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Amarna
foi desmantelada
bloco a bloco
após devassar a fé
antiga
sobre a qual foram impostos
nequícias e nepentes
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1.
Propensões à igualdade abrem conversas, desde quando a Terra
começou a se separar em continentes, logo ao se consagrar
nos homens a idéia do ganho pelo suor alheio, o eco de perdas
de local onde até os múrmuros podem ter vez para procriar, crescer
e de lá partirem; até que as mesmas imperiosas ações ou vontades
assumam neles de novo os riscos do retorno, sim, é caso então de
2.
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Mas vamos por partes: Antes de tal situação, aonde iam aqueles
de quem vos lembrais com noção mínima, ou coisa que o valha ?
Vamos por partes: Como garantir que o que segue rio acima
e não se sabe a que horas alguma alegria será possível, ainda que
não se tenha chegado ao fundo de nada, senão de terremortos
e maremortos, visto que o vício agregou-se a todos os sabores.
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forjando lios e socando ecos nos vidros, sem gastar tempo apenas
a imaginar alguma trilha virgem, mas logo nos primeiros intentos
mudar de estação e fazer soar como armadilha os afiados dentes
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em formação, aguda e breve esta febre não será, não pode passar
sem deixar vestígios o ciúme, fazer comício é um velho idioma da
liberdade, gente quebrando muros, ora, de onze climas ou mais
tomadas pelos primeiros invasores, ah, o Tempo vos larga por aí,
pedindo mais e mais, medindo tudo, mientras se incendia el alma,
novos códigos e senhas limam vossa resistência na terra, assim é
7.
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o azeite pronto para descer das colinas, eis o vinho está pronto para
descer sobre a sanidade, porque o bebeis em demasia, e aí então
surgem temas ridículos para velhos enamorados, a métrica do vinho
8.
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o mar vos inteira do que podeis jogar nele ou dele retirar para
a encenação de cada dia, pouco exigindo pelos reveses impostos.
No princípio era o que no princípio se temia; depois, o custo
dos prazos foi se desacomodando cada vez mais, e cada vez mais
a ele vos destes de todo fervor, esquecidos de que tudo trama para
iludir-vos, mostrar a visão de uma boa colheita, mas coisa fraca é
9.
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de rir, ou rir por chorar, se nem o princípio nem verbo não foram o
que se supôs ?). Montai ao contrário na mula, a poule pagará fora
do combinado, montai parâmetros novos para novos testamentos.
Veio de algum lugar o mar, mas seus peixes são filhos dele mesmo,
que evoluiu para além destes sulcos brilhantes em vossas faces, a
trégua em vias de se tornar algo normal, até mesmo constância
10.
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se parte para onde se pense poder falar sem comprar coleiras para
verbos, sapatos para adjetivos, brancas armas para substantivos,
luvas e máscaras para um simples grito, pingente é o suspense.
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seu caminho, domam o que encontram. A vida sabe que seus filhos
e filhas sofrerão reveses, que entendam o que é importante, o amor
espera estar sempre na moda, manter o que nunca perdeu, logro
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algum, a calma reflete o que lhe deixam ao largo, sopra até virar
apotegma total. No início ainda vos conformáveis a instantes
entre instrumentos de medição, mas a jornada (eu os vi em Roma,
13.
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insetos e plantas carnívoras que ali e alhures viviam, até aí, amiga,
foi preciso mais do que dois instantes do Exemplo e sua agonia
para que tudo isso fosse História cujo peso assoma com a cabeça:
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por um dia na vida do silva quem quer saber que besouros untou
a garganta do souza no cotidiano que todos temos assim como
certos dias de sim e não desde o código escrito às margens
22.
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por partes: ábaco para quê: para que nos inimizasse logo logo
diante da primeira tenda rasgada pela primeira tosse do sol e pela
língua pouco esmerada numa curva qualquer de algum sabor
23.
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em sua afeição pelo moderno cada vez mais útil embora passa-
geiro em suas conformidades atualizadas dia após dia
o amarelo assume encargos e o vermelho e o ocre cindem formas
25.
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a ferro quente o desejado sob lentes, se não lhe damos com um fio
de baba na pétala rubra incendiando a erva com nosso suor
e ainda se não lhe trazemos a grota mais sensível
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30.
Pensas um dia qualquer sobre o fato de que um dia, após tantas
repetições, um simples substantivo - no caso sinônimo de povo:
samba - se imponha de tal forma a ser o rosto primordial
31.
Elas sonham alto. Eles dormem pouco, mal, parcos de muito.
Vê-los é contentar-me à espera, não ao clima dos depostos ontem
e trasanteontem, quando à porta bateram tombos de gente
32.
em cada mão ? não os instiga a serem botânicos de novas safras ?
biólogos de nova cepa, não logros iguais ou maiores do que os
seus, ali e aqui e acolá sempre à vista, embutidos muitas vezes
33.
De materiais nos falam, mas ajuntam e carreiam tudo para onde,
se nunca mais se ouve dizer que a perna encontrada é certamente
de fulana, que o umbigo da garoa revelou o bispo tal
33.
Acostumada ao idioma da ira, não posso por menos deixar-te ir.
Afeita aà ira da língua, posso arrecadar distúrbios entre o teu meio
dia e a tua noite a meio, mas para dá-los a quem ? para que
34.
em rimas, o prazer é metuendo, cioso de si, investe em nós, nós.
35.
A intimidade joga
entre nós seu peso,
e algo no ar o apara.
Condensado assim
de melhor sustança,
de melhor sal, face
no chão ou cara álacre
como o fumo na mão
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36.
desencadeadas de não
se sabe onde, não se fixam
a meandros, de falácias O VAZIO
não só exigindo a hora:
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38.
De atalho em atalho rainhas e reis entram para cobertura, arados,
olho de fato na arrumação idônea acelerando o pulso,
conferindo
o prumo à razão mínima de existir entre os de Amarna, de onde
39.
pulpa de dobles labios, fiebre / fermenta el reposo: ” si fuera...
e com a apreensão de algo mais vasto e genuíno do que a nução
pura e simples de um sobre o outro, anunciantes de verbos
40.
Foi preciso ser maior que o desespero de esperar em vão, cegos
os martinhos-pescadores do coração, manetas as percepções
preparadas para a reunião, até subir a maré e se ouvir o crescendo:
e para o retorno, para o dono dos azulejos intua que versão dar
da casa que te cumprirá, exata, fixa, começa já com o informe e
aleita o esboço sem deixar que nada seja mais sutil que a véspera
e dizer: Isto nos serve, se caldeado, isto nos desserve, e como tal
se proceda, porque o amor é cheio de truques, e esta visita se faz
misteriosa demais para os nossos cálculos, não untada de sestros.
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42.
O crescente vermelho arrepia caminho à canção que chama
para com ela bancar o avanço senão atravessar de vez a partícula
e recolher de outros fachos um prato de ecos possível quanto
uma espera: pode valer algo, outra espera pode ser razão de vida
em comum: latem tanto para a névoa quanto ao exame de fundo
de olho e para morte no fundo de todas as atracações. Gastura.
E deus e o povo viram que era bom, e o povo sentiu o que significa
fazer-se pela vida a correr atrás de cardumes, de míseros peixes e
restos de peixadas, seixos, sexo árido ao peso da vida pagã, folia.
43.
Aum é só um oriente das coisas, o dia se mete nas escamas
do barco e faz o incidental, um homem acende na boca de outro
uma mulher, visco ou víspora, cobra da mágoa uma faca furtiva,
uma mulher legítima diz muito mais do que mulheres que se fazem
necessárias ao mais do mercado, ao menos de suas invectivas
cada vez o assombro se asenhora da gente, e eis o que sobra:
44.
e os homens se safam de tudo o que não lhes apimenta os passos,
de tudo fazem uma regalia para o riso e o tombo na bisrosca, lá
longe um ruído que o sabem maléfico e benéfico já vem
por cima das casas aceleradas pelo afinco do amar que vige neles
com sobras de peixe, sobe em tudo o mar: canário a que se dá logo
atenção quando pia quando canta quando grita, o mar lhes é mais
45.
Comigo mesma me descanso, abro a canela por onde a canalha
me lê o vaivém indecifrado pela lei mais seminal e pela infração
mais descabida entre tais achacadores de papéis há um elo
46.
Teu nome é meu incerto barbitúrico na porta bailando, célere
argumento querendo entrar, lépida contramão querendo sair, tu és
fiel a quê: ao que me redima um dia, ao que te exprima o dia ?
Teu nome é meu roubo, minha rota passa por ti, por dentro de ti é
que me saio mal, também me dou bem contigo (como não ?), vaso
conservado junto aos detidos ou vasca encontrada no incêndio
47.
com suas armas sempre elas e os senões assimilados por senhas
já mesmo elas com valor apenas fictício como fictícia é a noção do
boi a respeito do grande orifício
48.
e não serão atores suficientes para o próximo ato as paletas nem
os ferrões de número novo sob sacada velha, os atritos de pés e
mãos esmerados em que tudo saia de si, morda o invisível
49.
se me dou de costas ao cantar de amor com suas tretas de prédio
em ruínas, suas falas sem algas, sem líquen suas moedas, aro
incerto o diâmetro de seu mando, seu triângulo nunca entorpecido
50.
Braço ou olho: de que fazer-se conta entre tanta prova amorosa
amortecendo os dias, bebendo sem parar nas curvas do porto
a que a cidade dá nota má ? Olho ou braço: de que se fazer
51.
Onde o abismo come alturas, como gente, disco, falo, desenrolo
a língua e na escada abro a propensão que me levará (perdoa-me
não) além-lá do que o que a tua agiotagem não me faz nem fez
de rogada, não, não vamos mais por partes, que a sede perdeu
mesmo o juízo e assim me dá ganas, me implode e me explode
no ritmo exato à não-volta. Não e não: o tédio não tem encantos,
dignos da imensa algazarra. A vida não se ulcera, por ti, por nadie.
A vida não ultrapassa o bom senso de viver distante de ti, de nadie.
Onde o abismo rói tonturas, construo o que não foi possível em ti.
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52.
Órbitas a que se vai, a que se chega ou não. Nem punhos de cera
nem fio de lama na tez, veio para cá o síndico servir peixe postiço
ao calendário e garantir que amanhã te irás de Amarna
Quando chega até você, o livro já mentiu mais do que quando ainda
te suportavas feil a ti mesmo: caindo a ereção, cai a canção,
e a tua infância universal já não é (se foi) paradigma para ninguém
mesmo que encharcado o casaco e a a unha lhe seja breve ida aos
tendões do amigo, da amiga se faça um molde para preencher ecos
daquele pigarro sobre a louça e ameaças de deitar fora o presente.
63
53.
Se não em boca alheia, o segredo não vingará se não se disser
que irá às penúltimas consequências de dar a César o que é
das cesarianas, partes do primeiro estouro ainda nos divide, claro
deita foz pelos dentes porque vem de algo o tormento, vem, e não
só em boca alheia o segredo vingará murmúrios desenhados
nas almofadas entre tombos e apuros, atalhos e esporros, amuos
mengas de longa esteira sobre este viver sem calma até mesmo
enquanto, alcoólicas em punho, dormem; e até que algum torpor
de se aposse da gente, para que mentir, se à casa se volta
54.
El lugar de la derrota y el lugar de la ira. O que se vê nas curvas
mais recentes ? Gala é o que se espera no goto, mas a gente vai
e fica abrindo em leque a vida e assimilando fases e modos
Oblíqua ou não a vida, ela é o que se tem, e o que nos seja tara
formidanda de formiga e abelha, seja também ecos de alcoólicas
e anônimas belezas num lugar de ira e derrota. O quê há, curvas ?
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55.
Insistes em que no lugar da ira a derrota é preferível, mas como
pode uma sem a outra ? como se entra no inferno sem que o fogo
esteja de boca escancarada, seus nepentes em alta como nunca ?
56.
de tempo ruim ou não, e se abrem ao mundo feito cravos e nabos,
girassóis cortados rente à imaginação, sim, onde estão os rapazes
prometidos e as moças em cuja boca o mundo espera
57.
Todos os palhaços do mundo, menos um, atestaram-se ao levar
consigo ao picadeiro o que mais temiam ou por levarem consigo
quem mais queriam rever sob luzes (enquanto isso em Amarna
58.
senão a consciência, e até amanhecer de novo a madrugada fá-lo
renunciar ao labirinto onde esperavas colher algum espelho talvez
mas não o anúncio do tamanho exato da desolação peniana
59.
Rara seria cada instância da vida sobre as outras todas únicas
diante do inevitável mesmo se desentrelaçadas nada tivessem
a fazer até porque a infância engana e é enganada
60.
nem de dores exatas mas a respeito de cama diga-nos por mil
e quantas noites dormir nela sabendo que a infância é frequência
de dúvidas e dívidas, o cognitivo mais em perigo ?
61.
varando esquinas na gola da blusa sim a garagem é um mundo
à parte de onde se sai para reinvidicar ao rio o amor a olho cru
ou algo do ciclo da banana no ciclo da bicicleta enfim alguma coisa
61.
do vício da dor da desolação, uma vez no meio de tal profusão
a gente se vê sob ofertas nos passeios das ruas com tudo
confluindo para ti e os teus todas as ruas dilatando-te as narinas
62.
63.
Resta a muitos esmurrar o travesseiro e esmiuçar no a exata
palavra para o suplício dos espantalhos mas isto toma precioso
tempo aos ímpios também aos crédulos isso toma tempo
64.
ou uma revolução por cravos canelas e outras especiarias tão a
gosto de todos, mas nalgum lugar do mundo e em cada movimento
teu alguém te descobre um pouco mais e persiste
65.
num vilarejo íntimo não fique de costas para o fundo da manhã
o amor e outros senões não deixem de confluir sobre todas
as partes, não, o amor não se cala quando na trincheira percebe
66.
de quem ainda jovem tem adulterações em cada risco das mãos.
Veja-se esta terra onde mais que noutras o sal faz ver suas antigas
conotações, veja-se-lhe o dorso teso e as narinas ébrias
prêmio de, mais que entre fios de baba e silêncio peremptório, viver
à cunha o território pequeno da alegria entre as coisas tão somente
voltando-se a cabeça para o lado de onde venha o grito,
67.
preso na mão esquerda, outro na mão direita, vulpino sois vós
comissário, vós sois o que espero há muito comissária-vendedora
de passes azuis para a fronteira interminável, ai gozo
68.
O pianista
não varre a introspecção
(saem dele ângulos
desgostosos, madraços)
começa a hora
sob ambiguidades
a cidade espera que sua gente
seja como este piano
de costas para o mundo
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69.
Seremos como o ouro: prontos para o gasto descarado manuseio
pelas massas (mossas), sim, sejamos, como o ouro, capazes
de doer forte insuportavelmente tangíveis diante do cerco
assim que raie novo dia saiamos de um lado para o outro com velas
sobre o blecaute as bocas brilhando à distância o que há
e houver entre nós seja medido com obstinado rigor ostinato rigore
queda e abuso de poder sobre quem nunca sai de si, eis que o cão
do autista late diferente em cada ambiente nos diz o que é de
transparência ocupacional ou breu de toca, vamos então de samba
*.: Trecho de canção do jovem grupo alemão de rock KLEE: seremos como o ouro
*.: Ostinato Rigore, livro de poemas de Eugénio de Andrade
*. ; Alusão a Para além do Bem e do Mal, de FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE
81
70.
e pipoca na mão de fernanda passa boi passa queixada passa frio
na barriga o medo passa frio na boca de fernanda o porto se faz
translúcido tempo bom para se pescar lúcios e baiacus pegar
pois se deve também falar das coisas que o verbo não apreende
e o gosto não apraza mas desvia de intento caso não lhe consiga
memória, dizer também dos prazos aquinhoados e dos prazos
o que nos jogou por terra como jogou a todos a rima fácil nalguma
boca, com certeza já fomos ilididos e iludimos sem trégua o amor
que rói os tíbios e afana o bolso dos ímpios e o coração das corais.
71.
Caminhar assim ao longo do canal caminho com a tez para o ar
nas pernas o ritmo complexo do mundo a que impusemos esta
consistência macabra de futuro sem vez mas que conosco terá
72.
Onde estamos que assim nos damos quase à revelia de nós
mesmos, nossos ossos querendo uma coisa e a carne querendo
outras maneiras de expressão fora da cosmogonia conhecida ?
Amarna seria destroçada grão a grão, ecos sem conta dando preço
de sua algazarra, a natureza de sua indisciplina e de sua perversão
podendo ser então aniquilada por novo pacto (Satan says).
*.: SATAN SAYS: Coletânea da qual fazem parte, entre outras, Sharon
84
73.
ou araucanos tardios talvez um hissope trincado por força de eco
alheio ao conjunto dos métodos até aqui conhecidos talvez
seja sim e mais a vida como representação da vontade
74.
Foi dito que nunca se vai, só, às medidas do erro cooptar vozes
ou denegrir uma sombra já de si cheia de acrimônias, embora
amoras e lichias patenteiem a doçura
75.
Mas se nos desapontam as rezas, melhor ficarmos onde no cais
se anoitece com águas saindo pelo ladrão, sáfiros e trêfegos,
banal o que se pense ou não de nós que por vós
76.
Ainda que noutro tempo te aches, nunca o digas distante de ti
como de mim este som, pois o tempo que prezo se faz com
hospício ou leitura de olhos também com giramundos assuntos
77.
Deve então resistir quem sofre por não atender ao que o coração
exije ? ResistIr ao que o fato diz e insistIr em que ficar assim terá
poucas, leves e tardias consequências, e assim a sombra
78.
Portantos que o homem do mar desconhece eu os levo a todos
os lugares onde possa, pois o mar é um dos elementos preferidos
em minhas lembranças de híbrida, não coisa hirta
79.
Das mímeses não lhes faz questão em absoluto o nó pagão
nos lábios, a mistura fina de sua admissão àquilo que em nada
poderia estragar-lhe a festa de vôo rasante sobre um
It had happened to others. There was a word for us. I was: a Jew.
Cá estamos entregues a remoinhos preparados de antemão alguns,
outros há que surgem conforme se arranca rumo aos trevos
80.
81.
Estás desocupada, e isto mói o réu pai, estás desocupado e isto
tira ar à tua mãe surdamente em ambos uma espera de dunas
se faz e medra e medra até que o mármore não os faça felizes
*.: GUNNAR EKELÖF, poema Questionário, Antologia Poética. Quetzal, Portugal, 1992.
93
82.
Dito que o silêncio a muitos recusa intimidade, vacilar neste porto
é, mais que sandice, gorar ovos futuristas sob torrentes de senhas
com que os vivos se procuram e se rejeitam com sua arritmia,
que ainda nem o próprio veneno cometem na hora certa, não, cuida
que o entorno teu esteja sempre apto e que a mentira dos limpos
não se busque entre os girassóis e carrapichos teus, amiga.
83.
Em Amarna a salsaparrilha não saiu do mercado, nem o kebab
nem la buona pasta muito menos as línguas de fogo: há para quem
possa, há nas prateleiras deste e de outros corações
84.
Onde estão os teus direitos adquiridos senão mortos a pancadas
distribuídas aos borbotões na via pública, no mercado centralizado
da morte a três por quatro ? Onde acendem o facho
85.
Faço-te notar que as venturas plantadas neste meio acusam já
as altas plantas de vender-lhes a preços exorbitantes um lugarzinho
ao sol, aviso-te e aos demais como tu, mein liebe,
que aí vem quem não dirá de bom grado a parca sentença de irem
e voltarem um dia mais amargos do que agora os deixo, vendidos
ao Mundo. Ao cacete ou ao deslavado sexo industrial dêem-se
86.
87.
Não te permitas universal nesta via não te aventures sem antes
combinar o preço da relva em que te assentarás mesmo depois
de esqueceres que a vida está presa
88.
alguma capaz de se desvendar à histeria e outros encantos, mas
tranquilizem-se os católicos porque ao animal de estimação já se
faz luz no fim do anel de dois mil anos,
89.
não por uma sugestão de amiga reconciliar-se com a moda vigente)
e a misericórdia dos seios sempre eles salvando gente e imitações
de gente a um convite ou a um cuspo de distância.
cada vez mais longe do mínimo exigido para que até a demência
tivesse crédito entre loucos precoces, e os velhos rituais de putas
continuassem entre paredes até então nunca contestadas de frente.
*.: SHARON OLDS, Satanás diz. Verso: o punho vibrando lento e pesado como o caralho.
101
90.
sem vistas de noção estéril, e então para sempre seja louvado
quem não se poupou para que neste entorno fizesse corpo o Ideal,
distante dos híbridos chochos da infãncia, mas outros
91.
92.
A condição que nos devora a nós pescadores é a do mar ao pôr
sobre nossos pentáculos espetaculares suas almofadas cheias
de agulhas e embriões de espécimes pretensamente novos
para que ao peixe se lhe dê digno preço ainda que à revelia dele
mesmo, e assim nos quedamos aqui e ali mordendo um a úvula
do outro, comendo a colher do próximo, úmidos percalços na rede.
104
93.
94.
95.
Literatura comparada
meus ossos e os teus
destrossos
de cujos meandros
nada nos socorre, se não pelo peso
das linguagens um dia espavoridas
e insensíveis ao que a outra
dissesse, pelo cansaço
inevitável que a morte
em vida faz
107
96.
97.
98.
flores assim
bolindo pelo avesso
os tropassos de cama
mesa e banho
99.
100.
101.
a contraluz e a contragosto ?
113
102.
o ódio
114
103.
tudo certo
acertados com a morte
menos o silêncio:
bicho sagaz
incômodo como o ódio
104.
Mesmo após mostrar de que modo os principiantes devem manter
a fé da palavra dada e administrar de ambos os lados da clareza
e do entendimento o terceiro lado resultante disso
pelo êxtase sobre uma derrisão alheia a real natureza das disputas.
Blefe a blefe, saqueou com dados de natureza ruim até que um pé
o afastou, até que, saque após saque, declinou de levar a rosa
este alguém que não vive senão de esperas tardias sempre secas
e de palavras tocadas sob contingências nada especiais para quem
se preza por traduzir à dura realidade do amor seus contrários ?
*.: NICOLÓ MACHIAVELLI, O Príncipe, cap. XVIII: De que modo os príncipes devem manter a
fé da palavra dada.
116
105.
Em Amarna a palavra bárbara fracassa ainda antes que o assento
a que se propõe esteja sequer em construção, em Amarna o termo
bárbaro passa ao largo de sua estrutura usual, fica
estar atento e forte quem não tem tempo de amar ou temer a morte,
vivíparos e ovíparos circulando em couraças fuçam os sedimentos
e observam nos obstáculos novos uma premissa ou uma promessa.
117
106.
Em Amarna se poupa água e luz e sombra e se dá azo aos jogos
de fazer da felicidade coisa simples de riso estando em dia
consigo mesmo e com outros revele o há para ser apoiado ou
restringido
outra vez foi mais ancho do que tu, mas a outros te darás com
a confiança em alta pelo que te resta em cada canto da boca senão
no fundo daquele visto tão cheio de senhas já inválidas. Membros.
107.
o dente dói mais em carne trôpega, brava mente que a enfrente
rumo ao prazer ou somente ao engano pelo prazer, sim, a gente
capitula tantas vezes quantas quer e outras mais muito acima
de lugar nem de força a sua insistência pela vida: seja ela plena
de avatares e espantalhos, mais viável ao riso do que ao osso
ou não. Em Amarna podes prescindir de glossários, ocos e apitos
119
108.
pois Amarna é atípica no sentido de que ali homens e mulheres
assam os próprios retornos como atos naturais de sua condição
natural, e o que dirias tu de visitar Amarna
109.
pelo individual,
110.
A moça parece dizer-nos que não é nulo o que extrai de si para
ater-se a um vago pressentimento azul por cima, condição esta
que talvez não nos saia tão bem quanto nela nos parece bem
*.: ANA PAULA INÁCIO, Vago pressentimento azul por cima. Ilhas, 2000. Portugal
123
111.
Disseram que retornariam, e aí estão ultrapassando cada vez mais
o crível e o incrível estar do homem no já pequeno planeta, sim,
gente sempre atenta, não abstrata (assim uns tantos)
*.: MICHELAGNOLO BUONARROTI, Rime e Lettere, Soneto VIII. G. Barbêra Editore, Firenze,
1940.
124
112.
Atacas o inútil
mas coma e beba
com ele o quanto possas
vê: enerva-te
que saibas a hora
de parar, e ele, o inútil,
também
125
113.
Oficinal,
recobra a indulgência
após soltarem-se
três ou quatro versões
da peça
oficinal,
nunca igual a uma raia
de festejos folclóricos,
dá no entanto
mostras de saber
que é longo o roteiro
da manipulação
e prega
peças, oficia
caos ao entorno, oficinal
126
114.
O roteiro da manipulação é longo e certamente cheio de amigos
e parentes, súditos e sinônimos também algum antônimo: assim é
um roteiro nunca de todo embriagado de si, ou não teria história
115.
Pedra polida
num portal só frêmito
mancha os nervos
da usura o belo
128
116.
Silêncio arado
de onde não
se volta
impune, mente
quem diz que a rua é
cela, punho suxo
ou não, vieses
de estrupício e estropício,
mente quem nada
diz
ao pesado silêncio
da pensada imobilidade
da casa
129
117.
118.
De Amarna soam extremos sem se aferrarem a milagres esparsos
e iconografias como sucedâneos de mãe coragem, e à toda dúvida
desamarrada de sua lei deixa-se um válvula de escape
para que mais do que de outro blefe que a democracia tente pregar
aos novatos, por inexistente em qualquer lugar e tempo humanos,
se saiba logo de que teor é o gole oferecido: Não, isto não se faz
119.
senão apenas isso. A égua de quatro anos papou o páreo, poule 4.
Chegaram notícias da Bulgária: seu ouro está a salvo, enquistado
na boca de suas mulheres o tesouro da Bulgária, cirílico amor.
120.
Na boca das mulheres da Itália está o cilíndrico amor de que se faz
tanta celeuma: tudo nelas reverbera como se só de ouro vivessem
as melhores e as piores mulheres da Itália, diamantinas
121.
e risos. Risco algum visível nas pernas da moça, arquitetura de sais
com verbetes de veneno e sombra para quem mereça. Sinônimos
andam atrás de ti que não te assustas por nada e vives dando
122.
Vasca e vasa. Vaso de terra quando de guerra mais fácil se quebra,
ou não ? Vaso de terra quando na guerra custa mais caro, ou não ?
Vaso de terra se é feito para adornar o entorno da casa
123.
Os primeiros profanadores teriam planos de tal, seriam mesmo
rasa gente, tipos insopitáveis, intoleráveis mesmo ao mais rasteiro
convívio ? Estes pioneiros da trajetória humana se apoiavam
124.
Sou a astúcia da mímese, e de mim não terás mais do que dois
ou três préstimos com os quais possas tu sanar tuas contas
sempre insolvíveis. Entanto, tentamos, mal raia o dia.
tomo a mim o que reciclo de mim e dos outros, outras noções tiro
e ponho na calma das mãos, hediondas são as pessoas todas elas,
sem exceção, mergulham mal quando e se mergulham, marulham
125.
Não tive filhos. Não transmiti a ninguém o legado de minha miséria.
O que contenta e descontenta o Inominável pode estar próximo a ti,
mas a sabedoria aconselha que as ervas em conservas
a que não fui, eu, o demo em pessoa, aquele que debaixo da tua
saia refaz mundos e fundos, grita e esperneia e refaz no corpo todo
toda a trajetória de que só os grandes como nós somos capazes ?
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