado funcionário americano (interpretado pelo cô-
mico Tutuca) relata, de forma hilária, as tentativas fracassadas de chegar à lua.
Em 1962, Cuba vencera as tropas contra-revolucionárias na invasão da Baía dos
Porcos e declara ser socialista o caráter de sua revolução. Talvez não seja exagero associar
a misteriosa ilha do dr. No à “perigosa” ilha.
Quanto ao último aspecto, o início do conflito sino-soviético, com a União Soviéti-
ca revendo o período Stalin e defendendo a coexistência pacífica e a China não ratificando
tais críticas e defendendo as justas guerras de libertação nacional como forma de debilitar o
imperialismo, impunha a revisão dos estereótipos. No início dos anos 60, a China represen-
tava uma política de maior confronto com os países capitalistas, era de se esperar que os
comunistas chineses passassem a incorporar os traços do estereótipo construído: violentos,
movendo-se no terreno da conspiração internacional e dispostos a ameaçar o mundo com a
bomba nuclear.
6. Leitura isotópica:
A rede temática definida em 007 contra o satânico dr. No é o “complô para con-
quistar o mundo” (3.1, 3.3, 3.9, 4.4). Trata-se de uma típica conspiração liderada por um
gênio do mal, execrado tanto pelo “Oriente” (bloco socialista), como pelo “Ocidente” (blo-
co capitalista). O teor da conspiração se revela no diálogo entre dr. No e James Bond. Nes-
ta seqüência, inicialmente o agente britânico insinua que “o descaso pela vida” que o cien-
tista teria, seria bem aceito no “Oriente”. Dr. No explica que os dois blocos já o haviam
rejeitado e ele sonha com a adesão de Bond ao seu projeto.
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223
Dr. Fantástico
Gênero: Comédia
1.Ficha técnica:
Título: Dr. Strangelove or How I learned to stop worryng and love the bomb, Grã-Bretanha (em
português, Dr. Fantástico ou Como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba )
Ano: 1964)
Estúdio: Columbia
Duração: 94 min
Direção: Stanley Kubrick
Diretor Assistente: Eric Rattray
Produção: Stanley Kubrick, Hawk Films
Co-produção: Victor Lyndon
Diretor de produção: Clifton Brandon
Roteiro: Stanley Kubrick, Terry Southern, Peter George, segundo o romance de Peter George, Red
Alert
Diretor de fotografia: Gilbert Taylor
Montagem: Anthony Harvey
Câmara: Kelvin Pike
Música: Laurie Johnson
Diretor de cenografia: Peter Murton
Cenários: Ken Adam
Canções: We’ll meet again, cantada por Vera Lynn, Try a little tenderness, When Johnny comes
marching home
Som: John Cox
Efeitos especiais: Wally Veevers
Guarda-roupa: Bridget Sellers
Penteados: Barbara Ritchie
Continuidade: Pamela Carlton
Conselheiro aeronáutico: Captain John Crewdson
Cor: Preto e branco
Cópia analisada: fita VHS distribuída por Tocantins
Personagens e intérpretes principais: Capitão Lionel Mandrake (Peter Sellers), presidente Mufley
(idem), Dr. Fantástico (idem), general “Buck” Turgidson (George C. Scott), general Jack D. Ripper
(Sterling Hayden), coronel “Bat” Guano (Keenan Wyn), major T. J. “King” Kong (Slim Pickens),
embaixador da União Soviética (Peter Bull), Sta. Scott (Tracy Reed), tenente Lothar Zogg (James
Earl Jones), M. Staines (Jack Creley), tenente H. R. Dietrich (Frank Berry), tenente W. D. Krivel
(Glenn Bleck),. capitão G. A . “Ace” Owens (Shane Rimmer), tenente Goldberg (Paul Tamarin),
general Faceman (Gordon Tanner), almirante Randolph (Robert O’Neil), Frank (Roy Stephens)
soldados da Base de Burpleson (Laurence Herder, John McCarthy e Hal Galili).
3. Resenha crítica:
General da “linha dura” lança mísseis nucleares em direção à União Soviética. Per-
plexos, o governo americano e o embaixador soviético tentam reverter a apocalíptica situa-
ção, pois ao atingir o território soviético, os mísseis farão disparar a Máquina do Juízo Fi-
nal, destruindo toda a Terra. O governo dos Estados Unidos derrota o general rebelde e faz
retornar todos os mísseis, menos um que atinge o alvo e dispara o mecanismo. O Dr. Fan-
tástico entra em cena, assegura que parte da humanidade poderá sobreviver em subterrâ-
neos profundos e rende homenagens a Hitler e ao fascismo.
Como quase todos os filmes de Stanley Kubrick, Dr. Fantástico foi alvo de uma in-
tensa preparação e cuidadosa realização. Kubrick afirmou ter consultado setenta ou oitenta
livros sobre estratégia nuclear e que procurou retratar sua inquietação sobre o assunto no
filme.
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224
3. Contexto histórico-narrativo:
O lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki com suas 200.000
vítimas foi, para alguns autores, não o ato final da II Guerra Mundial, mas o primeiro passo
da Guerra Fria. Todo o período está sensivelmente marcado pela corrida nuclear, desde
este primeiro momento, passando pela fabricação da bomba soviética em 1949, a amplia-
ção da capacidade de destruição atômica, com a construção das bombas de hidrogênio, em
1951, pelos americanos e em 1953, pelos soviéticos. Após a consolidação dessa capacidade
destrutiva, as duas potências iniciam a corrida dos mísseis. A União Soviética, em particu-
lar, empenha-se no desenvolvimento de tecnologia que possibilite o lançamento de armas
atômicas. A corrida espacial integra-se neste esforço dos soviéticos em superar a vantagem
que os americanos têm com as bases militares localizadas na Europa, que permitiam fácil
acesso ao território soviético. Em agosto de 1957, Krushev anuncia que a URSS possui
mísseis balísticos capazes de transportar cargas nucleares ou termonucleares. A proteção
dos dois oceanos com que contavam os Estados Unidos desmorona com o desenvolvimen-
to da tecnologia dos satélites. Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética lança ao espaço
o primeiro satélite artificial. O sputnik cruzou o território americano quatro vezes, criando
a possibilidade de um ataque de mísseis balísticos intercontinentais contra cidades ameri-
canas. Além do medo já associado ao controle de armas atômicas pelos soviéticos, acres-
cente-se agora o perigo do bombardeio do território americano. No cinema, a temática do
“perigo que vem do espaço” encontra terreno fértil para se desenvolver, e na sociedade
americana, inicia-se a preparação para a guerra atômica: nas escolas, os estudantes são
treinados para a eventualidade de bombardeios e tem início a construção de abrigos subter-
râneos. Em novembro desse mesmo ano, a CIA acusa Eisenhower de complacência e de-
nuncia a defasagem de mísseis americanos em relação à União Soviética. A sensação de
267
Lewis MUNFORD, apud Lawrence SUID, The Pentagon and Hollywood ... , p. 231.
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225
268
Bradley LIGHTBODY, The cod war, pp. 54-55.
269
Louis ARAGON, História da URSS, vol. 9, p. 158.
270
Claude DELMAS, Armamentos nucleares e guerra fria, pp. 77-79.
271
Antônio Celso Alves PEREIRA, Os impérios nucleares e seus reféns, p. 90.
272
Ibid., pp. 89-90.
273
Paulo KRAMER e Alexandre BARROS, As origens da guerra fria, p. 177.
274
Newton CARLOS, A conspiração, p. 13.
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226
2. Créditos: Créditos sob aviões B-52 sendo abastecidos no ar; música romântica
acompanha a seqüência. Até 2min41s.
quinas de lavar. O dr. Fantástico, cientista alemão naturalizado americano, saindo da pe-
numbra, intervém para explicar o significado da nova tecnologia. Até 52min54s.
3.12. O conflito se intensifica na base aérea. (Kubrick filma as cenas de combate
num estilo jornalístico: a câmera balança, move-se rapidamente na direção lateral para co-
lher flagrante importante etc.) No interior da sala, o general Ripper e o capitão Mandrake
conversam: o primeiro fala que a “fluoretação começou em 1946, portanto, bate com a
conspiração comunista pós-guerra. Sem possibilidade de escolha, uma substância estranha
é colocada nos preciosos fluidos corporais. Assim é que o comunista dedicado trabalha”. O
general Ripper percebeu tudo isso ao fazer amor, ele associa a sensação de cansaço e vazio
pós-coito à “perda de essência”, desde então “nega a elas [as mulheres] sua essência”. Der-
rotada a base se rende e o general Ripper se suicida para não entregar o código sob tortu-
ra”. Até 1h15s.
3. Segunda-parte: O contra-ataque
4.1. O bombardeiro é atingido por um míssil. Até 1h4min22s.
4.2. O coronel Bat Guano chega à sala do general Ripper, completamente alheio ao
significado da batalha que acaba de vencer. Até 1h6min8s.
4.3. Na base aérea, o coronel Bat Guano resiste em atirar contra uma máquina de
Coca-Cola. O capitão Mandrake precisa de moedas para telefonar, na tentativa de evitar a
catástrofe nuclear, mas o respeito à propriedade privada pode impedi-lo. Até 1h12min10s.
4.4.O bombardeiro que escapou da defesa soviética prossegue em direção ao alvo.
Quando o major King Kong percebe que há um problema no dispositivo que solta a bom-
ba, provocado pelo ataque soviético e ele mesmo vai até lá para consertá-lo. Enquanto isso,
o bombardeiro avança em direção ao alvo, quando o atinge, o major ainda está em cima
dela, sendo lançado junto com a bomba, como se fosse um caubói. Até 1h26min30s.
5. Universo diegético:
São duas as frentes de construção diegética em Dr. Fantástico. A primeira é a
combinação de personagens reais num personagem fictício – o Dr. Fantástico seria a fusão
do então estrategista nuclear Henry Kissinger, do físico defensor da corrida nuclear Ed-
ward Teller e do cientista nazista Werner von Braun, ou a criação de personagens clara-
mente inspirados em pessoas reais, como o general Jack D. Ripper (gen. Curtis LeMay), o
presidente americano (Kennedy) e o premier soviético (Krushev). A segunda é o uso de
informações precisas sobre o arsenal nuclear americano e a capacidade dos bombardeiros
B-52. Na época, a aeronáutica dos Estados Unidos refutou a idéia de que uma ordem de
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228
ataque não poderia receber uma contra-ordem. Mais recentemente, afirmou-se que a União
Soviética teria chegado a projetar um engenho de resposta automática à ataque nuclear.276
6. Leitura isotópica:
As duas redes temáticas centrais em Dr. Fantástico são conspiração/conspiradores
(3.5, 3.12 e 5.1) e indivíduo/modo de vida capitalista (3.7, 3.11 e 5.1). Na primeira, além
do recorrente clichê do comunista inescrupuloso (disposto a apoiar até planos nazi-
fascistas como os do dr. Fantástico), temos um tipo inusitado de conspiração, materializado
na disseminação do flúor pelos comunistas. A ingestão de flúor estaria drenando a essência
vital dos seres humanos (habitantes do mundo capitalista). É ainda mais estranho a forma
final da perda da essência (pelo menos no que diz respeito aos homens), ela aconteceria no
ato de fazer amor. Na rede temática indivíduo/modo de vida capitalista, é importante notar
a ampliação de sua abrangência para o mundo socialista, mostrando as ansiedades provo-
cadas pelo consumismo na União Soviética.
276
Paul BOYER, Doutor Fantástico/Dr. Strangelove, pp. 266-269.
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229
Cortina rasgada
Gênero: Suspense
1. Ficha técnica
Título: Torn courtain, Estados Unidos (em português Cortina rasgada)
Ano: 1966
Estúdio: Universal Pictures
Distribuição: Cinema International Corporation
Duração: 129 min
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock
Desenho de produção: Hein Heckroth
Produtor executivo: Jack Corrick
Roteiro: Brian Moore, baseado na história do casal de diplomatas ingleses Burguess e Maclean
Direção de fotografia: John F. Warrren, ASC
Edição: Bud Hoffman
Música: John Addison
Som: Waldon O. Watson e Willian Russell
Cenografia: Frank Arigo
Decoração de cenários: George Milo
Maquilagem: Jack Barron
Cor: Colorido (Technicolor)
Cópia analisada: fita VHS a partir de exibição na TV
Personagens e intérpretes principais: Michael Armstrong (Paul Newman), Sarah Sherman (Julie An-
drews), Condessa Kuchinska (Lila Kedrova), Heinrich Gerhard (Hansjoeg Felmy), Herman Gromek
(Wofgang Kieling), Bailarina (Tamara Toumanova), Karl Manfred (Gunther Strack), Gustav Lindt
(Ludwig Donath), Jacobi (David Opatoshu), Koska (Gisela Fisher), Fazendeiro (Mort Mills), esposa
do fazendeiro (Carolyn Conwell), Freddy (Arthur Gould-Porter), Fraulein Mann (Gloria Gorvin).
2. Resenha crítica:
Cientista nuclear americano decide passar-se para o bloco socialista, pedindo asilo
ao governo da Alemanha Oriental. O seu governo teria interrompido importante projeto,
destinado a criar um míssil anti-míssil, capaz de tornar inócua toda a corrida armamentista.
Na verdade, pretende descobrir um importante segredo nuclear dominado pelos alemães
orientais. Para atingir seu objetivo entra em contato com uma rede de espionagem voltada
para a promoção de fugas para a Alemanha Ocidental. Depois de alguns incidentes, como o
assassinato de um agente da Stasi (Serviço de Segurança do Estado) e da perplexidade de
sua noiva, que não fora avisada das suas reais intenções, obtém a fórmula e foge para Sué-
cia.
Em Cortina rasgada temos oportunidade de observar um indisfarçável filme de
propaganda nas mãos de um diretor reconhecidamente rigoroso quanto às exigências for-
mais. Ao final, temos um resultado muito aquém do talento do diretor. As intenções políti-
cas que orientam o filme fizeram o artista sucumbir aos estereótipo e clichês, notadamente
do meio ao fim do filme.
O uso das cores é um dos pontos altos. Após Copenhagem o colorido perde a inten-
sidade, predominando os tons escuros e cinza. Na recepção ao prof. Armstrong, os alemães
orientais estão de preto, o corredor do hotel onde o casal se hospeda é cinza, com um extin-
tor vermelho. O vermelho, de símbolo do socialismo, passa a significar fuga: o fogo ver-
melho do palco e a porta vermelha por onde escapam.
Uma questão importante, ainda na primeira parte do filme, é a preocupação em cap-
tar as angústias da personagem Sarah Sherman (Julie Andrews), cujo noivo resolve passar-
se para o outro lado da “cortina de ferro”. O diálogo dos dois no hotel é tenso e Sarah pro-
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230
cura situar a questão no âmbito dos sentimentos pessoais, se ele, de fato, a ama, abandone
aquela aventura louca. Armstrong (Paul Newman) continua representando seu papel de
novo comunista com perfeição. O seu projeto está acima de qualquer tipo de sentimenta-
lismo, desde aquele referido por Sarah até o patriotismo.
O anticomunismo de Cortina rasgada não é tolo. A insatisfação com o regime moti-
va todo o empenho da organização de espionagem que apóia o prof. Armstrong no seu pla-
no de roubar a informação do colega alemão, significando uma base social inegável. Mas,
ao mesmo tempo, ele procura ridicularizar as intenções de uma das candidatas à fuga, a
condessa Kuchinska (Lila Kedrova). A condessa não suporta mais o café e os cigarros rus-
sos e se empenha arduamente em conseguir um patrocinador, nos Estados Unidos, para que
possa partir. O governo comunista não se importaria se alguém como ela partisse.
O resultado final é um filme pouco convincente. O esforço de desqualificação da
política, travestido da tentativa de tornar a espionagem uma atividade desprezível, não é
suficiente para nos fazer crer da neutralidade da organização. Hitchcock além de assustar-
nos com um inimigo truculento, mas incompetente, já que seus tiros não atingem ninguém,
quer nos fazer a todos de tolos.
3. Contexto histórico-narrativo:
Em meados de 1962, outra crise semelhante a de 1948 (bloqueio de Berlim) come-
çava a se manifestar na Alemanha.
Nas reuniões de 3 e 4 de junho, em Viena, há um novo impasse. Quando Krushev
se dispôs a assinar um tratado de paz em separado com a RDA (República Democrática
Alemã), os Estados Unidos reagiram. No permanente debate sobre o destino de Berlim, o
presidente da Comissão para Negócios Estrangeiros do Senado, William Fulbright, sugeri-
ra que os alemães do Leste teriam o direito de fechar suas fronteiras. O governo socialista
aproveita tal declaração para fechar os 43 quilômetros de limite com o setor ocidental.
Desde que a URSS declarara sua intenção de assinar um acordo de paz em separado com a
RDA, milhares de alemães do Leste tinham se refugiado na RFA (República Federal da
Alemanha) (cerca de 15 mil entre 1º e 10 de agosto). Em seguida, Estados Unidos e Reino
Unido transportam novos contingentes militares para Berlim ocidental pela estrada que
atravessa o território da RDA. A crise atingiu seu ponto culminante em setembro, com o
final do prazo dado por Krushev para que os Estados Unidos proibissem a utilização de
seus aviões pelos alemães ocidentais. O resultado da crise é o reinício, por parte do gover-
no americano, de testes nucleares subterrâneos.
Cortina rasgada (1966) aborda o problema crucial da Alemanha dividida. Trata-se
do qüinquagésimo filme de Alfred Hitchcock.
Antes de começar as filmagens, Hitchcock visitou o Departamento de Estado, para
saber o que achavam de situar a história do filme num país socialista, pensava, neste mo-
mento na Polônia. O Departamento disse que não havia nenhuma restrição, mas gostariam
que conhecesse um produtor polonês que visitava os Estados Unidos. Este produtor pediu
que não colocasse na história o seu país se contrapondo aos Estados Unidos e sugeriu a
Alemanha Oriental.277
Como em outros filmes da fase colorida, o uso das cores recebeu especial atenção.
Hitchcock usou luz projetada sobre grandes superfícies brancas e gaze sobre a lente para
obter uma luz a mais natural possível. 278
O filme custou 6 milhões de dólares, portanto muito acima do custo médio de um
filme americano em 1966. Segundo Furhammar e Isaksson, um filme com este custo não
277
Peter BOGDANOVICH, Afinal quem faz os filmes, p. 627.
278
Alfred HITCHCOCK e François TRUFFAUT, Hitchcock/Truffaut: entrevistas, p. 185.
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231
poderia se dar ao luxo de ter o final inicialmente pensado por Hitchcock: depois de chegar
à Suécia, Armstrong joga o papel com a fórmula no fogo. O diretor ainda diria mais: “O
futuro de algumas pessoas dependia desse filme. O que eu devia fazer?”279
4. Sintaxe narrativa:
1. Créditos: créditos iniciais com imagens, ao fundo, de rostos em momentos es-
senciais do filme; música-tema. Até 1min53s.
2.11. Armstrong, no avião para Berlim Oriental, vê Sarah e avisa-a, de forma rude,
que se afaste dele. Deve tomar outro avião e voltar para casa. Sarah abaixa a cabeça e sua
imagem se dissolve. Até 20min50s.
5. Universo diegético:
Embora não se refira a nenhum episódio em particular da Guerra Fria, Cortina ras-
gada procura construir um universo diegético bastante referenciado a elementos pertinen-
tes à Alemanha Oriental ou ao bloco socialista de um modo geral. No gabinete de Gerhard,
há fotos de Brejnev e Walter Ulbricht (4.3). No local da festa onde estão Karl, Armstrong,
Sarah e Lindt há fotos de Karl Marx (4.8) e de um líder alemão, talvez Walter Ulbricht
(4.9). Fuma-se charutos cubanos (3.2) e Armstrong tenta despistar Gromek no Museu de
Berlim (3.7), nada estranho já que a maioria dos museus e monumentos ficaram na Berlim
Oriental. Como sinalização do universo comunista, há um busto de Karl Marx na Univer-
sidade (3.13). São principalmente estas imagens que compõe o referencial diegético de um
filme cujos exteriores foram rodados nas vizinhanças dos estúdios Universal. Para enfatizar
a localização geográfica, uma legenda aponta o local onde a ação transcorre: Noruega,
Leipzig. O letreiro Hotel Berlim é outro fator de identificação espacial que aparece em
várias tomadas.
6. Leitura isotópica:
A rede temática indivíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo (3.2, 3.4,
5.7, 5.8) apresenta pessoas que, em diferentes níveis estão insatisfeitas com o socialismo.
Gromek tem profunda nostalgia do tempo em que viveu em Nova York, enquanto a Con-
dessa Kuchinska deseja desesperadamente emigrar para os Estados Unidos. Para discutir o
papel representado pela Alemanha na Guerra Fria, as redes temáticas escolhidas foram o
caráter ostensivamente repressor do Estado alemão oriental e a organização de fuga no
âmbito da espionagem. A primeira rede temática se apresenta desde o pronunciamento de
Armstrong aos jornalistas (3.3). Os policiais acompanham o desenrolar da entrevista e de-
pois protegem o americano na saída. O aparelho repressivo conta com a colaboração do
cidadão comum. Na universidade, rapidamente, os estudantes são mobilizados para caçar o
professor e sua assistente (5.1). Como também, no correio, logo um guarda suspeita dos
três e avisa a polícia (5.8). No teatro, o casal é descoberto pela bailarina no momento que
termina sua pirueta (5.10). Para combater este Estado onipresente, uma poderosa organiza-
ção com agentes no campo (3.9), nas cidades (4.1, 5.2, 5.3, 5.9), na administração publica
(5.8), no meio artístico (5.11). As fissuras no aparelho repressivo aparecem na seqüência
dos desertores do exército soviético (5.4). Há outras redes temáticas como, “A espionagem
como atividade desprezível”, importante no processo de identificação/distanciamento em
torno da personagem Armstrong (3.1, 3.5, 3.11, 4.5 e 4.12), incorpora o conflito entre ele e
Sarah, apenas desfeito no final da terceira parte do filme (4.6).
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Topázio
Gênero: Suspense
1. Ficha técnica:
Título: Topaz, Estados Unidos (em português Topázio)
Ano: 1969
Estúdio: Universal
Duração: 129 min
Diretor: Alfred Hitchcock
Produtor: Alfred Hitchcock
Produtor associado: Herbert Coleman
Roteiro: Samuel Taylor, baseado na novela de Leon Uris
Diretor de fotografia: Jack Hildyard
Montagem: Willian Ziegler
Cenógrafo: John Austin
Música: Maurice Jarre
Planejador de produção: Henry Bumstead
Guarda-roupa: Edith Head
Som: Waldon Watson e Robert Bertrand.
Distribuição: Cinema International Corporation
Cópia analisada: fita de vídeo VHS
Personagens e intérpretes principais: André Deveriaux (Frederik Staford), Nicole Deveriaux (Danny
Robin), Rico Parra (John Vernon), Juanita de Córdoba (Karin Dor), Henry Jarré (Philippe Noiret),
Jacques Granville (Michel Picolli), Claude Jade (Michelle Piccard), Micheli Subor (Françoise Pi-
card), Phillippe Dubois (Roscoe Lee Browne), Boris Kusenov (Per-Axel Arosenius), e Michael
Nordstrom (John Forsythe).
2. Resenha crítica:
A partir da deserção de diplomata soviético, o serviço secreto americano, auxiliado
pelo agente francês André Deveriaux, descobre os mísseis soviéticos em Cuba e a presença
de membros do governo francês envolvidos no fornecimento de informações aos soviéti-
cos. Em Cuba, o agente francês é auxiliado por grupo de oposicionistas ao governo de Fi-
del Castro.
O anticomunismo de Topázio é coerente com o novo contexto internacional. Os
russos aparecem como desastrados e truculentos agentes de espionagem. O verdadeiro alvo
dos estereótipos é agora o regime e os comunistas cubanos. Estes são propensos a mudar
de lado em troca de recompensa material, são capazes de torturar ou matar, a pretensão
descamba com freqüência para a estupidez, vivem num ambiente sujo e promíscuo e têm
tendências fascistizantes. O filme de Hitchcock só não incorpora a lógica ou racionalidade
como elemento constitutivo do ser comunista, como também a atuação em movimentos
subterrâneos. A frieza e alguma racionalidade é reservada para os comunistas franceses e,
no poder, não haveria sentido em falar em conspiração comunista.
A manipulação dos fatos históricos é especialmente notável. A principal fraude fíl-
mica é a tentativa de associar o regime cubano com a prática de tortura. Os personagens
fictícios adotam a tortura e o assassinato como prática corrente e são apresentados numa
seqüência de cenas documentais onde aparecem líderes cubanos, como Che Guevara, Fidel
Castro e Raul Castro. O documento histórico está a serviço da construção de um discurso
unilateral e sem autenticidade.
No caso dos comunistas franceses, a principal via da desqualificação é o rompimen-
to com tradições patrióticas. A participação na resistência, onde estiveram juntos o agente
francês André Deveriaux, sua mulher Nicole e o chefe da organização de espionagem co-
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237
munista Jacques Graville é vista como um movimento em defesa da França. O casal fica
sensivelmente chocado quando ficam sabendo que Jacques Granville é um traidor: uma
tomada mostra Nicole Deveriaux chorando, outra enquadra André, estarrecido, tendo ao
fundo flores amarelas e, por fim, outro plano, agora da foto dos três como membros da
resistência.
Topázio não tem qualidades que atenuem a falsificação histórica do episódio cuba-
no. Trata-se de tentativa de reproduzir o sucesso da novela que o originou, revestindo de
complexidade uma história de espionagem com clichês já consolidados na série James
Bond desde 1962.
3.Contexto histórico-narrativo:
O período Kennedy pode ser caracterizado como ambivalente nas questões da guer-
ra e da paz. Tomou medidas claramente ofensivas como a invasão da Baía dos Porcos e o
início da escalada militar no sudeste asiático (Laos e Vietnã do Sul); ao mesmo tempo ace-
nava com medidas de guerra de posição, como a Aliança para o Progresso e a idéia da No-
va Fronteira. Esta situação o colocava numa posição não exatamente cômoda junto aos
“falcões”280, como Dean Acheson e o general Curtis LeMay e ao chamado complexo mili-
tar, aspecto que deve ser considerado para entender o desfecho dramático de seu governo.
A crise dos mísseis de 1962, pano de fundo para a história de Topázio, foi um dos
momentos cruciais do governo, naquele momento Kennedy resistiu às pressões do setor
mais belicista que defendia o bombardeio de Cuba.
280
Costuma-se dividir a orientação americana, quanto à política externa, em “falcões” e “pombas”. Os pri-
meiros favoráveis ao enfrentamento direto com os adversários e os segundos voltados para uma estratégia de
diálogo.
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238
Como havia planejado, o casal Devereaux viaja a Nova Iorque para encontrar-se
com a filha, Michele, e François, o genro, que é jornalista e cobrirá a abertura da assem-
bléia das Nações Unidas. Vão recebê-los no aeroporto [neste ponto vemos uma pessoa,
interpretada por Hitchcock, levantando-se de uma cadeira de rodas para cumprimentar um
amigo.] No hotel encontram Nordstrom que trouxera flores amarelas [cor de topázio] para
Nicole; esta fica desapontada com a visita, Nordstrom procura se desculpar e diz esperar
não ser inoportuno: veio verificar se as flores chegaram ...
Nordstrom procura convencer Devereaux que ele deve tentar ter acesso ao docu-
mento através de Uribe, depois de alguma relutância, este assente (a música marca esta
inflexão com os acordes que apresentaram o agente francês pela primeira vez). Devereaux
chama o genro e este apresenta um álbum com desenhos da delegação cubana, e lá está
Uribe, ao lado de Che Guevara. Devereaux destaca o desenho e parte com o dinheiro para
o suborno. Até 32 min e 51 seg.
2.11. Espionagem no Harlem;
2.11.1.Devereaux procura Philippe Dubois, florista martinicano que está a seu ser-
viço. Devereaux explica-lhe que ele deve procurar Uribe, pois este odeia os americanos,
pois teve um filho morto na Baía dos Porcos. Até 35 min e 45 seg.
2.11.2. Devereaux e Dubois chegam ao Hotel Theresa, no Harlem.
Dubois se apresenta no Hotel e pede para falar com Uribe. No primeiro contato, U-
ribe não se dispõe a colaborar e quando já ia tomar o elevador, Dubois o detém e aponta
para o bolso onde está o dinheiro. Uribe se inclina, Dubois mostra o envelope e, enfim,
parece que se entendem [Esta seqüência foi filmada com teleobjetiva, do ponto de vista de
Devereaux, que permanecera do outro lado da rua]. Dubois acena para Devereaux e mostra
o relógio: deve aguardá-lo. Devereaux olha o relógio e lembra que está atrasado para o
jantar com a família. Até 39 min e 10 seg.
2.11.3. Corte para a família Devereaux que espera num restaurante. Até 39 min e 19
seg.
2.11.4. Retorno ao Harlem. Dubois chega ao andar em que está hospedado Rico
Parra, o ambiente é caótico, a maioria dos revolucionários está uniformizada e usa barba,
há pessoas sentadas no corredor, um homem uniformizado joga cascas de frutas no chão.
Dois amigos de Parra querem vê-lo, mas seu segurança, de forma truculenta os impede.
Como a porta está entreaberta, gritam seus nomes e são recebidos. Até 40 min e 35 seg.
2.11.5. No banheiro, Dubois e Uribe acertam uma forma de atrair Parra para uma
entrevista, assim o funcionário cubano poderá trazer a pasta para fotografarem os docu-
mentos. Até 41 min e 8 seg.
2.11.6. Dubois e Uribe voltam ao corredor e se aproximam do quarto de Parra, ao
chegarem vêem este por para fora os dois amigos que pretendiam, simplesmente, dinamitar
a Estátua da Liberdade. Até 41 min e 28 seg.
2.11.7. Dubois convence Parra a dar a entrevista e o leva para a sacada, dali acena
para o grupo que responde com vivas para o líder cubano. Na tomada do interior do quarto
já aparecem muitas garrafas de bebida. Até 43 min e 8 seg.
2.11.8. No interior do quarto, aparece Uribe e ao fundo uma grande quantidade de
garrafas. Até 43 min e 10 seg.
2.11.9.Na sacada, Dubois tira fotos de Parra. O líder cubano acena com a mão em
ângulo reto duas vezes, na terceira temos a saudação nazista. Até 43 min e 12 seg.
2.11.10.Uribe se movimenta. Até 43 min e 23 seg.
2.11.11.Uribe pega a mala e sai para o corredor. Até 44 min.
2.11.12.. De volta ao quarto, Dubois pergunta o que deve colocar como legenda das
fotos. Parra diz: “Embora sejamos um país pequeno, breve não teremos medo de nin-
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240
guém”. Dubois comenta: “Então, algo vai acontecer.” Parra replica: “Eu não disse isso.
Publique só o que eu disse.” Até 44 min e 36 seg.
2.11.13.Dubois se despede e dirige-se a outro quarto, no corredor, passa uma outra
mulher. Até 45min e 16 seg.
2.11.14. Parra volta a trabalhar e o ambiente caótico e sujo do quarto é enfatizado.
Procura um documento nas pastas e vai encontrá-lo debaixo de um pedaço de sanduíche,
engordurado e sujo. Ao voltar-se para sua mesa, cospe no chão. Tira da gaveta uma garra-
fa, assopra num copo empoeirado e bebe. Até 47 min e 13 seg.
2.11.15. Parra dá pela falta da pasta e dirige-se ao quarto de Uribe, no corredor cir-
culam mulheres, uma sozinha e outra de braços dados com um revolucionário. Até
48min19seg.
2.11.16. Parra chega ao quarto de Uribe e vê os dois fotografando os documentos.
Dubois pula pela janela e Parra toma o revólver de Hernandez e atira em direção ao fugiti-
vo, que escapa deixando a câmera com Devereaux. Até 49 min e 18 seg.
Parra, Juanita, Devereaux e Hernandez, este último reconhece Devereaux com o homem
com que esbarrou no dia do incidente no Harlem. Até 1 h, 9 min e 53 seg.
3.3. Devereaux é desmascarado:
3.3.1. Parra visita Juanita e dá um ultimatum a Devereaux: deve deixar Cuba até a
manhã do dia seguinte, pois sua condição de espião fora descoberta. Juanita reage e impe-
de que Devereaux seja imediatamente conduzido por Parra. Até 1 h, 15 min e 9 seg.
3.3.2. Devereaux prepara sua bagagem, acompanhado de Juanita, sensivelmente
triste com a partida. Tomás, empregado e militante da resistência, entra com o material que
prova a presença de mísseis ofensivos em Cuba. Juanita também entrega uma caderneta
que só deve ser lida no avião. E pede que antes de tomar o vôo, ligue para ela. Muito emo-
cionada, se despede. Até 1 h, 19 min e 48 seg.
3.4. A tortura:
O casal Mendoza aparece em plano médio no interior de uma prisão. A Sra. Men-
doza ampara o marido no colo, em nítida analogia com a Pietá de Micheangelo. Ambos
têm sinais de tortura, o homem está sem sentidos e a mulher mal balbucia algumas palavras
que revelam para quem trabalhavam: “ Ju-a-ni-ta de Cor-do-ba”.
3.5. A morte de Juanita:
Acompanhado de Munoz e de outros soldados, Parra chega à casa de Juanita e lá
descobrem a câmara escura e o material de miniaturização de filmes. Juanita e Parra discu-
tem, ele a acusa de traição e ela justifica dizendo que eles fizeram de seu país uma prisão.
Parra diz que ela “será torturada como os Mendoza foram”. Munoz liga para o aeroporto e
avisa que os filmes estão nas lâminas de barbear. Prosseguindo sua conversa com Juanita,
Parra fala o quanto sofrerá para revelar os outros nomes. Movimenta a mão para baixo e
ouve-se um tiro: Juanita cai num movimento em que o vestido (roxo) se abre lembrando
uma flor a desabrochar (Hitchcock em entrevista fala desta intenção e dos artifícios que
usou para obter este efeito). O telefone toca uma vez e alguém diz que Devereaux fora li-
berado pois não havia nada com ele. Na segunda vez, Deveriaux é avisado que Juanita está
morta. Até 1 h, 26 min e 42 seg.
3.6. Onde estão os filmes?
No avião, que tem protetor de encostos amarelos (cor de topázio), Devereaux tem
expressão desolada. Resolver abrir a caderneta e nota algo estranho na parte inferior da
capa: era o filme. A habilidade da rede de espionagem cubana o colocara onde nem ele
mesmo sabia. Até 1 h, 28 min e 47 seg.
recomenda que Devereaux faça como ele: decida entre sua consciência e o seu governo e
escolha ficar com os americanos, que lhe darão trabalho e vida nova. McKittrick adverte
que seu governo prepara medidas contra Cuba ou contra a Rússia, por isso tal organização
não pode saber que os americanos estão informados. Até 1 h, 35 mim e 50 seg.
4.3. Devereaux em Paris:
Devereaux encontra-se com seus colegas em Paris, antes de falar com o diretor-
geral. Procura sondar a reação dos seus pares à revelação de que há espiões no governo.
Tudo parece sem surpresas até que Henri Jarré, o economista da OTAN, diz não acreditar
em tais denúncias pois Kusenov teria morrido há cerca de um ano. Até 1 h, 40 min e 44
seg.
4.4. Topázio tem problemas:
Henri Jarré procura Jacques Granville, agente francês, que sabemos agora ser o che-
fe da organização. Jarré quer eliminar Devereaux, pois este já sabe de seu envolvimento na
rede de contra-espionagem. Granville argumenta que isto não é oportuno e pede que Jarré
mostre naturalidade e aguarde seu contato. Apressa a saída do colega, pois espera uma visi-
ta; ao sair Jarré olha para trás e a visita de Granville (Nicole) o vê. Até 1 h, 45 min e 58
seg.
4.5. Um triângulo amoroso:
Nicole encontra-se com Granville que a agradece por ter vindo, o que ela responde:
“Por que não viria? Sou uma mulher livre.” Até 1 h, 46 min e 29 seg.
4.6. O cerco sobre Topázio:
François Picard, o genro de Devereaux, visita Jarré e no decorrer da entrevista, dei-
xa claro que sabe das atividades do economista e sugere que ele faça um acordo com Deve-
reaux. Jarré, aparentando muito nervosismo e insegurança, aceita e Picard liga para o so-
gro. Enquanto falam, chegam pessoas conhecidas de Jarré ao apartamento. A ligação cai,
preocupado, Devereaux e Michele se dirigem ao local. Até 1 h, 54 min e 55 seg.
4.7. Jarré é assassinado:
Ao chegarem à casa de Jarré, encontram o corpo sobre um automóvel e a janela a-
berta; o que parece indicar um suicídio forjado. Até 1 h, 56 min e 35 seg.
4.8. A revelação:
De volta à casa, Devereaux e Michele dizem a Nicole que François desaparecera.
Logo François reaparece . Fora nocauteado pelos homens que visitaram Jarré e seqüestra-
do, no momento em que a vigilância é relaxada, foge, sendo atingido de raspão. Após ser
medicado, fornece um endereço que ouvira dos agressores: Babilônia 8583. François lem-
bra do álbum de desenhos que pensa ter deixado na casa de Jarré. Na verdade, Devereaux o
trouxera e François pode mostrar “o retrato de um traidor morto”. Nicole observa e reco-
nhece o homem que vira saindo da casa do amante, concluindo que Jacques Granville é o
chefe da organização. A revelação deixa André estarrecido, volta-se para uma mesa, ao
fundo vê-se flores amarelas, em cima da mesa uma foto dos três, ele, a mulher e Granville,
estão armados, indicando que pertenceram à resistência francesa ao nazismo. Até 2 h, 1
min e 7 seg.
4.9. Os americanos em Paris:
No Aeroporto de Paris, num estande de jornais, lê-se no Herald Tribune a manche-
te: “Talvez bases em Cuba sejam bombardeadas pelos EUA”. Nordstrom desce do avião
para a reunião onde os americanos apresentarão o problema dos mísseis ao governo fran-
cês. Devereaux espera por Nordstrom e revela o nome do chefe da organização e passa-lhe
uma foto (provavelmente a foto da resistência) para que o americano possa identificá-lo na
reunião. Até 2 h, 2 min e 19 seg.
4.10. Granville é desmascarado:
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243
5. Epílogo:
A partir da manchete do Herald Tribune, que alguém segura (parece ser Devereaux,
pois estamos em Paris) “Solucionada a crise em Cuba: Rússia remove mísseis”, aparecem
tomadas da tortura, morte de Jarré e Juanita, fechando com a imagem de Devereaux no
avião, voltando de Cuba. O jornal é jogado num banco de praça e aparece ao fundo o Arco
do Triunfo e os créditos finais. A música é a mesma marcha que abriu o filme. Até 2 h, 5
min e 30 seg.
5.Universo diegético:
A história de Topázio transcorre em cinco países: Dinamarca, Cuba, Estados Uni-
dos, União Soviética e França, envolvendo particularmente os três últimos num efetivo
triângulo de espionagem.
Dinamarca é apenas o ponto de partida (Cortina rasgada, outro suspense de espio-
nagem de Hitchcock também começa na Dinamarca) e Cuba, conforme a visão do diretor é
um satélite, um ponto a gravitar em torno do vértice soviético.
A União Soviética aparece no prólogo (1), onde é apresentado um documentário
enfocando uma parada militar. As imagens de Copenhague aparecem num longo conjunto
de seqüências (2.1.), quando a família Kusenov procura desvencilhar-se da segurança sovi-
ética.
Ao chegar aos Estados Unidos, a família é conduzida pelas ruas de Washington,
passando pelo Capitólio e pela Casa Branca (2.3. e 2.4.). A viagem dos Devereaux a Nova
Iorque desloca a ação para lá (8). 281 Em outro momento (2.11.2), o agente Dubois vai ao
Hotel Theresa, no Harlem, onde realmente Fidel Castro se hospedou em 1959. Segundo
Hitchcock não foi possível rodar as cenas na locação pois a construção já estava bastante
descaracterizada na época das filmagens, sendo necessário construí-lo em estúdio.
Cuba aparece em tomadas externas, enfatizando o caráter rural, na tomada que a-
presenta a casa de Juanita (3.1.3.), situada no alto de uma colina e parecendo ser a sede de
uma fazenda. Cuba aparece também na seqüência do comício, onde podemos ver os prin-
cipais líderes da revolução (3.2.). O comício é estruturado com cenas dramatizadas e do-
cumentais de um filme de 16 mm não citado nos créditos. Nas tomadas internas, Cuba é
representada pela arquitetura colonial da casa de Juanita.
Paris é apresentada com uma tomada sobre os letreiros do avião que traz Devereaux
: “Air France”, pela fachada do Hotel Pierre, onde conversam os agentes franceses ( 4.3.) e
a imagem do Arco do Triunfo da seqüência final (5). Na seqüência onde Nicole e Granvil-
le se encontram aparece uma típica rua da Paris antiga (4.5.).
281
Hitchcock aparece nesta seqüência, levantando-se de uma cadeira de rodas para cumprimentar um amigo.
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244
5. Leitura isotópica:
Topázio possui uma rede temática que se insere no conjunto do trabalho, que é in-
divíduo/modo de vida capitalista e indivíduo/socialismo (2.4, 2.7 e 2.11.14). O complô
capitalista diz respeito à rede de cubanos direitistas (2.1, 2.9, 2.11.2, 3.1.3, 3.1.4, 3.1.5,
3.16, 3.1.7 e 3.5) e o complô comunista é a rede de espionagem franco-soviética chamada
Topázio (4.1, 4.2, 4.4, 4.8 e 4.10). No tratamento diretamente ligado à crise dos mísseis
identificamos as seguintes redes temáticas: Estado e violência (1, 2.1, 2.5) e posição das
diferentes nações na Guerra Fria (2.1, 2.6, 3.2 e 3.1.1).
282
Anatoli GROMIKO, op. cit., p. 220.
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245
2.1. O agente
soviético tenta atirar Os soviéticos A imagem é
em direção aos Ku- podem atirar em a semiose-guia.
senov com muitas direção a multidões.
pessoas em torno do
alvo.
2.5.Máquinas
fotográficas e gra- Os repre- Equilíbrio
vadores aparecem na sentantes do go- entre imagens e tex-
sala onde os Kuse- verno americano to.
nov serão fotografa- procuram enfatizar o
dos e ouvidos isola- aspecto coercitivo
damente. da operação.
2.11.16. O
líder cubano Parra
atira em direção ao
fugitivo da sacada O líder cuba- Imagem co-
do hotel; o alvo está no atira indiscrimi- mo semiose-guia.
no meio da multidão nadamente em dire-
que o aplaude. ção ao seu alvo.
3.4. O casal
Mendoza aparece
em plano médio
interior de uma pri- A violência A semiose-
são. A Sra. Mendoza contra prisioneiros guia é a imagem,
apoia o marido no do Estado cubano é nítida analogia com
colo; ambos têm ricamente caracteri- a Pietá de Michean-
sinais de violência, o zada. gelo.
homem está desa-
cordado e ela balbu-
cia.
Mais adiante
Parra dirá que Juani-
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246
3.5. Chama-
da de traidora por
Parra, Juanita replica
que “eles transfor- A desforiza-
maram seu país nu- ção do processo re- O texto é a
ma prisão”; para volucionário justifi- semiose-guia.
livrar Juanita da ca a ação do grupo
tortura, Parra a mata. contra-
revolucionário.
4. Devereaux
e a filha encontram
o corpo de Jarré
morto, após visita de A morte de
um grupo da organi- um agente que co- A semiose-
zação Topázio. meçava a dar sinais guia é a imagem.
de medo é apresen-
tada como medida
natural tomada pelos
funcionários soviéti-
cos.
Estado e 2.1. A ban- A bandeira A semiose-
símbolo nacional deira soviética ( re- enfatiza os centros guia é a imagem.
tângulo vermelho de decisão na trama.
com foice, martelo
e estrela vermelha
no canto superior
esquerdo) assinala a
saída dos Kusenov e
dos agentes.
2.1. A ban-
deira americana (re-
tângulo de listas
vermelhas e brancas
com retângulo me-
nor em azul com
estrelas brancas)
antecede a imagem
do agente america-
no.
2.6. A ban-
deira francesa (um
retângulo com três
faixas verticais nas
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247
3.2. A ban-
deira de Cuba (re- A bandeira A semiose-
tângulo com faixas cubana é desforizada guia é a imagem.
horizontais azul e como símbolo na-
branco com um tri- cional, assinala uma
ângulo vermelho articulação menor da
com uma estrela trama, na medida em
branca no interior que está associada a
localizado no lado uma ação reativa.
esquerdo) aparece
entre a multidão e
no palanque.
problemas contidos nos capítulos, reunimos as redes temáticas de cada filme nesta seção.
Com este recorte, o leitor pode observar a contribuição de cada obra para os diversos enfo-
ção/conspiradores” (3.1, 3.3, 3.4, 3.5, 5.3, 5.4, 5.5, 6.2) e sua inversão “contra-
ta” (4.2, 4.3, 6.7, 7.12 e epílogo) e sua inversão “indivíduo/socialismo” (4.1, 4.4, 5.6, 6.4).
O filme tem pretensões de fidelidade, pretendendo criar um contraponto entre as duas al-
ternativas, tornando a opção pelo mundo capitalista como natural. A conspiração comunis-
ta não se confunde com gangsterismo, documenta com alguma fidelidade o cotidiano das
lismo) inaugura uma visão maniqueísta que vai se desdobrar mais adiante.
3.As duas redes temáticas centrais em Anjo do mal são “complô comunista” e “con-
(2.7, 5.2, 5.4 e 5.7). Enquanto o batedor de carteira, Skip McCoy (Richard Widmark) está
qualquer interesse coletivo, sua amante Candy, motivada pelo desejo de preservar a vida
definição de seus componentes (2.2, 3.24, 3.26, 4.5, 4.6 e 4.7), onde liberalis-
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252
“Indivíduo e ética” (3.2, 4.10 e 4.13) é a rede temática que apresenta os dilemas de
Kane e Amy sobre conduta e visão de mundo. Preferimos não incorporar à leitura do filme
a alegoria da política externa americana por não encontrarmos elementos muito consisten-
e 3.7), e “corrupção e poder” (2.3, 2.7, 3.10, 3.11, 4.1, 4.4, 4.5 e 4.7). Uma rede temática
3.11 e 4.2), muito recorrente na filmografia sobre a Guerra Fria e aqui largamente desen-
volvida. Em Viva Zapata! todo poder leva à corrupção, portanto toda revolução está fadada
no culto ao herói. Em torno deste núcleo estão as seguintes redes temáticas: “indivíduo
violência” (4.1, 4.5, 4.6 ) e “a defesa da delação” (2.7, 2.8, 3.7 e 4.3).
7. A crítica à vida moderna em Vampiros de alma (o diretor diz que identifica esse
que esta racionalidade extrema, da qual são dotados os “vampiros”, tem origem externa,
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253
não sendo fruto de desenvolvimento reflexivo. A própria mente é vista como limitada na
ção” (4.2, 6.1, 6.2, 6.3 e 10.3), é importante registrar que um dos conspiradores, a sra. Ele-
anor Iselin, se distingue dos demais ao se dizer não-comunista, e revela ter interesse,
simplesmente, em chegar ao poder a qualquer preço. Nesta situação, livrar-se-á dos pró-
prios comunistas, que a fizeram sacrificar seu filho (10.3). A rede temática “indiví-
duo/independência/heroísmo” (4.3, 7.2, 7.9 e 10.8) apresenta dois personagens com perso-
nalidades bem distintas: Raymond Shaw com sua frustrada tentativa de se livrar da mani-
pulação, desde aquela que se origina na relação com a mãe, até a resultante da hipnose e
lavagem cerebral. Shaw só supera completamente tal situação com o sacrifício, enquanto
nando a essência vital dos seres humanos (habitantes do mundo capitalista). É ainda mais
estranho a forma final da perda da essência (pelo menos no que diz respeito aos homens),
ela aconteceria no ato de fazer amor. Na rede temática indivíduo/modo de vida capitalista,
283
Harry Shein, em The Olympian Cowboy, desenvolve esta abordagem. Cf. Phillip Drummond, op. cit., pp.
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254
divíduo/socialismo” (3.2, 3.4, 3.5, 5.7, 5.8) apresenta pessoas que, em diferentes níveis
estão insatisfeitas com o socialismo. Gromek tem profunda nostalgia do tempo em que
para os Estados Unidos. Para discutir o papel representado pela Alemanha na Guerra Fria,
estudantes são mobilizados para caçar o professor e sua assistente (5.1). Como também, no
correio, logo um guarda suspeita dos três e avisa a polícia (5.8). No teatro, o casal é desco-
berto pela bailarina no momento que termina sua pirueta (5.10). Para combater este Estado
onipresente, uma poderosa organização com agentes no campo (3.9), nas cidades (2.6, 2.8,
4.1, 5.2, 5.3, 5.9), na administração publica (5.8), no meio artístico (5.11). As fissuras no
3.11, 4.5 e 4.12), incorpora o conflito entre ele e Sarah, apenas desfeito no final da terceira
11. Topázio possui uma rede temática que se insere no conjunto do trabalho, que é
94-95
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255
tratamento diretamente ligado à crise dos mísseis identificamos as seguintes redes temáti-
cas: “Estado e violência” (1, 2.1, 2.5) e posição das diferentes nações na Guerra Fria (2.1,
2.6, 3.2 e 3.1.1). O “contra-complô capitalista” (2.1, 2.9, 2.11.2, 3.1.3, 3.14, 3.1.5, 3.1.6,
3.1.7 e 3.5); “o complô comunista” (4.1, 4.24.4, 4.7, 4.8 e 4.10) são parte de uma grande
ação de espionagem.
Conclusão
ram marcados necessariamente pelas grandes transformações que sofreu o cinema do pós-
filosóficas. Os dois pontos em comum seriam uma certa ideologia progressista e algum
nível de afastamento do modo de fazer filmes no estilo hegemônico americano, tanto nos
A presença de obras mais próximas aos cinemas novos pode ser notada na crítica ao
ve-se dizer o mesmo da crítica a um patriotismo tolo em Anjo do mal e Matar ou morrer.
aproximação entre os cineastas que fizeram filmes sobre a Guerra Fria com os cinemas
novos, tanto no aspecto estético, como ideológico. Sabemos como as definições ideológi-
cas estavam longe de serem tratadas com precisão entre as duas áreas.
chamar de cinema de gênero, bem situado no modo de produzir dos grandes estúdios, daí a
nível, passíveis de serem aproximados da chamada política dos autores, como denomina-
ram André Bazin e outros críticos franceses. Don Siegel, Samuel Fuller e Hitchcock seriam
destacados pela revista Cahiers du cinèma como mais do que profissionais a serviço dos
estúdios.
O cinema britânico presente nos filmes analisados tem uma posição de relativa in-
dependência e consegue, às vezes, atingir níveis de elaboração não alcançados pelos cine-
ma americano. A fusão do thriller com elementos da ficção científica será realizada pelo
diretor Terence Young, nos primeiros filmes da série James Bond, Stanley Kubrick faz, em
Dr. Fantástico, a mais bem sucedida crítica ambivalente aos dois pólos do conflito.
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257
Considerações finais
“É tempo já de o cinema começar a operar com o pensamento
abstrato, reduzível a um conceito concreto”.
Serguei M. Eisenstein
se fato e de suas implicações é que nem sempre existe naqueles que fazem arte. Quando
este nível de preocupação está presente, como é o caso dos filmes que analisamos, um pa-
menta sua eficácia, gerando interpretações às vezes opostas, e tem sua permanência rela-
tivamente assegurada.
O modo de vida capitalista é apresentado de forma tão paradisíaca que lembra, iro-
nicamente, a promessa de um mundo novo do ideário socialista. Por sua vez, o homem
homem destituído de parte essencial de humanidade. O uso da ideologia não é impune, esta
caricatura do homem comunista vai lembrar o homem do modo capitalista real: há vários
momentos, onde personagens de desenho bem realista, como Terry Malloy (Marlon Bran-
gum nível de coletividade precisa ser estabelecido, da mesma forma que um homem frag-
formação coletiva. O cinema sobre a Guerra Fria apresenta as classes sociais como impos-
ganda anticomunista. Eddie (Eva Marie Saint), em Sindicato de ladrões, pensa que “as
pessoas são parte uma das outras”, uma visão que parece isolada num mundo onde impera
ção dos comunistas; e dos espaços institucionais, no que diz respeito à ação anticomunista.
ferro é logo descartada, não chegando a ser influente no conjunto dos filmes anticomunis-
tas. A conspiração política implica dar aos comunistas o status de sujeitos políticos. Nesta
típico dessa abordagem é Anjo do mal, com o seu nivelamento absoluto, a ponto da dubla-
gem francesa trocar comunistas por gângsters. O terceiro caso abrange aqueles filmes que
nio do mal, onde a aliança insólita de comunistas e anticomunistas produz um segundo tipo
dade da ação política, à medida que esta ação emerge dos subterrâneos, sendo manifesta-
herói no modo capitalista de vida. Descendo dos céus montanhosos do México, como em
Viva Zapata!, ou correndo alucinado pela auto-estrada, como o Dr. Miles, de Vampiros de
almas, surge o herói capaz de libertar as massas ignorantes ou indiferentes. Mas mesmo
esta saída não é muito segura. Há heróis e não há heróis, é preciso semear ainda um pouco
de confusão, como faz Zapata (Marlon Brando): “todos os homens erram como vocês, não
ções nas relações entre Estados Unidos e União Soviética. A partir da política de aproxi-
mação, iniciada na segunda metade da década de 50, comunistas chineses e cubanos pas-
sam a ser os novos alvos, como Sob o domínio do mal e Topázio apontam. Os russos pas-
sam a ser vistos como burocratas tolos e não mais tão perigosos. Pierre Sorlin afirma que
este tratamento simpático aos comunistas russos teria contribuído para impedir uma avalia-
estão presos ainda à relação fundamental da imagem analógica com a emoção. O cinema
colocou em segundo lugar a imagem alegórica (construída pela mão humana). No primeiro
caso, a carga emocional produzida certamente tem a ver com o processo de identificação
284
Pierre SORLIN, The cinema: American weapon for the Cold War, p. 381.
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260
que esse tipo de imagem acentua. O processo de identificação não ocorre, na mesma pro-
verdadeiras pinturas, como os de O gabinete do dr. Caligari e os textos nos filmes de Go-
dard, alertam-nos que estamos vendo um filme. Mas estas experiências estão à margem, a
razão e o pensamento abstrato permanecem como terrenos quase interditos à produção ci-
nematográfica hegemônica.
hriller, passando pela ficção científica, até a fusão de ambos na série James Bond, a partir
de 1963. O novo contexto internacional, inaugurado naquele ano, impõe mudanças, mas
gêneros diversos e o culto do herói individualista. É importante notar que a produção dire-
tamente ligada ao mccarthismo difere em aspectos importantes de filmes que serão produ-
A série James Bond reúne os elementos da ficção científica, tão extensamente usa-
dos, com os aspectos do gênero suspense que deram início ao ciclo. Estereótipos longa-
mente construídos são reaquecidos, levando em conta a nova imagem do inimigo, a ficar
claro logo no primeiro filme. Em O satânico Dr. No, a ameaça vem do oriente e de uma
imprecisa ilha do Caribe, como, em parte, Sob o domínio do mal já antecipava. A crise do
1962, o cinema britânico dá início a uma nova fase com a série 007. A série sintetiza as
285
Pierre SORLIN, Indispensáveis e enganosas, as imagens testemunhas da história, p. 89.
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261
almas, está agora restrito ao personagem do herói. A retomada do ciclo por um setor não-
mento de visões de mundo. Com a devida reserva sobre o alcance de tais possibilidades,
acreditamos que alguma influência é exercida. O cinema, marcado por fortes componentes
ideológicos, cumpre o papel, entre outros meios, de reforçar opiniões já definidas ou pro-
vocar novas. Para tanto, precisa acercar-se de valores estéticos que o aproximem da obra
modo de produção capitalista e predominante nas dezenas de filmes com abordagem anti-
comunista.
A caça às bruxas acirrou esta tensão e colaborou para a produção de filmes que des-
seu discurso. Elia Kazan construiu seu discurso, fundamentando uma ética individualista.
de Sal da terra.
quanto aqueles que os seres humanos repudiam, em filmes, como Vampiros de almas.
Antonio Gramsci afirma que, se alguém pusesse em prática todos os pressupostos filosófi-
cos do catolicismo, seria um monstro.286 O anticomunismo nos coloca frente a piores situa-
ções: profunda cisão entre emoção e razão, deslegitimação e desideologização da ação co-
286
Antonio GRAMSCI, Concepção dialética da história, pp. 38-39.
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262
letiva, substituindo-a pelo culto ao herói individual, pela ausência de padrões coletivos de
desvincularem da estrutura, vão se constituindo, cada vez mais, como fenômenos “deseja-
na seqüência do casal de russos protegidos pela polícia canadense, o histérico dr. Miles na
depois que ela se encerra. No intervalo entre uma e outra, considerando que a segunda teria
se iniciado em 1980, com a ascensão de Ronald Reagan, uma presença foi notável – a série
James Bond (desde o primeiro até 1977 foram produzidos 11 episódios). A partir de 1980,
tem início um novo ciclo, assinalado pelo lançamento de Rambo, programado para matar
(First blood, 1982). Mas o estudo das séries James Bond e Rambo já foge dos limites deste
tema.
287
Ibid., p. 62.
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Anexos
1.Ficha técnica:
Título: I was a comunist for the FBI, Estados Unidos (em português Fui comunista para o FBI)
Ano: 1951
Estúdio: Warner Brothers
Distribuição:
Duração: 83 min
Direção: Gordon Douglas
Produção: Bryan Foy
Roteiro: Crane Wilbur, baseado nas experiências de Matt Cvetic, contadas a Pete Martin e publica-
das em The Saturday evening post
Direção de fotografia: Edwin DuPar
Edição: Folmar Blangsted
Som: Leslie G. Hewit
Decoração: Bryan Foy
Maquiagem: Gordon Bau
Cópia analisada: fita em VHS gravada a partir de exibição na televisão
Personagens e intérpretes principais: Matt Cvetic (Frank Lovejoy), Eve Merrick (Dorothy Hart),
Philip Carey, James Millican, Richard Webb, Konstantin Shayne, Paul Picerni, Roy Roberts, Eddie
Morris, Ron Hagerthy, Hugh Sanders e Hope Kramer.
Sinopse:
Agente do FBI se infiltra no movimento comunista de Pittsburg para colher provas
de que atividades políticas são fachada para a subversão. O principal líder comunista apre-
sentado é Gerard Eisler, alemão que viveu nos Estados Unidos durante a II Guerra. Com
pretensões documentais, o filme encena as experiências de Matt Cvetic como espião.
2. Sal da terra
Ficha técnica:
Título: Salt of the earth, Estados Unidos( em português Sal da terra)
Ano: 1954
Estúdio: Independent Productions Corp.
Duração: 92 min
Direção: Herbert J. Biberman
Produção: Paul Jarrico
Roteiro: Michael Wilson
Direção de fotografia: Frank Truff
Edição:
Música: Sol Kaplan
Direção de arte: Sonja Dhal
Personagens principais e intérpretes: Rosaura Revueltas (Esperanza Quintero), Juan Chacon (Ramon
Quintero), Will Geer (xerife), Mervin Williams, David Servas.
Sinopse:
Trabalhadores de uma mina de zinco, no Novo México, iniciam uma greve após
sucessivos acidentes. Os trabalhadores são expulsos do local, mas as mulheres tomam a
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274
Gênero: comédia
Ficha técnica
Título: A king in New York, Grã-Bretanha (em português Um rei em Nova York)
Ano: 1957
Estúdio: Sheppterton Studies
Distribuição: Attica Film Company
Duração: 103 min
Direção, roteiro e música: Charles Claplin
Produção: Mickey Delamar
Gerente de produção: Eddie Pike
Direção de fotografia: Georges Perinal
Edição: John Seabourne
Som: John Cox
Direção de arte: Allan Harris
Maquiagem: Stuart Freeborn
Cor: preto e branco
Cópia analisada: fita em VHS distribuída por Ediciones Altaya
Personagens principais e intérpretes: rei Shadov (Charles Chaplin), Ann Kay (Dawn Addams),
Jaume (Oliver Johnston), Ruppert (Michael Chaplin), Maxime Audley, Joan Ingram, Harry Green, Sidney
James, Phill Brown, Jerry Desmonde, John McLaren, ascensorista (Robert Arden), Alan Gifford, Shani
Wallis, Joy Nichols, Lauri Lupino Lane e George Truzzi.
Sinopse:
Deposto por uma revolução, o rei Shadov se refugia nos Estados Unidos. Lá, a for-
tuna trazida na fuga é roubada pelo primeiro-ministro. O seu envolvimento com uma atra-
ente apresentadora de televisão o leva a tornar-se um astro, até conhecer um menino cujos
pais estão sendo perseguidos pelo macarthismo. Esta aproximação o faz ser considerado
“um rei comunista” e ter que depor na Comissão de Atividades Antiamericanas.
4. Intriga internacional
Ficha técnica:
Título: North by northwest, Estados Unidos (em português Intriga internacional)
Ano: 1959
Estúdio e distribuição: Metro Goldwyn Mayer
Duração: 136 min
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Robert Boyle
Produtor associado: Herbert Coleman
Roteiro: Ernest Lehman
Direção de fotografia: Robert Burks
Edição: George Tomasini
Música: Bernard Herrmann
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275
Sinopse:
O publicitário Roger Thorhill (Cary Grant) é confundido com espião inventado pelo
FBI e CIA e passa a ser perseguido por rede de espionagem estrangeira. Os espiões preten-
dem fugir dos Estados Unidos com importantes segredos em microfilmes. Roger Thorhill é
acusado de assassinato e começa uma impressionante jornada para provar sua inocência. A
principal referência à Guerra Fria é o comentário indignado do publicitário apaixonado ao
saber que sua amada vai acompanhar o espião. “Vocês deveriam [ele dirige-se ao profes-
sor, chefe da espionagem americana] aprender com as guerras frias a derrotar espiões sem
pedir a garotas como ela [Eve Kendall] para irem para cama e viajarem com eles.”
5. O homem do Sputnik
Gênero: comédia
Ficha técnica:
Título: O homem do Sputnik
Ano: 1959
Diretor: Carlos Manga
Assistente de direção: Sanin Cherques
Argumento, roteiro e cenografia: Cajado Filho
Diretor de fotografia: Ozen Sermet
Cinegrafista: Antônio Gonçalves
Som: Aloísio Viana
Montagem: Waldemar Noya
Música: Radamés Gnatalli
Personagens e atores principais: Anastácio (Oscarito), Nélson/Jacinto Pouchard (Cill Farney), Cleci
(Zezé Macedo), namorada de Nélson (Neide Aparecida), chefe dos espiões soviéticos (Hamilton Ferreira),
dondoca (Heloísa Helena), Alberto (Alberto Peres), BB (Norma Benguel), espião americano (Jô Soares),
Cesar Viola, Grijó Sobrinho, Abel Pêra, Fregolente, Labanca, Tutuca e outros.
Sinopse:
O primeiro satélite288 artificial lançado pelos soviéticos teria caído no Brasil, no
galinheiro de Anastácio (Oscarito), um habitante do subúrbio do Rio de Janeiro. Estados
Unidos, União Soviética e França iniciam uma corrida para recuperá-lo. Anastácio e a mu-
lher Cleci (Zezé Macedo) avaliam que estão ricos pois o satélite tem uma cobertura de ou-
ro. Anastácio se antecipa à mulher na tentativa de vender o achado, mas esbarra na luta
pelo poder entre Nelson (Cyl Farney) e Alberto (Alberto Perez) que trabalham num impor-
tante jornal da cidade. É levado a esconder o satélite provocando conflitos entre os espiões
de cada país que chegam ao Brasil.
O filme de Carlos Manga é bem realizado, destacando-se o seu gosto pelas rimas
visuais, como na passagem da seqüência dos russos onde abrem um armário com coca-
cola, para a seqüência dos americanos que também bebem coca-cola. A estrutura circular,
com o filme começando e acabando com o mesmo plano (a placa do galinheiro de Anastá-
cio e Cleci) é outro recurso bem aplicado.
288
Em russo sputnik significa satélite.
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No entanto, o aspecto mais relevante para o nosso tema é a sua dura crítica ao im-
perialismo americano. Manga brinca com o símbolo da águia, colocando-a com uma coca-
cola entre as garras e a visão do Brasil que os americanos apresentam no filme é de uma
republiqueta que poderia ser comprada com chicletes e bugigangas.
Ficha técnica:
Título: Seven days in may, Estados Unidos (em português Sete dias em maio)
Ano: 1963
Estúdio e distribuição: Seven Arts Productions e Joel Productions Inc.
Duração: 117 min
Direção: John Frankenheimer
Produção: John Frankenheimer e Joel Productions
Diretor de produção: Edward Lewis
Gerente de produção: Hal Polaire
Roteiro: Rod Serling, baseado na novela de Fletcher Knebel e Charles W. Bailey
Direção de fotografia: Ellsworth Fredricks
Edição: Ferris Webster
Música:
Direção de arte: Cary Odell
Som: Joe Edmondson
Cópia analisada: fita em VHS gravada a partir de exibição na TV
Personagens principais e intérpretes: James M. Scott (Burt Lancaster), Martin (Jiggs) Casey (Kirk
Douglas), presidente Jordan Lyman (Frederic March), senador Raymond Clark (Edmond O’Brien), Paul
Girard (Martin Balsam), Eleanor Holbrook (Ava Gardner), Christopher Todd (George Macready) e outros.
Sinopse:
Com a assinatura de um tratado de paz entre Estados Unidos e União Soviética,
grupo de militares de direita começa a articular um golpe de Estado. Os conspiradores têm
à frente o gen. James M. Scott (Burt Lancaster) que defende um regime fascista como for-
ma de enfrentamento ao perigo soviético. Um coronel próximo aos golpistas, Martin Casey
(Kirk Douglas), descobre a articulação e informa ao presidente, que passa a comandar o
contra-complô.
Alex Viany afirma que a novela de Fletcher Knebel e Charles Bayley II está bastan-
te fundamentada nas denúncias de Fred J. Cook, em O Estado militarista. O filme aponta
como reais inimigos da democracia americana, não o gen. Scott e seus conspiradores, mas
segundo o presidente Lyman (Frederick March), a era atômica. O medo nuclear estaria
deixando as pessoas incapazes de “comandar o seu destino”: “Isto parece uma epidemia de
doenças e frustrações: impotência, solidão, fraqueza! E por este desespero, procuramos um
herói com a cor da bandeira”.
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2. Ilustrações:
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Foto
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Foto 2
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Foto 3
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Foto 4
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