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O Maravilhoso como Critério de Diferenciagdo entre Sistemas Culturais * RESUMO © “Maravithoso", adotado como universo de objetos ¢ coisas que suscitam admiracao e estupefacdo a quem os v6, possibilitou @ autora integrd-lo como parte do patriménio hereditério de cada socie- dade. Assim, o artigo procura mostrar as especificidades que esse conceito incorpora frente ds diferentes culturas e as suas incursdes no tempo. * Giulia Lanciani ABSTRACT Marvel and the Distinction Between Cultural Systems Considering things “marvelous” as the universe of objects and images causing admiration and wonder among those who See them, the author integrates this concept 4s part of the heritage of each society. This article seeks to show the specific variations of this concept in its relationship with diffe- ‘rent cultures and time periods. Sem pretendermos nos demorar em um reconhecimento adequado do campo semantico do maravilhoso, podemos contudo admitir, como Le Goff, que 0 que definimos como tal ainda nao corresponde, no ocidente medieval, ao principio estruturante de uma categoria, mas a um universo de objetos, a uma colegao de coisas aptas a suscitarem admiragdo e temerosa estupefag’o: mirabilia, de fato. Como outros elementos da cultura, também. o maravilhoso faz parte de nosso patriménio hereditério, e mesmo que cada sociedade crie um maravilhoso especifico, este se alimenta sempre de um maravilhoso anterior, com o qual nao pode evitar o confronto. Uma heredi- tariedade continuada, que pode ser aceita, modificada ou recusada, mas que significa, de qualquer forma, tomada de posicao tanto individual quanto coletiva. Esta heranga assume varias fung6es, sem contudo, quase nunca, abdicar da original, de compensagdo da trivialidade do cotidiano em que se ‘Tradugio de Marlene Suano. Professora da Universidade de Roma "LA SAPIENZA". [Rev. Bras. de Hist Paulo vl n°) insere, distinguindo-se como pertinente a uma cultura diversa (seja de tradi- go remota, seja autéctone), de inicio afastada, porque suspeita, mas depois recuperada, como fabula. O maravilhoso, portanto, se prop6e como expressdo de um critério de diferenciago cultural entre valores de referéncia propicios a instaurar uma comunicago entre o autor, seu piiblico ¢ as prerrogativas de um mundo dis- forme. E a maravilha se desencadeia pelo ingresso, em um contexto habi- tual, de uma estranheza mais ou menos acentuada, que reconduz a um outro lugar quase sempre identificado a paises longinquos, aos quais um fascinio irresistivel atribui o valor nostdlgico de um bem perdido que deve ser recu- perado. Vem daqui o desejo, revelado por riqufssima literatura, de amalga- mar ao proprio sistema esse "outro lugar", esse elemento diverso; daqui, também, o estimulo para encurtar as distancias que abrem passagem A es- tranheza e para empreender a viagem visando alcané-la ¢ tornd-la sua. A viagem entdo se delineia como conquista do espago da alteridade, como re- cuperagdo de mirabilia perdidas, Em torno a este tema articula-se uma sucessdo de representacGes fan- tasticas (como as varias odisséias, da navegagdo de Sao Brandio a descida ao Purgatério de Sao Patricio, ao Romance de Alexandre, ¢ assim por diante), que terminarao por sugerir serem elementos caracteristicos tanto de lugares quiméricos como de regides desconhecidas. E por isso que, nas can- ges de gesta, representativas do mundo sarraceno conhecido apés as cru- zadas, continuar-se-4 usando 0 patriménio do imagindrio para descrever um mundo real mas dessemelhante, sem qualquer preocupagZio em separar real ¢ irreal mas, ao contrdrio, alterando a hist6ria para adequé-la ao mito. A imaginagao, alimentada por todos os motivos maravilhosos herdados da tradicdo, expande-se na literatura épica ou épico-narrativa, constituindo-se no eixo suporte dos itinerdrios ficticios (como o Voyage d'Outremer, de Jean de Mandeville) ¢ infiltrando-se até nos relatos de viagem. Os elemen- tos do maravilhoso, contudo, se articulam em sistema diverso daquele do mito e da lenda, a partir dos quais so obtidos, estruturando-se de modo tal a ndo provocar fraturas na seqiiéncia légica da narrativa, e, ainda, agindo como suporte de outras maravilhas redutfveis ao verossimil ¢ ao natural, Basta pensar na morada do velho da montanha nas viagens de Marco Polo que comparece como uma sintese felicfssima dos varios locais edénicos: ",..€, em um belo vale fechado entre dois montes altissimos, fizera-se fazer um belissimo jardim, com todos os frutos e drvores que soubera en- contrar e, ao redor daqueles, diversos e varios palacios e casas, adormados 2 com trabalhos em ouro, pinturas, e equipados com tecidos de seda. Ali, por algumas pequenas canaletas que desembocavam em diversas partes desses palacios, se via correr vinho, leite e mel ¢ Agua clarissima e ali fizera morar donzelas graciosas e belas, que sabiam cantar e tocar qualquer instrumento e dangar e, sobretudo, treinadas em fazer aos homens todas as caricias e agrados que se possam imaginar. Pense-se ainda na ilha feminina habitada s6 por mulheres, clara filia- do ao mito das amazonas, aqui limitado a representar situacdo inusitada e, contudo, possivel: os homens que vivem em uma outra ilha, pouco distante, a ilha masculina, "...vdo & ilha das mulheres e com elas ficam trés meses continuos, de marco a maio, ¢ cada um mora em uma casa com sua mulher, e depois voltam a ilha masculina, onde ficam todo o resto do ano, fazendo suas tarefas sem mulher alguma. (...). E parece que aqueles ares nao admitem que os homens continuem a estar junto das mulheres, porque mor- reriam." Assim, a descrigdo dos unicérnios da ilha de Java que, mesmo sem os tragos esotéricos, ¢ resultando de soma de elementos em nada misteriosos, mantém os simbolos do animal lendério. A pouco e pouco, conforme ao cendrio de uma geografia fantdstica substitui-se o de uma geografia familiar, o imagindrio mitico vé-se desti- tufdo de um realismo que atenua ¢ progressivamente rechaga 0 simbolo da hipérbole maravilhosa para lugares sempre mais remotos ¢ inacessiveis, onde ele possa continuar a manifestar-se. Se até 0 século XIV os relatos de viagem desenvolviam uma poética do fantdstico ligada & busca do paraiso, nos séculos seguintes os simbolos do maravilhoso se agrupariam em um mito diverso mas néo menos antigo: 0 do Velocino de Ouro (pense-se na Histéria de Jasdo, de Raoul Lefevre, 1460), que uma simplificag4o posterior acabar4 por transformar no mo- demo mito do Eldorado, para o qual igualmente confluem lendas indigenas. Sera justamente a descoberta de novos mundos que fornecerd o terreno no qual os simbolos do maravilhoso adquirirdo novo vigor. Impregnado de “leituras” de autores antigos e medievais, Crist6vao Colombo nao hesita, assim, em transferir para esses lugares "novamente encontrados” muitos ele- mentos do repertério mitolégico que estava perdendo for¢a do lado europeu do Atlantico. Quando Colombo escreve ter ouvido dos indigenas que “existiam pessoas (...) com focinho de cao, que devoravam os homens e decapitavam todos aqueles que capturavam e bebiam seu sangue e cortavam-lhes os 6rgdos sexuais", ou quando vé, nas focas, wés sereias "nao 23 to belas como as descrevem, porque tem tragos mais certamente mascu- linos", ou quando projeta passar pela ilha das mulheres, na viagem de regresso, para levar consigo 5 ou 6 delas para mostrar aos reis catélicos, é evidente que sobrepde elementos do préprio imagindrio a uma realidade apta, sem diivida, a fazer funcionar de novo os mecanismos alimentadores da cultura do maravilhoso. Da mesma maneira, ao dizer que os homens de Caniba eram os res- ponsdveis pelas profundas cicatrizes que marcam 0 rosto € 0 corpo dos in- dios, tirando-thes pedagos de carne para comer (tema retomado por Voltaire no Candide), ou ao informar acerca de seres com um s6 olho no meio da testa, € mais plausivel que expressasse antes uma impress4o, mesmo que in- consciente, da tradig&o classica e medieval (inclusive daquela de Marco Polo) do que noticias a ele veiculadas pelos indios. Indios estes, alids, que deve ter compreendido a duras penas, pelo menos em sua primeira viagem. Eo paraiso terregtre da sua terceira viagem nao difere muito do paraiso que as cartas medievais situam nos confins orientais da terra, e nem mesmo da- queles das representacoes literdrias ¢ iconograficas dos séculos anteriores, locus delegado do triunfo do maravilhoso. Um universo inquietante, que seduz e aterroriza, mas que nao se pode recusar, 6 o do ultra-mar atlantico. Para evitar ser por ele fagocitado, é ne- cessdrio encontrar referéncias imediatas a contextos trangililizadores, con- cretos ou mentais — pouco importa. E o salto para além do mundo habitual 86 pode ocorrer — pelo menos inicialmente — recuperando-se as imagens ig- notas com os olhos da familiaridade. O recurso ao antigo aparece entio como a rede de linhas que o pensamento traga na intrincada selva do desco- nhecido para percorré-lo sem desgarrar-se ¢ encontrar, neste, um espago onde o novo possa ter lugar e voz. A meméria do passado como vereda de conhecimento: a fungdo do mito é entdo a de tornar dizivel o que nao tem nome, evitando, assim, a vertigem da perda de referéncia no oceano do di- verso. Se, na apresentagdo do novo cenério, impe-se a muitua troca de figu- Tas com o patrimGnio do maravilhoso medieval, para tornar possivel uma relacdo cognitiva com a realidade local e sua sistematizagZo em conceitos transmissiveis, muitas dessas figuras acabam por perder legitimidade na medida em que se amplia o horizonte'da experiéncia. Isto ocorre porque elas se tornam inadequadas para representar 0 “excessivo" de um real que as supera, A lenta apropriagdo dos mitos autéctones abre caminho para a con- quista de formas inéditas do maravilhoso, pelas quais a tensdo da diversi- 24 dade vai-se atenuando em simbolos sempre mais decifraveis e acessiveis que desembocam em novas formulagées do pensamento. A redugo da dis- tancia entre o maravilhoso e o real corre o risco, contudo, de anular prosai- camente uma antitese na qual reside todo o inventdrio da imaginagao: ¢ & por isso que, ao fazer-se mais premente o perigo da anulagao da distingao, recuperam-se as antigas representacdes. A urgéncia de salvaguardar a irre- nuncidvel cistio entre os dois universos para exorcizar a confusao de espa- 0s e tempos contrastantes, de valores empiricos, determina a exigéncia de reconverter os antigos simbolos em fabulas, revestindo-os de novas signifi- cages para conter a caducidade e a contradi¢ao de um real que, sem a sus- tentago do mito, estd inevitavelmente destinado a esboroar-se em sua in- trinseca transitoriedade. Assim, se na Carta do Descobrimento (1500), Pero Vaz de Caminha desenha o mapa do territério descoberto (ao qual daré o nome de Terra de Vera Cruz, com as conotagdes do maravilhoso tiradas da tradi¢do), j4 em 1575 Pero Magalhaes Gandavo acolheré e utilizaré (em sua Histéria da Provincia de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos de Brasil) as coor- denadas do fantastico indigena, buscando tornar transitaveis percursos que fogem a um controle exclusivamente racional e criar um nova linguagem capaz de articular a alteridade. Vinte anos depois, o maravilhoso parece re- duzir-se & fungio de suporte da inverossimilhanga de eventos prodigiosos, utilizados pelos catequizadores com fins de coergao ideolgica. Assim, as histérias que se desenvolvem no plano do miraculoso-trans- cendente (0 escravizador ilegal jogado em um lago de fogo pelos fantasmas dos mesmos indios que ele jogara no inferno das plantag6es ou das minas; a est4tua de Santo Antonio que, transformada em alvo para facas ¢ injirias dos heréticos em nave francesa, faz com que eles fiquem sem Agua e sem viveres, obrigando-os a atracar, sem querer, nas costas brasileiras, com os conseqiientes enforcamentos) saio habilmente inseridas, pelo jesuita Gaspar Afonso, em um contexto de descrigdes topoldgicas e de informag6es que se situam sempre ros limites do maravilhoso fabulistico: macacos que fazem sermdes, cdes que se transformam em peixes, borboletas que se transfor- mam em enormes passaros, animais armados de couragas como cavaleiros do rei Artur ¢ assim por diante, EntSo, 0 fato sobrenatural dilui a propria descredibilidade, pela ades&o a experiéncias que, apesar de exclufdas de uma possivel verificacdo direta do leitor, seriam criveis porque narradas por pessoas digna de fé ¢ testemunhas oculares, 25 No final do século XVII, no relatério de viagem de Francisco Correia, o maravilhoso se sobrepde nos moldes da viagem fantdstica de Santo Amaro, com o retorno a locais medievais, com 0 locus amoenus ou os monstros que parecem saidos de um bestidrio fantdstico ou de um capitel romanico, como, por exemplo, a "mulher marinha": "que tinha até a cintura todas as perfeigdes, desfigurada apenas por duas grandes orelhas que the desciam até as costas e que, quando levantadas, se elevavam a mais de meio palmo acima da cabega. Da cintura para baixo era toda coberta de escamas € 0s pés cram como aqueles de cabra e tinha barbatanas nas pernas e dava tio altos gritos que a ilha vibrava com o ribombar do eco." O circulo se fecha: a percepg&o do novo pode manifestar-se também através de uma revisitagdo do antigo que, enxertado em hdmus diverso, se constitui em representages inéditas que ajudam a penetrar os enigmas do mundo, transformando-se em instrumentos de conhecimento dentro de um horizonte de significagao.

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