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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanpa a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos conta
da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xliii Fevereiro 2002

In ómnibus réspice finem

"Esse Deus que dizem amar o sofrimento" por


Francois Varone

"Perdi a Fé"

O Museu das Almas

"A fraude de Sao Paulo" por Fernando Travi

Publicados os manuscritos do Mar Morto

Resposta as Testemunhas de Jeová

Deus e os demonios na Igreja Universal


PERGUNTE E RESPONDEREMOS FEVEREIRO2002
Publicacáo Mensa I N-476

Diretor Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB
In ómnibus réspice finem 1
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico Questáo candente:
"Esse Deus que dizem amar o sofrimen-
Diretor-Administrador: to" por Francois Varone 2
D. Hildebrando P. Martins OSB
Um brado de alarme:
"Perdí a Fé" 12
Administracáo e Distribuicáo:
Edicdes "Lumen Christi" Comunicacáo com o Além?
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5o andar-sala 501 O Museu das Almas 16
Tel.: (0XX21) 2291-7122 Alegajes essénias:
Fax (0XX21) 2263-5679 "A fraude de Sao Paulo" por Fernando
Travl 20
Endereco para Correspondencia:
Ed. "Lumen Christi" Finalmente:
Publicados os manuscritos do
Caixa Postal 2666
Mar Morto 23
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Diálogo reljgioso:
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO Resposta as Testemunhas de Jeová... 32
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
O grande campo de batalha:
na INTERNET: http://www.osb.org.br Deus e os demonios na
e-mail: lumen@alfalink.com.br Igreja Universal 38

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Deus e o sentido da vida" por R. L. Cifuentes. - Quem foi o Bispo J. J. Strossmayer (f


1905)? - Quem sao os Velhos-Católicos? - "Por que nao sou católico". - O Isla. - "Deus:
Idéias certas. Idéias erradas" por M. Shevack e J. Bemporad. - "O enigma da Esfinge. A
sexualidade" por Antonio Moser.

PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA (ANO 2002,


DEFEVEREIROADEZEMBRO): R$ 35 00
NÚMERO AVULSO R$ 3 50
O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar, em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.


2. Depósito em qualquer agencia do BANCO DO BRASIL, agencia 0435-9 na C/C 31.304-1
do Mosteiro de S. Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agencia 2579-8 na C/C 4453-9
das Edicoes Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovante do
depósito, para nosso controle.

3. Em qualquer agencia dos Correios, VALE POSTAL, enderecado as EDICÓES "LUMEN


CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ
Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"
Caixa Postal 2666
. 20001-970 Rio de Janeiro - RJ
IN ÓMNIBUS RÉSPICE FINEM

Os romanos legaram á posteridade um axioma que vale a pena


aprofundar: In ómnibus réspice finem (em tudo o que facas, olha para o
fim). Estes dizeres transmitem grande verdade: o fim projeta luz sobre as
etapas da caminhada; indica o caminho para que o viandante tenha a
alegría de chegar á meta almejada; se, durante o processo, esquece o
alvo para onde deve ir, arrisca-se a graves desastres.

É oportuno pensar nisso no comeco de novo ano. Cada individuo


concebe entáo os objetivos que pretende atingir nos meses seguintes.
Principalmente os empresarios tém seu planejamento para 2002, 2003,
2004..., aspirando a mais eficiencia é mais lucro. O cristáo, porém, nao
se pode limitar a isso; compete-lhe olhar para o Fim dos fins, que dá
sentido a todos os fins próximos, ou seja, o encontró face-a-face com a
Beleza Infinita, que há de satisfazer a todos os anseios da criatura. Afinal
de contas, o ser humano nao foi feito apenas para ganhar dinheiro e
conquistar este mundo; tudo isto é pouco demais para quem tem a capa-
cidade do Infinito. É preciso recordar sempre que cada Vitoria no plano
terreno é apenas um trampolim para chegarmos ao Absoluto.

Verdade é que muitas pessoas se furtam a pensar no Fim dos fins;


seria masoquismo. De resto, pensam, há muito tempo para comecar a
pensar no Grande Fim; assemelham-se ao timoneiro que deixa o barco ir
á deriva, porque ainda longe do porto. Na realidade, ninguém tem certe
za de estar diante do FIM; este pode fazer-se presente a qualquer mo
mento. E, presente, pode causar ¡mensa alegría como também pode sus
citar espanto e desespero: alegría, para quem sempre o esperou e alme-
jou, para quem sempre Ihe dirigiu seus passos; espanto para quem per-
deu consciéncia de ser um caminheiro e se deteve distraídamente ñas
aventuras da estrada.

O comeco do ano 2002 é ocasiáo propicia para revolver tais ¡déias.


Tenho meus projetos e meus objetivos no plano material; nao os perderei
de vista, porque sao de importancia vital para mim. Mas nao corra eu o
risco de esquecer que essas metas nao sao capazes de preencher mi-
nhas mais profundas aspiracóes. Afinal tudo o que passa, é aceno, é
urna seta que diz: "Vai mais adiante! Nao sou tua resposta. Sou apenas
urna imagem do verdadeiro Bem, para o qual foste feito". Quem adota
esta mentalidade, nao se surpreenderá com o encontró final, porque já o
terá antecipado.
Em suma, possa a sabia norma "In ómnibus réspice finem" falar
fundo ao coracáo de cada um(a) de nossos leitores!
E.B.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLIII - N2 476 - Fevereiro de 2002

Questáo candente:

"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO"


por Frangís Varone

Em sfntese: O autor do livro quer dissipar a tese de que Deus


gosta de ver os homens sofrer. Para tanto nega a necessidade da morte
expiatoria de Cristo; Deus Pai nao terá exigido satisfacáo pelo pecado.
Em termos positivos, Varone apresenta o homem como um ser que é
profundamente marcado pelo desejo do Infinito. Já que este nao Ihe é
apresentado pelas criaturas, Deus Filho se fez homem para revelar o Pai.
Este é um Deus diferente daqueie que osjudeus imaginavam noAntigo
Testamento. O autor distingue entre religiáo e fé. Aquela significa expiar,
merecer, adquirir o favor de Deus; Jesús, porém, veio ensinar a fé, que se
volta para Deus... Deus que é gratuidade, na qual o homem pode repou-
sar. A morte de Jesús nada tem de expiatorio, mas foi devida á perversi-
dade dos sacerdotes judeus, incomodados pela pregagáo do Senhor.

O autor tem consciéncia de que está ¡novando, em contrario de


tudo aquilo que a Tradigáo crista ensina. A réplica as suas concepgóes é
proposta na segunda parte deste artigo.

Frangois Varone é sacerdote diocesano da diocese de Sion (Suica),


encarregado da formacáo permanente dos leigos e dos padres de sua
diocese.

O autor está impressionado pelas críticas que se fazem hoje em


dia á nocáo de expiagáo; dáo a entender que Deus gosta de ver o sofri-
mento dos homens. Á p. 8 cita os dizeres de Rene Girard:
"Deus nao só reivindica urna nova vítima, mas reivindica a vftima
mais preciosa e a mais cara, seu próprio filho. Esse postulado, sem dúvi-
da, contribuí mais do que qualquer outra coisa para desacreditar o cristi
anismo aos olhos dos homens de boa vontade no mundo moderno".
"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO"

Para dissipar tal impressáo, Francois Varone nega o conceito de


expiacáo ou satisfacáo pelos pecados dos homens, utilizando textos bí
blicos segundo criterios subjetivos ou preconcebidos.

Examinemos o conteúdo do livro1 para poder fazer-lhe algumas


observacóes.

1. A tese do autor

Procederemos em quatro etapas.

1.1. O Paño de fundo

Para entender corretamente a figura de Jesús, o autor considera,


em primeiro lugar, o ciclo do profeta Elias correspondente a 1Rs 17-19.

Elias é tido como um profeta que ambiciona o poder; triunfa dos


profetas de Baal, fazendo cair fogo do céu para consumir vítimas imola-
das sobre o monte Carmelo (1Rs 17, 18-40); o Deus que Elias cultua, é
mais forte e poderoso do que Baal, cultuado pelos seus profetas. Frente
ao rei da Samaría Acab, obteve, da parte de Deus, urna seca que durou
tres anos (1Rs 17,1); eis outro ato que mostra o poder que Elias ambici
ona ter. Todavía Deus, em vez de o exaltar, envía-o a urna pobre viúva, á
qual ele vai pedir pao e agua; depende, pois, dessa viúva em Sarepta,
térra estrangeira (1Rs 17,7-17); assim o poder Ihe escapa; a viúva e seu
filho morto (cf. 1Rs 17,17-24) sao criaturas frágeis, as quais Elias vai-se
juntar. Mais: Elias, ameacado pelo rei Acab, se retira para o deserto; Deus
o reanima e o envia ao monte Horeb; ali Deus se Ihe manifesta nao num
forte furacáo nem num terrível terremoto, mas numa brisa suave; de novo
a fragilidade é mostrada a Elias; Deus é diferente do que o profeta pensa;
é o Deus que detesta os poderosos e quer que os homens O procurem
ñas criaturas mais tracas. Ele nao é prepotente, exigente e severo, mas é
um Deus que se coloca do lado dos pequeninos. Concluí o autor:

"Nem tudo é bom em Elias e alguns tragos de sua agáo nao servem
para situar Jesús senáo por contraste, e contraste veemente" (p. 28).

Como Jesús contrasta com Elias?

1.2. O pecado original

A clássica teología, assumida varias vezes pelo magisterio da Igre


ja, afirma que os primeiros país foram elevados a um estado dito "de
justica original", em que gozavam dos dons paradisíacos (graca
santificante, poder nao morrer, imunidade de concupiscencia,
impassibilidade, ciencia moral infusa). Submetidos a urna prova, a fim de

1 Esse Deus que dizem gostar do sofrimento. Ed. Santuario, Aparecida 2001, 140 x
210mm, 239pp.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

se confirmar nesse estado, pecaram por soberba; perderam entáo os


dons origináis e incorreram na morte como conseqüéncia da transgres-
sáo. Geraram descendentes privados dessa riqueza interior e sujeitos ao
imperio da morte.

Francote Varone julga defasada e insustentável essa doutrina, pois


a paleontología e a teoría da evolucáo das especies parecem desmenti-
la. Conseqüentemente Jesús nao terá vindo para expiar o pecado dos
primeiros pais; Deus nao exigiu tal reparacáo violenta para perdoar aos
homens.

O autor distingue entre religiáo e fé. - Religiáo seria a atitude de


quem julga que Deus pediu satisfacóes pelo pecado; sendo este cometi
do contra Deus infinitamente santo, terá sido necessário um ato infinita
mente reparador, ato que Deus Filho feito homem prestou em nome de
toda a humanidade; Jesús assim nos terá merecido a salvacáo e a possi-
bilidade de merecer a entrada do reino dos céus. - A fé rejeita tal concep-
cáo: Deus nao pode ter exigido táo cruel sacrificio de urna vítima que é
seu Filho feito homem. A linguagem do autor vem a ser cáustica:

"Reduzido a urna fungáo formal de vítima, Jesús é privado de sua


prática profética, que, só ela, comporta urna carga de sentido capaz de
revelar e salvar. A religiáo, com sua teoría da satisfagáo, mutila Jesús,
num primeiro tempo, fazendo dele apenas urna vítima, um ser para sofrer.
Num segundo tempo, ela provocará pela reagáo da crítica e da fé insufi
ciente urna segunda mutilagáo, a que reduz Jesús á sua mensagem, fa
zendo dele um ser que falou bem! Morte compensatoria ou mensagem
edificante: é preciso sair desses dois polos para encontrar o Jesús real,
aquele que os evangelhos apresentam sem invocarjamáis esse contexto
sadomasoquista, tido como explicagáo da cruz de Jesús e da de seus
discípulos" (p. 97).

Como entáo Varone entende o pecado original?

Eis a resposta:

O homem é dotado de um desejo infinito. Todavía ele nao encontra


ñas criaturas a satisfacáo desse desejo. Ele se revolta contra tal situa-
gáo, e, apesar de tudo, procura nos bens visíveis que o cercam urna
eventual saciedade. Seu desejo de Infinito se desvia para os seres finitos,
que nao podem preencher seus anseios. Paradoxalmente diz o autor: "A
condicáo original do homem é, dessa maneira, necessidade de salva
cáo, sem ser pecado" (p. 229).

Em outras passagens o autor admite o pecado dos primeiros pais:

"O homem pega o fruto, tenta realizar por si mesmo seu desejo,
servindo-se do mundo. Mas... revelase a vaidade dessa tentativa; o ho-
"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO"

mem nao se encontra de modo nenhum revestido da plenitude do conhe-


cimento e da vida, ele está nu, tem medo, se esconde; a morte está ai,
como a palavra de Deus tinha anunciado. A situagáo original, por mais
normal que seja... produziu infalivelmente o desvio e o pecado" (p. 230).

Adáo, que assim falhou, nao transmite o pecado aos seus descen
dentes. Vem a ser apenas o prototipo daquilo que todo homem é quando
procura saciar seu desejo infinito servindo-se das criaturas para tanto.

1.3. A missáo de Jesús

Como dito, Jesús veio nao para expiar o pecado de Adáo, mas
para revelar o Pai, que é a única resposta adequada aos anseios do
homem. A pregacáo de Jesús, porém, nao correspondeu aquetas con-
cepgóes que os mestres dos judeus professavam na sua época. Esses
mestres faziam da religiáo o instrumento para exercer poder e dominio
sobre o povo simples; Jesús, ao contrario, recusou ser feito rei (cf. Jo 6,
15); tomou sempre a defesa dos pequeños ou do homem real com suas
tribulacóes; rejeitou "o messianismo de poder e preferiu a fragilidade de
um messianismo humano" (cf. p. 110). Conseqüentemente, foi ameaca-
do pelos mestres da lei judaicos. "Diante de tais ameacas, Jesús poderia
recuar, mas nao o fará e entáo morrerá por ter praticado até o fim um
messianismo humano, por ter recusado até o fim submeter-se ao poder,
particularmente ao poder religioso" (p. 86).

Varone assim comenta a morte de Jesús:

"No calvario Jesús soíre a volta da tentagáo, a do poder. Ele persis


te contudo em seu combate de homem frágil; nao abriga, sua fragilidade
por detrás de nenhum poder, nem humano... nem divino - ele aceita a
náo-intervengáo, a ausencia de Deus - simplesmente confía sua fragili
dade Áquele que o gera, o Pai...
Terminando no Calvario, o combate profético de Jesús desmasca
ra definitivamente o Carmelo de Elias: sobre toda iniciativa de poder, po
der religioso ou nao, Jesús afirma a recusa que Deus faz do poder e sua
preferencia pela liberdade do homem e seu combate na fragilidade até o
fim. Fermento irrisorio na ¡mensa massa da historia, Jesús revela ao de-
sejo do homem o Deus diferente e que só ele pode satisfazer esse dese
jo" (p. 100).

O autor insiste na sua tese:

"Jesús morre por ter recusado até o fim o messianismo de poder,


todas as mentiras chamadas riquezas, poder e sucesso, encarregadas
de ocultar ao homem sua fragilidade e de fazé-lo crer na realizagáo pos-
sfvel por si mesmo de seu desejo ilimitado. Mas Jesús é recusa para
poder ser vida e revelagáo... revelagáo de que o homem é um desejo
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

frágil que pode ampararse em Deus, que o gera sem cessar e um día
definitivamente" (p. 68).

Assim o autor rejeita toda noció de satisfacáo prestada a Deus por


causa do pecado do homem.

1.4. Deus e o mal

A respeito do mal no mundo, Varone isenta Deus de qualquer res-


ponsabilidade - o que é correto. Justifica, porém, sua afírmacáo a partir
das premissas expostas:

"Deus nao tem mais gosto pelo sofrimento - pelo prazer de nos ver
sofrer - do que pelo mal, pelo prazer de puni-lo" (p. 282).

É por causa do desejo do infinito aplicado as criaturas finitas que o


homem acarreta sobre si o mal:

"Ou Deus quería filhos períeitos, mas filho perfeito só pode haver
um e Deusjá tem seu Filho desde toda a eternidade. Ou ele quería seres
tornándose seus filhos e á sua frente ele poderia também fazer seu
próprío filho tornarse filho. O filho 'era'; é só tornándose Jesús conosco
que ele podía também 'tornarse' Filho de Deus... Era preciso que hou-
vesse urna humanidade em devirpara que Aquele que 'está voltado para
o seio do Pai' (Jo 1, 18) fosse também aquele que, á frente dos homens,
dissessepor toda a sua vida: 'Eis que venho' (Hb 10, 7)".

Como se vé, a linguagem do autor nem sempre é clara, pois suas


idéias nao sao muito claras e coerentes.

2. Comentando...

Nao há dúvida, a intencáo de Francois Varone é plenamente váli


da. Ele quer desfazer o equívoco de um deus que se compraz no sofri
mento do homem e é sedento de sangue. Esta caricatura de Deus deve
realmente ser apagada. Todavía, para atingir tal objetivo, nao é necessá-
rio construir urna teoría táo singular e estranha como a que o autor pro-
póe. A própria clássica doutrina da expiagáo bem entendida isenta Deus
dessa desfiguracáo. Vejamo-lo por partes.

2.1. O pecado original

A Escritura, em Gn 2 e 3, afirma que os primeiros pais foram eleva


dos a um estado de bonanca espiritual gratuitamente concedida pelo
Criador. Devíam confirmar-se nesse estado usando da sua liberdade. Por
¡sto foram submetidos a urna prova, que eles nao superaram, vencidos
pela soberba ou o desejo de se emancipar de Deus. Em conseqüéncia
perderam os dons origináis e geraram urna descendencia despojada de
"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO"

tais dons. A desordem de tendencias e cobicas que toda crian?a traz em


si nao é castigo, mas é heranga; os genitores transmitem a seus filhos o
que eles tém: urna natureza humana destituida da harmonía interior que
os primeiros pais tiveram, mas perderam. Remova-se assim a idéia de
um Deus que castiga os filhos por causa da má conduta dos pais.

A clássica doutrina se concilia com o evolucionismo. Nao é neces-


sário dizer que os primeiros pais eram formosos em seu físico; podem ter
sido os homens rudes que a paleontología conhece. A sua riqueza era
espiritual e meramente interior.

A temática do pecado original foí muito debatida na historia da teo


logía. O magisterio da Igreja a formulou como aquí é proposta, de modo
que a fé católica rejeita qualquer hípótese contraria. Ver Curso de Antro
pología Teológica editado pela Escola "Mater Ecclesiae", teleFax 0 XX 21
2242-4552.

2.2. A mlssáo de Jesús

Após o pecado dos primeiros pais, o Criador podía desistir de be


neficiar o homem ou, caso nao quisesse deíxar-se vencer pelo mal (Rm
12, 21), podia ter perdoado á distancia, fríamente. Nao o quis, porém;
preferiu recriar o homem, enviando a este mundo um novo Adáo, que em
nome de toda a humanidade dissesse Sim ao Pai, cancelando o Nao dito
pelo primeiro Adáo; foí até a morte por obediencia porque o primeíro pai
foi até a morte por desobediencia; santificou ou "divinizou" desta maneira
a existencia dos homens desde o nascer, pois Deus Filho quis nascer e
percorrer todas as etapas da vida humana com os mais atrozes sofri-
mentos que Ihe possam ocorrer. O Pai nao tinha prazer nesse padeci-
mento; quem deu origem ao sofrimento nao foi Deus, mas foi o homem.
Livremente o Filho assume a realidade do homem maltratado pelo peca
do e faz dessa desgraca do homem o canal para a ressurreigáo; diz Je
sús:

"Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente. Tenho o poder


de entregá-la e o poder de retomá-la" (Jo 10, 18).

É por amor aos homens, nao por exigencia de um Pai cruel, que
Jesús sofre e morre. Ele quis recapitular Adáo ou experimentar a doloro-
sa sorte de Adáo para a transfigurar, salvando o homem perdido pelo
pecado. Nesta perspectiva nao há sadomasoquismo, mas sim o conceito
daquele Deus misericordioso e amigo dos mais desafortunados, concei
to que Varone propóe mediante a sua teoria pessoal, destoando de toda
a Tradicáo bíblica e pós-bíblica; principalmente a epístola aos Hebreus,
que fala claramente do sacrificio de Jesús, sacerdote e Hostia, é distorcida
por Varone de modo arbitrario e subjetivo.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

2.3. A teoría de Santo Anselmo

As críticas de Francois Varone poderiam aplicar-se á teoria de Santo


Anselmo de Cantuária (t 1109), teoria que nao é aceita pelos teólogos
posteriores ao Mestre de Cantuária. Ei-la:

Os anjos maus se rebelaram contra Deus e perderam sua convi


vencia com a corte celeste. Deus quis que os lugares deixados vazios
pelos anjos rebeldes fossem ocupados pelos homens. Essa vontade nao
podía ser mudada. Todavía o homem, por causa do seu pecado, nao era
capaz de atingir tal objetivo. O homem nao pode satisfazer por si, pois os
seus atos tém valor finito, ao passo que a injuria a Deus tem proporcóes
infinitas e exige reparacáo de valor infinito. Por isto somente um sujeito
de valor infinito podia oferecer a Deus a reparacáo adequada; este sujei
to devia ser o próprio Deus feito homem. Daí a necessidade da Encarna-
gao e da obra expiatoria de Cristo, conforme S. Anselmo no seu escrito
Cur Deus homo (Por que Deus feito homem).

A este arrazoado opoem-se objecoes:

1) A S. Escritura muito insiste na gratuidade da Encarnacáo, que


depende de um ato da livre vontade de Deus. Nada ou ninguém pode
impor coisa alguma a Deus.

2) A hipótese de que os homens deviam substituir os anjos decaí


dos, é arbitraria, sem fundamento na Biblia. Ademáis nao há lugares no
céu.

3) Santo Anselmo acentúa demais o aspecto jurídico da salvacáo


humana: o homem tinha um débito, que ele devia pagar; por isto Deus se
fez homem, cumprindo assim urna exigencia da justica. A S. Escritura acen
túa muito mais a bondade e o amor de Deus do que a justica do Pai Celeste:
"Deus, que é rico em misericordia, pelo grande amor com que nos
amou, quando estávamos morios em nossos delitos, nos vivificou junta
mente com Cristo -pela graga fostes salvos! - e com ele nos ressuscitou
e nos fez assentar nos céus em Cristo Jesús, a fim de mostrar nos tem-
pós vindouros a extraordinaria riqueza da sua graga, pela sua bondade
para conosco em Cristo Jesús" (El 2, 4-7).

O gratuito amor de Deus aos homens é o dínamo de toda a obra da


criacáo e da Redengáo* conforme a Escritura e a Tradicáo crista. Nao é
preciso conceber teorías novas e estranhas para ressalvar esse amor;
ele está no centro da mensagem crista. Esse amor provocou o derrama-
mentó de sangue n3o porque Deus tenha prazer em ver sangue derra
mado, mas porque o homem se precípitou na morte pelo pecado; Deus
quís ir buscar o homem lá onde ele se havia projetado, isto é, na morte. É
o bom Pastor que procura a ovelha perdida, nao o carrasco sadoma-
"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO"

soquista.

2.4. E a Igreja?

Ás pp. 107-109 o autor critica a Igreja, assemelhando-a aos mestres


do judaismo sequiosos de manter seu poder, em prejuízo do homem real:

"No ámbito da doutrina da contracepgáo e da pastoral do casamen


to, mais particularmente do divorcio e da contracepgáo quero... esclare
cer as contradigóes da abordagem^ atual: nos dois casos a Igreja preocu
pase mais com a permanencia da sua estrutura, de seu magisterio, do
que com o homem real ás voltas com o problema. Ela mantém assim urna
tradigáo em beneficio do seu próprio poder e nao de servigo á palavra de
Deus para o maiorbem do homem concreto em sua situagáo real" (p. 107).

Em resposta a estas observacóes, diremos o seguinte:

A Igreja é firme em sua rejeicáo do divorcio, da contracepgáo e de


condutas libertinas, precisamente por fidelidade á Palavra de Deus e para
o bem do homem concreto real de nossos días. Os preceitos da Moral
nao sao ditados pelo voto da maioria ou pelos costumes vigentes, mas
pela lei de Deus, que se expressa nao só na Escritura, mas também na
chamada "lei natural" ou lei impregnada na realidade natural do ser humano.

Ora o Novo Testamento rejeita o divorcio. Tenha-se em vista Me


10, 11s:

Diz Jesús: 'Todo aquele que repudiar sua mulher e desposar outra,
cometerá adulterio contra a primeira; e, se esta repudiar o seu marido e
desposar outro, cometerá adulterio". Ver também Le 16, 18 e 1Cor7, 10s.

Em Mt 19, 9 e 5, 32 lé-se algo um pouco diferente: Jesús parece


admitir urna excecáo, a saber: no caso em que haja pornéia. Como en
tender esta palavra?

- Notemos que os textos de Me, Le e 1Cor sao peremptórios e,


além disto, sao anteriores ao de Mateus (Mateus grego que hoje temos,
deve datar de 80 aproximadamente, o que é posterior a Me, Le e 1Cor);
disto se segué que é pouco provável que os tres tenham eliminado urna
cláusula restritiva de Jesús; é mais verossímil que o tradutor do Evange-
Iho de Mateus aramaico para o grego tenha acrescentado a cláusula...
Ele o terá feito em vista de urna problemática oriunda em comunidades
de maioria judeo-cristá (como eram as comunidades ás quais se destina-
va o Evangelho segundo Mateus).

Qual terá sido essa problemática?

- Deve-se depreender do sentido da palavra grega pornéia.


"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

1) Há quem a traduza por fornicacáo ou adulterio; em conseqüén-


cia estaría dissolvido o casamento desde que urna das duas partes incor-
resse em adulterio. É assim que pensam e ensinam as comunidades
cristas ortodoxas orientáis e as protestantes. Todavía observe-se que
fornicacáo ou adulterio suporia, em grego, moichéia e nao pornéia.

2) Mais acertado é dizer que pornéia corresponde ao aramaico


zenut, que tinha sentido de prostituicáo ou uniáo ilegítima. Os rabinos
chamavam zenut todo tipo de uniáo incestuosa devida a um grau de
parentesco tornado ilícito pela Lei de Moisés. Com efeito, o capítulo 18 do
Levítico enumera, entre outros, os seguintes impedimentos matrimoniáis:

"Nao descubrirás a nudez da mulher do teu ¡rmáo, pois é a própria


nudez de teu irmáo" (Lv 18, 16). Isto é: o viúvo nao se case com urna
cunhada solteira.

"Nao descobrirás a nudez de urna mulher e de sua filha, nao toma


rás a fílha do seu filho, nem a filha de sua filha, para Ihes descobrir a
nudez. Elas sao a tua própria carne; isto seria um incesto" (Lv 18, 17).

Unió es desse tipo e outras enumeradas em Lv 18 podiam ser le-


galmente contraídas entre pagaos anteriormente á sua conversáo ao Cris
tianismo. Urna vez feitos cristáos, tais fiéis de origem grega deviam sus
citar dificuldades aos judeo-cristáos legalistas de suas comunidades cris
tas. Daí a cláusula de Mt 5,32s e 19,9, que permitía dissolver tais unioes
que a Lei de Moisés considerava ilegítimas. Essa cláusula terá
correspondido a urna decisáo de comunidades compostas, em maioria,
por judeo-cristáos, a fim de preservar a boa paz entre eles e os cristáos
provenientes do paganismo. Deve ter tido vigencia geográfica e crono
lógicamente limitada (enquanto houvesse tais judeo-cristáos legalistas na
Igreja); assemelha-se ás cláusulas de Tiago adotadas em caráter provisorio
pelo Concilio de Jerusalém em 49; cf. At 15, 23-29 (p. 35 deste fascículo).

Esta explicacáo de Mt 5, 32s e 19, 9, como se vé, nao afeta o


caráter indissolúvel do matrimonio tal como proposto por Jesús em Me,
Lee 1Cor.

Quanto á contracepeáo, ela fere a lei do Criador impressa na natu-


reza humana. Com efeito; o amor humano é unitivo (promove a uniáo do
homem e da mulher) e, em certos días, fecundo. Impedir a fecundidade
natural significa mutilar o amor para usufruir do prazer carnal. O prazer
nao é a finalidade do ato sexual; é, sim, um anexo que estimula a cópula,
a qual tem como finalidade a mutua complementacáo e a procriacáo.
Algo de semelhante se dá com o apetite da nutrigáo; este acarreta pra
zer; todavía o prazer nao é a finalidade da alimentacáo, é apenas um
estímulo, que incentiva o alimentar-se, sem o qual o homem nao vive.
Quem come só por prazer, está prejudicando seu organismo. É análogo

10
"ESSE DEUS QUE DIZEM AMAR O SOFRIMENTO" 11

o caso de quem procura o ato sexual só por prazer. A própria natureza se


encarrega de oferecer á muiher dias esteréis (sao a maioria dentro do
mes), nos quais pode haver cópula sexual sem ofender a natureza e seu
Criador.

A intrepidez da Igreja em certos pontos está longe de ser expres-


sao da sede de poder, mas é servico,... servico ao homem real, concreto,
que em nossos dias é vítima dos seus desmandos desenfreados. É ne-
cessário que naja no mundo urna consciéncia que fale alto e claro, em-
bora contradiga a tendencias contemporáneas. Ser consciéncia é sujei-
tar-se ao escarnio e desprezo, mas é expressáo do amor de Cristo que
vive na Igreja, é servir ao bem da humanidade.

Sao estas as ponderacóes que ocorrem a propósito do livro de


Francois Varone.

O VIGÍA DA VERDADE E DO BEM

No último Sínodo Geral dos Bispos (outubro 2001) tornou-se noto


rio o Cardeal Joachin Meisner, Arcebispo de Colonia, pelo seguinte pro-
nunciamento:
"A crise de fé na igreja é a expressáo de urna crise maior, a da
cultura, mas também é conseqüéncia de urna modaiidade de auto-secu-
larizagáo, da qual sao responsáveis os organismos da Igreja. Varios Bis
pos ignoram a gravidade da situagáo; outros interpretam as tendencias á
cisáo no interior da fé como tensóes fecundas que podem levar a urna
nova síntese, e consideram seu ministerio como um Oficio Moderador
entre as tomadas de posigáo contraditórias. Tal concepgáo das fungóes
episcopais está táo propagada que os Bispos sofrem urna perda de auto-
ridade por parte dos que estáo fora da Igreja e favorece a recusa da
autoridade dentro da Igreja. Assim o ministerio pastoral do Bispo é
minimizado, reduzido a solicitude humana para com os fiéis, á compreen-
sáo cortés e ao reconhecimento dos carismas existentes entre os fiéis
leigos. Deste modo chega-se a desconhecer o essencial do ministerio
dos Bispos; este implica o dever de governar claramente e sem equívo
cos, pondo em prática outrossim os aspectos jurídicos. Esta análise dos
fatos inspira a urgencia de um testemunho forte e cheio de autoridade
dos pastores. O Bispo nao é um piedoso crente particular, mas é urna
testemunha pública. Deve enfrentar os problemas presentes no mundo
eclesial nao somente para realizar sua saivagáo, mas também para de
fender a fé, corrígir os erros e aprofundar a verdade. O Bispo nao pode
ignorar a real situagáo da fé na sociedade, mas deve testemunhar a fé,
levando em conta os perigos e seus maleficios".

11
Um brado de alarme:

'PERDÍ A FE!'

Em síntese: O sofrimento dá ocasiáo a que muitas pessoas per-


cam a fé em Deus. A tais irmáos e irmás respondemos que todo crístáo é
convidado a participar da Páscoa de Cristo (morte e ressurreigáo). O
Senhor nao envia o sofrimento, mas permite que as criaturas, limitadas
como sao, sejam atetadas por suas limitagóes (doengas, incendios, en-
chentes, guerras...). Cristo assumiu os males físicos da humanidade e os
transfigurou, fazendo da dor e da morte a passagem para a Vida Plena.
Acrescentaría Sao Paulo que Deus nunca permite sejamos tentados áci
ma das nossas forgas e dá sempre os meios de vencer as tentagóes ao
desánimo; cf. 1Cor 10, 13. Deus nao se engaña nem comete injustiga,
pois, por definigáo, Ele é o Santo por excelencia.
* * *

A Redacáo de PR recebeu urna carta, que refere o seguinte:

"Fui educada em colegio católico e durante muito tempo pratíquei a


minha religiáo. Mas, quando vi meu pai sofrer horrivelmente de um cán
cer, perdi a fé. Era um homem táo bom que nao merecía ser tratado as-
sim. Nao creio nesse Deus, que manda o sofrimento".

Pergunta-se: que responder?

PONDERANDO BEM...

Proporemos cinco consideracóes a respeito.

1. Configurar-se a Cristo

Todo cristáo é chamado a participar da Páscoa de Cristo, sofrendo,


morrendo e ressuscitando com Ele. Jesús mesmo disse: "Se alguém quer
vir após mim,... tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16, 24). Sao Paulo o
explícita, escrevendo:

"Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos. Se


com Ele sofremos, com Ele reinaremos" (2Tm 2, 11s).

2. Por que... pelo sofrimento?

Eis um fato que fácilmente escapa ao observador: o sofrimento


está associado á nobreza das criaturas. Quanto mais urna criatura é dig
na, tanto mais ela sofre. Com efeito o mineral nao sofre; pode ser talha-

12
"PERDÍ A FÉ!" 13

do; sem que reaja. O vegetal, quando agredido, se restaura ou se enco-


Ihe (haja vista a mimosa púdica). O animal irracional geme e senté dor
(tenha-se em vista o cachorro). Quanto ao ser humano, sofre duplamen
te, ou seja, no plano físico e no plano moral; e tanto mais sofre quanto
mais é nobre; urna pessoa tarada sofre menos do que urna máe ao ver os
desatinos de seu filho; a distancia entre o que deveria ser e de fato é,
aflora mais aos olhos de quem é bem formado.

Na verdade, o sofrimento vem a ser urna escola em que a pessoa


aprende a superar o egoísmo e se abrir aos valores transcendentats. Já
os gregos o verificavam antes de Cristo, ao dizer: páthos máthos (sofri
mento é aprendizagem).

Pois bem; Cristo assumiu o sofrimento do homem até o grau extre


mo e fez dessa escola o instrumento pelo qual morremos á velha criatura
e damos expansáo ao novo homem que está em nos desde o Batismo;
cf. Ef 4, 22-24:

"Postes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior - o


homem velho que se corrompe ao sabor das concupiscencias engaño
sas - e a renovar-vos pela transformagao espiritual da vossa mente e
revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus najustiga e santida-
de da verdade".

Toda renuncia as paixóes ó morte ou.mortificacáo dolorosa, mas


inevitável para que se configure o Cristo em cada cristáo. Ele colabora
para essa configuracáo, como passamos a ver.

3. Deus e o sofrimento

Deus nao envia o sofrimento, mas permite que as limitacóes das


próprias criaturas o ocasionem: por exemplo, o organismo humano está
sujeito a fainas e doencas; o frió e o calor excessivos castigam o homem,
os incendios prejudicam gravemente: além do qué, as paixSes humanas
desencadeiam horríveis desgracas... - Tudo o que assim acontece é
acompanhado pela Providencia Divina, que nao abandona a sua criatu
ra. Escreve Sao Paulo:

"Deus é fiel, nao permitirá que sejais tentados ácima das vossas
torgas. Mas, com a tentagáo, Ele vos dará os meios de sair déla e a torga
para a suportar" (1 Cor 10, 13).

Como sabio artesáo, Deus sabe burilar e podar as suas criaturas


para que se tornem mais transparentes á graca de Cristo que habita nos
justos. Merecem muita atencáo as palavras do autor da epístola aos Hebreus:

"É para a vossa educagáo que sofreís. Deus vos trata como-filhps;
qual é, com efeito, o filho cujo pai nao educa? Se estáis privados da

13
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

educagáo da qual todos participan), entáo sois bastardos e nao filhos...


Deus nos educa para o aproveitamento, a fim de nos comunicar a sua
santidade. Toda educagáo, com efeito, no momento nao parece motivo
de alegría, mas de tristeza. Depois, no entanto, produz naqueles que as-
sim foram exercitados, um fruto de paz e de justiga" (Hb 12, 7-11).

No Apocalipse, o Senhor faz eco a tais consideracóes:

"Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo" (3, 19).

A mesma concepcáo ocorre no Evangelho:

"Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor... Todo ramo


que produz fruto, Ele o poda para que produza mais fruto ainda" (Jo 15, 1s).

Como se percebe, a Escritura enfatiza fortemente o aspecto bené


fico do sofrimento; este nao é algo de irracional, ocorrente por descuido
da Providencia. A historia comprova o papel educacional da dor; muitas
e muitas pessoas se tornaram mais humanas através do que padece-
ram. Nao julguem as pessoas piedosas que seráo privilegiadas; ao con
trario, o Pai sabe podar para que déem mais fruto.

Também os homens sadios e ricos sofrem; cedo ou tarde, o Se


nhor Ihes oferece a oportunidade de carregar um pouco da sua cruz.
Pode-se mesmo dizer: "Infeliz aquele que nao sofre!". Pode-lhe aconte
cer o que ocorreu ao ricaco da parábola de Le 16,19-31: tinha boa casa,
boa mesa, boa roupa; nada o ¡ncomodava, de modo que nem precisava
de tomar conhecimento do pobre Lázaro que jazia á sua porta; ele se
satisfez com tais bens a ponto de perder o gosto dos valores definitivos;
em conseqüéncia, após a sua morte nada pode receber do pai Abraáo...

4. E aqueles que se revoltam?

Verdade é que muitas pessoas, ao sofrer, nao reconhecem a máo


de Deus e se revoltam. Acusam Deus de ser injusto; serviram sempre
fielmente ao Criador e gostariam de ser pagas á altura; Deus leva embo-
ra muita gente boa e deixa ficar os maus neste mundo!

É para desejar que tais pessoas se acalmem e se ponham a racio


cinar: um Deus injusto nao é Deus; ou Deus é o Santo por excelencia ou
Ele nao existe. Um Deus falho, a quem a criatura possa dar licóes de
bom procedimento, nao existe. Se o ser humano nao entende os designi
os de Deús, isto nao quer dizer que sejam falhos, mas que procedem de
urna Sabedoria que o homem nao alcanca; Deus vé muito mais ampia-
mente do que o homem, de modo que nao pode ser julgado pela criatura.
Estas afirmacóes procedem nao somente da fé, mas também da lógica
racional: por definigáo filosófica, Deus é perfeito e santo. Conseqüente-
mente toca á criatura nao a crítica, mas a entrega confiante ao Pai do

14
"PERDÍ A FÉ!" 15

céu; "Ele tanto amou o mundo que entregou o seu Filho único, para que
todo aquele que nele eré nao pereca, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,16).

Quanto aos malfeitores, Deus nao os elimina, porque, como diz S.


Tomás de Aquino, Ele Ihes quer dar um prazo para sua conversáo; Deus
é paciente, já notava Tertuliano (t 220). A parábola do joio e do trigo (Mt
13,24-30) ajuda-nos a compreender o misterio: quando os servidores do
patráo do campo viram o joio crescer ao lado do trigo, quiseram logo
arrancá-lo, para ter um campo isento de erva má. O patráo, porém, os
impediu de o fazer, observando: "Nao recolhais o joio, pois, ao recolhé-
lo, arrancareis com ele o trigo. Deixai que crescam juntos até a ceifa" (Mt
13, 29s). Esta resposta parece indicar outro porqué da persistencia dos
maus na térra; sua conduta deve provocar os bons a se tornar melhores
ou mais fiéis ainda.

"Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciencia de Deus! Como


sao insondáveis os seusjuízos e impenetráveis os seus caminhos! 'Quem,
com efeito, conheceu opensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu
conselheiro? Ou quem Ihe deu primeiro para receber em troca?' (Is 40,
13.28). Porque tudo é dele, por Ele epara Ele" (Rm 11, 33-36).

5. Abandonar a Deus?

Abandonar a Deus numa hora dolorosa é muito pior do que Ihe


permanecer fiel em confianca filial. Afinal em todo homem existe o an-
seio do Infinito e Absoluto, que se chama Deus. Negar resposta a esse
anseio é mutilar a pessoa humana. Esta tende a conceber Deus
antropomorficamente ou á semelhanga de um grande Homem, um Ban-
queiro rico e poderoso, a quem é preciso agradar para dele receber be
neficios. Seja esta nocáo deficiente superada, dando lugar ao conceito
do verdadeiro Absoluto, que a mente humana é incapaz de compreen
der, mas que ela sabe ser infalível ou incapaz de se engañar!

ERRATA

O Dr. Humberto L Vieira, Presidente da PROVIDAFAMÍLIA, cha-


mou-nos a atengaopara um engaño ocorrido em PR dejunho 2001, p.
272, 3g §, onde se lé:
"O espermatozoide... é aproximadamente 100 milhóes de vezes
maior do que o virus HIV".
Na verdade, o tamanho do virus HIV é 450 vezes menor do que o
do espermatozoide e os poros (fissuras) do preservativo sao 50 a 500
vezes maiores do que aqueles virus. Ver Richard Smith, The condom is
it really safe sex?
A Redagáo de PR agradece a colaboragáo do Dr. Humberto Vieira
e conta com a de outros leitores.

15
Comunicacio com o Além?

O MUSEU DAS ALMAS

Em síntese: Aos 28/10/01 o programa "Fantástico" da TV GLOBO


apresentou o Museu das Almas existente em Roma. A Igreja nao se pro-
nunciou a respeito. Nao é de crer que as almas do purgatorio se comuni-
quem táo freqüentemente com os viventes da Térra. Outras causas po-
dem explicar os desenhos encontrados no Museu das Almas. O Catoli
cismo nao admite a comunicagáo mediúnica com os mortos; nao há "tele
fone" entre a Térra e o Além-túmulo. Os fiéis católicos podem rezar aos
Santos sem meios eletrónicos nem médiuns; Deus dá a conhecer aos
Santos as preces dos irmáos deste mundo. O Senhor também pode per
mitir esporádicamente que algum(a) Santo(a) aparega aos homens na
térra; todavía nao há "receita" alguma que os faga aparecer.
* * *

Aos 28/10/01 a TV-GLOBO, no programa "Fantástico" exibiu ima-


gens do Museu das Almas existente em Roma, dando a crer que a comu
nicagáo com os mortos propalada pelo Espiritismo é fato incontestável. A
imprensa escrita divulgou a noticia, deixando muitos leitores surpresos e
perplexos. Eis por que o assunto vai, a seguir, abordado.

1. A Noticia

O jornal O NORTE, de Joáo Pessoa (PB), edicáo de 28/10/01, an-


tecipou-se ao programa de televisáo, entrevistando o parapsicólogo baiano
Clóvis Nunes, que filmou e fotografou as imagens do Museu das Almas
em Roma. Eis alguns trechos do noticiario:

«Tudo comegou com um incendio misterioso na inauguragao de


um altar, em 1897. Os fiéis, ao apagarem o fogo, perceberam do
surgimento das chamas um rosto desenhado pelos residuos da fumaga
que se encontravam no mármore. Conforme Clóvis apurou, o curioso é
que nao havia nada de combustível no local. Conclufram, juntamente com
o padre Victory Juet, que a materializagáo daquele rosto, cujos residuos
estáo intactos até hoje, se tratava de um fenómeno paranormal insólito.

Victory Juet e os fiéis deduziram que seriam almas do purgatorio


pedindo preces para aliviar seus sofrimentos no Além, urna vez que a
igreja estava sendo construida para isso, além de urna demonstragáo
real de que a Igreja seria necessária?A partir daí, o padre impressionado
comunicou ao papa e as autoridades eclesiásticas, empreendeu muitas
viagens pelos países europeus, buscando testemunhos, provas e sem-
pre investigando para inserir outras comunicagóes semelhantes.

16
O MUSEU DAS ALMAS 17

Depois de algum tempo e de urna grande quantidade de material


selecionado, ele fundou o primeiro Museu Crístáo de Além-Túmulo, com
autorizagáo do papa, para legitimar todas as pegas que registram apan
gues de comunicagáo espirita entre padres e freirás.

O parapsicólogo afirma que sao imagens surpreendentes, que re-


velam que as comunicagóes espirituais na Igreja sao evidentes e aconte-
cem em muitas épocas. Em entrevista exclusiva, ele nos relata detalhes
de sua ousadia em driblar a seguranga e trazer os segredos á tona.

Cita casos de diversos padres que nao só admitem a comuni-


cabilidade com os espfritos, como também escreveram livros e fazem
conferencias sobre o assunto. Culmina com o registro do próprío papa
Joáo Paulo II, quando afirmou, literalmente, num dia de finados, na Praga
de Sao Pedro, em Roma, para mais de 20 milpessoas: 'O diálogo com os
mortos nao deve ser interrompido porque, na realidade, a vida nao se
encerra nos horizontes deste mundo'».

2. Que dizer?

Proporemos tres reflexóes.

2.1. Aparicio de almas do purgatorio?

Antes de mais, seria necessário examinar diretamente os dese-


nhos e vestigios atribuidos, no Museu, as almas do purgatorio, pois mais
de urna explicagáo pode ser, no caso, plausível.

Nao é impossível que Deus tenha permitido tais manífestagóes das


almas do purgatorio, mas isto é muito pouco provável. As almas nao tém
corpo (nao tém semblante nem máos); como imprimiram os ditos vestigi
os ás paredes de um edificio? Houve época em que a fantasía de certos
fiéis se exercitava, imaginando o purgatorio á semelhanga de urna prisáo
onde o fogo punia as almas; veremos pouco adiante que se trata, no
caso, de concepgóes erróneas.

A Parapsicología devidamente cultivada nega a possíbilidade de


um espirito se materializar; ver Osear G. Quevedo, As Forjas Físicas
da Mente, tomo II. Os casos ditos "de materializacáo" vém ai explicados
por fatores do aquém (forgas físicas da mente), e nao do Além.
Vé-se, pois, que a explicagáo por intervencáo de almas do Além é
frágil ou pouco consistente.

2.2. Comunicagáo com o Além

A Parapsicología mostra que as ditas "mensagens do Além" nao


sao mais do que projegóes do médium ou da pessoa percipiente. Nao há
"telefone" entre a Térra e o Além. Por isto a sá razáo e a fé nao aceitam a

17
|S "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

comunicac.áo com os mortos, como a concebe o Espiritismo. Alias, a S.


Escritura a proíbe por ser uma crendice, que desvia da reta fé; ver Dt 18,
10-12:

"Em teu meio nao haja alguém... que faga presságio, adivinhagáo
ou magia ou que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou
adivinaos ou aínda que invoque os mortos, pois quem pratica tais coisas
é abominável ao Senhor".

Os espiritas insistem em dizer que a Igreja Católica está revendo


sua posicáo e já reconhece a legitimidade da evoca?áo dos mortos "des
de que esteja vinculada a uma ética adequada de uma postura positiva
dentro da construcáo de valores espirituais para com os interesses da
religiáo" (O NORTE, edicáo citada). Tal noticia carece de fundamento.
Quando o Papa diz que "o diálogo com os mortos nao deve ser interrom
pido, porque, na realidade, a vida nao se encerra nos horizontes deste
mundo", refere-se á comunháo dos Santos; na verdade, a morte nao in-
terrompe a solidariedade existente entre os fiéis; no Além as almas dos
que deixaram este mundo continuam vivas e conscientes, interessadas
em nos ajudar, por suas preces, a chegar á Casa do Pai; podemos pedir
aos Santos que intercedam por nos; Deus (e nao os meios eletrónicos)
Ihes dá a conhecer as nossas preces.

O Senhor também pode permitir que algum(a) Santo(a) apareca


na térra a fim de admoestar o mundo á oracáo e á conversáo; todavía
nao podemos provocar essas aparicóes; sao esporádicas (como as de
Lourdes e Fátima) e nao pertencem ao patrimonio da fé.

A reportagem do jornal "O NORTE" afirma que "há muitos padres


envolvidos na transcomunicacao", autores de livros favoráveis ao Espiri
tismo. Na medida em que tal noticia é verídica, deve-se dizer que tais
sacerdotes estáo ensinando o que eles pensam, nao o que a Igreja pen-
sa. Se o Papa Pió X autorizou a fundacáo do Museu das Almas, ele o fez
admitindo a hipótese de ter Deus permitido, em casos extraordinarios, a
manifestacáo, neste mundo, das almas do purgatorio.

Pergunta-se agora:

3. Que é o purgatorio?

A fantasía humana tem elaborado falsas concepcoes do purgato


rio. O mesmo jornal O NORTE reproduz algumas dessas nocóes:

"Algumas das comunicagóes destes padres (provenientes do Além)


eram o mau uso, por exemplo, das ofertas da Missa e depois, com a
consciéncia culpada, vinham dizer onde estava este dinheiro guardado.
Outras foram de freirás que vinham dizer as irmás que a vida continuava
depois da morte. Também uma grande parte de casos de espfritos em

18
O MUSEU DAS ALMAS 19

sofrímenlo que voltavam pedindopara celebrar Missapara alivio das dores


e das perturbagóes da alma".

Ao ler estas e outras noticias, o leitor poderá conceber o purgatorio


como um lugar de severos castigos, para os quais as almas pedem ali
vio. Seria erróneo pensar assim.

O purgatorio nao é um local, mas um estado postumo da alma que


deixa este mundo com o seu amor voltado para Deus, mas ainda
contraditado por resquicios do pecado (impaciencia, preguica, maledi
cencia,... as faltas das quais os fiéis pedem perdáo no inicio de cada
Missa). Tal alma nao merece condenagáo, mas também nao pode entrar
na visáo de Deus face-a-face, por causa da impureza que traz. A miseri
cordia divina entáo Ihe concede a ocasiáo postuma de repudiar "os
pecadinhos" de cada dia, até que esteja eliminada toda raíz de desordem
ou pecado para poder ver Deus face-a-face. Portanto nao há fogo no
purgatorio nem tormentos físicos; há, porém, a dor de nao ter aproveita-
do devidamente a graca de Deus e nao poder entrar ¡mediatamente na
bem-aventuranca celeste.

Recorrendo a urna imagem, pode-se dizer: se alguém é convidado


a urna festa de nupcias, deve preparar a veste adequada. No dia da fes-
ta, caso nao esteja a veste rematada e limpa por motivo de leviandade e
displicencia do(a) convidado(a), os organizadores do festim Ihe dáo um
prazo para que acabe de preparar o traje digno e assim possa participar
da ceia nupcial. Ora o purgatorio é esse prazo (ou esse estado) em que a
alma resgata sua lerdeza, fortalece seu amor a Deus e extingue toda
desordem remanescente. Quem reza pelas almas do purgatorio, nao está
pedindo anistia para elas, mas pede que o amor a Deus se corrobore e
apague todo resquicio de amor desregrado. Esse tipo de oracáo tem o
nome peculiar de "sufragio" (voto, anseio).

A doutrina do purgatorio assim entendida é muito lógica. Cristo


morreu para a expiacáo dos pecados da humanidade, abrindo-nos as
portas do céu, mas nao nos dispensa de fazer nossa parte de ascese ou
purificacáo (sustentada, sem dúvida, pela graca divina).

O purgatorio nao foi "criado" pela Igreja; é, antes, urna heranca


recebida do povo de Deus pré-cristáo, pois já os judeus no século II a. C.
acreditavam na necessidade de expiacáo postuma por parte de quem
morresse ainda incoerente e marcado por pequeñas contradicóes; ver 2
Macabeus 12, 39-45.

É de notar ainda que, como diz a reportagem de O NORTE, "Clóvis


Nunes é consultor da Rede Globo de Televisáo para assuntos
paranormais. Foi ele quem enfrentou o padre Quevedo no quadro domi
nical 'O Cacador de Enigmas' no Fantástico".

19
Alegagóes essénias:

A FRAUDE DE SAO PAULO"


por Fernando Travi

Em síntese: A revista SUPER-INTERESSANTE, edigáo de novem-


bro 2001, publicou um artigo de Femando Travi, afirmando que Sao Pau
lo deturpou a mensagem de Jesús Cristo. Compara as cartas paulinas
com um "Evangelho dos Doze Santos" encontrado no Tibete em 1850, e
verifica antíteses entre aquetas e este. O articulista prefere dar crédito a
um apócrifo descoberto em época recente a aceitara Tradigáo crista que
comega com os Apostólos e vem ininterruptamente até nossos dias. So-
mente em tempos modernos ou nos nossos dias é que se compreende a
mensagem de Cristo?
* * *

Causou surpresa no público o artigo do Dr. Fernando Travi intitulado


"A Fraude de Sao Paulo" e publicado pela revista SUPER-INTERESSAN
TE n9178, em novembro 2001. Tal edicáo, com sua tiragem de 456.478
exemplares, chamou a atencáo de varios leitores interessados num co
mentario do artigo. É o que será efetuado a seguir.
O autor do artigo é presidente da Sociedade Brasileira de Biogenia
e Higienismo e fundador da Igreja Essénia de Jesús Cristo. Apoia suas
afirmacóes em tres tipos de documentos: 1) o Evangelho dos Doze San
tos, encontrado no Tibete em 1850; 2) o Evangelho Essénio da Paz e 3)
os manuscritos do Mar Morto achados em 1947 (e nao 1945, como diz F.
Travi).

Afinal quem eram os essénios, já mencionados atrás?

Os essénios eram urna seita judaica, que vivia em comunidades


ascéticas, cultivando a ora9áo e severa disciplina. Pode-se crer que se
tenham estabelecido também em Qumran, junto ao Mar Morto e tenham
redigido os famosos manuscritos de Qumran. Pouco depois da deseo-
berta desses escritos, alguns estudiosos julgaram que Jesús foi urna copia
ou urna "segunda edicáo" do Mestre de Justica essénio e quiseram ver
no cristianismo a continuacáo da mentalidade essénia. Todavía esta tese
foi logo afastada, pois um estudo mais aprofundado da materia eviden-
ciou diferencas radicáis entre Jesús e os essénios.

Ora Fernando Travi parece adotar tal hipótese já ultrapassada; daí


ter ele fundado a Igreja Essénia de Jesús Cristo; somente vinte séculos

20
"A FRAUDE DE SAO PAULO" 2\_

após Jesús Cristo estaría o mundo de posse do pleno e exato conheci-


mento da mensagem de Cristo. As primeiras geracóes cristas ter-se-áo
engañado a respeito, por obra do Apostólo Paulo.

O contraste entre Sao Paulo e Jesús Cristo é por F. Travi


depreendido da comparacáo das cartas paulinas com o chamado "Evan-
gelho dos Doze Santos" descoberto no Tibete. Esse pretenso Evange-
Iho, se foi conhecido pelas antigás geracóes cristas, nao prevaleceu so
bre o testemunho de Mateus, Marcos, Lucas e Joáo, que nao entram em
contradicáo com Sao Paulo. Depois de hesitacóes, o catálogo bíblico foi
definido em 393, sem incluir o Evangelho dos Doze Santos nem o Evan-
gelho Essénio da Paz. De resto, estes dois livros apócrifos sao táo pouco
conhecidos que os melhores historiadores da literatura crista nem os
mencionam. É desarrazoado jogar fora vinte séculos de tradicáo crista
para privilegiar um documento descoberto recentemente. A Igreja de Je
sús Cristo já está fundada por Ele mesmo; nao é necessário que alguém
a funde em nossos dias.

A figura do Apostólo Paulo é totalmente descaracterizada por F.


Travi. Com efeito, diz o articulista:

- "Paulo era urna especie de agente policial a servico dos roma


nos. Fazia incursóes para prender e supliciar os nazarenos". - Ora nao é
isto que o Apostólo diz de si mesmo; cf. Fl 3,5:"... hebreu filho de hebreus;
quanto á Lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja". Por conse-
guinte Sao Paulo perseguía os cristáos nao em nome do poder romano,
mas em funcáo de suas conviccóes de hebreu filiado ao partido dos
fariseus;

- "urna vez convertido a Cristo, Paulo foi aceito pelos nazarenos e


com ele estudou durante quase tres anos". - Nao ó isto que o Apostólo
refere; cf. Gl 1, 15-20:

"Quando aquele que me separou desde o seio materno... houve


por bem revelar em mim seu Filho, para que eu o evangelizasse entre os
gentíos, nao consultei carne nem sangue, nem subi a Jerusalém para ver
os que eram apostólos antes de mim, mas fui a Arabia e voltei novamente
a Damasco. Em seguida, após tres anos, subi a Jerusalém para avistar-
em com Cefas e fiquei com ele quinze dias. Nao vi nenhum Apostólo,
mas somente a Tiago, o irmáo do Senhor. Isto vos escrevo, e vos asse-
guro diante de Deus que nao minto".

Sao Paulo fazia absoluta questáo de dizer que nao era discípulo
dos Apostólos, mas aprenderá diretamente do Senhor Jesús durante os
tres anos que passou na Arabia (ou em lugar tranquilo, á margem da
Palestina). Assim comeca ele a carta aos gálatas:

21
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

"Paulo, apostólo - nao da parte dos homens nem por intermedio de


um homem, mas por Jesús Cristo e Deus Pai..."

- "Paulo comecou entáo a divulgar a doutrina, mas com diversas


mudarlas. Os nazarenos se opuseram a essas alteracóes, o que culmi-
nou com a sua expulsáo". - Ora o próprio Paulo diz o contrario; cf. Gl 2,1 -9:

"Quatorze anos mais tarde, subi novamente a Jerusalém, tendo to


mado comigo também Tito... Vendo que a mim fora confiado o evangelho
dos incircuncisos como a Pedro o dos circuncisos - pois aquele que es-
tava operando em Pedro para a missáo dos circuncisos operou também
em mim em favor dos gentíos - e conhecendo a graga a mim concedida,
Hago, Cefas e Joáo, os notáveis tidos como colunas, estenderam-nos a
mao, a mim e a Barnabé, em sinal de comunháo: nos pregaríamos aos
gentíos, e eles para a Circuncisáo".

Como se vé, em vez de expulso, Paulo foi confirmado em plena


comunháo com os demais Apostólos. Esta afirmacáo é corroborada por
urna passagem da segunda carta de Sao Pedro (3,15), que diz o seguinte:

"Considerai a longanimidade de nosso Senhor como a nossa sal-


vagao, conforme também o nosso amado irmáo Paulo vos escreveu, se
gundo a sabedoria que Ihe foi dada".

- Sao Paulo terá escrito suas epístolas "enquanto estava na prisao


como cristáo perseguido". - Ora isto nao corresponde á realidade. O
Apostólo nos deixou treze cartas, das quais cinco apenas foram escritas
na prisao: a Filemon, aos Colossenses, aos Efésios, aos Filipenses, a 2-
a Timoteo (testamento paulino).

Destas observacóes pode-se depreender que o Dr. Fernando Travi


está mal informado a respeito do Apostólo Sao Paulo e, por conseguinte,
carece de autoridade para dizer que Paulo deturpou a palavra de Jesús.

A temática "Essénios e Jesús Cristo" será mais amplamente abor


dada no seguinte artigo deste fascículo.

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RIO (RJ) 20001-970. TELEFAX: 0XX21-2242-4552.

22
Finalmente:

PUBLICADOS OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO

Em síntese: Em 1947 foram descobertos importantes manuscritos


bíblicos e ascéticos em Qumran (Nordoeste do Mar Moño) redigidos em
hebraico e aramaico. Pertenciam a urna comunidade de monges judeus
que naquele local construirán) um mosteiro. O precario estado de con-
servagáo desses manuscritos dificultou a leitura dos mesmos, de modo
que somente em 2001 pode ser feita a publicagáo de táo valiosos docu
mentos. O texto deste artigo expóe o género de vida dos monges
(essénios) de Qumran e algumas ponderagóes sobre o seu relaciona-
mento com o Cristianismo.
* * *

Eis a noticia publicada pelo jornal O GLOBO aos 16/11/01, p. 21:

• Nova York. Mais de cinco décadas depois de terem sido descobertos


em cavernas da Cisjordánia, os manuscritos do Mar Moño, escritos entre
os anos 250 a.C. e 70 d.C, foram finalmente publicados em sua totalida-
de. O anuncio da publicagáo foi feito ontem pelo professor Emmanuel
Tov, da Universidade Hebraica de Jerusalém, na Biblioteca Pública de
Nova York. Os manuscritos do Mar Moño foram guardados zelosamente
por urna dezena de académicos durante anos, e só depois da divulgagáo
- sem autorizagáo - das copias de alguns de seus textos, o monopolio foi
rompido há alguns anos.

Os 900 manuscritos, publicados em 37volumes, foram escritos em


hebraico e aramaico, em mais de 15 mil folhas de couro e papiro. Acredi
tase que os textos tenham sido escritos pelos essénios, urna seita
hebraica. Os pergaminhos sao considerados um tesouro da historia e
religiáo judaicas. Os escritos aínda contém oragóes, interpretagóes bíblicas
e poesías.

Tais manuscritos tém suscitado suspeitas no tocante á figura de


Jesús Cristo e á mensagem do Novo Testamento. Eis por que passamos
a considerá-los mais detidamente.

1. Os Manuscritos de Qumran

Qumran é urna localidade situada no deserto de Judá, á margem


N. O. do Mar Morto. Em urna gruta daquela regiáo, um pastor beduino,
que andava á procura de urna ovelha (ao menos, esta é a versáo mais
comum do episodio), descobriu em fevereiro de 1947 sete jarros de argi-

23
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

la, dos quais um continha tres rolos de pergaminho. Esse material, a


principio nao claramente identificado, chegou finalmente as máos dos
estudiosos de Israel e dos Estados Unidos da América. Estes reconhe-
ceram que se tratava de manuscritos bíblicos de alto valor, pois eram
extremamente antigos.

Em 1949, tendo sido de certo modo pacificada a situacáo na térra


de Israel, o Prof. G. Lankester Harding, Diretor do Departamento de
Antigüidades da Jordania, e o P. Roland de Vaux O. P., Diretor da "Ecole
Biblique" de Jerusalém, deram inicio a procuras e escavacóes sistemáti
cas na regiáo de Qumran. Essas pesquisas duraram até 1958 e se es-
tenderam por toda a regiáo vizinha, abrangendo Murabba'at, Khirbet Mird,
Ain Feshkaha, Massada. Ao todo descobriram-se onze grutas, ñas quais
se acharam cerca de 900 manuscritos; somente dez destes estáo mais
ou menos integralmente conservados; os demais sao fragmentos, de lei-
tura oramais, ora menos difícil. Aconfeccáo desses escritos estende-se
do séc. II a. C. ao séc. I d. C.

Urna quarta parte desses textos sao livros ou fragmentos bíblicos.


Todos os livros da Biblia hebraica estáo ai representados, exceto o de
Ester; há mesmo diversos manuscritos de um mesmo livro bíblico - o
que mostra quais eram os textos mais estimados e usados na regiáo:
Isaías, Deuteronómio, os Profetas Menores, os Salmos.

Alguns manuscritos de Qumran e adjacéncias sao copias de textos


bíblicos muito próximas, cronológicamente, dos seus origináis ou autó
grafos. Assim um manuscrito de Daniel encontrado em Qumran é ape
nas cem anos posterior aos autógrafos de Daniel, que a crítica atribuí
geralmente ao ano de 165 a. C. Também um manuscrito do Eclesiastes
achado em Qumran dista do seu autógrafo apenas um século. - Para se
avaliar a importancia deste fato, seja lembrado que até 1947 os mais
antigos manuscritos que se tinham da Biblia hebraica, datavam dos séc.
IX e X depois de Cristo. Ora os manuscritos de Qumran permitem retro
ceder cerca de mil anos na historia do texto de alguns livros bíblicos.
Verificou-se, pelo confronto dos manuscritos, que o texto geralmente usado
ñas tradmjóes e edicóes da Biblia em nossos dias é substancialmente o
mesmo que se usava já cerca de 2.000 anos atrás.

Além dos textos bíblicos, as grutas de Qumran continham dois ou-


tros tipos de manuscritos: 1) apócrifos, tais como estavam em uso no
judaismo no tempo de Cristo; 2) os escritos de urna comunidade religio
sa judaica, que tinha sua Regra ou Manual de Disciplina e seus comenta
rios da S. Escritura, os quais revelavam urna mentalidade fortemente ca
racterizada por expectativas messiánicas.

Se a historia das pesquisas ñas grutas dos arredores do Mar Morto


estava encerrada em 1958, o mesmo nao se podia dizer no tocante á

24
PUBLICADOS OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO 25

exploracáo e posse dos manuscritos. Com efeito, em muitos casos foram


os beduinos os primeiros a penetrar ñas grutas e retirar os jarros e per-
gamínhos. Ora nao se sabia se tudo o que os beduinos haviam desco-
bertojá fora vendido aos arqueólogos e dentistas. Registrou-se, por exem-
plo, urna surpresa em 1967, quando após a Guerra dos Seis Dias, os
israelianos anunciaram a aquisigáo de um manuscrito do comprimento
de 8,60m, portador de um texto inédito que se dispóe em 66 colunas.
Esse manuscrito, que veio a ser chamado "o Rolo do Templo" (porque,
entre outras coisas, descreve minuciosamente o Templo de Jerusalém),
parece ter sido o último a ser adquirido pelos sabios.

2. O ambiente humano de Qumran

1. As escavacóes levadas a efeito em Qumran nos anos de 1951,


1953-1956 e 1958 (só se podia trabalhar no invernó, quando há um pou-
co de chuva e a temperatura é menos quente nos arredores do Mar Mor-
to) levam a ver alguns estágios de habitagáo humana na regiáo.

O mais antigo estrado faz retroceder até os séc. VIH/Vil a. C. Pare


ce ser o de urna fortaleza, á qual se prendía urna cisterna redonda (a
única de tal tipo no local). Essa construcáo pode ser atribuida ao reinado
de Ozias, rei de Judá (781 -740 a. C; cf. 2 Cr 26,10); o nome da fortaleza
é talvez indicado por Js 15, 62: Ir-ham-melah, cidade do Sal.

Essa fortaleza deve ter caído em ruinas quando caiu o reino de


Judá em 587 a. C. No séc. II a. C, o lugar foi de novo povoado por um
grupo de sacerdotes judeus e seus seguidores, que julgavam estar sen
do profanada a Cidade Santa de Jerusalém pela dinastía hasmonéia,
amiga da cultura grega. As primeiras construcóes dessa nova fase de
habitagáo parecem datar de 130/120 a. C; grande valor era dado aos
aquedutos e cisternas, pois a comunidade tinha que captar toda a agua
das chuvas da regiáo. A vida deve-se ter desenrolado tranquilamente em
Qumran, num clima monástico de oracáo e trabalho, até 31 a. C, quando
um terremoto (mencionado por Flávio José) terá obrigado os habitantes
a abandonarem o local; deslocamento de construgóes e vestigios de in
cendio atestam tal abalo císmico. Aproximadamente no ano 4 a. C. (é o
exame das moedas encontradas no local que permite datar), os monges
de Qumran voltaram ao seu deserto, reconstruindo ai os diversos recin
tos do mosteiro; essa segunda fase de vida monástica deve ter sido as-
saz intensa e próspera; terminou, porém, em junho de 68 d. C, quando
as tropas da X Legiáo Romana, desejando atacar Jerusalém, fizeram
fmpeto em direcáo de Jericó e do Mar Morto. Apressadamente, entáo, os
monges, antes de fugir, ocultaram ñas grutas das vizinhangas os seus
numerosos manuscritos, esperando poder encontrá-los de novo, quando
lá voltassem após a borrasca da guerra!... Tal esperanga nao se cumpriu;

25
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

os romanos se apoderaram do local (talvez tenham vitimado parte dos


habitantes remanescentes) e lá estabeleceram um fortim, que subsistiu
até o fim do séc. i.

Em Qumran refugiou-se aínda um pequeño grupo dejudeus rebel


des durante a ¡nsurreicao anti-romana de 132-135 d. C.

Terminada, porém, esta guerra, a localidade, com seus tesouros


culturáis, ficou deserta e, por assim dizer, ignorada do mundo até 1947!
As ruinas do antigo mosteiro foram sendo recobertas por areia e pedras.
Encontravam-se ai os destrocos de vasta habitacáo humana, auténtico
mosteiro judaico, no qual se identificaran! urna ampia sala de leitura, um
escritorio comum, um refeitório, urna dispensa, cozinha, aquedutos, etc.,
e um cemitério, onde jazem cerca de 1100 cadáveres, na maioria de va-
róes (poucas mulheres e criancas - o que é indicio da vida geralmente
celibatária dos habitantes da regiáo).

3. O género de vida em Qumran

1. Os estudiosos geralmente identificam os monges de Qumran


com os essénios, de que falam Filáo de Alexandria (t 44 d. C), Flávio
José (t 100 d. C. aproximadamente) e Plfnio o Anciáo (t 79 d. C). Eis,
por exemplo, o que a respeito dos essénios refere Plínio o Anciáo, natu
ralista e geógrafo romano:

"Á margem ocidental do Mar Moño, tora da algada da influencia


nociva das suas aguas, encontram-se os essénios. Povo solitario, o mais
extraordinario povo que exista, sem mulheres, sem amor, sem dinheiro,
vivendo em companhia das palmeiras... Assim, }á há milhares de séculos
(coisa incrfvel!), subsiste urna raga eterna em que ninguém nasce... Abaixo
da mansáo dos essénios situava-se a cidade de Engadi, á qual só se pode
preferir Jericó quanto a fertilidade e quanto as palmeiras" (Hist. Nat. V17,4).

Mesmo que se reconheca nestes dizeres urna larga parte de retóri


ca, eles aproximam o leitor da realidade histórica.

Também Filáo de Alexandria deixou urna noticia sobre os essénios:

"Moram juntos em comunidades fraternas... Há urna só caixa para


todos, e as despesas sao comuns, comuns sao as vestes, e comuns os
alimentos. Com efeito, adotaram o costume das refeigóes em comum.
Um tal recurso ao mesmo teto, ao mesmo género de vida e á mesma
mesa, nos o procuraríamos em váo alhures" ("Quod omnis probus" 85).

É certo que os habitantes de Qumran levavam um género de vida


muito semelhante ao que descrevem os textos ácima. Conservavam o
celibato, talvez com algumas excecóes (pois no cemitério anexo ao mos
teiro se encontraram alguns poucos cadáveres de mulheres e criancas).

26
PUBLICADOS OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO 27

Realizavam numerosos atos em comum: encontraram-se ñas ruinas do


mosteiro duas salas de reuniáo, urna destinada a sessóes de conselho, e
a outra mais adaptada as refeícoes; junto a esta, em pequeño comparti
mento havia mais de mil pegas de cerámica (jarros, tigelas, pratos, co
pos...); os ossos de animáis existentes ñas proximidades indicam que os
qumranitas consumiam carne em refeicóes que deviam ter índole religio
sa. Descobriram-se também oficinas entre as ruinas do mosteiro: carpin-
taria, olaria com dois fofnos, padaria..., assim como um grande escritorio
com urna mesa de 5m de comprimento e dois tinteiros, onde eram copi
ados os numerosos manuscritos da biblioteca. Nao faitavam recintos para
depositar víveres (dispensa) e instrumentos de trabalho. Ao sul de Qumran,
ou seja, no oasis de Ain-Feshkaha, os monges cultivavam a térra e provi-
am á alimentacáo da comunidade. Todavía nao se encontraram dormito
rios ñas ruinas de Qumran; é o que leva a crer que os monges - todos ou
quase todos - passavam as noites em tendas ou grutas dos arredores do
grande edificio onde oravam e trabalhavam conjuntamente. Levando-se
em conta o número de túmulos encontrados no cemitério-, que deve ter
servido ao mosteiro durante dois séculos, julga-se que no período áureo da
ocupacáo monástica a comunidade podia constar de duzentos membros.

Embora, como dito atrás, numerosos historiadores identifiquem os


habitantes de Qumran com os essénios, há quem prefira guardar reserva
sobre o assunto. Como quer que seja, esses moradores do deserto eram
judeus movidos de espiritualidade férvida e rigorosa.

2. Com efeito, o dia em Qumran era consagrado ao trabalho manu


al e urna terca parte da noite (o seráo) decorria em estudo de textos
bíblicos e oracáo. O sábado era rigorosamente observado, como absten-
cáo de toda atividade profana. Os monges trajavam a veste sacerdotal
de cor branca e submetiam-se durante o dia a diversas ablucóes e ba-
nhos rituais; a pureza exterior devia exprimir e fomentar a pureza interior.

O candidato que quisesse anexar-se á comunidade, devia exerci-


tar-se durante um primeiro ano (que hoje se chamaría "postulantado"),
ao qual se seguiam dois anos de provacáo severa. As etapas de admis-
sáo na comunidade eram assinaladas pela entrega da veste branca, a
participacáo nos banhos rituais e, por fim, o acesso á refeicáo sagrada,
que tornava o candidato membro da comunidade com plenos direitos.
Antes da admissáo definitiva, o novico se comprometía por juramento
solene a "converter-se á lei de Moisés, segundo tudo que ele prescreveu
com todo o coracáo e toda a alma".

Os bens que o novo membro possuísse, eram entregues ao supe


rintendente da comunidade. Caso nao respeitasse as regras do convivio
fraterno, era submetido a sancóes, entre as quais a exclusáo temporaria
ou definitiva ou mesmo a pena capital.

27
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

A comunidade de Qumran era distribuida em grupos de dez mem-


bros, cada um dos quais tinha á frente um sacerdote, filho de Sadoc.
Mais precisamente, eis como teve origem a comunidade.

3. No séc. II a. C. (sob o chefe judeu Jónatas Macabeu, 160-142?


Ou sob Joáo Hiercano, 134-104? Ou sob Alexandre Janeu, 103-76?), um
grupo de sacerdotes e fiéis israelitas se retiraram para o deserto de
Qumran, a fim de levar urna vida toda dedicada á oracáo e ao trabalho;
julgavam nao poder coexistir com seus correligionarios em Jerusalém,
pois a fé dos dirigentes de Israel Ihes parecía contaminada pelo espirito
mundano helenista. Queriam preparar na solidáo o reino de Deus, o qual
devia irromper chefiado por dois Mestres: o Messias de Aaráo, que, re
presentando o sacerdocio, estaría encarregado de ensinar a Palavra de
Deus e promulgar a Nova Lei, e o Messias de Israel, ao qual tocaría o
poder regio de Davi. Esse grupo de homens piedosos era inicialmente
dirigido por um sacerdote intitulado o "Mestre de Justica", intérprete das
Escrituras Sagradas, o qual ensinava aos seus discípulos que se afas-
tassem da vida paga e renovassem sua fídelídade á Lei de Moisés. O
Mestre de Justica tinha por antagonista um personagem de Jerusalém,
chamado nos manuscritos de Qumran "o Sacerdote impío", o qual se
esquecera da Lei de Deus; o malvado chegou a ir a Qumran, tentando
vencer a resistencia passiva dos dissidentes. Seus esforcos, porém, fo-
ram baldados: ele, o tirano (e nao o Mestre de Justica), foí aprisionado
pelos gentíos, que o condenaram á morte.

4. Qumran e o Novo Testamento

Antes do mais, qual seria a espihtualidade que se exprime nos do


cumentos do Mar Morto?

Como indica o histórico dos essénios, é urna espirítualidade religi


osa muito férvida. Os habitantes de Qumran viviam na expectativa ar-
dente da vinda do Reino de Deus, julgavam ser eles os únicos israelitas
incontaminados, os filhos da luz em meio aos filhos das trevas. O seu
isolamento topográfico no deserto significava também isolamento de es
pirito; em virtude de sua mentalidade estreíta, particularista, nao queriam
intercambio com os moradores das cidades (neste ponto iam, pois, muito
mais longe do que os fariseus). Ao lado disto, porém, nutríam concep-
cdes religiosas bastante elevadas, estimando os bens ¡nvisíveis, a vida
eterna e afastando-se do ideal de um messianismo político; os maus,
para eles, nao coincidiam propriamente com os romanos ou pagaos, mas
com os seus compatriotas representantes da religíáo oficial de Israel, os
quais Ihes pareciam pactuar com os costumes pagaos.

Este fundo de idéias já nos dá a ver que entre os essénios e os


cristáos há pontos de contato como há pontos de divergencia.

28
PUBLICADOS OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO 29

1. Analisemos estes últimos.

a) A mentalidade essénia ou a mentalidade apregoada pelo Mestre


de Justica parte de um pressuposto bem diferente do que Cristo apre-
goa. Ao passo que o Mestre de Justica se retirava no deserto com seu
grupo de discípulos para evitar o contato com os homens ¡mundos, Jesús
fazia questáo de comer com os pecadores, de dizer que viera salvar as
ovelhas perdidas,... que nao sao os sadios, mas os doentes, que preci-
sam de médico (cf. Me 2,16; Le 5,30). Fazendo isto, destoava dos fariseus
e os escandalizava; muito mais teria escandalizado os essénios, cuja
Regra mandava "odiar todos os filhos das trevas" (110); Cristo pregava o
amor extensivo até mesmo aos inimigos (cf. Mt 5,44; 22,40). Por conse-
guinte, já se vé que váo seria querer fazer de Jesús urna "segunda edi-
cáo" do Mestre de Justiga ou um discípulo dos essénios, um continuador
da mentalidade destes.

b) Ao passo que o Mestre de Justica aguardava o fim dos tempos e


a instauracáo do Reino de Deus por obra de dois Messias, Jesús tinha
consciéncia de ser o Messias pelo qual estas realidades se iniciaram no
mundo: "Eu sou o Messias, que te falo" (Jo 4, 26); "É agora o julgamento
do mundo" (Jo 12,31); "O Reino de Deus está em meio a vos" (Le 17,21).

2. Apesar de todas estas divergencias de mentalidade, há quem


diga que Jesús foi discípulo dos essénios no período que vai dos doze
aos trinta anos de idade; teria entáo vivido no deserto ou no monte
Carmelo, iniciando-se no esoterismo... Sem dúvida, os manuscritos do
Mar Morto nao somente nao oferecem base para esta hipótese, mas,
como se depreende das comparares ácima, levam a rejeitá-la. Por seu
lado, o texto do Evangelho é contrario a tal suposicáo, pois refere que,
quando Jesús comegou a pregar em Nazaré, sua patria, os seus
concidadáos exclamavam:

"Qual é essa sabedoria que Ihe foi dada e que grandes milagres
sao esses que se fazem porsuas máos? Nao é esse o carpinteiro, o filho
e María, o irmáo de Tiago, José, Judas e Simáo? E suas irmás nao habí-
tam conosco?" (Me 6, 2s).

Como se vé, os conterráneos de Jesús conheciam perfeitamente


sua identidade; sabiam o que fizera até se manifestar em público: tora
carpinteiro, bem notorio a eles; daí a surpresa que experimentaram, quando
de seus labios ouviram urna sabedoria nao adquirida em escola humana.

3. Contudo os fautores da identidade entre Jesús e o Mestre de


Justica (nomeadamente Wilson e Allegro) julgam poder apelar para ana-
logias, que eis aqui:

a) O Mestre de Justica pregava como Doutor inspirado, reagindo


contra o falso espirito religioso de seu povo; em conseqüéncia, sofreu

29
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

perseguicáo por parte dos dirigentes da nacáo. Nestes pontos coincide


com Jesús Cristo.

Nao consta, porém, que haja sido condenado á morte; ao contra


rio, os textos de Qumran dizem que "se reuniu a seus país" - expressáo
que designa a morte tranquila dos Patriarcas. Em parte alguma é enunci
ada a sua ressurreigáo. Quanto á sua volta no fim dos tempos para julgar
o mundo, só pode ser defendida na base de contestáveis interpretacoes
dos textos. Numa reflexáo serena verifica-se que os tragos característi
cos do Mestre de Justica coincidem com os que os israelitas atribuíam a
Elias e aos profetas; só o assemelham a Jesús na medida em que Jesús
se assemelhou aos profetas.

b) Os monges de Qumran, distanciando-se um tanto do judaismo


oficial, celebravam urna ceia sagrada á noitinha, em que consumiam pao
e vinho bentos. Essa refeicáo era considerada a antecipagáo do banque
te a que o Messias de Aaráo havia de presidir no fim dos tempos. Ora
Jesús, dizem, celebrou ceia análoga com seus discípulos e mandou re-
peti-la em seu nome...

Para avaliar o significado de tal analogia, tenha-se em vista que


ceias sagradas sao rito muito freqüente no culto religioso como tal. Além
disto, note-se que, apesar de semelhanca de ritual, Cristo deu á ceia
crista (eucarística) um sentido novo, sentido de consumacáo em relacáo
á ceia essénia; afirmou, sim, que o pao e o vinho sao a sua própria carne
e o seu sangue imolados em sacrificio para selar urna nova e definitiva
Alianca de Deus com os homens, em substituigáo da Alianca travada por
intermedio de Moisés; os essénios em absoluto nao tinham a idéia de um
sacrificio redentor do Messias; muito menos a idéia de participar desse
sacrificio mediante urna ceia sacramental. - Sendo assim, reconhecer-
se-á que o gesto de Cristo na última ceia podía ter urna forga de evoca-
gáo muito particular para os seus discípulos, pois nao era inédito em seu
aspecto exterior; era, porém, portador da realidade totalmente nova...

Conseqüentemente a tais observagóes, nao há em nossos días


exegeta de autoridade que, na base dos manuscritos de Qumran, queiru
identificar Jesús com o Mestre de Justiga ou com um essénio. O autor
que é tido como protagonista desta tese, A. Dupont-Sommer, apenas faz
insinuá-la de longe, nunca, porém, a propós como tal. Eis o que ele mes-
mo declarava em urna de suas últimas obras (Nouveaux apergus sur les
manuscrits de la Mer Morte. Paris 1956, 206s):

"Eu esbogara um ligeiro paralelismo que visava a despertar a curi-


osidade do leitor, sem pretender de modo algum solucionar, por meio de
simplificacáo excessiva, um problema dos mais complexos... Seja-me lí
cito lembrar o inicio: 'O Mestre Galileu, tal como nó-lo apresentam os
escritos do Novo Testamento, aparece sob mais de um aspecto como

30
PUBLICADOS OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO 31

surpreendente reencarnagáo do Mestre de Justíga'. Aopasso que eu


me exprimía com cautelas intencionáis, os meus leitores suprimiram as
paiavras essenciais, atribuindo-me a seguinte frase: 'Jesús nao é mais
do que surpreendente reencarnagáo do Mestre de Justíga!' Isto im
plica confundir 'ser' e 'parecer', implica deixar de lado urna precisáo im
portante; quem diz 'sob mais de um aspecto' nao dá a entender que a
semelhanga nao é total?".

4. Passando agora aos escritos do Novo Testamento, verificare


mos que entre eles e os documentos de Qumran há expressoes e vocá-
bulos paralelos; chama a atencáo principalmente a metáfora de "luz e
trevas" para designar a Verdade (ou a Vida) e o erro (ou a morte)- cf Le
16, 8; Jo 3, 19-21; 12,35s; 2Cor 6, 14-17; Cl 1, 12. Até o inicio do'nosso
século sustentavam alguns eruditos que o Evangelho de Sao Joáo e as
epístolas de Sao Paulo adulteraram a mensagem de Jesús, estritamente
vasada nos moldes do Antigo Testamento, pois ousaram mesclar-lhe idéi-
as e expressoes oriundas do mundo helenista pagáo; alguns por isto
chegavam a denegar ao Apostólo Sao Joáo a autoría do quarto Evange
lho, julgando que um judeu nunca teria podido escrever em moldes táo
helenistas. Ora o conhecimento dos textos de Qumran permite hoje dizer
que precisamente os escritos joaneus e paulinos sao os que mais afini-
dade de temas e vocabulario apresentam com o Judaismo. Todavía a
semelhanca nao implica necessariamente dependencia; pode-se mes-
mo dizer que nao há tema ou vocábulo comum aos documentos do Mar
Morto e ao Novo Testamento que nao esteja germinalmente contido em
algum dos escritos mais antígos da literatura bíblica.

O estudioso, por conseguinte, nao se deixará transviar pelas se-


melhancas que se apontam entre Essenismo e Cristianismo. Antes, vol-
tará sua atencáo para a mensagem positiva e valiosa dos manuscritos do
Mar Morto: revelam-nos urna face nova do Judaismo contemporáneo a
Cristo. Ao passo que ató estes últimos anos nos era conhecida quase
exclusivamente a mentalidade legalista, formalista da faecáo farisaica,
aparece-nos agora o aspecto de um Judaismo interiorizado, profunda
mente religioso e místico, aspecto que muito melhor concorda com a
mensagem do Cristianismo. Os documentos de Qumran, no que eles
tém de sadio, nos permitem acompanhar a transicáo lenta e orgánica da
espiritualidade do Antigo Testamento para a do Evangelho. Constituem o
fundo ¡mediato (fundo que nunca pudéramos reconstituir com tanta pre
cisáo como agora) sobre o qual se realfa com mais clareza e pujanca a
mensagem de Jesús Cristo. Esta se mostra, de fato, correspondente as
sás expectativas do Judaismo; é o cumprimento das promessas feitas
aos Patriarcas de Israel, deixando de lado, porém, todo particularismo e
nacionalismo.

31
Diálogo religioso:

RESPOSTA AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Em síntese: As Testemunhas de Jeová negam a Divindade de Cris


to, a imortalidade da alma, a autenticidade da Igreja Católica... deixando
seus interlocutores perplexos. Atendendo ao pedido de amigos, a Reda-
cao de PR dispóe-se a ajudar os católicos a responder aos visitantes que
os querem desviar da reta fé. As Testemunhas de Jeová confeccionaram
urna tradugao própria da Biblia, levando em conta exatamente suas pre-
missas - o que equivale a distorcer o texto sagrado em varios casos.
* * *

A Redacáo de PR recebeu urna carta em que se lé:


"Preciso muito de sua ajuda, pois tenho urna irmá que é Testemu-
nha de Jeová e está sempre tentando fazera nossa cabega para deixar a
Igreja Católica e passarpara T. de Jeová. Ela e o marido déla críticam a
nossa Igreja e ensinam outra fé, outras crengas, e as vezes nos, eu e meus
outros irmáos e irmás, nao temos argumentos para nos defender". Segue-se
urna serie de interrogagóes relativas á interpretagáo de textos bíblicos.
Atendendo ao pedido de ajuda, ñas páginas subsecuentes exami
naremos as citagóes, procurando discernir o seu verdadeiro sentido.
1.CI1,15eAp3,14

Cl 1,15: "Jesús Cristo é o primogénito de toda criatura".


Ap 3,14: "Assim fala o Amém..., o principio da criagáo de Deus..."
Primogénito e Principio, nos dois casos, significam a preexistencia
de Cristo em relacáo a qualquer criatura; é anterior ao mundo criado, a
ponto que Sao Paulo diz que "tudo foi criado por Ele" (Cl 1,16). Com tais
expressoes os autores sagrados fazem alusáo á Sabedoria Divina per
sonificada nos livros sapienciais do Antigo Testamento: a Sabedoria é
concebida como preexistente a tudo e artesa que acompanhou a Deus
na obra da criagáo (cf. Pr 8,22-26); em Eclo 24 a Sabedoria diz '1er saído
da boca do Altíssimo e reger as ondas do mar e os continentes e todos os
povos e nacóes"; em Sb 7-8 ela aparece como "reflexo da luz eterna...
imagem de sua bondade". Ver ainda Jó 28,12-23 e Br 3,31 s. Ora Cristo
é tido como a Sabedoria de Deus por excelencia.
Em Jo 1, 1 está dito que "no principio existia o Logos e o Logos
estava voltado para Deus e o Logos era Deus". Este texto é paralelo ao

32
RESPOSTAÁSTESTEMUNHASDEJEOVÁ 33

de Cl 1, 15 e Ap 3, 14, pois incute a precedencia do Logos, que é a


Sabedoria, e ao mesmo tempo afirma a Divindade do Logos "que se fez
carne e habitou entre nos" (Jo 1,14). - As Testemunhas de Jeová furtam-
se á evidencia da afirmacáo, traduzindo por "o Logos era um deus"; na
verdade, nao pode haver varios deuses.

2. Jo 14, 28 e Jo 5,19-24

Jo 14,28: "O Pai é maior do que eu".

Jo5,19-24: "O Filho, por si mesmo, nada pode fazer, massóaquilo


que vé o Pai fazer..."

Nestas passagens Jesús fala como, verdadeiro homem, obediente


ao Pai a fim de resgatar a desobediencia de Adáo, Jesús, porém, nao
hesita em se apresentar como Deus; tenham-se em vista os seguintes
textos:

Jo 8,24: "Se nao crerdes que EU SOU, morrereis em vossos peca


dos".

Jo 8, 27: "Quando tiverdes elevado o Filho do homem, entáo


sabereis que EU SOU".

A expressáo EU SOU ó o nome divino revelado a Moisés (cf. Ex 3,


14) e significa que o Deus de Israel é o único e verdadeiro Deus. Aplican
do esse nome a Si, Jesús apresenta-se como Deus visível na carne hu
mana. O mesmo título ocorre em Jo 8, 58 e 13,19.

Alias, Jesús demonstrou ser Deus por ocasiáo da cura do paralíti


co em Mt 9,1-8; foi acusado de usurpar poderes divinos quando perdoou
os pecados do paralítico; em resposta Jesús confirmou sua identidade
divina realizando a cura do paralítico.

É aínda considerando a humanidade de Jesús que Sao Paulo es-


creve: «a cabeca de todo homem é Cristo, e a cabeca de Cristo é Deus"
(1Cor 11,3). Os autores do Novo Testamento designam as Pessoas Divi
na de acordó com a intervencáo das mesmas na historia da salvacao:
assim o Pai é chamado Deus, o Filho é designado como Senhor (Kyrios),
nome imperial que Cristo, como homem, recebeu quando exaltado áci
ma de toda criatura. Daí entendermos que a cabeca de Cristo como ho
mem é Deus (Pai).

3. Me 10,18

Me 10,18: Diz Jesús: "Por que me chamas bom? Ninguém é bom


senao Deus só".

Nesse trecho Jesús, em vez de negar a sua Divindade, a insinúa.


Com efeito; o jovem rico percebia em Jesús algo mais do que um rabino

33
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

ou um profeta; por isto atribuiu-lhe um predicado que os mestres só atri-


bufam a Deus: Bom. Em resposta Jesús Ihe diz: "Já que me chamas
bom, compreende que bom é Deus só; esse algo mais que vés em mim,
é a minha Divindade".

4. Ap 20, 6

Ap 20, 6: "Os justos reinaráo com Cristo sobre a térra durante mil
anos".

Este texto deu base á teoría milenarista, que já nao é professada


na Igreja desde os tempos de S. Agostinho (t 430). Na verdade, os mil
anos estáo inseridos entre a ressurreicáo primeira e a ressurreicáo se
gunda (cf. Ap 20, 4s); ora S. Agostinho entende essas duas ressurrei-
cóes á luz de Jo 5, 25-29:

"Em verdade, em verdade vos digo: vem a hora -eé agora - em


que os mortos ouviráo a voz do Filho de Deus, e os que o ouvirem, viveráo...

Vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros, ouviráo


a sua voz; sairáo, os que tiverem feito o bem, para urna ressurreigáo de
vida; os que tiverem cometido o mal, para urna ressurreigao de julgamento".

A primeira ressurreicáo (agora, no decorrer da historia) é a batismal,


que sacramentalmente faz passar da morte do pecado para a vida dos
filhos de Deus. A segunda ressurreicáo, no fim dos tempos, implicará
saída dos sepulcros (após a morte física) e duas modalidades: a gloriosa
para os justos; a condenatoria, para os fmpios. Entre urna e outra ressur
reicáo ocorre a historia da Igreja, que tem a duracáo simbólica de mil
anos {número de bom agouro) porque o cristáq fiel já possui urna semen-
te de vida eterna, que é a grapa santificante. É esta a melhor interpreta-
cáo de Ap 20, 6.

5. Ez18, 4; Ecl 9,5-10

Ez 18, 4: "Aquele que pecar, esse morrerá".

O profeta evidentemente se refere nao á morte física, mas á morte


espiritual. Pecar é afastar-se de Deus, que é a Fonte da vida plena e
feliz. Para confirmar esta ¡nterpretacáo, basta ler o versículo 9 do mesmo
capítulo, em que diz que o justo vivera.

Ecl 9,5-10: "Os vivos sabem ao menos que váo morrer; os mortos,
porém, nao sabem nem teráo recompensa, porque sua memoria caira no
esquecimento...".

Este texto data do século IV ou III a.C, época em que as concep-


cóes judaicas sobre o além eram muito embrionarias; julgavam que, após
a morte, o núcleo da personalidade do falecido (refaím) iria para o cheol,

34
RESPOSTA ÁS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ 35

regiáo subterráneo onde ficaria adormecido e inconsciente. Somente no


século II os judeus conceberam a vida postuma consciente, merecedora
da respectiva sancáo. Ver Dn 12, 2s: "Muitos dos que dormem no solo
poeirento acordaráo, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio,
para o horror eterno. Os que sao esclarecidos, resplandeceráo como o
resplendor do firmamento".

O Novo Testamento professa a vida postuma lúcida, na qual cada


um colhe os frutos do que terá semeado na térra; em conseqüéncia Sao
Paulo podia dizer: "O meu desejo é partir e ir estar com Cristo, pois isto
me é muito melhor" (Fl 1, 23); Jesús disse ao bom ladráo: "Hoje estarás
comigo no paraíso" {Le 23, 43). Mais: o Apocalipse refere longamente a
liturgia que os mártires celebram no céu, louvando e glorificando a Deus;
ver, por exemplo, Ap 7, 9-17.

A alma humana, sendo espiritual, é ¡mortal; ela pode preparar sua


felicidade no além mediante a fidelidade ao Senhor Deus na térra.

6. At15, 28s

At 15, 28s: "Pareceu bem ao Espirito Santo e a nos... que vos


abstenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes
sufocadas e das unióes ilegítimas".

Tal foi o decreto lavrado pelo primeiro Concilio da historia, em 49.


Era limitado aos cristáos de Antioquia, da Siria e da Cilícia e tinha caráter
provisorio, pois naquelas regióes havia muitas comunidades compostas
por judeus e pagaos convertidos, ficando os judeus ainda apegados á
Lei de Moisés; esta proibia o consumo de sangue, pois se julgava que o
sangue é a própria vida (propriedade exclusiva de Deus); cf. Gn 9, 3.
Este pressuposto fisiológico foi superado com o passar do tempo, de
modo que no Novo Testamento nao há proibicáo geral e definitiva de
tomar sangue.

7. Is 11, 6-9

Is 11, 6-9: "Entáo o lobo morará com o cordeiro e o leopardo se


deitará com o cabrito... O leño se alimentará com forragem como o boi..."

Eis urna descricáo simbólica do que deve ser o Reino de Deus em


sua plenitude; será um reino de paz e harmonía, apresentado por Isaías
á semelhanca do paraíso dos primeiros pais. Nao pode ser tomada ao pé
da letra, pois foi o próprio Deus quem fez os animáis carnívoros; cada
criatura conservará sua identidade peculiar.

8. SI 36, 28s

SI 37, 28s: "A descendencia dos impíos será extirpada... Mas os


justos possuiráo a térra e nelá habitaráo para sempre".

35
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

Este versículo refere-se á posse da térra de Israel (Palestina), dada,


por Deus ao seu povo. Um povo errante sofre desgracas e anseia por
urna térra própria. A patria definitiva dos cristáos é a "Casa do Pai", onde
Jesús diz figuradamente que há muitas moradas (cf. Jo 14, 2).

9. A data do Natal

As Testemunhas dizem que Jesús nao nasceu no día 25 de de-


zembro, mas no comego de outubro, época em que os pastores manti-
nham seus rebanhos ao ar livre á noite.

Os evangelistas nao indicam a data do nascimento de Jesús. Por


isto foi escolhido o dia 25/12 pelos cristáos ocidentais, porque é a data
em que os dias do invernó europeu comecam a se alongar. Era também
o dia do Deus-Sol dos pagaos. Os cristáos, escolhendo tal data, queriam
dizer que Jesús é a verdadeira luz e o Sol por excelencia; "batizaram"
assim a festa paga.

10. A Igreja mudou?

A Igreja Católica é a única sociedade fundada por Cristo, que a


chama "minha Igreja" (cf. Mt 16,18). O Senhor Ihe garantiu a sua infalível
assisténcia até o fim dos tempos (cf. Mt 28, 20). Por conseguinte, se a
Igreja de hoje nao é conforme o que Jesús quer, faltou-lhe a prometida
assisténcia. Na verdade, a Igreja foi desenvolvendo suas virtualidades;
foi abrindo mais e mais os tesouros da Revelacáo e da graca deixados
por Jesús. Um organismo vivo se desabrocha e é dinámico, guardando
sempre a sua identidade; em caso contrario, mumifica-se.

De modo especial, as Testemunhas de Jeová criticam a Igreja do


século IV por "ter assumido crencas do paganismo", entre as quais o
dogma da Ssma. Trindade, definido por dois Concilios: o de Nicéia I (325)
e o de Constantinopla I (381). - Na realidade, o fundamento desse dog
ma sao os escritos mesmos do Novo Testamento:

Mt 28,18s: "Ide e fazei que todas as nagóes se tornem discípulas,


batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo".

Jo 16,13-15: "Quando vier o Espirito da verdade, Ele vos conduzi-


rá a verdade plena, pois nao falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver
ouvido... Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vó-lo anun
ciará. Tudo o que o Pai tem, é meu. Por isto eu vos disse: Ele receberá do
que é meu e vó-lo anunciará".

1 Cor 13, 13: "A graga de Nosso Senhor Jesús Cristo, o amor do
Pai e a comunháo do Espirito Santo estejam com todos vos".

Ver aínda Ef 2,18; 1Ts 1, 3-5; Tt 3, 4-6; Hb 2, 3s; 1Cor 12,4...

36
RESPOSTA AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ 37

A revelacáo do misterio da Ssma. Trindade levou os cristáos a pro


curar penetrar dentro desse misterio, sem ceder ao triteísmo. Após vari
as tentativas erróneas, conceberam a fórmula exata: há urna só Divinda-
de,... Divindade, porém, cuja vida é táo rica que ela se afirma tres vezes,
respectivamente como Pai, Filho e Espirito Santo. No século IV, portante,
houve apenas a ilustracáo teológica de urna verdade revelada no Novo
Testamento.

Quanto á transferencia, do dia do Senhor, de sábado para domin


go, também é fundamentada nos escritos neotestamentários. Estes dáo
a ver que os cristáos se reuniam para celebrar o culto divino ou a Euca
ristía nao no sábado, mas no dia seguinte, que era o primeiro dia da
semana judaica (ou a primeira-feira):

1Cor 16, 2: "No primeiro dia da semana, cada um de vos ponha


de lado o que conseguir poupar; deste modo nao se esperará a minha
chegada para se fazerem as coletas".

At 20,7: "No primeiro dia da semana, estando nos reunidos para


a fragáo do pao, Paulo entretinha-se com eles".

Esse primeiro dia da semana já tem o nome de "dia do Senhor" em


Ap 1, 10:

"No dia do Senhor, fui movido pelo Espirito", escreve Sao Joáo.

Kyriaké heméra (grego) -> dominica dies (latim) -> dominga(o).

Os Apostólos compreenderam bem que nao poderiam celebrar o


dia do Senhor no sábado judaico, pois Jesús ressuscitou, recriando o
homem, "após o sábado, ao raiar o primeiro dia da semana" (Mt 28,1). O
deslocamento de sábado para domingo nao fere a Lei de Moisés, pois
todo sétimo dia, para os cristáos, é sábado (repouso). A Ifngua portugue
sa guardou um vestigio dessa transferencia, visto que a nossa semana
comeca na segunda-feira; a primeira-feira foi ocupada pelo domingo.

Conclusáo

As Testemunhas de Jeová, negando a Divindade de Cristo, já nao


merecem ser tidas como um ramo do Cristianismo; parecem dar mais
énfase ao Antigo Testamento do que ao Novo. O Cristianismo se sinteti
za em duas proposicóes essenciais: 1) Unidade e Trindade de Deus, 2)
Encarnacáo, Paixáo, Morte e Ressurreicáo de Nosso Senhor Jesús Cris
to. Entre outras coisas, as Testemunhas negam a Cruz (símbolo cristáo mui-
to antigo), o Natal, a construcáo do Reino de Deus neste mundo..., até mes-
mo a celebracao do aniversario natalicio de seus fiéis, porque na Biblia os
dois aniversarios mencionados foram dias de morte criminosa; com efeito,
no dia de seu aniversario o Faraó mandou enforcar o seu padeiro-mor (cf.
Gn 40, 20-22) e Herodes mandou degolar Joáo Batista (cf. Me 6, 17-29).

37
O grande campo de batalha:

DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL

Em síntese: A Igreja Universal do Reino de Deus apregoa que


todos os males dos quais sofre o homem, provém de um espirito mau ou
demonio; Satanás, o príncipe da maldade, tem seus aliados ou muitos
anjos maus que com ele infestam a pessoa humana. É preciso, pois,
fazeralianga com Deus para vencer os adversarios aliados entre si. Quem
faz alianga com Deus aplicando toda a sua té, obriga Deus a atender ao
seu aliado; o dízimo é sinal dessa alianga, que garante a solugáo de
todos os problemas e a prosperidade material.

Tais concepgóes, expostas por Edir Macedo em dois livros, nao


correspondem ao pensamento cristáo nem tém fundamento bíblico.
* * *

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) tomou-se famosa por


prometer ao público a solucáo de todos os seus problemas, quer de or-
dem material, quer de ordem espiritual. Todos os males seriam causados
ao homem por demonios, que os pastores expulsam mediante o "descar-
rego" ou descarregando o crente dos maus espiritas que o afetam.

É interessante analisar como Edir Macedo, o fundador da IURD,


explana as suas idéias em dois livros que tém tido ampia circulacáo no
Brasil.

1. "Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou demonios?"1

O livro é prefaciado por J. Cabral, que faz o encomio do autor:

"Este homem (Edir Macedo), que Deus levantou nesses dias para
urna obra de grande vulto no cenário evangelfstico nacional, e quigá mun
dial, conhece todas as artimanhas demoníacas e o seu freqüente contato
com pessoas quepraticam o espiritismo ñas suas diversas ramificagóes...
O Pr. Macedo tem desencadeado urna verdadeira guerra contra toda a
obra do diabo... Todas as áreas do demonismo sao postas a descoberto
neste livro; todos os truques e engaños usados pelo diabo e seus anjos
para iludir a humanidade sao revelados. O leitor irá ser esclarecido acer
ca da origem das doengas, das desavengas, dos vicios e de todos os
males que assolam o homem" (obra citada, p. 14).

Rio de Janeiro 1990.

38
DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL 39

Quem sao os demonios, conforme E. Macedo?

"Sao espirites sem corpos, anjos decaídos, rebeldes, que atuam


na humanidade desde o principio com a finalidade de destrui-la e afastá-
la de Deus" (ob. cit, p. 20).

"Sao espfritos malignos sem corpos para se expressarem e que


anseiam achar um meio para se expressarem neste mundo, mas nao o
podem antes de possuirem um corpo. Por isso, procuram o corpo huma
no, dado áperfeigáo de funcionamento dos seus sentidos. Existem casos
em que, por torga das circunstancias, eles chegam a possuir animáis
para cumprir seus intentos perversos... Um demonio é urna personalida-
de, um espirito que deseja expressar-se, pois aínda errante procurando
corpos que possa possuir, para através deles cumprir a sua missáo ma
ligna" (ob. cit, pp. 21 s).

Os demonios assim entendidos dáo origem a todos os males da


humanidade:

"Doengas, miserias, desastres e todos os problemas que tém afligi


do o homem desde que este iniciou sua vida na térra, tém urna origem: o
diabo. Os deuses famosos da antigüidade, tanto do Egito como da
Mesopotámia, bem como os da mitología africana, sao na realidade de
monios, que nunca deixaram em paz o homem, seu alvo principal... Pro
curam seres vivos para através deles se exprimirem e o homem é o seu
principal alvo" (ob. cit., p. 27).

Edir Macedo recorre ao texto de Ezequiel 28,1-19 para apresentar


a figura de Lucifer, quando na verdade tal passagem bíblica se refere ao
rei de Tiro, soberbo, mas destronado; o orgulho dos reís de outrora era
descrito com imagens míticas ou celestiais.

As doengas mais significativas da possessáo demoníaca sao, se


gundo o autor do livro: 1) Nervosismo, 2) Dores de cabega constantes, 3)
Insónia, 4) Medo, 5) Desmaios ou ataques, 6) Desejo de suicidio, 7) Do
engas cujas causas os médicos nao descobrem, 8) Visáo de vultos ou
audigáo de vozes, 9) Vicios, 10) Depressáo.

Os demonios podem acompanhar urna familia em sucessivas ge-


racóes:

"Em muitos casos um espirito toi o 'senhor' do corpo do pai ou da


mae que faleceu (por terem freqüentado o espiritismo) e procura agora
apossar-se do filho ou da filha para continuar a sua obra maligna. Há
casos de demonios que perseguem varias geragóes... Quando o ser hu
mano morre, eles procuram outro corpo, pois aquele de nada mais vale"
(ob. cit, p. 46).

39
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

Quando Satanás e seus seguidores comecaram a exercer sua acáo


nefasta?

Segundo E. Macedo, desde a criacáo do mundo:

"Nao sabemos há quantos milhóes de anos o mundo foi criado,


entretanto a narrativa de Génesis 1 está de acordó com as mais recentes
descobertas da ciencia. Interessante é que, quando Deus comega a criar
todas as coisas, a Biblia declara que a térra estava sem forma e vazia e
que havia trevas sobre a face do abismo. Isto se deve a um estado caó
tico do mundo, que havia passado por grande convulsáo. Foi a rebeliáo
de Satanás que causou táo grande cataclismo na térra, deixando-a sem
forma e... vazia! (ob. cit, p. 30s).

No decorrer de suas páginas Edir Macedo apresenta exemplos das


curas obtidas mediante exorcismo e convida os leitores a se apresentar
num templo da IURD para serem curados de seus males. E acrescenta
no final do Hvro:

"Se acha que estamos exagerando, dé urna olhadela crítica ñas


pessoas que estáo dando ouvidos aos espiritos. Procure verificaras suas
vidas. Vocé vai ver gente sofrendo desgragadamente toda sorte de ma
les. Veja os sanatorios, os manicomios, os presidios e hospitais... Amigo
leitor, o Senhor Jesús Cristo disse que aquele que vai a Ele, de maneira
nenhuma o langa fora... Faga isso agora mesmo! Sinto, neste momento
em que estou escrevendo, que o Espirito Santo vai confirmar a aceitagáo
de Jesús em sua vida. Faga isso AGORA. Tome a decisáo neste momen
to e comece a viver abundantemente" (ob. cit, pp. 86s).

O pensamento de E. Macedo é ulteriormente desenvolvido em ou-


tra de suas obras.

2. "Alianca com Deus"1

O autor volta á sua tese relativa á criacáo: Deus criou a ordem e o


diabo fez o caos. "Depois dessa criacáo primorosa de Deus, veio-lhe em
seguida o grande desgosto, porque houve nos céus urna revolta por par
te do chefe de todos os anjos, arcanjos, querubins e serafins, que Deus
havia criado também" (p. 24).

Descreve Lucifer valendo-se do texto de Ezequiel 28,1-19. E con


tinua:

"Por causa desta rebeliáo no céu, Deus foi obrigado a expurgar o


líder déla assim como todos os seus seguidores. Foi quando o céu voltou
a ser como era antes: perfeito. No entanto a térra é que teve que sofrer

1 Rio de Janeiro 1993.

40
DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL 41

com a presenga dos rebeldes e aconteceu justamente o que está escrito


no segundo verso da Biblia: 'A térra era sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo'. Lucifer velo a ser Satanás e os anjos que o
seguiram, vieram a ser os demonios" (p. 26).

Na térra, "os espíritos ¡mundos tém levado a Igreja do Senhor ao


engaño e ao engodo, ora com filosofías baratas ora com profecías falsas,
com a finalidade de apresentar ao povo um Deus velho, cansado e impo
tente, para que, quando as tempestades vierem, a Igreja abandone o seu
primeiro amor e desvie a fé do Deus de Abraáo, de Isaac e de Israel para
os deuses de pau, de pedra e de metal; ou entáo para que se entreguem
as religióes diabólicas espalhadas pelos quatro cantos da térra" (p. 14).

Isto quer dizer que todas as nacoes e religióes que nao estejam de
acordó com a IURD pertencem aos espíritos ¡mundos e engañadores,
que tém deturpado a verdadeira religiáo.

Para enfrentar Satanás e os maus espíritos seus aliados, o crente


deve fazer alianca com Deus:

"Através de um pacto com Deus é que a pessoa passa a ter urna fé


ativa e produtiva, capaz até de reclamar os seus direitos e assim con
quistar os beneficios inerentes á fé crista. Eé a alianga que Ihe garante
as respostas de Deus aos seus anseios e necessidades" (p. 18).

Nestes textos Deus é tido como parceiro do fiel; está obrigado a


dar ao homem, seu aliado, tudo aquilo a que este tem direito: saúde,
riqueza, bem-estar, prosperidade material... Deus deixa de ser livre para
se nivelar ao plano do homem que pactua com Ele, á semelhanca do que
acontece quando duas criaturas fazem um pacto entre si; cada qual deve
cumprir a sua parte. Donde a recíproca:

"Se Deus nao mede sacrificios para nos dar tudo o que é e tem, é
justo que também exija de nos darmos tudo o que somos ou temos" (p. 21).

Está assim fundamentado o preceito do dízimo: o fiel entrega a


Deus o seu dinheiro e Deus Iho retribuí, cumulando-o de beneficios; "do
ut des" (Dou para que des), diziam os antigos romanos.

Quem se alia a Deus com vontade decidida obriga Deus a respon


der aínda com vontade mais decidida, pois Ele é Deus. Foi o que aconte
ceu com a pobre viúva de Me 12, 41-44: entregou apenas duas moedas
de pouco valor para o templo de Jerusalém mas esse pouco era tudo
quanto ela tinha. Edir Macedo assim comenta o episodio:

"Se e/a estava dando o seu tudo, é porque certamente tinha fé de


que o Senhor iría devolver-lhe em typlicado! E esta béncáo o Senhor
Jesús nao poderia impedi-la de conquistar! Revelara a Deus sua grande

41
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

fé, porque, se nao tivesse a certeza de que Aquele a quem estava dando
nao fosse suficientemente poderoso para cumprír todas as suas necessi-
dades a partir daquele momento, também nao teña dado nada. Muito
pelo contrario, teria pedido ao invés de dar!".

Tal exegese nao leva em conta o contexto do episodio: o que Jesús


quer enfatizar é a fé humilde daquela pobre mulher em contraste-com a
jactancia de ricos judeus, que passavam por gente boa e generosa aos
olhos do público; a viúva nao firmou alianca alguma com Deus nem al-
gum contrato de comercio. O que a movia, era o amor gratuito da sua fé
e nao urna exigencia de felicidade terrestre.

E. Macedo repete a sua tese:

"No que diz respeito a outras béngáos, quer espirituais, como o


batismo com o Espirito Santo, querfinanceiras, como a conquista de muito
sucesso, quer físicas, como a cura de toda e qualquer doenga ou enfer-
midade, quer sentimentais como um ótimo casamento, somente se con-
segué através de urna luta ardua e constante daquele que as deseja de
todo coragáo...

Urna máe, por exemplo, pode querer o filho liberto dos tóxicos, mas,
se nao estiver totalmente liberta da opressáo deste mundo e vivendo em
períeita alianga com Deus, todos os seus esforgos seráo inúteis. É preci
so que primeiro se salve para poder salvar o seu filho" (pp. 31 e 38).
A idéia de gratuidade, táo enfatizada por Lutero, está totalmente
ausente dessa modalidade de protestantismo.

O autor dá grande valor ao "sangue da Alianca", visto que na anti-


güidade as aliancas eram firmadas mediante o sacrificio de animáis: o
derramamento do sangue de animáis simbolizava o derramamento do
sangue do contraente que se mostrasse infiel ao pacto. É estranho, po-
rém, que E. Macedo atribua ao Senhor Deus e aos primeiros pais a mes-
ma mentalidade. Eis o que escreve:

"O caráter de alianga entre os homens do Velho Testamento tem


origem na alianga de Dsus com Adáo e Eva, quando estes pecaram e o
Senhor teve que sacrificar um animal para os cobrir daquela nudez".

Na verdade, em Gn 3, 21 lé-se que Deus fez para Adáo e sua mu


lher urnas túnicas de pele, e vestiu-os. Esta linguagem simbolista nao
pode ser tomada ao pé da letra e fantasiosamente, como se Deus tivesse
matado animáis, derramado o seu sangue e Ihes tivesse arrancado a
pele para vestir Adáo e Eva.

É tal o peso atribuido ao conceito de alianca que E. Macedo julga


ter Deus contraído duas aliancas com os primeiros pais: urna antes e a

42
DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL 43

outra depois do pecado. A primeira alianca estaría indicada em Gn 2,15-


17, quando Deus ordena a Adáo que nao coma do fruto da árvore da
ciencia do bem e do mal (notemos que ai se trata nao de urna alianca,
mas de um mandamento formulado em diálogo entre Deus e o homeml).
A segunda alianca estaría ligada ao sacrificio que Deus teve de realizar
para cobrir Adáo e Eva com peles de animáis {cf. Gn 3, 21). Isto tudo é
dito de maneira muito imaginosa, antropomórfica, sem o mínimo funda
mento no texto bíblico!

Continua E. Macedo:

"As conseqüéncias da desobediencia de Adáo foram muito mais


graves do que se pode imaginar, porque ela abriu a porta do inferno e
soltou o diabo e seus demonios. Estes, ¡mediatamente, tomaram posse
da térra e construíram um imperio de perversidade, destruigáo, doremorte,
que até entáo nao tinha lugar neste planeta" (p. 55).

O autor percorre a Biblia, comentando o caso de Canaá, filho de


Noé, que foi amaldicoado por ter zombado de seu pai (Gn 9, 21-27),... o
caso de Eliseu, que amaldicoou os meninos que zombavam dele e foram
mortos por duas ursas (2Rs 2, 23s),... o caso de Sao Paulo, que amaldi
coou o falso profeta Barjesus, que se tornou cegó (At 14, 8-10) e concluí:

"Ai daquele que ousa tocar nos ungidos do Senhor! O que mais se
evidencia como conseqüéncia de urna alianga com Deus é que o benefi
ciado recebe permissao divina para manifestarse no mundo com o poder
e a autoridade de Deus" (p. 69).

Por isso os fundadores e dirigentes da IURD e de movimentos


congéneres sao intocáveis; a sua palavra é "divina", as suas interpreta-
coes bíblicas sao as únicas verdadeiras...

No final do seu livro, o autor trata do "Espirito do Senhor Jesús


Cristo" e afirma:

"O recebimento do batismo com o Espirito Santo é o selo da alian


ga com Deus. Quando a pessoa recebe o batismo no Espirito Santo é
como se ganhasse o diploma do curso que Ihe dará o direito de exercer urna
profissáo. Assim acontece com os batizados no Espirito Santo; elespassam
a ter a condigáo espiritual para exercer o ministerio da pregagáo do Evange-
Iho do Senhor Jesús, expulsar os demonios, curar os doentes pela oragáo
da fé, enfím, fazer exatamente o que o Senhor Jesús Cristo fez" (p. 331).

É esta conviccáo dos pastores da IURD que torna o seu culto forte-
mente espetacular. O Jesús vivo de suas mensagens é um Jesús cujos
milagres e curas sao apregoados como se apregoam, ñas emissóes de
radio e televisáo, as marcas de carros, perfumes e iguarias de toda espe
cie. Sao preparados por urna encenacáo psicológica emocional, que pode

43
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

desencadear processos de cura em pessoas muito atetadas psicológica


mente ou em pessoas que sofrem doencas funcionáis (asma, eczema,
úlcera estomacal, urticaria...); há mesmo quem diga que 70% das doen
cas humanas dependem do foro psicológico; o bloqueio emocional é desfei-
to mediante as insinuacóes e sugestoes teatrais do culto de "descarrego".

Merece consideragáo especial a questáo dos dízimos.

3. O Dízimo

As pp. 129-137 E. Macedo trata do dízimo como sinal da alianca


com Deus. Eis o que escreve:

"O dízimo é uma questáo puramente de fé. Os que tém fé para


pagá-lo, certamente teráo fé para receber multiplicado. Os que nao tém
fé para pagá-lo, também nao teráo fé para vencer as dificuldades finan-
ceiras que o devorador trará sobre eles... Há de se concluir que o dízimo
é um sinal notorio que caracteriza a diferenga entre os que tém compro-
misso com Deus e os que nao o tém... Entendemos que o dízimo é táo
sagrado quanto a Palavra de Deus, porque é táo somente o reconheci-
mento de que Deus é o Senhor de todas as coisas, quer nos céus, quer
na térra... Se o dízimo nao fosse táo sagrado e táo importante assim,
certamente Deus nao iría falar táo forte, táo direto e incisivo como falou
através do profeta Malaquias... (MI 3, 6-12).

Do nosso ponto de vista, o dízimo é muito mais importante do que


se tem falado até aos dias atuais. Normalmente, quando se fala em dízimo,
as pessoas fazem logo a conexáo com o dinheiro, e o diabo, cíente de
que o coragáo do ser humano está quase sempre no seu bolso, usa esta
palavra 'dinheiro' para inflamar as pessoas contra 'esta idéia maluca de
ter que dar a décima pane do seu salario, queja é pouco, para o pastor'.
Ora fot assim mesmo o que aconteceu nojardim do Edén, quando o Se
nhor advertiu a Adáo. Isto significa dizer que tudo o que Deus criou foi
para o beneficio de sua criatura; ela podía comer de todos os frutos de
todas as árvores áli existentes livremente; porém, havia uma única árvo-
re no meio das tantas que nao poderia tocar... Aquela árvore representa-
va e representa o dízimo... O lato de a pessoa pagar o dízimo quer dizer
apenas que O tem como Senhor da sua vida! E, uma vez sendo o Senhor
daquela pessoa, nao há diabo, nem espirito ¡mundo, nem inferno, nem
inveja, nem olho grande (mau olhado), nada, absolutamente nada que
possa impedí-la de viver uma vida harmoniosa com Deus e, em fungáo
disso, abengoada física, espiritual e financeiramente. O dízimo estreita o
relacionamento com o Senhor; significa fidelidade. E quando é dizimista
fiel, tem até o direito de exigir de Deus o cumprimento da sua palavra.
Isso mesmo! Pode inclusive colocar Deus á prova... Uma coisa é certa: é
preciso que o que se propóe a ser dizimista saiba que os seus entes

44
DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL 45

queridos, seus amigos e todo o mundo váo certamente ser usados pelos
seus respectivos espíritos dos vicios para tentar desestimular a sua té; e
é muito simples árazao: aqueles espíritos ¡mundos que estáo camufla
dos dentro deles, além de desejarem que o candidato a dizimista conti
nué vivendo de maneira como eles vivem, miseráveis e dependentes dos
vicios, querem continuar a ser seus senhores. Os espíritos devoradores,
destruidores e que mantém o dominio sobre os que tém roubado a Deus
nos dizimos e ñas ofertas, nao querem perder as suas vítimas...

Assim sao os espíritos ¡mundos ou, como diz a Biblia, os demoni


os. O Senhor Jesús ensina que a funcao deles é matar, roubar e destruir;
e opior de tudo é que nao existe um remedio físico ou uma química capaz
de arrancá-los do corpo do homem, como acontece com as doengas, os
insetos e os animáis destruidores, a nao ser pelo poder da té e obedien
cia a Palavra de Deus...

O problema é que a própria pessoa, por se rebelar contra Deus ou


a sua Palavra, absorve a maldigáo em sua vida, porque a maldigáo anda
a caga dos rebeldes; e o Senhor Deus nao pode interferir na vida da
pessoa enquanto esta nao se submetera uma alianga com Ele..."

Edir Macedo dá seu testemunho pessoal:

"Lembro-me que durante dezesseis anos vivi amarrado a um em-


prego público; comecei como mensageiro e cheguei até a chefia de Te-
souraria. Durante todos esses anos eu me esforgava para conquistar um
lugar ao sol; empenhei-me com todas as minhas forgas para vencer, mas
nao conseguí como deveria, porque havia e há uma politicagem desgra-
gada dentro dos servigos públicos e as injustigas sao uma constante...
Até que um día, depois de ter conhecido o verdadeiro Deus, descobri
que, se quisesse realmente vencer na vida, tinha que contar comigo mes-
mo, mas, ácima de tudo, com Ele! E é justamente esta a proposta da
Igreja Universal do Reino de Deus para todos os povos: fazer as pessoas
dependerem exclusivamente de simesmas e sobretudo de Deus... Quando
a pessoa tem uma experiencia com Deus, passa a confiar mais em si
mesma e, ácima de tudo, ñas promessas de Deus" (pp. 194s).

Pergunta-se agora:

4. Que dizer?

Proporemos quatro reflexóes.

4.1. Guerra entre duas falanges

Quem lé os escritos de E. Macedo até aquí analisados, tem a im-


pressáo de que a historia da humanidade e a de cada individuo em par
ticular é uma guerra entre Deus e seus fiéis (que querem o bem, a prosperi-

45
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

dade, a saúde... dos crentes) e Satanás e suas legióes (que desejam de


todo modo promover a desgraca física e espiritual dos homens). Satanás
seria quase um anti-Deus, que disputaría com o verdadeiro Deus as sor-
tes das criaturas humanas.

Ora tal concepcáo é falsa. Os anjos "devoradores" sao criaturas de


Deus, que só podem fazer o que Deus Ihes permite fazer. O que o demo
nio quer é, antes do mais, o pecado ou a ruina espiritual do homem. O
Sentior Deus concede-lhe tentar os homens a fim de provar ou consoli
dar a fidelidade destes. Escreve Sao Paulo:

"As tentagóes que vos acometeram tiveram medida humana, Deus


é fiel; nao permitirá que sejais tentados ácima das vossas forgas. Mas,
com a tentagáo, Eie vos dará os meios de sair déla e a íorga para a
suportar" (1 Cor 10, 13).

Os males que afligem as pessoas nao sao necessariamente arti-


manhas dos maus espíritos. Freqü ente mente tém sua causa na própria
desordem que todo homem traz em si mesmo ou em fatores naturais
(enchentes, secas, vendavais...).

Ao conceber a historia como urna disputa entre o Bem e o Mal, que


procuram arrebatar o homem, E. Macedo guarda urna reminiscencia das
religióes afro-brasileiras, que ele muito combate. Tais'correntes religio
sas (Umbanda, Macumba, Candomblé...) ó que julgam haver falanges
de entidades boas e más em litigio, devendo o homem agradar aos espí
ritos bons para se livrar dos maus.

4.2. Os demonios

Os anjos maus sao criaturas espirituais, feitas por Deus para exis
tir sem corpo. Deus criou todos os anjos e submeteu-os a urna prova
(como fez com os primeiros pais). Muitos se rebelaram, tornando-se hos-
tis ao Senhor. A queda dos anjos nada tem a ver com o estado inicial da
térra "sem forma, vazia e recoberta de trevas" (Gn 1,2). Os capítulos 1 -3
do Génesis pertencem a um género literario próprio, nao podendo ser
tomados ao pé da letra. É gratuito dizer que a térra era tal a principio
porque os anjos maus se rebelaram contra Deus.

O Maligno pode tentar o homem, mesmo sem "se incorporar"; o


próprio Cristo quis ser tentado por Satanás sem estar possuído por ele
(cf. Mt 4,1-11). Há, porém, casos de possessáo diabólica, em que Sata
nás se apodera das faculdades da pessoa humana para blasfemar con
tra Deus. Tais casos sao relatados pelo Evangelho; ver, por exemplo, Me
1, 21-28. Em nossos dias a Psicología e a Parapsicología ajudam a diag
nosticar as situacóes de aparente possessáo diabólica, dando a ver que
muitos fenómenos outrora atribuidos ao demonio sao expressóes do pró-

46
DEUS E OS DEMONIOS NA IGREJA UNIVERSAL 47

prio individuo atetado. Santo Agostinho diz muito sabiamente que o de


monio é um cao acorrentado, que pode ladrar muito, mas só morde a
quem se chega perto dele.

4.3. Alianca

O conceito de Alíanca de Deus com seu povo é central ñas Escritu


ras Sagradas. Trata-se de urna alianca nupcial, em que o Senhor se faz
de Esposo e a humanidade, de esposa; ver Sao Paulo aos Efésios 5,23-
31, fazendo eco aos Profetas do Antigo Testamento. Esse conceito de
alianca nada tem que lembre exércitos aliados entrando em guerra.

Nao se pode dizer que as religióes nao cristas sao inspiradas aos
homens pelos maus espfritos. O senso religioso é ¡nato em todo ser hu
mano; ele aflora á consciéncia de quem reflete, e se exprime de diversos
modos, muitas vezes fantasiosamente (como no caso do politeísmo, da
mitología, do panteísmo...); mesmo dentro do monoteísmo há desvíos da
fé e da Moral.
Nao há fundamento para dízer que Deus pactuou duas alian$as
com Adáo e Eva, como já notamos atrás. Mais estranha ainda é a tese
segundo a qual Deus matou animáis para retirar-lhes o couro e fazer
escorrer o seu sangue... Nao há por que Ihe dar atengáo.

4.4. Dízimo

O dízimo (a décima parte dos rendimentos) é freqüentemente in


culcado no Antigo Testamento. Tal prática devia lembrar ao povo de Isra
el que o Senhor Ihe havia dado a térra de Canaá, separando-o dos outros
povos; reconhecendo isto, os israelitas eram obrigados a levar a décima
parte dos bens da térra ao Templo, onde o Senhor habitava. Era, pois,
um dever ligado a um povo, urna geografía, urna nagáo; ver Dt 14, 22s.

Mais ainda: de tres em tres anos, o dízimo era dado aos pobres e
aos levitas de Israel; ver Dt 14,28-30; Nm 18, 21-32; Lv 27,30-32. Eis ai
outra razáo circunstancial para explicar a obrigacáo do dízimo: devia ser
vir aos pobres de Israel, a comee, ar pelos levitas, visto que a tríbo de Levi,
na partilha da térra de Canaá, ficou sem porcáo alguma para poder
desincumbir-se mais livremente do culto do Senhor. Os levitas e os po
bres eram assim contemplados pela legislacáo do dízimo. Os judeus que
nao a observassem, desrespeitavam o designio de Deus e contribuíam
para o mal-estar de seus semelhantes.

É á luz destas verdades que se deve entender o texto de MI 3, 6-


12. Retornando do exilio babilónico, no século VI a.C, cada um dos re
patriados pensava táo somente em seus interesses ou em recuperar os
bens que possuía antes do exilio, deixando assim de pagar o dízimo.
Nao é um texto que possa ser aplicado aos cristáos como o era aos

47
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 476/2002

judeus; nao pode servir de ameaca ao nao pagante nem de marketing


para angariar novos dizimistas.

Além do mais, a IURD, sendo crista, deveria levar mais em conta


os textos do Novo Testamento. Jesús Cristo recomendou enfáticamente
o amor a Deus e ao próximo, amor atuante e eficaz para que nao haja
irmáos famintos, desnudos ou doentes; dar ao próximo é dar ao próprio
Cristo; cf. Mt 25, 31 -46. Nem Jesús nem os Apostólos nos transmitiram
urna palavra sobre o dízimo. Sao Paulo fomentou o amor ao próximo
instituindo a coleta entre as comunidades de origem grega para ajudar
os pobres de Jerusalém; a 2Cor dedica dois capítulos inteiros (8 e 9) a
este assunto; cf. 1 Cor 16,1; Rm 15, 26-28; Gl 2, 10; At 24, 27.

Verdade é que na Igreja Católica também existe a instituicáo do


dízimó. É de notar, porém, que 1) este nao corresponde á décima parte
dos proventos do fiel; 2) nao é obrigatório. O Direito Canónico e o Cate
cismo da Igreja Católica nao falam de dízimo, mas incutem o dever, dos
fiéis, "de atender, cada um segundo as suas capacidades, as necessida-
des materiais da Igreja" (Código de Direito Canónico, canon 222; Cate
cismo § 2043). É justo que os fiéis ajudem a paróquia a cumprir sua
missáo segundo as suas capacidades.

Aos seus seguidores Jesús prometeu a recompensa após terem car-


regado a Cruz com Ele; esta é indispensávej para a entrada na gloria eterna:

"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida perdé-la-á, mas
o que perder a sua vida por causa de mim, a encontrará" (Mt 16, 24s).

Nao é na vida presente que o cristáo espera encontrar a plena


resposta aos seus anseios, mas, sim, na futura. E nao há meios de coa
gir Deus a nos dar o que quer que seja; o Senhor é absolutamente livre e
soberano ao dar suas grasas. Mesmo o cristáo que paga o seu dízimo ou
faz sua oferta á Igreja, só o faz porque Deus Ihe concede a grasa de o
fazer. Ninguém dá primeiramente a Deus para receber em troca algum
beneficio. "Sem mim nada podéis fazer" diz Jesús (Jo 15, 5). Tudo é
grasa, tudo é dom de um Pai amoroso, que nos amou primeiro e nao
cessa de acompanhar os seus filhos (cf. Uo 4, 19). Mais vale confiar
nesse amor paterno do que apoiar-se nos próprios esforcos, falhos como
os de qualquer criatura. Isto nao dispensa o homem de se empenhar no
servico de Deus com todas as suas energías; saiba, porém, que tais ener
gías só t§m valor porque sustentadas pela grapa de Deus.

Eis o que importa observar em relacáo ao pensamento de E. Macedo


e da IURD.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

48
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cóes: Claudio Pastro. "Este livro pretende evocar Deus nos ambientes de trabalho. Suas
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Trecho da apresentacáo de Irma Eugenia Teixeira O.S.B.: "Com muita alegría, queremos
partilhar com os irmáos e as irmás um dos nossos preciosos tesouros de familia: as
poesías de Ir. Inés, esta coluna de nossa comunidade..."
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do-nos criterios claros e levando-nos a compreender que todas as palavras de Cristo sao
de aplica9§o perene e universal), 2a edicáo. 1993, 47 págs R$ 8,00.

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Matias de Medeiros, OSB. Publicacáo da Escola Teológica da Congregayáo Beneditina
do Brasil. Esta obra foi feita em homenagem a Dom Estéváo. Além do esboco bio-
biblíográfico de Dom Estéváo, encontram-se artigos de amigos e admiradores de Dom
Estéváo. Sao professores da Escola Teológica, do Pontificio Ateneu de Santo Anselmo
em Roma, que ministraram varios cursos nesta e outros que o estimam. Sumario: His
toria, Bíblica, Histórico-Dogmática, Dogmática, Canónica, Litúrgica, Pedagógica, Litera
ria e Noticias Biográficas. 1990. 315 págs R$ 14,50.

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POR RAÍSSA MARITAIN. TRADUQÁO DE MARÍA LUIZA KOPSCHITZ BASTOS. COM
ILUSTRACÓES, EDICÁO CXB. 2001.160 págs. 14 x 20 R$ 15,00.
Trecho da apresentacáo:
No Brasil, de seus livros, foram traduzidos As Grandes Amizades, o Diario de Raíssa
e, recentemente, Poemas e Ensaios.
OAnjo da Escola-a vida de Santo Tomás contada as criancas, que já teve edicóes
em japonés, em inglés, em alemao, italiano e romeno, abre-se agora as criancas (e aos
. adultos) de língua portuguesa.
Na introducáo escrita para a edicáo alema, Raíssa fala de sua única intencáo:...
"contar as criancas, da maneira mais simples, mas sem 'infantilidades1, a vida de um
santo que me parece digno de amor entre todos. (...) o que me ajudou a encontrar o tom
do relato foi a ¡deja que tive de me dirigir a urna crianca que conheco bem (...). Escrevi-
o táo 'seriamente' como se me dirigisse a gente grande, no sentido de que absolutamen
te nada inventei de infantil ou de poético e de que recorrí as melhores fontes - aos-
documentos que serviram á canonizacáo do Santo, á sua vida porGuilherme de Tocco,
aos estudos do Rev. Pe. Mandonnet, ao livro do Pe. Petitot sobre Santo Tomás de
Aquino e áo livro de meu marido: O DoutorAngélico."

- POEMAS E ENSAIOS - RAÍSSA MARITAIN. TRADUCÁO E COMENTARIOS DE CESAR


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Trechos da I ntrod ucáo:
Apresento neste livro, em edicáo bilingüe, urna boa parte-dos poemas de Raissa
Maritain e também alguns dos seus pontos de vista sobre a Poesía. Como introducáo,
nada.melhordo que as palavras de Jacques Maritain ñas primeiras páginas de Poémes
et Essais, transcritas logo a seguir. No final, Registros e Comentarios. A Cronología é
um resumo da cronología que aparece em Cahiers Jacques Maritain, n° 7-8, em come-
moracáo ao centenario de Raíssa, em 1983. Ñas A/oías, alguns esclarecimentos. O que
entendí, estudei e acompanhei, com aquela atencáo especial requerida neste caso,
transmito agora...
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No livro vamos encontrar mensagens poéticas, profundas, e sobretudo alegres, acom-
panhando datas importantes da liturgia, que váo inspirar nossa caminhada e nos propor
cionara paz do Senhor!
O livro, com 146 páginas, é finamente apresentado e teve a ¡lustracáo da capa e o
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