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4 bd b ay 4 Shad ‘ 4 a en Nts, “atari _— iittala eterna ~ Se en Ohta Décio Gatti Stnion & Geraldo Inécin Fillo (orgs..) Armando Martins de Barros * Carlos Henrique de Carvalho * Dermeval Saviani * Ester Buffa Eurize Caldas Pessanha * Irlen Antonio Goncalves * José Carlos Souza Araujo = Justine Magalhaes Luciano Mendes de Faria Filho * Maria de Lourdes de Albuquerque Favero * Marta Maria Chagas de Carvalho Sandra Caldeira » Sérgio Celani Leite + Vera Lécia Abrao Borges + Wenceslau Goncalves Neto AUTORES ASSOCIADOS Historia da Educagio but Porupectiva endine, pesquisa, produgiio & novas wwesligacoes Dézin Gott Sinion 8 Geraldo tuboro Filho orgs.) Coleco Memoria da Educagio ED\YEU eG) Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Histéria da educacdo em perspectiva: ensino, pesquisa, producéo e novas investigacoes / Décio Gatti Jénior, Geraldo Inacio Filho (orgs.). - Campinas, SP: Autores Associados; Uberlandia, MG; Enurv, 2005. (Colegdo meméria da educagao) Varios autores. Bibliografia. ISBN 85-7496-124-8 1. Educagao ~ Estudo e ensino 2. Educagao ~ Historia 3, Educagao — Minas Gerais —Histéria 4, Pesquisa educacional - Metodologia I. Gatti Junior, Décio. I. Inacio Filho, Geraldo. IIL. Série. 15-1140, CDD ~ 370.9 indice para eatéitogo sistem 1. Educagao: Histéria 370.9 Impresso no Brasil - maio de 2005, Copyright © 2005 by Editora Autores Associados Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n. 1.825, de 20 de dezembro de 1907. Nenhuma parte da publicacao podera ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletronico, mecanico, de fotocspia, de gravacdo, ou outros, sem prévia autorizagao por escrito da Editora, O Cédigo Penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual Violagao de direito autoral Art, 184, Violar direito autoral Pena ~ detengao de trés meses a um ano, ou multa. 1° Se a violagio consistir na reprodugio, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorizacao expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodugao de fonograma e videograma, som autori: fo do produtor ou de quem o represente: Pena — reclusio de um a quatro anos ¢ mult: SUMARIO APRESENTACAO . Dermeval Saviani PRIMEIRA SEGCAO ENSINO E PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCAC AO NO BRASIL 1, REFLEXOES SOBRE 0 ENSINO E A PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCAGAO ... oo eee eee eee eee eee eee ee eeennee F Dermpval Saviani 2._CONSIDERAGOES SOBRE O ENsINO DA HisTOrIA BA EDUGACAO NO BRASIL: 0a sisieie sida sina sslasuscoia aslaininssaie lenin, ea BD: Marta Maria Chagas de Carvatho 3._REFLEXOES SOBRE 0 ENSINO E A PrsQuisa pa Historia DA EDUCACAO BRASILEIRA .. Maria de Lourdes de Albuquerque Favero SEGUNDA SEGAO TEORIAS, METODOLOGIAS E EVIDENCIAS EM HISTORIA DA EDUCAGAO 1. Historia pa Epucacao, Instirurcoes & Cunrura Esco.ar: CONCEITOS, CATEGORIAS E MATERIAIS HISTORICOS .............-..-+ 71 Décio Gatti Juinior e Eurize Caldas Pessanha 2._A Historia pas InstrrurcOors EDuCACIONAIS EM Pers Justino Magalbies 3. PrAricas & Fonres pe Pesquisa em Hisrorta pA Epucacao ...... 105 Ester Buffa ik. (SS Ria re ep easeoa wt Esco YEREDAS AO OLHAR. . eT: Marti : TERCEIRA SECAO HISTORIA DA EDUCAGAO EM MINAS GERAIs: BALANCOS E INVESTIGAGOES RECENTES. 1._A Propucio em Historia pA EpucacAo EM Minas Gerais... ...- 135 Luciano Mendes de Faria Filho, Irlen Antonio Goncalves e Sandra Caldeira 2. INVENTARIO E INTERPRETAGAO SOBRE A PRODUGAO Hisrorico-EpucacionaL NA REGIAO po TRIANGULO MINEIRO Auto PARANAIBA: DA'SEMEADURA A C 5 153 Jost Carls Souza Araujo ¢ Geraldo Indvio Filho 3._PREDESTINACAO & ESCOLARIDADE: A COMUNIDADE PRESBITERIANA E A EDUCACAO NO MUNICIPIO DE LAGAMAR ........+ 193 Sérgio Celani Leite (in memoriam) 4. Susipios PARA A HistORiA DA FoRMACAO DoceNTe NO BrasiL. Minas GERAIS (1892 A 1930) ..........2...2ssseeeree 227 Vera Liicia Abrao Borges 5. O Nascimento DA Epucacio REPUBLICANA: PRINCIPIOS UBERABINHA (MG) NO FINAL DO siicuLo XIX Wenceslan Gongalves Neto ¢ Carles Henrique de Carvalho Sopre os A 7 295 APRESENTAGAO O s trabalhos reunidos neste livro sfio provenientes do II Congresso de Pesquisa ¢ Ensino em Historia da Educagao em Minas Ge- rais, realizado de 6 a 9 de maio de 2003 em Uberlandia. O éxito do Congresso — expresso na quantidade de conferéncias e comunicagdes apresentadas e no grande numero de participantes inscritos — é um fato auspicioso que dé continuidade a iniciativa concretizada no I Congresso e que se prolonga no HI Congresso, a realizar-se no més de maio de 2005 em Sao Joao del Rei. A realizacao de: s é oportuna por- que coloca em discussio, de forma deliberada e explicita, a questio da event articulacao entre a pesquisa ¢ o ensino na area de historia da educagio. O mérito dessa iniciativa consiste, portanto, em trazer pata o centro das preocupagGes a questao do ensino. Os estudos sistemfticos de educacgio em nivel superior iniciaram- se em 1939 com a criagaio do curso de pedagogia. A partir do inicio da década de 1970 comecaram a se instalar e se desenvolveram ampla- mente os programas de pos-graduacao em educacio, cujos cursos de mestrado e doutorado tinham e tém em seu centro a questao da pes quisa. Com isso, a preocupagio com o ensino das diferentes discipli- nas pedagégicas, entre elas a histéria da educagao, foi sendo relegada a plano secundario. Essa situagio agravou-se nos ultimos anos em razio 2_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA, da pressao das agéncias de apoio a pesquisa e de avaliacao das ativida- des académicas para que as universidades aumentassem fortemente sua ntados em con- produtividade, avaliada a partir dos resultados apr gressos e divulgados na forma de artigos e de livros. Com isso, os do- centes tém sido levados a sobrevalorizar a produgio de comunicag6es para os eventos ditos cientificos e a publicagio de trabalhos, entendi- dos como decorrentes das atividades de pesquisa, sobrando-Ihes pou- co tempo para investir na melhoria de suas atividades de ensino. A situacio anteriormente referida é, evidentemente, uma s, além de ferir o principio constitucional da indissocia- bilidade entre ensino e pesquisa, resulta em conseqiiéncias negativ: para a propria pesquis tes nao apenas é, ela mesma, uma atividade de ensino como sé poder ser sOlida ¢ qualitativamente consistente se estiver apoiada sobre uma distorgao, po is . Com efeito, a formagio de novos pesquisado- ampla e profunda formagio bisica na rea cientifica em que se situa. E essa formagio basica ampla ¢ profunda deveria ser garantida pelo ensino de graduacao nas diversas areas do conhecimento. Entio, faz todo o sentido que os programas de pés-graduagio, assim como os grupos de pesquisa, coloquem no centro de suas preocupacées os pro- blemas do ensino em suas respectivas Areas de conhecimento. A luz dessas consideragées, nio deixa de ser bem-vinda a inicia- tiva de organizar congressos que procurem articular o ensino com a pesquisa, como ocorre com a série dos congressos mineiros de histé- ria da educagio inaugurada em 2001. Portanto, as reflexdes e andlises levadas a cabo nesses congressos nao poderiam ficar no ambito restri- to de seus participantes, devendo ser amplamente divulgadas de modo a se constituir numa espécie de efeito demonstracio para as demais dreas do conhecimento e para as demais regides do pais. Eis por que merece aplausos a decisio dos organizadores do II Congresso de Pes- quisa ¢ Ensino em Histéria da Educagio em Minas Gerais de publicar o presente livro. A obra foi estruturada em trés segdes. A primeira, denominada “Ensino e pesquisa em histéria da educacio no Brasil”, aborda direta- mente 0 tema central do congresso, trazendo contribuigées relaciona- APRESENTACAO_3 das 4 histéria da educagio brasileira em seu conjunto. Integram essa estudos: “Reflex ce: secio tr sobre 0 ensino € a pes-quisa em historia da educagaio”, que foi a conferéncia de abertura do congresso, por mim proferida; “Consideragdes sobre 0 ensino da historia da educacao no Bra- sil”, conferéncia a cargo de Marta Maria Chagas de Carvalho; e “Refle- ses sobre o ensino ¢ a pesquisa da histéria da educagao brasileira”, con- feréncia ministrada por Maria de Lourdes de Albuquerque Favero. Na segunda secao, “Teorias, metodologias ¢ evidéncias em his- téria da educagao”, predomina o tema relativo as instituicdes educati- vas abordado pela perspectiva das questdes tedrico-metodoldgicas, como ocorre no texto de Décio Gatti Juinior e Eurize Caldas Pessanha, “Historia da educacao, instituicdes e cultura escolar: conceitos, cate- gorias ¢ materiais histéricos”; pela via dum inventario critico e das di- mens6es basicas constitutivas das investigagdes sobre a histéria das ins- tituigGes educativas, como propode Justino Magalhaes no trabalho “A historia das instituigGes educacionais em perspectiva”; pelo angulo da arquitetura escolar, caso explorado por Ester Buffa em “Praticas e fon- tes de pesquisa em historia da educacio”; ¢ pelo recurso as fontes fo- tograficas empreendido por Armando Martins de Barros no texto “Os Albuns fotograficos com motivos escolares: veredas ao olhar”. A terceira secao, “Histéria da educacgio em Minas Gerais: ba- lancos e investigagées recentes”, fax jus ao carater regional do Con- gresso, abordando o estado das investigacdes historiograficas em Mi- nas Gerais na forma de um balanco geral contido no texto de Luciano Mendes de Faria Filho, Irlen Antonio Goncalves e Sandra Caldeira, “A producio em histéria da educagio em Minas Gerais”; de um balango local, levado a efeito por José Carlos Souza Araujo ¢ Geraldo Inacio Filho em “Inventario ¢ interpretagao sobre a pro-ducao historico- educacional na regiao do Triangulo Mineiro e Alto Paranaiba: da seme- adura 4 colheita”; e na forma de investigagdes recentes sobre temas especificos, como ocorre nos textos de Sérgio Celani Leite, “Predestinacio e escolaridade: a comunidade presbiteriana e a educacao no municipio de Lagamar”, de Vera Lucia Abrao Borges, “Subsidios para a historia da . Minas Gerais (1892 a 1930)” e de Wenceslau formagio docente no Bras 4__ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA Goncalves Neto e Carlos Henrique de Carvalho, “O nascimento da educagio republicana: principios educacionais nos regulamentos de Minas Gerais e Uberabinha (MG) no final do século XIX”. Como se vé pelo enunciado dos titulos dos doze textos que com- podem o livro, a pesquisa ainda predomina sobre o ensino ja que ela prevalece nos trabalhos incluidos na segunda e terceira segdes. Isso é compreensivel tendo em vista a tendéncia que vem marcando as ativi- dades académicas no Brasil nos ultimos trinta anos. No entanto, as primeiras reflexes j4 sinalizam uma saudavel preocupacio com 0 pro- blema da melhoria da qualidade do ensino em nossas universidades. Considerando, como assinalou Marx, que o problema sé surge quan- do ja estéo dadas as condicgGes para a sua solucio, a publicacio desta coletinea constitui importante alento para as nossas esperancas de transformar as escolas de nivel superior em espacos de intenso e exi- gente estimulo intelectual, propiciando aos jovens universitarios uma sdlida formagao nas areas do conhecimento por eles escolhidas. Campinas, 27 de marco de 2005 Dermeval Saviani PRIMEIRA SECAO ENSINO E PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCAGAO NO BRASIL aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 8_HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA necessarias pelo menos trés entre as faculdades de direito, medicina, engenharia, e educagio, ciéncias e letras. Pode-se dizer ser esta uma feliz coincidéncia no que se refere ao tema desta conferéncia. De fato, o enunciado “reflexdes sobre o ensi- no € a pesquisa em histéria da educacao” coloca a questéo da relagio entre ensino e pesquisa, relagio esta que se impés como indissociével no Ambito das universidades, 0 que terminou por ser consagrado no artigo 207 da Constituicio da Republica Federativa do Brasil, promul- gada em 5 de outubro de 1988, que se encontra em vigor. A primeira vista, é, pois, notivel que a primeira tentativa de organizar as universi- dades no Brasil, em imbito nacional, tenha introduzido a educagio como a principal caracteristica de uma das faculdades indispensiveis para que determinada instituicao de ensino superior alcangasse 0 status de universidade. Voltando-nos para a justificativa apresentada pelo ministro Francisco Campos na exposi¢io de motivos que apresentou o decreto do estatuto, a expectativa anteriormente enunciada tende a se confir- mar. Afirma ele sobre a Faculdade de Educacao, Ciéncias ¢ Letras: Esta iiltima, particularmente, pela alta fungio que exerce na vida cul- tural, é que di, de modo mais acentuado, ao conjunto de institutos reu- nidos em Universidade, o cariter propriamente universitario, permitin- do que a vida universitaria transcenda os limites do interesse puramente profissional, abrangendo, em todos os seus aspectos, os altos ¢ auténti- cos valores de cultura, que 4 Universidade conferem o caréter e atribu- to que a definem ¢ individuam, isto é, a universalidade [Campos, 2000, p. 127]. A luz desse enunciado, poderiamos concluir que, ja ao ser insti- tufda como uma frea a ser cultivada no interior da universidade, a edu- cacao seria objeto nao apenas de ensino mas, fundamentalmente, de pesquisa. Entretanto, no paragrafo seguinte esta expectativa é nao ape- nas relativizada; o prdprio sentido da aspiracio geral aqui enunciada é claramente invertido: REFLEXOES SOBRE O ENSINO E A PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCACAO 9 Cumpria, porém, nao esquecer, aa primeira tentativa que se faz de instalar no Brasil um Instituto de Alta Cultura, que nos povos em for- magio, como nosso, a alta cultura nao pode ser organizada de uma vez, integralmente e de maneira exclusiva. Para que instituto dessa or- dem vingue entre nés, torna-se indispensavel resultem da sua institui- io beneficios imediatos, devendo a sua inser¢io no meio nacional fa- zer-se exatamente nos pontos fracos ou nas lacunas da nossa cultura, de mancira que 0 seu crescimento seja progressivo e em continuidade com as nossas exigéncias mais proximas € mais imperativas. Essas con- sideragdes determinaram o carater especial e misto da nossa Faculdade de Educacio, Ciéncias e Letras, dando-lhe ao mesmo tempo fungoes de cultura e papel eminentemente utilitario ¢ pritico idem, ibidem]. Vai ficando claro que em lugar de um instituto de estudos de- sinteressado, do ponto de vista profissional, a motivagao era antes de carater utilitario e pratico: Esse carater resulta diretamente da observacao do nosso estado de cultura ¢ dos defeitos ¢ vicios do nosso ensino. O ensino no Brasil é um ensino sem professores, isto é, em que os professores criam a si mes- mos, ¢ toda a nossa cultura é puramente autodidatica. Faltam-lhe os lar- gos € profundos quadros tradicionais da cultura, nos quais se proces- sam continuamente a rotacio e renovagao dos valores didaticos, de maneira a constituir para o ensino superior e secundario um padrio, cujas exigéncias de crescimento e de aperfeigoamento se desenvolvem em linhas ascendentes [idem, ibidem]. Portanto, a inclusao da “educacio” em lugar da “filosofia” no nome da nova faculdade aponta para a questo da formagao de pro- fessores: Impunha-se, portanto, para que a Faculdade de Ciéncias e Letras no se reduzisse, tendo em vista as imperiosas necessidades do presente, a um adorno ou decoragio pretensiosa em casa pobre, dar-Ihe uma fungio de cardter pragmatico e de aco imediata sobre o nosso estado de cultura e, neste estado, exatamente sobre aqueles pontos ulcerados do nosso ensi- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 12_HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA, to renovador. A organizagao do campo educacional implicava a pro- fissionalizagio da atividade dos educadores. E a profissionalizagio, por sua vez, implicava uma formacio especifica, o que se iniciou com a cria- gio de escolas normais pata a formagio de professores primarios. Colocava-se, porém, a questio da formagio dos professores das esco- las normais e do ensino secundario em seu conjunto, o que acabou por por a exigéncia de se abrir espaco para os estudos pedagdgicos em ni- vel superior. Em contrapartida, o movimento renovador nao apenas deu maior visibilidade 4s criticas dirigidas as escolas normais, mas se empenhou em oferecer um novo modelo que corrigisse as insuficiéncias e distor- gGes do modelo entio vigente. Provavelmente onde as novas idéias assumiram uma formulagao mais organica ¢ conseqiiente, encarnando-se numa experiéncia prati- ca, foi na gestao de Anisio Teixeira, como diretor geral de instrugdo do entao Distrito Federal. Na exposigao de motivos do decreto n. 3.810, de 19 de marco de 1932, Anisio Teixeira deixa clara a intengao de erradicar aquilo que ele considerava o “vicio de constituigao” das es- colas normais que, “pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos” (Vina, 2001, pp. 79-80). E, em eutro texto denomi- nado “Como ajustar os ‘cursos de matérias’ na escola normal com os ‘cursos de pratica de ensino’”, indicava o caminho a seguir: “Se a ‘es- cola normal’ for realmente uma instituicio de preparo profissional do mestre, todos os seus cursos deverio possuir o carater especifico que thes determinard a profissiio do magistério” (idem, p. 80). Guiando-se por essa concep¢ao, Anisio tragou 0 programa ideal que deveria ser implantado nas escolas normais, compreendendo: a) Cursos de fundamentos profissionais — em que se devem incluir os que oferecem conhecimentos gerais e preliminares para a atividade edu- cativa, como biologia educacional, sociologia educacional etc. b) Cursos especificos de contenido profissional - em que se devem incluir to- dos os que fornecem o material e contetdo propriamente ditos do tipo especial de ensino, a que se destina o estudante — como os cur- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 16 _HISTORIA DA EDUCAGAQ EM PERSPECTIVA Todos os cursos da Faculdade Nacional de Filosofia e, dado o seu carater de modelo padrio, também das demais faculdades de filo- sofia, ciéncias € letras instaladas no pajs, se organizaram em duas mo- dalidades: o bacharelado e a licenciatura, o primeiro com a duracao de trés anos ¢ o segundo, com a duragio de um ano. O curso de pedago- gia foi definido como um curso de bacharelado ao lado de todos os outros cursos das demais segdes da faculdade, com excegao, obviamen- te, do de didatica. O diploma de licenciado seria obtido por meio do curso de didatica, acrescentado ao curso de bacharelado. Esta ai a ori- gem do famoso esquema conhecido como “3+1”. Ao instituir um curriculo pleno, fechado para o curso de peda- gogia, em homologia com os cursos das areas de filosofia, ciéncias ¢ letras e nao os vinculando aos processos de investigacio sobre os te- mas ¢ problemas da educagiio, o modelo implantado com o decreto n. 1.190, em vez de abrir caminho para o desenvolvimento de estudos e pesquisas educacionais, acabou por se enclausurar numa solugio que se supds universalmente valida, agravando progressivamente os proble- mas que se recusou a enfrentar. Com efeito, supondo que o perfil pro- fissional do pedagogo ja estaria definido, concebeu um curriculo que formaria o bacharel em pedagogia entendido como o técnico em edu- cagao que, ao cursar didatica geral ¢ especial, se licenciaria como pro- fessor. Mas, quais seriam as fungGes técnicas proprias do pedagogo? Em que medida o curriculo proposto para o bacharelado daria conta de formar esse técnico? E 0 licenciado em pedagogia poderia lecionar que matérias? Por suposto, as matérias constantes de seu curriculo de ba- charelado, como ocorria com os cursos das segdes de filosofia, cién- cias e letras. No entanto, se no caso das demais se¢ées as disciplinas cursadas figuravam no curriculo das escolas secundirias, no caso da pedagogia a Lei Organica do Ensino Normal dispds um curticulo em que predominavam as matérias de cultura geral sobre as de formagio profissional, e, além disso, essa mesma lei determinava que, para lecio- nar no curso normal, “era suficiente, em regra, o diploma de ensino superior” (SiLva, 2003, p. 14). Essa estrutura prevaleceu até 1961, mas, paralelamente, o campo da educagio foi se desenvolvendo. A criagio, em 1938, do Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos, o INgP, hoje aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 20_HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA. de “concepgio produtivista de educagao”, que, impulsionada pela teoria do capital humano, formulada nos anos 50 do século XX, tornou-se do- minante em nosso pais a partir do final da década de 1960 permane- cendo hegemGnica até os dias de hoje. Em suma, foi apds a criacdo do curso de pedagogia, em 1939, que a histéria da educag&o comegou a ser ensinada regularmente, o que acarretou também a necessidade de investigagdes especificas na area em questao. E de se ressaltar que, das origens do curso de pedagogia até a década de 1960, a hist6ria da educacao ocupava posicao central no cur- riculo desse curso. A formagao do pedagogo era fortemente marcada pelos estudos histéricos, ainda que tais estudos se centrassem mais na histéria das doutrinas pedagogicas, ficando em segundo plano a histé- ria da educacio como fato social, assim como a histéria da educagio brasileira propriamente dita. Essa situagio veio a se alterar a partir da década de 1970, em decorréncia da aprovagao ¢ entrada em vigor, em 1969, do parecer n. 252 do entao Conselho Federal de Educagio. Como ja se assinalou, esse parecer introduziu as habilitagdes pedagégicas no curriculo da pedagogia reduzindo, em conseqiiéncia, o espaco antes re- servado As disciplinas ligadas aos chamados fundamentos da educa- ao. Com isso, os seis a oito semestres antes dedicados 4 historia da educagao foram reduzidos para dois ou, no maximo, trés semestres. De qualquer modo, nfo se pode negar que a histéria da educa- cao foi firmando-se como um campo de estudos ptdprio dos pedago- gos. De fato, enquanto era comum no caso das outras disciplinas da area de fundamentos da educagio, como filosofia da educagio, psicologia da educagio e sociologia da educagio, que fossem recrutados os pro- fessores a partir de sua formacao nos cursos respectivos de filosofia, psicologia e sociologia, no caso da histéria da educagio isso nao ocor- ria, Jamais se cogitava de recrutar professores de histéria da educagio a partir dos formados em cursos de histéria, mesmo porque nao havia espaco, ai, para a historia da educagao. A vista desses antecedentes, a historia da educacio configurou- se como um campo cultivado predominantemente por investigadores oriundos da area da educagio, formados nos cursos de pedagogia. As- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 24_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA ai se manifestam. E forcoso admitir, porém, que essa abertura para os novos objetos, novos problemas, novos métodos, novas fontes veio conferir maior especificidade a disciplina historia da educagio ao cons- tituir-se como um dominio préprio de investigagao, libertando-se da de- pendéncia em que se encontrava da filosofia e, mesmo, da teologia, entendida que era como uma disciplina pedagégica de cariter norma- tivo ¢ doutrinario a servigo da formulagio dos ideais educativos antes que como um ramo das ciéncias da educagao, cuja tarefa seria a expli- citagio das condigdes em que se desenrola o fendmeno educativo. Rompendo com essas caracteristicas, a disciplina revestiu-se de legi midade cientifica adquitindo reconhecimento junto 4 comunidade de investigadores. Os avangos constatados nao se fizeram, contudo, sem riscos, 0 que, alids, é proprio de todas as verdadeiras conquistas. Ao aderir mui- to rapidamente e sem maiores consideracGes criticas as linhas de inves- tigagio que se tornaram hegeménicas no campo da historiografia, sur- ge uma questio que necessita ao menos ser formulada: nesse movimento, além de uma certa dispersio e fragmentacio, nao teria a historia da edu- cacfo, ao fim e ao cabo, secundarizado a especificidade do seu objeto? Assim, paradoxalmente, enquanto a disciplina formalmente adquiria es- pecificidade, materialmente a sua especificidade se dilufa, Com efcito, sera que fazer a hist6ria do cotidiano escolar, das representagdes dos atores escolares, das relagGes de género nas escolas, da arquitetura es- colar, dos tempos escolares e até mesmo dos saberes escolares é fazer histéria da educagio? Nao parece que estudando esses objetos nds es- tamos estudando algo que esta na educagio, que se situa em torno dela, deixando, com isso, de estudar a educagao propriamente dita? A ques- tao do tempo, por exemplo, tem sido objeto de estudos minuciosos no Ambito da hist6ria das instituigdes educativas quando se toma, por exem- plo, um internato e se descreve a distribuigio do tempo pelas diversas praticas reguladas pela referida instituigao, como a higiene pessoal, as oracGes, a limpeza das salas, as refei¢des, os estudos, as aulas, os jogos, 0 repouso, o tempo destinado 4s atividades obrigatorias, o tempo livre etc. Mas, a essencialidade do tempo como algo inerente ao trabalho pe- dagégico que define o curso (0 curriculo) da agio educativa, determi- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 28 HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA tio — 0 que é mais provavel— se tornaria, como a medicina, uma ciéncia profissional pragmitica do professor, mera transmissora de conhecimen- tos para o dominio das aptidées técnicas ¢ artesanais da orientagio do ensino, submetida a objetivos determinados politicamente [idem, p. 12]. Esse alerta resulta importante, pois € possivel notar que o trata- mento dado a questo pedagégica, desde o decreto-lei n. 1.190 de 1939, passando pelas indicagées de Valnir Chagas em 1975 (Cuacas, 1976) e chegando aos institutos superiores de educagio ¢ escolas normais su- periores institufdos pela nova LDB, tendeu a reduzir a pedagogia a “uma ciéncia profissional pragmatica do professor, mera transmissora de conhecimentos para o dominio das aptidGes técnicas ¢ artesanais da orientagao do ensino”. Parece, entao, que o caminho a percorrer comega pelo resgate da longa e rica tradigao da pedagogia, buscando explicitar, no conjun- to de suas determinagées, a relacio intima que mantém com a educa- cao enquanto pratica da qual se origina e 4 qual se destina. Esta ai um programa de grande envergadura a ser empreendido pelas varias disci- plinas constitutivas do campo educacional, tendo 4 frente, com certe- za, a historia da educagao. Com efeito, como operar o resgate da longa e rica tradicao da pedagogia sem o concurso decisivo da pesquisa e do ensino em histéria da educagio? REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, J. R. P, (1989). Histéria da instrugao publica no Brasil (1500-1889). Brasilia, Instituto Nacional de Estudos ¢ Pesquisas Educacionais (INEP), Sao Paulo, Pontificia Universidade Catélica de Sio Paulo (PUC-SP). Azeveo, F, (1943). A cultura brasileira. Rio de Janciro, Instituto Brasileiro de Geografia Estatistica (IBGE). BoNTEMPI JR., B. (2001). A cadeira de historia e filosofta da educagao da USP entre os anos 40 0 60: um estuda das relagdes entre a vida académica e a grande imprensa. (Dou- torado) ~ Pontificia Universidade Catdlica de Sio Paulo, Sio Paulo. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. CAPITULO*DOIS CONSIDERACOES SOBRE O ENSINO DA HistORIA DA EDUCACAO NO BRASIL Marta Maria Chagas de Carvalho* D isciplina historicamente vinculada a programas institucionais de formagio de professores, e, por isso, fortemente radicada no campo das ciéncias da educagio, a histéria da educagao ocupou, até mui- to recentemente, nesse campo, a posigao de saber subsididrio. Cabia- lhe funcionar curricularmente como espécie de vestibulo introdutério de outros estudos, fornecendo-lhes o “contexto” ou a “origem” de uma determinada questo, a ser adequadamente estudada por especialistas de outras “ciéncias” da educacfo, tidos como mais autorizados. Esse estatuto da disciplina cm programas de formagio docente produziu uma espécie de naturalizacao: a disciplina nao se define pela partilha ¢ dis- cussao de procedimentos que lhe conferem o estatuto de conhecimento historiografico, para definir-se pela referéncia a um objeto, que, na falta da definigao aludida, se reifica, se naturaliza. Os moldes em que se deu * Doutora em educagio pela Universidade de Sao Paulo (USP). Professora de historia da educagio da Pontificia Universidade Catélica de Sao Paulo (PUC- SP). Contato: memarta@uol.com.br. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. CONSIDERAGOES SOBRE O ENSINO DA HISTORIA DA EDUCACAO NO BRASIL 37 um conjunto de informagées entendido como sintese do processo his- térico-educacional brasileiro. Para outros, a histéria da educagao deveria estar necessariamente subordinada a uma filosofia da educagio, o que explica a freqiiente fusio dos programas de histéria da educacio e fi- losofia da educagio nos cursos de pés-graduagio ¢ nos curticulos das escolas normais. Mas, para estes, também nao havia coincidéncia de posig6es. Ainda, para alguns, o programa da disciplina historia da edu- cacao deveria promover o contato do aluno com ideais e valores da hu- manidade considerados universais, assegurando-lhe um percurso de for- magio no campo da hist6ria das idéias pedagégicas. Para outros, a historia da educagio era entendida como um ramo da filosofia da edu- cacio que deveria auxiliar o trabalho desta disciplina na formacao de educadores “conscientes” dos problemas educacionais do pais. Tais representagoes nao eram apenas partilhadas por varios cole- gas e por muitos alunos do curso em que eu lecionava. Elas estavam pre- sentes também nos programas oficiais dos cursos de formac4o docente e nos livros de histétia da educagio, que freqiientemente tragavam dire- trizes para o ensino da disciplina em que eram conciliadas essas repre- sentac6es. Permitam-me exemplificar. Em 1986, fui convidada para ava- liar planejamentos de historia e filosofia da educacio de professores dos cursos de habilitacio especifica ao magistério da Divisio Regional de Ensino da Capital - 3 (Drecap 3) do estado de Sao Paulo. Os planos exa- minados obedeciam a diretrizes de um guia curricular em que se pres- crevia o seguinte objetivo para o ensino da historia da educacio: “adquirir visio histérica das principais idéias e fatos que marcaram a definigio dos fins, valores ¢ ideais do mundo ocidental e, especialmente, da escola bra- sileira”. Com essa finalidade, propunha o guia, o ensino de historia da educagio deveria funcionar como “instrumento da filosofia para o es- clarecimento de conceitos indispensdveis em Pedagogia” (Secretaria de Estado da Educagio — SEE/Drecap-3/Faculdade de Educagio da Universidade de Sao Paulo — Feusp, 1986, p. 43 apud CarvaLHo, 1986, p. 91). Isso porque, a histéria setia desvendado, para o aluno, “o univer- so da educacio e a problemitica educacional de nossos dias”, evitando- se a “memotizagao de definigdes” ¢ proporcionando ao futuro profes- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. CONSIDERACOES SOBRE O ENSINO DA HISTORIA DA EDUCACAO NO BRASIL _47 rengo Filho sobre a natureza do conhecimento e dos processos de sua produgio ¢ transmissao, assim como os seus projetos politicos de or- ganizacio de um sistema nacional de educacio, foram sem duvida de- terminantes da configuracao das instituigdes de ensino e pesquisa no Brasil, a partir dos anos de 1930. Por cerca de meio século, puderam p6-las em pritica, na intensa atividade que tiveram como idealizadores e organizadores dessas instituigdes. Como reformadores dos sistemas publicos de ensino ¢ como técnicos, assessores e diretores das princi- pais instituigdes governamentais que fomentaram o desenvolvimento do ensino ¢ da pesquisa no pais, priorizaram questoes relativas & for- magiio de professores e ao desenvolvimento da pesquisa sobre educa- co, o que fez com que sua presenga no campo da produgao e trans- missio de conhecimento sobre educacao fosse especialmente incisiva. Essa presenga parece incontestavel dada a longa permanéncia do vinculo entre as disciplinas historia da educagiio e filosofia da educa- cao nos programas dos cursos de formacio docente. Menos visivel é 0 legado desses renovadores da educapdo na produgio de uma outra heran- ga: a dissociagao entre o ensino ¢ a pesquisa no campo da histéria da educagao. Rastrear essa segunda heranga exigiria enveredar pelo campo da histéria do livro e de suas apropriages, rastreando a bibliografia sobre educagio, ¢, particularmente, os livros de histéria da educagao publica- dos no periodo. Embora nao tenha sido realizado um recenseamento exaustivo a respeito, o exame das iniciativas editoriais de Lourengo Fi- tho e Fernando de Azevedo traz indicios importantes sobre o assunto. Como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos, Lou- rengo Filho implementa politica editorial destinada a organizar a docu- mentacio relativa a historia ea situagao atual da educagio no pais. A série de boletins Swbsidios para a Histéria da Educagao Brasileira — é fruto dessa politica. Segundo estudo de Andréa Dantas, o Inep dispunha, em 1937, de prontuirios sistematicos, referentes a legislago do governo central, na colénia, no império e na repiblica, e que remetem a repertério com- pleto dessa legislacao, desde 1808 a esta data; como dispde também de repertérios da legislacio dos estados, nos ultimos decénios e de estu- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. CONSIDERACOES SOBRE O ENSINO DA HISTORIA DA EDUCAGAO NO BRASIL_45 Mirian Jorge (1984). “Anotagdes para uma historiografia da educagio brasileira”. Ex Abervo, Brasilia, Iner, vol. IIT, n. 23. . (1990). “Contribuigées da historia para a educagio”. Em Aberio, Brasilia, INsp, vol. IX, n. 47, jul./set. (1998). “Questées tedticas e de método: a historia da educa- gao nos marcos de uma hist6ria das disciplinas”. In: Saviani, D.; Lomparni, J. C. & SanreLice, J. L. (orgs.). Histéria e histéria da educagdo: o debate teérico-metodo- “égico atual. Campinas, Autores Associados. (1999). “Historia da educacio brasileira: constituigio da disci- plina, fronteiras, intelectuais, instituigdes”. PUC-SP, mimeo. Warp, Mirian Jorge & Carva.no, Marta Maria Chagas de (2000). “Politica e cultura na produgao da historia da educacao no Brasil”. Contemporaneidade e Educagao, Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Cultura e Educagio Conti- nuada, vol. 7. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 5Q_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA, 2. A PESQUISA E O ENSINO DE HISTORIA DA EDUCACAO: ALGUMAS REFLEXOES Proponho-me a pensar aqui sobre algumas questdes referentes 4 pesquisa e ao ensino de histéria da educagio brasileira. Temos pre- sente, como observa Nunes, que “tanto no ensino quanto na pesquisa a Histéria da Educagao apresenta limites, possibilidades ¢ questdes (2002, p. 38). Limites que “tém a ver com a propria constitui¢io de seu campo e com a organizacio institucional que lhe da suporte” (idem, ibidem) As questdes séo numerosas, como por exemplo: “como traba- Ihar suas relagdes com as ciéncias humanas e sociais?” (idem, ibidem). Todavia, € pertinente nao perder de vista que tanto o ensino como a pesquisa fazem parte de um projeto ou de projetos que tém um cara- ter formador (idem, ibidem). Com isso, no entanto, nao se pode con- fundir a pratica de pesquisa em histéria da educacao com o ensino dessa disciplina, embora ambas se complementem. Na pesquisa, “o conhecimento que cabe 4 historiografia educa- cional produzir consiste em reconstruir, por meio de ferramentas con- ceituais (categorias) apropriadas, as relacGes reais que caracterizam a educacio como um fendmeno concreto” (SAVIANI, 1999, p. 10). Ou seja, “como uma sintese de multiplas determinagdes” (Marx, 1978, p. 116). Em termos gerais, essa perspectiva nos leva ao entendimento de que, para ir além do empiricamente observavel, é preciso nao ignorar ou omitir os fatos e a atuacao das pessoas, bem como das institui¢des que esto situadas, datadas e que nio existem apartadas do tempo, nem da realidade social. E oportuno lembrar que o processo historico no se da de forma linear e continua, e que cada instante da atualidade resulta de movimentos as vezes contraditérios. Vale reforcar que no trabalho de pesquisa a busca de um conhecimento que se pretende rigoroso se configura como uma oscilagio permanente entre as partes ¢ o todo, entre o abstrato € o concreto, entre o singular € o universal. A esse respeito, ocorre-me, mais uma vez, a observacao de Marx: “o concre- to é concreto, porque é a sintese de multiplas determinacées [...]. Por isso, 0 concreto aparece no pensamento como processo de sintese, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 54_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA e o Decreto”. E, complementou: “apds ter entregue pessoalmente ao presidente a Exposigio ¢ o Decreto, que dispunha sobre a instrugio religiosa nos cursos primario, secundario e normal, voltou ao Ministé- rio e comunicou simplesmente a seus assessores: ‘o assunto relativo ao ensino religioso esta resolvido’ ”. Com esse depoimento do professor Jacobina Lacombe, ocorreu- me uma outta releitura dessa “reforma”, supondo que ja dispunha de elementos para entender o problema. Quando, certo dia, pesquisando no Arquivo de Getilio Vargas, no CPDOC/FGY, encontro uma carta manuscrita de Francisco Campos, em papel timbrado do Ministério da Educagio e Saide Publica, dirigida a Gettlio Vargas. Os termos sao muito claros. Apés insistir no carater facultativo do ensino religioso para os alunos, na conformidade dos pais ¢ tutores, nio fazendo violéncia a consciéncia de ninguém, nem violando, as lidade do Estado em matéria de crengas religiosas etc., de forma expli- cita o ministro afirma: sim, o principio de neutra- Permito-me acentuar a grande importincia que teri para o governo um ato da natureza de que proponho a V. Ex. Neste instante de tama- nhas dificuldades, em que é absolutamente indispensavel tecorrer 20 concurso de todas as forgas materiais ¢ morais, o decreto, se aprovado por V. Ex., determinara a mobilizagio de toda a Igreja catélica ao lado do governo, empenhando as forcas catdlica [sic], de modo manifesto declarado, toda a sua valiosa ¢ incomparavel influéncia no sentido de apoiar o governo, pondo ao servigo deste um movimento de opiniio de carater absolutamente nacional [CAMPos, 1931]*. Adiante acrescenta: Assinando-o, tera V. Ex. praticado talvez o ato de maior aleance politico do seu governo, sem contar os beneficios que da sua aplicagio decorrerio para a educagio da juventude brasileira. * Grafia atualizada por mim. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 58_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA va que o “descaso ou aversio 4 documentagio contém problemas ba- sicos para os estudiosos”. E acrescentava: “nao ha divida de que a des- trui¢ao criminosa de documentos traz graves prejuizos a todos, pois esta é uma maneira de exterminat a memoria nacional” (CARONE, 1976, pp. 24 e 26). Poderia indagar: e, hoje? Como tém sido feita a preserva- cdo e a divulgacgdo da meméria nacional no Brasil? No trabalho com fontes histéricas, como docente-pesquisadora, aprendo ainda que, quando penetramos nos arquivos e dialogamos com os documentos e conseguimos apreender o niio-dito ou aquilo que foi esquecido ou silenciado, ha uma sensacao de descoberta e de fascinio. Neste sentido, vale a pena referir aqui o depoimento do mestrando Jucinato Marques, quando trabalhava comigo no PRoEDEs, em 1995, a respeito do Arquivo Asylo dos Meninos Desvalidos. Observa ele que ficara deslumbrado e¢ fascinado com 0 acervo. Que estava diante de alunos, alunos que pediam sua admissio na instituigho. Este sugados pelas contingéncias da vida, estavam diante de scus olhos — tiveram um passado, uma historia, algo a narrar; queriam falar a todo o custo. Ele tentou escuta-los (MARQUES, 1995). Esse depoimento, aliado 4 minha vivéncia, deixa entrever ainda que 0s arquivos nio guardam apenas desejos, aspiragées, sonhos indi- visiveis, mas sio também produtos da sociedade que os configurou segundo as relacdes de forca que ai detinham o poder. Por isso, no ensino da histéria da educacao, faz-se necessirio nao apenas refletir- mos sobre os siléncios da historia, a nao inexisténcia de documentos, mas também se questionar sobre o porqué das lacunas, dos “esqueci- inala Le Goff (1992), Como pesquisadora e professora percebo que a preservagio das fontes documentais é de fundamental importancia, na medida em que esses documentos oferecem elementos para anilises ¢ abordagens di- mentos” ou dos espagos em branco, como a ferenciadas no processo de claboragio do conhecimento da historia da educacio no Brasil. Vale a pena insistir, mais uma vez, que essa expe- riéncia de trabalho com as fontes documentais tem possibilitado com- preender melhor que a integracao entre o pesquisador e suas fontes constitui um diélogo permanente entre o passado ¢ o presente, ¢ que ninguém conhece todo o caminho. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 62_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA, ANEXO 1 ep =e ope CLD DDE 7 ot tlc nn PPP P " Lz Prete LS ey, Coececed nG Ne 4 on ante, iTtiatlen ee ae SGC. tieeeise ALLE tl Ah Spttin ala. eee tin ae Bie a ihe remnant OT HEB eH citer St AEG, E rar < - ‘ y Pay wy NY Pay a i: Lab. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 66 _HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA, oon YL Lanes ees LPOG xpremws y a7 Bee Ze Dod wine M. “BZ Ss “a iis Borel fay veers ste, awd PF mice ose vem b, TD erg go of ste aaeetig ay py eo Se! mg vey pong + OUD wT Ye a By rep gr otis MTB E ee ne ogee enype ml re: Arquivo Getilio Vargas, 31/04/1811, CPDOC/PGV. Font aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 72_HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA de 1994) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Histéria e Historio- gtafia da Educagiio (Gernes) do Centro Universitario do Triingulo (en- tre 1998 e 2004), sobre a hist6ria das instituicdes escolares de nivel ele- mentar, médio ¢ superior criadas nas principais cidades da regiio do Triangulo Mineiro e Alto Paranaiba, bem como, de outro lado, das in- vestigagdes levadas a curso por Eurize Caldas Pessanha no interior da linha de pesquisa “Educagio, cultura ¢ disciplinas escolares” do Pro- grama de Pos-Graduacao em Educacao da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Estas reflex6es referem-se, ptimeiramente, a articulacao da pro- ficua definigio de objeto de pesquisa em histéria e dos conceitos de experiéncia e de formagio social expressos em Thompson (1981), como esforco teérico de busca e valorizagio do sujeito no processo de pes- significa a defesa quisa ¢ escrita da historia, o que, em outros termos da valorizagio do exame das priticas sociais como objeto histérico, agregando a concepgio de Thompson também a concepgiio de mate- rialismo cultural expressa em Williams (1979, 1992). Em segundo lugar, valendo-se desse pressuposto basico, funda- se o processo de exame das categorias de andlise empregadas no 4m- bito da histéria da educagio, especialmente na histéria das instituigdes educacionais (Burra & Nosenia, 1996; MaGaiigs, 1998) € na histd- ria da cultura escolar (VINAO FRAGO, 1995; JULIA, 2001). Por fim, é estabelecida uma reflexio acerca da importancia das evidéncias histéricas, de seu agrupamento, conservacio e utilizacio no processo de anilise do fendmeno histérico-educacional com base nas categorias de andlise mais usuais no quadro da histéria da educagio, vis- ta como historia das instituigdes em um sentido restrito, ¢ da cultura escolar, em um sentido amplo. 2. EXPERIENCIA COMO VALORIZAGAO DO SUJEITO E O CONCEITO DE FORMACGAO SOCIAL Na obra de Thompson, aparece claramente uma recusa A execu- cao de uma anal do social vinculada 4 dicotomia base/superestrutu- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 76_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA pectiva sécio-histérica, presente em Vygotsky, ou de significados par- tilhados, presente em Geertz. Entre os principais problemas da nova historia cultural, Peter Burke (1992) assinalou quest6es quanto 4 definicao, fontes, explicagao e sintese. Porém, nada que tenha impedido a proliferagio de intensa producio nessa tendéncia historiografica. Nesse sentido, encontra lu- gar a fertilidade da produgio no campo da histéria da educacio. Segundo Vifiao Frago (1995), a investigagao em historia da edu- cacao na proximidade com a nova histéria cultural tem sido fértil. Em primeiro lugar, nas pesquisas sobre os processos de profissionalizacao docente e formagio das disciplinas académicas como historia intelec- tual, com duas abordagens basicas: a hist6ria dos intelectuais (formas de selegio, memoriais etc.); a apreensio das idéias de um grupo inte- lectual em relagao a uma questio concreta. Em segundo lugar, em uma histéria da cultura ¢ organizagées es- colares e da mente humana com produto sécio-histérico, na qual cultu- ra escolar é tomada como: um conjunto de aspectos institucionalizados que caracteriza a escola como organizagio; tabelecimento escolar; a cultura de um conjunto de estabelecimentos em comparagao com outros (por exemplo, escolas rurais e faculdades de cultura especifica de um es- dircito); a cultura de uma 4rea territorial determinada; a cultura do mun- do académico em geral em comparagio a outros setores sociais. Para ele ha um conjunto de aspectos institucionalizados, a saber: 1) Histéria cotidiana do fazer escolar: priticas e condutas, modos de vida, habitos ¢ ritos. 2) Objetos materiais: fungdes, uso, distribuigao no espaco, mate- rialidade fisica, simbologia, introducao, transformagio e desa- parecimento. 3) Modos de pensar (linguagem). Porém, ha elementos mais relevantes que sao organizadores e que conformam e definem a mente e as agées, a saber: espaco escolar, tem- po escolar e formas de comunicagio (linguagem). aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 80_HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA, ma educativo, contextualizé-la, implicando-a no quadro de evolucio de uma comunidade e de uma regio, é por fim sistematizar e (re)escrever- dhe o itinerario de vida na sua multidimensionalidade, conferindo um sentido histrico [MAGALHAES, 1996, p. 2] Valendo-se desses pressupostos, Magalhiaes (1998) afirma que as categorias de andlise basicas da pesquisa sobre a historia das institui- g6es educacionais podem ser elencadas como: Espago (local/lugar, edificio, topografia). Tempo (calendario, horario, agenda antropologica). Curriculo (conjunto das matérias lecionadas, métodos, tempos etc. ou racionalidade da pratica). Modelo pedagégico (construgao de uma racionalidade comple- xa que articula a logica estruturante interna com as categorias externas que a constituem — tempo, lugar e acdo. Professores (recrutamento, profissionalizagio; formagio, orga- nizagio, mobilizagao, hist6ria de vida, itinerarios, expectativas, decisdes, compensagées) Manuais escolares. Publicos (cultura, forma de estimulagio e resisténcias). Dimensées (niveis de apropriagio, transferéncias da cultura escolar, escolarizagao, alfabetizagao, destinos de vida). Com base nessas categorias, podem se estruturar os roteiros ¢ estabelecer os procedimentos investigativos. Desse modo, percebe-se que a historia das instituigdes educacionais almeja dar conta dos varios sujeitos envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se passa no interior das escolas, gerando um conhecimento mais aprofundado desses espacos sociais destinados aos processos de ensi- no e de aprendizagem, por meio da busca da apreensio daqueles ele- mentos que conferem identidade 4 instituigdo educacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido unico no cenario social do qual fez ou ainda faz parte, mesmo que ela tenha se transformado no decorrer dos tempos (Garr Jr., 2000). aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 84_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA, quais o poder da Igreja, dos santos, entre outros, teve permanéncia mais longa. Ainda nesse sentido, a cultura escolar, disseminada em uma ci- dade em processo de urbanizacgio e modernizagio, discursiva e fisica, tem a fungio de deixar patente a superioridade do progresso e da agio humana sobre a natureza. Nesse sentido, as pesquisas sobre a génese e a historia dos grupos escolares no Brasil vém mostrando como a reu- nifo de escolas isoladas foi aclamada como uma formula magica para resolver os problemas do ensino primario (Souza, 1998, p. 39). No ini- cio do Brasil republicano, as escolas isoladas deveriam ceder lugar, tanto na memoria como na realidade espacial, para os grupos escolares, mais racionais ¢ abrangentes (Faria Fino, 1997). Nessa Gtica, 0 papel dos docentes ganharia especial relevo na constituigao moral, na formagio das novas geracées. 8. HISTORIA DA EDUCAGAO E CULTURA ESCOLAR: TEORIA E EVIDENCIAS NA COMPREENSAO DOS PROCESSOS DE ESCOLARIZACAO Os esforgos investigativos realizados oportunizaram ¢ tém oportunizado aos autores deste texto grande envolvimento na busca de evidéncias hist6ricas que sustentem a elaboragao de teorias sobre o pro- cesso de escolarizagio vivenciado, de modo especial ao longo do sé- culo XX na regiao do Tridngulo Mineiro ¢ Alto Paranaiba, em Minas Gerais; e em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Para tanto, os autores, junto aos membros dos grupos dos quais fazem parte, efetivaram a busca de categorias de andlise provenientes da histéria cultural ¢ da histéria da educacio, diante das quais ocorreu cias histéricas chamadas ao dié- um alargamento do conjunto de evi logo teorico, na direcao da construgao de uma historiografia interpre- tativa, de uma racionalizagio sobre o passado na forma de uma memoria histérica passivel de refutacio e reflexao. Na anilise da documentagio referente 20s processos de consti- tuigio ¢ funcionamento inicial das instituigdes escolares pesquisadas, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 88_ HISTORIA DA EDUCACAQ EM PERSPECTIVA, L. M. de; Gongatves, 1.A.; Loprs, A.A.B.M. & Xavirr, M.C. (orgs). Histéria da educagao em Minas Gerais. Belo Horizonte, Faculdade de Ciéncias Humanas (FCH)/Fundagao Mineira de Educagao e Cultura (Fumec), pp. 527-531. Garni Jn,, Décio; Axayyo, José Carlos; Goxcatves Nevo, Wenceslau & INAcio Fino, Geraldo (1995). “Levantamento e catalogacio de fontes primarias ¢ se- cundarias para 0 estudo da historia da educagio brasileira ¢ do Tridngulo Mi- neiro ¢ Alto Paranaiba”. Revista Brasileira de Estudos Pedagégicos, Brasilia, vol. 76, n, 182/183, pp. 351-354, jan./ago. ________. (1997). “Histéria e meméria edueacional: génese ¢ consolida- gio do ensino escolar no Triangulo Mineiro”. Revista Histéria da Educagao, Pelotas, Associagao Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Hist6ria da Edu- cacao (AspHE)/Editora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), vol. 2, pp. 5-28, set. GinzBun, Carlo (1987). O qucijo e os vermes. O cotidiana ¢ as idéias de um moleiro perseguido pela Inguisigdo. Sio Paulo, Companhia das Letras. HosssawM, Eric (1982). “A contribuigao de Karl Marx para a historiografia”. In: BLackBurN, Robin (org.). Ideologia na ciéncia social. Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 244-261 Hun, Lynn (1992). “Apresentacio: historia, culura e texto”. In: Hunt, L. (org,). A nova histéria cultural. Sio Paulo, Martins Fontes, pp. 1-32. Ju1a, Dominique (2001). “A cultura escolar como objeto histérico”. Revista Brasilira de Historia da Educacao, n. 1, pp. 9-43. 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Para a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 92_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA ricos e de novas fontes de informagao. Uns e outros, no entanto, re- caem basicamente no quadro da investigagao e visam essencialmente a produgao cientifica. Diferentemente, um segundo conjunto de comunicagoes e de es- tudos intenta corresponder aos desafios langados pelo ensino da his- téria da educacio, que, enquanto ciéncia da educagio e enquanto pa- radigma ¢ modo de pensar ¢ agit em cducagio, se tem vindo a alargar e afirmar de uma forma inusitada. E uma abertura que se traduz em novos modos de dizer e de ensinar, mas também na integragio de no- vas tematicas, com vista ao reforco da histéria da educagio no interior das ciéncias da educagio como disciplina obrigatéria nos programas de formagcio dos diversos tipos de profissionais, na area da educagao, em sentido amplo. Fortalecendo uma ¢ outra destas perspectivas, pode no entanto observar-se que uma das orientagGes fundamentais deste Con- gresso, agregando profissionais do ensino, investigadores e um amplo conjunto de professores/investigadores em formacio, dentro e fora da historia da educacio, é a articulagio entre investigagao € ensino, o que por outras palavras se poderia traduzir por “fazer e ensinar historia da educacio”. 2. Tendo-se desenvolvido no quadro mais estreito de um nucleo disciplinar de formagao de professores, educadores e pedagogos, em geral, a historia da educagio tem vindo a desempenhar no quadro epis- temolégico das ciéncias da educacao, reorganizado a partir da década de 60 do século XX, nio apenas uma fungio de informagio e norma- lizagiio, em que releva uma perspectiva historicista iniciada ainda no de- curso do século XIX, mas também uma funcio enciclopédica, ilustra- tiva, demonstrativa, problematizante e inquiridora da realidade educativ , perspectivando-se como paradigma, modo e método de pen- sar, dizer e escrever a educagao. Esta aproximagio 4 realidade educa- cional, na sua complexidade ¢ na sua multidimensionalidade, associa- das 4 renovagdo metodologica e conceptual, marca uma nova vaga da producao historiografica, cujas centralidade ¢ reflexividade tomam como ponto de partida as principais questdes e tematicas da actualidade. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 96_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA bém a consolidacao de linhas metodoldgicas e quadros conceptuais, parecem facilitadas, se sistematizadas e (re) fundidas a partir de nticleos investigativos especializados, legitimados e reconhecidos pelas diver- sas comunidades de investigadores. Uma segunda referéncia que se afigura fundamental na consoli- dagao do conhecimento é que nao obstante deverem as comi: Ses cien- tificas dos congressos intervir de forma mais activa ¢ consequente na selecc4o, acompanhamento e orientacao da produgao das comunicagdes seleccionadas e apresentadas em cada congresso; a comunidade cien- tifica de base que fomenta um congresso dever mobilizar-se, interna ¢ externamente, com o objectivo de apresentar um contributo substan- tivo e significativo na tematica-chave desse mesmo congresso. Tal im- plicagao nao podera deixar de compreender uma actualizacgao das perspectivas metodoldégicas, uma inventariagao, uma sistematizagao da producio cientifica, e um prolongamento de intervencio até A publi- cacao de artigos verdadeiramente representativos ¢ significativos des- sas mesmas linhas de acgao. Finalmente, seria esperado que a respecti- va comunidade de base aferisse e avaliasse das virtualidades ¢ da oportunidade de prosseguir no terreno uma ou virias das linhas de investigagio, associadas ao eixo tematico de cada congresso, a fim de que este marcasse efectivamente um tempo e um olhar na produgio cientifica. Voltando ao II Congresso de Pesquisa e Ensino em Historia da Educagio em Minas Gerais, é possivel afirmar que ha uma unidade te- miatica de base, centrada na historia das i do amplo, estruturas, espagos, publicos, meios didacticos e pedagégicos, politicas e regulamentos, produtos, memérias, biografias, Ou seja, in- tegrando a histéria das instituigdes educativas num quadro conceptual stituigdes educativas em senti- que serve e caracteriza basicamente a histéria da educagio como histé- ria social e cultural, pode cativas foi aqui analisada, perspectivada, compreendida, explicada ¢ or- ganizada na forma de discurso cientifico e sob a forma de arquivo, e-4 dizer que a tematica das instituigdes edu- exposi¢io e memoria, na sua tripla acepgio: materialidade, representa- cio, apropriacgao. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 100 _ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA 4 nacio que o delega no estado -, caracterizou-se por uma radical trans- formagao das estruturas ¢ da organizacao da sociedade, superando de- finitivamente a ordenacao hicrarquizada do Antigo Regime, através de classes sociais progressivamente indexadas ao capitalismo ¢ aos modos de producio, circulacao e terciarizagao industrializados ¢ mecanizados. Associadas ao urbanismo, estas mutag6es traduzem-se em novas dinamicas e formas de hibridismo e de inclusao, afirmagao e partici- pacao social. Ainda no plano cultural, a modernidade ficara marcada por uma prevaléncia progressiva da cultura escrita perante a cultura ma- terial, por uma afirmagio do impresso, designadamente sob a forma de livro e mais recentemente por novas formas e meios de comunicacao. Ainda nos planos cientifico, politico ¢ social, a modernidade ficara tam- bém profundamente marcada pela cultura escolar e pela escolarizagio. Instituindo-se e universalizando-se, a escola e o processo de escolari- zacAo constituiram um dos movimentos mais fecundos de informagao, normalizacao, integragio e mobilizagao social e ideologica das Ultimas décadas, De forma integrada, 0 contexto traduz-se, entre outras, pelas ca- tegorias de: progresso, desenvolvimento, cidadania. 6. No plano epistémico, varias correntes, escolas, tendéncias e paradigmas assinalam os ltimos dois séculos de histéria, com incidén- cia nomeadamente na relagao entre conhecimento e¢ verdade, seus fun- damentos, objectos, métodos, discursos, podendo referenciar-se 0 po- sitivismo e 0 neopositivismo, a psicandlise, a fenomenologia, e mais recentemente uma evolucio no sentido de articulacées e combinatérias teérico-metodoldgicas associadas, designadamente, a um “regresso” da linguistica, da pragmatica e da hermenéutica. Neste contexto, a segunda grande orientacio do curso é perspec- tivar uma linha de renovagao a partir de uma epistemologia complexa que permita compreender e explicar a realidade institucional na sua interna- lidade € na sua relagio com a historia da educagio, E uma abordagem cientifica interdisciplinar que assenta na dialéctica triangulada entre edu- cacao, instituicio, historia, e que visa representar e analisar a instituigao educativa nas suas unidade, multidimensionalidade e multifactorialidade. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. CAP{TULO*TRES PRATICAS E FONTES DE PESQUISA EM Historia DA EDUCACGAO Ester Buffa* 1, INTRODUGAO: CATEGORIAS DE ANALISE E FONTES DE PESQUISA A © tratar do tema proposto para essa ocasiao, gostaria, inicialmen- te, de esclarecer que as consideragées a seguir resultam de re- flexées feitas valendo-se da pratica de pesquisa de instituigdes escola- tes consideradas do ponto de vista de sua historia, filosofia, pedagogia e arquitetura. De fato, ha varios anos, Paolo Nosella e eu formamos um grupo de pesquisa para estudar a histéria ¢ a filosofia de significativas instituigGes escolares. Nés mesmos realizamos investigagGes sobre trés importantes escolas de Sao Carlos — a Escola Normal, a Escola Indus- trial e a Escola de Engenharia de Sao Carlos/Universidade de Sio Paulo (USP) — e acumulamos, assim, uma certa experiéncia com esse tipo de investigagio. Entre 0s varios aspectos que, entio, consideramos, havia * Doutora em ciéncias da educagao pela Universidade de Paris, Sorbonne. Pro- fessora titular de historia da educacao da Universidade Federal de Sao Carlos (Urscar). Contato: ester@power.ufscar.br. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. PRATICAS E FONTES DE PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCACAO 109 tas envidracadas. Os prédios comportam sala para educadora sanitaria — por certo, em virtude das epidemias ¢ doencas infant muitas mortes — gabinete dentirio, auditério e gindasio. Em termos pe- dagégicos, observa-se, também, a introdugao no ensino de alguns prin- cipios da Escola Nova. Os renovadores da educagao, desde os anos de usadoras de 1920, criticavam nosso ensino tradicional, considerado intelectualista, verbalista e excludente. Propdem que a crianca seja o centro da apren- dizagem e que a escola seja alegre, acolhedora, bonita, espagosa e hi- giénica para possibilitar uma educagio integral. Os aspectos quantita- tivos, ou seja, o grande numero de criangas sem escola, sio os mais evidentes, nZo s6 porque ha um espantoso crescimento da populacio, mas porque a industrializagdo ¢ a urbanizacio oferecem melhores pos- tos de trabalho aos que concluiam o ensino elementar. Sem descuidar desses aspectos, os renovadores propdem uma remodelagio desse en- sino baseados em principios da Escola Nova. O otimismo em relagio 4 escola continua. Nos anos de 1950, a prefeitura da cidade de Sio Paulo e 0 go- verno do Estado firmaram um acordo que ficou conhecido com o nome de Convénio Escolar, cujo objetivo era o de construir escolas de modo que, em 1954, ano do quarto centendrio da cidade de Sao Paulo, nio houvesse nenhuma crianga fora da escola. Esse convénio supunha uma divisio de responsabilidades, cabendo 4 prefeitura a construgao de pré- dios escolares, e, ao Estado, o desenvolvimento do ensino, Em decor- réncia foi criada uma comissio executiva do convénio que deveria via- bilizar as atividades de planejamento, projeto ¢ obras. Nota-se nos grupos escolares entao construidos a consolidagao da arquitetura mo- derna e dos principios da Escola Nova, tal como foram propostos por Anisio Teixeira. O arquiteto Hélio Duarte, membro destacado dessa comissio, trabalhara com Anisio Teixeira na Bahia e conhecia bem as idéias pe- dagdégicas desse grande educador que embasaram a construc¢ao do Cen- tro Educacional Carneiro Ribeiro, composto por escola-classe ¢ esco- la-parque. Duarte incorpora as idéias de Teixeira, projetando grupos escolares com trés blocos distintos: 0 bloco do ensino composto por aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. PRATICAS E FONTES DE PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCACAO_113 que fariam um prédio sem as condigées necessarias. Uma consulta a esse material pode revelar, ainda, a concepgao pedagogica que inspira a construgao dos prédios escolares. Estio previstos laboratérios, biblio- teca, auditério, espagos recreativos, gindsio, sala dos professores, dire- toria, secretaria, zeladoria, enfim, ambientes necessérios e adequados as diferentes atividades educativas ou tao-somente salas de aula, como se a educacao de uma crianga se resumisse em fazé-la assimilar infor- mac6es? Essa leitura pedagégica pode mesmo ser feita com base em materiais utilizados, das técnicas construtivas, da sofisticagio ou nio dos acabamentos, do proprio estilo do prédio, Isso tudo revela, ainda, a clientela a que essa escola se destina. Desde os anos de 1930, por in- fluéncia da Escola Nova, a crianca, com suas necessidades, interesses e tamanho passa a ser a referéncia essencial: é para ela que se constrdi a escola. No entanto, carteiras continuaram fixas ao solo, impossibili- tando qualquer outro arranjo que nao o tradicional, dificultando o em- prego de novas formas de ensinar. Cada novo governo que se preocupasse com a falta de escolas para as crian¢as em idade escolar criava “comissGes” integradas por varios tipos de profissionais — arquitetos, engenheiros, médicos, peda- gogos — que procuravam elaborar um diagnéstico da situacao escolar para propor solugées, Todo o material produzido por essas comissdes constituem uma rica fonte de pesquisa. Os principais estudos elabora- dos pela comissio formada nos anos de 1930 foram publicados pela Diretoria do Ensino e pela Diretoria de Obras Publicas de Sio Paulo, com o titulo Novos prédias para grupo escolar (SAO PAvLo, 1936). Quando nao ha uma publicacdo especifica, ¢ possivel encontrar esses cstudos em revistas e jornais. A “literatura” especializada em arquitetura e em educacio cons- titui outra fonte importante de pesquisa. Encontramos muito material nas bibliotecas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Faculda- de de Educagao e da Escola de Engenharia de Sao Carlos, todas da USP, No Arquivo do Estado, na Biblioteca Municipal de Sio Paulo e na Bi- blioteca do Centro do Professorado Paulista encontramos algumas publicagdes esgotadas que foram valiosas. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. PRATICAS E FONTES DE PESQUISA EM HISTORIA DA EDUCACAO_ 11.5. sigual e, desde logo, o préprio prédio o demonstra. O edificio escolar faz parte do espaco urbano, dialoga com o bairro, com a cidade, Nas perife- rias urbanas, a escola, mesmo sendo precariamente construida, as vezes nao tem uma relacio orginica com seu entorno, mas uma relacio anta- génica com aquela populacio que se sente 4 margem dos bens culturais e escolares e, o pior, sem perspectivas. As picha¢Ges e depredagdes cons- tituem a triste conseqiiéncia, intoleriveis, mas compreensiveis, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Burra, E. & Nosessa, P. (1998). A escola profissional de Sao Carlos, 1932-1971, Sao Carlos, Editora da Universidade Federal de Sio Carlos (Epusrscar)/FAPesp (Fundacio de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo)/' ps (Centro Estadual de Educacao Tecnolégica Paula Souza). . (1996). Schola Mater: a antiga escola normal de Sdo Carlos, 1911- 1933. Sio Carlos, Epus AR/FApEs. . (2000). Universidade de Sito Paulo: escola de engenbaria de Sao Carlos. Os primeiros tempos, 1948-1971. Sio Carlos, Epusrscarn/Faprsp. Burra, E. & Pinto, G. A. (2002). Arquitetura e educagao: organizaziio do espago € propostas pedagdgicas dos grupos escolares paulistas, 1893-1971. Sao Carlos, Epusrscar; Brasilia, Instituto Nacional de Estudos ¢ Pesquisas Educacionais (NEP). Manacorpa, M. A. (1989). Histéria da educagao. Da antigitidade aos nossos dias. Si0 Paulo, Cortez/ Autores Associados. Prsrrrat, A. (1994). Produedo da escola, produgao da sociedade. Porto Alegre, Artes Médicas. SA0 Paut.o (1936). Novos pridios para grupo escolar, Sio Paulo, Diretoria do En- sino ¢ Diretoria de Obras Publicas. Souza Lia, M. W. (2000). “Concepgio de equipamentos escolares: os espa- Gos expressam idéias”. Revista de Educardo AEC, n. 116, pp. 88-99. 116 _HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA, Tourer, Bernard (1982). “L’architecture scolaire au XI Xéme siécle: de Pusage des modéles pour ledification des écoles primaires”. Histoire de /'éducation, INRP, n. 17, pp. 1-46, déc. CAPITULO*QUATRO Os AtBUNS FoTOGRAFICOS com Motivos EscOLAReEs VEREDAS AO OLHAR® Armando Martins de Barros** LJ O retrata nao me responde. Ee me fita e se contempla nos mens olbos emporiradas. E no cristal se multiplicam os parentes mortos e vivos. Ja nao distingito os que se foram dos que restarant. Percebo apenas a estranha idéia de familia vigiando através da carne, Drusaonp pe Axprabe, 1983, p. 48. a tltima estrofe de seu poema “Retrato de familia”, Carlos Drummond de Andrade expée sua sensibilidade e seu éxtase * Para Aumont, o espectador é aquele que utiliza o olho perante uma imagem. Segundo ele, o espectador é parceiro ativo da imagem, emocional e cognitiva- mente: “ver € reconhecer na imagem uma propriedade do real e que emprega as propriedades do visual. E a comparacio constante entre 0 que vemos ¢ 0 que ja vimos, a partir de bordas visuais, cores, gradientes de diferentes tama- nhos ¢ texturas” (1993, p. 82). ** Doutor em educagio pela Universidade Federal do Rio de Janciro (UFRJ). Profes- sor da Universidade Federal Fluminense (UF). Contato: ambarros@domain.com.br. 118 HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA pela fotografia de seus familiares. A imagem teria essa capacidade de construir, no lusco-fusco da memoria, uma estranha composigio su- gerindo mais do que informando. O poeta confessa-se fascinado pela fotografia, a um so tempo concreta e abstrata, pois um olhar do pre- sente que visita o passado e uma imagem do passado que é clandestina no presente. A magia de suas palavras remete-nos 4 genetosidade de outras, vindas do mundo da ciéncia, ligando o poeta a reflexio de André Bazin, esta dirigida a ontologia da fotografia e aos mistérios dos dlbuns de familia: Essas sombras, cinza ou sépia, fantasmiticas, quase ilegiveis, no sio mais os retratos tradicionais de familia, Sao a presenga perturbadora de vidas detidas em sua duracio, libertadas de seu destino, nio pelos pres- ivel [apud tigios da arte, mas pela virtude de uma mecanica impas Dusors, 1994, p. 80]. Como quase todas as familias, também a minha transformou mo- mentos de sua vivéncia em retratos. Sou de um tempo no qual, além do cafezinho generoso para o olfato ¢ o paladar das visit olhos eram também servidas as memorias fotograficas presentes no l- bum de familia... A cada pagina folheada pelo visitante, nds, criancas, olhavamos seu olhar tentando descobrir a curiosidade ou 0 enfado por S, 40S seus cumprir aqucle ritual cerimonioso. A mim, moleque ainda cm alfabeti- zacao, as imagens ao mesmo tempo eram silenciosas ¢ falantes. Olha- va orgulhoso as paginas do album, pois nele encontrava minha condi- g4o de ator figurante e de escritor, narrando 4s visitas histérias em que eu era sempre o herdi imaginado, Para meu deleite de guri, inexistiam nos retratos siléncios enigmiticos; nenhuma imagem necessitava deci- frar: bastava usufruit 0 jogo de espelhos que com meus olhos as foto- grafias cumpliciavam remetendo, cada uma, a um sem-nimero de ou- tras, em um estranho dialeto que minha meméria fabulava. Os anos passatam c, como docente, minha geragio incorporou em seu fazer o uso da fotografia como estratégia diditica no ensino fun- damental. Entao, recuperava as fotografias escolares produzidas na es- fera do privado e as analisava com os alunos pelas lentes de uma so- OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES_119 ciologia do fotografico, considerando-as objetos de veneragao cujo al- tar se encontra nos Albuns de familia. No caminho, cada passo foi um vagaroso processo de descober- tas. Supunha ainda a fotografia como documento, pleno de objetivida- de e informagées. Seduzia-me a possibilidade de apreender o real chancelado pela tecnologia fotografica a qual, pensava, congelava por inteiro personagens e paisagens garantindo todas as informagoes em sua bidimensionalidade. Se, na infancia, por um lado, os figurantes das fotografias pare- ciam ser personagens de um teatro, de outro, seus observadores, 20 verem os albuns, tornavam-se autores de emocionados scripts. Todavia, essa ilusio pouco durou. Explico: somos educados para ver a fotogra- fia como objetiva e imparcial na fixagio do visivel; a presenga no su- porte fotografico de um tempo nao mais aqui e agora sempre nos con- vidou a partilhar de viagens ficcionais sugeridas pelas paisagens que as imagens registravam. Com meu ingresso em estudos sistematizados da teoria da imagem, a apropriacio de um estatuto epistémico significou o sepultamento das derradeiras ilusGes quanto 4 nossa condi¢éo como autores das tramas fotogrificas. Com o paradigma adotado, atticulei imagem ao olhar como ins- tancias integradas, permitindo-me analisar as fotografias como mate- tialidades que indiciam praticas sociais. A visualidade, restrita ao ver imediatamente figuras dispostas em planos fundados na perspectiva renascentista, nao era mais suficiente, importando contextualizé-la na gnose do olhar, em colocar em ordem o visivel, organizar simbolica- mente a experiéncia visual, remetendo-me 4 compreensio dos proces- sos cognitivos mais amplos, envolvendo o que Arlindo Machado deno- mina de processos gnoseolégicos em contextos sociais historicamente determinados. Em decorréncia, historiar a educagio com o recurso de imagens fotograficas obrigou-me a refletir sobre a produgio social do olhar, encontrando imagens na especificidade de um circuito social, de um campo semantico, de uma comunidade de sentido. Ao olharmos em perspectiva nossa infincia e, nela, a imagina- ¢ao imaginante sobre a fotografia, compreendemos entao que nunca 120 HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA possuiramos a liberdade ficcional sobre 0 sentido de cada imagem ou dos papéis interpretados por cada figurante na cena registrada. Desco- bre-se que, latente na materialidade da fotografia, encontra-se subja- cente 4 composi¢ao um personagem oculto: o fotdégrafo, este sim o su- jeito autoral. Descobre-se entao que 0 outro, o verdadeiro sujeito que permitia a génese da imagem, era o fotdgrafo ¢ seu contratante, negando com sua existéncia a autonomia radical de nosso encantamento. Per- cebe-se que o nosso olhar esta subordinado ao do fotografo. Nosso olhar espectador é parcialmente ditado pela competéncia do fotégra- fo, tornando a nés, cm nossa condigio de observadores objctos do olhar do Outro (MACHADO, 1983, p. 92). Com o acesso 4 literatura historiografica francesa, a fotografia alcancga um novo paradigma, tornando-se mediacio entre a meméria e a histéria. Para além da simples figuragio, tornam-se teoricamente mais claras as relagdes entre fotdgrafo, fotografado e aqueles que a difun- dem, a preservam ou a contemplam. No novo estatuto, redefino a fo- tografia, deixando sua condicao de fonte ilustrativa para um novo pa- tamar: a de objeto historiografico. A imagem, em sua relagio com o olhar, estabelece doravante uma relag4o entre duas subjetividades: a do autor (0 fotdgrafo ¢ o fotografado) e do co-autor (0 observador). A existéncia de um discurso emanando do fotografico passa a ser consi- derado subjacente relagao social que o suporte implica. Nesse pro- cesso, a crenga de ser a figuracdo o cixo informativo fundamental foi superada. Descobre-se 0 que Arlindo Machado denominou de transferén- cia de subjetividade entre fotdgrafo e espectador: o olhar de quem vé a cena coincide com o lugar de onde 0 sujeito (fotégrafo) enuncia a re- presentacgio, ocorrendo um assujeitamento do observador. Para ele, a perspectiva renascentista, com seu afunilamento de planos, funciona como matétia significante da inscri¢do do sujeito no discurso figurati- vo, tornando-se, em suas palavras, o espelho que reflete, no plano sim- bélico, a ordem egocéntrica que instaura a representagao. As coisas no sio como elas se mostram ao olhar desprevenido; para compreendé-las é preciso fazer um desvio, dar um salto “por tris” da OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES 121 miragem do visivel, destruit a aparéncia familia, natural e reificada com que elas aparecem aos nossos olhos, como se fossem originarias em si mesmas ¢ independentes do sujeito que as opera e modifica, A realida- de no € essa coisa que nos é dada pronta e predestinada, impressa de forma imutavel nos objetos do mundo: é uma verdade que advém ¢ como tal precisa ser construfda, analisada e produzida [idem, ibidem]. ‘Toda a intencionalidade do fotégrafo é camuflada por uma apa- rente autonomia dos figurantes que, presentes na imagem, oculta a diretividade compositiva do fotégrafo quanto 4 pose, ao tratamento da luz, 4 construgio estudada dos planos. Desmontando as armadilhas compositivas que seduzem a visio, percebemos que as imagens produ- zem um discurso nao-verbal, fundado em campos discursivos que cons- troem uma inteligibilidade envolvendo fotdgrafo e observador. Tendo clara a sedugio ¢ a niio-neutralidade da imagem, torna-se possivel a su- peracao de nossa condicSo passiva para uma nova qualidade: a de leito- res que véem em séries fotograficas a presenca de um discurso construido nao apenas pelos sentidos forjados pelo autor-fotégrafo, como pelas ressignificagdes imposta pelo espectador enquanto co-autor. 1. AS FOTOGRAFIAS DA ESFERA DO PUBLICO O mundo escolar produz imagens? A resposta nio € dificil. E possivel, diante da pergunta, rapidamente nos lembrarmos das gravu- ras, dos desenhos, das fotografias que ilustravam os textos escritos em nossos livros didaticos. Ainda recordamos os mapas que servitam As aulas expositivas ¢ cartazes em seminirios ou , ainda, lembrar dos li- vros infantis, com ilustragdes que nossos olhares nio cansavam de re- ver quando as tias nos reuniam para a magia do contar histéria. As fotografias produzidas pelas instituicdes falam de uma his téria oficial, produzidas para o governo, no caso das escolas federais, estaduais ou municipais, ou para mantenedoras religiosas ou laicas, no caso das instituicdes particulares. As fotos sao principalmente construi- das por fotégrafos profissionais, associando uma estética apurada no 122 HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA tratamento formal (com planos bem construidos e distribuigio da fi- guracio), com um contetido fundado em signos que remetem 4 tradi- go humanista secular e a disciplina e moral religiosa. Desde a segunda metade do século XIX, transita pelo universo das imagens 0 que podemos denominar de cartdes-postais escolares, focalizando escolas de todos os niveis. Nelas, em sua maioria, encon- tramos imagens das fachadas dos prédios escolares e, no verso, propa- gandas sobre a exceléncia do ensino, da disciplina, da competéncia moralizadora e conteudistica de seus professores. Como um recurso muito presente nessa longa duragao da fotografia escolar, nos postais escolares as imagens associam a arquitetura 4 modernidade das propos- tas pedagégicas. Mesmo na atualidade do século XXI, permanece 0 recurso 4s fotografias como propaganda institucional, associando a modernidade dos prédios dos Centros de Informagiio Escolar ¢ Pro- fissional (Creps) e dos Centros Integrados de Apoio 4 Crianga (C1Acs) 4 proposta democratica de ensino formulada pelo Estado. Ao inicio do século XX, 0 foco das fotografias envolvia momen- tos que remetiam aos contetidos curriculares ¢ a suas priticas de ensi- no —exposi¢des de trabalhos manuais, apresentagGes de educacio fisi- ca, oficinas. Figurava também um cotidiano de atividades extraclasse ordenado, indice de uma boa pedagogia: refeigdes disciplinadas, forma- ges diarias para o hasteamento da bandeira e canto do Hino Nacional etc. As imagens transmitiam aos olhos do espectador instantes de uma educagao sen&o para o siléncio, ao menos para o silenciamento dos alunos. A aparente concentracio dos discentes em si mesmos, discipli- nados ¢ ordeiros, indiciava a competéncia da instituigio em sua peda- gogia exemplificadora. As fotos oficiais também remetiam a eventos solenes — desfiles, homenagens, formaturas, visitas de personalidades, datas civicas. To- davia, entre essas imagens ha uma que tem grande apelo a nossa me- moria: elas sempre estamos sozinhos, sentados em carteiras, tendo & frente o nome da escola, cercados por signos e simbolos da educacao escolar. De um lado, a figura do globo terrestre, expressando a univer- salidade do saber. Nas canetas, depositadas sobre a mesa, a afirmacio OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES 123 da escrita e, por ela, da literatura e da oratéria. No outro extremo da mesa, decorada eventualmente por um pequeno arranjo de flores plas- ticas, o saber acumulado na forma de livro e a modernidade de um te- lefone. Ao fundo, a bandeira do Brasil ou um mapa, signos que com- prometem o aluno a uma lealdade para a vida e no caso de escola religiosa, inevitavelmente um crucifixo ou pequena escultura. Os registros fotogrificos produzidos pelas instituigGes escolares variatam em sua composicio e mensagem ao longo de todo o século XX. Exemplos das diferengas apresentam-se entre os signos valorizados nas fotos encomendadas pelo governo, nas escolas publicas, e aquelas realiza- das por mantenedoras particulares. Embora as escolas privadas valorizas- sem as formaturas, as festas solenes, os recursos pedagégicos existentes nos laboratérios, os desfiles, as evolugées das aulas de ginistica ou da banda escolar, observamos nuangas, em razio da origem confessional ou laica, ou em razio do grupo social, etirio ou de género que as freqitentava'. 2. AS FOTOGRAFIAS DA ESFERA DO PRIVADO: OS ALBUNS DAS FAMILIAS Nem s6 das imagens oficiais, produzidas pelas instituigdes esco- lares, é feita a iconografia disponivel para o historiador. Existem as fotografias produzidas pela esfera do privado: em nossos dlbuns de familia encontraremos os retratos que testemunham nosso singular percurso escolar. Ao vé-los, torna-se mais fécil entender por que a edu- cagao é produzida socialmente: as fotos nao apenas sinalizam para os valores da institui¢do como apresentam afetos que o passado niio en- cerra: fotos com as tias, com colegas, com inspetoras, porteiros. 1. Diferente das escolas piblicas, especialmente dirigidas para criancas originadas das classes populares, as escolas particulares primarias praticamente silenciavam sobre a existéncia de um ensino profissional s/ricto sensu, inexistindo fotografia de atividades pedagdgicas, curriculares ou complementares, preparatérias para uma terminalidade que implicasse uma habilitagio profissional. 124 HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA Fotos de desfiles, fotos de formaturas, festas juninas, com a pro- fessora, com a turma... Tantas so as imagens que produzimos sobre momentos de alguma forma significativos 4 nossa historia escolar... Ins- tantes congelados de varias passagens de nossa vida como alunos, como professores. De certa forma, os retratos trazem uma proximidade com em reliquias outros instantes, com outros tempos, como se as fotos foss: ou dispusessem de uma forca misteriosa. Embora polissémicas, podemos investigar representagGes que re- metem aos olhares sociais sobre a educagio escolar e identificar os ato- res que os produzem — 0 aluno, o professor, a familia, a escola. Na re- presentacao fotogrifica, a ideologia apresenta-se por intermédio de uma figuracio que pode ser delimitada e¢ analisada em suas unidades signi- ficantes — o livro, o mapa, a formatura, 0 prédio no segundo plano, o capelo, o anel de formatura etc, Essas unidades sio detentoras de sig- nificados que remetem a visdo de uma escola voltada para a ordem, para a disciplina, para o reconhecimento do poder da escola, do professor, da autoridade educadora da familia, do patriotismo. Em sua obra classica, Un art moyen — essai sur les usages sociaux de la photographie, Pierre Bourdieu (1965) estudou as praticas fotograficas em grupos sociais médios franceses, identificando sua utilizacio como um totem: as fotografias serviriam para uma uniformizacao dos siste- mas ético e estético daquele grupo social. As fotografias familiares es- tariam envoltas em um culto doméstico, “reunindo cerimOnias institu- cionais como os casamentos, os aniversarios, as bodas, o batismo, a comunhao crista, a viagem de férias ou de nupcias” (BouRDIEU apud Macuano, 1983, p. 55), inscrevendo-as na insténcia do ritual, coma fun- gio de “sancionar” ¢ “consagrar a unio familiar”. E grafia realiza a imagem que o grupo faz de si mesmo; o que ela registra suas ceriménias, as pessoas se fazem fotografar porque a foto- em seu suporte foto sensivel no sio propriamente os individuos en- quaato tais, mas os papéis sociais que cada um desempenha: pai, mic, av6, marido, debutante, militar, turista, A maior parte das vezes, a foto- grafia s6 existe ¢ subsiste por sua fungio familiar, ou melhor, para a fungio que Ihe confere o grupo familiar, que éa de solenizar e eternizar OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES 125 os grandes momentos da vida familiar e de reforcar a integracio do gru- po, reafirmando o sentimento que cle tem de si mesmo e de sua unida- de fidem, ibidem]. As fotografias presentes nos lbuns fotograficos privados, cons- truidos a0 longo de décadas pelas familias, falam de uma historia nao- oficial no sentido de que a agéncia que as produz nao se vincula ime- diatamente a compromissos para além do proprio grupo. Enquanto uma forma de histéria pelas imagens, sua autoria, funcio e mensagem re- metem apenas de forma mediata ao Estado ou a instituigdes. Seu foco volta-se para seus membros ¢ seu contetdo dialoga com a cultura fa- miliar que atualiza a identidade e lacos entre seus pares, seja por meio do registro fotografico, seja em sua conservacio, seja em sua frui¢gio em outtas ocasides. Todavia, embora exista essa relativa autonomia, os valores ideolégicos hegemdnicos exercem sua influéncia tanto na opor- tunidade do registro quanto em sua composi¢io, ou na forma de pre- servagao e exposicao como valor de culto, uma vez que seu campo dis- cursivo tem ampla interseccio com aquele institucional. Ao observarmos as fotografias feitas por amadores, apés os anos de 1970 — quando se difundiu a camera automatica, de baixo custo -, as imagens remetem a campos discursivos imagéticos, nos quais os sig- nos nao surpreendem. Para além do foco principal dessas fotos, dirigi- das ao aluno ¢ 4 familia, as imagens recuperam a edificagao escolar, a sala de aula, a presenca da professora, firmando sobre a escola um dizivel que preexiste aqueles que participam da construgao da imagem. A lin- guagem e a memoria discursiva e compositiva constroem o sujeito, es- truturando a expressio de seu pensamento imagético. Quando produzidas por um olhar adulto, dos pais, dos tios, as fotografias tem uma forte influéncia compositiva e signica do campo discursivo institucional. Em outras palavras, os signos privilegiados pelo mundo adulto e privado reiteram de forma geral as representagdes do mundo oficial. Enquanto estudantes ou professores, participamos como figurantes em imagens fotograficas registradas por parentes ¢ amigos. Podemos mesmo estabelecer alguns momentos em que esses registros 126_ HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA foram quase obrigatérios, documentando cenas que sao recorrentes no universo da escola. Eventos? Encontraremos as fotos de festas juninas, as festas do indio, da arvore, do soldado, da bandeira, de fim de ano. A cada uma, na origem desse cotidiano festivo, a possibilidade de identificarmos 0 fio ordenador de uma pedagogia preocupada em provocar a socializa- gao da crianga pela ludicidade de atividades festivas, congregadoras do educando junto aos demais e a temas sociais, a partir de um envolvimen- to, socializando-a para a ecologia, a cultura, diferentes costumes, a pi- tria. Modernamente, as imagens dessas festas indiciam uma intensa so- cializacao — nas imagens estamos sempre cercados de amigos, de colegas, de professoras; numa palavra, de afetos — e a apropriacio de uma tem- poralidade — as fotos sempre remetem a festas recorrentes — envolven- doo crescimento do aluno ¢ associando sua figura a outros personagens. Nas imagens produzidas pelas familias, existem aquelas que re- metem a eventos mais solenes, como as jormaturas. Nelas, a escola rea- firma o ritual, impregnando na comunidade (e em nosso olhar) sua au- totidade e competéncia na formagao dos individuos. Nas imagens das formaturas, a comunidade se curva € aceita o poder social da escola. Nas fotos desses eventos encontram-se signos da escola como veiculo promotor de ascensio social. O assujeitamente a esses valores inicia- se muito cedo, nas formaturas de pré-escolar para a classe de alfabeti- zacao, da quarta para a quinta série, na passagem do ensino fundamental para o ensino médio. Nas imagens, a escola como socializacio, exercicio de afetos e de valores presentes na sociedade, podemos verificar: a tia abragada com as criangas, a presenga do livro, do canudo, a beca, o capelo, o anel de formatura; solenizando esses momentos de passagem: 0 palco — sim- bolo de uma exposigio social favoravel —, além da presenca, como tes- temunhas, de figurantes familiares. Um momento fotografico nas fotos familiares ¢ inevitavel: os desfiles escolares. Deles nao escapam as criangas das classes de alfabeti- zacao (CA) — para delirio das mies e desespero das professoras — fo- tografadas intensamente, presenga garantida nos albuns familiares. Nessas fotos solenes, a escola como que readquire simbolos de uma OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES 127, nobreza: as luvas brancas, 0 uniforme engomado, de gala muitas ve- zes ~ ainda que mantendo o sapato, desconfortavel ¢ pouco elegan- te, no entendimento das adolescentes. Os desfiles, embora de curta duracao e representando um tem- po infimo daquele que vivemos na escola, disp6em de um numero des- proporcional de fotos ao longo de nossa vida escolar. Por que das én- fases nesses desfiles: para a comunidade? E possivel identificar na materialidade das fotografias o registro da marcha, as bandas, a homo- geneidade das formagées em ordem unida ao esforco da escola em ser representada como disciplina. Pode-se afirmar que as fotos privadas servem a novas aborda- gens historiograficas. Em pesquisas de historia oral, o recurso a foto- grafia é uma excelente estratégia porque desperta nos entrevistados sen- timento vivo sobre um tempo passado ainda presente, compondo vivamente sua identidade — trazendo as imagens uma rede de lembran- cas. Em muitas ocasides, quando observando fotografias que remetem a um tempo investigado, o depoente emociona-se e fala com cumpli- cidade. Em pesquisas iconograficas, as Fotografias dos dlbuns de fami- lia indiciam um olhar de grupos privados, de familias, cujas imagens ecoam o campo discursivo institucional. Finalmente, as fotografias quando produzidas pelo olhar do adolescente remetem a outros com- promissos, descentradas da escola oficial, descomprometida da liturgia diretiva, remetendo a composi¢ées interdiscursivas que falam a partir de um novo lugar. A partir dos anos de 1970, com 0 advento da cimera automati- ca Kodak, adolescentes dos segmentos sociais médios tornaram-se mais sujeitos do olhar, possibilitando o surgimento de fotografias produzi- das de outros lugares, As fotografias indiciam um olhar que se libera dos simbolos hegeménicos, alterando-se a légica da figuraciio quanto & postura corporal, as roupas, a ambientagées ¢ paisagens. Essas fotos, de extrema riqueza, falam de uma escola menos comprometida com os contetdos e mais socializadora, afetiva, lidica; surgem imagens dos alu- nos abracados, alegres, reapropriados de seu corpo ¢ de sua liberdade, numa perspectiva que se opée aos horirios, as aulas, is provas ¢ a dis- ciplina, que caracterizam o tempo escolar oficial. 128 HISTORIA DA EDUCAGAO EM PERSPECTIVA Recordo-me do filme Cidade de Deus, em que 0 personagem prin- cipal, Buscapé, aprende-se sujeito, numa rede de sociabilidade materia- lizada nos registros que faz com sua maquina fotografica: neles figuram o matar a aula com a turma, a praia e os namoros. De fato, quando acessamos acervos particulates de antigas normalistas dos anos de 1970 ¢ 1980 é possivel identificarmos, mesmo em momentos € espagos or- denados pelo protocolo da direcao escolar, as fotografias feitas pelas alu- nas com perspectivas proprias: as saias discretamente elevadas, as blusas fora da ordem dos cintos, as meias rebaixadas ou, na rica oportunidade do dltimo dia de aula, o uniforme literalmente escrito com as saudagdes dos amigos mais queridos, producao de textos que torna o corpo um livro... Para qual lugar, na ordem dos discursos, deslocam-se essas ima- gens? Seguramente, para um espago fora do campo do sagrado, interdi- tadas dos Albuns familiares, permanecendo nas gavetas ou caixas, ma- terialidade de uma memoria silenciada, testemunha anénima de uma escola cotidiana, densa em sua rede de cumplicidades ¢ resisténcias. 3. CAMINHOS DA FOTOGRAFIA NA EDUCAGAO. A imagem pode ser flou, deformada, descolorida, sem valor documentario, procede por sua ginest da ontalogia do modelo; é 0 modelo. Dai o encanto dessas fotografias de dlbuns, Essas sombras, cinza on sépia, fantasméticas, quase ilegiveis, néo sao mais os retrates tradicianais de familia. Sao a presenga perturbadara de vidas detidas em sua duragao, libertas de sex destino, nao pelos prestigios da arte, mas pela virtude de uma mecénica impassivel. A folografia nao cria, como a arte, a eternidade, nao embalsama o tempo, apenas 0 subtrai de sua primeira corrupgio; [...] a fotografia beneficia-se de uma transfertncia de realidade da coisa para sua superprodypaa’. 2. Para André Bazin, seria preciso introduzir aqui a psicologia da reliquia ¢ da lem- branga, que se beneficia igualmente de uma transferéncia de realidade que pro- cede do “complexo de mimia”. Assinalo apenas que o Santo Sudario de Turim realiza a sintese da reliquia e da fotografia (BAZIN apud Dusois, 1994, p. 80). OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES 129 As fotografias podem servir a uma melhor compreensao do uni- verso da escola? Responderia afirmativamente. Primeiro, como signos simultaneamente icénicos, indiciérios, simbdlicos, informando sobre instancias da cultura escolar. As fotografias permitem indiciar os su- jeitos que dela participam, relacionando-os ~ professores, inspetores, alunos, pais. As fotografias, enfim, confirmam um definido instante € lugar, um espago-tempo. A imagem diz, sempre, um ali e um agora sobre a escola. As fotografias, portanto, podem transformar-se em fontes histéri- cas iconograficas, possibilitando a pesquisa sobre o mundo escolar em determinada época e espago, remetendo ao vestuirio, aos tipos étnicos, 4 composic¢ao sexual, 4 arquitetura escolar, aos materiais e recursos pe- dagégicos, desde que relacionados a fontes de outras naturezas (escri- tas, orais etc.). quando organizadas em séries tematicas — agrupadas por periodos, fotégrafos, contratantes, comunidade ledora — podem suge- rir discursos nao-verbais, indiciando campos discursivos nos quais es- tio presentes ideologias, estéticas, enfim, uma gnose que organiza ¢ da sentido a visualidade. As imagens fotogrificas podem servir como recursos diddticos a0 tratamento de contetidos curriculares? Responderia afirmativamente, pois é possivel utiliza-las como motivadores, como estratégia, sem cair na tentacao ilustrativa. A fotografia, como linguagem, é objetivo trans- versal, permitindo a discussio de assuntos nas mais variadas discipli- nas, possibilitando a abordagem de questdes sociais amplas com base, inclusive, na comparagio entre a producio fotografica privada e aque- la produzida pelo Estado ou sociedade civil. Quando de sua utilizagao na educagao formal, a fotografia rea- liza uma intensa mediacdo na construgio das subjetividades, principal- mente quando optamos em nos utilizar das fotografias familiares, per- mitindo a emergéncia da experiéncia pessoal, familiar, Nesses casos, a fotografia indiciando hist6rias familiares melhor viabiliza a compreen- sao da escola como “produgao social”, de conhecimentos, de habitos, de ideologias, de praticas. Em uma situagio fica expressa a importancia das fotografias: 0 desabamento do prédio residencial Palace II, na Barra da Tijuca, na ci- 130_HISTORIA DA EDUCACAO EM PERSPECTIVA dade do Rio de Janeiro. Os jornais no trato com a tragédia abordaram uma situacao significativa: moradores choraram a perda nio somente do imével em si, mas também de documentos que remetiam 4 historia de sua vida: fotografias de infancia, da familia reunida, chapas em raios X dos filhos ainda no ventre das mies. O jornal registrava o fato de que um dos ex-moradotres ficara feliz por ter encontrado entre os escom- bros seus Albuns de infancia. Tudo isso emociona no sentido de que ali ha um tempo, um ai temporal cindido do aqui, do agora, em estra- nhamento com o espaco e com o tempo do presente, que torna a foto nos albuns familiares mediadoras da construgio dos sujeitos. A foto, literalmente, como objeto parcial (no sentido freudiano), oscilando entre a reliquia ¢ o fetiche, levando da “Revelagao” até o mi- lagre. Num modo mais trivial, toda a pratica do album de familia vai no mesmo sentido: além das poses congeladas, dos esterestipos, dos clichés, dos cédigos fora de moda, além dos rituais de organizacio cronolégica e da inevitavel escansio dos eventos familiares [...] O album de familia nao cessa de set um objeto de veneragio, cuidado, cultivado, conserva- do como uma “mimia”, guardado numa caixinha (com os primeiros dentes de bebé, ou com a mecha de cabelos da vovd); s6 se abre com emogio, numa espécie de cerimonial vagamente religioso, como se tra- tasse de convocar os espiritos. Com toda certeza, 0 que confere tama- nho valor a esses dlbuns [...] é sua dimensao pragmitica, seu estatuto de indice, seu peso irredutivel de referéncia, o fato de se tratar de ver- dadciros tragos fisicos de pessoas singulares que estiveram ali e que tem relagGes particulares com aqueles que olham as fotos [Dusors, 1994, p- 80]. As imagens fotogrificas podem servir a uma “educagio do olhar’? Como Proust, a humanidade ainda realiza no século XXI um movimento de busca de suas lembrangas, esse esforco realiza-se por mediagées também imagéticas, marcadas por praticas midiaticas: 0 video, a fotografia digital, o bbgger, 0 sife, 0 portal. Definir os funda- mentos que dao sentido a essa apropriacio é tarefa dos profissionais que atuam na educacao, renunciando 4 magia que emana da fotografia OS ALBUNS FOTOGRAFICOS COM MOTIVOS ESCOLARES _137 mas no ao exercicio de sua fabulagio narrativa. A medida que a so- ciedade é sarurada por imagens construidas na logica da mercadoria, a escola, entre outras atribuigdes, deve sistematizar conhecimentos vol- tados a historicizacio desses recursos como forma de garantir 0 exer- cicio das experiéncias narrativas pelo individuo, reafirmando sua sub- jetividade e o direito a partilha do que o mundo produziu como sentidos humanos. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Aumont, Jacques (1993). A imagem. Campinas, Papirus. Barros, Armando Martins de (1997). 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TERCEIRA SECAO HISTORIA DA EDUCAGAO EM MINAS GERAIS: BALANGOS E INVESTIGACOES RECENTES CAPITULO*UM A PRODUCAO EM HISTORIA DA EDUCACAO EM MINAS GERAIS Luciano Mendes de Faria Filbo* Irkn Anténio Gongalves** Sandra Caldeira®** A organizacio do II Congreso de Pesquisa e Ensino em Histé- ria da Educagao (CoreHr) em Minas Gerais solicitou-nos que realizdssemos um levantamento da produgao atual sobre a historia da educacg’o em Minas Gerais de forma que subsidiasse as reflexdes dos pesquisadores da 4rea, bem como propiciar uma pauta prospectiva de * Doutor em educacio. Professor de historia da educaciio da Universidade Fede- ral de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos Pes- quisas em Histéria da Educagio (GEPHE) e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvmento Cientifico ¢ Tecnolégico (CNPq). Contato: lucianom@ufimg, br. Professor de histéria da educagio da Universidade Fundagio Mineira de Edu- cacio ¢ Cultura (FUMEC). Doutor em educagio da Faculdade de Educagio (FaE)- UEMG. Contato: irlen@terra.com.br. ***Formada em pedagoria pela FaE-UFMG (2003). Foi bolsista de iniciagao cien- tifica do CNPq no projeto integrado de pesquisa “Escolarizacio, culturas e priticas escolares”, coordenado pelo professor doutor Luciano Mendes de Faria Filho.

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