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HISTÓRIA INTERROMPIDA

Eu gostaria de rematar uma velha história que ficou interrompida


muitos anos atrás. Encontrei-a por acaso numa gaveta. Foi com espanto
que, pela primeira vez na vida, aconteceu-me ler algo que não
recordava Ter jamais escrito. Três páginas e meia de caligrafia normal,
levemente amareladas, doloroso é dizê-lo, recobertas na verdade de
uma ligeira pátina de dissolução, de cansaço e de morte, conquanto só
se tenham passado dez anos.
Durante dez anos, pois, a história incompleta ficou à espera,
conservando a carga de comoção , de palpitações e quiçá de lágrima
que a fizera nascer dentro de mim. ( Ou será que, sozinha, sem eu me
dar conta, ela de algum modo se esgotou por conta própria, não mais
continuando a obedecer-me, mas desenvolvendo-se ao acaso, sem
palavras, levada por insensato capricho?) Ai de mim, com um arrepio de
tristeza verifiquei que não me lembrava mais da continuação imaginada.
Aonde quisera eu chegar? Outrem então a inventara, um homem
diferente de mim, um estranho desaparecido para sempre.
Entretanto, eu reconhecia no escrito uma das paisagens que me
eram caras, uma paisagem romântica por onde ainda hoje me apraz
vaguear. Descrevia-se , naquelas páginas, uma casa grande, uma
espécie de morada de cantoneiro que se erguia num vale solitário
cercada de algumas habitações rústicas; em derredor, despenhadeiros
de terra vermelha, e mais ao alto pastagens, e mais ao alto ainda as
florestas escuras. Por fim as montanhas, fechadas em seus segredos.
Dizia-se outrossim que na sala de rés-do-chão alguns caçadores
estavam reunidos, sentados diante de seus copos. Falavam, com
discretas alusões, acerca de alguma coisa de estranho e preocupante
que acontecera, ou estava acontecendo, ou podia acontecer ( pelo
escrito, não se entendia bem ). Lá fora reinava uma tarde estival, com o
seu grande sol silencioso, carregado de expectativas. E via-se a estrada
alongar-se branca de poeira, absolutamente deserta até onde os olhos
alcançavam. Alguém insinua, fitando-me não sem ironia: e nas
montanhas não havia bandoleiros? Provavelmente havia. E espíritos
também? fantasmas e lêmures que na calada da noite ascendiam do
fundo do vale para assustas os viandantes ? Isso mesmo, amigos meus,
espíritos e larvas. No escrito não constam, a esse propósito, dados
precisos. Mas não se exclui a possibilidade de aparecerem mais adiante.
Na terceira página conta-se ademais que, de uma das janelas da
casa, naquela imensa quietude, vinha um fresco canto de mulher. Cita-
se inclusive o nome dela: Marietta. Mas esperem, agora me recordo!
Como ela era jovem, doce e gentil. Enquanto arrumava seu quarto,
Marietta cantava entregando-se com muita inocência a confusos
pressentimentos amorosos. Eu me lembro dela! E nesse ponto a história
se interrompera, deixa imprevistamente em suspenso.
A suposta vicissitude não tinha, pois, começado. Percebia-se, no
entanto, uma intensa atmosfera de expectativa e mistério, a um só
tempo ansiosa e vaga, como acontece em certos dias da vida. E, agora
que penso nisso, ocorre-me uma outra coisa: recordo que pela estrada
deserta deveria chegar alguém, um homem a cavalo, um portador de
notícias, um ser muito significativo, daqueles que comumente se dizem
enviados do destino. À sua chegada ocorreria um fato momentoso e
poético. O que exatamente? Não me lembro.
Não consigo, em verdade, encontrar na memória o que o
aparecimento do cavaleiro deveria significar. E , no entanto, quero hoje
continuar a escrever, quero terminar a história; sinto-me como que
rejuvenescido. E eis-me, sob a canícula, na estrada deserta do fundo do
vale. Avizinho-me da casa. Avisto um velho sentado perto da porta; há
dez anos eu juraria que ele não estava ali. Bom dia, digo-lhe. Ele ergue
os olhos e responde.
- Como vai ? – pergunto. – Sempre em forma? E os caçadores,
continuam lá dentro?
- Os caçadores? - repete ele estupefato – que caçadores?
A casa está silenciosa , silenciosa demais. Da sala de rés-do-chão
não vêm vozes nem tinidos de copos. Percebo inclusive que falta o canto
da moça.
- E Marietta? – pergunto ao velho. – Ao menos Marietta está?
Desta feita o velho dá mostras de compreender, volta a cabeça
para a porta grita duas vezes: Marietta! De fato, pouco depois ela
aparece.
Sai à rua, dá-me bom-dia com grande desenvoltura. Que
esplêndida mulher se tornou. Sorridente, os lábios rubros, uma
expressão viva e atrevida. Mas como é diferente da de outrora. Confesso
que me sinto intimidado.
- Desculpe-me – digo-lhe ( impossível agora tratá-la com intimidade) -,
mas
chegou o tal homem a cavalo? e que notícias trouxe?
- Um homem a cavalo? Não sei nada , senhor. – E sorri convidativa. –
Não sei de nenhum cavaleiro, não sei mesmo.
Olho-a. Profundos são seus olhos e guardam pensamentos
recônditos.
- Devia vir lá de cima – explico, apontando a estrada -, devia trazer
notícias . Não se lembra?
- Não sei nada, senhor. Sinto muito...
Penso então comigo: que idiota sou; mas é natural; fui-me
embora no momento mais importante, ninguém a não ser eu sabia
desse cavaleiro, sem mim ele não podia chegar. Cabe a mim chamá-lo.
- Desculpe-me – digo então a Marietta – Diga-me: já não canta mais?
Ainda se distrai às vezes cantando?
Ela ri, divertida com a idéia, entrecerrando os belos lábios.
- Isso acontece , certamente ,às vezes...
- E ouça – insisto - , tenho um favor a pedir-lhe. Não pense que eu
esteja brincando. Ouça: poderia subir um momento até o seu quarto?
poderia abrir a janela e cantar um pouco?
- Cantar? assim, sozinha? Agora?
- Agora mesmo. Peço-lhe encarecidamente.
- E cantar o quê?
- Sei lá, uma canção qualquer, a que preferir.
- Bem, se não quer mesmo outra coisa! – Ela entra em casa a rir, ouço-
lhe os passos escada acima.
A antiga paisagem está intacta. Idêntico ao de outrora, ao de dez
anos antes, é o silencioso sol estival. E igual se me afigura o ar,
igualmente misterioso e inquietante. Marietta cantará agora, como nas
últimas linhas do manuscrito incompleto. Cantará a bela Marietta e no
fim da estrada surgirá automaticamente o cavaleiro com o seu peso de
destino. Tudo se porá em movimento, depois de dez anos a história
voltará a caminhar, como se eu não tivesse permanecido tanto tempo
ausente.
A janela de Marietta abriu-se. Ela se debruçou, vi que não sorria.
Depois retirou-se. E no silêncio ergueu-se a sua voz.
Escutei, imóvel, com o coração inquieto. Que acontecera?
Marietta, essa mulher que cantava? Sua essa voz impura, gotejante de
inconfessadas lembranças? Quantas coisas já não conhecia essa voz,
quantas alegrias deploráveis e mortas ilusões, quantas mentiras. De que
vergonhosas tristezas não estava repleta, como não a fatigava trazê-la
todas dentro de si; que pena. Cantava, aquela que fora Marietta,
abandonando-se com muita crueldade a confusos remorsos de amor. Eu
a ouvia. E me recordava de tudo.
Oh, eras uma florzinha quando te vi pela primeira vez, tantos anos
atrás, no começo desta história. Que foi que aconteceu depois? E sorrias
ao mundo como uma fonte, e leves sonhos de primavera flutuavam à
tua volta, acaraciando-te os olhos e os lábios. O encanto suave da
meninice não te havia ainda traído. Deus meu, que foi que aconteceu?
Cantavas como os pintassilgos ao alvorecer, timidamente voltada para
as felicidades ignotas que lá estavam a tua espera. Nada do triste
mundo, sequer uma sombra minúscula, havia ainda entrado dentro de ti.
E tudo, as fábulas mais inacreditáveis eram possíveis naquele dia,
naquele breve dia; sob a tua janelinha o famoso cavaleiro iria deter-se.
Uma florzinha eras, e agora novamente te escuto, mas dez anos se
passaram entrementes. O velho junto à porta balança a cabeça,
acompanhando a desolada canção; chega a sorrir, com estulto
comprazimento. E eis que vejo os despenhadeiros em torno, as
pastagens, as florestas e por fim as montanhas. Gélidas sombras. Quem
se recorda ainda dos bandoleiros? quem jamais ouviu falar de
fantasmas? A estrada está deserta, ninguém vem lá de cima, nenhum
eco de longínquo galope, e esperar seria inútil. Sim, ainda há no ar uma
espera sombria e profunda. De bem outra coisa, já, de algo muito
diverso. Quem sabe o cavaleiro já tenha passado, chegou há muitíssimo
tempo e esporeou a montaria, do lado oposto, sem sequer parar.
Decerto nunca mais o veremos. Morta está, pois, dentro de mim, a
velha história, sem que me desse conta; ali ficou interrompida, pela
metade; e hoje é tarde demais para recomeçar.

AS MONTANHAS SÃO PROIBIDAS


Dino Buzzati
Cia das Letras - 1993

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