Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
DE
A.W. TOZER
Textos de A. W. Tozer -2-
OBSERVAÇÃO
1ª) Os textos todos foram escritos por A.W.Tozer. No final de cada um, colocamos a fonte de onde foi
extraído. Alguns fazem parte de livros que já se encontram em português; os demais foram traduzidos
por Helio Kirchheim.
A ABSOLUTA IMPORTÂNCIA
DO MOTIVO
TORNAR-SE MENOR
AO TENTAR SER GRANDE
A FÉ SEM EXPECTATIVA
ESTÁ MORTA
A IMPORTÂNCIA
DA DOUTRINA CERTA
A REVELAÇÃO
NÃO É SUFICIENTE
Num de Seus confrontos com os líderes judeus, Jesus nos chama a atenção para
os Seus contemporâneos que acreditavam ser a verdade algo meramente intelectual. Eles
acreditavam ser possível reduzir a verdade a um código — algo parecido ao que nós
fazemos quando tomamos por certo que dois e dois são quatro. Aqui está o cenário, o
problema e a contestação de Jesus:
"Corria já em meio a festa, e Jesus subiu ao templo e ensinava. Então, os judeus
se maravilhavam e diziam: Como sabe este letras, sem ter estudado? Respondeu-lhes
Jesus: O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a
vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim
mesmo" (João 7.14-17).
Essa atitude para com a verdade sustentada pelas pessoas nos tempos de Jesus
nos leva a considerar aqueles que fazem a mesma coisa hoje, apegando-se a um conceito
intelectual da verdade de Deus. Não estou me referindo aos teólogos liberais que negam
a pessoa e a posição de Jesus Cristo como Filho de Deus. Refiro-me antes àqueles que
tenho de chamar de racionalistas evangélicos. A razão porque me preocupo é que
cheguei à conclusão que o racionalismo evangélico acabará matando a verdade tão
rapidamente como o fará o liberalismo.
Em primeiro lugar, veja os líderes judeus nos tempos de Jesus. Eles se
maravilhavam com Ele, e diziam uns aos outros: "Como sabe este letras, sem ter
estudado?" Eles se preocupavam com o fato de Jesus nunca ter estudado nas escolas de
ensino superior. Muitas escolas daqueles dias nada mais eram do que pequenos grupos
ensinados por um só rabino; não eram como são hoje nossas instituições com múltiplas
disciplinas. É evidente que nosso Senhor jamais compareceu a esse tipo de escola
rabínica. Por isso eles perguntaram: "Como é que Ele conseguiu esse ensino
maravilhoso, já que nunca frequentou nenhuma escola dos rabinos?"
Ora, essa pergunta por si só nos diz muito a respeito dos judeus daquela época.
Ela nos revela que eles consideravam a verdade (e você pode escrever a palavra com
inicial maiúscula, se quiser) como algo meramente intelectual, passível de ser reduzida a
um código. Para conhecer a verdade, era preciso apenas aprender o código. A maioria
das pessoas não possuía livros; eles memorizavam o código na escola, e era esse o
conceito que possuíam da verdade. Aprendemos isso não só da resposta de Jesus à
pergunta deles, mas em todo o Evangelho de João.
UM RACIONALISMO MORTAL
Esse racionalismo evangélico matará a verdade tão rapidamente como o fará o
liberalismo, embora o faça com mais sutileza. O liberal diz com toda franqueza: "Eu não
creio na sua Bíblia inspirada. Eu não creio no seu Cristo endeusado. Eu creio na Bíblia
de certa forma; ela é o registro dos principais feitos de homens destacados, e creio numa
certa comunhão mística com o universo, creio que tudo é muito maravilhoso, mas eu
não creio do jeito que vocês crêem". Você pode identificar esse homem com muita
facilidade. É quase automático. Você pode dizer que ele está do lado oposto, pois ele
veste o uniforme inimigo.
Mas o evangélico racionalista de hoje continua trajando o nosso uniforme. Ele se
aproxima vestindo nosso uniforme e diz aquilo que os fariseus disseram enquanto Jesus
estava aqui no mundo (e eles eram os Seus piores inimigos): "Está certo, a verdade é a
verdade, e se você crê na verdade, você possui a verdade!"
Naqueles tempos, ou em nossos dias, gente desse tipo não consegue ver além, e
não divisa nenhuma profundeza mística, nenhuma altura misteriosa, nada sobrenatural
nem divino. A única coisa que eles conseguem enxergar é:
Creio-em-Deus-Pai-Todo-Poderoso-criador-do-céu-e-da-terra-e-em-Jesus-Cristo-
Seu-único-Filho-nosso-Senhor.
Eles estão de posse do texto e do código e do credo e, para eles, isso é a verdade.
É dessa forma que eles a passam aos outros. O resultado disso é que estamos morrendo
espiritualmente.
Agora, e o que dizer a respeito dos místicos evangélicos? Na verdade eu não
gosto muito da palavra místico porque faz você pensar em alguém de cabelo comprido,
barbicha de bode, pensativo, e que age meio esquisito. Talvez não seja uma boa palavra,
mas estou me referindo ao lado espiritual das coisas - que a verdade é mais do que o
texto. Existe alguma coisa na qual você precisa penetrar. A verdade é mais do que o
código. Há um coração que bate nesse código, e você tem de chegar até ali.
A questão vital é simplesmente esta: Será que o mero corpo da verdade cristã é
suficiente, ou será que a verdade, além do corpo, possui uma alma? O racionalista
Textos de A. W. Tozer - 12 -
evangélico diz que toda essa conversa a respeito da alma da verdade são tolices poéticas.
O corpo da verdade é tudo de que você precisa. Se você crê no corpo da verdade, você
está a caminho do céu e dessa posição você não pode cair. No final, tudo dará certo e
você, no último dia, receberá uma coroa.
Talvez pudéssemos fazer a pergunta da seguinte forma: Será que a revelação é
suficiente, ou é preciso haver iluminação? A Bíblia é um livro inspirado? É um livro
revelado? É claro, você e eu cremos que ela é uma revelação, que Deus falou todas essas
palavras e homens santos falaram conforme foram movidos a isso pelo Espírito Santo.
Eu creio que a Bíblia é um livro vivo, que Deus a deu para nós e que não
devemos ousar nem adicionar nem remover nada do que ali está. Ela é uma revelação.
1 Também aqui no Brasil. E infelizmente esse veneno se alastrou por toda parte no mundo inteiro. N.T.
Textos de A. W. Tozer - 13 -
Aqui reside a diferença. Temos de insistir no fato que a conversão é uma
operação miraculosa de Deus por meio do Espírito Santo. Ela tem de ser operada em
nosso espírito. O corpo da verdade, o texto inspirado, não é suficiente; é necessária uma
iluminação interior!
A ILUMINAÇÃO É UM FATO
Mas na verdade existe iluminação. Eu sei o que Carlos Wesley quis dizer quando
escreveu: "O Seu Espírito atende ao sangue,/ E me garante que eu nasci de Deus!" Não
é preciso que ninguém me diga o que ele quis dizer com isso. "Aqueles que quiserem
fazer a minha vontade", disse Jesus na verdade, "haverão de receber uma revelação em
seu coração. Eles receberão uma iluminação interior, que lhes assegurará que são filhos
de Deus".
Se um pecador se dirige ao altar e um obreiro com um Novo Testamento cheio
de anotações o introduz no reino por meio de argumentações, o diabo haverá de
encontrar esse recém-convertido dois quarteirões abaixo e, com argumentações, o
removerá do reino outra vez. Mas se ele for iluminado interiormente — esse testemunho
interior — porque o Espírito respondeu ao sangue, você não conseguirá argumentar
com uma pessoa dessas. Ele se tornará teimoso, sem levar em consideração os
argumentos que você tentar manobrar. Ele vai dizer: "Mas eu sei!"
Um homem desses não é nem teimoso nem arrogante; ele apenas é seguro. Ele se
parece com aquele alegre irmão crente que trabalhava numa fábrica, e alguém o
convidou para uma reunião em que um homem pretendia provar que os cristãos estavam
errados. Esse irmão foi assistir à palestra. Foi uma eloquente apresentação de
argumentos de todo tipo. Na saída, o homem que o tinha convidado perguntou: "E
então, o que você achou?"
"Olha, eu ouvi esta palestra com um atraso de 25 anos", replicou o cristão. "Foi
25 anos atrás que Deus fez na minha vida o que esse palestrante disse que é impossível
ser feito!" Ora, esse é o Cristianismo normal. Esse é o jeito que deveríamos ser. "Se
alguém quiser fazer a vontade de Deus, conhecerá." Ele haverá de saber.
A VERDADE
TAMBÉM
TRAZ PROBLEMAS
A verdade soluciona algumas dificuldades e cria outras.
“… a verdade vos libertará” (João 8.32); isto é, libertará da desgraça, dos jugos,
dos fardos impostos pelo pecado.
Contudo, essa mesma verdade gera problemas de outra espécie. Não pode ser de
outra forma, uma vez que somos forçados a acolher a verdade num mundo consagrado à
mentira. A sociedade humana se encontra numa sutil conspiração contra a verdade no
que diz respeito às coisas espirituais e morais. A alma dedicada à verdade de Deus nunca
é popular entre as multidões. Elas a fazem pagar pelo seu amor à verdade. E isso cria um
problema para essa pessoa.
Em qualquer lugar que seja, e em qualquer época que a verdade se encarna
nalgum homem, esse homem com certeza se tornará o alvo de todo tipo de oposição —
desde o insulto informal de alguém que se diz amigo até à campanha cuidadosamente
preparada de um inimigo declarado. O problema que isso cria para o homem
comprometido com a verdade é como receber esses ataques com espírito caridoso,
como manter-se calmo e paciente quando todos os seus velhos reflexos naturais o
impelem a bater de volta com qualquer arma que estiver a seu alcance.
O homem a quem Cristo ilumina com Sua mensagem agora tem olhos, e isso
acaba com a velha dificuldade da cegueira; mas ele precisa usar os seus novos olhos num
mundo cego, e isso cria um outro problema. O mundo em sua cegueira se ressente
contra a sua alegação de que ele vê, e fará de tudo para desacreditar o que ele diz. A
verdade de Cristo traz segurança, e dessa forma remove o antigo problema do medo e da
incerteza, mas essa segurança será interpretada como fanatismo pela multidão governada
pelo medo. E mais cedo ou mais tarde essa falsa compreensão das coisas conduzirá o
homem de Deus a problemas. E assim acontece com muitos outros benefícios do
evangelho. Por todo o tempo que permanecermos neste mundo deformado, esses
benefícios haverão de criar seus próprios problemas. Não há como escapar deles.
Mas nenhum cristão esclarecido se queixará. Em vez disso, ele aceitará os seus
problemas como oportunidades para exercitar as virtudes espirituais. Ele os transformará
em disciplinas úteis para a purificação da sua vida e se regozijará com o fato de que lhe é
permitido sofrer com o seu Senhor. Porque por mais severas que sejam as provações do
cristão, elas não haverão de durar muito, e o bendito fruto que elas geram durará por
toda a eternidade.
[We Travel an Appointed Way]
Textos de A. W. Tozer - 19 -
A VERDADEIRA
E A FALSA HUMILDADE
A humildade é algo absolutamente indispensável para o cristão. Sem ela, não pode
haver conhecimento de si mesmo, nem arrependimento, nem fé, nem salvação.
As promessas de Deus são dirigidas aos humildes; o homem orgulhoso, com seu
orgulho perde o direito a todas as bênçãos prometidas aos humildes de coração, e não
pode esperar da mão de Deus outra coisa senão justiça.
Contudo, não devemos esquecer que há uma falsa humildade que se distingue da
real, e que no geral existe entre os crentes, sem que se dêem conta de que é falsa.
A humildade verdadeira é algo saudável. O homem humilde aceita que se lhe diga
a verdade. Ele crê que em sua natureza caída não habita bem nenhum. Reconhece que,
separado de Deus, não é nada, não tem nada, não sabe nada, nem pode fazer nada. Mas
esse conhecimento não o desanima, porque também sabe que, em Cristo, ele é alguém.
Sabe que para Deus ele é mais precioso que a menina dos seus olhos, e que pode todas
as coisas por meio de Cristo, que o fortalece; ou seja, pode fazer tudo o que está dentro
da vontade de Deus que ele faça.
A pseudo-humildade é, na realidade, simplesmente orgulho com outra cara. Faz-se
evidente na oração do homem que se condena diante de Deus como fraco, pecador e
néscio, mas que se ofenderia e lhe causaria raiva se sua esposa dissesse essas mesmas
coisas dele.
Não é que esse homem seja necessariamente um hipócrita. A oração de
autocondenação pode ser completamente sincera, como também o pode ser sua defesa
própria, embora ambas pareçam contradizer-se mutuamente. A semelhança entre as duas
é que ambas nasceram dos mesmos pais: o pai é o amor próprio e a mãe é a confiança
em si mesmo.
O homem cheio de auto-estima espera de forma natural grandes coisas de si
mesmo, e se sente amargamente desanimado quando fracassa. O crente que tem auto-
estima tem os mais elevados ideais morais: chegará a ser o homem mais santo de sua
igreja, se não o mais santo de sua geração. É possível que fale da depravação total, da
graça e da fé, enquanto ao mesmo tempo inconscientemente está confiando em si
mesmo, promovendo-se a si mesmo e vivendo para si mesmo.
Como tem aspirações tão nobres, qualquer falha em alcançar seus ideais o enche
de desânimo e desgosto. Vem, então, a dor da consciência, que ele erroneamente
interpreta como evidência de humildade, mas que na realidade só é uma amarga negativa
de perdoar-se a si mesmo por haver caído da alta opinião que tinha de sua própria
pessoa. Às vezes se pode traçar um paralelo com a pessoa do pai orgulhoso e ambicioso
que espera ver no filho o tipo de homem que ele havia esperado ser e não é, e que
quando o filho não vive de acordo com suas expectativas não quer perdoá-lo. A dor do
pai não vem do seu amor pelo filho, mas de seu amor por si próprio.
Textos de A. W. Tozer - 20 -
O homem verdadeiramente humilde não espera encontrar virtude em si mesmo, e
quando não a encontra, não se desanima. Ele sabe que qualquer boa obra que poderia
fazer é resultado da obra de Deus nele, e se é obra própria sua sabe que não é boa, por
melhor que pareça.
Quando essa crença se torna parte desse homem, algo que opera como uma
espécie de reflexo subconsciente, ele se vê liberto do peso de viver segundo a opinião
que tem de si mesmo. Pode descansar e contar com o Espírito para que cumpra a lei
moral em seu íntimo. Muda-se o centro de sua vida, do ego para Cristo, que é onde
deveria Ter estado desde o princípio, e assim se vê livre para servir a sua geração de
acordo com a vontade de Deus, sem os milhares de empecilhos que antes tinha.
Se um homem assim falha para com Deus de alguma forma, lamenta-o e se
arrepende, mas não passa os dias castigando-se a si mesmo por seu fracasso. Dirá com o
Irmão Lourenço: "Nunca poderei agir de outra forma se me deixas só; Tu és aquele que
deve impedir minha queda e emendar o que é mau", e depois disso "não continuará se
torturando pelo acontecido".
Quando lemos sobre a vida e os escritos dos santos, é que a falsa humildade mais
entra em ação. Lemos Agostinho e percebemos não ter sua inteligência; lemos Bernardo
de Claraval e sentimos um calor em seu espírito, que não encontramos em nosso próprio
em um grau que sequer se lhe assemelhe; lemos o diário de George Whitefield e temos
de confessar que comparados com ele somos simples principiantes, noviços espirituais, e
que apesar de nossas "vidas tão supostamente ocupadas" vemos muito pouco ou nada
realizado. Lemos as cartas de Samuel Rutherford e sentimos que seu amor por Cristo
ultrapassa tanto o nosso, que seria estupidez sequer mencioná-los ao mesmo tempo.
É então que a pseudo-humildade começa a trabalhar em nome da autêntica
humildade e nos leva até o pó numa confusão de autocompaixão e autocondenação.
Nosso amor próprio se volta contra nós mesmos e com grande azedume nos joga em
rosto nossa falta de piedade. Sejamos cuidadosos com isso. Aquilo que achamos ser
penitência pode facilmente ser uma pervertida forma de inveja e nada mais. É possível
que simplesmente estejamos invejando esses poderosos homens, e desanimemos de
chegar a ser como eles, imaginando que somos muito santos porque nos sentimos
humilhados e desanimados.
Tenho conhecido duas classes de crentes: os orgulhosos que se consideram
humildes, e os humildes que têm medo de ser orgulhosos. Deveria haver outra classe: os
desesperados de si mesmos que deixam todo o assunto nas mãos de Cristo, e se negam a
gastar o tempo tentando fazer-se bons. Serão esses os que alcançarão o alvo, e bem antes
que os demais.
[God Tells the Man Who Cares, capítulo 33.]
Textos de A. W. Tozer - 21 -
AS MELHORES COISAS
DEMANDAM ESFORÇO
Em nosso mundo distorcido, as coisas mais importantes muitas vezes são as mais
difíceis de aprender; e inversamente, as coisas que vêm fácil são na maioria das vezes de
pouco valor real no longo prazo.
Isso se vê claramente na vida cristã, onde muitas vezes acontece que aquilo que
aprendemos a fazer sem dificuldade são as atividades mais superficiais e menos
importantes, e os exercícios verdadeiramente vitais tendem a ser omitidos devido à
dificuldade de pô-los em prática. Isto é mais facilmente visto em nossas variadas formas
de trabalho cristão, particularmente no ministério. Ali as atividades mais difíceis são as
que produzem maior fruto, e os serviços menos frutíferos se desempenham com menor
esforço. Esta é uma armadilha em que o ministro sábio não cairá, ou, se ele perceber que
está preso nela, importunará céu e terra em sua luta para dela escapar. Orar com sucesso
é a primeira lição que o pregador tem de aprender, se quiser pregar frutiferamente;
embora a oração seja a tarefa mais difícil para a qual ele é chamado. Como homem será a
atividade que será tentado a menos pôr em prática do que qualquer outra. Ele tem de
determinar o coração para conquistar pela oração, e isso significa que primeiro tem de
comquistar sua própria carne, porque é a carne que sempre atrapalha a oração.
Quase tudo que diz respeito ao ministério pode ser aprendido com uma porção
média de esforço inteligente. Não é difícil pregar, ou gerenciar atividades da igreja ou
atender compromissos sociais; casamentos e funerais podem ser dirigidos sem
problemas com um pouco de ajuda de um Manual do Ministro. Pode-se aprender a fazer
sermões tão facilmente como fazer sapatos — introdução, conclusão e só. E assim é
com todo o trabalho do ministério como se tem levado na igreja normal de hoje. Mas
orar — isso é outro assunto. Aqui de nada serve a ajuda de um Manual do Ministro.
Aqui o solitário homem de Deus tem de combater sozinho, às vezes com jejuns e
lágrimas e fadigas indizíveis. Ali cada homem tem de ser original, porque a verdadeira
oração não pode ser imitada nem pode ser aprendida de outrem. Cada um tem de orar
como se só ele pudesse orar, e sua aproximação tem de ser individual e independente;
independente de todos, menos do Espírito Santo.
Thomas à Kempis diz que o homem de Deus deve sentir-se mais à vontade em
seu quarto de oração do que diante do público. Não é exagero dizer que o pregador que
gosta de estar diante do público dificilmente se encontra espiritualmente preparado para
estar diante dele. É mais provável que a oração correta torne o homem hesitante em
aparecer diante de uma audiência. O homem que realmente se sente à vontade na
presença de Deus se verá preso numa espécie de contradição interior. Ele provavelmente
sentirá de forma tão aguda sua responsabilidade, que preferiria fazer qualquer outra coisa
a encarar um auditório; e contudo a pressão sobre seu espírito pode ser tão grande que
nem cavalos selvagens o poderiam arrancar do seu púlpito.
Textos de A. W. Tozer - 22 -
Nenhum homem deveria se colocar diante de uma audiência sem antes ter estado
diante de Deus. Muitas horas de comunhão deveriam preceder uma hora no púlpito. O
quarto de oração deveria ser mais familiar do que a plataforma pública. A oração deveria
ser contínua; a pregação, intermitente.
É de notar que as escolas ensinam tudo sobre a pregação, exceto a parte
importante, a oração. Não se deve censurar as escolas por causa dessa fraqueza, pela
razão que a oração não se pode ensinar; ela somente pode ser praticada. O melhor que
qualquer escola ou qualquer livro (ou qualquer artigo) pode fazer é recomendar a oração
e exortar a que seja praticada. A oração mesma tem de ser trabalho do indivíduo.
E é justamente o trabalho religioso que, feito com pouco entusiasmo, se torna
uma das grandes tragédias dos nossos dias.
[God Tells the Man Who Cares, capítulo 13.]
Textos de A. W. Tozer - 23 -
AS VESTES DA HUMILDADE
Cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a
sua graça. (1 Pe 5.5)
COMO OBTER
UM AVIVAMENTO PESSOAL
Eu já disse, noutra ocasião, que qualquer cristão que desejar, com certeza
experimentará um radical renascimento espiritual, e isso inteiramente à parte da atitude
dos seus companheiros cristãos. A principal questão é: Como? Bem, eis aqui algumas
sugestões que qualquer um pode seguir e que, estou convencido, resultarão numa vida
cristã tremendamente aperfeiçoada.
EM PALAVRA, OU EM PODER
Porque o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas sobretudo em poder,
no Espírito Santo. 1 Tessalonicenses 1.5
Se alguém está em Cristo, é nova criatura. 2 Coríntios 5.17
Tens nome de que vives, e estás morto. Apocalipse 3.1
Para quem é apenas um estudante, estes versículos podem ser interessantes, mas
para um homem sério, empenhado em obter a vida eterna, bem podem provar-se mais
do que algo perturbadores. Pois eles evidentemente ensinam que a mensagem do
Evangelho pode ser recebida de uma destas duas maneiras: em palavra somente, sem
poder, ou em palavra com poder. E estes versículos também ensinam que quando a
mensagem é recebida em poder, efetua uma mudança tão radical que se pode chamar de
nova criação. Mas a mensagem pode ser recebida sem poder, e, por certo, alguns a
receberam desse modo, pois têm nome de que vivem, e estão mortos. Tudo isso será
presente nestes textos.
Observando as maneiras de jogar dos homens, pude entender melhor as maneiras
de orar dos homens. Na maioria os homens, na verdade, brincam de religião como
brincam nos jogos, sendo que de todos os jogos a religião é o jogo mais universalmente
jogado. Os vários desportos têm as suas regras, as suas bolas e os seus jogadores; o jogo
desperta interesse, dá prazer e consome tempo, e quando acaba, as equipes competidoras
deixam o campo sorrindo. É comum ver um jogador deixar uma equipe e juntar-se a
outra e, poucos dias depois, jogar contra os seus ex-colegas com o mesmo entusiasmo
que anteriormente demonstrara jogando em favor deles. A coisa toda é arbitrária. Consiste
em resolver problemas artificiais e combater dificuldades deliberadamente criadas por
amor do jogo. Não tem raízes morais, e não se espera que tenha. Ninguém melhora pelo
esforço que a si mesmo se impõe. Tudo não passa de uma agradável atividade que não
muda nada nem fixa nada, afinal.
Se as condições que descrevemos se limitassem ao campo de esporte, poderíamos
passar por alto sem pensar mais nisso, mas que havemos de dizer quando este mesmo
espírito entra no santuário e decide a atitude dos homens para com Deus e para com a
religião? Pois a igreja também tem os seus campos, as suas regras e o seu equipamento
para o jogo das palavras piedosas. Ela tem os seus fanáticos, tanto leigos como
profissionais, que mantêm o jogo com o seu dinheiro e o incentivam com a sua
presença, mas que não diferem, na vida ou caráter, de muitos que não têm
absolutamente interesse nenhum pela religião.
Como um atleta usa uma bola, assim muitos de nós usam palavras; palavras
faladas e palavras cantadas, palavras escritas e palavras proferidas em oração. Nós as
atiramos rapidamente pelo campo; aprendemos a manejá-las com destreza e graça;
edificamos reputações sobre a nossa habilidade verbal e ganhamos como recompensa o
aplauso dos que apreciaram o jogo. Mas a vacuidade disso transparece do fato de que,
após o jogo religioso, basicamente ninguém é nada diferente do que era antes. As bases da vida
Textos de A. W. Tozer - 32 -
continuam inalteradas, os mesmos princípios antigos dominam, o mesmo velho Adão
governa.
Eu não disse que a religião sem poder não faz nenhuma mudança na vida de
alguém; disse apenas que não faz nenhuma diferença fundamental. A água pode mudar
de líquido para vapor, de vapor para neve e de novo para líquido, e continua sendo
fundamentalmente a mesma coisa. Assim a religião sem poder pode submeter o homem
a muitas mudanças superficiais deixando-o exatamente igual ao que era antes. É
justamente aí que está a armadilha. As mudanças são apenas de forma, não de natureza. Por trás
do homem não religioso e do homem que recebeu o Evangelho sem poder estão os
mesmos motivos. Um ego não abençoado jaz no fundo de ambas as vidas, com a
diferença que o homem religioso aprendeu a disfarçar melhor o defeito. Os seus pecados
são mais refinados e menos ofensivos do que antes de ele dedicar-se à religião, mas o
homem mesmo não é melhor aos olhos de Deus. Na verdade pode ser pior, pois sempre
Deus odeia o artificialismo e o fingimento. O egoísmo ainda vibra como um motor no
centro da vida desse homem. É verdade que ele pode "reorientar" os seus impulsos
egoísticos, mas a sua desgraça é que o seu ser interior ainda vive sem ser censurado e até
mesmo insuspeito dentro das profundezas do seu coração. Ele é uma vítima da religião
sem poder.
O homem que recebeu a Palavra sem poder aparou a sua sebe, mas esta continua
sendo uma sebe de espinhos e jamais poderá produzir os frutos da nova vida. Os
homens não podem colher uvas dos espinheiros nem figos dos abrolhos. Entretanto, tal
homem pode ser um líder na igreja, e a sua influência e o seu voto podem chegar a
determinar o que será a religião em sua geração.
A verdade recebida em poder muda as bases da vida de Adão para Cristo, e um
novo conjunto de motivos entra em ação dentro da alma. Um novo e diferente Espírito
penetra na personalidade e torna o crente um homem novo em cada departamento do
seu ser. Os seus interesses mudam das coisas externas para as internas, das coisas da
terra para as do céu. Ele perde a fé na solidez dos valores externos, vê claramente o
desengano das aparências exteriores, e o seu amor pelo mundo invisível e eterno e sua
confiança nele tornam-se mais fortes à medida que a sua experiência se amplia.
Com as idéias aqui expressas a maioria dos cristãos concordará, mas o abismo
entre a teoria e a prática é tão grande que chega a ser aterrador. Pois o Evangelho é com
demasiada freqüência pregado e aceito sem poder, e nunca se efetua a alteração radical
que a verdade exige. Pode haver, é certo, uma mudança de alguma espécie; pode-se fazer
um negócio intelectual e emocional com a verdade, mas o que quer que aconteça não
basta, não é bastante profundo, não é suficientemente radical. A "criatura" é mudada,
mas ele não é "novo". E justamente aí está a tragédia disso. O Evangelho tem que ver
com vida nova, com um nascimento para cima, para um novo nível do ser e, enquanto
ele não efetuar esse renascimento, não realizou a obra salvadora dentro da alma.
Sempre que a Palavra vem sem poder, falta o seu conteúdo essencial. Pois há na
verdade divina uma nota imperiosa, há em torno do Evangelho uma urgência, uma
finalidade que não pode ser ouvida ou sentida, a não ser com a capacitação do Espírito.
Devemos manter constantemente em mente que o Evangelho não é boa nova somente,
mas também um julgamento de todo aquele que o ouve. A mensagem da Cruz é de fato
Textos de A. W. Tozer - 33 -
boa nova para o penitente, mas para os que "não obedecem ao evangelho" traz consigo
um toque de advertência. O ministério do Espírito ao mundo impenitente é falar do
pecado, da justiça e do juízo. Para os pecadores que querem deixar de ser pecadores
intencionais e querem tornar-se obedientes filhos de Deus, a mensagem do Evangelho é
de paz irrestrita, mas também é, por sua própria natureza, um árbitro dos destinos
futuros dos homens.
Este aspecto secundário é quase totalmente negligenciado em nossos dias. O
elemento dádiva do Evangelho é apresentado como seu conteúdo exclusivo e,
conseqüentemente,. O elemento mudança é ignorado. Assentimento teológico é tudo que
se requer para fazer cristãos. A este assentimento chamam fé, e se pensa que essa é a
única diferença entre os salvos e os perdidos. Concebe-se assim a fé como uma espécie
de magia religiosa que traz ao Senhor grande deleite e que possui um misterioso poder
para abrir o reino do céu.
Quero ser justo com todos e encontrar todo o bem que puder nas crenças
religiosas de todos os homens, mas os efeitos nocivos desta crença na fé como uma
magia são maiores do que os pode imaginar quem não os tenha enfrentado face a face. A
grandes assembléias se diz fervorosamente hoje em dia que a única qualificação essencial
para o céu é ser um homem mau, e que a única barreira para o favor de Deus é ser um
homem bom. A própria palavra retidão só é pronunciada com frio escárnio, e o homem
moral é olhado com comiseração. "O cristão", dizem esses mestres, "não é moralmente
melhor do que o pecador; a única diferença é que recebeu Jesus e, assim, tem um
Salvador". Espero que não soe irreverente demais perguntar: "Salvador do quê?" Se não
for do pecado, da má conduta e da velha vida decaída, então do quê? E se a resposta for:
"Das conseqüências dos pecados passados e do juízo vindouro", ainda isso não nos
satisfará. Será que a justificação das ofensas passadas é tudo que distingue o cristão do
pecador impenitente? Pode um homem tornar-se crente em Cristo e não ser melhor do
que era antes? Será que o Evangelho não oferece nada mais do que um hábil Advogado
para colocar pecadores culpados em liberdade no dia do juízo?
Penso que a verdade nesta questão não é nem profunda demais, nem difícil
demais de descobrir. A justiça própria é uma efetiva barreira para o favor de Deus
porque lança de volta o pecador aos seus próprios méritos e o priva da justiça de Cristo
imputada. E ser um pecador confesso e conscientemente perdido é necessário para o ato
de receber a salvação por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo. Isto jubilosamente
admitimos e constantemente afirmamos, mas eis aqui a verdade que tem sido
negligenciada em nossos dias: Um pecador não pode entrar no reino de Deus. As passagens
bíblicas que declaram isto são demasiado numerosas e demasiado conhecidas para que
seja necessário repeti-las aqui, mas o cético poderia examinar Gálatas 5.19-21 e
Apocalipse 21.8. Como, então, pode alguém ser salvo? O pecador penitente encontra-se
com Cristo e depois desse encontro salvador, não é mais pecador. O poder do
Evangelho o transforma, muda a base da sua vida do ego para Cristo, faz com que ele dê
meia-volta e tome nova direção, e faz dele uma nova criação. O estado moral do
penitente quando vem a Cristo não afeta o resultado, pois a obra de Cristo varre dele
tanto o que tem de bom como o que tem de mau, e o transforma noutro homem. O
pecador que volta não é salvo por alguma transação judicial sem uma correspondente
mudança moral. A salvação tem que incluir uma mudança judicial de estado, mas o que é
Textos de A. W. Tozer - 34 -
passado por alto por muitos mestres é que ela inclui também uma real mudança na vida do
indivíduo. E com isso queremos dizer mais do que uma mudança de superfície; queremos
dizer uma transformação tão profunda quanto as raízes da vida humana. Se não chega a
essa profundidade, não chegou a suficiente profundidade.
Se não tivéssemos sofrido primeiro um sério declínio em nossas expectativas, não
teríamos aceitado essa insípida e técnica concepção da fé. As igrejas (mesmo as
conservadoras) são mundanas no espírito, moralmente anêmicas, vivem na defensiva,
imitando em vez de tomar iniciativas, e numa condição miserável, em geral porque
durante duas gerações completas lhes têm dito que a justificação não é nada mais que
um veredito de "não culpado" pronunciado pelo Pai Celeste sobre um pecador que pode
apresentar a mágica moeda fé com o maravilhoso "abre-te sésamo" gravado nela. Se a
afirmação não é tão contundente assim, ao menos a mensagem é defendida de modo tal
que chega a causar essa impressão. A coisa toda resulta de ouvir a Palavra sem poder e
de recebê-la do mesmo modo.
Ora, a fé é na verdade o abre-te sésamo da bem-aventurança eterna. Sem fé é
impossível agradar a Deus, e nenhum homem pode salvar-se sem fé no Salvador
ressurrecto. Mas a verdadeira qualidade da fé é quase universalmente omitida, a saber, a
sua qualidade moral. A fé é mais que mera confiança na veracidade de uma afirmação
feita na Escritura Sagrada. Ela é uma coisa altamente moral e de essência espiritual.
Invariavelmente efetua transformação radical na vida de quem a exerce. Muda a visão
interior, do ego para Deus. Introduz o seu possuidor na vida do céu estando ele na terra.
Não é meu desejo diminuir o efeito justificador da fé. Nenhum homem que
conheça as profundezas da sua própria iniqüidade ousaria comparecer perante a inefável
Presença sem nada para recomendá-lo senão o seu próprio caráter, tampouco cristão
algum, sábio após a disciplina dos fracassos e das imperfeições, quereria que a sua
aceitação da parte de Deus dependesse de algum grau de santidade que ele pudesse ter
atingido mediante as operações da graça interior. Todo os que conhecem os seus
próprios corações e as provisões do Evangelho se unirão na oração do homem de Deus:
Quando ao som da trombeta Ele chegar,
Oxalá nele eu seja visto;
Da Sua justiça apenas revestido,
Sem culpa diante do seu trono estar!
Uma coisa angustiante é que uma verdade tão bela tenha sido tão pervertida. Mas
a perversão é o preço que pagamos por deixar de dar ênfase ao conteúdo moral da
verdade; é a maldição que acompanha a ortodoxia racional quando apaga ou rejeita o
Espírito da Verdade.
Ao afirmar que a fé no Evangelho efetua uma mudança da força motriz da vida,
do ego para Deus, estou apenas afirmando os fatos puros e simples. Todo homem
dotado de entendimento moral necessariamente tem consciência do flagelo que o aflige
interiormente; necessariamente está cônscio daquilo a que chamamos ego, a que a Bíblia
chama carne (ser pessoal, natureza humana), mas, seja qual for o nome que se lhe dê, um
senhor cruel e um inimigo mortal. Jamais o Faraó dominou tão tiranicamente Israel
como este inimigo oculto domina os filhos e filhas dos homens. As palavras de Deus a
Textos de A. W. Tozer - 35 -
Moisés concernentes a Israel no cativeiro bem podem descrever-nos a todos:
"Certamente vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa
dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento". E quando, como com tanta ternura
afirma o Credo Niceno, nosso Senhor Jesus Cristo "por nós homens e por nossa
salvação, desceu dos céus, foi feito carne do Espírito Santo e da Virgem Maria, e tornou-
se homem, e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos, e padeceu e foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus e
assentou-se à direita do Pai", para que o fez? Para que nos pronunciasse tecnicamente
livres e nos deixasse em nossa escravidão? Nunca. Deus não disse a Moisés, "... desci a
fim de livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra e uma terra boa e
ampla, terra que mana leite e mel... Chega-te a Faraó, e dize-lhe: Assim diz o Senhor:
Deixa ir o meu povo..."? Para os seres humanos cativos do pecado Deus jamais tenciona
menos que plena libertação. A mensagem cristã retamente entendida significa isto: O
Deus que pela palavra do Evangelho proclama livres os homens, pelo poder do Evangelho
de fato os faz livres. Aceitar menos que isso é conhecer o Evangelho somente em palavra,
sem o seu poder.
Aqueles a quem a Palavra vem em poder experimentam este livramento, esta
migração interior da alma, da escravidão para a liberdade, esta libertação do cativeiro
moral. Conhecem por experiência uma radical mudança de posição, uma real travessia, e
conscientemente se firmam noutro solo, sob outro céu, e respiram outro ar. Mudam-se
os motivos da sua vida e se renovam os seus impulsos internos.
Que são esses velhos impulsos que outrora impunham a obediência com a ponta
do chicote? Que são eles, senão pequenos mestres de obras, servos do grande mestre de
obras, o Ego, os quais se põem diante dele e fazem a sua vontade? Mencioná-los todos
requereria um livro só para isso, mas gostaríamos de indicar um deles como tipo ou
exemplo dos demais. É o desejo de aprovação social. Isto não é mau em si mesmo, e
poderia ser perfeitamente inocente se estivéssemos vivendo num mundo sem pecado,
mas desde que a raça humana apartou-se de Deus, caiu, e se juntou aos Seus inimigos,
ser amigo do mundo é ser colaborador do mal e inimigo de Deus. Todavia, o desejo de
agradar os homens está por trás de todos os atos sociais, desde as mais altas civilizações
até os mais baixos níveis em que se acha a vida humana. Ninguém pode escapar disso. O
fora da lei que burla as regras da sociedade e ao filósofo que se eleva em pensamento
acima do comum, parecem ter evitado a armadilha, mas na realidade apenas estreitaram
o círculo daqueles a quem eles desejam agradar. O fora da lei tem os seus comparsas
diante dos quais procura brilhar; o filósofo, o seu grupo de pensadores superiores cuja
aprovação é necessária para a sua felicidade. Para ambos, a raiz dos motivos permanece
intacta. Cada um deles aufere sua paz da idéia de que goza a estima dos seus
companheiros, conquanto cada qual interprete à sua maneira toda a questão.
Cada ser humano olha para os seus companheiros humanos porque não tem
ninguém para quem olhar. Davi podia dizer: "Quem mais tenho eu no céu? Não há
outro em quem eu me compraza na terra", mas os filhos deste mundo não têm Deus, só
têm uns aos outros, e andam apegando-se uns aos outros e procurando uns aos outros
para se sentirem seguros, como crianças apavoradas. Mas sua esperança lhes falhará, pois
são como um grupo de homens dos quais nenhum sabe manejar um avião em vôo e que,
de repente, se vêem nos ares sem piloto, cada qual esperando que os outros os levem a
Textos de A. W. Tozer - 36 -
salvo ao solo. A sua confiança desesperada, mas equivocada, não os pode salvar da
destruição que certamente lhes sobrevirá.
Com este desejo de agradar os homens tão profundamente implantado dentro de
nós, como podemos desarraigá-lo e mudar o nosso impulso vital para agradar a Deus,
em vez de agradar os homens? Bem, ninguém pode fazê-lo sozinho, nem com a ajuda
doutras pessoas, nem por meio da educação ou de exercícios, nem por qualquer outro
método conhecido debaixo do Sol. O que se requer é uma inversão da natureza (que,
por ser uma natureza decaída, não é menos poderosa), e esta inversão tem que ser um
ato sobrenatural. Esse ato o Espírito executa mediante o poder do Evangelho quando
recebido com fé viva. Então Ele remove a velha natureza e instaura a nova. Então Ele
invade a vida como a luz do Sol invade uma paisagem e expulsa os velhos motivos como
a luz expulsa a escuridão do firmamento.
O modo como age na experiência é mais ou menos assim: O homem que crê é
subitamente dominado por uma vigorosa sensação de que só Deus importa; logo isto passa
a agir em sua vida mental e condiciona todos os seus juízos e todos os seus valores.
Agora ele se vê livre da escravidão das opiniões humanas. Um forte desejo de agradar
somente a Deus toma posse dele. Logo aprende a querer acima de tudo mais a certeza de
que está sendo agradável ao Pai celestial.
É esta mudança completa em sua fonte de prazer que torna invencíveis os
homens de fé. Assim os santos e mártires puderam ficar sós, abandonados por todos os
amigos terrenais, e morrer por Cristo debaixo do aborrecimento universal da
humanidade. Quando, para intimidá-lo, os juízes de Atanásio o advertiram de que o
mundo inteiro estava contra ele, Atanásio ousou replicar: "Então é Atanásio contra o
mundo!" Esse brado cruzou os séculos e hoje pode fazer-nos lembrar que o Evangelho
tem poder para livrar os homens da tirania da aprovação social e os torna livres para
fazerem a vontade de Deus.
Isolei este único inimigo para consideração, mas este é somente um, e existem
muitos outros. Eles parecem existir por si mesmos e ter existência separada uns dos
outros, mas é só aparência. Na verdade são apenas ramos da mesma vinha venenosa,
desenvolvendo-se da mesma raiz má, e morrem juntos quando morre a raiz. Essa raiz é
o ego, e a Cruz é seu único destruidor capaz.
A mensagem do Evangelho é, pois, a mensagem de uma nova criação em meio a
uma antiga, a mensagem da invasão da nossa natureza humana feita pela vida eterna de
Deus e a substituição da velha natureza pela nova. A nova vida captura a natureza do
homem de fé e se dedica à sua benévola conquista, conquista que não é completa
enquanto a vida invasora não tiver tomado posse total e não tiver emergido uma nova
criatura. E este é um ato de Deus, sem ajuda humana, pois é um milagre moral e uma
ressurreição espiritual.
[A Conquista Divina, Editora Mundo Cristão.]
Textos de A. W. Tozer - 37 -
NOÉ: A FÉ ATENDE
AO QUE DEUS ORDENA
As pessoas em geral se lembram de Noé como aquele que construiu uma enorme
arca numa ladeira sem água — e riem com gosto do que ele fez. A Bíblia nos apresenta
Noé por causa da sua fé em Deus — e o apresenta como modelo de alguém que fez
exatamente o que Deus lhe havia ordenado.
Se houvesse comediantes nos dias de Noé, eles com certeza se aproveitaram
daquele ancião — construindo sua enorme barca tão longe da água. Enquanto achavam
graça, recusavam-se a crer que Deus havia dito a Noé: "Resolvi dar cabo de toda carne,
porque a terra está cheia da violência dos homens" (Gênesis 6.13). Eles se recusavam a
crer que Deus é soberano.
O destaque da Bíblia concentra-se na fé de Noé. "Assim fez Noé", declaram as
Escrituras, "consoante a tudo o que Deus lhe ordenara" (6.22). A dimensão que o Novo
Testamento dá à fé de Noé é mencionada de forma breve, mas comovente e memorável:
"Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e
sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual
condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé" (Hebreus 11.7).
Noé não foi uma figura popular nos dias em que viveu. Mas ele foi o homem de
Deus na pior crise da história, e ele foi fiel no ministério profético que Deus lhe deu.
Agora, quando tratamos de Noé e do dilúvio, temos de tratar do pecado e do
julgamento e de tocar o alarme — e nenhum desses assuntos haverá de tornar popular
alguém do século vinte e um. Apesar disso, queremos descobrir como a Bíblia nos diz
respeito à medida que revisamos a fé e a obediência de Noé.
A Lição de Noé
Há alguns mestres em nossas igrejas que se destacam naquilo que denominam
"análise bíblica". Eles estão o tempo todo procurando a "chave" do livro ou o "versículo
chave" do capítulo ou talvez até mesmo a "palavra chave" num versículo bíblico.
Embora seja útil, no estudo bíblico, discernir a diversidade existente nas seções e
segmentos que compõem as Escrituras, uma "chave" é algo diferente. Pessoalmente, eu
não penso que nossa Bíblia tenha sido concebida dessa forma. Se você precisa descobrir
uma chave e não a encontra, a mensagem continuará inacessível. Essa não é a forma que
a Bíblia nos fala e nos guia.
Muitas vezes se diz que a Bíblia é, na verdade, uma carta de amor que Deus nos
escreve. Imagine um marinheiro nalgum lugar do Pacífico. Ele escreve uma terna e
amorosa carta a sua esposa, que está em casa com os filhos, a meio mundo de distância.
Quando a carta chega, a esposa do marinheiro rapidamente abre o envelope.
Textos de A. W. Tozer - 38 -
Qual é o primeiro pensamento dessa esposa, quando ela começa a ler? Será que
ela pensa: "Será que serei capaz de encontrar a chave para entender a mensagem desta
carta?" Ah, não! Ela não pensa nisso de jeito nenhum. Ela lê com alegria, com gratidão,
com satisfação. Ela sente o amor que originou aquela carta. Ela não precisa de um
diploma para entender e absorver a mensagem de cada parágrafo.
Ao considerarmos a fé de Noé, não precisamos ir longe em busca de
entendimento. A Bíblia nos dá uma mensagem clara com respeito a Noé. É exatamente
isto: "Demonstre a sua fé em Deus em sua vida diária!"
É evidente que Deus não disse a Noé: "Eu dependo de você para conservar a
doutrinas ortodoxas. Tudo estará bem, se você ficar firme nas doutrinas certas!" Não,
não foi isso que Deus exigiu de Noé. Embora muita gente religiosa em nossos dias
mantenha a ilusão de que aprender doutrina é o que basta. O que eles de fato pensam é
que, de alguma forma, são pessoas melhores por terem aprendido as doutrinas da
religião.
Mas o que foi de fato que Deus pediu que Noé fizesse? Simplesmente isto: que
cresse, que confiasse, que obedecesse — que pusesse em prática a Sua palavra. Em
suma, o que Deus disse a Noé foi o seguinte: "Eu pretendo demonstrar ao mundo
inteiro que a sua fé é genuína, e que Eu sou galardoador daqueles que crêem em Mim e
que confiam em Mim!"
Nós estamos todos no processo de vir a ser. Todos nos movemos daquilo que já
fomos para aquilo que somos agora, e no momento estamo-nos movendo para ser
aquilo que ainda seremos.
Não é nada perturbador perceber que nosso caráter não é sólido, mas volátil. Na
verdade, o homem que se conhece a si mesmo pode receber grande alívio ao perceber
que não está engessado da forma que se encontra no momento, que ele pode deixar de
ser da forma que até hoje se envergonha ser, e que pode avançar e ser remoldado da
forma que seu coração o deseja.
O que perturba não é que estamos no processo de transformação, mas aquilo em
que estamos sendo transformados; não é o fato que estamos nos movendo, mas para onde
estamos indo. Não é da natureza humana mover-se em sentido horizontal; estamos ou
subindo ou descendo, nos elevando ou afundando. Quando um ser moral se move de
uma a outra posição, sempre haverá de fazê-lo ou para pior ou para melhor. Isso
equivale a uma lei espiritual exposta em Apocalipse: "Continue o injusto fazendo
injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça,
e o santo continue a santificar-se" (22.11).
Nós todos não estamos apenas no processo de ser transformados, nós estamos nos
tornando aquilo que amamos. Em grande medida, somos o conjunto de nossos amores e,
por necessidade moral, nos transformamos à imagem daquilo que mais amamos; porque
o amor é, entre outras coisas, uma semelhança criativa; ele altera e amolda e modela e
transforma. Ele é, sem dúvida, o mais poderoso agente que afeta a natureza humana,
depois da ação direta do Espírito Santo de Deus dentro da alma humana.
Aquilo que nós amamos, portanto, não é assunto de pouca importância a que
levianamente podemos dar de ombros; em vez disso, é assunto de importância atual,
crítica e eterna. É assunto que determina nosso futuro. Ele nos revela aquilo que
haveremos de ser, e dessa forma prediz com exatidão nosso destino eterno.
Amar as coisas erradas é fatal ao crescimento espiritual; isso torce e deforma a
vida e torna impossível o aparecimento da imagem de Cristo na alma. É somente à
medida que amamos as coisas certas que nos tornamos certos, e é somente à medida que
perseveramos nesse amor que continuaremos a experimentar uma lenta mas contínua
transmutação à semelhança dos objetos de nossas afeições purificadas.
Isso nos fornece em parte (mas só em parte) uma explicação racional para o
primeiro e grande mandamento: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todo o teu entendimento" (Mateus 22.37).
Textos de A. W. Tozer - 45 -
O alvo supremo de toda criatura moral é e deve ser tornar-se igual a Deus. Essa é
a razão por que foram criadas, e à parte disso não se pode encontrar nenhuma outra
razão para a sua existência. Sem levar em conta, no momento, os estranhos e belos seres
celestiais aos quais encontramos breves alusões na Bíblia, mas a respeito dos quais
sabemos tão pouco, vamo-nos concentrar na raça humana decaída. Depois de havermos
sido criados à imagem de Deus, não mantivemos nosso primeiro estado, mas deixamos
nossa habitação apropriada, associando-nos a Satanás, e andamos outrora "segundo o
curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua
nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora,
segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em
misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em
nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos" (Ef 2.2-5).
A suprema obra de Cristo na redenção não é nos salvar do inferno, mas sim
restaurar-nos outra vez à santidade, propósito esse declarado em Romanos: "Porquanto
aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem
de seu Filho" (Romanos 8.29).
A perfeita restauração à imagem divina se completará no dia da aparição de
Cristo; enquanto isso, prossegue o trabalho de restauração. Há uma lenta mas firme
mudança de forma no vil metal da natureza humana em direção ao ouro da divindade,
efetuado à medida que a alma contempla, cheia de fé, a glória de Deus na face de Jesus
Cristo (2 Coríntios 3.18).
Neste exato momento, faremos bem em antecipar uma dificuldade, esforçando-
nos por dissipá-la, dificuldade essa que surge de uma errônea concepção do que seja o
amor. Podemos colocar o problema da seguinte forma: O amor é excêntrico,
imprevisível e se encontra quase totalmente fora do nosso controle. Ele surge, arde e se
apaga espontaneamente. Como, então, podemos controlar o nosso amor? Como
podemos direcioná-lo a objetos dignos dele? E, particularmente, como podemos obrigá-
lo a concentrar-se em Deus como o objeto próprio e permanente da sua devoção?
Se, de fato, o amor fosse imprevisível e se estivesse além do nosso controle, essas
questões não teriam resposta satisfatória, e estaríamos completamente sem esperança.
Contudo, a verdade pura e simples é que esse amor espiritual não é aquela emoção
caprichosa e irresponsável que os homens julgam que seja o amor. Ele é servo da
vontade, e sempre tem de se dirigir para onde é mandado e tem de fazer aquilo que lhe é
mandado. A frase romântica "estar enamorado" deu às pessoas a noção de que nós
somos forçosamente vítimas das flechas de Cupido e que não temos controle sobre
nossas afeições. A maioria dos jovens de hoje espera apaixonar-se à moda romântica do
teatro e do cinema, com fortes e ardentes tempestades de agradáveis sentimentos. Sem
perceber, extendemos esse conceito de amor ao nosso relacionamento com nosso
Criador, e perguntamos: Como posso amar a Deus de forma suprema?
A resposta a essa pergunta e a todas que se relacionam ao assunto é que o amor
que temos por Deus não é o amor dos sentimentos, mas o amor da vontade, da volição. O
amor está em nosso poder de decisão, de outra forma não receberíamos o mandamento
de amar a Deus nem seríamos responsáveis por não amá-lO.
Textos de A. W. Tozer - 46 -
O fato de considerar o amor romântico em nosso relacionamento com Deus tem
causado graves danos à nossa vida cristã. A idéia de que devemos "nos enamorar" de
Deus é ignóbil, antibíblica, indigna de nós e certamente não honra o Deus Altíssimo.
Não começamos a amar a Deus por meio de uma súbita visitação emocional. O amor a
Deus é resultado de arrependimento, correção de vida e uma firme determinação de
amá-lO. À medida que aprendemos a centralizar o nosso coração em Deus, nosso amor
pode de fato crescer e desenvolver-se em nós até ao ponto em que, como uma enchente,
arraste tudo o que encontra pela frente.
Mas não deveríamos nem esperar uma tal intensidade de sentimentos. Não
somos responsáveis por sentir, mas somos responsáveis por amar, e o verdadeiro amor
espiritual começa num ato de vontade. Deveríamos concentrar nosso coração em amar a
Deus de forma suprema, não nos importando com a temperatura do coração,
quer pareça quente ou frio, e continuar fortificando nosso amor por meio de cuidadosa e
alegre obediência à Sua Palavra. As agradáveis emoções com certeza se seguirão a isso.
Os cânticos dos pássaros e as flores não fazem a primavera, mas quando chega a
primavera, os pássaros e as flores vêm junto.
Quanto ao culto da popular salvação por decisão própria, quero deixar bem claro
que rejeito categoricamente toda simpatia a esse ensino. Discordo radicalmente de toda
forma de pseudo-Cristianismo que depende do "poder latente que está dentro de nós"
ou da confiança no "pensamento criativo" em lugar do poder de Deus. Essas frágeis
filosofias religiosas se esfacelam neste exato ponto: na errônea presunção de que a
correnteza da natureza humana pode ser revertida para subir marcha a ré cataratas acima.
Isso não acontecerá jamais. "A salvação pertence ao Senhor."
Para ser salvo, o homem perdido tem de ser erguido pessoalmente pelo poder de
Deus e levantado a um nível mais alto. É preciso uma infusão de vida divina por ocasião
da maravilha do segundo nascimento antes que se apliquem a ele as palavras do
apóstolo: "E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a
glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem,
como pelo Senhor, o Espírito" (2 Coríntios 3.18).
Desse texto se depreende que a natureza humana encontra-se num estado de vir a
ser e que é transformada à imagem daquilo que ela ama. Homens e mulheres estão sendo
moldados por aquilo que os atrai, são moldados por aquilo para o que se inclinam e são
poderosamente transformados pelo talento artístico daquilo que amam. No mundo não-
regenerado de Adão isso produz um dia-a-dia de tragédias de proporções cósmicas.
Reflita sobre o poder que chega a tornar um menino de rosto rosado num Nero ou num
Himmler. Será que Jezabel foi sempre a "mulher maldita" cuja cabeça e cujas mãos os
próprios cães, com perfeita justiça, se recusaram a devorar? Não; em algum momento ela
sonhou os seus puros sonhos de menina e corou diante dos pensamentos de amor de
mulher; mas não tardou a interessar-se por coisas más, e passou a admirá-las e chegou ao
ponto de amá-las. Aí a lei da afinidade moral assumiu o comando e Jezabel, qual barro
nas mãos do oleiro, moldou-se naquela coisa deformada e detestável que os camareiros
jogaram janela abaixo.
Para os Seus próprios filhos, nosso Pai celestial providenciou objetos morais
corretos para admirar e amar. Eles são para Deus como as cores do arco-íris que
Textos de A. W. Tozer - 47 -
circunda o trono. Eles não são Deus, mas estão bem perto dEle; não podemos amá-lO
sem amar a esses objetos e, à medida que os amamos, somos capacitados a amá-lO mais.
Que objetos são esses?
O primeiro é a justiça. Nosso Senhor Jesus amava a justiça e odiava a iniquidade
(Hebreus 1.9), e por essa razão Deus O ungiu com o óleo de alegria mais do que aos
seus companheiros. É aqui que se estabelece o padrão. Amar também é odiar. O coração
que é atraído para a justiça haverá de sentir repulsa pela iniquidade na mesma
intensidade, e essa repulsa moral é ódio. O homem mais santo é aquele que mais ama a
justiça e que odeia o mal com o mais perfeito ódio.
O segundo é a sabedoria. Recebemos dos gregos a palavra "filosofia", o amor à
sabedoria, mas antes dos filósofos gregos havia já os profetas hebreus e o conceito deles
de sabedoria era muito mais sublime e mais espiritual do que qualquer coisa conhecida
na Grécia. A literatura de sabedoria do Antigo Testamento - Provérbios, Eclesiastes (e
até certo ponto os Salmos) - exala um amor pela sabedoria que até mesmo Platão
desconhece.
Os escritores do Antigo Testamento localizam a sabedoria em tais alturas que às
vezes mal conseguimos fazer distinção entre a sabedoria que vem de Deus daquela que é
Deus. Os hebreus anteciparam em alguns séculos a idéia grega de que Deus é a sabedoria
fundamental, embora o seu conceito de sabedoria fosse menos intelectual do que moral.
Para eles, o homem sábio era o homem bom, o homem temente a Deus, e a sabedoria
em sua mais nobre extensão era amar a Deus e guardar os Seus mandamentos. O
pensador hebreu não divorciava a sabedoria da retidão, da justiça. Dois dos maiores
livros apócrifos, Sabedoria de Salomão e Eclesiástico, celebram a sabedoria que é
companheira da retidão, com tal eloquência, que às vezes se igualam ao que fazem as
Escrituras canônicas.
Outro objeto para o amor do cristão é a verdade, e mais uma vez nos vemos em
dificuldade para separar a verdade de Deus do próprio Deus. Cristo disse: "Eu sou a
verdade" e, ao fazê-lo, uniu a verdade e a Divindade numa união inseparável. Amar a
Deus é amar a verdade, e amar a verdade com ardor constante é crescer em direção à
imagem da verdade e afastar-se da mentira e do erro.
É desnecessário mencionar ou tentar mencionar todas as outras boas coisas que
Deus reconhece como nossos modelos. A Bíblia as põe diante de nós — misericórdia,
bondade, pureza, humildade e muitas coisas mais, e as almas que se deixam ensinar pelo
Espírito Santo saberão o que fazer com elas.
A suma de tudo parece ser que devemos cultirar interesse pela beleza moral e
amá-la. Será que essa foi a razão por que Paulo escreveu aos filipenses (4.8):
"Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é
justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma
virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento"?
Por toda parte da igreja cristã de hoje, até onde sabemos, parece que se perdeu
todo senso de responsabilidade para com Deus.
A culpa é da pregação e do ensino que destacou demais a qualidade “automática”
da fé, insistindo que a “aceitação de Cristo” transfere toda a responsabilidade e
necessidade de prestação de contas do crente para o Salvador — por tudo o que houver
de acontecer para todo o sempre!
Os crentes não cantam mais com real sentimento este hino de Carlos Wesley, uma
súplica a nosso Senhor:
Enche-me de ardente zelo
Para à Tua vista eu viver;
E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara
Pra prestação de contas que tenho de fazer.
Recentemente, ouvi que alguém comentou o seguinte: “Se eu cresse que teria de
prestar contas do meu trabalho da forma que Deus o vê, eu não poderia nunca estar
contente!”
Muita gente não vai nem saber do que estamos falando, mas permita-me contar-
lhes algo de Carlos Wesley, que suspirou essa sincera e santa oração para que ele
estivesse apto a dar plena prestação de contas a Deus.
Ele era um cristão evangélico que estava perto de ser histericamente alegre no
Senhor. O Dr. Samuel Johnson, o grande lingüista e crítico inglês, contemporâneo de
João e Carlos Wesley, comentou a respeito deles: “Eles são o mais sublime exemplo de
completa alegria moral que eu jamais vi”.
Já li os hinos de Carlos Wesley, e admito que me surpreendi dando gargalhadas de
contentamento. Creio que ele era tão alegre espiritualmente que deve ter dançado de
alegria — alegre em Deus e em Cristo!
Contudo, ele cria que continuava espiritualmente num período de teste. Ele pôde
escrever e cantar:
Acorda, minha alma, acorda!
Abandona os teus culposos medos;
O sacrifício de sangue
Se levanta em meu favor.
Textos de A. W. Tozer - 49 -
Diante do trono minha Certeza está:
O meu nome está escrito em Suas mãos.
A igreja moderna consegue identificar-se com essa expressão de fé, mas considera
muito difícil cantar com Wesley:
Enche-me de ardente zelo
Para à Tua vista eu viver;
E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara
Pra prestação de contas que tenho de fazer.
Assim sendo, não sei como é que homens e mulheres podem desculpar-se
completamente como se uma das vozes de Deus que soa por toda parte da terra não
fosse a voz do julgamento. Para ministrar esta mensagem, pesquisei a Palavra outra vez,
e não pude escapar da realidade que o julgamento é algo que diz respeito à casa de Deus,
aos cristãos, e não aos pecadores.
Faremos bem em lembrar que a história da igreja mostra claramente que as
pessoas religiosas são propensas a escolher uma doutrina bíblica favorita e agarrar-se a
essa doutrina às expensas de outras doutrinas fundamentais. Talvez cheguemos a
enfatizar demais essa verdade, de tal forma que fiquem obscurecidas outras verdades
importantes que em consequência acabem desaparecendo.
O que eu pretendo dizer com o desaparecimento de uma verdade é o seguinte: ela
cai em desuso e por isso com facilidade é esquecida. Vamos ilustrar o que acontece.
Suponha que uma das teclas do piano não esteja apropriadamente afixada ao
teclado, e que, quando pressionada, não gera nenhum som. O pianista com certeza se
surpreende quando pressiona aquela tecla e nada acontece. Se você fotografasse o
teclado, aquela tecla estaria no seu lugar apropriado na fotografia, mas não produziria
nenhum som não importa com quanta força fosse golpeada.
Isso ilustra o que eu chamo de doutrina fundamental da fé cristã que caiu em
desuso, de forma que não mais se fala dela nem se pensa nela nem se prega sobre ela. Se
você abre um livro de teologia sistemática, encontrará a doutrina no lugar apropriado,
uma vez que o livro dirá que cremos firmemente nessa verdade.
Mas ela não produz som nenhum — não mais se ouve nada. Não há ênfase nessa
verdade e ela não tem poder nenhum porque foi desprezada e esquecida. É dessa forma
que uma verdade fundamental da Bíblia pode cair em desuso porque certas doutrinas
foram demasiadamente enfatizadas ao ponto de obscurecer outras.
2 O Autor, profeta de Deus, estava certo: a nação americana já sofre, agora, as consequências do seu desvio de Deus.
Textos de A. W. Tozer - 54 -
Aí, quando o senhor retornou, convocou os servos para um acerto de contas,
pedindo que lhe fizessem um relatório.
Observe que, enquanto ele estava fora, eles podiam fazer exatamente aquilo que
julgassem adequado. Eles poderiam fazer o que quisessem com a responsabilidade que
lhes tinha sido confiada. Mas dois deles entenderam que estavam de fato sendo testados,
enquanto o terceiro não pensou assim.
Dois deles disseram: “Manuseamos teu dinheiro com sabedoria; ei-lo aqui com os
lucros”.
O terceiro disse: “Fiquei com medo, e por isso escondi o dinheiro na terra,
enterrei-o”.
O senhor disse aos dois primeiros: “Vocês foram fieis no pouco, sobre o muito eu
os colocarei como administradores”.
O terceiro servo, que não se deu conta de estava sendo testado durante a ausência
do seu senhor, foi expulso como servo inútil.
O que é que você fará com esta passagem?
Como ovelhas de Deus, muitos de nós têm descoberto que os pastos verdejantes
da Sua provisão são espiritualmente satisfatórios onde quer que os encontremos no Seu
livro. Eu gosto de uma das expressões típicas do Moody Bible Institute: “Talvez a
Palavra de Deus não se refira a mim em todo lugar, mas toda ela diz respeito a mim!”
Considero esse um eloquente argumento para mim a respeito do resto da minha
vida cristã aqui na terra. Como é que podemos sustentar que nosso serviço diário a Deus
e aos nossos semelhantes não está sendo rigorosamente examinado e que não será
rigorosamente julgado diante dos pés de Jesus Cristo naquele grande dia?
O crente está justificado e salvo do terrível comparecimento diante do grande
trono branco do julgamento, onde os perdidos de todas as épocas serão julgados.
Mas vem a hora quando nosso Senhor, de rosto gentil mas sério, haverá de
chamar os redimidos e justificados a Seus pés, dizendo: “É preciso que vocês me
prestem contas das ações que praticaram no corpo desde o momento em que vocês
foram salvos. A vocês foram confiadas mais habilidades do que a muitos outros. Vocês
tiveram muitas oportunidades de brilhar como astros na escuridão dos tempos. Foram-
lhes confiados meses e anos para servir e testemunhar com obediência.”
Não haverá lugar para esconder-se. Você tentou decidir tudo na vida espiritual
por meio de um único ato de fé, mas há coisas que não se resolvem enquanto a morte
não chega ou até que o Senhor venha.
Então, o que é que Deus espera de nós, tanto moral como espiritualmente?
Ele nos informa o caminho do auto-julgamento: “Porque, se nos julgássemos a
nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Coríntios 11.31).
Ele espera de nós que sejamos filhos de Deus obedientes, sabendo que é preciso
determinação moral para obedecer-Lhe dia a dia com fidelidade. Mas que é aí que reside
nossa felicidade espiritual.
Textos de A. W. Tozer - 55 -
Espero que muitos de nós se disponham a sussurrar com sinceridade esta oração
de Carlos Wesley:
Enche-me de ardente zelo
Para à Tua vista eu viver;
E, Oh!, Senhor, Teu servo prepara
Pra prestação de contas que tenho de fazer.
O PREÇO DA NEGLIGÊNCIA
Platão disse em algum lugar que, numa sociedade democrática, o preço que os
homens sábios pagam por negligenciarem a política é serem eles mesmos governados
por homens não-sábios.
Essa observação é tão evidentemente verdade que ninguém que preze a
reputação de ser razoável haverá de contestá-la.
Na América3, por exemplo, há milhões de homens sinceros e mulheres decentes,
honestas e amantes da paz, que consideram líquidas e certas as suas bênçãos e não se
esforçam por assegurar a continuação de nossa sociedade livre. Pessoas assim são sem
dúvida a grande maioria do nosso povo. Elas constituem a maioria da nossa população,
mas por maior que seja o seu número, não são eles que vão determinar a direção que
nosso país seguirá nos próximos anos. A sua fraqueza reside na sua passividade. Eles se
omitem e permitem que os radicais e os que são minoria mas que gritam mais alto
determinem a direção para o futuro. Se isso continuar por muito mais tempo, não
podemos ter certeza de manter a liberdade que nos foi comprada no passado a tão
espantoso custo.
O preço que os bons e tranquilos cristãos pagam por não fazerem nada é serem
guiados pelas gritalhonas minorias, cujas únicas qualificações para liderança são ambição
desmedida e voz alta. E sempre houve e sempre haverá pessoas assim nas congregações
dos santos. Eles sabem de menos e falam demais, ao passo que homens piedosos e
equilibrados vezes demais abrem mão da liderança para esses tais, em vez de lhes
resistirem. Mais tarde, essas mesmas dóceis almas talvez balancem a cabeça e lamentem
o seu cativeiro. Mas aí já será tarde demais.
Dentro dos próprios círculos do cristianismo evangélico, nesses últimos anos,
surgiram tendências perigosas e apavorantes, que se afastam do cristianismo bíblico.
Introduziu-se um espírito que com certeza não é o Espírito de Cristo, utilizam-se
métodos completamente carnais, estabelecem-se objetivos que não tem nem sequer uma
linha de suporte das Escrituras, um nível de conduta tolerado que é praticamente
idêntico ao do mundo - e, apesar disso tudo, raramente se levanta alguma voz contra
essa situação. Isso tudo ocorre apesar de os seguidores de Cristo que alegam honrar a
Bíblia lamentarem entre si o curso duvidoso e perigoso em que vão as coisas.
O espírito e o conteúdo fundamental do cristianismo ortodoxo está de tal forma
alterado em nossos dias, influenciado pela forte liderança de religiosos sem
discernimento, que, se a tendência não for interrompida, aquilo que agora chamamos de
cristianismo em breve será algo muito diferente daquilo que era a fé de nossos pais. O
que ficará de resto serão meras palavras bíblicas. Terá perecido a religião bíblica, em
função dos ferimentos recebidos na casa dos seus amigos. O nosso tempo requer uma
ortodoxia viva, batizada pelo Espírito Santo. Aqueles cuja alma foi iluminada pelo Santo
Espírito têm de levantar-se e, sob Deus, encarregar-se da liderança. Há entre nós aqueles
3
O Autor se refere à América do Norte, mas com certeza também nós brasileiros precisamos dessa firme e saudável
exortação. N. do T.
Textos de A. W. Tozer - 57 -
cujo coração tem habilidade para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, cujo
faro espiritual os capacita a detectar de longe as falsificações, os quais têm o bendito do
do conhecimento. Que esses se levantem e sejam ouvidos. Quem sabe o Senhor Se volta
e dispensa a Sua bênção?!
Os Princípios Elementares
Quais são esses princípios elementares que devemos deixar? Ele os cita, para não
haver mal-entendidos. Ele diz: “arrependimento, fé, batismos, e imposição de mãos, e a ressurreição
dos mortos, e o juízo eterno” (6.1,2). Esses são os princípios elementares iniciais da doutrina e
nós temos de deixá-los como um construtor deixa os fundamentos e segue a construção
para o alto. “Não lançando de novo o fundamento”, diz ele. A estrutura tem de apoiar-se no
fundamento, não importa o quanto se erga o edifício nas alturas.
Ele repousa no fundamento de Cristo — naquilo que Ele é, e no arrependimento
e na fé nEle; no batismo no corpo de Cristo; na futura ressurreição dos mortos e no
juízo que há de vir. Essas são doutrinas básicas da fé, nas quais repousamos e, não
importa o quanto avancemos na fé cristã, nunca jamais as renunciaremos. Elas estão
firmes como o fundamento sobre o qual construímos.
Textos de A. W. Tozer - 62 -
O problema era que os hebreus nunca tinham avançado além do fundamento. E
essa preocupação que se atém à verdade elementar é, também, característica dos
evangélicos de hoje. Inversamente, a ignorância da verdade cristã é o que caracteriza os
liberais. Mas o que caracteriza a média das igrejas é a preocupação exclusiva com os
princípios elementares e iniciais. E o autor da carta aos Hebreus nos diz que é isso o que
nos mantém bebês a vida toda.
Um eterno bebê
Vamos, primeiro, examinar a metáfora do bebê e do leite. É possível estacionar na
infância, ter o crescimento suspenso e ficar nisso a vida toda. Repare as características de
um bebê — são maravilhosas num bebê, mas terríveis numa pessoa que chega aos
dezoito ou vinte anos.
Em primeiro lugar, um bebê não consegue concentrar-se em nada por muito
tempo. Ele perde o interesse com a maior facilidade. Ele grita, berra e reclama quando
quer alguma coisa, alegra-se quando a ganha e, dezenove segundos depois, joga fora e
procura outra coisa. Isso é típico de um bebê, e é a maneira que Deus quer que os bebês
sejam. Mas ele não pretende que o pai do bebê seja dessa forma, nem a mãe do bebê —
nem mesmo a irmãzinha de sete anos dele. Isso é típico de um bebê, e também é
característico daqueles que se tornaram cristãos, cristãos autênticos, e então
estacionaram e pararam de desenvolver-se. Eles são incapazes de se dedicarem a
exercícios espirituais. Não conseguem orar por muito tempo e não conseguem meditar.
Na verdade, fazem troça dessa idéia de meditação. Eles acham que isso era próprio
talvez para Tomás de Aquino. Assim também com a leitura da Bíblia, eles não se
dedicam muito a isso — como também a nada que exija disciplina e maturidade.
Uma segunda coisa a respeito do bebê é que ele se preocupa com coisas simples,
coisas elementares. Você jamais falaria com um bebê sobre o existencialismo ou sobre a
guerra fria. O bebê está satisfeito com meia dúzia de coisas pequeninas; é suficiente
comer, ficar quentinho e seco, e manter a mamãe à distância segura de um grito. Isso é
tudo o que interessa ao bebê.
Há cristãos que crescem e não têm apetite por nada que seja espiritualmente mais
avançado. Eles estão preocupados com as suas primeiras lições. A igreja comum é uma
escola com apenas uma série — a primeira. Esses cristãos não têm expectativa de ir além
disso, e não querem ouvir por muito tempo alguém que deseja que eles avancem além do
lugar onde estão. Se o pastor deles insiste que façam as lições de casa e se preparem para
a próxima série, eles começam a orar para que o Senhor chame “o nosso querido irmão”
para algum outro lugar. Quanto mais o odeiam, tanto mais ênfase eles dão às palavras “o
nosso querido irmão”. Tudo o que ele está fazendo é tentar prepará-los para outra série
da escola, mas essa igreja se dedica à primeira série apenas, e é na primeira série que ela
haverá de ficar.
Paulo disse que alguns deles tinham passado para a segunda série, mas desistiram:
“É difícil demais aqui”, disseram, e voltaram à primeira série.
“Há quantos anos você está na primeira série, menino?”
Textos de A. W. Tozer - 63 -
“Há doze anos.”
Bem, por quanto tempo você está ouvindo a mesma verdade e escutando a
mesma doutrina? Você tem de nascer de novo e haverá um julgamento, e assim por
diante. Embora isso seja verdade e não devemos nos afastar disso, temos de usar essas
coisas para avançar. Mas isso é o que não fazemos. Há gerações inteiras de cristãos que
não passam da primeira série. Eles aprendem a ler a Bíblia à luz dessas coisas. Para eles,
nada na Bíblia significa algo além desse estágio elementar. Eles participam de
conferências bíblicas dedicadas à primeira série da vida cristã, são escolas bíblicas
dedicadas à arte de continuar na primeira série. De minha parte, quero um pouco de
ambição, um pouco de ambição espiritual. Paulo disse: “...esquecendo-me das coisas que para
trás ficam ... prossigo para o alvo” (Filipenses 3.13,14). Aqui estava um homem que não se
contentava com a primeira série.
Outra coisa a respeito do bebê é o tanto que ele deseja entretenimento. Ele gosta
de diversão. Quanto ando de ônibus, delicio-me ao ver um bebê olhando por sobre o
ombro da mamãe. Se a mamãe me vê, tento ficar sentado tão dignamente quanto
possível. Mas se apenas o bebê me vê, começo a fazer coisas que o instigam, e
geralmente passamos bons momentos nisso. Por fim, a mãe percebe a coisa e vira o
bebê pra frente, e fica pensando quem será esse velhinho ali atrás. Bem, eu não queria de
forma alguma machucar o bebê; acontece que ele gosta de ser instigado. Nem é preciso
gastar cem dólares para fazer isso. Você consegue fazê-lo meramente agitando os dedos
ou olhando por entre os dedos para o bebê.
Da mesma forma que os bebês gostam de ser instigados, assim também a busca
por entretenimento religioso é evidência de que estacionamos na primeira série.
Continuamos a ser crianças e assim vamos permanecer. As crianças precisam de
brinquedos e precisam de novidades e de vez em quando precisam de novos coleguinhas
para brincar. E a Igreja é desse jeito.
O entretenimento religioso corrompeu de tal forma a Igreja de Cristo, que
milhões de pessoas não sabem que isso é uma heresia. Há milhões de evangélicos pelo
mundo todo que se devotam ao entretenimento religioso. Eles não sabem que isso é tão
heresia quanto usar um rosário ou usar água benta ou algo do gênero. Expôr esse
assunto, sem dúvida, acarretará um turbilhão de protestos furiosos entre as pessoas.
Um empresário cristão, certa vez, me perguntou: “Irmão Tozer, eu não idolatro
você; mas eu o sigo e creio no que o irmão diz. O que eu gostaria de saber é por que
tanta gente gosta de você mas não entende o que você fala”. Eu respondi: “Meu irmão,
eu já desisti de tentar entender; eu não sei por que isso acontece”. Mas essa é a verdade.
Tão logo as pessoas imaginem que você está, de alguma forma, ameaçando o amor ao
entretenimento religioso, acabam com você na mesma hora.
Certo homem escreveu um artigo para me rebater. Ele disse que eu aleguei que o
entretenimento religioso era errado, e então acrescentou: “Você não acha que toda vez
que entoa um hino, isso não é entretenimento?” Toda vez que você canta um hino? Eu
não tenho idéia de como esse amigo consegue encontrar o caminho de casa à noite. Ele
deveria fazer uso do serviço de um cão-guia e de alguém com uma bengala branca para
levá-lo para casa!
Textos de A. W. Tozer - 64 -
Quando você eleva os olhos a Deus e canta “Reparte Tu comigo, amado Senhor,
o pão da vida” — isso é entretenimento, ou é adoração? Não existe uma diferença entre
adoração e entretenimento? A igreja que não consegue adorar tem de ser entretida. E os
homens que não conseguem levar a igreja a adorar precisam mesmo providenciar
entretenimento. É por isso que temos em nosso meio, hoje, a grande heresia evangélica
— a heresia do entretenimento religioso.
Existe ainda uma outra característica da imaturidade — uma criança não consegue
nem ler nem apreciar literatura avançada, mesmo quando chega a cinco ou seis anos de
idade. Ela chegará em casa e fará você sentar-se, ela vai ler o livro todo, mas tudo o que
vai dizer é “Eu vi um gato e o gato era branco”. Você sabe como é, não tem nada
demais nisso. Não é nada profundo. Se ela não avançar além disso, você vai sentir-se
muito mal em relação a seu filho. No início, quando ele chega em casa e diz: “Mamãe,
papai, escutem, eu vou ler”, não importa o que você está fazendo ou o que está
queimando no fogão, ele agarra você e o faz sentar e começa a ler. Ele consegue ler! Isso
enche você de orgulho! Ele consegue ler, que maravilha! Você nunca pensou que ele
começasse, mas ali está ele, lendo; agora ele consegue ler o livro todo. Nós nunca
percebemos o quão bobos ficamos com esses progressos dos nossos filhos! Mas em
todo caso, eles estavam lendo.
Imagine que dali a dez anos ele venha de novo — agora ele está com dezessete
anos — e diga: “Mamãe, papai, eu sei ler: ‘O gato é vermelho’.”
Você diria ao seu marido ou à sua esposa: “Eu acho que devemos fazer alguma
coisa por esse menino. Acho que devemos levá-lo a algum lugar especializado”.
Foi exatamente por isso que o Espírito Santo escreveu o livro aos Hebreus. Ele
disse: “Vamos acabar com isso”. Por que marcar passo e permanecer eternamente
absorto com as coisas elementares da religião? Nós justificamos tudo pela mera repetição
de “Você tem de nascer de novo”. Fazemos todo e qualquer tipo de show e dizemos:
“Agora, você tem de nascer de novo” — os princípios elementares o tempo todo. O
Espírito Santo diz: “Por isso, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à
perfeição, não lançando de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus”
(6.1) e assim por diante, mas “prossigamos até a perfeição”.
Agora, como é que podemos prosseguir, como podemos avançar?
5 O Autor sugere a King James, em inglês. Em português, a versão que mais se aproxima da King James é a da Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil. Também são muito boas duas das traduções da Sociedade Bíblica do Brasil: a Corrigida, e a Atualizada.
Textos de A. W. Tozer - 66 -
mundo ocidental é que amamos demais o nosso conforto. [Este sermão foi pregado na
década de 1960.] Eles não estão procurando conforto; o que estão procurando é a
vitória.
Um amigo meu resolveu encontrar-se com um líder comunista de um pequeno
grupo, num quartel-general comunista, de onde expediam literatura. “Entre, Reverendo,
e sente-se”, disse o comunista. Meu amigo entrou e sentou-se. “Nós somos comunistas”,
disse ele, “você sabe disso, e você é um ministro. É claro que há diferenças enormes
entre nós dois. Mas”, disse ele, “eu quero lhe dizer uma coisa. Nós aprendemos as
nossas técnicas do seu Livro de Atos dos Apóstolos”. “Nós aprendemos como vencer e
conquistar bem ali no seu livros de Atos”, disse ele. E continuou: “Vocês que creem na
Bíblia se desvenciliaram dos métodos da Igreja primitiva, e nós que não cremos nela os
adotamos, ... e eles estão funcionando”.
Qual era o método? É um método muito simples, esse da igreja primitiva. Era sair
para testemunhar, dar tudo ao Senhor e entregar-se totalmente a Deus e carregar a cruz,
assumir as consequências. O resultado foi que nos primeiros cem anos de Igreja Cristã
todo o mundo conhecido havia sido evangelizado. Nós não ficamos sabendo disso agora
porque nossos missionários o estão dizendo, ou porque eles dão essa impressão, que há
lugares do mundo que não foram evangelizados. Cada parte do mundo conhecido tinha
sido evangelizada cerca de cem anos depois da ressurreição do nosso Senhor.
A próxima coisa é concentrar-se em Cristo, pôr o seu foco no Senhor Jesus
Cristo.
Mostra-me a Tua face,
Um breve brilho do amor divino.
E jamais eu vou pensar ou sonhar
Outro amor que não o Teu.
Abra o coração ao Espírito Santo, e eu estou certo que Deus o receberá e tomará
conta de você. E lembre-se: isso não é um luxo, uma extravagância. É uma necessidade
que deixemos de lado os primeiros fundamentos e que abandonemos a infância e
avancemos para Deus; isso é uma necessidade básica. “É impossível, pois, que aqueles que
uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial ... e caíram, sim, é impossível outra vez renová-
los para arrependimento” (Hebreus 6.4,6a).
Dessa forma, esta doutrina, este ensino, esta exortação do Espírito Santo para
deixar os princípios elementares e avançar para a perfeição não se destina a fazer santos
especiais. Destina-se a produzir santos de todo tipo, o que é a mais básica necessidade da
vida cristã.
PROVOCAÇÃO
A palavra provocação significa incitar, estimular. Pode ser usada também num
bom sentido, embora raramente seja usada dessa forma. No mais das vezes refere-se ao
ato de enfurecer alguém por meio de uma afronta, real ou imaginária.
Todos nós já vimos a rapidez com que muita gente se desculpa por uma explosão
alegando que o fizeram em resposta a provocação. Dessa forma, culpam os outros pelo
seu próprio pecado. O que não se percebe nessa elegante maneira de se auto-desculpar é
que a provocação não pode incitar algo que já não esteja ali. Ela de forma nenhuma
adiciona alguma coisa ao coração humano; ela meramente traz à tona aquilo que já se
encontra ali. Ela não altera o caráter; ela simplesmente o revela.
A pessoa é aquilo que faz quando é provocada. A lama já tem de estar no fundo
da piscina, caso contrário não poderá ser agitada. Não se consegue turvar água limpa.
A provocação não gera a podridão moral; ela apenas a traz até a superfície. Nada
mais que isso.
Um homem santo não pode ser incitado a agir de forma ímpia. Um homem de
coração purificado talvez seja incitado à ação por meio de vários estímulos, mas a ação
será sempre conforme a pureza do seu coração. "[o amor] não se exaspera (não se irrita,
não se deixa provocar)", disse Paulo em 1 Coríntios 13.5. Mesmo que se admita que o
amor seja provocado, ele não pode ser provocado a nenhuma ação incompatível consigo
mesmo. Se for incitado a agir, essa ação estará de acordo com a sua própria natureza. O
amor não pode ser outra coisa senão amor.
Para o homem que acabou de se irritar ou que se permitiu demonstrar mau humor
talvez seja uma espécie de consolo fácil argumentar que foi provocado a isso por outra
pessoa, mas se ele valoriza a própria alma, não vai se desculpar dessa forma. A
honestidade exigirá que admita que já possuía uma disposição má e que a provocação
meramente a trouxe para a superfície. A falta é mesmo sua, e não daquele que a trouxe à
luz.
Todavia, temos de acrescentar uma coisa mais: o Novo Testamento nos alerta que
aqueles que incitam os outros ao mal trarão sobre si mesmos severo juízo. O diabo
tentou a Cristo mas não pôde persuadi-lO a agir mal. Cristo não pôde ser incitado ao
mal porque não havia nEle nenhum mal para incitar. Os esforços de Satanás foram vãos,
e ele não pôde fazer nenhum dano; contudo ele haverá de encarar o terror do
Textos de A. W. Tozer - 70 -
julgamento de Deus por causa das suas perversas tentativas. Qualquer que puser uma
pedra de tropeço no caminho de um cristão haverá de receber justa punição, quer seja
bem-sucedido ou não em provocar-lhe a queda. É verdade que, antes que se possa turvar
a piscina, a lama já tem de estar ali no fundo, mas a fervente ira de Deus agirá contra
aquele que se delicia em remexê-la.
[The Price of Neglect, capítulo 21]
Textos de A. W. Tozer - 71 -
RAZÕES ECONÔMICAS
MATAM A RELIGIÃO
A única prova que Demétrio, o ourives, pôde apresentar a respeito da validade da
sua religião foi gritar “Senhores, sabeis que deste ofício vem a nossa prosperidade...
Grande é a Diana dos efésios!” Ele estimulava o culto a Diana por razões comerciais.
O interesse econômico na religião é fatal. Tão logo um homem se veja enredado
no laço do interesse financeiro, ele já não é profeta, mas agora é filho de Mamom. Seu
coração degenera, e o espírito começa a morrer. Quer ele cumpra algum dever religioso,
quer faça qualquer ato moral, quer advogue uma reforma, ou pregue alguma doutrina, ele
precisa fazer isso para garantir seu sustento, e agora ele já não é um verdadeiro pastor,
mas um mercenário.
Quase todos os cristãos concordam que a igreja tem de sustentar seus ministros,
assim como o país sustenta seus soldados a fim de deixá-los livres para a batalha. Essa
disposição das coisas se encontra no Velho Testamento, e foi adotada na Igreja com
pequenas alterações apenas. Esse é um sábio e sadio procedimento, e está acima de
qualquer reprovação, desde que ambos, pastor e povo, sejam verdadeiros filhos de Deus.
Uma importante obrigação repousa sobre os ombros da igreja no tocante a
manter financeiramente livre o ministro, a fim de que ele ensine as suas mais profundas
convicções. O boicote financeiro é uma arma usada, às vezes, contra o homem que
insiste em pregar verdades que não são bem-vindas, e coitado do homem que cai nessa
armadilha. Coitada, mais ainda, da igreja que usa esse tipo de recurso.
Paulo tinha uma profissão com que se sustentava quando a necessidade surgia, e
penso se não seria boa idéia que cada pregador mantivesse agulha e linha à mão para os
casos de emergência. Qualquer coisa é melhor que prestar obediência a Mamom.
Alguns pregadores encontraram a feliz solução dos problemas financeiros
mediante o simples plano de viver pela fé. Ninguém coloca pressão financeira num
homem desses; uma vez que ele só dá contas a Deus pelo seu ministério; Deus é, pela
mesma razão, responsável pelo pão diário dele. É impossível forçar um homem à
submissão através desse procedimento (pressão financeira), porque o servo de Deus vive
de maná, e maná pode-se encontrar onde quer que a fé possa vê-lo.
RELIGIÃO DO INTELECTO
VERSUS
RELIGIÃO DO ESPÍRITO
Há uma qualidade profundamente espiritual e inteiramente mística na religião do
Novo Testamento, que não podemos desconsiderar se pretendemos ser cristãos na
prática e no nome.
Eu penso que devemos deixar que nosso coração adorador decida nossas questões
teológicas. Depois de nos assegurar da pureza do texto, e a mente certificada de que a
tradução é confiável, a melhor fonte de informações da verdadeira luz é sempre o
coração iluminado pelo Espírito. Um coração que ora, ardendo de amor a Deus, haverá
de intuir a verdade, penetrará além do véu e verá e ouvirá aquilo que não é lícito dizer, e
que, de fato não pode ser pronunciado nem mesmo entendido intelectualmente.
Tenho como opinião que a verdadeira linha de batalha na guerra teológica de
nossos dias não é a que separa o fundamentalismo do liberalismo. Essa guerra já foi
travada e vencida. Ninguém precisa mais de forma alguma confundir-se quanto a
questão da teologia bíblica versus a invenção humana do liberalismo. Ambos os lados já
disseram o que tinham de dizer, e o fizeram corajosamente. Qualquer um pode saber
exatamente onde se encontra em assuntos como a inspiração das Escrituras, a divindade
de Jesus Cristo, a salvação através do sangue da expiação, morte e juízo, céu e inferno. A
verdadeira linha de batalha se encontra noutro lugar.
O conflito decisivo em religião sempre se dará onde se chocarem conceitos
importantes, conceitos de tal forma vitais que são capazes de salvar ou destruir a fé cristã
na geração em que são contestados. Nessa conjuntura crítica na história da igreja, o
verdadeiro conflito é entre aqueles que se apegam a um Cristianismo objetivo capaz de
ser entendido inteiramente pelo intelecto humano e aqueles que crêem que existem áreas
da experiência religiosa tão altamente espirituais, tão afastadas e tão elevadas acima da
mera razão, que é necessária uma unção especial do Espírito Santo para torná-las
compreensíveis ao coração humano. A diferença não é meramente acadêmica. Se os
advogados do intelectualismo religioso forem bem sucedidos em dirigir a igreja nesta
geração, a próxima geração de cristãos se tornará vítima fatal de ortodoxia morta.
Numa conversa com um dos mais bem conhecidos devotos do neo-
intelectualismo dos círculos evangélicos, eu lhe perguntei francamente: "Você de fato crê
que é possível entender com o intelecto humano tudo o que é essencial na fé cristã?" Sua
resposta imediata foi: "Se eu não pensasse assim, estaria indo direto ao agnosticismo".
Eu não disse a ele, mas poderia muito bem ter dito: "E se você crê assim, você está a
caminho do racionalismo". Porque essa é a verdade.
Uma das questões mais difíceis de responder hoje é por que tantos bons e
aparentemente sinceros líderes cristãos estão-se afastando tão rápido e para tão longe do
ensino simples e das práticas do Novo Testamento. Elementos destrutivos estão sendo
Textos de A. W. Tozer - 73 -
inocentemente introduzidos na adoração e nos cultos de hoje por evangélicos que amam
a Bíblia, elementos tão opostos ao gênio autêntico do Cristianismo que os dois são
mutuamente exclusivos. Um ou outro tem de desaparecer. Ou esses tumores parasitas
são destruídos ou eles em pouco tempo destruirão a fé cristã. Contudo essas coisas
mortíferas são incentivadas nas igrejas por alguns dos mais zelosos líderes ortodoxos.
Por quê?
A resposta é mais simples do que podemos imaginar. Esses líderes estão
dependendo de suas mentes para guiá-los em suas práticas religiosas. Eles concebem a
verdade como um depósito doutrinário, uma espécie de mapa rodoviário teológico para
conduzi-los ao céu. Eles examinam o mapa para certificar-se de que estão na direção
certa, e depois disso avançam sozinhos. Não se faz necessário um Guia Invisível. Se são
assaltados por dúvidas, precisam apenas parar sob um poste de rua e certificar-se de que
de fato "aceitaram" a Cristo. Depois avançam novamente completamente confiantes de
que estão trilhando a mesma estrada dos apóstolos e profetas.
A questão levantada por muitos hoje — por que a religião cresce e ao mesmo
tempo fracassa moralmente — encontra sua resposta nesse exato erro, o erro do
intelectualismo religioso. Os homens têm aparência de piedade mas lhe negam o poder.
O mero texto não eleva a vida moral. Para tornar-se moralmente efetiva, a verdade tem
de ser acompanhada de um elemento místico, esse mesmo elemento fornecido pelo
Espírito da verdade. O Espírito Santo não será banido a uma mera nota de rodapé sem
que tome terrível vingança contra aqueles que O desprezam dessa forma. Essa vingança
pode ser vista hoje no fundamentalismo nervoso, cheio de gracejos, mundano e
completamente carnal, que se alastra sobre nossa terra. Doutrinariamente, ele veste o
manto da crença bíblica, mas além disso nem de longe se parece com a religião de Cristo
e de Seus apóstolos.
A misteriosa presença do Espírito é vitalmente necessária se queremos evitar as
armadilhas da religião. Da mesma forma que a coluna de fogo guiou Israel no deserto,
assim o Espírito da verdade tem de nos guiar por toda a nossa jornada aqui. Há um texto
bíblico que poderia consertar as coisas para nós de forma poderosa, se só lhe
quiséssemos obedecer: "Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no
teu próprio entendimento" (Provérbios 3.5).
Há muitos que, ingenuamente, tomam por líquido e certo que a Bíblia possui
uma espécie de poder mágico de fazer o bem, de forma que a simples leitura ou menção
dela é proveitosa, independentemente das circunstâncias. Essa idéia precisa de correção.
Pedro chamou atenção ao fato de que os escritos de Paulo nem sempre são
proveitosos a todo mundo: "como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a
sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas
epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como
também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles" (2 Pedro 3.15,16).
Há o perigo de que a Palavra de Deus se torne um véu opaco que oculte Deus de
nós, e sem dúvida às vezes é exatamente isso que acontece. As Escrituras deveriam ser
como a atmosfera, um meio transparente através do qual nós olhamos para o sol.
Quando a atmosfera acima de nós impede a luz e faz com que vejamos a ela em vez de
através dela, então a sua função original se desfez. Assim acontece também com a Palavra
de Deus. Quando lemos a Bíblia tendo-a como um fim em si mesma, em vez de
considerá-la um meio de compreender a Pessoa de Deus, ela já não está servindo para
aquilo que foi designada para executar em nós. Colocado de outra forma, a Bíblia é um
telescópio pelo qual contemplamos "a terra que está muito distante". Quando nos
contentamos com o telescópio, ele com certeza nos haverá de desapontar, porque nunca
jamais foi plano de Deus que um instrumento tomasse o lugar que somente a Ele
pertence; Ele nunca pretendeu que um Livro substituísse a Palavra Viva.
A Bíblia tem um propósito triplo: ensinar, inspirar a fé e assegurar a obediência.
Toda vez que for usada para outro propósito, estará sendo usada de forma errada e com
certeza provocará dano. As Escrituras Sagradas somente nos trarão benefício à medida
que tivermos mente aberta para sermos ensinados, um coração tenro para crer e uma
vontade submissa para obedecer. Se tivermos esses três componentes, com certeza a
Palavra escrita se tornará para nós uma lente transparente, através da qual poderemos
contemplar o Deus Triúno. E essa contemplação pela fé significa provar um pouco do
céu aqui embaixo.
Textos de A. W. Tozer - 75 -