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KARL RAHNER Palavras de Inacio de Loyola a um Jesuita de Hoje pram aras COLEGAO IGNATIANA* ORIENTAGAO DA CPJB (CONFERENCIA DOS PROVINCIAIS Rona 10. "1 12. 13. 14, com 16. 17. 18. JESUITAS DO BRASIL) VIDA RELIGIOSA NA COMPANHIA DE JESUS. MENSAGENS A COMPANHIA DE JESUS ORIENTAGOES PARA A COMPANHIA DE JESUS A EXPERIENCIA DE DEUS NA VIDA RELIGIOSA, Pe, ARRUPE, Sw. FOME DE PAO E EVANGELIZACAO, Pe. ARRUPE, S.J. A IGREJA E A ESPERANGA DOS HOMENS, Pe. ARRUPE, S.J. DIRETRIZES PARA A FORMAGAO A OBRA DA ACULTURACAO COMUNIDADE APOSTOLICA DISCERNIMENTO COMUNITARIO © NOSSO MODO DE PROCEDER, Pe, ARRUPE, S.J. COMUNIDADES DE VIDA CRISTA, Pe, ARRUPE, Sw., LOUIS PAULUSSEM, Sw., JOHN REILLY, Sw., JOSE GSELL, SW. PARA CHEGAR AS CVX — PRINCIPIOS E CRESCIMENTO, Po, JUAN MIGUEL LETURIA, S.J. INSPIRAGAO TRINITARIA DO CARISMA INACIANO, Pe, ARRUPE, S.J. COLABORACAO FRATERNA NA OBRA DA EVANGELIZA- CAO, Pe, ARRUPE, S.J. NOSSOS COLEGIOS: HOJE E AMANHA, Pe. ARRUPE, S.J. ANALISE MARXISTA ARRAIGADOS E FIRMADOS NA CARIDADE PALAVRAS DE INACIO DE LOYOLA A UM JESUITA DE HOJE, KARL RAHNER LIVROS RECOMENDADOS SOBRE A ESPIRITUALIDADE INACIANA Santo Inacio de Loyoia Constituigées da Companhia de Jesus Lisboa 1975 Exercicios Espirituais Agir 1968 — S80 Leopoldo 1967 Autobiogratia Edigdes Loyola 1975 Edigdes Loyola 1977 J. C. Dhotel, S.J. Quem és, Inacio de Loyola? Edigdes Loyola 1974 Equipe de Itaici Os Jesuitas Pe. Arrupe e outros Os Jesuitas: Para onde Caminham? Gilles Cussom, S.J, Conduzi-me pelo Caminho da Eternidade Edicdes Loyola 1976 J. R. F. Cigofia, S.J. Oragdo e Libertagao Edigdes Loyola 1977 Ricardo Antoncich A Espiritualidade Libertadora dos Exer Edigdes Loyola 1980 Haroldo J. Rahm Santo Inacio de Loyola, Um Leigo de Oracao Edigdes Loyola 1981 jos de Santo Inacio KARL RAHNER Palavras de Inacio de Loyola a um Jesuita de Hoje PROLOGO EXPERIGNCIA IMEDIATA DE DEUS INICIACAO A EXPERTENCIA PROPRIA | ESPIRITUALIDADE INACIANA INSTITUIGAO RELIGIOSA E EXPERIGNCIA INTERIOR A PREFERENCIA DE DEUS PELO MUNDO . PARTICIPAGAO NA DESCIDA DE DEUS AO MUNDO JESUS SEGUIMENTO DE JESUS . SERVIR A PARTIR DA FALTA DE PODER SEGUIMENTO LOGRADO E SEGUIMENTO MALOGRADO ECLESIALIDADE OBEDIENCIA JESUITICA A CIENCIA DENTRO DA ORDEM POSSIBILIDADES DE TRANSFORMACAO DA ORDEM? ... PERSPECTIVAS PARA O FUTURO 10 un “4 16 18 a 4 26 29 34 37 39 43 PROLOGO A idéia de publicar um livro sobre Inécio de Loyola é digna de todo elogio, porque Indclo 6 uma das grandes figuras da Igre- ja e a influéneia de sua obra continua tendo grande importan- cla em nossos dias, A Bditora Herder procurou um redator pa- ra a apresentagio literdria desta obra. No ambito da lingua ale- m, os mais indicados para esta tarefa teriam sido dois homens que ja haviam dado provas mais que suficientes de seu extraor- dindrio conhecimento de Indcio de Loyola: meu irmio Hugo Reh- ner e meu amigo Burkhart Schnelder. Ambos, porém, tinham falecido: meu trmv, em 1968, © meu amigo, em 1970. Deste mo- do, recaiu sobre mim o encargo de redigir 0 texto introdutério. Pela amizade que me unia a ambos, néo quis recusar tal oferta, embora eu nfo seja historiador e, menos ainda, especialista na historia da Ordem Jesuitica e de seu Fundador. A propésito deste texto introdutério, tenho que fazer algu- mas observacées. Eu era de opinido de que tinha que dizer al- guma coisa acerca do que Indcio ainda pode significar em nos- sos dias, Naturalmente, 0 que eu diga ou faa Indclo dizer nio constitui uma opiniéo autorizada, nem um programa oficial da Ordem para nosso tempo, mas tinica e exclusivamente minha opi- — 5 nigo particular ¢ subjetiva, exposta aliés com plena consciéncia de ter feito uma selecio subjetiva e de nao ter dito tudo que ‘se poderia dizer ou que pessoalmente gostaria de expor. Quan- do fizer Inécio falar pessoalmente, o leitor nfo deveria querer submeter as palavras de Indcio a nenhum tipo de normas lite. rdrias; ¢ também nfio deverd pretender encontrar nas entrelinhas © que poderiam ser confissdes subjetivas de minha parte, Meu trabalho consistiu exclusivamente em expor minha opiniéo so- bre 0 que Indcio pode significar no momento atual. Dado o re- duzido mimero de paginas de que dispunha, nio podia comecar por uma apresentacéo a mais objetiva possfvel de Indcio, sua doutrina e seu exemplo, dentro de seu contexto histérico, para om seguida procurar “traduzilo” para nossa época. Tive que apresentar diretamente a “tradugdo” de Indcio, na esperanga de que resulte pelo menos aceitdvel e pareca digna de crédito, jus- tamente porque uma “traduc&o” deste tipo basela-se sempre, co- ‘mo 6 l6gico, em um critério de escolha proprio da época do “tra- qutor” e por isto podem ser omitidas simplesmente muitas coi sas sobre as quais um historiador propriamente dito deveria in- formar. Este 6 0 motivo pelo qual ful levado a pensar que o mais simples era deixar falar ao préprio Indcio; e foi exatamen- te 0 que fiz. Que 0 leitor procure compreendé-lo e no tente des- cobrir outros mistérios por detras desta forma literdria. ‘Munich, fevereiro de 1978 Karl Rahner, 8. J. Eu, Indcio de Loyola, pretendo, nostas linhas, dizer algo acer- ca de minha vida e da missio dos jesuitas de hoje, na suposi- do de que ainda hoje continuem sentindo-se comprometidos com aquele espirito que estimulou, em mim e em meus primeiros companheiros, o comeco desta Ordem. Nao vou narrar minha vida no estilo de uma biografia historica, J4 vos deixel um re- lato que todos conheceis, no qual exponho como encarava minha vida no final de meus dias, Além disto, em todos estes séculos, escreveram-se suficientes livros sobre mim, cada qual melhor que © outro. Daqui do bemaventurado siléncio de Deus, tentarel di- zer alguma coisa a meu respeito, embora resulte quase impos- sivel e ainda que 0 que se diga, de onde eu estou, tenha que transformarse novamente de eternidade em tempo, e a despeito do que 0 tempo, por sua vez, continue sendo envolvido pelo eter- no mistério de Deus, Nao te apresses, porém, a afirmar, num exoesso de simploriedade, que 0 que cu disser, seré transforma- do de algo meu em algo teu, porque, para que possa ser ouvido, de- veria chegar & tua cabeca e, talvex, também a teu coracdo, de mo- do que dependera de todas as possiveis peculiaridades de ouvin- te e de sua eventual situacdo. Como tedlogo, deverias saber que © escutar néo suprime necesséria e totalmente dizer. Se poes por escrito 0 que tiveres ouvido a teu modo, talvez deixarias de escrever alguma coisa do que cu queria dizer. Por outro lado, se o que eu disser fosse uma repeticéo de minhas palavras na autobiografia, nos Exericios, nas ConstituigSes de minha Ordem —T— ‘ou nos milhares de cartas que escrevi com a ajuda de meu se cretério Polanco; se se pudesse entender trangiiilamente como parte da sisuda sabedoria de um santo, entao eu teria estado fa- lando mergulhado de cheio em minha época, nfo na tua. EXPERIENCIA IMEDIATA DE DEUS J sabes que, como entéo me expressava, meu desejo era “ajudar as almas", isto 6, comunicar aos homens alguma coisa acerca de Deus e de sua graca, de Jesus Cristo crucificado e res- suscitado, que oS fizesse recuperar sua liberdade integrandoa den- tro da liberdade de Deus. Eu desejava exprimilo tal como sem: pre se havia ensinado na Igreja e cria realmente (e era uma crenga certa) que coisas tfo antigas eu podia expressé-las de uma nova maneira, Por qué? Porque estava convencido de que, pri- meiro de modo inciplente durante minha enfermidade em Loyola € a seguir de maneira decisiva durante os dias de minha solidio em Manresa, me havia encontrado diretamente com Deus e de- via participar aos outros, na medida do possivel, tal experiéneia. Quando afirmo que tive uma experiéncia imediata de Deus, no sinto a necessidade de apoiar esta afirmagio em uma disser- tagdo teoldgica sobre a esséneia de tal experiencia, como tam- Pouco pretendo falar de todos os fendmenos que a acompanham, 05 quais, evidentemente, apresentam também suas prdprias pe- culiaridades historias ¢ individuais; nfo falo, portanto, das vi 86e8, simbolos e audig6es figurativas, nem do dom das ldgrimas ou coisas semelhantes, A tinica coisa que digo é que experimen: tei a Dous, ao indizivel © insondével, ao silencioso ¢ contudo pr6. ximo, na tridimensionalidade de sua doacio a mim. Experimen- tei a Deus, também e sobretudo, muito além de toda imaginagso pldstica. A Wle, que, quando por sua propria iniciativa se apro. xima pela graca, nfo pode ser confundido com nenhuma outra coisa, * Daqui, do bem-aventurado siléncio. Semelhante conviegio pode parecer algo muito ingénuo para vossas devotas consideracdes, que funcionam com palavras as mais elevadas possiveis; porém no fundo trata-se de algo tremen- do, tanto se considerado a partir de mim mesmo, que tornei a =j=— experimentar de modo totalmente novo a incompreensibilidade de Deus, como se considerado partindo da impiedade de vossa época, na qual essa mesma impiedade, a unica coisa que sabe fa- ver afinal de contas, ¢ suprimir aqueles idolos que a época pre- cedente, de um modo ao mesmo tempo ingénuo e terrivel, havia equiparado com o Deus inefivel. Uma impiedade que (porque nfo dizé-lo?) penetra inclusive na mesma Igreja, uma vex que es- ta, afinal, para ser fiel ao Crucificado, hd de constituir 0 acon- tecimento capaz de derribar os deuses através de sua propria his. teria, Em verdade, por acaso néo vos hé surpreendido que em mi- nha autobiografia eu tenha chegado a afitmar que minha expe- rigneia mistica me proporcionou tal seguranga na {6 que esta te- ria permanecido inaltervel ainda que as Escrituras Sagradas no existissem? Nao teria sido entéio muito facil acusarme de mis- ticismo subjetivista e de falta de sentido eclesial? De fato, a mim nfo me surpreendeu demasiado que, tanto em Alcald como em Salamanca e em outros lugares, me considerassem um “ilumina- do”. Eu havia encontrado realmente a Deus, ao Deus vivo e ver: dadeiro, 20 Deus que merece este nome superior a qualquer ou tro nome. Que se chame a esta experiéncia de mistica ou se the dé qualquer outro nome, é, no momento, irrelevante; vossos tedlogos podem especular quanto quiserem sobre a possibilidade de se explicar com conceitos humanos um fato desta natureza. Mais adiante tentarei expor qual a causa por que semelhante ex periénela de conhecimento imediato nfo tem por que suprimir a relagéo com Jesus nem a conseqiiente relagdo com a Igreja, Por agora, porém, repito que me encontrei com Deus; que ex perimentei o proprio Deus. Ja entio eu era capaz de distinguir entre Deus, enquanto tal, e as palavras, imagens e experiéncias limitadas @ concretas quo de algum modo levam a Deus. Natu: ralmente esta minha experiéncia teve também sua prépria histé- ria: uma historia que teve um comeco modesto e quase insig- nificante; entio falei e escrevi sobre isto em um tom que agora, naturalmente, a mim mesmo me parece comovedoramente infan. tile que 86 permite ver o que aconteceu de um modo indirelo © distante, O certo é, porém, que a partir de Manresa, comecei a oxperimentar a inefével incompreensibilidade de Deus, de ma- —9— neira cada ves mais intensa e mais pura (como jé entio formu: lou meu amigo Nadal, com seu estilo bastante mais filos6tico). Deus mesmo; era Deuis mesmo que eu experimentei; nfo pa- lavras humanas sobre Ele. Deus e a surpreendente liberdade que © caracteriza e que somente se pode experimentar em virtude de Sua iniciativa, e nfo como o ponto em que se cruzam as reali- dades finitas € os célculos que se podem fazer a partir delas. Deus mesmo, embora o “face a face” de que agora desfruto seja to- talmente diferente (e, contudo, idéntico) e néo tenho nenhuma razio para dar um curso de teologia sobre esta diferenca. O que digo 6 que assim aconteceu; e me atreverla inclusive a acrescen- tar que se deixdsseis que vosso ceticismo a respeito deste tipo de afirmagées (ceticismo ameacado por um sorratelro ateismo) chegasse a suas wltimas conseqtiénolas e desaguasse nfo apenas em uma teoria habilmente formulada, mas também na amargura de viver, entio poderiels fazer esta mesma experiéncia. Porque 6 precisamente no momento em que se produz um acontecimento no qual (juntamente com a sobrevivéncia biol6gica) se chega a experimentar a morte como alguma coisa de radical, seja como uma esperanca autolegitimadora, seja como a desesperagéio abso: luta; e 6 neste mesmo instante que Deus se oferece a si mesmo. (¥ao é de se estranhar que eu mesmo estivesse a ponto de th rarme a vida em Manresa.) E ainda que esta experiéncia cons. titua uma graca, isto nfo significa que, em principio, soja nega- da a ninguém. Precisamente disto ¢ que estava eu convencido, INIGIAGAO A EXPERIENCIA PROPRIA A partir da experiencia de Manresa e durante u resto de mi nha vida, até & solidio de minha morte no mais absoluto isola. mento, nunca considerei que a graca fosse um privilégio especial que se concede a uma “elite”, Por isto dei os Exercicios a quan tos acharem aceitavel meu oferecimento de ajuda espiritual. In clusive dei os Exercfeios antes de haver estudado vossa teologia © de haver conseguido, com bastante esforgo (que agora quase me faz rir), 0 grau de Mestre pela Universidade de Paris; e até mesmo antes de receber os poderes eclesiais e sacramentais por melo da ordenac&o sacerdotal. E por que nfo? Afinal de con- tas 0 Diretor de Exercicios (como o chamarfeis mais tarde) nio ‘transmite oficialmente, em virtude da natureza mesma nos ditos = 0 Exerefcios, e apesar de seu cardter eclesial, a palavra da Igreja enquanto tal, senéo que unicamente com toda circunspeccéo se limita a oferecer (se pode) uma pequena ajuda, com a finali- dade de que Deus e o homem possam encontrarse de um modo direto. Os primetros companheiros que tive néo estavam todos igualmente dotados para isto e, antes de meu periodo parisien- se, verifiquei como se afastavam de mim todos aqueles a quem pretendia ganhar para meus planos por melo dos Exercicios. Vol- tamos ao mesmo ponto. assim to evidente, tanto para 0 es- pfrito eclesial de minha época, como para o ateismo de vosso tempo, que exista ou possa existir alguma coisa assim, de tal modo que nem a época antiga o repelisse como subjetivismo nao eclesial, nem vosso tempo o condenasse como ilusio ou ideo- logia? Em Paris acrescentei aos meus Exercicios as “Regras para sen- tir com a Igreja”; superei além disto com éxito todos os pro- cessos eolesidsticos que abriram contra mim repetidas vezes e submeti & aprovacio direta do Papa meu trabalho e o de meus companheitos. Sobre isto falarei mais adiante. Uma coisa po- rém permanece de pé: que Deus pode e quer tratar de modo direto com sua criatura; que 0 ser humano pode realmente ex. verimentar como tal coisa sucede; que pode captar 0 soberano desfgnio da lberdade de Deus sobre sua vida, 0 que jé nio é algo que se possa calcular, mediante um oportuno e estruturado yaciocinio, como uma exigéncia da racionalidade humana (nem filosética, nem teolégica nem “existencialmente”). ESPIRITUALIDADE INACIANA Esta conviceaio, tio simples e a0 mesmo tempo téo prodigio- sa, pareceme que constitu (juntamente com outras coisas que mais adiante referirel) 0 micleo do que v6s outros chamais mi- nha espiritualidade, Considerado desde 0 ponto de vista da his- toria da espiritualidade da Igreja, tratase de algo novo ou de algo velho? # algo dbvio, ou parece surpreendente? Constitui Por acaso o comeco da “idade modema” da Igreja e tem talvex mais relacéo com as experiéneias de Lutero e Descartes do que © que v6s, jesuitas, quisestes admitir ao longo dos séculos? Tra. tase de alguma coisa que se deve relegar a um segundo plano im — na Igreja de hoje e de amanhé, devido a que o homem jé quase nio suporia a silenclosa solidao diante de Deus e procura refw giarse em uma espécie de coletividade eclesial, quando, na rea lidade tal coletividade tem que edifiearse sobre a base de homens espirituais que tenham tido um encontro diteto com Deus, ¢ nao sobre a base de homens que, afinal de contas, ulilizam a Igreja para evitar de ter que haverse com Deus ¢ sua livre inoompre ensibilidade? Estas perguntas, amigo, deixaram de ter sentido para mim e, por conseguinte, nfio tenho que dardhes resposia; eu nfo sou, aqui e agora, nenhum profeta da histérla futura da Igreja; vés outros, sim, deveis proporvos esta questio e tendes que darlhe uma resposta que implique ao mesmo tempo uma grande claresa teoldgica e uma decisdo histérica. ‘Uma coisa, contudo, continua sendo certa: que o ser humano pode experimentar pessoalmente a Deus. E vossa pastoral deve- ria, sempre e em qualquer circunstancia, ter presente esta meta inexordvel. Se encheis os depésitos da consciéncia dos homens unicamente com yossa teologia erudita e modernizante, de tal modo que, no fim das contas no consiga senio provocar uma es pantosa torrente de palavras; se no fizésseis mais que adestrar os homens em um eclesialismo que os transforme em stiditos in condicionais do “establishment” eclesial; se na Igreja nfo preten- désseis mais que reduzir 0s sores humanos ao papel de stiditos obedientes de um Deus distante, representado por uma autorida- de eclesidstica; se nfio ajudsseis os homens, acima de tudo isto, a libertarse definitivamente de todas as segurancas tangivels e de todos os seus conhecimentos particulares, para abandonarse confiadamente aquela incompreensibilidade que carece de cami nhos prefixados de antemfo; se nao os ajuddsseis a tornar rea- lidade isto nos momentos definitivos e terriveis de “impasse” que se apresentam na vida e nos inefveis instantes do amor e do gozo e, por ultimo, de um modo radical e definitive, na morte (em solidariedade com Jesus agonizante e abandonado de Deus), enti, apesar de vossa pretendida pastoral e de vossa acao mis- sionéria, terfeis esquecido ou atraicoade minha “espiritualidade”. E como todos os homens sio pecadores e miopes, por isto mesmo, penso eu, vés outros, jesuftas, caistes muitas vezes nes- te esquecimento e nesta traigéo, ao longo de vossa historia. Em nfo poucas ocasides defendestes a Igreja como se esta fosse a = y= meta, definitiva: como se a Igreja, quando é fiel & sua propria esséncia, ndo fosse, afinal de contas, o lugar no qual o homem se entrega silenciosamente a Deus, sem preocuparse ja do que Este queira fazer com, ole, porque Deus & precisamente o misté- rio incompreensivel, e somente assim pode ser nossa meta € nos- sa felicldade. Deveria dizer-vos agora expressamente a vis, ateus de hoje seeretos © reprimidos, de que maneira pode o homem encontrar- -se diretamente com Deus, até chegar, nesta experiéncia, ao pon- to em que Deus se torna acessivel em qualquer momento (nio somente em ocasides especiais de cardter “mistico”) e todas as coisas, sem necessidade de desvirtuarse, O fazem transparente. Para falar verdade, deveria tratar das circunstancias que sio es- pecialmente mais adequadas para tal experiéncia, clrcunstdncias que em vossa época nao tém por que serem sempre as mesmas que procurei estabelecer nas “AnotagSes” de meus Exercicios, em- bora também estou convencido de que os Exercicios, tomados quase 20 pé da letra, poderiam ser ainda mais eficazes do que algumas “adaptagbes” que, aqui e acold, estao hoje em moda en- tre vés, Deveria deixar bem claro que provocar uma experién- cia divina deste tipo nfo consiste propriamente em expor dou- trina sobre algo anteriormente inexistente no ser humano, mas consiste em tomar consciéncia mais explicitamente e em aceitar livremente um elemento constitutive e prdprio do homem, geral- mente soterrado e reprimido, que ¢, porém, ineludivel e recebe o nome de graca e no qual Deus mesmo se faz presente de modo imediato. Quicé deveria dizer-vos (ainda que possa parecer cémico) que nio tendes motivo para correr como sedentos desesperados atrés das fontes orientais da autoconcentragio, como se j4 nio houves- se entre v6s fontes de dgua viva; ainda que também nio tendes direito de afirmar altaneiramente que daquelas fontes somente pode manar uma profunda sabedoria humana, nfo porém a au- téntica graca de Deus. No momento, contudo, nio posso conti- nuar falando destes assuntos, Vés mesmos devereis refletir so- bre eles, devereis continuar buscando e experimentando, O ver dadeiro prego que se tem que pagar pela experiéncia & qual me refiro € 0 prego do coracéo que se entrega com fé e esperanca ao amor do préximo. —13— INSTITUIGAO RELIGIOSA E EXPERIENCIA INTERIOR Gostaria de esclarecer, por melo de uma imagem, o que disse até agora. Imaginemos 0 coragéo como um terreno de cultura, Deverd estar eternamente condenado a esterilidade, convertido em um deserto em que habitem os demOnios, ou ha de ser um ter- reno fértil que dé frutos de etemnidade? Pode alguém ter a im pressio de que a Igreja estabelece enormes e complicados sis- temas de regadura, com a finalidade de irrigar e fertilizar o ter- reno deste coragio mediante sua palavra, seus sacramentos, suas estruturas e todas as suas priticas. Ora muito bem; todos estes sistemas de regadura, se assim me € permitido falar, so cer tamente bons ¢ necessérios (ainda que a Igreja mesma confes- Sa que mesmo sonde nfo chegam seus “sistemas de regadura” ossa haver coracdes que produzam frutos de eternidade). Na- turalmente esta imagem é equfvoca, porque a acéo da Tgreja atra- vés do Evangelho ¢ dos sacramentos implica, evidentemente, uma série de aspectos, motivos e evidéncias que ndo se refletem nesta imagem. Mas continuemos com ela, porque exprime perfeitamen. te 0 que quero dizer. ¥ 0 seguinte: junto a estas aguas, em cer- to modo provindas e canalizadas desde fora, destinadas a ala- gar o terreno da alma (falando sem metéforas: junto aos ensina- mentos religiosos, por cima das proposicdes acerca de Deus e seus mandamentos, para além de tudo aquilo que unicamente faz alu séo a Deus, enquanto distinto d’Ele e isto inclui a Tgreja, a Es. critura, os sacramentos etc.), existe no contro deste mesmo ter- reno uma espécie de precipfcio, em cujo fundo hé um manancial do qual jorram as aguas vivas do Espfrito que saltam para a vida eterna, como explicitamente consta no Evangelho de Joo. Co- mo jé disse, esta imagem equfvoca; na realidade, nao ha opo- sico radical alguma entre este manancial proprio de cada um € 0 “sistema de regadura” exterior. Evidentemente ambas as realidades se condicionam mutua- mente, Toda invocagio que se faca desde fora em nome de Deus (e aqui estamos diante de outra imagem), pretende unicamente evidenciar a auto-afirmagio do mesmo Deus e esta, por sua vez, necessita que aquela invocacéo se revista de alguma forma ter- rena, sobretudo se levamos em conta que esta pode ser muito mais variada e humilde do que antes estavam dispostos a admi- tir vossos tedlogos e que uma invocagio exterior deste tipo na === medida em que pode constituir uma chamada & responsabilidade, ao amor e 2 fidelidade, ou uma aposta desinteressada em favor da liberdade e da justiga social, pode soar de um modo muito mais mundano do que vossos tedlogos gostariam de escutar. ‘Tenho, porém, de voltar a insistir obstinadamente em que tais ensinamentos doutrindrios e imperatives externos, tais canaliza- gdes exteriores da graca, somente serdo titeis, em ultima andlise, Se se encontram em algum ponto com esta graca vltima que pro- cede do interior. Nisto consistiu minha verdadeira experiéncia a partir dos primetros exereicios que fiz pessoalmente em Manresa, nos quais se abriram meus olhos do espirito e me fol dado con- templar tudo isto em Deus mesmo. Esta foi também a experién- cla que procurei comunfcar a outros nos Exercfcios que dei. Pareceme evidente que ajudar deste modo a produzir 0 en- contro com Deus (ou talvez se devesse dizer: ajudar 0 homem a experimentar que sempre esteve © continua estando em contac: to com Deus?) € hoje mais importante que nunca, porque, do contrario, correr-seé o risco insuperivel de que toda doutrinacio teol6gica e todos os imperativos morais externos submerjam nes- ta calma Ietal que o ateismo contempordneo espalha em torno de cada individuo, sem que este se aperceba de que esta terrivel calma esté, por sua vez, falando de Deus. Volto a repetir pela enésima vez: eu j4 nfo posso dar Exercicios, e, por conseguinte, minha afirmagio de que se pode encontrar diretamente a Deus, continua sendo, naturalmente, uma afirmacéo por demonstrar, Agora entenderds porque digo que para. vés outros, jesuitas, a principal tarefa, em volta da qual devem girar todas as demais, hé do ser a de dar Bxercicios. Com isto, naturalmente, nio me refiro, em absoluto, a estes cursos organizados de um modo ofi- cial que se dio a muitos de uma vez, mas a uma ajuda de ini- ciagio destinada a que os demais nfo rechacem a proximidade imediata de Deus, mas a experimentem e a assumam claramente. Isto no quer dizer que todos e cada um de vés possais e devais dar Exerefcios desta maneira; 6 preciso que nem todos pensem que podem fazélo, ‘Também nfo se trata de infravalorizar as restantes atividades de tipo pastoral, clentifico ou sociopolitico que achais que deveis realizar no transcurso de vossa histéria, —15— Todas estas coisas, porém, deverfeis considerd-las como pre- arago ou como conseqiiéneia da tarefa que no futuro deve con- tinuar sendo fundamental para vés: ajudar a produir esta expe- niéneia direta de Deus, na qual se revela ao ser humano que esse mistério incompreens{vel que chamamos Deus ¢ algo muito prd- ximo, que se pode falar com Ele e nos salva por si mesmo pre- cisamente quando néo procuramos subordiné-lo a nds, mas a Ele nos entregamos incondicionalmente. Deverieis examinar constan- temente se toda vossa atividade serve a esta finalidade. Se assim for, entio pode perfeitamente cada um de vés ser bidlogo e de dicarse a investigar a vida animica das baratas. A PREFERENCIA DE DEUS PELO MUNDO Quando digo que para © homem de vosso tempo, como para © do meu, é possivel um encontro direto com Deus, estou refe- rindome efetivamente a Deus, ao Deus da incompreensibilidade, ao mistério inefavel, a treva que somente se converte em luz eter- na para quem se deixa absorver incondicionalmente por ela, a0 ‘Deus que néo tem nenhum outro nome. Ora muito bem: é pre cisamente este Deus, e nao outro, que eu experimentei como o Deus que desce até nds, que se aproxima de nds, e em cujo fogo inconcebivel néo nos consumimos, mas adquirimos pela primeira vez 0 ser e a condicao de eternidade. O Deus inefavel se revela a nds; e nesta afirmagéo de sua inefabilidade chegamos & exis: téncla, vivemos, somos amados e alcancamos validade eterna; se nos deixamos arrebatar por Ele, nfo somos aniquilados n’Ele e sim nos realizamos propriamente pela primeira vez, A crlatura insignificante se torna infinilumente importante, indizivelmente grande e bela, a0 receber de Deus 0 dom de Si mesmo. Enguanto, privados de Deus, andariamos errantes pelo espa. ¢o de nossa lberdade e de nossas decisdes em uma eterna inse- guranca e enfim num tédio sem esperanga, jé que qualquer objeto de escolha seria, afinal de contas, uma coisa finita e sempre subs tituivel por outra e, por conseguinte, indiferente, eu tive a expe riéncia de que, no espaco desta minha liberdade e de suas pos- sibilidades 0 Deus infinitamente livre se assenhoreava, com espe- clal amor, de uma de minhas possibilidades e de outra; e aquela € nao esta, deixava transparecer a Deus, sem desfiguré-lo e sim 16 — tornando possivel amar a Deus nela e amé-la em Deus, manifes- tando-se deste modo como “a vontade de Deus”. Quando, entre pressentimentos e tentativas, me encontrava na necessidade de escolher livremente entre as diversas possibi- lidades que me oferecia esta mesma liberdade, sentia que uma de- terminada possibilidade se adaptava ao mesmo Deus com a diafa- nidade da plena liberdade e se tornava transparente a Ele, ¢ isto néo sucedia com qualquer outra possibilidade, ainda que todas elas, cada uma A sua maneira, procedem dEle. Mais ou menos deste modo (6 dificil explicd-lo com clareza) ful aprendendo, in- clusive no terreno do que € objetivo ¢ racionalmente possivel © do que é permitido em nivel sdcio-eclesial, a discernir entre aque- las coisas nas quais a incompreensibilidade do Deus sem mites procurava tornar-se acessivel através do que é limitado e aquelas outras que, apesar de ser empiricamente experimentavels ¢ ter sentido por st mesmas, continuavam sendo de certo modo obs- curas e no deixavam transparecer a Deus. Seria uma verdadeira in- sensatez pretender simplesmente que tudo que é real tenha que ser igualmente transparente para todo ser humano pelo simples fato de ser real ¢, por conseguinte, proceder de Deus; porque neste caso, qualquer decisio da liberdade, mesmo sendo inevitavel, se- ria indiferente. Esta experiéncia da “encarnagio” de Deus em sua criatura, om virtude da qual esta criatura ndo perde sua identidade dian- te de Deus, por muito que d’Hle se aproxime, mas ao contrario, adquire consisténcta, ndo ficou ainda plenamente explicitada, ape- sar de tudo que acabo de dizer. Por incompreensivel que possa parecer, existe, da parte de quem chegou a um contacto tao di- reto com Deus, uma espécie de cooperacdo nesta descida de Deus em diregéo 20 que é finito, 0 qual se vai tornando deste modo progressivamente bom. © Deus inefavel e incompreensivel, 0 Deus que nio pode sujeitarse a nenhum tipo de manipulagio nem de ciilculo, nfo pode por isto desaparecer da vista do homem oran- te e atuante. Deus néo pode ser como um sol, que nos permite ver tudo sem deixar que o olhemos diretamente. Deus continua 36 sendo algo imediato ©, quase me atreveria a dizer, tem que manter todas as outras coisas, com uma clareza inexordvel, na finitude e relatividade delas. —W— ‘Mas justamente isto que 0 amor de Deus, que se oferece a Si mesmo, antepGe a qualquer outra coisa, aparece sob esta luz im- placével como aquilo que Ele quer e prefere, como aquilo que, entre outras muitas possibilidades quo permanecem em seu nada, foi escolhido © destinado a ser. esta preferéncia divina por uma determinada criatura finita é compartilhada pelo ser uma- no que se situa dentro dos limites imprecisos da luz de Deus; € permitido ao homem e ele pode realmente levar a sério essa rea. lidade finita que, por si mesma, é amével, bela, definitiva e eter namente valida porque Deus mesmo pode realizar, e de fato res- iza, 0 inconcebivel milagre de seu amor a0 obsequiar o homem com a doacéo de Si mesmo. Ao participar dessa preferéncia de Deus que O faz descer a0 finito, sem que por isto Deus se diminua ou a realidade finita seja aniquilada, o ser humano j nfo pode continuar sendo aque- Ja eriatura cujo tormento mais intimo e, ao mesmo tempo, cujo Prazer mais secreto consiste em desmascarar o cardter relativo @ insignificante de todas e cada uma das coisas; nem pode tam- Pouco continuar sendo aquela criatura que, ou idolatra uma de- terminada realidade finita, ou acaba por aniquil4la, Esta expe. niéneia de particlpar da preferéncia de Deus por algo que nfo é Deus e que, sem embargo, em virtude de tal preferéncia e apesar de permanecer distinto de Deus, jé néo pode dBle se separar, esta experiéncia, digo, se tem sempre que se toma consciéncia de como uma coisa, ao contrario de outra, é querida por Deus, co- mo 4 indiquel. Como porém esse objeto da preferéncia de Deus 6 concretamente prdximo e nfo uma coisa, a participagio na preferéncia de Deus consistiré no auténtico amor ao préximo, do qual falaremos pormenorizadamente mais adiante. O amor a Deus; que parece ter deixado de lado o mundo, é amor ao mun: do, 6 amar 0 mundo juntamente com Deus ¢, deste modo dar- ‘Ihe oportunidade de se abrir para a eternidade. PARTICIPAGAO NA DESCIDA DE DEUS AO MUNDO Naturalmente tudo isto nfo sfio mais que palavras acerca de uma experiéneia; nio podem, porém, tais palavras, tomar o lugar da experiéncia, A experiéneia desta participagéo tem que ser fei- ta na propria vida, Tampouco neste caso, como em tantos ou- — 18 — tros, pode 0 todo comporse de partes previamente separadas; dove darse como totalidade e somente assim apresentarse em sua unidade e multiplicidade e inserirse, de um modo cada vez mais incondicional na liberdade dos homens: o prdximo tem que ser amado de uma maneira cada vez mais altruistica auténtice, na claridade imediata da vida didria; Deus teré que manifestar- -se cada vez mais claramente em suia natureza absoluta; 0 amor fa Deus e 0 amor ao préximo tem que se oferecer cada vez mais cristalinamente & liberdade do homem em sua indissolivel uni dade ¢ em sua qualidade de condicionamentos miituos. Como, por outro lado, ao ser humano que sempre anda em ‘busca da diversidade do mundo, 0 amor ao préximo se apresen- ta, em um primeiro momento, como a coisa mais natural, ainda que, a0 mesmo tempo, correndo o risco de afundarse na mais desesperante decepelo, por causa da vaidade do que ama ou do ser amado, provavelmente hoje, como sempre, deverseia come- car decididamente a fazer 0 que nfo € tio evidente, a buscar & mesmissimo Deus em Sua presenca imediata, a fazer os Exer- ofcios neste sentido (0 que, em principio, nada tem a ver com casas de Exerofcios, cursilhos organizados oficlalmente, prolixas woutrinagdes teoldgicas etc.). Em todo caso, 0 amor a Deus (a Deus e nfo a uma teoria humana sobre Ele!) constitui o funda- mento ultimo de um amor ao préximo capaz de ser incondicio- nal ¢ de conservarsse realmente livre. Uma meditagéio erista que constitua uma experiéncia da pre- senga imediata de Deus faz com que o mundo nfo naufrague nem desapareca. Vés mesmos deveis comprovar se sucede a mesma coisa através desses métodos orientais de meditagio que exer- cem tanto fascinio sobre vés hoje em dia, como se no cristianis- ‘mo auténtico nada se encontrasse semelhante (é claro que se en- contra). Se isto acontece, enti nada tenho a opor a vossas con- quistas orientais, uma vez que também af estaré atuando Deus, que derrama seu espirito sobre toda carne; mas se isto nfo acon- tece, entdo, tende culdado. Em qualquer hipétese, nio deveis cair hoje na tentagdo de crer que esta silenciosa e indefinida incompreensibilidade que cha- mamos Deus, nfo tenha, para ser ela mesma, nem a possibilidade nem 0 direito de voltar-se para vs em virtude de seu livre amor, = 19 = de adiantarse a vés, de fazer que em vosso interior, no qual Ele esta presente, possais chamat de Tu Aquele cujo nome é um mis- tério, Este € um milagre maravilhoso que destrdi toda vossa me- tafisica e cuja possibilidade somente se entrevé quando alguém se arrisca a enfrentar a realidade; um milagre que é parte integrante da inefabilidade de Deus, que ficaria reduzida a pura formalidade submetida novamente a vossa metafisica, no caso de n&o experi menté-la em sua qualidade de preferéncia por nés. Devels evitar hoje em dia de pensar que esse “TU” seja unicamente 0 que pre- cede & imersio na silenciosa incompreensibilidade de Deus; antes, 6 sua conseqtiéneia, floresce como a culminag&o de nosso confian. te abandono & preferéncia que Deus tem por nés; faz que Deus seja maior do que nés julgamos, contanto que nos consideremos a nds mesmos como seres absolutamente dependentes ¢ insignificantes. JESUS ‘Mas agora tenho que falar de Jesus. Porventura o que eu disse até agora significa que me tenha esquecido de Jesus e de Seu ben: dito Nome? Claro que nao: dEle nao me esqueci. [stava intima: mente presente em tudo que disse, embora ja saiba que entre vés as palavras tenham que seguir corta ordem e nfo se possa dizer tudo de uma vez. Empreguei a palavra “Jesus”, Em vossa “hist6ria da espiritualidade” certamente direis que a devocéo a Jesus que ten- to inculear nos Exercicios nfo 6 mais que a continuagéo e 0 eco da devocio a Jesus que, desde Bernardo de Claraval, passando por Francisco de Assis, fol praticada durante toda a Idade Média e que o méximo que fiz foi retocéla com umas quantas idéias derivadas do feudalismo medieval, que ja entio iniciava seu oca- so na esfera profana, Admito de bom grado que possais descobrir em mim mut- tos indicios deste “jesuismo” medieval, Hoje posso perfeita- mente dispensar-vos de subir ao Monte das Oliveiras a fim de examinar pessoalmento as marcas que 0 Senhor teria ali deixado impressas quando subiu aos céus, Porém porque haveria de afli- girme o fato de me negarem toda originalidade neste particular? Por acaso este “jesuismo” medieval esta to ultrapassado, ou en- cerra uma mensagem que no seja ainda hoje perfeitamente com- preensivel? Porventura nfio esté inclufda nele a promessa de — 20 — realizagio daquilo que pretende vosso moderno “jesuismo” gundo o qual pensais que somente podereis encontrar 0 homem se anunciais, ingénua e pretenciosamente, a morte de Deus, em lugar de perceberdes que 6 precisamente neste homem, enquanto tal, que Deus mesmo se manifestou e se prometeu? Em meu tempo, encontrar Deus em Jesus e Jesus em Deus nfo me trouxe nenhum problema (a nfo ser o do amor e do au. tentico seguimento). Unicamente em Jesus encontrei Deus. Em Jesus, que era alguém tio sumamente conereto, que somente o amor, e néo a razao dissecadora, pode dizer-nos em que hé de con- sistir sua imitagdo, depois que se resolveu segui-Lo. Em Jesus, de quem se podem contar coisas ¢, através destas coisas, se conta a historia do Deus eterno e incompreensivel, sem que seja possivel tornar a diluir esta histéria em teoria, e por isto 6 necessario nar- réla sempre de uma nova maneira, com o que a histéria adquire continuidade. A partir de minha conversio, em Jesus se coneretizava para mim a preferéneia de Deus pelo mundo e por mim mesmo, a pre feréncia em que se faz presente em sua totalidade a incompreen- sibilidade do puro mistério ¢ 0 homem ascende & sua auténtica ple- nitude. A singularidade de Jesus, a necessidade de procuré-Lo em um ntimero muito limitado de acontecimentos e palavras, com a intenc&o de descobrir em tio poucos elementos a infinitude do mis. tério inefavel, nunca me causou transtornos; a viagem a Palesti- na péde constituir para mim a viagem & necessidade de Deus; in- génuos e superficiais sereis vés outros e ndo eu se credes que o de- sejd que abriguel durante quase quinze anos de viajar & Terra Santa nfo passou de um capricho de um homem medieval, ou algo parecido 20 desejo de um mugulmano de acudir a Meca, Minha Ansia por viajar & Terra Santa era o anseio pelo Jesus Conereto, que nfo ¢ nenhuma idéia abstrata. Nao é possivel um cristianismo capaz de descobrir 0 Deus in- compreensivel prescindindo de Jesus, Deus quis que muitos, mt tissimos, O encontrem pelo fato de buscarem a Jesus unicamente. Neste Jesus eu pensava, a este Jesus amava, a este Jesus tencio- nava seguir. Deste modo descobri 0 Deus concreto, sem fazer dle 0 fentasma de uma mera especulagio que nfo me comprometeria a coisa alguma. Somente se pode escapar de uma especulagio deste 2) — tipo se, ao longo da vida, se vai morrendo da auténtica morte; e isto somente se pode conseguir adequadamente quando o homem, junta- mente com Jesus, acelta serenamente este abandono de Deus que constitui 0 tiltimo e surpreendente grau da mistica, Jé sei que com isto nfo expliquei o mistério da unidade da histéria e de Deus, Porém, em Jesus crucificado e ressuscitado, nesse Jesus que 6 a0 mesmo tempo abandonado e recebido por Deus, se encontra definiti- vamente presente esta unidade que pode ser assumida pela £6, a esperanca e 0 amor. SEGUIMENTO DE JESUS Devo contudo acrescentar ainda algo acerca deste Jesus ¢ de seu seguimento, que pode chegar até a imitagio loucamente apai- xonada, embora tampouco pretenda com isto ser absolutamente ori- ginal, porque a antiga mensagem também sai ao vosso encontro desde um futuro ainda nao atingido. 1 verdade que somente se en- rontra totalmente a Jesus e a Deus nEle, quando se morreu com Ele. Mas quando se percebe que esta solidariedade na morte deve realizar-se ao longo de toda a vida, entéo ¢ que, precisamente, de- terminadas peculiaridades da vida de Jesus, apesar de seu carater aparentemente contingente e de sua relatividade histérica e so- cial, adquirem uma enorme significagéo, Nao sei se as peculia- ridades mais coneretas e triviais da vida de Jesus, que para mim foram como se tivessem cardter de lei, tém que ter uma importan- cia vital para todos quantos — de um modo explicito ou andnimo — encontram a Deus e se salvam. Nao parece que tenha que ser assim. Parece que hé, pelo contrério, muitos modos de seguir a Jesus. E nfo parece ter muito sontido remeter estes diferentes modos a um comum denominador, nem procurar deduzir das diferentes for- mas concretas deste seguimento um modo de seguir uniforme, sob © pretexto de que, “em espirito”, se reduzem a uma s6. Pode ser que isto seja exato; naturalmente, existe uma s6 e ultima essén- cia do seguimento de Jesus, do mesmo modo que hé um s6 Deus, um 86 Jesus, e, em ultima andlise, um sé e mesmo modelo de ser humano e uma s6 vida eterna. Mas existem formas concretas de realizar este seguimento; formas que so e se conservam como tremendamente distintase que parecem, inclusive, ameacarse e ne- gar'se mutuamente. — 92 Praticaram Inocéneio III e Francisco de Assis 0 mesmo tipo de seguimento, ou eram ambos os modos de seguimento (uma vex que nfo se pode negar que seguiram a Cristo) tio diferentes que somente em virtude de um amor e de uma paciéncia sem limites podiam suportarse mutuamente? No hé, porventura diversida- de de carismas? Podese realmente compreender tal ou qual tipo de carisma que nio seja precisamente o carisma que cada um possui? Seja como for, eu escolhi o seguimento de Jesus pobre e hu- milde e no outro tipo de seguimento. Tal opgio nfo se deduz do amor conereto; & uma vocago que s6 se legitima por si mes- ma e nio é, de modo algum, algo que, sem levar em conta o modo conereto de entender tal vocacio, se possa impor tio facilmente a todos os cristéos, @ forca de explicarIhes que se trata de uma po- breza e uma humildade de espirito, uma pobreza e uma humildade mentais, De modo algum pretendo ser original; por outra parte, 08 santos do céu no se submetem a comparagdes muituas; porém, prescindindo talvez do modo externo de vida de meus witimos anos como Geral da Companhia, a partir de Manresa durante toda minha vida pratique! @ pobreza com a mesma radicalidade de Fran- cisco de Assis, apesar de que, obviamente, sua época e a minha eram social e economicamente diferentes: isto supunha inevitévels di- ferencas em nossos respectivos modos de vida, tanto mais que, di- versamente de Francisco, eu desejei ¢ tive que estudar; a diversi- dade que isto supunha teria sido entendida e aprovada pelo pré- prio Séo Boaventura, que teria reconhecido que eu seguia real- mente a Cristo pobre, Basta que leias minha autobiografia para entenderes 0 que quero dizer. Além disto, tendo em conta a situagio de entfio, dado que o seguimento de Jesus pobre e humilde me inspirava um estilo de vida espiritual e eclesial que nfo somente era incompativel com posigSes de poder mundano, mas ainda significava a exclusio do poder eclesial e de qualquer tipo de prebendas eclesifsticas e dig- nidades episcopais, tornowse para mim uma realidade palpdvel o fato de que minha vida foi marcada com um cardter de “margina- dade” (passe a expressiio) tanto no campo do profano como do eclesidstico. isto de modo algum me foi imposto de fora. Como era originério de uma das melhores familias baseas e gracas &s mihas relacdes com os grandes do mundo da Igreja =23— de entao, teria sido muito facil para mim “chegar a ser alguém” e além disto poderia té-o sido com a trangiiilidade de consciéncia de que, deste modo, mediante o poder e 0 prestigio, teria podido servir desinteressadamente e com pleno desprendimento aos ho- mens, & Igreja ¢ a Deus; talvez até mesmo me poderia ter con- vencido, sem maiores problemas, de que, elevado aquela posicéo, sermeia mais facil fazer o bem do que tornando-me um pobre e Pequeno infeliz &4 margem da sociedade e da Igreja. (O fato de que depois, devido A fundagio da Ordem e ao meu Generalato me tenha transformado num personagem importante, completamen- te distinto do que eu pretendia, 6 outro assunto ao qual voltarei imediatamente.) Em suma: queria seguir a Jesus pobre e humilde, nem mais nem menos, Queria algo que nao é, em absoluto tdo dbvio, algo que nfo se deduz facilmente da “esséneia do cristianismo”, algo que entio, como também hoje, néo era praticado nem pelos prelados da Igre- Ja nem pelo flustre clero daqueles paises que continuam conside- rando-se 0 centro do cristianismo, Queria algo cujos motivos, em meu caso, nfo eram de ordem ideol6gico-eclesial nem critico-so- cial, ainda que possa acontecer que tenham sua importancia no caso; queria algo que me era inspirado pura e simplesmente como uma lef de minha prépria vida, sem olhar para a esquerda ou a Gireita, por um enorme amor a Jesus; um Jesus a quem eu tinha que considerar em sua realidade coneretissima (apesar de sua fi- nitude e relatividade) uma vez que eu queria encontrar ao Deus infinito e incompreensivel, Isto absolutamente no exclui, antes, implica 0 fato de que minha marginalizagao social e eclesial sup6s para mim uma espécle de exercicio voluntério de morrer com Je~ sus, 0 que constitui o final e feliz destino de todos os homens, mes mo daqueles que no podem ou nfo querem seguir a Jesus deste modo. SERVIR A PARTIR DA FALTA DE PODER Em meu tempo procurei evitar (e 0 consegui) que os meus fos- sem promovidos a cargos episcopais ou coisas semelhantes, e isto no por medo de perder os melhores elementos de meu pequeno grupo. Atualmente, quando um jesuita ¢ nomeado Bispo ou Car- deal, no vedes nisto nada de estranho; no fundo achais que tal =a escolha pontificia é normal e, de fato, tem havido épocas em que a presenca de um jesuita cardeal da Citria foi um fenémeno quase constante. Nao percebeis como sio diferentes neste ponto minha mentali- dade e a vossa? Talvez digais que aqueles eram outros tempos e que hoje, uma nomeagio deste género nfo transforma ninguém em um senhor excessivamente poderoso. Nao estou de acordo. Em primeiro lugar, os cardeais e bispos continuam sendo hoje gente grandemente ameagada pela tentagio do poder. Em segundo l- Bar, mesmo que tivéssels razéo, deveriels perguntar-vos onde se encontram hoje na Igreja os postos, cargos, centros de decisdo ete., aos quais, para serdes fiéis a mou espitito, deverieis renun- ciar resolutamente, com a inteng&o de servir aos homens por meio da Igreja, mas sem “poder”, confiando simplesmente na forca do espirito e na “Ioucura” de Cristo. Bispos do estilo de um Hélder Camara podeis ser hoje com toda tranaitilidade, porque arriscarieis a cabeca e 0 pescogo pe- los pobres, Pensai contudo onde se acham as “sedes episcopais” ou como se queiram chamar hoje, nas quais nfo devels sentar- vos, ainda quando se pudesse demonstrar que so indispensaveis a Igreja. Tenho consciéneia do problema de base que se apresen- ta: como pode uma sociedade carismética, destinada ao seguimen- to radical de Jesus, ser, ao mesmo tempo, uma Ordern institucio- nalizada em nivel eclesial? Naturalmente fiquei muitissimo con- tente com 0 fato de que, ainda em minha vida, a Ordem fosse aprovada oficialmente pelos Papas. Deverfeis procurar que se re novasse constantemente o milagre desta identificacto. Ainda que nunca cunsigais bom resultado, (enta-o uma e outta ves Um s6 destes dois aspectos néo é suficiente. Somente a unio de am- bos crucifica suficlentemente Quando falo do Jesus pobre e humilde que eu queria segui deverieis transpor estas palavras para o nivel de teoria e de pri xis a fim de poder entendélas realmente. Deverieis perguntar a vés mesmos, que significa propriamente hoje, em nosso tempo, “pobre” ¢ “humilde"? Atualmente, quando alguém se toma je suita, se converte, talvez com excessiva rapidez, e naturalidade, em uma pessoa piedosa e em um sacerdote. Isto porém nao quer dizer que seja pobre e humilde. © aspecto concreto que tenha — 3 —

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