Sunteți pe pagina 1din 11
\, Copyright © 1985. Gilberto Vetho Todos os direitos reservados A reprodugo no-autorzada desta publiagio, notodo ‘ov em parte, constitu violagao de direitos autorais.(L2i9.61098) Copyright © 2003 desta edgdo “Jorge Zahar Editor Lida ua México 31 sobreloja 20031-144 Riode Janciro, RJ tel: (21) 2240-0226 (fax: (21) 2262-5123 ‘ena jze@zahar.com br wwwaaharcom br Capen inn CIP-Brasil.Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros. B DAO] Desvioe divergéncia: uma erica da patlogia social’ | Sed. Gilberto Velho, oanizador — 8.ed.—Riode Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003 (Antropologia socal) Ici bibliogratia ISBN: 85-7110-188-3 1. Comportamento de desvos. 2. Psicologia social, 3.Antropologia socal I. Velho, Gilberto. I Série. cpp—3025 03-2830 epu—si6.624 a TRY Prefacio 4 Quinta Edicio © ESTUDO Do COMPORTAMENTO DESVIANTE tem se constituf- do em um dos campos mais férteis da Antropologia no Brasil. AS sucessivas edicées deste livro séo exemplos que comprovam essa tendéncia. Imimeras dissertagdes de mestrado, teses de doutoramento, trabalhos dos mais diferentes tipos tém sido produzidos @ partir da proble- mética de Desvio e Divergéncia, Por outro lado, este livro tem sido usado em varios niveis de ensino ‘como um instrumento titil para a compreensao de processos sociais. Creio que este é 0 ponto fundamental. A teoria do desvio, pelo menos como ¢ usada aqui e em outros trabalhos, por definica0. nao reifica o comportamento desviante mas © telativiza, contextualizando-o, Sendo gssim, 6 uma maneira privilegiada de pensar uma Teoria''da* Cultura e da Sociedade. Ficou demons- trado que, longe dé ser uma moda passageira, cada vez mais comprova sa utilidade e eficdcia na investigacdo antropolégica ¢ sociolégica. 4 originalidade da produgio brasileira pareceme que ) se_explica, Dasicamente, pel uma teoria inte Facionista, mais caracteristica fia “tradicao “SOciolo- “ica que vem de Simmel a Becker e Goffman, coi teoria antropotdgica da cultura, onde aiitores como Mauss, Bateson, Geertz, Sahlins, Dumont_sa0 alguns dos expoen: ‘5, EMT Uutros Terms, aS pesquisas, mesmo quando diri- idas_a_obj eos aparentehente THUS parca © eam ios, (608, mantém-So voltadas part O§ PrOCESSOS sosTaIs mais amplos, Talvez nem sempre ‘se dé de for ‘explicit sae a Fiporesed€ ranesp Gue HHUCUTEST nes GPS vinculam-se a uma permanente discusséo sobre continui- 1 1 Os de amie ace el. O Estudo do Comportamento Desviante: A Contribuicéo da Antropologia Social , carl gh Nee EE be eens aselbey RC oR Ee 1 | Q PROBLEMA DE DESVIANTES #, no nivel do senso comum, | remetido a spectiva de patologia: Os drgios de comunicacéo de massa éncarfegam-se de divulgar e enifa- tigar esta perspe a fermos, estritamients psico- > ‘ogizaintes, quer em termos de uma viséo que pretende ~ ‘ser™culturalista” ou “sociolégica”. A formulagdo deste tipo de orientacio € feita a partir de trabalhos, muitas vezes de orientagéo académica, que nfo sio capazes de i superar @ camisa-de-forga de preconceitos e intolerancia, E meu objetivo, neste artigo, relativizar esta abordagem e lancar proposigdes que possam permitir um conheci-- mento menos comprometido do fenémeno em pauta. m1. . \ ‘Tradicionalmente, 2_individsie desviante_tem_ sido Ss encarado_a partir de wma perspectiva médica preocupada | < l&n distinguir 0 “sio” do “ndo-so” ou.do“insano”. Assim | cerfas pessoas apresentariam cafacteristicas de compor- tamento “anormais”, sintomas ou expressao de desequi- Ubrios o doenca, Trsiar-sela, entlo. da diagnosticar o mal ¢ tratéJo. Evidentemente existiriam males ‘eontrola- veis do que outros, havendo, portanto, desviantes “incuré- ©. veis" e outros passiveis de’ recuperacdo mais ou menos | A Desvio E DiveRGENcA N + Frapida. Enfim, 0 mal estaria localizado no individuo, 2% geralmente definido como fendmeno enddgeno ou mesmo hereditério, No terreno da doenca mental as obras de Foucault, Szasz, Laing, Esterson, Cooper? ete., tem apon- tado os mecanismos socioculturais mobilizados na identi- )& x fieacdo deste tipo de desvio. Nao pretendo entrar em * \discussoes internas & psiquiatria mas apenas chamar a Jatencao de que a importéncia desses autores reside no |fato de terem uma percepeao ndo-estitica da vida socio- \eultural, faciljtando 0 didlogo com os antropdlogos. Ne oe ee Be eeey - 5 t MS ge, Cece fe Q No entanto, desviar 0 foco do:problema para a socie dade ou a cultura ndo resolve magicamente as dificulda- | des. © precisq verificar como a vida sociocultural é repree Ry | ~ {sentada e percebida pe Uma das abordagens mais influentes e significativas _//3° do comportamento desviante esté na obra de Merton com 1/7 © conceito de anomie. Diz 0 autor: “A andlise funcional "> | concebe a estrutura social como ativa, como produtora |» de novas motivaedes que no podem ser preditas sobre | a base de conhecimento dos impulsos nativos do homem. | \ os a xf Se a estrutura social restringe algumas disposigdes para ’ 4 a8ir, cria outras. O enfoque funcional, portanto, abandona vy @ posicio mantida por varias teorias individualistas, de (| © 2° {que as_diferentes proporcées_de_co! to_diver- /,~ ente, NOS Giversos grupos e edtratos socials, si 0 resul. Sg) |) 9, ado aeldental de proporeses varidveis de persomaliaades j°", { * |" -Y-patolégicas encontradas em tais grupos e estratos. Ao ‘-. | Xu ‘invés, tently determingr como a estrutura Social © cultural % 7 > \gera ‘a pressio favordvel ao comportamento ‘socialmente,””_/ .}tesviado, sobre pessoas localizadas em varias situagdes “> Go aauiela estrutura,” (Merton, 1970, pp. 191-2,) Sage 3 aac YY To Ve epecisimente: Foucault, Michel — Histoire de ta-Fote, ‘6 ¢ Blon, 1861; Bocnpa Mental e Pstcaapia, Tempo. Brasco, 1968) © 7) Naitenne de te Clique, Paris, 1912: Eating Ronald Phe Paes ef, Bsperience, Ballantine Bocks, 1670; The Disided Slr, Bellican , B Boeke Yori com A. Esterson =” Sanity, Madness and the Family, oot Pollcin Books, 1871- Cooper, David = Peiguairas « Antipeiguiatra, Perspectiva, 1973; The Death of the Family, Pantheon Books, 1970; 9° \ om Wonaid Laing Reason and Violonce, Tavistohy 3964.” Seuss, Gomes S. ~The Meyth of Mental Ilttt, Hocber" Harper Book, 02°07 iol. as St Te ao? Bo Esrupo po ComPorTaMENTO DESVIANTE Temos, entéo, um importante passo. Merton enfatiza @ especificidade do social, na tradicéo durkheimiana, pro- curando demonstrar a importancia da estrutura social e cultural para o desenvolvimento de um “co; socialmente desviado”. estrutura social e Sas “eStrituras socials ¢-cullurais, dois sia de imediats ’ importncia. Séo_analiticament em situagdes concreti Resta_saber como @ ri cult 7 iversos elementos > "Entre os epardveis embora se primeiro consiste em objetivos culturalmente definidos, de propésitos e inte- Tesses, mantidos como objetivos legitimos para todos, ou para membros diversamente localizados da soctedade. 0s odjetivos séo mais ou menos integrados — 0 grau de integracio é uma questéo de fato empirico (0 grifo é adamente ordenados em alguma hierar. jm segundo elemento da estrutura cultu- Tal define, regula e controla os modos aceitdveis de aleangar estes objetivos. Cada grupo social invayiavel- mente liga seus objetivos culturais a regulamentos, enrai- zados nos costumes ou nas instituicbes, de procedimentos Permissiveis para a procura de tais objetivos.” (Merton, 1970, pp. 2045.) \ Ou seja, como jé foi salientado por varios criticos de \, Merton, ha uma dbvia énfase na integracdo da socie ledades-upresentamn, sermida: cats persed todos os seus membros”e, ain ‘widuos“civersamente localizados”. Mas nem Podem existir_sociedades Esias setlam 98 due apresentariamn ER DTG entre 08 objetivos eos melos que os Objetivos culturais e normas institucionali- zados funcionam a0 mesmo tempo para modelar priticas “rem vigor nao significa que elas exercem uma relacio constante umas sobre as outras. A énfase cultural, dada varia independentemente do grau de eos institucionalizados. Pode-se desen- volver uma tensio muito pesada, por vezes virtualmente exclusiva, sobre o valor de objetivos particulares, envol- Yendo, em comparacdo, pouca preocupacao com os meios institucionalmente recomendados de esforcar-se para a consecucio de tais objetivos. alcangado quando a amplitude de procedimentos alterna- tivos € governada apenas pelas normas técnicas em vez quia de valor: ‘mal-integradas”, eo. a certos objetivos, énfase sobre os me © caso-limite deste tipo & 4 Desvio z Divercénca das normas: institucionais. Neste caso extremo e hipoté- tico (0 grifo 6 meu) seriam permitidos todos e quaisquer procedimentos que permitissem atingir esse objetivo tao importante. Isto constitui um tipo de cultura malinte- grada.” (Merton, 1970, pp. 205-6.) ‘Ter-se-ia entdo uma sociedade “doente”, “instavel” ¢ “malintegrada”, em situacéo de anomie, Representaria jum desvio “extremo e hipotético” de um ritmo e fun: cionamento “normais”. % Sbvia a analogia organicista. Saiuse, portanto, de_uma patologia do individuo para Si fologia do Soctat. el ume putologia do Sociar. Iv. © conceito de anomie serviu de ponto de partida para a8 muitos trabalhos que vieram a ter repercussao em toda, a rea de estudo de comportamento desviante, Embora oe fosse encampado integralmente por varios cientistas soviais que dele se valeram, anomie passou a ser 0 foco central “das discuss6es. O proprio Merton reviu seu conceito, acrescentando ‘novas dimensées, Um dos acrés- cimos fundamentais foi a_distincio entre_anomie, “con-_ do_ ambiente social, ‘duos. particular > spropriedade de um sistema social, nao-o- estado de éspirito deste ou daquele individuo dentro do siste- ma” (Merton, 1967) e anomia, referida ao individuo, Assim, uma pessoa concreta poderia cesso de anomia sem que o sistema social estivesse em. "anomie. Mas, por outro lado, a desorganizagao de normas e valores vai fazer com que 0 ambiente social seja favo- rével ao aparecimento de individuos “andmicos”. Mais uma vez, confirmase a observagio de que se trata entao de verificar as condigées patoldgicas de um sistema social que vio. gerar os comportamentos individuais desviantes: “Em resumo, o grau de anomie de um sis- tema social é indicado pelo grau de falta de acordo a respeito das normas que se julgam legitimas, com sua concomitante incerteza e inseguranga nas relagdes so- ciais.” (Merton, 1967.) A falta de consenso geréria crise hee soto Or: 2 Ver Merton, Robert King — Sociologia, Teoria ¢ Hatrutura, Mestre Jou, 1970;' Merton, Robert King e Nisbet, Robert — Con= temporary.” Soeial Problems, Harcourt Brace Jovanovich, 197 inard, Marshall B. —~ -Anomia y Conducta Desvlada, Pyidbs, 198 ° 2 ‘SD wi Acs" deere BELT oe. a pee 3 ‘ Bi '\ dade dé andlise € um sistema social ja dado, “funcio- x Jo wet Estuvo po Comporramento DEsviANTE 1s ¢ °) nas expectativas de comportamento, impedindo o funcio t Go “normal” da sociedade. 7 4 Nem todos os autores que trabalham com 0 coneeito de anomie véem, no comportamento desviante, apenas 0 oof 9 mama te dosten nw sociedade, Ou sole, 0 comport > 9 mento desviante nao 6, somente, algo que ameaca a exis- 0 '{_J tWncia da sociedade, mas pode ser até a sua “redencdo”. > $ Para 0 proprio Merton certos comportamentos desviantes de cardter inovador podem trazer as respostas adequadas | JC para a permanéneia de determinado sistema. # a idéia de | =¢ que “o desviante de hoje pode ser o heréi civilizader de | amanha”. ‘No éntanto, néio reside ai o problema crucial do | esquema mertoniano, O seu cardter “conservador” néo se deve ao fato de enfatizar a harmonia e o equilibrio na | vida social. Pode ser até capaz de perceber as fungdes . 4g de conflitos, distirbios, desequilfbrios etc. A questo | eoncentra-se no fato de’ esta andlise ter como premissa | uma-estruewra social néo-problematizada, Ou séja, a unk ‘$ nando”. A harmonia e o equilfbrio, a partir dai, surgem automaticamente, Existe uma fase hipotética, inicial, ¢ ~'$,quando o sistema esté “funcionando normalmente”. ¢ ‘SUprocesso de mudanca social pode ocasionar desequilibrios “@ J e conflitos, mas a tendéncia “natural” serd 0 retorno a 2 um estado de equilforio e harmonia. Mesmo que surjam g goa modificagses. Ses_na_estrutura soctal, haveré_um—momenio” o que as coisas, \ixarao nos respectivos lugares 5 } ( €-08 niveis social. “altural ral voltatao a sé ajustar. Uma | nova ordem poderd até ter sido aura ZO No se trata de rotular esta abordagem de “imobilista”, pois ela é capaz de prever a mudanga. A questao é que se = esta nao é necessariamente catastréfica sempre tem um cardter de excepcionalidade. %& um tempo “perigoso”, & “imprevisivel”, propicio a desordens e & anomie, ‘ VI. /~ Na realidade, hé uma outra premissa a ser exami- ‘e nada. Consiste em uma oposicao entre o sisterna social + © eo ‘individuo. Vaise verificar aye 0 com jento. se a; fore t i 2 oe) Kae J2g6 BS SS < i ¢ 07 desviante seré, de acordo com este esquema, o. “indivi- dualizante”, por exceléncia, A.auséncia ou conflito de hormas fatia com que as. pessoas procurassem estraté- gias e solug6es individuais, ndo sancionadas por uma escala de valores consensual. Durkheim enfatizou a exte- Hloridade do fato social. Disse ele: “O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o siste- ma monetério que utilizo para saldar minhas dfvidas, os instrumentos de crédito que uso nas minhas relagdes comerciais, as préticas seguidas na minha profissio etc, ete. funcionam independentemente da minha utilizacéo Particular. Isto valeria para qualquer membro da socie- dade. Assim, as formas de agir, pensar e sentir apresen- tam esta extraordindria propriedade — existir fora das consciéncias individuais.” (Durkheim, 1956, Con- vém lembrar que é a partir do conceito asishonip Durkheim que se desenvolveu toda a problemética de anomie. Desta forma existe uma descontinuidade entre a consciéncia individual e o fato social que pode até traduzir-se em termos de oposicéo. O fato social exerce ‘uma “ac&o coercitiva”, havendo, conseqiientemente, uma | tensdo entre o individuo e o social. claro que a contri- ‘buicéo durkheimiana é inestimdvel na procura de caracte- rizat 0 objeto de estudo da sociologia e na tentativa de esvazidla de seus aspectos psicologizantes. Pareceme, no entanto, que esta tradic&o corre grave risco de reificar {© conceito de social. O que de fato acontece é que a partir de uma preocupacio licida em nao confundir fenomenos logicamente distinguiveis, passou-se a fracionar a reali- | dade de forma arbitrdria. Nao hd duivida de que a distin. do dos niveis biolégico, psicolégico, social e/ou cultural Permite a construc&o de um conhecimento analitico: siste- matizado, mas parece crucial ndo ignorar que uma “aco social” tem estes trés nfveis subjacentes. A preocupagio em delimitar 0 social pode levar ao descuido em relagao aos seus vinculos com outros niveis que, na realidade, so apenas distinguiveis em termos de uma légica formal e nao em termos fenomenoldgicos. Assim, a estrutura ou_o sistemg_social passam a ser eI dos_nao_como conceitos analiticos mas como entidades no sO distintas mas mesmo opostas a individuos “biolégicos” e “nsico- 6gicos”. Dentro da Antropologia Social inglesa a nogio radeliffe-browniana da rede de status e papéis i LOR | ehen te aca oe f Sse ec as “— ~ eee RE ue ‘D9 “medio” ou “ideal”, Esrupo po ComportaMENto DEsviaNTE 7 dente dos individuos bioldgicos*, que momentaneamente possam estar ocupando essas posigées, também reforca esta tradi¢éo que, obviamente, tem como modelo:uma ciéneia experimental e como objetivo a procura de leis. Ea partir desta perspectiva, que dissocia tio radical- mente a realidade individual ‘da realidade sociocultural, que se vai desenvolver uma das mais influentes e, certa- mente, a mais difundida teoria sociolégica sobre com- Portamento desviante. a confusio, va inertera e ranga_nas relapies socials" jem ‘SOItOs”, desonral ”. ca dems aa Se oe A propria nogio db deSflante ver tao carregada do conotagées problematicas que ¢ necessério utilizé-la com muito cuidado. A idéia de desvio, de um modo ou _de | outro, implica “a existéncia de um comportaniento que expressaria utia harmonia com as exigéncias do funcionamento gmanece 0 problema. Em Antropologia, Margaret Mead, ‘seus “distipulos enfatizaram a idéia de que cada cultura geraria_personalidades caracteristicas e 0 que édesviante na sodiedade A poder ser o padrao na Sociedade B. Basta lembrar 0 tio divulgido"Sero e Temperamento*, bastante conhecido através dos érgios Qe & quando se encontram posicdes mais— pelativistas”, per | de comunicagio de massa. Mais uma vez, nio quero negar a importéncia da contribuicao de um grupo & histéria da_ciéncia. A possibilidade de relativizar os valores ocidentais correspondeu a um progresso evi- dente. No entanto, permaneceu a preocupagéo de delimi- tar, um tanto rigidamente, comportamentos “normais”, ‘embora numa perspectiva menos etnocéntrica. A idéia de que uma sociedade ou cultura estabelece um modelo | rigido (em certos casos mesmo unico) para os seus ‘membros e que tal fenémeno é essencial para a continui- dade da vida social permaneceu vigorosa, A pluralidade ‘2 Radsliste-Br mitive Society, The © On Social Structure. "1 Mead, Margaret —\Sexo © Temperamento, Ed. Perens 1969. ALR. — Structure and Function in Priv Press, 1965, especialmente Introduction aa se AK oe Hel a. ) 18 Desvio = DivercéNca - wv Esrupo po Comporramento DESvIANTE 19 de comportamentos dentro de uma cultura é vista den- tro de limites bem marcados. No caso de Margaret Mead, ela tem a preocupacdo de mostrar que certas socieda estabelecem correlacao rigida entre 0 sezo e a possibi dade de desenvolver dotes individuais. Nestes casos, 0 |, “inadaptado” pode passar para um “desajustamento da pior ordem”. Diz ela: “Onde no existe tal dicotomia (obs.: sexo/temperamento), um homem pode fitar triste- mente seu mundo e achélo essencialmente sem signifi- cado (0 grifo 6 meu), mas mesmo assim casarse e criar filhos, encontrando talvez um alivio definitivo de sua infelicidade nessa participagio total numa. forma social reconhecida. Uma mulher pode devanear a vida inteira com um mundo onde haja dignidade e orgulho em vez da mediocre moralidade mercendria que ela encontra & antagonicas € 0 “inadaptado” é 0 individuo cuja indivi. qualidade € to exacerbada que contraria as normas vi- gentes. Mais uma vez encontra-se a idéia de individuos contidos em um sistema sociocultural que tem uma existéncia propria, distinguivel das biografias de seus membros. war) \ = forma, ¢ \possivel_perceber_como os estudos | kobre comportament sviante 05 fogismo « um soctoiogsm- io estanque e tracionada do comportamento. humano que transforma a realidade individual em algo, em prin. 3 ae independente da sociedade e da cultura, Assim, sua volta e, ainda assim, cumprimentar 0 marido com %. juma’ divisio do trabalho ac: acaba_levando, dé j um sorriso franco e cuidar dos filhos num ataque de unné ou de outra forma, a uma visdo deformada e incom: | © desadaptado pode transferir seu senso de estra- 2°“. pleta da atividade humana. Ou se cria uma individuali. 4 a & pintura, a musica, ou a uma atividade revolucio- + = dade “pura”, uma “esséncia”” defrontando-Se cont O-melo | .\. néria e, apesar’disto, permanecer essencialmente hicido { ) 9, ambiente-extérior, de outra qualidade, ou entdo um fato i em sua vida pessoal, em suas relagdes com os membros <4 \) social “puro”, também todo-poderoso, que paira sobre | de seu proprio sexo'e os do sexo oposto.” (Mead, 1973, 4 3 as pessoas. O que se confirma 6 que posigées aparente- p. 280.) ‘XL mente divergentes apresentam premissas comuns que Sem discutir os dbvios julgamentos de valor e pre- Ss" vio dirigir todo 0 encadeamento dos raciocinios poste- feréncias pessoais que transparecem no trecho citado, é tiores. Basicamente, insisto, a dicotomia Individuo x So- necessdrio ressaltar a visio rigida do que seja uma ciedade ¢/ou Cultura é que determina esses caminhos, Sociedade ou uma cultura. Como explicar o apareci- < Nao se trata d a especificidade de fendmenos psico- mento desses individuos em tais situagdes, sem cair, Togicos, sociais, biologicos ou culturais- mas’ sim" Weatir| » Novamente, num psicologismo? Os temperamentos po- ‘har_a Tnportancia de nao r de. vista < dem aparecer em qualquer cultura, logo, sempre existiré 3 de_inlerrelacfonamento complexo_e permanente, Cumpre| ~~ a possibilidade de encontrar individuos inadaptados na lembrar 9 raciocinio de LévrStrauss, que estabelece que medida em que certas caracteristicas de personalidade ¢ a humanizacéo 86 € possivel através da cultura e da vida seréo mais valorizadas do que outras. O temperamento <= \v social’. Assim, quando se fala em “homens”, ter-se-d existiria a despeito da cultura, Nao existird ainda uma = Xf sempre a noc&o do sociocultural. O “Homem” 6 existe _ ~ eontradigio? Sendo ‘a. cultura ou o sistema social {80 wy) -_, através da vida sociocultural e isolélo desta, mesmo em\0; poderosos, tio coercitivos a ponto de determinar os padrdes de personalidade, como explicar que certos tem- peramentos contrariem 20 radicaimente tais padrdes? _ Ao mesmo tempo, como ¢ possivel imaginar, a nao ser em linguagem literdria, “um homem fitar ‘tristemente seu mundo e achélo essencialmente sem significado?” Isto 86 parece ser possivel na medida em que se man- tenha uma forte ruptura entre individuo (no caso tem- peramento) © cultura ou sociedade. Seriam duas forgas od 'y termos puramente analiticos, pode deformar qualquer processo de conhecimento. Clifford Geertz, ao discutir _f, 08 conceitos de cultura e homem, observa que “Segundo | if’ spa. perspectiva atual, a_evolucio do Homo Sapiens —_o. & Fhnomem moderno — a partir de seu antecedente pré- -Siipiens imediato, tomou impulso defini te Ba | cerca de quatro milhdes de anos com o aparecimento do} © TaeStraue, Cando — Les Stracurcs Elimentares det «Pont Mesto, ts GR 3 J Sew, x Rs Pee ee famoso Rustralopteciney — 0 chamads Womeaiaacses io Sule do Lest ano — e culminou com a emer- géneia do proprio sapiens ha apenas cem a duzentos mil anos. Assim, pelo menos, formas de atividade cultural ou, se preferir, protocultural (fabricagio de ferramentas sim: ples, caga ‘etc.) parecem ter estado presentes entre al guns dos Australopitecineos. Houve, portanto, um pe- Tiodo de cerca de um milhao de anos entre o inicio da cultura e 0 aparecimento do homem, como hoje 0 co- nhecemos. As datas precisas que podem ser alteradas em uma. ou outra diregio, de acordo com novas pes- quisas, néo séo fundamentais. O que importa é que houve um intervalo e que este intervalo foi bastante de- morado. As (finais até agora, pelo menos) da histéria (logenética) do homem se ‘passavam na mesma grande era geoldgica — a chamada Idade do, ‘ Gelo — que as fases iniciais de sua histéria cultural. Ho- mens _fazem ani io 0 Homem io rica que a cultura, em vez de ser adicionada @ um animal acabado ou virtualmente-acabatto, for Tun- damental para a prOpria produydo desse animal, O eres. cirnento, ‘lento, continuo, quase glacial da cultura atra- ¥és da fdade do Gelo, alterou 0 equilibrio das pressbes seletivas pars 0 Homo emergente, de forma a desem- penhar um papel diretivo bdsico na sua evolugio. © aperfei¢oamento das ferramentas,, 2 adocio da cage | € hébitos de coleta, os inicios de uma verda- _reconstituir_em_detalhes, a_crescente dependéncia de sistemas de_simbolos significantes (lin- guagem, arte, mito, ritual) para a orientagdo, comuni- cacao e autocontrole, tudo isto criou_um_novo ambiente para'o homem, ao qual era, entéo, obrigado a adaptar.se. Na medida em que a cultura, passo infinitesimal a passo infinitesimal, acumulou-se e desenvolveu-se, uma vanta- gem seletiva foi dada aqueles individuos na populagdo mais capazes de extrair vantagens disso — 0 cagador eficiente, o coletor persistente, o hébil artestio de ferra- mentas, 'o lider imaginoso — ‘até que o que tinha sido um Australopitecineo proto-humano, de cérebro pequeno, tornouse um Homo Sapiens de cérebro grande, plena- mente humano. Criouse um sistema de feedback positivo entre 0 padro cultural, 0 ‘corpo e 0 cérebro, em que @ interagéo entre a crescente utilizacdo da ferramenta, Ao enw, Esrupo po CoMPORTAMENTO: DESVIANTE 21 ‘@ anatomia da mio. em transformacio e a crescente Tepresentacéo do polegar no cértex é apenas um dos exemplos mais claros. Submetendo-se a programas sim- bolicamente mediatizados para produzir artefatos, orga- nizar a vida social ou expressar emogées, 0” homem determinou, mesmo sem querer, as fases mais elevadas de seu destino biolégico. Literaimente, embora inadver- tidamente, criows ‘Com este trecho fica ainda mais clara a necessidade de entender o comportamento humano de forma mais integrada, na medida em que, na sua prépria origem, nao é possivel estabelecer compartimentos estangues em termos de evolucio biolégica e evolucdo cultural. Ix. Com um conceito de Cultura menos rigido, pode-se verificar que néo 6 que o “inadaptado” veja o mundo “essencialmente sem significado”, mas sim que veja nele um significado diferente do que 6 captado pelos indivi. duos “ajustados”. O individuo, ent&io, nao 6, necessaria- mente, em termos psicoldgicos, um “deslocado” e a cul- tura nao é tio “esmagadora” como possa parecer para certos estudiosos. Assim a leitura diferente de um cé- digo sociocultural nfo indica apenas a existéncia de “desvios” mas, sobretudo, o cardter multifacetado, dina- mico e, muitas vezes, ambiguo da vida cultural. O pres- Supestd de um ‘monolitismo de um melo socloculturat leva, inevitavelmente, ao conceito de “inadaptado”, de “desvianté” etc. A Cultura nao é, em nenhum momento, umia_entidade acabada, mas sim uma “Yinguagem perma- nentemente acionadae modificada por pessoas que nao sé desempenham “papéis” especificos mas que tém expe- riéncias existenciais particulares, A estrutura social, por sua vez, nao é homogénea em si mesma mas deve Ser ama forma de representar a-acdo social de atores dife- Tenlomente ¢ desigualmente situados no processo social Estrutura Social\tout court) pouco pode valer se for utilizada coma reocupagao de perceber no s6 a Gentinuidade da’ vida ‘ocial mas a run permanente @ ininterrupta transformag&o. Os conceitos de “inaday io” | oul de "desvianie” estao amarrados. a uma visa estatica eDouco complexa da vida sociocultural, Por isso mesm devem sé utilizados com m seg vilindoe com, exlssgo, oe pS me «_# fundamental pereeber que sociedade, em termos yy humanos, implica sempre a existéncia de uma linguagem z, de signos e simbolos mais elaborada. sta linguagem néo € “fechada” mas “aberta”, dai a propria possibi {dade de evolucio cultural da ‘espécie. Posso aceitar a WW sugestao de Clifford Geertz de que a “cultura” programe Os: seus membros*, se for entendido como programar algumas indicacdes'basicas de comportamento e nio um determinismo do tipo que a biologia impoe a vida das | abelhas ou das formigas, por exemplo. Assim, em qual QD) quer sociedade ou cultura, existe uma permatente-mar- S| gen reas de significado “aberto”, onde | surgit_comportamentos divergentes e conitradi | forios. Isto n&o é necessariamente “funcional”, pelo con- | ‘Wario, € a permanente possibilidade de destruicéo de um “estilo de vida”, de'uma “ordem social”, ou de um “equi- Mbrio cultural”’ Esta margem pode estreitar-se, ampliar- se muito rapidamente ou permanecer estavel por ge- rages. As “areas de significado aberto” podem ter sido umas na década de'20 e serem outras contemporanea- mente. O fato.é que essas tenses, divergéncias ou con- tradigGes sio préprias da natureza da cultura e do ca- réter altamente individualizado da espécie. A famosa limitada especializagéo biolégica dos homens esta indis- soluvelmente associada ao fendmeno cultural e este, por definiedo, € sujeito a leituras ambiguas e divergentes. Nao s6 ‘camponeses comportamse de forma diferente de burgueses mas “hé aristocratas e aristocratas”. Ou | seja, nao sé ¢ preciso atentar para as diferentes vis6es | de mundo dos grandes grupos sociais mas é preciso D\ tomar cuidado com a tendéncia de homogeneizar, arbi- trariamente, comportamentos dentro desses grupos, Uma Gas grandes contribuiches que a_Antropologia Social pode, dar_é-a perspectiva de procura de generalizacoes sem entrar em esquemas —deterministas ou reductonistas. | 0 Aamiraver Mundo Novo parece taito am fo ae Sociologia, justamente, porque a maioria dos cientistas | Sociais lida com grupos, estratos ou classes como se eles fossem t&o uniformes como os alfas, betas etc., de Huxley, quimicamente programados. Alguns dos piores pesadelos de ficgéo cientifica sAo aqueles que descrevem © Geertz, Clifford — The Interpretation of Cultures, Basic i Books, 1973. Malach € X Estupo po COMPORTAMENTO ‘DESVIANTE 23 mundos dominados por androides, robés ete. Certos livros de Cigncias Sociais parecem’ antecipar esses ter- ores a0. falarem esquematicamente, por exemplo, de “classe média”,.sem problematizar sia composigao .e as particularidades de subgrupos. Pode parecer que estou pregando contra qualquer fentativa de generalizagio em Cigncias Sociais, mas nao é este 0 caso. Procuro chamar a atengao para ‘um grande hiato existente entre estudos “individuais”, “psicologizantes” e grandes teorias sobre a natureza da sociedade, ou seja, o abismo entre a Psico- logia, Psiquiatria etc. € as Ciénciss Sociais como um todo; Quero frisar que no assumo com Merton a defesa, pura e simples, de uma teoria de porte médio, mas fpreocupo-me com uma abordagem que nio encare “psi- colégico” e “social” ou “cultural”, como entidades intra- |, duziveis_e antagonicas. de do wocedle- pokes eye a = Saen g neh 7 Bae. odes te | Felizmente, no estudo do comporiamento desviante | (mantenho a denominagio porque é de uso generalizado, | lembrando ser sempre necessério contextualizar) ha au: tores que jé caminharam um pouco mais, indo além da teoria da anomie, O grupo dos chamados interacionistas tem importante contribuicao nesta drea. A nocio basica é Ueno existem desviantes em si mesmos, mas siti Télagdo entre atores (individuos, grupos) que acisam WFO atores de estarem. consciente ow inconsciente- a ménte quebrando, com seu comportamento, ~limifés_e valores de determinada ‘situaa0. sociocultural", ‘Tratase, portanto, de um confronto entré acusadores & acusados. Diz Howard Becker em seu livro Outsiders: “Tal pre missa parece ignorar 0 fato essencial sobre 0 comporta- mento desviante: 6 criado pela sociedade. Nao quero dizer isto no sentido normalmente compreendido, em que as causas do desvio si localizadas na situac&o so- cial do desviante ou em “fatores sociais” que condiclo- , nam seu comportamento. Quero dizer que os grupos | sociais criam 0 desvio ao estabelécer as regras cuja in-~ fragéo constitui desvio e a0 aplicé-las a pessoas, parti- T Ver, no caso brasileiro: Velho, Gilberto — “Estigma e Com- portamento’ Deeviante em Copacabana”, in América Latina, 1971, capitulo 4 deste volume (p. 116). paey . < be ‘ t ‘Desio bret culares, marcando-as como outsiders. Sob tal _ponto de Viste, 0-desvio nao €-ume qumtidate-do-ato que a pessoa [as fas sing COnMeqUERS as HEERES © Sando a0-"Uranspressor™ “O destianie € du a-quem tal marca Tor aplicada com sucesso, o compor- tamento desviante € 0 comportamento assim definido por pessoas concretas.” (Becker, 1966, pp. 8-9.) Em. outros termos, certos grupos sociais realizam determi- nada “leitura” do sistema sociocultural, Fazem parte dele e, em funcio de sua prépria situagéio, posigio, experién- cias, interesses etc., estabelecem regras cuja infracdo cria © comportamento desviante. Uma das principais contri- buigdes de Becker, assim como de Kai Erikson e de John Kitsuse*, foi perceber que 0 comportamento des- viante néo é uma questéo de “inadaptacéo cultural”, mas um problema politico, obviamente vinculado a uma {A | probiematica de identidadé, Diz Erikson: “O comporta- \) |imento humano pode varia? amplamente, mas cada co- AXA. munidade estabelece parénteses simbélicos em volta de um certo segmento dessa amplitude e limita suas pré- prias atividades dentro dessa zona demarcada, Esses pa- Ténteses so, de certa forma, as fronteiras da comunt dade. (...)' Formas de comportamento desviante, mar- cando os limites externos da vida do grupo, dao a estru- jtura interna seu cardter especial e assim fornecem 0 jJarcabouco dentro do qual as pessoas desenvolvem um jsentido ordenado de sua prépria identidade.” (P. 9.) denponont ak, el 9. 5% Mas como perceber esta comunidade, grupo social 3 sociedade, sem cair, novamente, em um monolitismo? {| MBecker comenta; “Mas, 6 mais dificil na pritica do que na. teoria especificar o que € funcional ou disfuncional << |-dpara uma sociedade ou grupo social. A questao sobre os {objetivos ou finalidades (fund) de um grupo e 0 que vai ajudar ou-prejudicar a realizagdo desses objetivos 6, @ geralmente, um problema politico. As faccdes dentro do {S Spear, discordam entre sie manobram para ver a sua propria definicdo da fungéo do grupo aceita. A funcio oF i do grupo ou da organizacao, ent&o, é decidida através do 38 Bader, Howard — Outsiders, Macmillan Co, ‘The Free Press, 1966; “Erikson, Kai T. — Wayward Puritans, John Wiley Sons, 1966; Kitsuse, John — Sootetal Reactions to’ Deviant Be- Roviout: Protlena of Theory and Method, im Becker, Howard & The Other Side, The Pree Press, 1967. ° Brikson, Kal T.— op. ot Estuvo po CoMPORTAMENTO DESVIANTE 25 conflito -politico, que no € dado na. natureza-da orga- nizagio. Se isto’é verdade, ent&o também é verdade que ‘as questées sobre que regras devem ser implementadas, que comportamentos considerados como desviantes ¢ que pessoas marcadas como outsiders devem ser tam: ‘bém consideradas politicas. A visio funcional do desvio, ignorando 0 aspecto politico do fenémeno, limita nossa | compreenséo.” Com esta perspectiva, supera‘se @ visio de uma es- trutura social monolitica © acabada, tendo por base um consenso com ocasionais “inadaptados”. Existem faccdes dos mais diferentes tipos em-qualquer socfedade humana, fazendo com que, mesmo em’ grupos tecnologicamente menos sofisticados, se encontre 0 fenémeno da politica. H4 uma permanente possibilidade de confrontos a partir de divergéncias, pelo menos potenciais. = claro que é | preciso constatar concretamente que sociedades apresen- | tam que soda et Na medida em que se aceite | a existéncia do(Pode? em’ qualquer grupo social, cons- tata‘se uma tensao~petmanente entre os seus atores. Tal tenstio pode explicitarse através de conflito entre linha- gens, luta de classes etc., no nivel mais amplo do sistema social. No entanto, manifesta-se também em situagdes mais “microscépicas”, como no caso da familia, onde os conflitos nao tém apenas um cardter “psicoldgico”, mas | abresentam uma integracao do psiquico com 0 sociocul- tural. A familia s6 existe através de um cddigo, de uma linguagem de papéis, status etc., culturalmente’elabora- Gos. Isto fica bem claro nas obras j4 mencionadas de Laing, Esterson, Cooper e outros, onde o problema da doenga mental € percebido como relacionado @ uma crise de linguagem e a um confronto entre individuos que ‘ocupam posicées estruturalmente desiguais.°° A. per- cepcdo do sociocultural neste nivel nfo implica um redu- cionismo sociologizante, obrigatoriamente, Tratase de perceber que a vida sociocultural nao pode ser estudada apenas a partir de fenémenos de “certo tamanho”, mas que ela estd presente em todo e qualquer comportamento hhumano. # neste nivel que podemos falar em uma and- lise da politica do 10 que, sem diivida, tem de © Ver especialmente Laing, Ronald & Esterson, A. — op. cit. © Cooper, David — Peiguiatria © Antipsiquiatria e The Death of the Family. 26 Desvio ® DivercéNca Gesenvolver_métodos proprios. O estudo do comporta- mento desviante tem ai uma alternativa, XI. A Antropologia Social pode ter, nesta direcéio, uma {) contribuicdo importante csi, fon- eludes de espe sociedades-de-nequana esdala, Tazer éstudos de_casp, tra Ds_de caso, tra- alhar com comunidades. grupos de_vizin vizinhanea ete., t tral ado num nivel are ico_em que, mesmo p a tinido~ae" S this amplas, est per cy mmanchtemente em-contato com indiviaioe concrete, car le regados de densidade existenci jie “nao podem ser {itstrma com inte ous & bee ors Tm} quem 0 COUsiga)—-Sao-Verdadeiros personagens le —> mareain 0 trabalho do antropalogo. i, pensay ema ata Don Juan, em um Pa Fenuatara, um Quesalid etc. Esse contato pessoal, direto, faz com que os padrées de obje- tividade cientifica tradicionais tenham de ser encarados com certa reserva. Por isso mesmo, o trabalho do antro- | pélogo tende a assumir-cada vez mais a dimensio dass Intersubjetividade. Nao. se trataria, entdo, de procurar etc., mas sim procurar encard-los como parte da situa- » go de. pesquisa". Em vez de apagar esta dimensio “psicoldgica”, tarefa realmente impossivel, resta apren- der a explicitéla e integréla com toda a investigacdo. | Assim, mais uma vez, a procura de padres sociais € culturais ndo implicaria um “por entre parénteses” a | dimensao individual. Isto significa, de um lado, o antro- pologo aprender a lidar com a sua subjetividade e, de outro, a considerar mais relevantes para o seu trabalho caracteristicas. “estritamente individuais” das pessoas-com quem esté convivendo. Nem todos 0s feiticeiros Azande séo iguais, assim como as mulheres Tchambuli ou os anciios Gouro. ¥ interessante lembrar que dois dos con- ceitos que mais vém sendo utilizados pelos antropdlogos fio 0s de carisma e drama social’, que sio dos poucos a evi vey usbalhos de Carlos Castafede, Raymond Pith e Claude évi-Straass. 1B Ver “Anthropological Blues, Matta. 38 © conceito de Cariema fol sistematicamente formulado por Max Weber, Drama Social foi bastante desenvolvido por Victor Nédito de Roberto Augusto da abstrair os aspectos individuais, idiossincrasias pessoais\> yee ete. . aaa, Ane Esrupo po CostPortaMENro DEsviaNTE. 27 D queprar esta. descontinuidade arbitréria entre 0 “psico- l6gico” e 0 “social”. B evidente que a Psicologia Sociat tem produzido alguns resultados relevantes. Mas cumpre enfatizar que 0 proprio nome da ciéncia revela sua limi- taco. Tenho procurado mostrar que toda psicologia é social e que esta compartimentagio é fonte das distor- Ses apontadas. (© antropélogo no campo, ao lidar com pessoas, é mais capaz de perceber como so elaboradas estratégias de vida particulares. Mesmo ao procurar padrées e Tegu- - Jaridades a sua experiéncia pode mostrar, se ndo estiver numa postura excessivamente rigida, que ‘gs individuos e subgruy ituras particulares de sua cultura, em. fungdo de suas caracteristicas propria. Hé, portanto, ulna -ganme-e~variacao-quenao-impOssibilita a procura de padrdes. © que acontece, muito freqiientemente, é que o investigador nao quer ver tais variacoes como pos- sibilidades dadas pela propria situacao sociocultural em que estéo interagindo as pessoas. Neste caso, rotularé os casos mais visiveis de “desvio”, “inadaptacéo” ete. Ao fazé-lo, poderd estar tomando como verdade cientifica as Tepresentag6es de alguns individuos ou de uma faccdo dentro da sociedade estudada. Ou seja, estaré traba- thando com um modelo estatico ¢ parcial que pouco o ajudaré, Em vez de apreender possiveis conflitos e pro- blemas estruturais estard simplificando a realidade, assu- mindo a ideologia de um grupo de individuos, seraingnte © que tem mais poder Sree JH vane ~h x1. VE Q_“desviante”, dentro da_minha. perspectiva, € um individuo que nao ést4: fora de sua cultura mas que faz fama “leitura™ aivergents, Ie poder estar-soamis (anh Jdesviante secreto?) ou fazer parte de uma minoria orga- nizada. Ele nao ser4 sempre desviante. Existem ‘areas de ‘comportamento em que agiré como qualquer cidadao ? “normal”. Mas em outras areas divergiré, com seu com- ‘ ‘Turner; ver, por exemplo, The Drums of Affliction, Oxford Uni- . versity Press, 1968. Vera tese de Mestrado Guerra de Orirds, sum Estudo de Ritual ¢ Conjlito, apresentada ao Programa de Pés- Graduagio em Antropologia Social da UFRJ de Yvonne Magyie Alves Velho e 0s trabalhos sobre Catolicismo Popular e Messia- hnismo, ainda inéditos, de Alba Zaluar Guimaraes. 44 2B Desvio © DivercExca yr portamento, dos valores dominantes, Res podem ser Yvistos como aceitos pela maioria das pessoas ou como implementados e mantidos por grupos/particulares que ‘tém condigdes de tornar dominantes-seus pontos de vista, © fato 6 que ndo é 0 ocasional ntre a estrutura social e @ cultural mas sim o proprio carter desiguat contraditorio © politico de todo o sistema sociocultural | | que permite entender esses comportamentos. iocultural em geral ‘cularmente, o politico nas mais “microscopicas” ‘ins cias do sistema sociocultural. neste nivel microssocid que talvez_possa_estabelecer-se“um_ panto fle encontry entre as tradiedes “psicoldgicas” e “socloculturais". Ni era mais “individual” do que w-Woenga. Mental. No tanto, toda uma outra perspectiva se abre quando Cooper! diz: “Esquizofrenia é uma situagio de crise microssocial, na qual og atos e experiéncias de determinadas pessoas so invalidados por outras, em virtude de certas razdes inteligiveis, culturais e microculturais (geralmente fami- Hiares), a tal ponto que essa pessoa ¢ eleita e identificada ‘como Sendo ‘mentalmente doente’ de certa maneira, e, a seguir, € confirmada (por processos especificos, mas alta- mente arbitrérios de rotulacio) na identidade de ‘pa- ciente esquizofrénico’ pelos agentes médicos ou quase- médicos"*.” Insisto em no querer entrar em polémicas psiquid- tricas mas, sem divida, para o antropdlogo, 0 trecho acima atende a esta necessidade de acabar com a ruptura individuo/social ou cultural. Trata-se de reconhecer nos atos, aparentemente “sem significado”, “doentes”, “mar. ginais”, “inadaptados” etc., a marca’ do sociocultural. © estudo do “comportamento desviante” poderé ser um campo fértil para a Antropologia Social, na medida em que for capaz de perceber através dele aspectos insus- Peitados da légica do sistema sociocultural. Com isso, estarse-d restabelecendo um aspecto crucial do compor- tamento humano — a integragdo de suas diferentes di- menses. 4 Cooper, David — Peigquiatria ¢ Antipsiquiatria, p. 17. 2 “Cria Fama e Deita-te’na Cama”: Um Estudo de Estigmatizacio numa Instituigéo Total? Mama JouA Gowpwassen I. INTRODUGAO ESTE ESTUDO VISA A FOCALIZAR, em sua configuragéo pe- culiar, um sistema de relagdes sociais pautado numa mo- dalidade de categorizacéo estigmatizante. Partindo de 1 Os coneeitos de “estigma” e “instituiglo total” so utilizados aqui com foram dosovalvdes, por ‘Gotfaain: op, cit reapers: mente én “Stigma” e “Asylums”, Estigma 6 definido como: “...um atributo que lo vuelve (el extrafio) diferente de los ‘demas....y lo convierte en alguien menos apeteci- ble, en casos extremos, en una persona casi enteramente malvada, peligrosa o debil. De ese modo dejamos de verlo como una persona total ¥ corriente para reducirlo aun ser inficionado y menospreciado. Un atributo de ‘esa naturaleza es un estigma en especial cuando él pro- ‘duce en los demés... un descrédito ‘amplio...” (Goff man, 1970, p. 12} , E Instituiglo Total: : ‘A total institution may be defined as a place of re sidence and work where a large number of like \si- tuated individuals, cut off from the society for an appreciable. period of time, together lead an enclosed formally administered round of life.” (Goffman, 1961, p. XIL)

S-ar putea să vă placă și