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Tomás Rosa
Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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Explica que um conceito mais restritivo de “orientalismo”
conceituaria o termo como um campo de estudos eruditos, fundados na unidade geográfica,
cultural, lingüística e étnica do Oriente. Geograficamente, é como se houvesse uma linha
imaginária a dividir o continente europeu do asiático com linhas muito mais profundas.
Culturalmente, a própria literatura e arte produzida no Ocidente tende a corroborar este
pensamento. O autor cita, como exemplo, passagens da Divina Comédia, do italiano Dante
Alighieri, em que o profeta Maomé é visto como “morador do inferno”, dentre outras obras.
Desta forma, o estudioso explicita que não pode ser adotado de
forma plena, filosoficamente, o pensamento e visão orientalista, sob risco de tomar por
realidade o que constitui, tão somente, uma visão distorcida. Para ele, do ponto de vista
psicológico, o orientalismo é uma “paranóia”, resultado de conceitos e idéias traçados desde
o século XIX. A grande verdade é que o desenvolvimento das idéias sobre o mundo oriental
sempre foi processo eivado de preconceitos.O autor cita, como exemplo, a biografia do
profeta Maomé, escrita por Humphrey Prideaux, que tinha como subtítulo “A verdadeira
natureza de uma impostura”. Não se tratava de um “ataque” verbal ao profeta, mas ao próprio
berço cultural que o gerou.
Outra situação apontada pelo autor, quanto à visão trazida pelo
Orientalismo, diz respeito, essencialmente, ao Islã. A referência de Oriente que temos,
quando não incutida de exotismo ou distância, volta-se para o islamismo em suas
manifestações culturais e de religiosidade. Anteriormente ao século XVIII, aliás, toda a
conceituação de Oriente vinha impregnada de referências ao “ameaçadores” árabes,
islâmicos e otomanos.
Tal idéia só passou a ser modificada quando do surgimento de
trabalhos científicos que se voltavam à cultura e aos costumes ali perpetrados sob ótica
diversa daquela exclusivamente européia. Como exemplo, o trabalho desenvolvido pelo
estudioso Abraham-Hyacinthe Anquetil-Duperron, e também por William Jones, que
igualmente interferiram na forma com que se via o “mundo oriental”. Graças a eles, o
sânscrito, a religião e a história indiana passaram a ser admitidos como fontes de
conhecimento científico. Todavia, explicita o autor que
O conhecimento apropriado do Oriente começava por um completo estudo dos
textos clássicos e só depois passava a aplicação desses textos ao Oriente moderno.
Em face da óbvia decrepitude e impotência política do oriental moderno, o
orientalista europeu considerava como dever dele resgatar urna parte de urna
perdida grandeza c1ássica do passado oriental, de maneira a "facilitar os
melhoramentos" no Oriente do presente. O que o europeu tomava do passado
clássico oriental era urna visão (e milhares de fatos e artefatos) que apenas ele
podia empregar com maior vantagem; para o oriental moderno ele dava íacilitacóes
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e melhoramentos - e, também, o benefício do seu julgamento sobre o que era
melhor para o Oriente moderno. (p. 88)
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O campo de ação do orientalismo correspondia exatamente ao campo de ação do
império, e foi essa absoluta unanimidade entre os dois que provocou a única crise
na história do pensamento ocidental sobre o Oriente e nas suas tratativas com este.
E a crise continua até hoje (p. 113).
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decifrá-lo e, a seguir, disponibilizando seu conhecimento. É, por isto, considerado o “pai” do
Orientalismo – embora aqueles que o seguiram, ao interpor suas próprias visões pessoais, não
puderam desenvolver com tanta maestria.
Renan, noutro sentido, desenvolveu seu trabalho associando o
Oriente às modernas disciplinas comparativas, como a filologia, conferindo maior
visibilidade às estruturas do Orientalismo. Utilizava-se, assim, ao se referir ao Oriente, de
uma linguagem extremamente enraizada em linhas filológicas, que era empolgada e
romântica. Entretanto, por motivações pessoais, Renan havia substituído sua fé cristã pelo
estudo do semítico e, ao fazer afirmações sobre povos judeus ou muçulmanos, o fazia sempre
com severas restrições. Assim, “todo o esforço de Renan foi para negar a cultura oriental o
direito de ser gerada, a não ser. artificialmente no laboratório filológico” (p. 156). Mas Renan
não era o único.
Os orientalistas, como muitos pensadores do início do século XIX, concebem a
humanidade como grandes termos coletivos ou como generalidades abstratas. Os
orientalistas nem estão interessados nem são capazes de discutir indivíduos; em
vez disso, o que predomina são as entidades artificiais, talvez com raízes no
populismo herderiano. Há orientais, semitas, asiáticos, rnuçulmanos, árabes,
judeus, raças, mentalidades, nações e coisas do gênero, algumas delas o produto de
operações eruditas do tipo encontrado na obra de Renan. Do mesmo modo a
distinção, velha de séculos, entre a "Europa" e a "Ásia", ou "Ocidente" e "Oriente"
carrega, sob rótulos muito abrangentes, todas as variações possíveis
da pluralidade humana, reduzindo-a no processo a urna ou duas abstrações
coletivas terminais. (p. 163).
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Inúmeros estudiosos seguiram-se, buscando recolher notas e
construções acadêmicas pessoais acerca do Oriente. Destacam-se, para o autor, os esforços de
Burton, que, desenvolvendo um trabalho intermediário entre o intenso subjetivismo e a
imparcialidade extrema, que eram características marcantes em seus antecessores, trouxe
documentação farta e gerou uma produção bem fundamentada e rica em detalhes.
O terceiro capítulo, cognomizado “O orientalismo hoje”, inicia-se
com um retorno às explanações iniciais, tendo por objeto reiterar o desígnio indicado pelos
capítulos anteriores. O autor explica que, pela utilização de obras dos grandes escritores,
filósofos e poetas que usaram o Oriente como referencial, construiu uma caricata figura, que
representa o Orientalismo em suas vertentes, conquanto direcionamento científico. E, sobre a
forma com que foi concebido, aduz:
O Oriente que aparece no orientalismo, portanto, é um sistema de representações
enquadrado por todo um conjunto de forças que introduziram o Oriente na cultura
ocidental, na consciência ocidental e,
mais tarde, no império ocidenta1. Se esta definição do orientalismo parece mais
política que outra coisa, isso acontece apenas porque acredito que o próprio
orientalismo foi um produto de certas forcas e atividades políticas. O orientalismo
é urna escola de interpretação cujo material, por acaso, o Oriente, suas
civilizações, seus povos e suas localidades. (p. 209)
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E, no entanto, apesar dos seus fracassos, da sua lamentável linguagem
especializada, do seu mal ocultado racismo e da fragilidade do seu aparato
intelectual, o orientalismo floresce hoje nas formas que tentei descrever. De fato,
há urna razáo para alarme no fato de a sua influência ter se estendido ao próprio
Oriente; as páginas dos lívros e jornais em língua árabe (e sem dúvída ern japones,
em diversos dialetos indianos e em outras línguas orientais) estáo cheias de
análíses de segunda categoria feitas por árabes sobre "a mente árabe", "o islã” e
outros mitos. (p. 326)
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degradação do conhecimento, qualquer conhecimento, em qualquer lugar, a qualquer
momento. Hoje em dia talvez mais que antes”. (p. 332)
Fato é que são evidentes os esforços do autor no sentido de
decompor o orientalismo sob todas as figuras que se impõe a título de conceito, e analisar, de
maneira pormenorizada, os erros e acertos que o construíram, ao longo do tempo, até adquirir
a forma que possuía quando da produção de sua obra. Embora de forma repetitiva e, por
vezes, até confusa, no tocante à (des)construção histórica que antecede suas considerações
críticas, o autor denota franca insatisfação com a realidade intelectual e doutrinária
propagada à sua época, mas esperanças de transformação, ainda que vagarosa.
No intróito da obra, o autor salienta sua vontade de realizar um
“desaprendizado”, ou seja, um trabalho inverso, visando limpar do “sendo comum” tudo o
que se divulgou, ensinou e propagou acerca do Oriente quando fundado em proposições que
não possuíam o necessário embasamento fático.
É visível que, quando propaga seus maiores temores voltados às
imprecisões e distorções, o autor quer reforçar este desejo de encontrar caminhos para
corrigir as falhas, ou ao menos sanar seus efeitos.
O problema é encontrar um ponto de equilíbrio. Ou, mais
corretamente, uma fórmula suficiente para, correndo contra o tempo ao apagar todas as
impressões errôneas até então construída, não se omitissem as novas concepções, sendo
possível, igualmente, corrigi-las antes mesmo de se propagarem.
A verdade é que, num mundo globalizado, o conhecimento é
transmitido em proporções inimagináveis, e velocidade vertiginosa. Não é apenas o ambiente
que sofre alterações, mas a visão que dele se têm. A “moda” surge como termo e sentido para
explicar tamanha maleabilidade nos pensamentos e vontades humanas; porém, não é capaz
de descrever por qual motivo surgem e somem tão rapidamente ídolos, arquétipos e, também,
opiniões.
Em seu prefácio à edição de 2003, o autor declara que permanecem
surgindo mudanças, conflitos e controvérsias no Oriente. E de fato, estas é que tornam sua
obra, ainda que pautada muito mais em fenômenos históricos que num “futurismo” ficcional,
sempre atualizada e utilizável.
Por certo que, ao encerrar o estudo já prenunciando uma visão
oriental burlesca - que padeceria dos vícios da teatralidade e da comicidade com que os
americanos desenham as outras sociedades - o autor sequer vislumbrava realidade tão difusa
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e completamente distante das propostas que trouxera, em que o modo de vida do “outro”
seria analisado por óticas pessoais e a cultura alheia termina como objeto de depreciação.
Os muitos conflitos no Oriente Médio; o surgimento de líderes
religiosos e políticos que, de certa forma, ameaçaram a “invasão cultural” americana; as
ações de grupos terroristas radicais e, com muito maior propriedade, o ataque às Torres
Gêmeas, no fatídico 11 de setembro, inegavelmente fizeram ressurgir, com maior
intensidade, os preconceitos ocidentais atribuídos ao século XVIII. O oriental deixou de ser
um factóide e tornou-se uma ameaça.
Do dia para noite, indivíduos de origem islâmica se viram alvos de
perseguições das mais diversas searas. Prisões infundadas, agressões, tudo era meio para
externar a intolerância, que, sob a justificativa do medo, talvez escondesse pretensões muito
mais densas. Transcorridos tantos anos, e já com o anúncio do novo presidente americano da
saída progressiva de suas tropas do território oriental, poderia um perfeito otimista imaginar
que o pensamento “dominante” ocidental estaria prestes a dar uma trégua ao oriental.
A verdade é que, ainda que não hajam mais perseguições, o
preconceito continua, sempre velado, subentendido, maquiado.
Talvez, ao analisar com maior acuidade todas as progressivas
edificações históricas da obra de Edward W. Said, e transportá-las à nossa realidade, o leitor
fique com a impressão de que, no fundo, não houve uma “evolução”, mas apenas o
surgimento de novos pontos de vista que não excluíram, em momento algum, aqueles
crendices dos colonizadores.
Não foi o colonialismo quem criou, sozinho, a idéia imperativa de
Oriente. Antes mesmo de ir ao seu encontro, o Ocidente já havia se apropriado,
intelectualmente, do Oriente, por suas produções ideológicas e míticas. E a própria sociedade
moderna, mesmo possuindo meios para obter conhecimento adequado, limita-se a aceitar e
fazer reviver estes ideais, tão imprecisos quanto os vigentes no século XVIII.
Mesmo pertencendo a um país dito “terceiro mundo”, somos
convidados, diariamente, pela TV, pelos filmes, pela internet, e por todos os demais meios de
comunicação, a desbravar um Oriente que ainda é visto como fonte de exotismo, imoralidade
e primitivismo. Sua cultura, seus costumes, suas vestimentas, sua religião, não nos são
mostrados de maneira respeitosa, parcial, equânime. Somos convidados a não apenas julgar,
como também a condenar, arbitrariamente, os povos ali instalados. E estes cedem, cada vez
mais, espaço aos “ocidentalismos”.
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O que falta à obra de Said quiçá seja a presença de discurso mais
acessível – embora não lhe falte atualidade. Porque, embora tão divulgada, traduzida e
propagada, sofre do mesmo mal que grandes produções literárias universais: a
impossibilidade de atingir, fundamentalmente, o público a que se destina. Seu discurso, por
vezes recaindo em preciosismos e circunlóquios filosóficos, embora recheado de boas
intenções, por vezes chega muito próximo à erudição que tanto condena ao longo da obra.
Claro que, alterar-lhe a forma ou o conteúdo, inda mais sem a presença física do autor e,
portanto, sem o seu expresso consentimento, poderia implicar em empobrecê-la. A solução
seria, talvez, acrescer-lhe novos exemplos práticos, dentro das sociedades para onde o livro é
traduzido, possibilitando sua utilização até mesmo fora dos meios acadêmicos, fazendo com
que se tornasse representação viva daquilo que apregoa.
E se, a título de ideação, optamos por tal proposição, é justamente
por acreditar, sinceramente, que obra de tão grande valor merece lugar de destaque não
apenas nas bibliotecas, mas também nas livrarias. Se a cultura de massa orienta que todos
adquiram, leiam e apliquem em sua vivência produções voltadas ao enriquecimento
subjetivo, sob o tema da “auto-ajuda”, porque não seria possível propagar obras de interesse
continental, mundial?
Deste modo, poderia a leitura trazer perspectivas ponderadas sobre o
Oriente mesmo ao indivíduo desprovido de recursos, que não poderia jamais se deslocar às
suas expensas e, partindo rumo ao Oriente como estudioso e não como breve turista, “ver
para crer”. Este indíviduo é quem, hoje, vem sendo o grande alvo da contracultura, e seu
maior divulgador. Fornecendo-lhe novas visões poderia abandonar aqueles conceitos
errôneos, e, quem sabe, substituir os juízos de valor até então construídos.
Seria lícito, deste modo, não apenas ao erudito, mas a qualquer
pessoa, construir concepções modernas e seguras sobre as fronteiras geográficas a separar tão
díspares, e tão idênticas, porções da Humanidade. E, permitindo que o conhecimento fosse
semeado, o Oriente não seria mais objeto de temores, nem de confabulações infundadas, mas,
ao menos, de respeito. No fundo, cremos ser esta a pretensão de Said, em suas inúmeras
tentativas de chamar a atenção do leitor, ao longo de toda a discussão, para a injustiça que se
perfazia não tanto dos comportamentos ocidentais, mas com maior gravidade de seus
pensamentos. Considerando-se as recentes produções artísticas voltadas ao Oriente, e
divulgada nos meios de massa, temos que este escopo, embora implícito, não poderia ser
mais apropriado.
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