-Como que se escreve? -Ce, o, erre, ene, i, te, a.
O pai pensou um pouco. No podia dizer que no sabia. O garoto h muito descobrira que o pai no era o homem mais forte do mundo. Precisava mostrar que, pelo menos, no era dos mais burros. Perguntou como que a palavra estava usada.
-Aqui diz, "a cornita da igreja..." - respondeu o garoto. -Ah, esse tipo de cornita. um ornamento na forma de corno, que fica ao lado do altar. -Pra que que serve? -Pra, ahn, nada. um smbolo. -Ah..
***
-Pai, usei "cornita" numa redao e a professora disse que a palavra no existe. -O qu? Mas que professora essa? -Ela diz que nunca ouviu falar. - Pois diga para ela que "cornita", embora no faa mais parte da arquitetura cannica, era muito usada nas igrejas medievais. -T..
***
-Pai, a professora continua dizendo que "cornita" no existe. E diz que tmbem no se diz "arquitetura cannica". -Preciso ter uma conversa com essa professora. Essa educao de hoje....
***
-No quero desmentir a senhora. Mas tambm no quero ver meu filho duvidando do prprio pai. Para comear, minha senhora, aqui est o livro que o meu livro estava lendo. E aqui est a palavra. "Cornita". -Deixe eu ver. Obviamente, era para ser "cornija". um erro de imprensa. -O qu? -Um erro de reviso."Cornija". Ornamento muito usado na arquitetura antiga. "Cornita" no existe. -Pai, vamos para casa... -Um momento. Um momentinho! Claro que eu sei o que "cornija". Mas existem as duas palavras. "Cornija" e "cornita". Duas coisas completamente diferentes. -Ento me mostre "cornita" no dicionrio. -Ora, no dicionrio. E a senhora ainda confia nos nossos dicionrios? -Pai, vamos embora....
***
-O que isto, pai? -Um pequeno tratado que fiz para a sua professora, aquela mula, ler. Dezessete pginas. Pouca coisa. Nele, trao desde a origem etmolgica da palavra "cornita", no snscrito, at a sua simbologia no ritual da igreja antes do conclio de Trento, incluindo o nmero de vezes em que o termo aparece na obra de Vouchard de Mesquieu sobre a arquitetura cannica. E sublinhei "arquitetura cannica", para a mula aprender a jamais desmentir um pai. -Certo, pai..
***
-Pai... -O que ? -A professora leu o seu tratado. - E ento? -Mandou pedir desculpas. Diz que o senhor um homem muito etudito. -Erudito. -Erudito. Mandou pedir desculpas. a burra era ela. - Est bem, meu filho. Pelo menos agora ela sabe com quem est tratando.
Valera a pena. Valera at as noites perdidas inventando os dados do tratado. Sabia que acabaria convencendo a mulher com um ataque macio de erudio, mesmo falsa. Vouchard de Mesquieu. Aquele fora o golpe de mestre. Vouchard de Mesquieu. Perdera uma hora s para encontrar o nome certo. Mas estava redimido.