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A EFICÁCIA DOS
PRINCÍPIOS DE
DIREITO URBANÍSTICO
Graduando em Direito
A EFICÁCIA DOS
PRINCÍPIOS DE
DIREITO URBANÍSTICO
Monografia de conclusão do curso
Curso de Direito da Universidade
Federal de Uberlândia.
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Agradeço,
A Deus, pelo dom da vida e vontade de aprender,
Aos meus pais, Cezar e Encarnação, e irmão, Evandro, pelo estímulo e atenção,
À minha esposa Amélia e meu filho Carlos César, pelo apoio e carinho,
À amiga e professora Renata, pela confiança.
Obrigado!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 7
CAPÍTULO I – URBANISMO
1.1. Cidade e Município............................................................................................... 10
1.2. Urbanização e Urbanificação................................................................................ 11
1.3. Urbanismo............................................................................................................. 12
1.4. Ordenação do espaço............................................................................................. 15
4.3. Medida Provisória n.º 2220 de 04.09.2001 – Concessão de Uso Especial para fins
de Moradia e Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano ................................. 52
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 54
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 58
INTRODUÇÃO
1
RATTNER, Henrique. Prefácio à obra ‘A duração das cidades’, p. 9.
2
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 16.
dentro da pesquisa do Direito e carente da aplicabilidade dos seus princípios ao
saneamento das deficiências produzidas pela inércia dos poderes públicos.
No ordenamento jurídico brasileiro, apesar de, há tempos, existirem normas de
regulação da propriedade, do uso e ocupação do solo, do sistema viário e outros,
somente com o processo de democratização do país, que alavancou o surgimento de
movimentos sociais em defesa da Reforma Urbana, é que o Direito Urbanístico
ganhou importância suficiente para fazer parte da seara política.
Na Assembléia Nacional Constituinte, com a apresentação da Emenda Popular
da Reforma Urbana e a pressão dos movimentos populares, principalmente aqueles
ligados ao direito à moradia, foi possível destacar um capítulo do nosso ordenamento
maior para a Política Urbana.
O avanço obtido foi grande, entretanto, a quase totalidade dos instrumentos
urbanísticos previstos na Constituição dependiam do estabelecimento de uma norma
geral por lei específica – Lei Federal de Desenvolvimento Urbano – que veio a ser
aprovada e sancionada quase treze anos depois da CF/88, a Lei 10.257 de 10.07.2001,
conhecida como Estatuto da Cidade.
Com a vigência do Estatuto da Cidade, aguarda-se com grande expectativa a
implementação de um direito à cidade para garantir um desenvolvimento urbano que
possa reduzir as desigualdades sociais e promover a justiça social e a melhoria da
qualidade de vida urbana. É verdade que, se a população não tem acesso à moradia,
transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde, é
impossível postular a defesa de que essa cidade esteja atendendo à sua missão social,
preconizada no ordenamento jurídico vigente.3 E é justamente essa idéia que se
pretende desvendar neste trabalho monográfico.
Por isso, o presente trabalho objetiva produzir uma análise, ainda que
superficial, da eficácia do Direito Urbanístico na sociedade, notadamente pelo estudo
das legislações e instrumentos de política urbana já aprovados e em vigor, mas ainda
de eficácia aparente.
A metodologia de pesquisa utilizada na monografia foi doutrinária e legal para
trazer ao trabalho definições e conceitos dos vários temas ligados ao Direito
3
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 61.
Urbanístico e para apresentar uma interpretação jurídica, mas também interdisciplinar,
das normas já positivadas no ordenamento brasileiro, com ênfase à efetividade dos
princípios do Direito Urbanístico.
Além desta introdução, o trabalho contém quatro capítulos de desenvolvimento
teórico. O primeiro conceitua a ciência do Urbanismo, definindo os fenômenos de
urbanização e urbanificação como os responsáveis pela necessidade de ordenação do
espaço urbano. A segunda parte define o que vem a ser o Direito Urbanístico, com
destaque para a delineação de seus princípios fundamentais, a Função Social da
Propriedade Urbana, o Planejamento Urbano e a Função Social da Cidade. O terceiro
capítulo é uma síntese dos estudos constitucionais sobre a Política Urbana,
apresentando desde seu processo de discussão na Assembléia Nacional Constituinte
até seus dispositivos legais comentados. Por fim, o quarto capítulo traz a exame a Lei
Federal 10.257 de 10 de julho do ano de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade,
que regulamenta o capítulo de Política Urbana da CF/88.
A conclusão é uma análise jurídica de cunho crítico sobre a proposta do Direito
Urbanístico e sua eficácia na sociedade brasileira, sintetizando os temas expostos e
debatido durante todo o trabalho.
CAPÍTULO I – URBANISMO
6
ROLNIK, Raquel. O que é Cidade, p. 13 a 29.
7
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 169.
8
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 21.
corrigindo os problemas surgidos com a urbanização. O termo foi utilizado por Gaston
Bardet9 para advertir que a urbanização era o mal e a urbanificação o remédio. Toshio
Mukai asseverou também a necessidade de proceder às medidas técnicas e políticas de
urbanificações, para tornar a urbanização desordenada em algo disciplinado e
conformado a uma existência digna do homem.10
O aumento dos problemas estruturais e sociais das cidades decorridos da
urbanização desordenada e a demanda por medidas de urbanificação fizeram
necessários que os conceitos adotassem uma metodologia mais científica, fazendo
surgir os primeiros estados do urbanismo.
1.3. Urbanismo
9
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 7, nota 2.
10
MUKAI, Toshio. Curso de Direito Urbano-Ambiental, p. 48.
11
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 8.
representados por Robert Owen, Sant-Simon, Charles Fourier e Jean-Baptiste Godin,
se opunha à cidade existente e entendia que era necessário conceber novos modelos de
cidades, por isso, esses autores descreveram cidades ideais e formas de colocá-las em
prática, apresentando, inclusive, planos de urbanismo.12
A corrente representada pelos técnicos urbanistas optou por solucionar os
problemas das cidades através de medidas administrativas e legais específicas para as
áreas desordenadas que remediassem os problemas sem aprofundar as contradições das
transformações sociais ocorridas nas cidades.13 Dessas idéias, surgiram planos e
projetos de ordenação dos espaços, principalmente quanto à infra-estrutura urbana, e
também as primeiras normatizações sobre o urbanismo.
Modernamente, esses estudos sempre se concentraram nas áreas da Arquitetura
e Geografia, deixando ao Direito e a outros ramos científicos, mero papel de adequar
essas soluções urbanísticas propostas à realidade do espaço existente.
Até 1940, os problemas do Urbanismo restringiam-se a problemas de tráfego,
higiene e estética. Com a obra “problèmes d’urbanisme”, de Gastón Bardet, os estudos
do urbanismo centraram-se na solução de cinco grandes problemas: tráfego, higiene e
conforto, problemas sociais e econômicos, estética e problemas intelectuais e
espirituais.14
Depois de identificar os problemas a serem solucionados, restaram ainda, ao
urbanismo a definição de seu alcance científico e suas funções. Em relação ao seu
alcance, com o advento das modernas concepções de urbanismo, desaparece a
vinculação do urbanismo apenas como técnica e ciência relativa ao espaço urbano. “A
partir da obra de Ebenezer Howard (Garden Cities of Tomorrow, 1902), o urbanismo
começa a desvencilhar-se da cidade, procurando abranger também o campo, e, além
disso, preocupando-se não mais com os aspectos meramente físicos do território”.15
Em relação às funções do urbanismo, num primeiro momento, reportavam-se ao
urbanismo apenas os planos e projetos de organização do espaço físico, tais como
saneamento básico, solo e subsolo, obras de infra-estrutura viária, limitação do uso da
12
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 22.
13
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 22.
14
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 37/38.
15
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 15.
propriedade e outros. As obras de Gastón Bardet16 e Robert Auzelle17, entretanto,
procuraram dar um sentido social ao urbanismo inserindo conhecimentos sociológicos,
geográficos, econômicos, jurídicos, biológicos, médicos e, principalmente, políticos,
às medidas urbanísticas implementadas.18
O urbanismo, então, passou a adotar, não só funções de organização do espaço
físico, mas também de implementação de políticas relativas à melhoria das condições
de vida do habitante da cidade.
Traduzindo esse entendimento, o Vocabulário Jurídico prescreve o significado
atual do urbanismo: “De urbano, do latim urbanus (relativo à cidade), designa o
conjunto de medidas de ordem técnica relativas à arquitetura, à higiene, à
administração, ou a qualquer outro objetivo, tendo por finalidade traçar o plano, ou o
projeto de construção geral de uma cidade, que melhor assegure não só o
desenvolvimento racional e de melhor aspecto, como a sua perfeita salubridade”.19
Também nesse sentido é a definição de Hely Lopes Meirelles, que parece bem
clara: “Urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços
habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na
comunidade, entendido como espaços habitáveis, todas as áreas e que o homem exerce
coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e
recreação”.20
Modernamente, a essas quatro funções, foi acrescida a melhoria da qualidade de
vida do homem, como diretriz norteadora das ações urbanísticas.21
Assim, o urbanismo, mais do que qualquer outro ramo científico, tem por
objetivo organizar o espaço visando o bem estar coletivo, o que ocorre principalmente
por meio de ações do Poder Público, a quem compete zelar pela comunidade.
16
L’urbanisme, citada em: MUKAI, Toshio. Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
17
Chaves do Urbanismo, citada em MUKAI, Toshio. Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
18
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
19
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 843.
20
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 379.
21
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 23.
Com o passar do tempo e o agravamento da situação das cidades “os técnicos,
urbanistas, sociólogos, geógrafos, engenheiros, etc. sentiram a necessidade de
disciplinar de modo racional o desenvolvimento caótico das cidades, em especial das
grandes capitais, onde o fenômeno da conurbação urbana denunciou caminhos
indesejáveis para a qualidade de vida das nossas comunidades”.22
Os problemas das cidades levaram não só a priorização dessas atividades
urbanísticas, mas também a uma necessidade de estabelecer regras para a aplicação de
medidas para corrigi-los. A definição clara de regras para implementação de ações
urbanísticas torna-se imprescindível à medida que a ordenação do espaço requer a
intervenção direta do Poder Público em todas as áreas da cidade, inclusive atingindo
interesses privados.
Como já asseverado, a atividade urbanística tem por objetivos a humanização,
ordenação e harmonização dos ambientes habitados pelo homem. Vê-se daí, que a
atividade urbanística é essencialmente uma função pública, pois há a supremacia do
interesse público sobre o privado, na definição das medidas urbanísticas a serem
implementadas.
Ocorre que a intervenção pública, a qual busca o interesse coletivo de ordenar
adequadamente o espaço físico habitável, ao impor limitações ao interesse privado em
favor da coletividade ocasiona conflitos que devem estar regulados por normas estatais
que se traduzam como normas urbanísticas destinadas a legitimar a atuação do Poder
Público, uma vez que a legalidade é princípio fundador da atividade estatal.
Assim, à medida que são gerados conflitos, as regras e normas jurídicas passam
a serem necessárias para estabelecer um arcabouço de dispositivos que regulem esses
conflitos e autorizem o Poder Público a intervir na cidade para assegurar os interesses
da comunidade, seja na disciplina do uso e ocupação do solo, na regulação do sistema
viário ou no planejamento urbano. Essas regras e normas constituem o direito das
relações sociais na cidade, conhecido como direito urbanístico.
22
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 9.
CAPÍTULO II – DIREITO URBANÍSTICO
2.1. Conceito
28
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 21.
29
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico (...), p. 85.
30
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 35.
estágio atual, uma disciplina de síntese, sem autonomia própria, agregando elementos
de Direito Constitucional, Administrativo, Municipal, Civil e Financeiro. 31
Nelson Saule Júnior, além de coadunar com essa posição, suscita que a
progressiva normatização do urbanismo (legislações e instrumentos próprios), firmará
o Direito Urbanístico como ramo autônomo do direito público, com caráter
multidisciplinar.32
31
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 22.
32
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 85.
33
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 258.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles observa que o “direito de propriedade
evoluiu da propriedade-direito para a propriedade-função”.34 Daí dizer que a
propriedade deve cumprir uma função social, que é justamente atender, naquele
momento histórico e naquela localidade, o interesse público, o interesse coletivo.
No ordenamento brasileiro, a função social da propriedade não é novidade. Nas
legislações pátrias, além de institutos de limitação da propriedade, a função social da
propriedade já na Constituição de 1937 aparecia implicitamente, entretanto, só com o
processo constituinte de 1988, é que propriedade-função foi elevada ao patamar de
princípio importante da política urbana. O artigo 5º da CF/88, em seus incisos XXII e
XXIII, que não podem ser interpretados isoladamente, estabeleceu que “é garantido o
direito à propriedade” e que esta “atenderá a sua função social”. Note-se que o
dispositivo constitucional não estabelece que a propriedade deverá atender a função
social (não é uma norma de dever-ser), mas sim, atenderá, o que significa dizer que,
no direito brasileiro, não se admite que uma propriedade deixe de atender a função
social.
A função social da propriedade não se confunde com a limitação do direito à
propriedade, pois esta última regula o exercício do direito, enquanto a primeira
interfere com próprio direito de propriedade.35 Em suma, o princípio norteador do
regime da propriedade urbana é a sua função social, permitindo ao Poder Público
exigir o cumprimento dos deveres do proprietário de aproveitar do solo urbano em
benefício da coletividade, o que implica numa destinação concreta do seu imóvel para
atender um interesse social36, o que caracteriza, portanto, uma obrigação positiva,
obrigação de fazer. Pode-se dizer, portanto, que o princípio da função social da
propriedade trouxe ao Direito Privado, algo até então exclusivo do Direito Público: o
condicionamento do poder a uma finalidade.37
Antes de analisar a instituição da função social da propriedade em nosso
ordenamento, é preciso mencionar que a consolidação desse princípio urbanístico
deveu-se, em grande parte, aos movimentos sociais urbanos de acesso à moradia. As
34
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro¸p. 318.
35
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 65.
36
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 48.
37
SUNDFELD, Carlos Ari. Função Social da Propriedade, p. 5. In: DALLARI, Adilson Abreu e
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico.
pressões populares e a apresentação da Emendar Popular da Reforma Urbana na
Constituinte de 1988 garantiram a inclusão do conceito de propriedade-função na
Carta Magna e estabeleceram a função social em dois níveis: a subordinação da
propriedade à política urbana, através do plano diretor; e a sanção para aquele que não
atendesse a função social da propriedade, a perda da posse pelo usucapião.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a função social das propriedades
rural e urbana de forma distinta. Para que a propriedade rural cumprisse a sua função
social deveria atender ao aproveitamento racional e adequado, à utilização adequada
dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, a observância das disposições
que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores (art. 186 da CF/88), isto é, o próprio ordenamento
constitucional estabeleceu os requisitos da função social da propriedade rural.
Já no caso da propriedade urbana o parágrafo 2º do artigo 182 artigo da CF/88,
estabeleceu que para cumprir a sua função social, a propriedade do meio urbano deve
atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Portanto, não há eficácia imediata desse dispositivo, pois está adstrito ao
estabelecimento de critérios no plano diretor dos Municípios.
A proposta da Emenda Popular da Reforma Urbana apresentada na Assembléia
Nacional Constituinte disciplinava os requisitos para que a propriedade urbana
cumprisse sua função social, com o intuito fundamental de eliminar a especulação
imobiliária e ampliar o acesso à moradia, até porque difícil é separar a função social da
propriedade urbana do direito à moradia.
Como se sabe, os setores conservadores com representação na Assembléia
Nacional Constituinte barraram esse grande avanço. Anos depois, na discussão do
Estatuto da Cidade também foi intentada tal regulamentação, que não vingou frente a
sua inconstitucionalidade. Desse modo, somente nos Municípios, em que houver o
plano diretor e este expressamente determinar os requisitos para que a propriedade
urbana cumpra sua função social, é que se poderá ver efetivado esse princípio
fundamental do direito urbanístico.
Apesar disso, é inegável que a consagração em nível constitucional da função
social da propriedade urbana, tenha sido uma medida positiva, uma vez que
subordinou seu regime jurídico às normas urbanísticas. É que com as normas dos
artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, a propriedade urbana passou a ser
“formada e condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social
específica; realizar as chamadas funções urbanísticas de propiciar habitação (moradia),
condições adequadas de trabalho, recreação e circulação humana, realizar em suma, as
funções sociais da cidade”.38 Mais do que tirar a propriedade de quem a usa mal, a
função social e seus instrumentos visam propiciar uma melhora na qualidade de vida
das pessoas. A propriedade urbana, então, passou a ser um típico conceito do Direito
Urbanístico e sua função social um princípio basilar.
38
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 67.
39
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 77.
40
FERRARI, Célson. Curso de Planejamento Municipal Integrado, p. 3.
urbanos, que tratavam a cidade como objeto puramente técnico. O planejamento era
como um projeto acabado de cidade ideal, em que não havia conflitos. Nesse modelo,
o planejamento era técnico e a gestão política, ambos distantes. Essa visão tecnocrática
dos planos e do processo de elaboração das estratégias de regulação dava à lei a mera
função estabelecer padrões satisfatórios, ignorando qualquer dimensão que
reconhecesse conflitos, como a realidade da desigualdade de condições de renda e sua
influência sobre o funcionamento dos mercados urbanos.41
Com a emergência dos movimentos sociais, impulsionados pela proposta de
Reforma Urbana, o foco do planejamento urbano passou a ser a relação com a cidade
real, aquela ilegal, informal, irregular e clandestina. Esse novo planejamento,
conceituado como instrumento de democratização da gestão da cidade, quebra e se
contrapõe ao pensamento tradicional de planejar a cidade de forma parcial,
considerando apenas a cidade legal, reconhecida pelo registro e contornos da
burocracia estatal, perpetuando a segregação e a exclusão da população que vive às
margens da legalidade da cidade real. A definição das políticas públicas e das
prioridades de investimento, em função da realidade local e da manifestação da
população, confere a legitimidade necessária para inverter a ordem da destinação dos
recursos, das obras e serviços públicos para atender os reais interesses da população.42
A Constituição Federal de 1988 adotou esse modelo moderno de planejamento,
estabelecendo competências para elaboração de diversos planos urbanístico para cada
um dos entes da Federação. José Afonso da Silva43, interpretando o ordenamento
constitucional, sistematizou toda a tipologia dos Planos Urbanísticos:
Planos Urbanísticos Federais, que são:
a) Nacionais: estabelecem as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano;
b) Macrorregionais: metas de desenvolvimento das regiões geoeconômicas do país e;
c) Setoriais: ordenação territorial especial (plano de viação, de defesa do meio
ambiente, etc).7
Os Planos Urbanísticos Estaduais são:
a) Gerais: de ordenação do território estadual, respeitadas as diretrizes gerais e;
41
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 27.
42
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 273.
43
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 93.
b) Setoriais: defesa do meio ambiente, plano de viação estadual, etc.
E os Planos Urbanísticos Municipais são:
a) Microrregionais: planos de coordenação de cada região administrativa estadual
b) Gerais: planos diretores
c) Parciais: zoneamento, alinhamento, melhoramentos urbanos e;
d) Especiais: distritos industriais, renovação urbana, etc.
48
FERRARI, Célson. Curso de Planejamento Municipal Integrado, p. 553/558.
49
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 276.
50
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 122/123.
A cidade é, notadamente, um espaço marcado por tensões e conflitos que
retratam as desigualdades sociais e os problemas urbanos. “Os espaços urbanos não se
limitam também a ser locais ou palcos da produção industrial, da troca de mercadorias,
ou lugares onde os trabalhadores vivem. Eles são tudo isso e muito mais; são produtos:
edifícios, viadutos, ruas, placas, postes, árvores, enfim, paisagem que é produzida e
apropriada sob determinadas relações sociais. A cidade é objeto e também agente ativo
das relações sociais”.51
O direito do urbanismo, ao identificar essas necessidades reais para elaborar
soluções factíveis, deve colocar as relações sociais existentes como preocupação em
primeiro plano. A medida urbanística satisfatória é aquela que contribui não só para a
resolução do problema urbano (ponte, edifício ou rua), mas para a solução do conflito
social.
Por isso, é que se denota que as cidades têm como funções sociais a cumprir, as
ações e medidas que garantam a construção de cidades sustentáveis, em que o direito
ao meio ambiente, à moradia, à terra urbana, ao saneamento e infra-estrutura, ao
transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer sejam contemplados, tanto para as
gerações presentes, quanto para as futuras.
As funções sociais da cidade são, na verdade, interesses difusos (em que os
sujeitos são indeterminados, isto é, o interesse é coletivo)52, isto é, a cidade para
cumprir sua função social, deve garantir suas funções essenciais como habitação,
trabalho, lazer e circulação de forma que as desigualdades sociais, para o bem de toda
a coletividade, sejam minorados com as medidas urbanísticas implementadas.
Ë com base nesse argumento que o Poder Público, para atender as funções
sociais da cidade, pode e deve redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa,
com vistas a combater as situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em
nossas cidades.53
Esse princípio busca garantir a todos os habitantes o Direito à cidade. “O
Direito à cidade compreende os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades de
ter condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania, de ampliar os
51
MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade, p. 42.
52
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 61/62.
53
INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade – Guia, p. 47.
direitos fundamentais (individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais), de
participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente ecologicamente
equilibrado e sustentável”.54
Dessa conceituação destaca-se três elementos para que o habitante tenha seu
direito à cidade: a melhoria da qualidade de vida a patamares dignos, a participação
política exercida por meio da cidadania e o desenvolvimento sustentável.
Em relação às dignas condições de vida da população, imprescindível são as
garantias de uma habitação dotada de toda a infra-estrutura básica e de condições de
trabalho, acesso ao lazer e ao serviço e transportes públicos, etc.
No que tange a participação política, a gestão democrática da cidade permite
que os habitantes opinem sobre qual a melhor forma de construir a cidade que
almejam, exercendo diretamente sua cidadania.
Quanto ao desenvolvimento sustentável, este se caracteriza por colocar os
cidadãos como o centro das preocupações das cidades, devendo a elas ser garantido o
direito a uma vida saudável e produtiva, como preceitua a Declaração do Rio (Agenda
21).55 Nesse sentido, a cidade deve ser gerida para propiciar um equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social e humano, isto é, entre o
progresso e a qualidade de vida dos cidadãos.
54
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 22.
55
AGENDA 21 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Princípio 1: “Para
fazer frente aos desafios do meio ambiente e do desenvolvimento, os Estados decidiram estabelecer uma nova
parceria mundial. Essa parceria compromete a todos os Estados a estabelecer um diálogo permanente e
construtivo, inspirado na necessidade de atingir uma economia em nível mundial mais eficiente e eqüitativa,
sem perder de vista a interdependência crescente da comunidade das nações e o fato de que o desenvolvimento
sustentável deve tornar-se um item prioritário na agenda da comunidade internacional. Reconhece-se que, para
que essa nova parceria tenha êxito, é importante superar nacionais e promover um clima de cooperação e
solidariedade genuínos. É igualmente importante fortalecer as políticas nacionais e internacionais, bem como a
cooperação multinacional, para acomodar-se às novas circunstâncias”.
CAPÍTULO III - POLÍTICA URBANA NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988
56
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico, p. 77.
57
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, p. 265/280.
Competência reservada, que compreende toda a matéria não expressamente incluída
para uma entidade e a residual, aquela que sobra a uma entidade após a enumeração da
competência de outra. Competência suplementar que confere o poder para editar
normas que suplementem as diretrizes gerais estabelecidas sobre uma matéria por um
ente superior. Competência exclusiva, que permite que apenas determinado ente
federativo possa legislar naquela matéria e que não pode ser delegada.
Na Constituição de 1988, a edição de normas e formulação de políticas de
desenvolvimento urbano foram divididas entre a União, os Estados e o Distrito Federal
e os Municípios, como preconizado pela descentralização do poder. Em síntese, a
União tem a competência administrativa exclusiva para elaborar e executar planos
nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e
social (art. 21, inc. IX da CF/88) e para instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, inc. XX)
e competência comum com os Estados e Municípios para proteger o meio ambiente e
combater a poluição (art. 23, inc. VI) e promover programas de construção de
moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23,
inc. IX). Em matéria legislativa, a União tem competência privativa para legislar sobre
desapropriação (art. 22, inc. II), água (art. 22, inc. IV) e trânsito e transporte (art. 22,
inc. XI) e competência concorrente com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
para legislar sobre direito urbanístico (art. 24, inc. I).
Os Estados e o Distrito Federal têm no campo administrativo, competência para
executar aquilo que não lhe seja vedado pela Constituição (competência reservada –
art. 25, §1º) e competência exclusiva para instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios
limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas (art. 25, §3º). Em sede legislativa, compete aos Estados e ao Distrito Federal
editar normas sobre matérias de competência privativa da União, quando autorizados
(art. 22, Parágrafo Único) e, de forma suplementar, sobre matérias de competência
concorrente com a União que estabelece diretrizes gerais (art. 24, §2º).
Segundo a Constituição de 1988, no que concerne ao direito do urbanismo,
compete exclusivamente aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (art.
30, inc. I), organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que têm
caráter essencial (art. 30, inc. V) e promover adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano (art. 30, inc. VIII). Além disso, aos Municípios compete ainda suplementar as
legislações estadual e federal no que couber (art. 30, inc. II) e, àqueles como mais de
vinte mil habitantes, elaborar o plano diretor com o objetivo de ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus
habitantes (art. 182 da CF/88).
Apesar das mudanças pretendidas não terem sido alcançadas em sua totalidade,
a política urbana na Constituição de 1998, conservou princípios de grande valia para a
busca da justiça como valor democrático. E esses princípios visam garantir a
realização dos direitos fundamentais do homem e os objetivos da República,
especialmente a garantia do desenvolvimento nacional de forma sustentável, a
construção de uma sociedade justa e solidária, a promoção do bem-estar social e a
erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.
58
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 25 a 31.
59
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 31 a 34.
Os princípios constitucionais na lição de J.J. Gomes Canotilho traduzem as
opções políticas conformadoras da Constituição, sendo a base das normas jurídicas
quando se transformam em normas-princípios e se constituem nos preceitos básicos da
organização constitucional60. A Política Urbana agregou princípios constitucionais que
traduzem o anseio pela democratização e pela cidadania e que devem ser balizadores
das normas urbanísticas em todos os níveis, federal, estadual e municipal.
Nelson Saule Júnior afirma que o capítulo de Política Urbana na Constituição
de 1988 consolida cinco princípios: os valores do Estado Democrático de Direito, a
Soberania popular e a Cidadania, a Função Social da Propriedade Urbana, a Função
Social da Cidade e o Desenvolvimento Sustentável.61
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
60
GOMES CANOTILHO, J.J., 1989, p. 121, citado em: SAULE JÚNIOR, Nelson. 1997, p. 43.
61
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro, p. 43/73.
62
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, 6º vol., p. 125.
socais provocando tensões agudas63, que necessitam urgentemente de soluções
elaboradas a partir de um desenvolvimento urbano includente. A Constituição de 1988,
espelha esse ideal da sociedade ao definir que os objetivos da política de
desenvolvimento urbano são as funções sociais da cidade e o bem-estar dos cidadãos.
O legislador constituinte previu competência legislativa especial aos Municípios
quanto à política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público
Municipal. Definiu também que as diretrizes gerais dessa política de desenvolvimento
urbano seriam fixadas em lei federal ordinária. O dispositivo levou quase treze anos
para ser cumprido com a sanção do Estatuto da Cidade, Lei 10.257 de 10.07.2001.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais
de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana.
63
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira, vol. 6, p. 431.
64
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, v. 7, p. 212
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia
ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.
66
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, p. 442.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a
ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
67
Artigo 191, caput, da Constituição Federal de 1988.
68
CORDEIRO, Carlos José. Usucapião Constitucional Urbano, p. 124.
sanção ao proprietário que não atender a função social pelo abandono do imóvel a
perda da propriedade.69
69
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 57/58
CAPÍTULO IV – O ESTATUTO DA CIDADE (LEI 10.257/01)
70
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 171/172.
preempção em situações gerais; e à caracterização de improbidade administrativa ao
Prefeito que impede ou deixe de garantir a participação da comunidade na definição da
política urbana.
71
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 34.
A gestão democrática da cidade é reconhecida como uma diretriz para o
desenvolvimento sustentável das cidades, com base nos preceitos constitucionais da
democracia participativa, da cidadania, da soberania e participação popular. O direito à
participação popular deve ser respeitado também para os grupos sociais
marginalizados e excluídos, o que pressupõe a capacitação política desses diversos
grupos sociais.
A importância da gestão democrática da cidade é que a comunidade e o Estado
passam a atuar conjuntamente na gestão e fiscalização da coisa pública, aproximando
os cidadãos do pleno gozo do direito à cidade.
72
PINHO, Evangelina Bastos. Regularização Fundiária em Favelas, p. 68/69. In: FERNANDES, Edésio (Org.).
Direito Urbanístico.
Esta diretriz visa, principalmente, efetivar o direito à moradia de milhões de
brasileiros que vivem em condições precárias e sem nenhuma segurança jurídica de
proteção ao direito de moradia nas cidades, em razão dos assentamentos urbanos em
que vivem serem considerados ilegais e irregulares pela ordem legal urbana em vigor.
Com esta diretriz, o Estatuto da Cidade aponta para a necessidade da
constituição de um novo marco legal urbano que constitua uma proteção legal ao
direito à moradia para as pessoas que vivem nas favelas, nos loteamentos populares,
nas periferias e nos cortiços, mediante a legalização e a urbanização das áreas urbanas
ocupadas pela população considerada pobre ou miserável.
74
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 221.
f) limitações administrativas:
g) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano: é a declaração do Poder Público,
por inscrição do bem imóvel no Livro dos Tombos, do valor histórico, artístico,
paisagístico, cultural ou científico de bens que deve, por isso, serem preservados como
patrimônio nacional.75
h) instituição de unidades de conservação;
i) instituição de zonas especiais de interesse social – ZEIS: é o instituto que possibilita
a definição de áreas no zoneamento da cidade, que terão plano específico de
urbanização para garantir a melhoria das condições urbanísticas e a regularização
fundiária.
j) concessão de direito real de uso (CDRU): instituída pelo Decreto-lei n.º 271 de
28.02.1967 para regularizar a ocupação do solo com fim residencial, é o instrumento
que permite ao ente estatal ceder o direito real de uso de um terreno público. O
concessionário passa a ter o domínio útil do terreno para dele se utilizar como
moradia. Tal concessão, própria da esfera municipal, deve prescindir de autorização
legislativa.
k) concessão de uso especial para fins de moradia: tal instituto jurídico estava
disciplinado pelo Estatuto da Cidade, porém foi vetado pelo Presidente da República,
que editou a Medida Provisória n.º 2.220 de 04.09.2001 regulamentando o instrumento
que garante àquele que, até 30 de junho, possui imóvel público urbano de até duzentos
e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, como seu e sem oposição, o direito à
concessão gratuita de uso especial para fins de moradia própria, admitindo-se
modalidade de concessão coletiva.
l) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (art. 5º e 6º): o Estatuto da
Cidade determina que os Municípios poderão, por lei específica, determinar o
parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóveis, cujo aproveitamento
seja inferior ao determinado por força de plano diretor ou equivalente. O proprietário
será notificado para cumprir a obrigação, devendo cumprir os prazos de um ano para
protocolo de projeto e dois anos para início das obras.
75
MACHADO, Carlos Augusto. Tombamento – um instituto jurídico, p. 24/25. In: DALLARI, Adilson Abreu e
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico.
m) usucapião especial de imóvel urbano (art. 9º a 14): instituto jurídico que concede,
por decisão judicial em ação de usucapião, àquele que possui área ou edificação de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptos e sem oposição,
para fins de moradia própria ou de sua família, admitindo-se o usucapião coletivo.
Criado pelo legislador constituinte de 1988, tendo em vista o problema da falta de
moradia, vivenciado pelos grupos sem-teto, com a intenção de promover a paz social e
a ordem pública concretizando a função social da propriedade urbana.76
n) direito de superfície (arts. 21 a 24): é o direito do proprietário urbano conceder a
outrem, de forma gratuita ou onerosa, a utilização do solo, subsolo ou espaço aéreo de
seu imóvel. Entretanto, o artigo 1.369 do Novo Código Civil que também dispõe sobre
o direito de superfície, revogará a concessão para utilizar o subsolo e determinará
também (artigo 1.377) que outrem, pode ser pessoa jurídica.
o) direito de preempção (arts. 25 a 27): é o instituto que confere ao Município a
preferência para adquirir imóvel urbano em área estabelecida por lei baseada no plano
diretor, objeto de alienação onerosa entre particulares. O direito será exercido na
necessidade de áreas para regularização fundiária, execução de programas
habitacionais, criação de espaços públicos de lazer e proteção ambiental, histórica,
cultural, dentre outros. O Município terá trinta dias para manifestar seu interesse em
comprá-lo depois de notificado com proposta de compra de terceiro.
p) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso (arts. 28 a 31): em
áreas fixadas pelo plano diretor, o proprietário, mediante contrapartida, poderá
construir sobre área acima do coeficiente de aproveitamento básico (relação entre área
edificável e área do terreno). Lei municipal específica deverá estabelecer as condições
e os valores para a outorga.
q) transferência do direito de construir (art. 35): quando o imóvel urbano, público ou
privado, for considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos
e comunitários, de preservação histórica, ambiental, paisagística, social ou cultural, ou
ainda, de utilização em programas de regularização fundiária, urbanização e habitação,
o proprietário poderá ser autorizado por lei municipal baseada no plano diretor a
exercer em outro local ou alienar por escritura pública, o direito de construir.
76
CORDEIRO, Carlos José. Usucapião Constitucional Urbano (...), p. 172.
r) operações urbanas consorciadas (art. 32 a 34): é o instituto que permite à lei
municipal baseada no plano diretor, delimitar área para aplicação de operações
consorciadas (conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público,
com participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores, com o intuito
de transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental).
s) regularização fundiária: “é o processo de intervenção pública, sob aspectos
jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras
de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação,
implicando melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e
da qualidade de vida da população beneficiária”.77
t) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos
favorecidos: tipificação do direito fundamental expresso no art. 5º, inc. LXXIV da
Constituição Federal que garante assistência judiciária gratuita aos carentes.
u) referendo popular e plebiscito: são instrumentos de garantia da diretriz de gestão
democrática das cidades, preconizada pelo Direito Urbanístico e agora, regulamentada
no capítulo IV do Estatuto.
77
ALFONSIN, Betânia. Instrumentos e experiências de Regularização Fundiária (...)¸ p. 24.
78
OLIVEIRA, Aluísio Pires de e PIRES CARVALHO, Paulo César. Estatuto da Cidade – Anotações à Lei
10.257 de 10.07.2001, p. 158.
4.2.3. Plano Diretor
79
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 123/124.
80
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 393.
81
FALCOSKI, Luiz Antônio N. Estatuto da Cidade e do Urbanismo: Espaço e Processo Social. In Estatuto da
Cidade Política Urbana e Cidadania, p. 65.
82
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 42.
mais variados setores da sociedade. A partir disso, vai estabelecer o destino específico
que se quer dar às diferentes regiões do município, embasando os objetivos e as
estratégias. A cartografia dessas diretrizes corresponde a um macrozoneamento, ou
seja, a divisão do território em unidades territoriais que expressem o destino que o
município pretende dar às diferentes áreas da cidade”.83
A Constituição de 1988 estabeleceu que é o plano diretor o instrumento básico
de ordenação e expansão da cidade, para garantir a consecução dos preceitos
urbanísticos. Cabe, portanto, ao Plano Diretor cumprir a premissa constitucional da
garantia das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
A Lei 10.257/01 estabeleceu normas gerais quanto ao plano diretor, sem impor
limitações à competência municipal. Tal regra era necessária para que não se
afrontasse a autonomia do Município para elaborar o plano diretor, segundo a Carta
Magna.
O Estatuto da Cidade reproduz as disposições da Constituição Federal de 1988
sobre o Plano Diretor, constantes do Capítulo de Política Urbana. O artigo 39 expressa
o disposto no §2º do art. 182 quando diz que a propriedade urbana cumpre sua função
social ao atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor, e acresce que deva ser assegurado o atendimento das necessidades dos
cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º do Estatuto.
O artigo 40 reafirma que o plano diretor, aprovado por lei municipal, é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. O mesmo artigo
traz inovações, como a disposição de que o plano diretor é parte integrante do processo
de planejamento municipal, devendo ter suas diretrizes e prioridades contidas no plano
plurianual, nas diretrizes orçamentárias e no orçamento anual (§1º); a abrangência do
Plano Diretor às áreas urbana, suburbana e rural – todo o Município (§2º); e a revisão
do plano a cada dez anos, no máximo (§3º).
O §4º do art. 40 é o que concretiza o requisito constitucional da participação
popular na elaboração do plano diretor, mediante a garantia de promoção de
audiências públicas e debates, da publicidade e do acesso de qualquer interessado aos
83
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 43.
documentos e informações produzidos. Cabe refutar que, apesar não constar no
Capítulo de Política Urbana, a participação popular é requisito constitucional do plano
diretor por força da combinação do art. 1º, parágrafo único com o art. 29, inc. XII, que
garantem a participação direta do povo pelas associações representativas no
planejamento municipal.
O artigo 41 da Lei Federal estabelece que o plano diretor é obrigatório para as
cidades como mais de vinte mil habitantes, por ordem constitucional, mas também, de
agora em diante, para as cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, integrantes de áreas de especial interesse turístico e inseridas na área de
influência de empreendimentos ou atividades com impacto ambiental e ainda nas
cidades em que o Poder Público pretenda exigir do proprietário de solo urbano não-
edificado o seu aproveitamento, sob pena de parcelamento e edificação cumpulsórios,
IPTU progressivo no tempo e desapropriação de fim urbanístico.
O §2º do mesmo art. 41 dispõe que as cidades com mais de quinhentos mil
habitantes deverão elaborar um plano de transporte urbano integrado, que seja
compatível com o plano diretor ou nele esteja inserido.
Já o art. 42 prescreve que o plano diretor deve, minimamente, conter: 1) a
delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios; 2) a delimitação das áreas em que poderá se exigir o direito
de preempção, ou permitir o direito de construir acima do coeficiente de
aproveitamento básico e a alteração de uso do solo mediante contraprestação, a
aplicação de operações urbanas consorciadas e a transferência do direito de construir; e
3) a definição de um sistema de acompanhamento e controle.
Saliente-se, por fim, que “o plano diretor deverá ser complementado e
concretizado por diversas leis específicas como a de zoneamento, de parcelamento do
solo, o Código de Edificações, a lei de proteção ambiental e da paisagem urbana e por
outros planos”.84
84
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 103.
Os artigos 43 a 45 (Capítulo IV) do Estatuto da Cidade estabelecem
instrumentos de democratização da cidade, como condições para a implementação das
políticas urbanas nos municípios e nas regiões metropolitanas.
O princípio da participação popular é determinante para a legitimidade e
eficácia das normas e políticas urbanas85, uma vez que foi justamente a exclusão e o
distanciamento da gestão pública dos segmentos sociais que provocou a
vulnerabilidade das regras urbanísticas na quase totalidade dos municípios e regiões
brasileiras.
Compreender a importância da gestão da cidade em parceira com a sociedade é
tarefa atual do administrador público que vê como atores reais e co-responsáveis pela
produção do espaço urbano, a população que governa.
A participação popular encontra escopo no princípio democrático inserido no
artigo 1º, parágrafo único da Constituição, segundo o qual o poder emana do povo e é
exercido de forma direta e indireta. A gestão democrática da cidade, por meio de
instrumentos de participação popular, é forma de exercício do poder de forma direta e
da cidadania.
Para alcançar a gestão democrática da cidade, as administrações públicas devem
traçar uma metodologia de ações para sua implementação. Em primeiro lugar, é
essencial garantir o direito de informação “O investimento fundamental deve visar
processos de comunicação, formação, capacitação e disseminação de informações,
dando condição aos participantes desses espaços para analisar os problemas, discutir as
opções e assumir posições”.86 Em seguida é preciso criar espaços de interlocução da
administração com a sociedade, por meio dos conselhos e conferências de política
urbana, consolidados por legislações, e realização de seminários e debates públicos
periódicos. Por fim, reputa-se necessária a disponibilidade de recursos orçamentários
para a execução das medidas aprovadas pela população.
Com esse intuito, o artigo 43 do Estatuto da Cidade estabelece como
instrumentos de gestão democrática da cidade: os órgãos colegiados de política urbana,
os debates, audiências e consultas públicas, as conferências sobre assuntos de
interesses urbanos e a iniciativa popular e de projeto de lei e de planos, programas e
85
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 244.
86
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 195.
projetos de desenvolvimento urbano. O plebiscito e o referendo popular, apesar de
vetados, constituem instrumento de gestão democrática por estarem contemplados no
artigo 4º do Estatuto (inciso V, alínea s). A gestão orçamentária participativa, adotada
em muitos municípios, também é outro instrumento garantido no artigo 4º (inciso III,
alínea f) e regulado no artigo 44.
Os órgãos colegiados ou conselhos de política urbana, em nível nacional,
estadual e municipal, têm o papel de construir um espaço público e institucionais onde
a população participa e é consultada sobre assuntos urbanísticos e devem ser
compostos por representantes de entes públicos e da sociedade civil organizada. A
Medida Provisória 2.220 de 04.09.2001, instituiu o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU).
As conferências também podem ser realizadas em nível nacional, estadual e
municipal e visam garantir um processo amplo e democrático para elaborar e avaliar as
políticas urbanas e devem ser regulamentados pelo Poder Público.
As audiências e consultas públicas podem ser realizadas como garantia
processual dos direitos coletivos para garantia da legitimidade de atos administrativos
ou edição de leis e podem ser solicitados pelos cidadãos. O Estatuto da Cidade
prescreve que quando da implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
negativos sobre o meio ambiente, o conforto ou a segurança da população, o Poder
Público deverá realizar audiência com a população interessada. A realização de
audiências e consultas públicas deve estar disciplinado no Regimento Interno das
Casas Legislativas e constar como requisito para aprovação de leis e normas
urbanísticas nos casos determinados.
A iniciativa popular é o instrumento que garante à população, de forma
organizada e coletiva, apresentar proposição de lei, planos, programas ou projetos a
serem aprovados e implementados. Os requisitos para a iniciativa devem estar
estabelecidos na Lei Orgânica ou Constituição em lei ordinária do respectivo ente
federativo.
O plebiscito é a consulta em que a população, pelo voto, opta entre uma ou mais
questões políticas ou institucionais. O referendo tem o objetivo de ratificar ou regular
matérias que já foram decididas pelo Poder Público.
A gestão orçamentária participativa torna obrigatória a realização de debates,
audiências e consultas públicas à população sobre as propostas de plano plurianual, lei
de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual, do município, como condição
obrigatória para sua aprovação na Câmara Legislativa. Essa prática, disseminada como
Orçamento Participativo, tem sido implementada em muitas cidades e obtido avanços
na ampliação da cidadania e na democratização e fiscalização das finanças públicas.
4.3. Medida Provisória n.º 2220 de 04.09.2001 – Concessão de Uso Especial para
Fins de Moradia e Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
FERNANDES, Edésio (org.). Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1998.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 6ª ed., 1979.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 5ª ed., 1999.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico e ao
Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2ª ed., 1977.
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro – 2ª ed. rev., atual., ampl. São
Paulo: Ed. Dialética, 2002.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. Coleção Primeiro Passos – 203. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 3ª ed., 1995.
SAULE JÚNIOR, Nelson (Coord.). Direito à cidade – trilhas legais para o direito às
cidades sustentáveis. São Paulo: Max Limonad, 1999.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 2ª
ed. rev. e atual., 1997.