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(Marina Colasanti)
s vezes, porm, quando havia alarme antiareo e as sirenes soavam, meu
pai vinha de moto buscar-me no colgio a bicicleta e depois o carro a
gasognio haviam sido substitudos por uma motocicleta. A nossa casa era
perto, a viagem durava pouco, mas todo dia eu ficava torcendo para que as
sirenes soassem, interrompendo as aulas e levando-me at em casa,
cabelos ao vento, cavalgando heroica como uma Valquria. O medo de
bombardeios desaparecia frente ao prazer. (p. 89 90)
Para o abrigo no vamos!, determinou desde cedo meu pai. Se for para
morrer, que no seja como ratos! A populao havia sido instruda a
refugiar-se nos abrigos toda vez que soassem as sirenes. Mas no entender
do meu pai os abrigos eram subterrneos, havia os encanamentos, o nvel
do lago, enfim, primeira bomba seria inundao certa. Nunca fomos. (...)
Quando as sirenes soavam ficvamos no nosso apartamento, s vezes s
escuras, ilha de intil valentia em meio cidade vazia, espera do ronco
dos bombardeios que, felizmente, sempre seguiram com sua carga em
outra direo. (p. 90)
Ela me contou que, para distra-la e ao seu irmo durante os alertas
antiareos, recitava versos da Divina Comdia, sobrepondo o fascnio da
tragdia grandiosa pequena misria daquelas esperas. (p. 91)
As valqurias cavalgavam no nosso imaginrio. Mais do que apenas uma
cidade, Como para mim uma vida paralela cheia de velas ao vento, de
barcos em tempestade, de piratas e deuses, de encantamentos, de lanas,
punhais, moinhos, heris. (p. 91 - 92)
Nunca lemos tanto. Nem com tanta paixo. (...) Se saamos pouco, quase
exclusivamente para ir ao colgio, se no tnhamos amigos da nossa idade
porque acabramos de chegar e cedo partiramos, tnhamos os livros. Nunca
estivemos mais acompanhados. (p. 92)
Traziam-se para a vida real e aprimoravam-se os princpios do futurista
Marinetti, que havia proposto escolas de coragem fsica e patriotismo. Em
lugar do antigo regime escolar e do ensinamento do latim e do grego, o
intelectual recomendava exerccios militares como, por exemplo, avanar
rastejando sob os tiros rentes das metralhadoras. (p. 94)
S hoje consigo ver as intenes sinistras que de uma ou outra maneira
veria replicadas mais tarde em outros regimes, naquela poca s via a
seduo. Os uniformes desenhados por um pintor conhecido na poca,
porque tambm ilustrador em jornais infantojuvenis, confirmavam a camisa
preta fascista (...). Havia campos de frias, treinos, exerccios inspirados no
militarismo fascista e no escotismo de Baden Powell (...). (p. 96)