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Filosofia Infantil II
2009
Prefácio
Queremos com este trabalho apresentar àqueles que se interessem pelo ensino de filosofia a professores
que lecionem filosofia com e para crianças. Já apresentamos um primeiro trabalho com o mesmo título –
filosofia infantil -, porém, minhas aulas nunca são as mesmas, pois, novas ideias surgem e é oportuno que as
compartilhemos com outros pensadores e interessados nesta matéria.
Relembro que quando fui aluno da universidade federal do rio grande do sul, em licenciatura em filosofia,
e tive um semestre de “filosofia da educação”, o professor, doutor em filosofia, disse que não existia isso de
filosofia da educação: ou há filosofia, ou há educação. Depois, ele trabalhou com um livro que nem lembro o
título, a partir do qual estudamos as ideias de alguns pensadores, como Sócrates, Maquiavel. Quando perguntei
a ele por que não estudamos Paulo Freire, ele respondeu que aquele tinha assimilado as teses de pensadores
anteriores a ele, como Sócrates e Karl Marx, opinião que eu aceito. Mas, a questão central por que lembrei
daquele professor é que não se tira filosofia da educação, mas educação da filosofia. Uma mera troca de
palavras? A ordem delas não altera o produto final? Mas, se dizemos educação filosófica, entendemos coisas
distintas:
1- educação filosófica propõe que toda educação e todo educador seja um filósofo na medida em que ele
deve refletir sobre as causas e efeitos das questões que ele estuda, contextualizando os fatos, não apenas
apresentando um conteúdo solto a um aluno, mas, ainda, por que ele está apresentando este assunto e por que os
fenômenos descritos são assim.
2- filosofia não é uma disciplina a mais, mas o alicerce das outras, a primeira deseja perceber o todo, a
outras, fragmentos do todo. Ouvi de uma aluna do semestre passado, em relação a uma colega que não tinha
nota para passar: “é só filosofia!”. Triste que a nossa sociedade tenha esta visão da filosofia, mas isto se deve
aos próprios “doutores da filosofia” que eu chamo de “doutores da tristeza”, que contra a origem a filosofia se
tornaram especialistas (fragmentam o todo) e não generalistas (estudiosos do todo), em comparação com os
doutores da alegria, médicos que levam alegria aos doentes de hospitais!
1a e 2a aulas:
É curioso como nenhuma turma é igual a outra, o que é óbvio, se olhamos à distância, mas não sob o
ponto de vista de um professor sobrecarregado de aulas, que espera que não precise alterar o conteúdo e
funcione em “piloto automático”. Neste segundo semestre de 2009 depois de Cristo (ou por que não 2405
depois de Sócrates?) me surpreendeu o quanto a turma era insípida, isto é, calados, sem humor, sem graça. No
semestre passado, as turmas eram alegres, especialmente uma delas, o que motivava o professor a ser, na
medida do possível, alegre.
Bem, nesta primeira aula, me apresentei: meu nome é ANTONIO JAQUES DE MATOS, formado em
licenciatura em Filosofia pela Universidade federal do Rio Grande do Sul, tenho livros publicados na internet,
no site www.SCRIBD.com, livros com teorias filosóficas inéditas e revolucionárias (mas não publicadas em
papel, o que é bom para as florestas!), OS MITOS DO TEMPO, DO EGO E DAS LEIS (cuja principal tese é a
que defendo que aquilo que chamamos de duração nunca foi algo externo, mas que surge dentro de nossa
memória, uma dor sutil, por isso que, às vezes o tédio parece nos enlouquecer, quando sentimos o tempo se
arrastar!), livros sobre Filosofia com adolescentes, relato das aulas de filosofia para crianças (“Filosofia
infantil”), CURSO DE FILOSOFIA TEMÁTICA, entre outras reflexões.
A seguir, apresentei um plano para o ano que consiste no estudo de importantes definições de filosofia,
depois, progressivamente, introduzir noções de filosofia aplicada ao ensino com crianças e, finalmente,
organizar coletivamente aulas práticas de filosofia infantil, um desafio que não realizamos no primeiro
semestre, mas que propomos realizar neste, em grande parte porque os dois períodos semanais se mostraram
insuficientes.
Tales: filosofia é o estudo da natureza, de que as coisas são feitas, para ele, de água, presente
nas sementes e indispensável na agricultura e na vida das pessoas.
Pitágoras: foi quem inventou a palavra filosofia, de filo = amigo e Sofia = sabedoria, daí o
filósofo é o amigo ou aquele que ama conhecer, embora não tenha todo o conhecimento, ele busca possui-lo.
Sócrates: a filosofia nos ensina a examinar a vida, a controlar nossos desejos e, assim,
conhecer a nós mesmos, nossa alma ou razão.
Platão: ela é a atividade suprema humana que nos distancia do mundo material e nos
aproximado mundo eterno, divino. De onde tiramos a idéia de círculos ou linhas retas perfeitas? Deste mundo
material? Qualquer lente ou microscópio rejeitaria esta opinião. E, ainda, hoje, ninguém respondeu a indagação
platônica!
Aristóteles: ela é a ciência da verdade que trata da lógica, da ética, da natureza e da matemática.
Embora, discordasse da tese dos dois mundos de Platão, manteve um dualismo em cada ser humano: temos uma
forma, eterna, que transmitimos aos filhos que dá um formato ou limite a um corpo, material e perecível.
Marco Aurélio (imperador e filósofo romano) : só a filosofia guia nosso deus interior (tese
socrática) ou a razão que mora em nós, que nos livra dos danos mais fortes que os prazeres e as mágoas nos
provocam, nada fazendo de enganos (segundo ele)
Kant: ela consiste em filosofar sobre os limites dos nossos pensamentos e do mundo e que
verdades a razão pode conhecer.
Hegel: ela deve buscar a unidade que jaz sob a diversidade. Faltou dizer que ela é um estágio
no desenvolvimento da consciência, há séculos se supõe que um nível mais elevado é o da pura intuição, no
sentido medieval (os anjos sabem instantaneamente, sem reflexão, raciocínios), não kantiano (nível sensorial).
David Hume: ela nos ensina a ver os diversos aspectos que podem ser, por nós, observados e
que, com freqüência, nos escapam. Quando pergunto aos meus alunos (adolescentes) como resolver o problema
da violência no Brasil, eles respondem mandar a polícia subir os morros e matar os bandidos. Mas, e se um
deles fosse nosso parente? E se as drogas fossem liberadas para adultos? As pessoas não consomem cerveja,
vinho, etc, livremente, embora muitos provoquem acidentes fatais?
João de Salsbury: ela nos ensina a atacar e defender ideias, eleva nossa inteligência, amplia e
aprofunda a visão, especialmente quando nos elevamos nos ombros dos pensadores antigos.
Will Durant: ela é o estudo da experiência como um todo, enquanto as ciências, estudam as
partes do todo.
Marilena Chauí: ela reflete sobre as religiões, as ciências, a arte, a história e a política,
buscando suas origens, significados, forma e conteúdo (ou seja, a filosofia é serva das outras atividades
humanas!)
Comentei cada definição, perguntei ao final se nos perguntassem o que é a filosofia, o que diríamos?
Esperava que me dissessem que não havia uma, mas muitas, embora o ideal é que fôssemos capazes de formular
uma definição a partir daquele enxame de definições dados – é isso que fazem filósofos e mesmo cientistas: a
partir de muitas observações chegam a uma teoria geral. O que ocorreu foi que uma aluna, respondeu
precipitadamente que filosofia “era usar o pensamento”. Não respondi na hora, a aula já tinha terminado e não
queria desapontar seu esforço. Mas, o que acontece é que a ciência e mesmo a teologia, também, usam o
pensamento. Então, entendi que era importante para a aula seguinte voltarmos às definições, pensá-las com mais
cuidado!
3a e 4a aulas:
1 Tarefa
a
Nesta aula, pedi aos alunos, valendo 5 pontos, que definissem a filosofia a partir das diversas opiniões
apresentadas e, depois, formulassem perguntas referentes ao todo e às partes de determinados objetos, seres ou
sentimentos.
Em geral, os alunos (deste curso do pós-médio) se limitaram a reunir em uma frase partes das definições
dadas, o que demonstra uma dificuldade de aprendizagem que vem da escola (do ensino médio). Disse-lhes que
tinham me dado um “patchwork” de respostas, como aqueles cobertores feitos de vários tecidos costurados uns
aos outros, mas o que eu tinha pedido era outra coisa: uma única definição. Uma aluna me apresentou uma
definição que se destacou sobre as demais, mais ou menos assim: que “filosofia é a capacidade do ser humano
de conhecer o mundo e a si mesmo através de sua percepção”. Agradeci, na hora, as céus, por aquela dádiva,
chamei a definição dada pela aluna de genial, mas depois veio a explicação: ela, como um bom símio, copiou a
definição que a professora de Psicologia lhe deu e, provavelmente, nem sabia o que significava! Outras colegas,
também, copiaram a mesma definição e eu as rejeitei pensando que estas tivessem copiado a definição daquela
“genial” aluna!
Sobre a segunda parte da tarefa, lhes pedi que formulassem perguntas sobre o todo e as partes dos
seguintes itens:
a) colégio
b) banco (instituição financeira)
c) Terra (planeta)
d) Amor
e) Ódio
f) Internet
g) Sala de aula
h) Vida
i) Automóvel
j) Corpo humano
k) Aluno
l) Supermercado
m) Olho
n) Professor
o) Almoço
Peguemos, por exemplo, o colégio. Uma pergunta sobre o todo: “por que vamos à escola aprender?” e
uma pergunta sobre as partes: “quantas salas estão em boas condições?”.
Com este exercício, propus distinguir a filosofia das ciências, mas, sei que não é tarefa fácil. Uma
sugestão que eu lhes dei foi observar se uma pergunta sobre um destes itens trata de todos os elementos de um
conjunto ou se apenas de um elemento do conjunto.
Eu ia lhes apresentar, mas não tivemos mais tempo, o poema de Gregório de Matos, poeta mineiro do
século XVII, época das descobertas de ouro e diamantes e do desenvolvimento econômico do interior do Brasil,
que tratou do todo e das partes, a partir da destruição por invasores holandeses de uma escultura religiosa:
Ainda sobre a questão do todo e das partes, não se trata de mera convenção, mas tem grande
relevância, embora reconheçamos que há dificuldade em precisar os limites de um e de outro. O que é o amor?
Não é querer o bem do outro em sua totalidade? O que é o Estado? A população como um todo? E o Estado,
como um todo, é maior que a soma das partes, o que lhe autorizaria a esmagar partes dissidentes, vozes que se
oponham? Isto tudo não é relevante? (esta parte, também, não foi apresentada aos alunos, pela mesma razão do
Por fim, é curiosa a pressa de duas alunas de querer que o professor lecione filosofia para crianças e não
filosofia. Elas perguntaram como explicaríamos às crianças a definição de Sócrates e os dois mundos de Platão?
Daí, senti a necessidade de lhes dizer e escrever um lembrete no quadro:
LEMBRETE:
Antes de filosofia com crianças, precisamos nos tornar filósofos, do
contrário, apenas decoraremos fórmulas.
E, para isso, mudei a metodologia e, para a aula seguinte, pedi que abrissem mão de algo excessivo.
5a e 6a aulas:
2a Tarefa
De imediato, pedi-lhes para a semana seguinte uma tarefa prática: ABRAM MÃO DE ALGO
EXCESSIVO OU RUIM e relatem cada dia, cada sentimento que apareceu. Apresentei-lhes o fundamento
filosófico: é que Sócrates, entendia que se os deuses nada precisavam e se nós humanos desejávamos nos
aproximar dos deuses, então, deveríamos necessitar de pouco para viver.
Lembrei, também, dos índios da Amazônia, que, ao dançarem, suam, perdem peso e se sentem mais leves
e, assim, seus espíritos, podem ascender mais facilmente à regiões mais próximas dos seus deuses.
Lembrei, também, de Sidarta Gautama, o Buda, que realizou uma experiência de abrir mão de prazeres
(aos quais ele tinha experimentado, pois era de uma casta nobre de governantes, se não me engano) e das dores
que os acompanham os prazeres mais cedo ou mais tarde. Disse-lhes que Buda, segundo a lenda, chegou a
comer apenas um grão de arroz por dia, mas abandonou a experiência, pois ao pôr a mão no abdômen, sentia a
sua coluna! E, além do mais, ele observou que esta experiência radical não havia libertado sua mente, mas a
confundido. Depois disso, ele idealizou, como sabemos hoje, a técnica da meditação (concentração) dirigida a
um único ponto ou através da repetição de uma frase cantada. Será que produz hipnose? Será que ele conseguiu
se livrar de todas as cinco sensações (externas) e encontrar o mundo real dentro de sua consciência?
No final desta aula, citei algumas teorias filosóficas para que os alunos se aproximassem das questões que
interessaram e ainda interessam aos filósofos. Dois grandes exemplos:
Heráclito: tudo está em constante mudança, não entramos duas vezes no mesmo rio, pois, já
não é mais o mesmo rio e nós mesmos já não somos os mesmos. Exemplifiquei-lhes assim: se eu sou as
moléculas e células que fazem parte de mim, quando eu respiro e ponho para fora o que estava, antes, dentro, eu
sou o mesmo que fui antes? E, acrescentei, apesar do corpo mudar, haveria algo que permaneceria o mesmo?
Neste momento, alguns alunos citam a alma (mas ela ocupa o mesmo lugar do corpo, lembrei a tese aristotélica,
como ela está unida a ele, se são de natureza tão diferentes, uma eterna e o outro, perecível?)
como uma aluna tinha dito que a filosofia não deveria invadir o terreno da religião e para evitar
uma guerra religiosa (alunos crentes versus professor panteísta) no espaço de uma sala de aula, lembrei-lhes de
São Tomás de Aquino um frade domenicano que, em plena Idade Média, não teve receio de unir razão e fé,
através de suas 5 provas da existência de Deus (não as citei em detalhe, mas as cito a seguir):
(a) Movimento: nenhum ser deu a si mesmo a capacidade de mover. Um feto recebe a animação de sua
progenitora e esta, também, recebeu os movimentos de sua mãe e, assim, em uma série que vai ao
infinito (isto é, sem fim ou começo), mas não oferece uma resposta: como tudo começou. Pensar que
há um ser eterno que dá movimento a tudo o que existe, é a resposta de Aquino;
(b) Causa eficiente: semelhante à tese anterior, nada é sua própria causa e, assim, precisamos que exista
algo anterior que seja a causa de nossa existência, o que nos leva a uma série infinita, mas que não
resolve a questão que, para Aquino, é resolvida supondo a existência de um Deus;
(c) Necessidade: há seres, entre eles nós mesmos, que não existiram sempre e, assim, houve um momento
em que tudo o que existe hoje não existia. Como, então, veio a existir? É preciso, segundo Aquino, que
um ser eterno exista, Deus.
(d) Governo do mundo: mesmo os objetos inanimados têm um movimento causado por uma força que não
está neles, ou seja, um Deus. (aqui cito duas principais teorias da gravidade para mostrar que ainda não
se tem uma resposta definitiva: a teoria de Newton - dois objetos atraem um ao outro, ainda que exista
um espaço vazio entre eles! - e a de Albert Einstein – corpos com muita massa deformam o espaço a
sua volta, como a Terra que deforma o espaço, vazio!?, e através desta deformação a lua realiza seu
movimento)
(e) Graduação: observamos pessoas que são boas ou inteligentes em algum grau. É de se supor que se
tudo está organizado em hierarquias, deve haver um ser que seja bom ou inteligente em um grau
máximo, Deus, para Aquino.
Perguntaram-me se eu tinha religião e eu respondi que sou panteísta, estou convencido, a partir da teoria
de Aquino, de que há algo eterno que produz o universo, mas este (ou Este) algo eterno não pode ser separado
do universo.
Citei Orígenes, mas acho que não entenderam-no: se Deus existisse e o universo não, Deus seria menos
poderoso do que quando o universo existisse. É claro que poderão dizer que existir é ser no tempo e não havia
tempo antes da criação do universo, mas, ainda assim, Deus permaneceu o mesmo antes e depois da criação?
Dirão que Ele não se mistura à criação. Mas, ser poderoso é ter algo sobre o que exercer poder!
Para fortalecer minha tese de que Deus e o universo são a mesma coisa, citei a tese aristotélica e, mais
tarde, de Santo Agostinho, de que só o presente existe: o passado existiu, mas não existe mais e o futuro
existirá, mas não existe ainda. Ora, se a eternidade é um eterno presente e neste nosso mundo físico, só há o
presente, logo, estamos na eternidade!
Depois, lembrei uma imagem para mostrar esta minha visão da eternidade: somos ondas de um oceano, as
ondas têm início e fim, mas o oceano é eterno. Como nos eternizamos? Relembrando novamente Aristóteles:
quando passamos nossa forma aos nossos descendentes! Por que querer mais? Por que querer eternizar a
imperfeição?
7a e 8a aulas:
Neste dia, realizamos as apresentações das experiências que cada aluno viveu, falando sobre o que abriu
mão por uma semana. Muitos abriram mão do café, um hábito forte, outros de refrigerantes. Houve um
depoimento muito interessante: alguém que parou de beber coca-cola, por recomendação médica, pois a bebida
comprometeu ou acentuou o seu problema de hipertensão arterial.
Houve alunos que deram a si mesmos regras como desativar os programas de computador para que eles
mesmos tivessem preguiça em reinstalá-los. Neste momento, lembrei-os de que há quem especule que não
sejamos um “eu”, mas muitos (um Marco desligou o computador para que o outro Marco, fanático por jogos,
tivesse preguiça de ter que montar a máquina para, então, poder jogar!);
Uma aluna não usa relógio já faz anos até que possa comprar um de uma muito boa qualidade, aquele que
é seu ideal de relógio. Platônica, não?
Outra aluna tentou parar de roer unha e eu lhe lembrei de Freud para quem os nossos problemas
emocionais vêm da infância; ela acabou por lembrar que o seu pai tirou à força o bico que ela usava e, aí, ela
começou a roer unhas. Lembrei da minha voz que, ao telefone, parece feminina e acredito que isto se deve ao
fato de que eu na adolescência fui chamado atenção porque começava a falar com voz grossa, depois daquilo
que eu entendi ser uma crítica, minha voz mudou!
Uma outra aluna, não parava de comer em excesso, apesar de não engordar. Disse que me parece que
queremos pôr coisas para dentro de nós, como comida, para terminar com uma sensação de vazio.
Observei, também, que é da natureza humana não se contentar com uma pequena quantidade de chocolate
ou um pequeno número de cigarros de tabaco, por exemplo, há um momento em que queremos mais, porque a
quantidade anterior não nos é mais suficiente.
Para terminar esta primeira aula, fiz questão de deixar claro que devemos questionar se é útil abrir mão de
coisas que fazemos em excesso, lembrei que as grandes mudanças realizadas na vida são causadas por desejos
em excesso e citei, ainda, a paixão de Cristo, que tem a ver com sofrimento de Cristo, mas paixão é isso mesmo:
uma emoção aguda, excessiva, duradoura. Não será este um outro caminho para encontrarmos o autocontrole, a
razão ou, para outros, o deus interior, libertado do mundo material?
9a e 10a aulas:
Houve uma aula extra em um sábado (em pleno século XXI, a quantidade é mais importante que a
qualidade) e aproveitei para levar música, falar que para Platão e Aristóteles (filósofos pós-socráticos) a música
forma o caráter, desde que a sua melodia, o seu ritmo, harmonizem as partes da alma (intelectiva, a razão; a
irascível, da coragem à raiva; e, concupiscível, dos desejos do corpo, sede, sexo, fome, segurança, etc).
Ouvimos uma música e lhes pedi (a partir da dica de que filosofar é fazer perguntas difíceis) que
formulassem perguntas. Tímidos, apenas uma aluna, formulou ou a partir da letra da música acrescentou no
final, sonoramente, um ponto de interrogação. A letra era: “se eu não te amasse tanto assim viria flores por onde
eu vim?”. Entre as questões que surgirão, destacamos:
- as flores são reais ou são símbolos de um sentimento?
- O amor muda a nossa capacidade de perceber (algo externo a nós)? De sentir (algo interno)? Por quê?
Uns disseram que o amor faz bem, que nos conforta, ..., mas não chegaram a uma resposta por que
tudo isso ocorre quando amamos?
- As mulheres amam e os homens fazem sexo? Questão que se encontra em capas de muitos livros.
Apresentei uma explicação da ciência: os homens têm o instinto natural de “espalhar suas sementes”
(espermatozóides) e, por isso, traem suas esposas. Uma aluna lembrou oportunamente que conheceu
uma mulher que traía seu marido, mas ele não, e aquela mulher fazia porque precisava variar de
parceiros de sexo. Lembrei, depois, dos clubes de trocas de casais, onde marido e mulher de comum
acordo (segundo dizem) vêem seu parceiro fazer sexo com outras pessoas.
- Uma aluna perguntou se era importante saber as respostas destas perguntas, não bastaria apenas sentir
amor? Eu respondi que os filósofos se preocupam com aqueles casos onde há excessos, por exemplo,
de traições (mas, eu não disse, pois aquela turma desconfia muito da filosofia ou de mim mesmo: acho
que se deve filosofar sempre, mesmo quando não há excessos)
Como haverão outros sábados com aulas extras, penso em repetir esta metodologia como um meio a mais
para a reflexão, de um modo tranqüilo, creio eu, divertido,..., visando desenvolver o filósofo que está em cada
um de nós.
Mostrei um pequeno texto, a partir da experiência com diálogos inspirado em Sócrates, praticado por
Lipman junto a crianças.
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Tudo começou com a história "O pingüim preocupado" (Companhia das Letrinhas) onde o pingüim tem uma crise de identidade e sai perguntando aos animais
que encontra se ele é um pingüim.
O mais curioso é, numa predição do que virá a seguir, as crianças descobrirem qual o próximo animal o pingüim irá encontrar.
- Como sabem? Pergunto.
- Onde pingüim vive só alguns poucos animais vivem, então é fácil saber. Respondem-me.
Ainda mais curioso é quando descobrem antecipadamente que o pingüim vai se encontrar com a mãe e de novo a pergunta: como você sabe?
- Tem que ser a mãe. Só a mãe para lhe dizer com certeza se ele é um pingüim.
- Então, a mãe sabe melhor do que eu quem eu sou?
Risos. Dúvida.
Vejo uma criança distraída, já deitada no círculo com um "jeito de quem não está aí". Pergunto-lhe: o que você está pensando agora?
- Eu acho que a mãe do pingüim sabe quem ele é. Estou pensando se um alienígena chegar agora na janela, como ele vai saber que eu sou gente? (Marlon - 4 anos)
Diz-nos Gaston Bachelard que "a imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que
ultrapassam a realidade. É uma faculdade de sobre-humanidade".
Aí está: crianças de 4 anos envolvidas num diálogo refinado.
E o que essa história revela? Enveredar com crianças menores por um diálogo investigativo é possível, sim.
Saber e entender que crianças de 2 a 6 anos têm na imaginação seu referencial, na pouca concentração o seu jeito de lidar com o mundo, não nos garante que elas
não possam dialogar.
Penso no diálogo como o colocado por Lipman: "Para uma criança, o diálogo é um jogo como pular corda, ou pular amarelinha ou jogar ‘pega-pega’. Se você
entra no jogo, você se encontra em situações que desafiam e compelem a desenvolver habilidades que o tornam capaz de ser competente naquele jogo".
Um jogo onde há lugar para o silêncio, para a ruminação, permitam-me o termo. Ver uma criança absorta durante uma discussão, e inferir que ela não está
acompanhando ou entendendo o que está sendo dito é, no mínimo, precipitado. Perguntar é prudente: O que você está pensando agora?
As respostas nos surpreenderão, com certeza.
Estabelecer pontes entre o pensar da criança e o pensamento do outro é, não só possível, como urgente.
Muitas vezes nos detemos numa discussão interminável sobre o que dá conta ou não uma criança de 2 a 6 anos.
Na dúvida não vacilemos: transformemos nossa sala de aula numa comunidade de investigação, como nos ensina Lipman.
Uma aluna refletiu sobre as escolhas que fazemos, em especial ao seu comportamento possessivo, de não
abrir mão do que é seu para os outros, mas que, depois, se sentia infeliz por ter agido assim. Lembrei da tese
freudiana de que dentro de nossa mente haveria muitas consciências e dei como exemplo o meu próprio: por
várias vezes gastei boa parte do salário sem guardar nada e, depois de ter ficado indignado comigo mesmo (eu
brigando comigo mesmo? Ou, segundo, aquele “primeiro Freud”, duas consciências brigando?)
O que Platão acharia disto? Como era também matemático talvez visse com bons olhos a tentativa de
quantificar em números a bondade e a maldade? Não sei. O que queríamos era não só debater a questão do
egoísmo/altruísmo, mas apresentar a divisão da alma segundo aquele filósofo:
Podemos, na próxima aula, perguntar aos alunos qual parte predomina neles? E, aí, reside uma questão
interessante: alguém pode ser irascível e egoísta (ambicioso, individualista, um político, por exemplo, que
queira o poder para satisfazer suas necessidades) ou, então, irascível e altruísta (um estadista, que se doa pelo
bem comum). Pode haver um egoísta concupiscível (vê os outros com objeto de suas satisfação) ou um altruísta
concupiscível (defensor do amor livre sem que ninguém seja dono de ninguém, p.ex. Festival de Woodstock na
década de 60). E um egoísta em que predomina a parte da alma racional? Acredito que não é possível, apenas
um altruísta, racional, que ultrapasse suas necessidades visando fazer o bem de outras pessoas. Isto porque um
egoísta/racional vai pensar nos meios para satisfazer suas necessidades irascíveis ou concupiscíveis.
a a
21 e 22 aulas :
Resolvermos ir para fora da sala, pois estava muito quente lá dentro. Decidimos falar sobre a dialética de
Platão. Iniciamos definindo-a: ela é um movimento do pensamento que parte de elementos que se opõem e
busca chegar a uma conciliação daqueles elementos. Isto porque, para Platão, a vida do mundo material, dos
homens e, especialmente, dos homens egoístas, é um mundo em constante conflito que só um filósofo através
do pensamento racional, distanciado da vida cotidiana, material, poderia superar.
Sugeri alguns exemplos: o que conciliaria homem e mulher, seres cujo sexo os situam como elementos
conflitantes. Alguns sugeriram o casamento, aí os lembrei que não raro casais continuam em conflito mesmo
após as núpcias. Os filhos, os conciliariam? Uma aluna lembrou que adultos geram filhos que não foram
desejados e os abandonam, mas, mesmo assim, no momento de prazer houve uma união entre os sexos
comumente chamados de opostos, um momento (do orgasmo) em que o tempo parece parar, um momento em
que se experiência a eternidade, não muito distante da crença platônica, em que o pensamento (dialético) supera
o mundo material e alcança o mundo eterno, divino.
Apresentamos outros exemplos: os times rivais no futebol no Rio Grande do Sul, Grêmio e Inter, como se
conciliam? Quando um deve ganhar de um outro time para ajudar na colocação do outro no campeonato, por
exemplo. E água e óleo, se conciliam ou misturam? Não? E quando usamos água e óleo no preparo do
macarrão? Eles se unem para formar outra coisa. Cores? Preto e Branco dá cinza.
Questionei um livro para crianças cujo título é “Charlie e Lola” e os “Opostos”: educa ou deseduca? Se
olharmos para a vida em sociedade veremos uma série de conflitos e uma incapacidade de superação ou
conciliação. Ajuda ensinar as crianças que há muitas oposições no mundo? Não se deveria ensinar a elas a
conciliação, ou seja, a superação de conflitos? Alguns alunos sugeriram que se devesse 1o ensinar as oposições e
em 2o apresentar exemplos de como superá-las. Lembrei Freud que recebeu uma carta de um amigo dizendo
que sentia que fazia parte do infinito. A ele, respondeu Freud, dizendo que aquela sensação nada mais era do
que lembrança vaga dos primeiros dias de vida em que o bebê não focaliza os objetos e seres, vendo tudo a sua
volta se foco! Ora, não vemos oposições, apenas um contínuo sem fim diante de nós, não vemos nem o “nós”
ou o “eu”, muito menos o “outro”.
Questionei, também, se há opostos, se por oposto queremos dizer “inverso”, algo que é em tudo contrário
a outra coisa? Por exemplo: uma figura no espelho é oposta a sua imagem. Não seria um erro dizer que um
homem é oposto a uma mulher? Uma vagina é um pênis que cresceu para dentro? Um absurdo, evidentemente.
Um último degrau de uma escada é oposto ao primeiro degrau? Dirão que na escada há extremos, sim, mas
ainda assim para uma pessoa, o topo pode ser o começo do caminho que ela deve percorrer, enquanto para outra
pessoa, pode ser o fim do caminho. Em que contribui para educar uma criança ensiná-la que em uma escada há
opostos? Nosso fundamento filosófico para rejeitar a existência de oposições encontra-se em Nietzsche, para
quem não há oposições, mas perspectivas diferentes.
A vantagem de ensinar que não há oposições a uma criança é educá-la para a vida adulta onde se
observam conflitos constantes: o motorista ao lado é uma ameaça, que se opõe no meu caminho, embora a rua
pertença a todos. A democracia é um governo da maioria, embora o governo do povo, supõe que seja de todo o
povo e não de uma parte. Partidos políticos se opõem, mas não estão do mesmo lado, ou seja, procurando
construir uma grande nação? O racismo põe em lados opostos por causa de cor da pele, mas não somos todos
humanos?
Por fim, reconheci que fiquei devendo aos alunos exercícios de dialética para crianças.
Parece, no entanto, que estas características são definitivas, mas se compararmos um homem de 1,80 e a
torre Eiffel, perto da torre aquele homem será tido como baixo.
(b) uma formiga carregando uma folha parece algo insignificante, desprezível aos olhos de um ser
humano, mesmo de uma criança, mas o professor pode reconstruir esta experiência em sala de aula, onde o
aluno tentará carregar uma folha proporcional àquela que o inseto carrega. Pode ser uma folha de bananeira,
para os pequenos (pré-escola) ou uma folha feita de isopor, papelão.
Uma informação adicional ao professor: “uma formiga levanta 50
vezes o seu peso, dependendo da espécie” (curiofisica.com.Br) ou
seja, se eu tenho 60kg e se pudesse carregar o que uma formiga
carrega, eu poderia levantar 3 toneladas ou três kombis
Observei, ainda sobre o amor ideal, algo que eu aprendi em uma peça de teatro sobre o “Banquete” de
Platão: é que o psicanalista Jacques Lacan, relembrou o amor ideal de Platão (que se relacionava à ideia de belo
e à ideia de bem (Deus) quando amamos o corpo físico de alguém), mas relacionando ao conflito observado por
ele entre o amor que as pessoas idealizam (a imagem de uma pessoa idealizada ou de um casamento
idealizado?) e o amor vivido (e, não raro, envolvido por experiências frustradas, por pessoas que nos
desapontam ou, quando nós mesmos desapontamos).
A lógica: Crê-se desde Aristóteles que o pensamento tem uma ordem e, por isso, ele pensava que ensinar
lógica ajudaria a ensinar a pensar segundo uma ordem. Fácil para quem pensava, também, que o universo tinha
uma ordem a ser encontrada. Mathew Lipman, no século XXI, mantém esta crença, acredita ele que este seja o
problema que limita a inteligência de nossos adolescentes. Será mesmo? Em nossa opinião o problema principal
na capacidade de pensar de um adolescente ou de um adulto é simples: não ver outras perspectivas de um
problema. A palavra “perspectiva” sugere três dimensões, não uma única direção, como pensam os lógicos
ainda hoje.
De qualquer modo, a lógica é o que chamo de “fitness” para o cérebro, um instrumento a mais para
movimentar a massa cinzenta e acelerar o pensamento, o que não é algo ruim.
Apresentamos dois grupos de testes:
Há uma série de pequenos exercícios que realizamos dois anos seguidos e são interessantes para fazer os
alunos refletirem demoradamente sobre relações: há quatro crianças para as quais devemos relacionar quatro
diferentes animais de estimação e nos são dadas pistas: o animal de Bobi não pode voar, o animal de Cal tem
pêlos e o de Debi, também e o animal de Debi não late. Assim, vai-se completando um quadro como o seguinte:
Pássaro Gato Cachorro Peixe
Amy
Bobi
Cal
Debi
Há outros: quatro crianças nasceram em diferentes países. Encontre quem nasceu em qual país, segundo as
seguintes pistas: Ana não nasceu na Europa, a língua de Debi não é o inglês, Ben não é das Américas e Cal não
é do hemisfério norte (é interessante lembrar os alunos que o hemisfério citado é o que está ao norte do
Equador!).
Mas, não parem aí, procurem na notícia ou em sua imaginação o porquê das causas anteriores:
Não vamos continuar com o exemplo, alongando-o, pois, acreditamos que o leitor já entendeu a proposta.
Se o nosso aluno tornar esta atividade (de perguntar pelos o porquês cada vez mais longínquos daquelas causas
mais imediatas) um hábito, temos certeza de que os tornamos filósofos, porque a filosofia busca as causas que
Aristóteles chamava de “primeiras”, na ordem dos acontecimentos, vamos dizer assim. Em geral, os alunos
acham divertido este exercício, embora alguns se cansem!, será o cérebro trabalhando, finalmente?
Moral da história:
Se podemos desconfiar dos sentidos, devemos evitar decidir antes de refletir bem, não?
PLANO DE DISCUSSÃO:
1) As coisas desaparecem quando não tem ninguém olhando?
1 ) Existem coisas que desaparecem independente de ter, ou não, alguém olhando? Que tal uma
poça d’água num dia de sol? Você pode dar outros exemplos?
2) Existem coisas que não desaparecem, mesmo que não tenha ninguém olhando? Que tal a
gravidade? Ou seu próprio corpo? Você pode dar outros exemplos?
3) Existem coisas que só desaparecerão se tiver alguém olhando? Que tal um roubo?
4) Existem coisas que desaparecerão se não tiver ninguém olhando? Que tal jóias?
5)Existem coisas que só existem se tiver alguém olhando? Que tal programas de televisão?
6)istem coisas que só existem se não tiver ninguém olhando? Que tal sua privacidade? (IPMAN, M.
Maravilhando-se com o Mundo, p.199)
EXERCÍCIO: As coisas existem quando não são observadas?
O Sol A chuva Sua Seus pensamentos
bicicleta
Seu Programa favorito O arco-íris Seus medos Seu jantar
na TV
Sua classe Sua família
Veja dois Planos de Discussão que poderão ser desenvolvidos com os alunos.
Plano de Discussão: Relações
1. Qual é a relação entre uma casa e um prédio de apartamentos?
2. Qual é a relação entre somar e subtrair?
3. Qual a relação entre semanas e meses?
4. Qual a relação entre Paris e França?
5. Qual a relação entre gelo e vapor?
6. Em que as relações são diferentes das coisas? E em que são iguais?
7. Se não existissem coisas, poderiam existir relações? E se não
existissem relações, poderiam existir coisas?
8. É possível existir uma coisa sem nenhuma relação?
9. Uma coisa pode ter uma relação dentro de si mesma? Você poderia
dar um exemplo?
(LIPMAN, M. Em Busca de Significados, p.77)
Plano de Discussão: Relações
1. Quando você pensa, você consegue pensar em coisas sem relações? Por
exemplo, você consegue pensar na sua cama sem pensar na relação com o
seu quarto, ou com você?
2. Quando você pensa, você consegue pensar em relações sem coisas? Por
exemplo, você consegue pensar em igualdade sem pensar em coisas que
são iguais? E em injustiça sem pensar em pessoas que são injustas?
3. Você consegue não pensar ou em coisas ou em relações? Se conseguir, pode
dar um exemplo?
4. Você consegue pensar, ao mesmo tempo, em relações e em coisas? Por
exemplo, você consegue pensar num amigo e, ao mesmo tempo, na relação
dele com você, com o quarto dele, com a família dele?
5. Pensar é uma questão de descobrir relações?
(Lipman, M. Em Busca de Significados, p. 73)
CONCLUSÃO