Sevilha é a cidade sensual de Cármen, a cigarreira, e D. Juan, o conquistador. A cidade
dramática do flamenco e da tourada, boémia dos estudantes e bons vivants, mas também popular nos seus bairros mais castiços. Tão exótica quanto tradicionalista, é cenário de um quotidiano que parece ensaiado. Nós somos os espectadores
Texto de Sara Raquel Silva e fotos de Pedro Sampayo Ribeiro
Em Sevilha a tradição anda muito perto do que sempre foi. Feita de
alegria, religiosidade, flamenco, touros, cavalos e convívio. E, claro, do Guadalquivir, Bairro de Santa Cruz, Praça de Espanha, da Catedral e Giralda, da Plaza de la Maestranza e dos Alcáceres Reais. É uma cidade de movimentos lentos, mas intensos, teatrais. Um palco onde os protagonistas, os habitantes, teimam em perpetuar uma alma muito própria - a andaluza. Povo autêntico, cioso dos seus hábitos e cultura, é caloroso sem procurar agradar. Cede devagarinho ao ritmo uniformizador da globalização, pelo que a música é cantada em castelhano; nas montras, um belo traje de flamenco é mais cobiçado que qualquer Prada ou Dior; e as tapas, saboreadas lentamente, mantêm-se como o sustento de eleição. Torre do Ouro Em Sevilha, pressa é palavra desconhecida: todos vivem num compasso morno. Diria que de espera, para explodir em dias de fiesta. Não adianta procurar saber porquê. Afinal, os tartéssicos, gregos, romanos, visigodos, árabes e cristãos levaram 2700 anos a costurar uma cidade assim.
Descobri-la é conhecer o seu estilo de vida e personalidade
da sua gente. Respeitar o seu ritmo e deixarmo-nos enredar no bulício do seu quotidiano. Começar Sevilha por Triana, um bairro histórico, mas operário, onde nasceu o flamenco e o número de turistas ainda não desfigura o ambiente castiço, parece por esse motivo, uma boa opção. Catedral e Giralda Triana, bairro do flamenco Fica do outro lado do Guadalquivir. Atravessada a Ponte San Telmo percorremos a colorida Calle Bétis, experimentando as esplanadas à beira-rio, enquanto ensaiamos a arte de "tapear" - vocábulo indispensável na Andaluzia que se refere à habilidade de ir parando de tasca em tasca a saborear pratinhos de petiscos, acompanhados por uma cerveja ou o típico manzanilla, vinho fino e seco.
Os residentes afirmam que daqui se desfruta de uma das melhores vistas
da cidade, pelo que é a altura ideal para estudar o panorama: à nossa Espectáculo de flamenco frente estão o Bairro do Arenal e a Plaza de la Maestranza, ao fundo a Giralda, e à direi-ta a Torre do Ouro, reluzente sob sol quente do Mediterrâneo.
Praça de Espanha
Paco Rey, tocador de flamenco, anima o bairro de Santa Cruz
Apelidada de Triana "vermelha", por noutros tempos
simpatizar com os republicanos, ou Triana "cigana", por acomodar o quarteirão das três mil habitações ciganas, é um dos bairros de Sevilha de personalidade mais marcante. Foi neste arrabalde marinheiro que nasceram toureiros, cantoras e bailarinas de flamenco, e que a dança surge, ainda hoje, de forma espontânea.
Talvez por herança do Igreja de Marcarena
passado, é nesta zona que se concentra grande parte da animação nocturna de Sevilha e alguns dos melhores bares de tapas. Mesmo durante o dia, basta percorrer por minutos as agitadas ruas que a energia que aí se respira entranha-se. E ainda bem, para que o fôlego nos permita admirar as fachadas coloridas de toda a Rua Pureza, as imagens religiosas, em cerâmica, fixadas nas paredes e um sem-número de igrejas e capelas (a que nos iremos habituar, pois habitam toda a sua cidade como testemunho irredutível da sua religiosidade), entre as quais as imprescindíveis Capilla de Los Marineros (século XVII) e a Iglesia de
Santa Ana, um templo gótico fundado por Afonso, o Sábio, no
século XIII. Fôlego ainda para visitar as movimentadas Pages Del Corro e San Jacinto, o melhor local para comprar Casa Pilatos cerâmica artesanal e artigos de pele, e observar os gestos expansivos e riso ruidoso de quem acabou um dia de trabalho.
No final, resta-nos regressar a pé pela ponte Isabel II, já
iluminada, para, do outro lado do rio, contemplar o romântico pôr do Sol.
Entre jardins, jasmins e laranjeiras
Passar as primeiras horas da manhã no tranquilo Parque
Maria Luísa, o pulmão da cidade, é uma alternativa deliciosa ao alvoroço das artérias que passam, quase por milagre, mesmo ali ao lado. Nestes jardins de origem romântica, com mais de 400 mil metros de superfície, a luz entra filtrada pela névoa matinal e pelo verde de centenas de espécies de flores, plantas e árvores, algumas, centenárias. O Parque foi doado a Sevilha pela infanta Maria Luísa, em 1893, tendo sido Túmulo de Cristóvão Colombo dentro da recuperado pelo arquitecto Catedral francês Forestier, por altura da Exposição Universal, em 1929. Talvez seja o mais belo de todos os jardins, mas não é o único. Esta cidade proporciona em vários recantos momentos floridos: os Jardins Murillo que dão para o Alcázer, o Valle na zona histórica, o Parque dos Príncipes em Triana, ou a margem direita do Guadalquivir toda ajardinada por ocasião da Expo 92. Afinal, Sevilha é a cidade das laranjeiras, onde os árabes que aí se estabeleceram, do século VIII ao XIII, deixaram entre vários legados o culto pela natureza, evidente nos seus jardins, repletos de cascatas e canais, jasmins e buganvílias. Daqui até ao centro é um saltinho, a fazer de preferência a pé, já que a maioria das ruas estão vedadas ao trânsito e encontrar estacionamento não passa de uma miragem.
À saída do Jardim, a caminho
da Catedral encontramos a Praça de Espanha, um dos símbolos da Sevilha actual. Majestosa, foi projectada para a Exposição Ibero-Americana de 1929 por Anibal González, um dos arquitectos mais célebres da cidade no século passado. Construída em tijolo e cerâmica, em forma semicircular, rematada por uma torre em cada ponta, parece estar de braços abertos, a acolher todos os que por lá passam. Para que de perto observem os seus painéis de azulejaria, dedicados a cada uma das províncias espanholas.
E continuamos, ou tropeçamos, por entre edifícios e
monumentos que, nos seus estilos arquitectónicos diversos - gótico, renascentista, clássico e modernista -, testemunham a antiguidade de Sevilha e lhe conferem "aquele" carisma, comum apenas às cidades com história. In Rotas e Destinos