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Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

PRINCÍPIOS DE DIREITO URBANÍSTICO

Élisson Cesar Prieto


estudante do 5º ano de Direito

1. Introdução; 2. Cidade e Município; 3. Urbanização e Urbanificação; 4. Urbanismo; 5. Conceito do Direito


Urbanístico; 6. Posição do Direito Urbanístico; 7. Princípios de Direito Urbanístico; 8. Função Social da
Propriedade; 9. Planejamento Urbano; 10. Funções Sociais da Cidade; 11. Considerações Finais; 12.
Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Este artigo introduz algumas noções sobre este tema jurídico atual, o Direito Urbanístico,
objetivando sensibilizar os leitores para a importância do seu estudo, sobretudo, neste momento, em
que normatizações têm sido editadas pelo Poder Público para ordenar as nossas cidades.
Preambularmente, necessário se faz um breve escorço introdutório. As cidades modernas,
como hoje conhecemos, passaram por intensas transformações em decorrência do fenômeno da
urbanização, que, ao preço do progresso, trouxeram problemas sociais e estruturais muito grandes.
No Brasil, durante os últimos 50 anos, o crescimento urbano transformou e inverteu a distribuição
da população no espaço geográfico. Em 1945, a população urbana representava 25% da população
total de 45 milhões. No início de 2000, a proporção de urbanização chegou a 82% do total de 169
milhões.1
Essas recentes transformações das cidades experimentadas pela sociedade brasileira
destacaram as tensões sociais ocasionadas pela flagrante desigualdade social, como o apartheid
social, o desemprego, a falta de infra-estrutura adequada de moradia, saneamento básico e
transporte e o afastamento da população dos direitos sociais como educação, saúde e segurança.
As cidades, como lugar privilegiado destes e outros conflitos e contradições, são atualmente
objetos de intensas discussões e iniciativas em todos os níveis da sociedade civil e do Estado. O
Município é por excelência, o locus de solução dos problemas urbanos2 e como era de se esperar,
nas Casas Legislativas Municipais, ou a partir das esferas executivas, têm sido feitas várias
propostas que atingem, em cheio, a vida das cidades.
Essas propostas jurídicas buscam, na maioria das vezes, transformar o meio urbano para
melhorar os aparelhos estruturais (construções, obras), sem lidar diretamente com a solução dos
problemas de desigualdade social. Isso ocorre porque tal tema em discussão é muito novo no ramo
jurídico e só tem tido relevância junto a áreas ligadas à Geografia e Arquitetura e Urbanismo,
estando ainda muito incipiente dentro da pesquisa do Direito e carente de aplicabilidade dos seus
princípios para o saneamento das deficiências produzidas pela inércia dos poderes públicos.
No ordenamento jurídico brasileiro, apesar de, há tempos, existirem normas de regulação da
propriedade, do uso e ocupação do solo, do sistema viário e outros, somente com o processo de
democratização do país, que alavancou o surgimento de movimentos sociais em defesa da Reforma
Urbana, é que o Direito Urbanístico ganhou importância suficiente para fazer parte da seara política.
Na Assembléia Nacional Constituinte, com a apresentação da Emenda Popular da Reforma
Urbana e a pressão dos movimentos populares, principalmente aqueles ligados ao direito à moradia,
foi possível destacar um capítulo do nosso ordenamento maior para a Política Urbana.

1
RATTNER, Henrique. Prefácio à obra ‘A duração das cidades’, p. 9.
2
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 16.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

O avanço obtido foi grande, entretanto, a quase totalidade dos instrumentos urbanísticos
previstos na Constituição dependiam do estabelecimento de uma norma geral por lei específica –
Lei Federal de Desenvolvimento Urbano – que veio a ser aprovada e sancionada quase treze anos
depois da CF/88, a Lei 10.257 de 10.07.2001, conhecida como Estatuto da Cidade.
A nova lei urbanística, originou-se de um projeto de lei (n.º 5.788/90) apresentado pelo ex-
Senador Pompeu de Souza. No mesmo período tramitaram vários outros projetos com o mesmo
intuito de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, porém, o PL 5.788/90,
tornou-se referência por ter sido aprovado no Senado Federal em 1990. Por mais de dez anos, o
Estatuto da Cidade tramitou na Câmara dos Deputados, tendo recebido inúmeras emendas, muitas
delas com a participação de entidades civis organizadas que atuam no ramo urbanístico e sofrendo
várias alterações que originassem o texto final aprovado recentemente3.
Com a vigência do Estatuto da Cidade, aguarda-se com grande expectativa a implementação
de um direito à cidade para garantir um desenvolvimento urbano que possa reduzir as desigualdades
sociais e promover a justiça social e a melhoria da qualidade de vida urbana. É verdade que, se a
população não tem acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança,
educação, saúde, é impossível postular a defesa de que essa cidade esteja atendendo à sua missão
social, preconizada no ordenamento jurídico vigente.4 E é justamente essa idéia que se pretende
instigar nos leitores com esse artigo.

2. Cidade e Município

Antes de qualquer estudo sobre o urbanismo, é essencial definir o seu objeto. Daí a
necessidade de apresentar a cidade, em seus conceitos e abrangência, para, depois aprofundar o
debate sobre as questões relativas aos princípios do Direito Urbanístico.
Urbanismo vem do latim urbs que significa cidade, daí os conceitos de urbanismo e de
cidade estarem estreitamente ligados. Segundo De Plácido e Silva, em Vocabulário Jurídico, cidade
“vem do civitas latino, com significado muito mais amplo do que aquele em que é tido pela técnica-
administrativa. Nesta, com melhor razão, adotou-se o sentido de urbs, também como tradução de
cidade”.5
Apesar das primeiras cidades terem se desenvolvido por volta do ano 3500 a.C., na antiga
Mesopotâmia, somente na primeira metade do século XIX, em decorrência da Revolução Industrial,
é que apareceu o fenômeno da urbanização, característico das cidades como conhecemos.
As cidades modernas caracterizam-se por agregarem atividades comerciais e industriais,
estabelecendo uma diferenciação com o espaço rural, onde a atividade predominante é a agrícola.
José Afonso da Silva assevera que nas cidades devem estar presentes quatro requisitos: “1-
densidade demográfica específica; 2- profissões urbanas como comércio e manufaturas, com
suficiente diversificação; 3- economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural;
4- existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios”.6
Raquel Rolnik buscou expressar a cidade como a realidade de vários espaços, percebendo-a,
ao mesmo tempo, como cidade-imã, que atrai as pessoas com a oferta de trabalho e moradia; como
cidade-escrita que traduz símbolos e formas em estruturas arquitetônicas (construções); cidade
como ‘civitas’ ou cidade-política, porque da vida urbana emerge necessariamente uma vida pública
coletiva, da qual decorre a organização política-administrativa (poder) e; como cidade-mercado,

3
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 171/172.
4
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 61.
5
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 169.
6
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 19.
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porque esta surge, historicamente, do excedente de produção que deve ser trocado, tornando-a
centro de produção e consumo.7
Relevante ainda, principalmente para o direito, distinguir os termos Cidade e Município. “A
cidade compreende o que, vulgarmente, se diz de perímetro urbano, não se estendendo, pois, a seus
arredores rurais e términos, melhormente compreendidos na jurisdição municipal, não citadina. Daí
se infere a distinção da cidade e do município. Onde termina a zona urbana termina a cidade. O
Município é o todo que compreende a cidade, a zona suburbana e a zona rural, sob sua jurisdição,
ou intendência”.8 No Brasil, há também uma relação jurídica entre ambas, uma vez que a cidade
está caracterizada como sede do governo municipal.

3. Urbanização e Urbanificação

A caracterização do modelo de cidade como é hoje conhecido só foi possível em decorrência


do fenômeno da urbanização, que é o processo no qual a população dos centros urbanos cresce em
proporção superior à população rural. Trata-se, portanto, de um fenômeno de concentração de
pessoas.9
O fenômeno da urbanização ocorreu na Europa a partir do ressurgimento do comércio no
século XVI, acentuando-se com a Revolução Industrial e que rapidamente se estendeu por todo o
mundo, levando as cidades a tornarem-se os maiores aglomerados populacionais.
Com a urbanização, surgiram problemas no espaço habitado como a falta de saneamento
básico, falta de moradias, surgimento do desemprego, utilização do solo e subsolo de forma
irracional, principalmente, devido a dois fatores: a vinda de população do meio rural que via na
cidade a possibilidade de ascensão social não obtida com a atividade agrícola e a falta de
planejamento desse desenvolvimento urbano.
É diante desse quadro de agonia das cidades, quer surge a urbanificação, entendida
justamente como o conjunto de medidas que procuram transformar o espaço, corrigindo os
problemas surgidos com a urbanização. O termo foi utilizado por Gaston Bardet10 para advertir que
a urbanização era o mal e a urbanificação o remédio. Toshio Mukai asseverou também a
necessidade de proceder às medidas técnicas e políticas de urbanificações, para tornar a urbanização
desordenada em algo disciplinado e conformado a uma existência digna do homem.11
O aumento dos problemas estruturais e sociais das cidades decorridos da urbanização
desordenada e a demanda por medidas de urbanificação fizeram necessários que os conceitos
adotassem uma metodologia mais científica, fazendo surgir os primeiros estudos do urbanismo.

4. Urbanismo

Os problemas criados pela urbanização, que necessitavam serem corrigidos por medidas de
urbanificação, originaram um conjunto de planos e políticas técnicos e científicos, conhecido como
urbanismo.
A fim de disciplinar as massas que traziam problemas devido a sua concentração em certos
pontos do espaço, uma nova ciência de aplicação eclodiu, a ciência da organização das massas

7
ROLNIK, Raquel. O que é Cidade, p. 13 a 29.
8
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 169.
9
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 21.
10
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 7, nota 2.
11
MUKAI, Toshio. Curso de Direito Urbano-Ambiental, p. 48.
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sobre o solo. Por volta de 1910, ela foi batizada na França de Urbanismo (tow planning, Städtebau),
o que quer dizer etimologicamente, ciência do planejamento das cidades.12
Durante a história, o urbanismo teve duas fases: a primeira, chamada primitiva ou empírica,
que vigorou na Grécia antiga e nas cidades do Império Romano chegando até a Renascença,
buscava embelezar a cidade. A segunda fase inicia-se com a Revolução Industrial e apresenta o
urbanismo como técnica e ciência, uma vez que surgiram com a urbanização problemas
econômicos, sociais e estruturais que demandavam soluções urbanísticas que deveriam ser
tecnicamente planejadas e de forma científica.
Diante desses problemas urbanos, duas correntes buscaram o urbanismo para solucionar as
falhas da urbanização desordenada. A corrente dos utopistas, representados por Robert Owen, Sant-
Simon, Charles Fourier e Jean-Baptiste Godin, se opunha à cidade existente e entendia que era
necessário conceber novos modelos de cidades, por isso, esses autores descreveram cidades ideais e
formas de colocá-las em prática, apresentando, inclusive, planos de urbanismo.13
A corrente representada pelos técnicos urbanistas optou por solucionar os problemas das
cidades através de medidas administrativas e legais específicas para as áreas desordenadas que
remediassem os problemas sem aprofundar as contradições das transformações sociais ocorridas nas
cidades.14 Dessas idéias, surgiram planos e projetos de ordenação dos espaços, principalmente
quanto à infra-estrutura urbana, e também as primeiras normatizações sobre o urbanismo.
Modernamente, esses estudos sempre se concentraram nas áreas da Arquitetura e Geografia,
deixando ao Direito e a outros ramos científicos, mero papel de adequar essas soluções urbanísticas
propostas à realidade do espaço existente.
Até 1940, os problemas do Urbanismo restringiam-se a problemas de tráfego, higiene e
estética. Com a obra “Problèmes d’Urbanisme”, de Gastón Bardet, os estudos do urbanismo
centraram-se na solução de cinco grandes problemas: tráfego, higiene e conforto, problemas sociais
e econômicos, estética e problemas intelectuais e espirituais.15
Depois de identificar os problemas a serem solucionados, restaram ainda, ao urbanismo a
definição de seu alcance científico e suas funções. Em relação ao seu alcance, com o advento das
modernas concepções de urbanismo, desaparece a vinculação do urbanismo apenas como técnica e
ciência relativa ao espaço urbano. “A partir da obra de Ebenezer Howard (Garden Cities of
Tomorrow, 1902), o urbanismo começa a desvencilhar-se da cidade, procurando abranger também o
campo, e, além disso, preocupando-se não mais com os aspectos meramente físicos do território”.16
Em relação às funções do urbanismo, num primeiro momento, reportavam-se ao urbanismo
apenas os planos e projetos de organização do espaço físico, tais como saneamento básico, solo e
subsolo, obras de infra-estrutura viária, limitação do uso da propriedade e outros. As obras de
Gastón Bardet17 e Robert Auzelle18, entretanto, procuraram dar um sentido social ao urbanismo
inserindo conhecimentos sociológicos, geográficos, econômicos, jurídicos, biológicos, médicos e,
principalmente, políticos, às medidas urbanísticas implementadas.19
O urbanismo, então, passou a adotar, não só funções de organização do espaço físico, mas
também de implementação de políticas relativas à melhoria das condições de vida do habitante da
cidade. Traduzindo esse entendimento, o Vocabulário Jurídico prescreve o significado atual do
urbanismo: “De urbano, do latim urbanus (relativo à cidade), designa o conjunto de medidas de
ordem técnica relativas à arquitetura, à higiene, à administração, ou a qualquer outro objetivo, tendo
12
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 8.
13
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 22.
14
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 22.
15
BARDET, Gastón. O Urbanismo, p. 37/38.
16
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 15.
17
L’urbanisme, citada em: MUKAI, Toshio. Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
18
Chaves do Urbanismo, citada em MUKAI, Toshio. Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
19
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 17.
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por finalidade traçar o plano, ou o projeto de construção geral de uma cidade, que melhor assegure
não só o desenvolvimento racional e de melhor aspecto, como a sua perfeita salubridade”.20
Também nesse sentido é a definição de Hely Lopes Meirelles, que parece bem clara:
“Urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo
a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade, entendido como espaços
habitáveis, todas as áreas e que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais:
habitação, trabalho, circulação e recreação”.21
Modernamente, a essas quatro funções, foi acrescida a melhoria da qualidade de vida do
homem, como diretriz norteadora das ações urbanísticas.22
Assim, o urbanismo, mais do que qualquer outro ramo científico, tem por objetivo organizar
o espaço visando o bem estar coletivo, o que ocorre principalmente por meio de ações do Poder
Público, a quem compete zelar pela comunidade.
Com o passar do tempo e o agravamento da situação das cidades “os técnicos, urbanistas,
sociólogos, geógrafos, engenheiros, etc. sentiram a necessidade de disciplinar, de modo racional, o
desenvolvimento caótico das cidades, em especial das grandes capitais, onde o fenômeno da
conurbação urbana denunciou caminhos indesejáveis para a qualidade de vida das nossas
comunidades”.23
Os problemas das cidades levaram não só a priorização dessas atividades urbanísticas, mas
também a uma necessidade de estabelecer regras para a aplicação de medidas para corrigi-los. A
definição clara de regras para implementação de ações urbanísticas torna-se imprescindível à
medida que a ordenação do espaço requer a intervenção direta do Poder Público em todas as áreas
da cidade, inclusive atingindo interesses privados.
Como já asseverado, a atividade urbanística tem por objetivos a humanização, ordenação e
harmonização dos ambientes habitados pelo homem. Vê-se daí, que a atividade urbanística é
essencialmente uma função pública, pois há a supremacia do interesse público sobre o privado, na
definição das medidas urbanísticas a serem implementadas.
Ocorre que essa intervenção pública buscando o interesse coletivo, ao impor limitações ao
interesse privado em favor da coletividade, ocasiona conflitos que devem estar regulados por
normas estatais de função urbanística destinadas a legitimar a atuação do Poder Público, uma vez
que a legalidade é princípio fundador da atividade estatal.
Assim, à medida que são gerados conflitos, as normas jurídicas passam a ser necessárias
para estabelecer um arcabouço de dispositivos que regulem esses conflitos e autorizem o Poder
Público a intervir na cidade para assegurar os interesses da comunidade, seja na disciplina do uso e
ocupação do solo, na regulação do sistema viário ou no planejamento urbano. Essas normas
constituem o direito das relações sociais na cidade, conhecido como direito urbanístico.

5. Conceito de Direito Urbanístico

A necessidade de ordenação da cidade para resolver os problemas advindos da brusca


urbanização implicava na instituição de medidas de limitação e regulamentação de direitos
individuais, em benefício da coletividade, o que tornou necessário o surgimento de normas jurídicas
postas pelo ente estatal. E é a esse conjunto de normas que tangem à ocupação do solo, à limitação

20
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 843.
21
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 379.
22
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 23.
23
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 9.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

de propriedade e direitos, à organização do transporte e serviços públicos, às políticas de


saneamento e acesso à moradia, que se denominou Direito Urbanístico.
O Direito Urbanístico constitui-se, portanto, no ramo do Direito Público que se destina a
ordenar as cidades mediante normas e princípios. Nesse sentido, o Direito Urbanístico apresenta-se
como um conjunto de normas positivadas, mas também como ramo de estudo e sistematização de
diretrizes para garantir um bem-estar de convivência no espaço urbano.
No Brasil, a obra pioneira no Direito Urbanístico foi “Direito de Construir” de Hely Lopes
Meirelles, publicado pela Editora RT em 1964. Em 1976, foi criada, nos cursos de pós-graduação
da USP, a disciplina de Direito Urbanístico, sob a regência do Prof. José Afonso da Silva, que veio
a publicar, em 1981, a primeira obra de sistematização da matéria jurídica urbanística, “Direito
Urbanístico Brasileiro”. Porém, o estudo do Direito Urbanístico ganhou importância com a
consolidação das normas e princípios de política urbana na Constituição Federal de 1988, que, na
verdade, não só reconheceu, mas também institucionalizou os direitos das pessoas que vivem nas
cidades, dando capacidade ao Poder Público para promover políticas que concretizassem esses
direitos a partir da hegemonização dos princípios da função social da propriedade urbana e da
função social da cidade.
Com a garantia da atenção desses princípios da função social da propriedade urbana e da
cidade por meio da implementação de um planejamento racional, o Direito Urbanístico aproximou-
se da definição de uma política urbana que saneia os problemas das cidades, essencialmente
relacionados com as questões estruturais como transporte, meio ambiente, habitação, saneamento,
mas também advindos das desigualdades sociais, da pobreza, da falta de participação e cultura
política.
Nesse sentido, os melhores doutrinadores têm definido o Direito Urbanístico. Segundo a
lição de Hely Lopes Meirelles, “é o ramo do direito público destinado ao estudo e formulação dos
princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis no seu conjunto cidade campo. Direito
Urbanístico visa precipuamente à ordenação das cidades, mas os seus preceitos incidem também
sobre as áreas rurais, no vasto campo da ecologia e da proteção ambiental, intimamente
relacionadas com as condições de vida humana em todos os núcleos populacionais da cidade ou do
campo”.24
José Afonso da Silva define o direito urbanístico em dois aspectos, o direito urbanístico
objetivo e como ciência. O direito urbanístico objetivo consiste no conjunto de normas que tem por
objetivo organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao
homem na comunidade. O direito urbanístico como ciência é o ramo do direito público que tem por
objetivo expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores de espaços
habitáveis.25
Na acepção de Manuel Veiga de Faria, “o direito urbanístico tem por objeto fundamental o
interesse da boa urbanização, ou seja, da melhor organização do território”. 26 De Plácido e Silva
conceitua o Direito Urbanístico como o “conjunto de regras e princípios que regulam a vida nas
sociedades urbanas”.27
Nelson Saule Júnior ressalta que “as normas de direito urbanístico voltadas para assegurar os
interesses da comunidade, disciplinam o uso, a ocupação e o parcelamento do solo urbano, regulam
o sistema viário, dispõem sobre o planejamento urbano, impõem limitações para o exercício do
direito de propriedade e de construir e institui os instrumentos de intervenção urbana”.28

24
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 388.
25
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 32.
26
FARIA, Manuel Veiga de. Elementos de Direito Urbanístico, Lisboa, p. 34, citado por MUKAI, Toshio. Direito
Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 19.
27
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 278.
28
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 84.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

Ocorre que a atuação da política urbana passa pela concretização de normas e princípios
norteadores, constantes na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas
Municipais e nas legislações específicas dos Municípios como o Plano Diretor e o Plano
Urbanístico.
A Constituição Federal atribui aos Municípios, mais do que a qualquer outro ente federativo,
o papel de promover a política urbana e o fez acertadamente. O Direito Municipal, então, passa, no
campo urbanístico a ter relevo e as questões relativas à autonomia dos municípios e até ao pacto
federativo passam a ser objetos de estudo do Direito Urbanístico com vistas a garantir a
implementação efetiva de normas e princípios saneadores dos problemas urbanos visíveis
principalmente nas grandes cidades.
E esses problemas não têm soluções apenas políticas e administrativas. O Direito
Urbanístico tem propiciado instrumentos jurídicos de defesa das cidades como o parcelamento ou
edificação compulsórios, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo, a desapropriação para fins de reforma urbana, o usucapião coletivo, e outros elencados em
legislações esparsas.

6. Posição Metodológica do Direito Urbanístico

Uma questão em debate atualmente é sobre a autonomia do Direito Urbanístico como ramo
do Direito Público. Seria já um ramo autônomo do Direito ou ainda capítulo de outro?
A maior parte dos autores, dentre eles, Ítalo Di Lorenzo, Virgílio Testa, Pérz Botija, Guaita,
Nuñez Ruiz e Jacquignon, entendem o Direito Urbanístico como capítulo do Direito
Administrativo.29 Já Diogo de Figueiredo Moreira Neto aduz que o Direito Urbanístico é espécie do
gênero Direito Ecológico ou Ambiental.30 Outros autores como Farjat o concebem como ramo
especial do direito econômico.31
Os principais doutrinadores brasileiros, como José Afonso da Silva, Toshio Mukai e Carlos
Mouchet pronunciam-se no sentido de que o Direito Urbanístico é, no estágio atual, uma disciplina
de síntese, sem autonomia própria, agregando elementos de Direito Constitucional, Administrativo,
Municipal, Civil e Financeiro. 32
Nelson Saule Júnior, além de coadunar com essa posição, suscita que a progressiva
normatização do urbanismo (legislações e instrumentos próprios), firmará o Direito Urbanístico
como ramo autônomo do direito público, com caráter multidisciplinar.33

7. Princípios de Direito Urbanístico

A atuação do Direito Urbanístico na definição da política urbana, não se opera somente


pelas normas positivadas no ordenamento jurídico, mas também pela eficácia de seus princípios.
Inicialmente, cumpre dar significado ao princípio jurídico. Ensina-nos Miguel Reale que os
princípios jurídicos “são ‘verdades fundantes’ de um sistema de conhecimento, como tais admitidas,
por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de

29
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 21.
30
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito Ecológico (...), p. 85.
31
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 35.
32
MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro, p. 22.
33
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 85.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da


praxis”34.
Celso Ribeiro Bastos preleciona que “é extremamente mais grave a lesão a um princípio do
que o ferimento a uma norma isolada. Esta pode significar um aspecto menor, secundário, do direito
administrativo; entretanto, a lesão ao princípio consiste em ferir as próprias estruturas desse direito,
a ossatura que compõe esse feixe normativo”35.
Os princípios jurídicos são de extrema importância para o direito, pois são por meio deles
que se forma uma verdadeira rede de paradigmas suficientemente capazes de resolver as questões
teóricas e práticas. Os princípios são reconhecidos como critérios informadores do Direito.
Importante ressaltar que o Direito se vale de princípios com o objetivo de melhor adaptar as
regras jurídicas à realidade social, sendo que os princípios não precisam estar expressos em normas,
podendo ser inferidos do sistema (princípios implícitos). A lição de Carlos Ari Sundfeld expressa a
questão: “Fundamental notar que todos os princípios jurídicos, inclusive os implícitos, têm sede
direta no ordenamento jurídico. Não cabe ao jurista inventar os ‘seus princípios’, isto é, aqueles que
gostaria de ver consagrados; o que faz, em relação aos princípios jurídicos implícitos, é sacá-los do
ordenamento, não inseri-los nele”.36
Com a Constituição Federal de 1988, princípios políticos, econômicos e sociais foram
consolidados e, em matéria de política urbana, os preceitos urbanísticos encontraram escopo. Esses
preceitos que o legislador constituinte e a doutrina consagraram, e que, merecem a atenção nesse
trabalho, são: a Função Social da Propriedade, o Planejamento Urbano e a Função Social da Cidade.

8. Função Social da Propriedade

O direito à propriedade privada era tido como garantia fundamental e ilimitada do homem,
entendimento este advindo do liberalismo e consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789.
Esse direito à propriedade compreendia o amplo exercício dos poderes de dela usar, gozar,
fruir e dispor, sem restrições e garantido soberanamente pelo direito civil. Entretanto,
modernamente, esse direito à propriedade deixou de ser ilimitado. Georges Ripert, citado por Hely
Lopes Meirelles, adverte que: “o direito não pode ser absoluto, visto que absolutismo é sinônimo de
soberania. Não sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito é, por conseqüência,
simplesmente relativo”.37
Dessa compreensão, surgiram as teorias justificadoras da limitação negativa da propriedade
privada e posteriormente da imposição de fazer, até chegar-se a uma concepção de propriedade-
função. O direito à propriedade passou, então, a ser regulado de acordo com o interesse da
comunidade, tido como predominante sobre o individual.
Com o advento do urbanismo moderno, destacadamente por meio do IV Congresso
Internacional de Urbanismo, realizado em Atenas em 1933, é que se falou, pela primeira vez, nas
funções urbanísticas das propriedades: habitação, condições adequadas de trabalho, recreação e
circulação humanas.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles observa que o “direito de propriedade evoluiu da
propriedade-direito para a propriedade-função”.38 Daí dizer que a propriedade deve cumprir uma

34
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 299.
35
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, p. 23.
36
SUNDFELD, Carlos Ari. In ROTEMBERG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais, p. 57.
37
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 258.
38
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro¸p. 318.
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função social, que é justamente atender, naquele momento histórico e naquela localidade, o
interesse público, o interesse coletivo.
No ordenamento brasileiro, a função social da propriedade não é novidade. Nas legislações
pátrias, além de institutos de limitação da propriedade, a função social da propriedade já na
Constituição de 1937 aparecia implicitamente, entretanto, só com o processo constituinte de 1988, é
que propriedade-função foi elevada ao patamar de princípio importante da política urbana. O artigo
5º da CF/88, em seus incisos XXII e XXIII, que não podem ser interpretados isoladamente,
estabeleceu que “é garantido o direito à propriedade” e que esta “atenderá a sua função social”.
Note-se que o dispositivo constitucional não estabelece que a propriedade deverá atender a função
social, mas sim, atenderá, o que significa dizer que, no direito brasileiro, não se admite que uma
propriedade deixe de atender a função social.
A função social da propriedade não se confunde com a limitação do direito à propriedade,
pois esta última regula o exercício do direito, enquanto a primeira interfere com próprio direito de
propriedade.39 Em suma, o princípio norteador do regime da propriedade urbana é a sua função
social, permitindo ao Poder Público exigir o cumprimento dos deveres do proprietário de aproveitar
do solo urbano em benefício da coletividade, o que implica numa destinação concreta do seu imóvel
para atender um interesse social40, o que caracteriza, portanto, uma obrigação positiva, obrigação de
fazer. Pode-se dizer, portanto, que o princípio da função social da propriedade trouxe ao Direito
Privado, algo até então exclusivo do Direito Público: o condicionamento do poder a uma
finalidade.41
Antes de analisar a instituição da função social da propriedade em nosso ordenamento, é
preciso mencionar que a consolidação desse princípio urbanístico deveu-se, em grande parte, aos
movimentos sociais urbanos de acesso à moradia e regularização fundiária. Betânia Alfonsin, muito
bem define a regularização fundiária, objeto de reivindicação desses movimentos como “o processo
de intervenção pública, sob aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência
de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de
habitação, implicando melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da
qualidade de vida da população beneficiária”.42
As pressões populares desses movimentos sociais e a apresentação da Emendar Popular da
Reforma Urbana na Constituinte de 1988 garantiram a inclusão do conceito de propriedade-função
na Carta Magna e estabeleceram a função social em dois níveis: a subordinação da propriedade à
política urbana, através do plano diretor; e as sanções para aquele que não atendesse a função social
da propriedade, como o parcelamento e edificação compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e
até mesmo a desapropriação com fins urbanísticos.
A Constituição Federal de 1988 consagrou a função social das propriedades rural e urbana
de forma distinta. Para que a propriedade rural cumprisse a sua função social deveria atender ao
aproveitamento racional e adequado, à utilização adequada dos recursos naturais e preservação do
meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186 da CF/88), isto é, o próprio
ordenamento constitucional estabeleceu os requisitos da função social da propriedade rural.
Já no caso da propriedade urbana o parágrafo 2º do artigo 182 da CF/88, estabeleceu que:
“Art. 182 - ...
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.
39
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 65.
40
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 48.
41
SUNDFELD, Carlos Ari. Função Social da Propriedade, p. 5. In: DALLARI, Adilson Abreu e FIGUEIREDO,
Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico.
42
ALFONSIN, Betânia. Instrumentos e experiências de Regularização Fundiária (...)¸ p. 24.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

Portanto, não há eficácia imediata desse dispositivo, pois está adstrito ao estabelecimento de
critérios no plano diretor dos Municípios. Ressalte-se, então, que sem um plano diretor em vigor, o
Município não poderá implementar nenhuma medida urbanística que toca à necessidade utilizar a
propriedade urbana, conforme sua função social. Devido a essa aplicabilidade dependente, merece
crítica a disposição, que a exemplo do art. 186 da CF/88 quanto à propriedade rural, deveria ter
trazido os requisitos para que se implementasse, constitucionalmente, a função social da
propriedade urbana.
A proposta da Emenda Popular da Reforma Urbana apresentada na Assembléia Nacional
Constituinte disciplinava os requisitos para que a propriedade urbana cumprisse sua função social,
com o intuito fundamental de eliminar a especulação imobiliária e ampliar o acesso à moradia, até
porque difícil é separar a função social da propriedade urbana do direito à moradia.
Como se sabe, os setores conservadores com representação na Assembléia Nacional
Constituinte barraram esse grande avanço. Anos depois, na discussão do Estatuto da Cidade
também foi intentada tal regulamentação, que não vingou frente a sua inconstitucionalidade. Desse
modo, somente nos Municípios, em que houver o plano diretor e este expressamente determinar os
requisitos para que a propriedade urbana cumpra sua função social, é que se poderá ver efetivado
esse princípio fundamental do direito urbanístico.
Entretanto, consoante ao princípio da função social da propriedade urbana, algumas
propostas populares foram respaldadas pelo legislador constituinte, graças à articulação dos
movimentos sociais. O §4º do artigo 182 da CF/88 atribuiu ao Poder Público a possibilidade de
exigir o adequado aproveitamento do solo urbano, por meio de institutos de reforma urbana como o
parcelamento e a edificação compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação:
“Art. 182 - ...
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída
no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob
pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão
previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais”.
Essa inovação foi uma das melhores tentativas de diminuir as tensões sociais em matéria
habitacional e de parcelamento do solo, apesar de serem medidas voluntárias, dependendo da
municipalidade as instituir por lei específica para área incluída no plano diretor.43 Entretanto, devido
à ausência da lei federal de desenvolvimento urbano que traria as diretrizes gerais também para a
implementação desses institutos urbanístico, na maioria das vezes, às cidades não era admitida a
eficácia desses instrumentos. Com a aprovação do Estatuto da Cidade, tais institutos foram
regulamentados pelos artigos 5º e 6º (parcelamento, edificação ou utilização compulsórios), 7º
(IPTU progressivo no tempo) e 8º (desapropriação). Assim, os Municípios agora têm competência
integral para instituírem tais medidas e exigirem do proprietário urbano o aproveitamento da área
subutilizada.
Outra inovação constitucional que veio a somar forças para garantir a eficácia do princípio
da função social da propriedade urbana foi a criação de um novo instituto jurídico, o usucapião
urbano, consagrado como um dos instrumentos urbanísticos mais importantes para a regularização
fundiária. O Código Civil de 1916 dispõe que aquele que, por vinte anos, sem interrupção, possuir
como seu imóvel independentemente de título e boa-fé, pode requerer o domínio pelo usucapião.
43
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira, p. 442.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

Essa era a única forma de usucapir um imóvel. Com a Constituição de 1998, foram instituídas duas
novas modalidades de usucapião, o rural e o urbano. No caso do usucapião rural, dele aproveita
aquele que possuir como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona
rural não superior a cinqüenta hectares tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, nela
residindo, desde que não seja proprietário de imóvel rural ou urbano.44 Já o usucapião urbano, veio
assim disposto no artigo 183 da Constituição de 1988:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou
a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
O legislador constituinte atento às tensões sociais resultantes dos problemas enfrentados
pelos sem-teto instituiu uma nova modalidade de usucapião, estreitamente vinculada à função social
da propriedade.45 Quanto a sua importância, enquanto instrumento de política urbana, o Usucapião
Urbano, visa assegurar o direito de moradia, principalmente dos grupos sociais emergentes na luta
pelos direitos inerentes à vida na cidade, como instrumento de regularização fundiária visa conferir
como sanção ao proprietário que não atender a função social pelo abandono do imóvel a perda da
propriedade.46 Tal instituto já está disciplinado no Novo Código Civil, Lei 10.406 de 10.01.2001,
que contempla as três modalidades de usucapião, nos seus artigos 1.238, 1.239 e 1.240,
respectivamente, usucapião convencional, rural e urbano e no Estatuto da Cidade, nos seus artigos
9º a 14.
Em suma, apesar da limitação quanto à eficácia das normas que disciplinam a função social
da propriedade urbana, é inegável que a consagração em nível constitucional desse princípio, tenha
sido uma medida positiva, uma vez que subordinou seu regime jurídico às normas urbanísticas. É
que com as normas dos artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, a propriedade urbana passou a
ser “formada e condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social específica;
realizar as chamadas funções urbanísticas de propiciar habitação (moradia), condições adequadas de
trabalho, recreação e circulação humana, realizar em suma, as funções sociais da cidade”. 47 Mais do
que tirar a propriedade de quem a usa mal, a função social e seus instrumentos visam propiciar uma
melhora na qualidade de vida das pessoas. A propriedade urbana, então, passou a ser um típico
conceito do Direito Urbanístico e sua função social um princípio basilar.

9. Planejamento Urbano

José Afonso da Silva sintetiza que “o Planejamento, em geral, é um processo técnico


instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente
estabelecidos”.48
Para Célson Ferrari, “em sentido amplo, planejamento é o método de aplicação, contínuo e
permanente, destinado a resolver, racionalmente, os problemas que afetam uma sociedade situada

44
Artigo 191, caput, da Constituição Federal de 1988.
45
CORDEIRO, Carlos José. Usucapião Constitucional Urbano, p. 124.
46
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 57/58
47
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 67.
48
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 77.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

em determinado espaço, em determinada época, através de uma previsão ordenada capaz de


antecipar suas ulteriores conseqüências”.49
O planejamento é, há muito tempo, tarefa essencial da administração nas empresas e nas
instituições privadas. Apenas recentemente é que as administrações públicas passaram a utilizar-se
do planejamento como forma de melhorar a gestão do ente estatal. Hoje, a principal distinção, é que
o planejamento para as administrações públicas é imperativo, por força da lei, enquanto para as
empresas e instituições privadas é facultativo, porém, em ambos os casos, sendo amplamente
recomendado e necessário com vistas a uma gestão administrativa satisfatória.
No Brasil, o planejamento urbano foi inicialmente institucionalizado entre as décadas de 60
e 70, durante um período de centralização política, que marcou a ditadura militar. Esse período
político influenciou os processos de planejamentos urbanos, que tratavam a cidade como objeto
puramente técnico. O planejamento era como um projeto acabado de cidade ideal, em que não havia
conflitos. Nesse modelo, o planejamento puramente era técnico, enquanto a gestão era política,
ambos, planejamento e gestão urbana, distantes. Essa visão tecnocrática dos planos e do processo de
elaboração das estratégias de regulação dava à lei a mera função estabelecer padrões satisfatórios,
ignorando qualquer dimensão que reconhecesse conflitos, como a desigualdade das condições de
renda e sua influência sobre o funcionamento dos mercados urbanos.50
Com a emergência dos movimentos sociais, impulsionados pela proposta de Reforma
Urbana, o foco do planejamento urbano passou a ser a relação com a cidade real, aquela ilegal,
informal, irregular e clandestina. Esse novo planejamento, conceituado como instrumento de
democratização da gestão da cidade, quebra e se contrapõe ao pensamento tradicional de planejar a
cidade de forma parcial, de considerar apenas a cidade legal, reconhecida pelo registro e contornos
da burocracia estatal e que perpetua a segregação e a exclusão da população que vive às margens da
legalidade da cidade real. A definição das políticas públicas e das prioridades de investimento, em
função da realidade local e da manifestação da população, confere a legitimidade necessária para
inverter a ordem da destinação dos recursos, das obras e serviços públicos para atender os reais
interesses da população.51
A Constituição Federal de 1988 adotou esse modelo moderno de planejamento,
estabelecendo competências para elaboração de diversos planos urbanístico para cada um dos entes
da Federação. José Afonso da Silva52, interpretando o ordenamento constitucional, sistematizou
toda a tipologia dos Planos Urbanísticos, quanto às competências de instituição dos entes
federativos: Os planos federais, que são: Nacionais (estabelecem as diretrizes e objetivos gerais do
desenvolvimento urbano), Macrorregionais (metas de desenvolvimento das regiões geoeconômicas
do país) e Setoriais (ordenação territorial especial - plano de viação, de defesa do meio ambiente,
etc.). Os Planos Urbanísticos Estaduais que são Gerais (de ordenação do território estadual,
respeitadas as diretrizes gerais) e Setoriais (defesa do meio ambiente, plano de viação estadual,
etc.). E os Planos Urbanísticos Municipais: Microrregionais (planos de coordenação de cada região
administrativa estadual), Gerais (planos diretores), Parciais (zoneamento, alinhamento,
melhoramentos urbanos) e Especiais (distritos industriais, renovação urbana, etc.).
Em relação aos tipos de planejamento, como se vê, a própria repartição de competências
federativas para as questões urbanísticas delegou aos Municípios, mais do que à União e aos
Estados e Distrito Federal, a missão de estabelecer planos para a sadia ordenação da cidade. É,
portanto, o planejamento municipal o principal responsável pela definição das metas visando o
cumprimento das missões constitucionais do Município.53

49
FERRARI, Célson. Curso de Planejamento Municipal Integrado, p. 3.
50
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 27.
51
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 273.
52
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 93.
53
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 272.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

Dentre os instrumentos de planejamento urbano destaca-se de forma notória, o plano diretor


como instrumento que estabelece as exigências fundamentais de ordenação da cidade. O plano
diretor é positivado na legislação brasileira como instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana. É que o dispõe o §1º do artigo 182:
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com
mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de
expansão urbana.
Algumas considerações sobre o texto merecem destaque. O plano diretor é, portanto,
obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e facultativo para as demais, segundo a CF/
88 (o Estatuto da Cidade veio ampliar o rol de cidades obrigadas a instituir o plano diretor). Se a
cidade obrigada não possui o plano diretor, o mandado de injunção é o remédio adequado para
pressionar os Poderes Executivo e Legislativo a disporem um plano diretor. Nas cidades em que
vigora um plano diretor, este deve ser periodicamente revisto, principalmente nesse momento, com
a aprovação do Estatuto da Cidade que trouxe várias inovações e regulamentações do novo plano
diretor.
Celso Ribeiro Bastos expõe, que “o plano diretor vem a ser o instrumento pelo qual os
municípios definirão os objetivos a serem atingidos, assim como as regras básicas, as diretrizes, as
normas do desenvolvimento urbano, estabelecendo, portanto, o zoneamento, as exigências quanto
às edificações e um sem-número de outras matérias fundamentais pertinentes ao uso do solo. Não é
estranho ao plano diretor o próprio sistema viário, arruamento, estradas, locação de áreas verdes,
etc.”.54
Entretanto, o plano diretor não é o único instrumento de planejamento. O Plano Plurianual
(PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) são também
instrumentos de planejamento urbano. O Estatuto da Cidade ainda prevê (art. 4º, inc. III), como
instrumentos de planejamento municipal, as leis de uso e ocupação do solo, o zoneamento
ambiental, a gestão orçamentária participativa, os planos, programas e projetos setoriais e os planos
de desenvolvimento econômico e social.
A Lei 10.257/01 que instituiu as diretrizes para o desenvolvimento urbano, ainda disciplinou
o Plano Diretor, com um capítulo específico (Capítulo III), do qual cabe ressaltar alguns pontos.
Primeiro, o importante fato de que o Estatuto da Cidade estabeleceu normas gerais quanto ao plano
diretor, sem impor limitações à competência municipal, pois tal regra era necessária para que não se
afrontasse a autonomia do Município para elaborar o plano diretor, segundo a Carta Magna.
A nova lei urbanística reafirma, em seus artigos 39 e 40, que o plano diretor, aprovado por
lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, dispondo
ainda que: o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo ter
suas diretrizes e prioridades contidas no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e no
orçamento anual (§1º); que o Plano Diretor abrange as áreas urbana, suburbana e rural, isto é todo o
Município (§2º); que o plano deve ser revisado a cada dez anos, no máximo (§3º); e que a
participação popular na elaboração do plano diretor, é obrigatória (§4º).
A Lei Federal também amplia o rol de cidades obrigadas a instituir o plano diretor, além
daquelas com mais de vinte mil habitantes, de agora em diante, a regra vale para as cidades
integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, integrantes de áreas de especial
interesse turístico e inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com impacto
ambiental e ainda nas cidades em que o Poder Público pretenda exigir do proprietário de solo
urbano não-edificado o seu aproveitamento, sob pena de parcelamento e edificação cumpulsórios,
IPTU progressivo no tempo e desapropriação de fim urbanístico.
Estabelece ainda o Estatuto que o plano diretor deve, minimamente, conter: 1) a delimitação
das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
54
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, v. 7, p. 212
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

2) a delimitação das áreas em que poderá se exigir o direito de preempção, ou permitir o direito de
construir acima do coeficiente de aproveitamento básico e a alteração de uso do solo mediante
contraprestação, a aplicação de operações urbanas consorciadas e a transferência do direito de
construir; e 3) a definição de um sistema de acompanhamento e controle.
Por fim, é preciso ressaltar que ao planejamento urbano aplicam-se diretrizes,
principalmente aquelas que democratizam a gestão da cidade, como a participação popular na
elaboração desses planos, requisito essencial para a legitimidade das propostas urbanísticas a serem
implementadas. Nelson Saule Júnior sugere que o planejamento urbano, como instrumento de
democratização da gestão da cidade, deve pressupor quatro preceitos básicos: 1) considerar a
realidade local e as necessidades da população; 2) a participação popular direta; 3) a linguagem
simplificada e acessível a qualquer cidadão; e 4) um sistema de informações sobre a vida da
cidade.55
José Afonso da Silva aponta ainda que o planejamento deve observar as seguintes diretrizes:
a) o processo de planejamento é mais importante do que o plano; b) o processo deve elaborar planos
adequados à realidade do Município; c) os planos devem ser exeqüíveis; d) o nível de profundidade
dos estudos deve ser apenas o necessário para orientar a ação da municipalidade; e) a
complementariedade e a integração de políticas, planos e programas setoriais; f) o respeito e a
adequação à realidade regional, além da local e em consonância com os planos e programas
estaduais e federais existentes; e g) a democracia e o acesso às informações disponíveis.56

10. Funções sociais das cidades

A cidade é, notadamente, um espaço marcado por tensões e conflitos que retratam as


desigualdades sociais e os problemas urbanos. “Os espaços urbanos não se limitam também a ser
locais ou palcos da produção industrial, da troca de mercadorias, ou lugares onde os trabalhadores
vivem. Eles são tudo isso e muito mais; são produtos: edifícios, viadutos, ruas, placas, postes,
árvores, enfim, paisagem que é produzida e apropriada sob determinadas relações sociais. A cidade
é objeto e também agente ativo das relações sociais”.57
O direito do urbanismo, ao identificar essas necessidades reais para elaborar soluções
factíveis, deve colocar as relações sociais existentes como preocupação em primeiro plano. A
medida urbanística satisfatória é aquela que contribui não só para a resolução do problema urbano
(ponte, edifício ou rua), mas para a solução dos conflitos sociais.
Por isso, é que se denota que as cidades têm como funções sociais a cumprir, as ações e
medidas que garantam a construção de cidades sustentáveis, em que o direito ao meio ambiente, à
moradia, à terra urbana, ao saneamento e infra-estrutura, ao transporte e serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer sejam contemplados, tanto para as gerações presentes, quanto para as futuras.
A Constituição de 1988, no caput do artigo 182, que abre o capítulo de Política Urbana,
explicitou o princípio das funções sociais da cidade como constante da política de desenvolvimento
urbano no país, como se denota do próprio texto:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
O dispositivo legal enquadra-se na concepção de que o desenvolvimento urbano tem por
objetivo a implementação das funções sociais da cidade para garantir o bem-estar dos cidadãos,
pois, no Brasil, a brusca urbanização nos grandes centros elevou os problemas socais provocando
55
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 276.
56
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, p. 122/123.
57
MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade, p. 42.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

tensões agudas58, que necessitam urgentemente de soluções elaboradas a partir de um


desenvolvimento urbano includente. A Constituição de 1988, espelha esse ideal da sociedade ao
definir que os objetivos da política de desenvolvimento urbano são as funções sociais da cidade e o
bem-estar dos cidadãos.
Na verdade, essas funções sociais da cidade são interesses difusos, isto é, de toda a
coletividade, cujos sujeitos são indeterminados59. A cidade, para cumprir sua função social, deve
garantir suas funções essenciais como habitação, trabalho, lazer e circulação de forma que as
desigualdades sociais, para o bem de toda a coletividade, sejam minorados com as medidas
urbanísticas implementadas.
Ë com base nesse argumento que o Poder Público, para atender as funções sociais da cidade,
pode e deve redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, com vistas a combater as
situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em nossas cidades.60
Esse princípio busca garantir a todos os habitantes o Direito à cidade. Na acepção de Saule
Júnior, “o Direito à cidade compreende os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades de ter
condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania, de ampliar os direitos fundamentais
(individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver
num meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável”.61
Dessa conceituação destacam-se três elementos para que o habitante tenha seu direito à
cidade: a melhoria da qualidade de vida a patamares dignos, a participação política exercida por
meio da cidadania e o desenvolvimento sustentável.
Em relação às dignas condições de vida da população, imprescindível são as garantias de
uma habitação dotada de toda a infra-estrutura básica e de condições de trabalho, acesso ao lazer e
ao serviço e transportes públicos, etc.
No que tange à participação política, a gestão democrática da cidade permite que os
habitantes opinem sobre qual a melhor forma de construir a cidade que almejam, exercendo
diretamente sua cidadania.
A Lei Federal 10.257/01 destaca, como primeira diretriz geral da política urbana a ser
implementada no país, a garantia das funções sociais da cidade, ao estabelecer que:
“Art. 2º - ...
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”
Essa diretriz reconhece e qualifica o direito às cidades sustentáveis, para o cumprimento de
suas funções sociais. “O pleno exercício do direito a cidades sustentáveis compreende condições
dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos, de participar da gestão
da cidade, de viver numa cidade com qualidade de vida, sob os aspectos social e ambiental”.62
Quanto ao citado desenvolvimento sustentável, este se caracteriza por colocar os cidadãos
como o centro das preocupações das cidades, devendo a elas ser garantido o direito a uma vida
saudável e produtiva, como preceitua a Declaração do Rio (Agenda 21).63 Nesse sentido, a cidade
deve ser gerida para propiciar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o
desenvolvimento social e humano, isto é, entre o progresso e a qualidade de vida dos cidadãos.

58
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira, vol. 6, p. 431.
59
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 61/62.
60
INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade – Guia, p. 47.
61
SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro (...), p. 22.
62
INSTITUTO PÓLIS e outros. Estatuto da Cidade – Guia (...), p. 34.
63
AGENDA 21 – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Princípio 1.
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

5. Considerações finais

A Ciência do Urbanismo tem estudado a nova organização das cidades, com vistas a
solucionar os principais problemas decorrentes da desordenada urbanização que as cidades
experimentaram nos últimos séculos. Dessa necessidade de ordenar o espaço habitável, surgiu o
Direito Urbanístico para legitimar as intervenções do Poder Público na propriedade e na cidade,
com o objetivo de garantir a supremacia do interesse coletivo.
No Brasil, o Direito Urbanístico ainda é tese nova, com reduzido material de pesquisa e
aprofundamento teórico. Entretanto, o aumento dos conflitos sociais nas cidades, a ascensão de
movimentos sociais de luta pela Reforma Urbana, a inércia estatal para a implementação de
soluções urbanísticas e a enorme concentração de renda e propriedades, têm provocado o debate na
sociedade para a construção de um modelo de cidade que atenda as condições de habitação,
trabalho, lazer e transporte, possibilitando o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos.
Porém, esse cenário idealizado está distante. Hoje, o país enfrenta a questão da moradia, por
exemplo, amparado apenas na expansão de favelas, cortiços e assentamentos em áreas insalubres,
de risco e ilegais ou irregulares e na perpetuação de práticas de especulação imobiliária. O
desemprego alcança recordes de índices, principalmente nas grandes capitais, onde os problemas
urbanos são ainda maiores. No transporte e demais serviços públicos, o custo para a população tem
aumentado sem a correspondente melhora nos serviços, já quase totalmente privatizados. E ao fim,
observa-se uma crescente degradação ambiental e das instalações de infra-estrutura das cidades.
Ocorre que o direito até o presente momento não conseguiu dar respostas a esses problemas
urgentes, deixando ineficazes os princípios fundamentais do Direito Urbanístico, a Função Social da
Propriedade, o Planejamento Urbano e as Funções Sociais da Cidade, apesar das positivação do
urbanismo na Constituição Federal e no recém-aprovado Estatuto da Cidade.
O capítulo sobre Política Urbana na Constituição de 1988, incluído graças à pressão dos
movimentos sociais na propositura da Emenda Popular da Reforma Urbana na Assembléia
Constituinte, trouxe à lume, princípios e institutos jurídicos de grande valia para o direito do
urbanismo, mas de questionável eficácia:
a) os dispositivos constitucionais avançam no entendimento de um direito do urbanismo
includente, ao normatizar a função social da propriedade, por meio da instituição do
usucapião constitucional urbano, das medidas de aproveitamento do solo pelo proprietário
sob pena edificação compulsória, IPTU progressivo no tempo e até desapropriação; e
também normatizar o planejamento urbano, com a obrigatoriedade do plano diretor, e ainda
ao ter como diretriz a garantia do direito a cidades sustentáveis;
b) entretanto, essas normas da Constituição não se tornaram eficazes, por dependerem
principalmente, dos Municípios, que têm atribuições de implementar a política urbana. Se o
Poder Público Municipal não se manifesta ou não atua, o direito urbanístico naquela
localidade corre o risco de não se efetivar, descumprindo a vontade do legislador e da
própria sociedade.
Já o Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/01) é a lei federal de desenvolvimento urbano que
tramitou por doze anos no Congresso Nacional e, agora aprovada, traça as diretrizes gerais para a
União, Estados e Distrito Federal e Municípios implementarem as medidas de política urbana:
a) o texto legal hoje em vigor traz inovações jurídicas muito interessantes, como a outorga
onerosa do direito de construir, as operações consorciadas, o estudo de impacto de
vizinhança, e também regulamenta institutos jurídicos, a exemplo do IPTU progressivo no
tempo, da desapropriação, do usucapião urbano, que podem ser implementados pelo Poder
Público Municipal para que faça cumprir a função social da propriedade e para efetivar a
regularização fundiária;
Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 31, p. 237-268, 2003.

b) outro aspecto positivo relevante é o destaque a normas de gestão democrática da cidade,


com a instituição de conselhos, realização de audiências e debates e até obrigatoriedade de
tornar participativa a gestão orçamentária do Município;
c) entretanto, analisando de forma crítica, a Lei Federal 10.257/01 é, na verdade, um estatuto
de regularização fundiária, pois a quase totalidade das medidas propostas busca apenas
garantir mudanças no regime atual de propriedade. A regularização fundiária é medida
extremamente necessária, mas de maneira nenhuma pode se distanciar das questões
envolvendo a qualidade de vida, o transporte, o meio-ambiente, a infra-estrutura básica,
como ocorreu na lei;
d) ainda nessa seara, nota-se que o Estatuto da Cidade traz mais requisitos a serem
cumpridos pelos administradores e deveres aos administrados, do que direitos aos cidadãos.
A preocupação do legislador em regulamentar os planos, institutos, estudos e procedimentos
de política urbana, foi tão grande, que o direito à cidade, foi alocado em segundo plano.
Além disso, é preciso considerar que a resposta do Poder Judiciário aos conflitos provocados
pelos instrumentos de política urbana é, ainda, uma incógnita. Até hoje, a jurisprudência sobre lides
urbanísticas é incipiente e tende a tratar o tema como questão de direito administrativo. Na
sociedade brasileira, a participação efetiva do Poder Judiciário é essencial para que os princípios de
Direito Urbanístico tornem-se eficazes socialmente, e não só no momento decisório de conflitos,
mas também na fiscalização sobre os Poderes Executivo e Legislativo.
Assim, conclui-se a concepção de cidade está novamente em discussão, centrada agora nas
legislações urbanísticas e na participação popular. Com o Estatuto da Cidade, a expectativa é que o
Direito Urbanístico afirme-se como ramo do Direito Público destinado a ordenar as cidades de
forma a garantir seu desenvolvimento humano e sustentável, proporcionando soluções para os
graves conflitos urbanos e melhores condições de vida para os citadinos.

6. Referências Bibliográficas

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