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ae marxista < Bee eee Eon “22 A crise na critica a Em cconomia politica JORGE GRESPAN* A importancia da critica empreendida por Marx 4 economia politica ultra- passa 0 mero confronto de duas teorias distintas, que poderia levar no maximo a comparacio e a avaliacao de qual delas seria mais coerente ou mais apta para explicar os acontecimentos e fendmenos tipicos do capitalismo. Ultrapassa mesmo 0 interesse em julgé-las pelo critério de sua atualidade, estabelecendo qual delas permite entender melhor as condigdes econémicas presentes, qual delas previu mais claramente 0 que ocorreu desde o século passado, ou ainda - qual delas se adapta melhor as expectativas e paradigmas intelectuais hoje imperantes. Muito mais do que tudo isso, a critica da economia politica € 0 meio privilegiado de penetrar no intimo da propria teoria de Marx, j4 que esta se constitui enquanto reelaboragao e inversao do significado das suas catego- tias fundamentais. Nesse sentido, nunca é demais recordar 0 subtitulo de O Capital e 0 titulo de obras anteriores, em que fica tao claro esse duplo carater da apresentagao. Em vez de apenas comparar exteriormente dois corpos teéri- cos auténomos, portanto, incumbe reconhecer seu vinculo necessério e proce- der a uma reconstituigéio dos elos conceituais de sua articulagao, relacionan- do-os a cada momento ao sentido global da critica. E 0 que este texto buscara realizar, ainda que dentro de seus limites inevitaveis. O carater constitutivo da critica na formulagao teérica de Marx é afirmado por ele mesmo, numa conhecida carta enderecada a Lassalle que vale a pena Jembrar e transcrever: seu livro “é simultaneamente exposi¢ao do sistema [da economia burguesa — JG] e, através da exposigao, critica do mesmo”.' Em * Professor do Departamento de Histéria da Universidade de So Paulo. ' Marx, K. Carta a Lasalle, 22/2/1858, Marx-Engels Werke (MEW), Berlim, Dietz Verlag, 1983, v. XXIX, p. 550, 94 © ACRISE NA CRITICAA ECONOMIA POLITICA primeiro lugar, temos que a exposicao é “simultaneamente” uma critica, na medida em que é uma “re-exposigdo” das categorias pelas quais a economia politica apreendia a sua realidade social. Em segundo lugar, é “através da exposi¢ao” que é feita a critica: nao ha dois discursos na obra de Marx, um expondo suas idéias e outro criticando as anteriores; ambos os processos cor- rem ao mesmo tempo no mesmo discurso, j4 que a “ex-posi¢ao” explicita inclusive as deficiéncias na teoria classica e a critica tem ndo s6 uma dimen- so negativa, mas também a positiva de elaborar idéias por contraposigaio as criticadas. A exposigio é critica, porque mostra, sob a nova ordem das catego- tias no pensamento de Marx, como a anterior, dos classicos, foi desmontada e remontada a partir de uma inverso ou alteracfo radical no significado de conceitos fundamentais. Por isso, a constante referéncia 4 economia politica nas obras de Marx niio é reflexo de um gosto de antiquario, mas constitui o ponto de partida para se entender que essa alterago ocorre pela revelagdo de que as contradigdes em que ela se achava mergulhada eram insoltiveis dentro de seu horizonte teérico. E como se a critica fosse, nesse sentido, uma autocritica da prépria economia politica, correspondendo ao projeto marxiano de nao dirigir a ela uma condenagao exterior, mas de fazer com que ela mesma expo- nha suas limitagGes e os obstaculos que a impedem de superd-las. Ha, portanto, uma relagao dialética entre a exposigao e a critica, que fica evidente no seguinte comentrio dirigido a Engels sobre um livro que Lassalle escrevia aquela época: “Ele saberd, para seu prejuizo, que levar uma ciéncia através da critica até 0 ponto em que ela pode ser exposta dialeticamente € uma coisa totalmente diferente de aplicar um sistema abstrato acabado da Idgica a metas nugdes de tal sistema”? Aqui Marx ceusura a Lassalle que ele estivesse pensando em “aplicar” a légica de Hegel ao entendimento da econo- mia (coisa que erroneamente alguns supSem ter feito o proprio Marx), pois desse modo contetido e forma da obra seriam independentes um do outro, contrariando a propria dialética, Mas 0 que mais interessa no texto citado é a fungao da critica como requisito da “exposig&o dialética” de uma ciéncia: essa forma légica se apresenta no processo (“levar uma ciéncia”) de critica, ou seja, € a critica que permite 4 exposicao assumir a forma dialética, Por outro Jado, nao se trata de uma critica qualquer, mas da que vai “até um ponto” determinado, a partir do qual os préprios conceitos da ciéncia resultam em seus opostos. Se inicialmente a critica aparece como exterior 4 economia po- litica, que € s6 “levada” por ela, depois desse “ponto” especifico sao os con- ceitos dela que se apresentam “dialeticamente” e a critica se determina por seu movimento préprio. Se no primeiro sentido a “critica” € um requisito da for- * Idem, Carta a Engels, 19/2/1858, MEW, v. XXIX, p. 275. CRITICA MARXISTA © 95 ma dialética da exposigao, é para depois aparecer como conseqiiéncia dessa forma mesma, isto é, do movimento em que os conceitos da economia politi- ca se desenvolvem “até 0 ponto” em que exigem sua prdpria transformacao. A “dialética” surge justamente nesse movimento interno da ciéncia, e nao da mera “aplicacdo de um sistema de légica” independente dela, como pretende Lassalle no comentario de Marx. A primeira tarefa da critica é, entao, a de levar As tiltimas conseqiiéncias as definigdes tedricas da economia classica, indicando-lhes as inconsisténcias. A resolugao destas demandard, a seguir, 0 surgimento de novas categorias, a mudanca no significado de algumas das antigas, a desmontagem do sistema de articulagGes entre elas, como conseqiién- cia do aparecimento de novas significagdes, e a remontagem do sistema con- forme estas Ultimas. Tais questdes aparecem todas exemplarmente tratadas na critica a Ricardo, para Marx 0 tiltimo grande economista politico, que teve o mérito de enfrentar o problema da teoria do valor-trabalho e de corrigir alguns defeitos da teoria de Smith, ao mesmo tempo em que desenvolveu até certo ponto uma concep- co critica do capitalismo, presente em sua teoria do lucro ¢ na da tendéncia & queda da taxa de lucro. Além disso, em Ricardo sao claras as virtudes de toda a economia inglesa, mas também seus defeitos metodolégicos, alvo de obser- vagGes importantes para se entender o método do préprio Marx. Daf que este Ultimo considere a sua critica a Ricardo como ao que havia de melhor na tradigdio classica, de modo que ela pode ser vista como sintese do conjunto da sua critica 4 economia politica. Por esses motivos, além da evidente necessi- dade de circunscrever melhor 0 tema, o presente texto se concentrara nesta critica, remetendo para a mais ampla quando for 0 caso. Assim, na medida em que defende uma perspectiva dialética da elabora- Go tedrica, Marx condena a auséncia completa dessa perspectiva em toda a economia politica. Mais exatamente, “em Ricardo, a unilateralidade vem de ele querer em geral demonstrar que as diversas categorias ou relagdes econd- micas ndo contradizem a lei do valor, em vez de, ao contrario, desenvolvé-las junto com suas contradigdes aparentes a partir deste fundamento ou expor 0 desenvolvimento desse fundamento mesmo”. Especificamente, a “unilatera- lidade” se refere aqui 4 énfase exagerada dada por Ricardo ao tempo de traba- Iho como fundamento do valor, numa abstragio da qual ele é incapaz de sair para em seguida derivar a expressdo do valor na troca de duas mercadorias. Tal censu- ra, contudo, é estendida por Marx ao método de Ricardo em geral, em que concei- tos de base e conceitos deles deduzidos nfo sao distintos por uma exposigao que seguisse essa ordem, mas colocados, ao contrario, num mesmo nivel teérico. 3 Idem. Theorien tiber den Mehrwert, Il, MEW, v. 26.2, p. 146, 96 * A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA Eliminam-se, com isso, as mediagGes do necessario desenvolvimento categorial, impedindo, por exemplo, que fendmenos visiveis e externos possam ser ex- plicados como manifestagao de um fundamento operante e intimo. De acordo com Marx, essa deficiéncia se deve a dificuldade, compartilhada por Ricardo com toda a economia politica, de conceber resultados que contrariem seus Ppressupostos, ou que passem por conceitos intermedidrios contradit6rios. No fundo, portanto, trata-se de uma deficiéncia da légica formal tradicional em que se apdiam os classicos. A exposigao s6 pode seguir 0 desdobramento com- pleto e complexo das categorias, se se dispuser a “desenvolvé-las junto com suas contradigdes aparentes a partir desse fundamento”, isto 6, conforme a légica dialética. Nao é 0 caso aqui, porém, de nos determos na consideragao desse as- sunto amplo e complicado, que também nao é 0 tema do presente texto. O que se deve observar, do ponto de vista metodolégico, é que a forma de exposi¢aio das categorias adotada por Marx requer que estas se deduzam da prépria contradica0 entre elas e seu fundamento. E a riqueza dos aspectos diferentes e opostos desse fundamento que se desenvolve, pela explicitagao da sua oposicio interna em. categorias conflitantes, gerando-se um processo necessario de “ex-posi¢ao”. Por outro lado, ele afirma que “a economia politica analisou, é verdade, embora imperfeitamente, o valor e a magnitude do valor e descobriu o conteti- do oculto nestas formas. Mas também ela nunca sequer colocou a pergunta de por que este contetido adota aquela forma, por que o trabalho se apresenta no valor, e a medida do trabalho, conforme sua durago, na magnitude de valor do produto do trabalho?” Marx reconhece 0 mérito de Ricardo ao penetrar na forma da troca de mercadorias, para descobrir que a substincia que torna idén- ticos e compardveis os produtos de trabalho é justamente o trabalho que os produziu, e também que a magnitude desse valor dos produtos depende da quantidade do trabalho necessdrio para produzi-los. Ou seja, que a propor¢aio entre os valores-de-troca seja determinada de acordo com a quantidade dessa substancia que cada produto possui ja antes do ato de troca. Mas ele observa que Ricardo nao consegue fazer o caminho inverso, passando do lado interno do valor, seu “contetido oculto”, ao lado externo, isto 6, ao valor-de-troca como manifestagao das determinagdes do trabalho ¢ de sua magnitude, O que aqui se evidencia é a dificuldade ricardiana na ex-posi¢o, em que o desenvol- vimento das categorias se ressente da figura nao-dialética da relagdio entre contetido e forma, fundamento interno e manifestag’o externa, Como ele con- cebe tal vinculo diretamente, sem mediagées, parece-lhe inevitavel que 0 con- tetido-trabalho adote sempre a forma valor-de-troca, nao se perguntando pelas mediages entre ambos, pela relagdo especifica entre eles. E isso exatamente “Idem. Das Kapital, |, MEW, v. 23, p. 94-5. CRITICA MARXISTA * 97 porque sua concep¢ao do valor é “unilateral”, detendo-se apenas na dimensio quantitativa, sem examinar a qualitativa, ou, em outras palavras, detendo-se no que se refere ao valor-de-troca, desconsiderando o valor-de-uso. E s6 le- vando em conta ambas dimensGes que se pode entender o movimento de exteriorizago da oposigao interna 4 mercadoria na relagao de troca entre duas mercadorias, na qual uma aparece como se fosse simplesmente valor-de-uso e a outra como se fosse mero valor. K s6 apreendendo o contetido como um fundamento contraditério, em que se opdem valor e valor-de-uso, que se pode explicar a troca como expresso dessa oposi¢ao, exteriorizada nas duas mer- cadorias intercambiaveis. Mais do que simplesmente 0 valor, o fundamento de que aqui se trata é 0 substrato do proprio valor, é 0 trabalho. Assim, Marx atribui a separago ab- soluta entre valor e valor-de-uso feita pelos classicos a uma insuficiente apreen- sao de seu substrato: “No que diz respeito, porém, ao valor em geral, a econo- mia politica classica nao distingue expressamente e com clara consciéncia em Jugar algum o trabalho, como se apresenta no valor, do mesmo trabalho, con- forme se apresenta no valor-de-uso de seu produto. Naturalmente, ela faz de fato esta diferenca, pois considera o trabalho ora quantitativa ora qualitativa- mente. Mas nao lhe ocorre que a simples diferenga quantitativa dos trabalhos pressupée sua unidade ou igualdade qualitativa, sua redugao a trabalho huma- no abstrato”.> A economia politica apresenta, desse modo, a diferenga entre valor-de-uso e valor unicamente em funcio da diferenca entre 0 aspecto qua- litativo e o quantitativo do trabalho, incorrendo na simplificagio de isolé- los, separando-os completamente. A relaco entre eles permite justamente a objecaio de Marx, que descobre, por tras da diversidade qualitativa das merca- dorias, no sentido de sua materialidade e utilidade, a identidade qualitativa que possibilita a comparagio das quantidades. Ou seja, ele descobre que a quantidade é de uma substancia especifica que as mercadorias tem em distinta magnitude —o valor. Nao se pode, entio, colocar de lado 0 aspecto qualitativo do trabalho, como algo a ser abstrafdo totalmente do valor, pois assim este se reduziria a mera quantidade; trata-se, isto sim, de determinar a qualidade co- mum que, distinta das diversas qualidades materiais, identifica as mercadorias e permite sua troca. Em vez de isolar as duas dimensées, portanto, a economia politica deveria estabelecer sua relagaio, sem que esta fosse uma simples igualda- de: para Marx, qualidade e quantidade constituem um nexo dialético no qual se diferenciam e, por outro lado, se identificam. Da mesma maneira deve-se conce- ber a relagdo entre valor e valor-de-uso, unidade contraditéria que busca sempre se resolver, mas sempre se repde sob novas formas. > Idem, ibidem, p. 94, nota 31. 98 * A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA A forma como esses resultados sao alcangados permite refletir sobre a relacao entre as teorias de Marx e Ricardo, sobre como o primeiro concebe um vinculo dialético entre a sua formulagao da categoria de valor-trabalho e a da economia politica em geral. Ele mesmo constata: “Esta dupla natureza do trabalho contido na mercadoria foi demonstrada criticamente primeiro por mim’.° Nao se trata, entio, simplesmente de uma demonstracao, mas de uma demonstragéo “critica”: a referéncia aos economistas classicos que, como Ricardo, nao fazem a distingo entre as duas naturezas do trabalho, tem de se apoiar no fato de eles tematizarem a diferenca entre valor e valor-de-uso, mas deve censurd-los, por outro lado, por nao terem dai percebido que tal diferen- ¢a jd existia no proprio trabalho criador de valor e de valor-de-uso. De acordo com Marx, por terem confundido essa distingao com a existente entre quanti- dade e qualidade, os economistas classicos nao conseguiram entender a forma do valor, o que os impediu, dai, de deduzir as categorias decorrentes, como forma-equivalente ¢ forma-relativa, dinheiro e mercadoria em geral. Mas, “o motivo nao € s6 que a magnitude do valor absorve completamen- tea sua atencdo. Ele é mais profundo. A forma-valor do produto do trabalho é a forma mais abstrata e também a mais geral do modo de produgiio burgués, que por este meio € caracterizado como um tipo especifico de produgao social, €, com isso, simultaneamente como um tipo histérico. Daf que, se ela for tomada (versieht) como forma natural eterna da producto social, entdo se passard por alto (iibersieht) necessariamente pela especificidade da forma- valor, portanto, da forma-mercadoria desenvolvida em seguida em forma-di- nheiro, forma-capital etc...”.7 A “forma” a que esse texto se refere nado éa que © valor assume na dedugio categorial, mas o préprio valor como forma social do trabalho contido nas mercadorias. A dificuldade de Ricardo de deduzir aquelas formas-valor antes mencionadas, como a relativa ou a equivalente, decorre desta outra, mais profunda, em conceber o valor como algo historica- mente especifico, nao natural. Mas é impossivel concebé-lo assim se se define o fundamento do valor como trabalho apreendido somente em sua dimensaio quantitativa. Qualitativamente, porém, o valor se determina como forma so- cial assumida pelos produtos do trabalho realizado em condigGes mercantis e capitalistas, e nao como um atributo material-natural inerente ao trabalho em qualquer situagao histérica. A critica de Marx, portanto, concerne a incapaci- dade de os economistas cldssicos perceberem a dimensao historicamente de- terminada do valor e do trabalho na sociedade mercantil-capitalista, acredi- “Idem, ibidem, p. 56, 7 Idem, ibidem, p. 94-5, nota 32. CRITICA MARXISTA * 99 tando que, ao contrario, o trabalho é sempre igual ¢ cria naturalmente valor, como se fosse por uma propriedade material sua. A distingao do duplo carater do trabalho em Marx tem a ver, entdo, com sua critica constante 4 economia politica por esta conceber seu objeto como coisa a-historica, eterna, universal. Daf que as formas subseqiientes — dinheiro, capital — nao sejam desenvolvidas pelos classicos a partir da forma-mercadoria, sendo definidas também como objetos naturais presentes em qualquer tipo de sociedade. O problema da incapacidade dos economistas em estabelecer a relagdo entre a forma-mercadoria e as demais formas-valor mencionadas, porém, de- corre da sua dificuldade em definir precisamente ja aquela primeira forma, ieduzida alids até hoje cm scu jargiio ao termo “bem”. Essa confusao tem graves conseqiiéncias, como observa Marx: ““Produtos’, diz Ricardo seguin- do Say, ‘so sempre comprados por produtos ou servigos; 0 dinheiro é s6 0 meio pelo qual a troca € realizada’. Aqui, portanto, primeiro se transforma a mercadoria, na qual existe a oposigdo entre valor-de-troca e valor-de-uso, em mero produto (valor-de-uso) e, dai, a troca de mercadorias em mera permuta de produtos, meros valores-de-uso”.* Ao nao definir o valor como forma social historicamente especifica, escapa de Ricardo que também a mercadoria tenha uma tal determinagao: do mesmo modo que os demais economistas classicos, para ele a mercadoria se define como produto de um trabalho humano univer- sal, realizado em qualquer situaco social. E Marx que distingue a particula- ridade da forma-mercadoria, como produto para o mercado, que niio existe sempre, mas apenas sob certas condigdes histéricas. Ricardo, porém, nfo faz essa distingao e considera a mercadoria como simples valor-de-uso, abstrain- do o valor-de-troca e com isso’sendo incapaz de estabelecer a relagao da mercadoria com o dinheiro. Assim como toda a economia politica, ele repu- dia a perspectiva mercantilista de que o dinheiro é algo especial, intrinseca- mente diverso da mercadoria, adotando a posi¢ao inversa, de que o dinheiro é simplesmente idéntico a ela. Em Marx, por outro lado, mercadoria e dinheiro nao sio nem meramente diferentes, nem somente idénticos; ha uma relagdo de oposigao entre ambos, por sua vez exteriorizacaéo da oposi¢ao interna a mercadoria, que faz a forma-dinheiro se “deduzir” dialeticamente da forma- mercadoria. Mais ainda, a oposigao entre as duas formas se desdobra numa nova opo- sigdo, conforme se passe da mercadoria ao dinheiro — venda — ou do dinheiro & mercadoria — compra, diferenga também nao percebida por Ricardo, porque © intercambio de mercadorias € confundido com “mera permuta de produ- tos”, sem mediago de dinheiro, alids, para ele, id@ntico & mercadoria. No ® Idem, Theorien uber den Mehrwer, I, p. 501. 100 * A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA quadro dessas oposigdes, Marx assim explica as crises: “nos momentos em que todas as mercadorias sao invendaveis ha de fato mais compradores do que vendedores de uma mercadoria, 0 dinheiro, e mais vendedores do que compradores de todo outro dinheiro, as mercadorias” .” A distingao dialética de dinheiro e mercadoria permite entender por que em certos momentos todos querem obter a expressao universal do valor — 0 dinheiro — para poder com- prar os valores-de-uso que lhes satisfagam as necessidades de consumo; e também por que todos querem se desfazer das mercadorias que produziram, pois nado as produziram para o préprio consumo e sim para vender. Aparece aqui, em primeiro lugar, a distingao entre produto e mercadoria, isto é, entre produzir para si e produzir para o mercado, j4 que, se fossem meros produtos, as mercadorias nao necessitariam ser vendidas. Aparece aqui também a dife- renga entre mercadoria e dinheiro, contrariando a identidade af vista pelos economistas classicos e afirmando-se 0 carater de expressdo universal do va- lor, pelo dinheiro, e o de expressao geral do valor-de-uso, pela mercadoria, Aparece aqui, finalmente, a distingZo entre compra e venda, pois ambas nao se realizam simultanea e proporcionalmente como agao e reacao, havendo, ao contrério, uma pressao maior para comprar do que para vender mercadorias. Ao contrério, “em Ricardo também é basica a proposi¢do de James Mill, examinada por mim, do ‘equilibrio metaffsico de compras e vendas’ — um equilibrio que vé apenas a unidade mas nao a separagio no processo de com- pra e venda”."° A economia politica afirmava a proporcionalidade necesséria entre compras e vendas, decorrente dos pressupostos de identidade entre di- nheiro e mercadoria ou entre mercadoria e produto, como vimos. Essas iden- tidades, porém, constituem uma perspectiva “unilateral” da relagdo entre os objetos considerados, resultando num quase postulado de equilfbrio entre com- pra e venda. Levando em conta, por outro lado, que a identidade naquelas relagGes é dialética, entao ela se determina na oposic¢ao entre os termos, em que é igualmente fundamental a sua diferenga. E a desconsideracao da dife- renga por Ricardo que o leva a endossar a tese do equilibrio de James Mill, como se vender e comprar fossem um mesmo ato realizado simultaneamente por duas pessoas distintas, como se uma delas nao pudesse reter o dinheiro em suas maos por algum tempo, nao comprando mercadorias imediatamente apds ter vendido a que ela mesma produziu. A existéncia do dinheiro, portanto, ou seja, a impossibilidade de reduzir 0 intercémbio de mercadorias a escambo de produtos, significa que a distingao entre compra ¢ venda se manifesta efetiva- mente como “separagao no processo” real da passagem de uma fase a outra. O ? Idem, Zur Kritik der Politischen Okonomie, MEW, v. XIll, p. 78. 1 Idem, Theorien tiber den Mehrwert, Il, p. 504. CRITICA MARXISTA © 101 desequilibrio possivel entre as magnitudes de compra e venda configura, por- tanto, tal “separagao” e constitui j4 uma crise econémica. De fato, retomando a oposig&io entre compra e venda, Marx diz: “Se a compra e a venda — ou 0 movimento da metamorfose da mercadoria — expe a unidade de dois processos, ou melhor, o percurso de um processo por duas fases opostas, sendo assim a unidade de ambas as fases, ela é igualmente a separac&o destas mesmas ¢ sua autonomizacao uma diante da outra. [...] Mas, como elas se co-pertencem, a autonomizagio dos momentos co-pertencentes s6 pode aparecer violentamente, como um processo destrutivo. E justamente acrise, na qual sua unidade se verifica, a unidade dos diferentes”.'' Pela cla- reza com que se expéem dialeticamente as proposigdes desse texto, devemos analisd-lo com algum detalhe. O “percurso” da circulagaio de mercadorias é cha- mado de “metamorfose” por Marx, com a troca das formas-valor, dinheiro e mercadoria, que caracteriza a compra e a venda. O movimento completo da circulagao determina cada fase como momento do processo total, de modo que cada uma se define pela relacao com a outra: cada fase determina 0 que a outra é — incluindo-a em si—mas negativamente, ou seja, como sendo aquilo que ela mesma nao é; e assim cada fase € definida pela outra, mas como seu oposto — incluida na outra e excluindo-se desta por oposigéo. A venda se define por referéncia 4 compra, mas como seu contrario; e vice-versa. A pré- pria unidade das duas fases as determina como diferentes e relativamente au- ténomas, permitindo que se separem e que 0 processo global da circulagiio se interrompa. Mas acrise nao é simplesmente essa separagao e autonomia da venda e da compra, € sim 0 inverso. Por isso, 0 raciocinio de Marx prossegue: “Os eco- nomistas que negam a crise insistem, portanto, s6 na unidade destas duas fases. Se elas fossem apenas separadas, sem serem uma, entiio ndo seria pos- sivel o estabelecimento violento de sua unidade, a crise. Fossem elas apenas uma, sem ser separadas, ent&o nao seria possfvel uma separagao violenta, que novamente é a crise. Ela € 0 estabelecimento violento da unidade entre mo- mentos autonomizados e a autonomizagio violenta destes, que essencialmen- te séo um”.!? A autonomizagio das “metamorfoses” nao decorre por elas se- rem distintas por principio, e sim porque se opdem, isto é, porque estao numa relacio que as une simultaneamente separando-as. Por isso, quando se afirma pela interrupgao do percurso da circulacdo normal, a autonomia contradiz a unidade na qual se baseia; ¢ a crise é a manifestagiio real dessa contradi¢aio. A crise nao se define, assim, simplesmente pela diferenga e separaciio de venda ™ Idem, ibidem, p. 501-2. 2 Idem, ibidem, p. 514. 102 © A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA compra, mas pela unidade intima e necesséria deles, que se explicita pela impossibilidade de sua autonomia plena. Daf nela se “verificar” ou “estabele- cer violentamente” a unidade ¢ nao a distingdo dos dois momentos. Sé que € uma unidade contraditéria que determina a autonomizagio daquilo por ela unido, negando a si mesma. Nessa nova forma de pensar as categorias econémicas, a afirmagao da unidade das determinag6es nao implica excluir sua diferenca, como em Ricardo. Ao contrario, a unidade final resulta de sua passagem pela mediagao da dife- renga, da afirmagao da co-pertinéncia dos momentos que se autonomizam devido & prépria co-pertinéncia. Como “verificagdo” ou realizacao da unidade dos diferentes, a crise € 0 instante em que se explicita a contradigao funda- mental do capitalismo, e seu conceito € o que revela a apreensao desse sistema como constituido por essa contradigao. Essa primeira definigdo de crise, jana esfera da circulagao simples de mercadorias, passa totalmente despercebida de Ricardo, por sua adesio & proposicao de “equilibrio metafisico” entre com- pras e vendas e sua insuficiente distingao entre dinheiro ¢ mercadoria, como vimos. E jd neste ponto se exerce a critica de Marx a ele, superando sua “unilateralidade” por meio de uma perspectiva dialética. Pode-se comegar a perceber, entio, a relevancia do conceito de crise nesta critica da economia politica, pois a crise é a manifestacao real do carater contraditério do capital, de modo que seu conceito implica uma total reformulagao também no concei- to deste ultimo. Mesmo em Marx, contudo, o proprio significado da crise € limitado, nesse nivel da exposigao das categorias, a uma simples possibilida- de de interrupgao da circulagaio mercantil, sem que se possam determinar as condicées de sua efetivacao. Para tanto, a exposigio deve avancar, explicando a situagio histérica em que a fonte mesma do valor — a forga de trabalho — se torna mercadoria, pas- sando a circular por fases de compra e venda, trocando-se por dinheiro-sala- rio. Nao é preciso, certamente, reconstituir aqui essa to conhecida explicagao de Marx. O que é interessante enfatizar é sua concepgao dialética da relagao de capital e trabalho assalariado, em que o primeiro rebaixa 0 segundo a mo- mento de uma totalidade composta por ele, capital; mas, ao mesmo tempo que assim o inclui em si, também 0 exclui de si, opondo-se como trabalho objetivado ao trabalho-sujeito da criagao de valor. Novamente neste ponto, ele aponta confusées na concepedo ricardiana do capital: “Em vez do trabalho, ele deve- ria ter falado da forca de trabalho. Mas, com isso, 0 capital teria se apresenta- do como as condigdes materiais de trabalho, que se defrontam ao trabalhador como processo autonomizado. E o capital teria logo se apresentado como relagao social determinada. Para Ricardo, ele se distingue apenas como tra- balho acumulado, do trabalho imediato. E é uma simples coisa, simples ek mento no processo de trabalho, do qual a relagéo do trabalho e capital, salé- CRITICA MARXISTA # 103 tios € lucros, jamais pode ser desenvolvida”.'* A “forca de trabalho” é a mer- cadoria em que se converteu o trabalho despojado dos meios de produgio pelo capital, numa “relagdo social determinada” historicamente, nao vista por Ricardo. Por isso, o capital permanece para ele como “simples coisa”, “stock” de instrumentos de producao usados sempre, independentemente das condi- Ges sociais especificas desse uso. Mas desse modo Ricardo nao pode conce- ber que o capital seja uma relagao social, e mais, uma relagao definida pela polaridade contraditéria entre o proprio capital e a “forga de trabalho”. Nessa mesma passagem, contudo, pode-se perceber 0 ponto que Marx considera positivo na formulacao ricardiana, isto é, que o capital é “trabalho acumulado”, produto do trabalho, portanto. Daf que Ricardo, ao contrario de Say e dos economistas chamados por Marx de “vulgares”, nao tenha admitido que 0 capital fosse fonte aut6noma da criagao de valor, sendo 0 lucro a sua remuneragio. O problema que ele enfrentou, entio, era o da distribuicaio do valor total produzido entre o salério do trabalhador e 0 lucro do capital. Mas esta limitagdo do seu problema expée, por outro lado, o que ele deixou de Jado: “Ricardo nao se ocupa jamais da origem da mais-valia. Ele a trata como uma coisa inerente ao modo de produgao capitalista, a forma natural da produ- cao a seus olhos”.'* Sem pensar o vinculo entre capital e trabalho assalariado enquanto relagao social contraditéria, 0 problema do lucro é mal formulado e respondido por Ricardo, de acordo com Marx. Sem pensar o trabalho assalariado a partir da oposigaio polar para com o capital, ele nao percebe a distingao entre forga de trabalho e trabalho. Dai que, apesar de ter indicado a diferenga entre 0 valor criado pelo trabalho para o capital ¢ o valor da forga de trabalho, ele nao deduza o conceito de “mais-valia” e nao defina claramente aquela diferenga como uma taxa de exploracio do trabalho pelo capital. Ele nao vé como problema “a origem da mais-valia”, s6 a sua distribuigaio. Mas sem resolver bem o problema da “origem” também o da distribuigao se torna dificil. Assim, “para ele é um fato que o valor do produto é maior que o valor dos salarios. Como surge este fato nao fica claro. A jornada de trabalho total € maior que a parte da jornada requerida para a producao dos salarios. Por qué? Nao se salienta. A magnitude da jornada de trabalho total é, por isso, erroneamente suposta como fixa, do que seguem diretamente conseqiiéncias erradas”.'® Na me- dida em que nao se ocupa da “origem” da mais-valia, Ricardo aceita como “um fato” natural que exista um excedente de valor do produto sobre a parte referente aos saldrios, ao valor da forga de trabalho. Parece assim que a produgao é um "Idem, ibidem, p. 403. * Idem, Das Kapital, 1, p. 539. 'S Idem, Theorien diber den Mehrwert I, p. 408. 104 ® A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA problema meramente técnico, natural, de modo que também o € a distribuigao do valor de suas partes componentes. Nesse caso, se interessam mais as proporges dos valores a serem distribuidos do que suas magnitudes absolutas, trata-se ape- nas de supor uma jornada de trabalho de duragao fixa para investigar como va- tiam as magnitudes uma em relacao & outra. Evidentemente, uma parte s6 pode aumentar se a outra diminuir, de modo que o tinico meio de elevar o lucro e incentivar a acumulacao de capital é diminuir o salério, medido pelo valor dos meios de vida. Ricardo afirma, portanto, que s6 quando esse valor cai, devido ao aumento da produtividade dos setores econémicos produtores de meios de vida consumidos pelo trabalhador, principalmente a agricultura, é que pode diminuir o salario real e crescer em proporgao inversa o Iucro. Mas essa variagdo proporcional corresponde exatamente & definigao marxiana da mais-valia “relativa”, que é a tinica forma tematizada por Ricardo. Ao fixara duragao da jornada de trabalho, ele nao vé que a mais-valia também pode crescer de forma absoluta, sem que baixe o valor da forca de trabalho, simplesmente por se aumentar o tempo de trabalho excedente, prolongando a jornada inteira. Reduzindo seu problema & distribuigdo, ele se desinteressa pelo montante dos valores, ndo formulando o conceito da mais-valia “absolu- ta”, a forma geral da mais-valia para Marx, que revela o cardter de oposi¢iio entre capital e forca de trabalho. Marx reconhece seu mérito em ter destacado a mais-valia “relativa”, mas reprova que ele sé tenha elaborado esse conceito, sem perceber a mais-valia em si mesma, na sua forma geral, “absoluta”. As “conseqiiéncias erradas” advindas dessa confusio referem-se a essa, que obscu- rece a exploracio da forga de trabalho pelo capital e também que no capitalismo a produtividade do trabalho decorre da sua subordinagio real ao capital e nao de processos naturais. Por tudo isso, o excedente de valor parece nao surgir da exploragiio capi- talista, como fica evidente no conceito de mais-valia “absoluta”, e sim de um “fato” independente de qualquer relacdo social especifica, que se expressa imediatamente na forma do lucro. O aumento ou diminuigio da proporgao entre mais-valia e trabalho pago, que é realmente a taxa de exploragéo do trabalho pelo capital, aparece travestido de variacao entre lucro e salario devi- da a alteragdes técnico-naturais da produtividade do trabalho, uma taxa de lucro socialmente neutra na origem, embora nao nos resultados distributivos (donde a esquerda ricardiana). Marx conclui sua objegiio: “Como ele identifi- ca mais-valia com lucro, ele quer demonstrar conseqiientemente que eleva- Ges e quedas da taxa de lucro dependem apenas das condi¢des que fazem a taxa de mais-valia se elevar ou cair”.'* Resolver as “conseqiiéncias erradas” "6 Idem, ibidem, p. 378-9. CRITICA MARXISTA © 105 da falsa identificagio de mais-valia e lucro por Ricardo, implicou para Marx, como se sabe, enfrentar 0 complicado problema da transformagio de valores em pregos, problema cuja dimensao e profundidade escapam as limitagdes do presente ensaio. Assim, prosseguindo na linha de pensamento que aqui se desenvolve, a andlise do texto citado implica destacar que a diferenga entre mais- valia e lucro decorre, para Marx, da diferenga entre taxa de mais-valia e taxa de lucro. Ou seja, 0 excedente é apreendido de maneira diversa conforme ele seja considerado como produto direto da relagao social contraditéria entre capital e forca de trabalho ou como resultado de transformagées nas condigSes da produ- ¢4o, nas quais se leva em conta nao s6 a forga de trabalho como os meios de producdo em que se materializa o capital. No primeiro caso, sé a parte varidvel do capital é considerada na proporgdo ao excedente de valor; no ultimo, é o capital total, vale dizer, a soma do capital varidvel e o capital constante. Tais conceitos sao formulados, no entanto, apenas por Marx e como criti- caa Ricardo, que pensava ser necessério eliminar o capital constante (“fixo”, em sua terminologia) da conta do capital social global, ja que o capital é sempre “trabalho acumulado”, sendo o capital constante de alguns setores varidvel para outros. De qualquer maneira, igualadas as duas taxas, as “condi- ges que fazem a taxa de mais-valia se elevar ou cair’”’ se resumem para Ricardo em alteragGes de salério, uma vez que ele supde constante a jornada de traba- lho. VariagSes no tempo de trabalho necessério para repor o valor dos saldrios implicariam, portanto, variagdes inversas no tempo ndo-remunerado, isto é, no lucro. Seriam aumentos de saldrio que diminuiriam o lucro e, com isso, a taxa de lucro. Mas essa relagao da mais-valia com o capital varidvel é a taxa de mais-valia, para Marx, e nao ade lucro. Ao confundi-las, Ricardo desconsi- dera a relagio entre a parte varidvel e a constante do capital, a “composigao organica” do capital, conceito que se sabe ser tao importante na teoria marxiana, sem 0 qual nio se pode entender a transformagio da mais-valia em lucro. Sem ela, nao hd “transformagao” propriamente dita, mas identidade entre as duas formas de expressio do excedente de valor. Assim, a critica de Marx a Ricardo prossegue, “[...] onde ele expGe corre- tamente as leis da mais-valia, ele as falscia, declarando-as imediatamente como leis do lucro. Por outro lado, ele pretende expor as leis do lucro imediatamente como leis da mais-valia, sem os termos médios”.'’ Aqui Marx aponta mais uma vez para a dificuldade de Ricardo na exposicao das categorias de sua teoria, observada antes, pois nao ha dedugio de conceitos derivados a partir de conceitos fundamentais — do lucro a partir da mais-valia ou da mais-valia relativa a partir da absoluta. Mais ainda, porém, os “termos médios” que pre- *7 Idem, ibidem, p. 376. 106 ¢ A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA sidem a “transformagao” de mais-valia em lucro se referem aos elementos da “composi¢ao organica” do capital, isto é, 4 relagdo entre o capital constante e o varidvel. E essa relagao, por sua vez, remete ds condigGes técnicas da produ- ¢4o, determinadas nio pela natureza simplesmente mas pela forma social com que esta tiltima é dominada, ou seja, & subordinagao da propria forea de traba- tho ao capital. Tal subordinagao é exercida pela imposic¢ao do meio de produ- ¢4o ao trabalhador e, no limite, pela substituigao deste por aquele, configuran- do uma tendéncia capitalista em elevar a “composigio organica” como ex- pressao real da oposi¢ao do capital 4 forga de trabalho. Est&o dados, com isso, os elementos componentes do enunciado da co- nhecida “Ici” de tendéncia 4 queda da taxa média de lucro, da qual quero aqui destacar um aspecto especffico: “A queda tendencial da taxa de lucro é ligada a uma alta tendencial da taxa de mais-valia. [...] Ambas, a alta da taxa de mais-valia e a queda da taxa de lucro, sao apenas formas especificas nas quais se expressa de modo capitalista a produtividade crescente do trabalho”.!8 A produtividade do trabalho no capitalismo se eleva, para Marx, com o aumento da “composicao organica”, isto é, com um emprego cada vez maior de meios de produgao em proporgiio ao trabalho e o correspondente aumento na propor- ¢4o do valor do capital constante perante o do varidvel. E como esses dois elementos componentes da “composigao orgdnica” sao os que distinguem a taxa de mais-valia — que leva em conta sé 0 capital varidvel — da taxa de lucro — que considera também o capital constante —, o aumento da “composigao” produz diferentes efeitos sobre cada uma das taxas. Supondo que caia o valor do capital variével e que se mantenha igual o do excedente, a taxa de mais- valia pode subir ao mesmo tempo em que cai a taxa de lucro, se aquelas condi¢ées forem acompanhadas pelo aumento do valor do capital constante. Ambas as taxas sdo, contudo, “apenas formas especificas nas quais se expressa de modo capitalista a produtividade crescente do trabalho”, ou seja, simplesmente expresses diversas do mesmo fendmeno, distintas formas de medi-lo. Mas essa mera diferenca das duas medidas se apresenta como oposiciio, quando elas se movimentam em sentido inverso sob a influéncia da mesma causa. Assim, 0 crescimento da “composi¢io organica” leva a taxa de mais-valia a subir e a de lucro a cair, rompendo o paralelismo das duas medidas da valorizagio do capital € colocando-as numa oposigiio que contradiz o objetivo de valorizag&o ¢ acumu- Jaco permanente. Configura-se, com isso, uma crise econémica, definida agora de modo mais complexo e concreto como queda tendencial da taxa de lucro. Novamente esta em jogo uma oposicao dialética na estrutura de movi- mento do capital, mas nao mais apenas como possivel interrup¢do no percurso 18 idem, Das Kapital, II], MEW, v. 25, p. 250. CRITICA MARXISTA © 107 da circulagio de mercadorias, e sim como desvalorizagao efetiva de capital, necessariamente determinada por sua natureza contraditoria, E de nada adian- taconstatar, como faz Ricardo, que a queda da taxa de lucro pode nfo significar uma queda na massa do lucro acumulada, de modo que o sistema permanece- ria crescendo embora a taxas menores. Pois, “estes dois momentos inclufdos no processo de acumulagdo n&o devem, porém, ser considerados na calma justaposigaio em que Ricardo os trata; eles contém uma contradi¢&o, que se manifesta em tendéncias e fendmenos contraditérios. [...] Estas diferentes in- fluéncias se fazem valer ou justapostas no espago ou sucessivamente no tem- po; 0 conflito dos agentes antag6nicos alivia-se periodicamente em crises. As crises so sempre apenas violentas solugSes momentineas das contradigdes existentes, erupgdes violentas que restabelecem temporariamente 0 equilibrio perturbado”.!? Os “dois momentos incluidos no processo de acumulacao”, isto é, a taxa e a massa de lucro, s6 podem variar independentemente um do outro, para Ricardo, porque ele os concebe como independentes por principio, meramente “justapostos” mas nao profundamente ligados. De acordo com Marx, porém, eles tém um mesmo fundamento no cardter contraditério do capital, contradigéo que Ricardo recusa, como ja vimos, pois as determina-_ ¢des econdmicas mais concretas nao podem negar as mais abstratas. A massa ea taxa de lucro sao para ele os dois termos aut6nomos de uma equagio, cuja possivel oposi¢ao nunca expressa uma contradigao essencial, de modo que eles podem se anular parcial ou totalmente no efeito final. Criticando essa perspectiva, Marx considera os movimentos opostos da massa e da taxa de lucro, ou desta tiltima e da taxa de mais-valia, como manifestagGes necessd- tias determinadas por um fundamento contraditério, que se exterioriza em “tendéncias e fendmenos” também contraditérios. E nesse contexto que ele expe as conhecidas condigdes compensatérias 4 queda tendencial da taxa de lucro, que exercem um efeito em sentido contrério Aquela queda, mas que sio dialeticamente determinadas pelos mesmos elementos componentes dela. Esse jogo de forgas opostas se articula na realidade “influindo” diferentemente em lugares diferentes ou “sucessivamente no tempo”, distinguindo-se umas das outras como fases de um ciclo. De qualquer modo, 0 fundamento de que se geram essas influéncias conflitantes ser4 sempre contraditério, mesmo se no 4mbito do fendmeno apa- recam somente forgas de sentido tinico. E a recusa desse cardter autonegador do fundamento que impede Ricardo de ver que essas forcas decorrem de um mesmo princfpio, atribuindo a ele s6 as que confirmam a tendéncia a valoriza- gau © acumulagao, ¢ atribuindo as que negam essa tendéncia & intervengiio de * Idem, ibidem, p. 259. 108 * A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA fatores externos ao sistema econémico. De acordo com Marx, porém, 0 moti- vo dessa recusa é mais do que apenas uma questao tedrica; tratar-se-ia, antes, de uma intuigio profunda, embora nio sistematizada, do carater transitério do capitalismo. Por isso, ele afirma: “os economistas que, como Ricardo, consi- deravam o modo de produgao capitalista como 0 absoluto sentem aqui que esse modo de produgao cria um limite para si mesmo e ligam esse limite, dai, nao a produgdo, mas a natureza”.”? Ricardo também elaborou a sua teoria da queda tendencial da taxa de lucro: a acumulagao de capital levaria ao emprego de um contingente cada vez maior de trabalhadores, elevando seus saldrios e ameagando os lucros, 0 que s6 poderia ser evitado mantendo o salério nominal mas aumentando seu poder de compra mediante o barateamento dos bens consumidos pelos traba- Thadores, isto é, alargando a drea agricola cultivada; o problema é que a pro- dutividade do trabalho agricola depende também dos recursos naturais de solo, irrigagao etc., que tendem a piorar com a ampliagao da drea cultivada para terrenos inferiores, de modo que o barateamento dos meios de vida dos trabalhadores é por eles limitado; os salarios tenderiam mesmo a subir, ento, comprimindo os lucros e limitando a acumulagio de capital da economia como um todo. Nao nos enganemos, porém, por esse salutar pessimismo de Ricardo. Seu esquema distributivo, equacionado pela proporgao entre salério e lucro, serve apenas de base para a atuaciio de uma tendéncia determinada no pelo capital, mas pela natureza, isto é, pelas condigdes de fertilidade agricola das dreas para onde avanga 0 cultivo. Para ele, a queda da taxa de lucro nao indica uma contradigao do capitalismo, mas a mera influéncia de elementos externos ao sistema. Toda a nova elaboracao tedrica de Marx nesse ponto — sua propria “lei” de tendéncia A queda da taxa de lucro — visa superar esse meio pessimismo, em que o capitalismo é ameagado pela estagnagdo, mas é salvo da contradigao. Em Marx, 0 limite da acumulagiio é determinado pelo desenvolvimento das caracteristicas internas do préprio capital; 0 oposto da valorizagao resulta das condigées imanentes desse mesmo fundamento que contraditoriamente se de- fine pela valorizacao. E possivel perceber, com isso, que formular precisa- mente aquilo que em Ricardo nao passava de intuicao é um problema que exige redefinir completamente 0 conceito de capital, fundamento contradité- rio da economia moderna, com o conseqiiente deslocamento e rearticulagaio de todo o quadro tedrico classico. Dialeticamente definido, 0 capital pode ser visto como 0 princfpio autonegador do sistema social que ele preside e simul- taneamente condena, como o determinante de crises imanentes que revelam 2° Idem, ibidem, p. 252. CRITICA MARXISTA © 109 seus limites relativos e absolutos. Uma tal definigdo de crise implica, portan- to, 0 novo contetido do conceito de capital e, daf, até a exposi¢o categorial que decorre do desenvolvimento desse contetido contraditério. A explicagao da crise, onipresente nas varias etapas desse desenvolvimento como seu nega- tivo, embora por vezes apenas latente, impGe, desse modo, uma perspectiva dialética e critica do capitalismo. Assim, a teoria de Marx resgata, finalmente, e em toda a riqueza de suas potencialidades, 0 elo profundo existente entre crise e critica, ultrapassando os limites do mero entendimento. 110 # A CRISE NA CRITICA A ECONOMIA POLITICA

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