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A CRIACAO DOS CURSOS JURIDICOS E A ELABORAGAO LEGISLATIVA DO IMPERIO’ Daniele Comin Martins Suminio: Introdugio; 1. © Dueito no Brasil Colonial; 2. 0 lberalismo patio; 3.A ginese do Estado Nacional; 4. A formacio dos cursos jusidi- 08; 5. Aclaboragio da Constituigio e da legislacio imperial; Considera- ‘Gee finais; Referéncias bibliogréficas Introducao E* pesquisa busca reconstruis, de maneira bastante simples, 0 proces- 0 de construsao da cultura junidica no século XIX, tendo como seus principais elementos a “criagio dos cursos jundicos”! em nosso pais e a elaboracao da Constituisao e da legislagao Imperial” Parte-se da andlise das condisées prévias que possibilitaram o de senvolvimento desta cultura, ow seja, do entendimento da heranga deixa- da pelo Pesiodo Colonial, cwjas caractesisticas indo influenciar profunda- mente olmpério. A segunda etapa deste trabalho visa compreensio do fendmeno do liberalism em solo nacional, cujos desd obramentos irko se refletis em pré- ticas juridicistas e no préprio fendmeno do bacharelismo liberal, caractesis- tica fundamental da cultura jusidica no século XIX. A partir dai, inicia-se a anélise da formasio do Estado Nacional , como bem assinala Anténio Carlos Wolkmes, de dois elementos deter minantes em sua génese e fundamentais para a cultura junidica deste pes odo: as escolas de Direito, responsaveis pela formacio do aparato burocré- ‘Paper aprecentado na dissplina “Hictria das Insttuigdes Juidicae”, minietrada pelo Professor Doutor Antinio Carlos Wollamer, no curso de Mestrado em Dieite de CPGD/UFSC. ‘ bastrand xem Dieito do CPGD/UESC 1 WOLKMER, Antinio Carios Histéria do Diseitomo Braril 2 ed, Pi de Janeiro: Forence, 1099, p90 2 Ihidem p60 tico do Brasil e de uma elite juridica propria, e a elaborag&o dos instrumen- tos legais, pilares da construgao do Estado que se formava.> Deve-se alertar 0 leitor que 0 viés caltico aqui adotado, bem como a ané- lise privilegiando alguns enfoques, é escolha da autora, sem que com isso a totalidade deste fragmento da histéria do Diseito no Brasil seja prejudicada. 1.0 Direito no Brasil Colonial Antes de adentrar no tema especifico, sabre a construgao da cultura jusidica no Brasil no século XIX, faz-se mister buscar 0 entendimento da heranga colonial, ewjo marco é determinante no desenvolvimento posterior da sociedade brasileira, tanto no Império quanto no Pesiodo Republicano. Em linhas gerais, pode-se dizer que o Brasil colonial se consolidou como uma sociedade agraria baseada no latifiindio, na méo-de-obra escra- ‘va, existindo em fungaio da Metropole, como economia complementar.‘ Estas caractenisticas definiram a organizasao social daquele pervodo, consistente em dois pélos distintos: “de um lado (...) uma elite constituida por grandes proprietérios rurais’5 e, de outro, uma grande massa “de pequenos props etarios, indios, mestigos e negros”® Quanto a estrutura politica, o period colonial concretizou-se com a incoxporagio do “aparato buroceatico e profissional da administragao li- sitana’,” sem qualquer vinculo ou identidade nacional, uma vez que o “fancionaliemo” daquele momento exa composto quase exclusivamente por portugueses. Da mesma forma, o sistema judicial estava a servigo da metrépole, estando totalmente vinculado ao governo e existindo uma identidade en- tre a administragao real e o poder judicial, usados para solidificar a auto- sidade monarquica. Thidem p60. Them p38. Thidem p 3°. Thidem p39. Them 3° 56 Inicialmente, 08 magistrados lusos vieram trabalhar na colénia trans- feridos de Portugal, trazendo de 1a uma heranga de abuso de poder e de corrupgio. Além disso, havia um grande distanciamento entre os juizes €@ sociedade, o que fasia com que aqueles interpretassem a lei friamente, “sin preocuparse por las condiciones localed”®. Com alndependéncia, muitos desses magistrados deiaram o Brasil, mas sua maiosia apenas transferiu a lealdade que tinha ao antigo rei de P ox tugal para sex filho, comprometendo-se com seu constitucionalismo liberal. Contudo, 0 espirito reformador que se difundiu imprimix cesta opo- siglo ao sistema legal Portugués, ceiticando-o e gerando a necessidade de criagdo de faculdades de Direito para substituir a formagio dada até entio por Coimbra. Importante falarse, ainda, do patrimonialismo, caracteristica histéri co-politica herdada j& no pesvodo colonial por nossas relagées pablicas/ privadas, inclusive na esfera jusisdicional. Por patrimonialismo, “subtipo, na sociologia weberiana da domina- gio tradicional”? pode-se entender uma forma de dominagio “em que néo se diferenciam nitidamente as esferas do piblico e do privadd’ 10 sob a égide de uma ordem nominalmente racional-buroceatica que encobre este tipo patrimonial.!! [mposto de cima para baixo a sociedade, o tipo de do- minacho patrimonialista ndo admite “que ela se determine de dentro para fora, de baixo para cima. A chamada sociedade civil obedece, dessa forma, ao comando do poder, sem que se determine pelos seus conflitos interno” 1? A pratica desta forma de dominago no Brasil ocosre “quando 0 po- der piblico é utilizado em favore como se fosse exclusividade de um estra- to social constituido por oligarquias agrarias © por grandes proprietérios de terras” 19 perpetuando uma dominagio autocratica. 8 FLORY, Thomas. Hi Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial, 1608-1871. Control Social y Ertabiidad Poiticnenel Nuevo Estado. Mexico: Fondo de Cultura Esonsmico, 1999, p. 03. 9 PAORO,Fasmundo, A ventura iberal numa ortem patsimonialista Revista USP. Dossié Libera- Lsmo/Neoliberalismo, Sie Paulo: n 17-mar /abr /maio 1983, p. 16 10 WOLKQMER, Anténio Carlos, op. eit. p35 MCE FAORO, Faimando, op. cit, p. 10. 2 Mem p. 17 13 WOLKMER, Antinio Carlos, op. cit. p35 (nota) 57 Como bem pontua Raimundo Faoro, “nessas circunstancias, néo é a sociedade civil a base da sociedade, mas uma ordem politica em que os individuos ou s&o basicamente governantes ou governados. O soberano e seu quadro administrativo controlam diretamente os recursos econdmic os € militares do seu dominio - que é também seu patriménio’ 14 Este fendmeno social permaneceu em nosso sistema politico nos pest- odos pés-coloniais, vindo acomodarse na mais bizarra das situagdes, quan- do conviveu, em tempos Republicanos, com o liberalismo, que é substanci- almente adverso a qualquer forma de autocracia. Em consonancia ao patrimonialismo, o conservadorismo herdado de Portugal sera outro elemento integrante da formagio politica e jundica pés-colonial, uma vez que nossa metrépole era das mais retrégradas, dis- tanciada das idéias renascentistas e mergulhada no dogmatismo eclesiés- tico da f e da revelagao15 Esta “cultura senhorial, escolastica, jesuitica, catélica, absolutista, obs- curantista e acritica”I6 vinda da metrépole solidificou-se no Brasil colonial, da mesma forma que as legislagdes deste periodo foram basicamente “im- portadas” de Portugal, formando um ordenamento jusidico que ignorava a realidade nativa, consolidado como um sistema anacrénico, voltado aos interesses da classe dominante. Os reformadores que passaram a ocupar o cenério nacional com aln- dependéncia trouxeram inovages que se refletiriam na C onstituig&o de 1824, principalmente vinculadas ao liberalismo. Contudo, as herangas lusitanas deixadas no Brasil irfo se misturar a estes ideais liberais, o que imprimira caracteristicas peculiares na formagéo de uma cultura junvdica nacional. 2.0 liberalismo patrio O liberalismo @ um elemento-chave para o entendimento da cultura jusidica brasileira a partir do século XIX. 14 FAORO, Fasmmando, op. cit, p. 16. 45 CE WOLKMER, Anténio Carlos, op. cit. p. to Thadem p 58 Esta andlise buscaré demonstrar alguns pontos fundamentais de sua contribuigao para a formagao do arcabougo legal positive durante oImpé- rio e Repiblica, bem como para a formagao de uma cultura juidica pré- pila, inexistente durante o pesvodo colonial. Filosofia politico-econémica, o liberalismo pode ser entendido como uma concepgdo de mundo que tem como base o individualismo, um movi- mento de idéias defensor da economia de mercado e do Estado minimo7 Nesse sentido, ensina Anténio Carlos Wolkmer, que a doutrina do liberalismo (jem grande paste cultivada por segmentos da burguesia em ascensio con- tra 0 absolutismo monarqico, néo #0 seproduaist as novas condigSes mate- ais de produgéo da riqueza e as novas relagies sociais direcionadas pela necessidade de mercado, como, sobretudo, tomou-se a expresso de uma liberdade integeal presente em diferentes niveis da realidade, desde o ético até 0 social, 0 econémico e o politico Todavia, o liberalismo patrio pouco se assemelhou ao liberalismo eu- ropeu, que foi, na sua génese, revolucionario, perseguidor da igualdade e da liberdade, almejando o fim dos privilégios da aristocracia. No Brasil, 0 liberalismo foi absorvido pela oligarquia, pelos grandes proprietarios de terras e pelo clientelismo vinculado & monarquia Imperial 19 Embora nosso liberalismo tenha sido, durante alndependéncia, uma luta contra o sistema colonial e contra a Coroa Portuguesa, ele significou a dominagdo das elites agrarias, numa peculiar convivéncia com as oligar quias e o escravismo. Ideais de liberdade e igualdade como direitos inalienaveis do homem eram proclamados enquanto se pretendia manter a escravidao e a autocra- cia da classe dominante, 7 Ck BORBIO, Norberto. O Futuro da Democrasia 7. ed. Sio Paulo: Paz e Terra, 2.000, p. 128-130. 18 WOLKMER, Anténio Carls, op cit-p. 74 10 Ereaorigem de nosso liberslicmo é conbecita pela inexistineia de uma Revolugio Burguesa, que seria capac de dezenvolver uma Revolugio Liberal como ocomeu na Franca, 59 60 JA para os estratos eociais que pasticiparam diretamente do movimento de 1822, liberalismo representava instrumento de luta visando a eliminagéo dos vinculos coloniais. Tais grupos, objetivando manter intactos seus inte- sesses e as relagées de dominagéo interna nao chegaram a “reformar a estru- tur de produgio nem a estrutura da sociedade. Por isso a escravidao seria mantida, assim como a economia de exportacéo" 20 Assim, pode-se dizer que nosso liberalismo era conservador, pratica- do por uma elite agraria, antidemocratico e antipopulas, convivendo coma escravido e com a heranga patrimonialista. Na esfera juridico-politica, ele aparecera na forma juridicista, jung&o entre o liberalismo individualista e 0 formalismo legalista, cujos reflexos se dardo na formagao dos bacharéis, em nossas primeiras Faculdades de Di- reito, e também na elaboragéo do arcabougo junidico-legalista do Império, De fato, 0 liberalismo brasileiro foi, durante longo tempo, quase privilégio de uma categoria de homens: 0 bacharel, que se converteu em politico pro- fissional e procurou ascender ao poder por intermedio do partido. Bacharel que fez da politica vocagio (..). No entanto, contrariamente ao que ocorreu. no mundo europeu ocidental, na sociedade brasileira a profissionalizagéo da politica néo foi acompanhada da democratizagéo da sociedade. No mew entender, a natureza quase exclusivamente juridicista do liberalismo brasi- leiro e as caracteristicas da vida académica, no século passado, respondem, pela formacéo desses intelectuais, pelo processo particular de profissionalizagio da politica e pelo dilema democratico da sociedade 1 Este juridicismo, quando coneretizado na avalanche legislativa que se iniciou no Peri odo Imperial, teve uma alta carga formalista embutida, que “ocultava uma postura ‘autoritéria e etnocéntrica’ do legislador da prime rametade do século XIX, com relagio a certos segmentos marginalizados ¢ excluidos da cidadania’ 7? 20 Thidem p76. 21 ADOFNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder o Bacharelismo Liberal na Politica Brasileira Fis de Janeiro: Pas e Terra 1988 p. 75 22 WOLKMER, Anténio Carlos, op. cit. p86 3.A Génese do Estado Nacional A génese do Estado Nacional brasileiro é mais um elemento impor tante para a compreensio da formago da cultura jusidica no século XIX. Seu estudo histérico mostra que o fendmeno dalndependéncia do pais no passou de um grande acordo entre as classes dominantes ante a uma situa go insustentavel, que era a permanéncia do colonialismo. Efetivow-se uma alianga entre 0 poder aristocratico da Coroa, que per maneceu na regéncia imperial do pais, com as elites agrarias locais, alianga esta que “permits constrair um modelo de estado que defendesia sempre, mesmo depois da independéncia, os intentos dos segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de produgad”.> Além disso, a construgéo do Estado Brasileiro se deu as expensas dos prineipios do liberalismo, de modo que toda a Teoria do Estado desenvolvida tendeu para um modelo liberal, no entanto, “adequadd” & nossa realidade. Nao houve o fomento revolucionario do povo paralndependéncia, € nem mesmo um amadurecimento histérico-pokitico da nage unida capaz de fazer surgir 0 Estado. Ao contrario, este nasceu da imposigdo da vontade do proprio Império colonizados, instaurando-se a tradigéo de um intervencionismo estatal na esfera das instituigées sociais, econdmicas ¢ politicas. Nesse sentido, muito preciso é o argumento de Hélgio Trindade, cita- do por Anténio Carlos Wolkmer, que sustentou que o Estado liberal brasi- leiro “nasceu” em virtude da vontade do proprio governo (da elite domi nante) e ndo em virtude de um processo revolucionario’.O liberalismo apre- sentava-se, assim, desde 0 inicio, como’a forma cabocla do liberalismo anglo- saxo’ que em vex de identificarse ‘coma liberagio de uma ordem absol- tista’, preocupava-se com a‘necessidade de ordenagao do poder nacional” 74 que seria feita com a elaboracio de todo um aparato legal e administrative para a concretizagio e manutengio do Estado. Desse modo, a partir de 1822, os legisladores comegaram a realizar uma alta produgdo legislativa (Constituig&o Federal, Cédigo Criminal e de 23 Them p40. 24 Ihidem p. 7, 61 62 Processo Criminal, Cédigo Comercial, Lei de Terras etc.), enquanto que a formago de homens voltados & administragao publica e ao aparato buro- cratico do Estado seria a fungéo a ser desempenha pelas Faculdades de Direito, criadas pouco tempo depois daIndependéncia. Assim, pode-se dizer que o Estado Brasileiro nasceu com o propésito da manutengio do sistema politico vigente, realizando mera reforma da ordem antiga e no um processo de ruptura para o nascimento de um pais independente e democratico. © Estado Nacional, pois, formou-se sob a égide de um liberalismo “a brasileira”, nos moldes oligarquicos e com vistas & formulagao de todo um. arcabouco jusidico para sua legitimagao. © papel do Direito foi, portanto, de instrumento de poder e de reforma para legitimar 0 novo estado auto- cratico, elitista e oligarquico. 4.A formagao dos cursos juridicos A presenga do bacharel em Direito é uma constante no cendrio po- Ktico nacional. Desde 0 Pervodo Colonial o bacharel era um dos elemen- tos utilizados pela metrépole para a manutengdo de seu poder sobre a colénia, Nesse sentido: (Ja administeagéo da justiga atuou sempre como instrumento de domina- c&o colonial. A monarquia portuguesa tinha bem em conta a necesséria e imperiosa identificagio entre 0 aparato governamental e o poder judicial Frisa-se, deste modo, que a organizacio judicial estava diretamente vincula- da.aos niveis mais elevados da administzagéo real, de tal forma que se torna- va dificil distinguic, em cestos lugares da coldnia, a representagio de poder das instituicdes uma da outra, pois ambas se confundiam > Este bacharel, “filho de P ortugat’, desse modo, tinha no Direito muito mais que uma profiss&o, “possuiam um estatuto, 0 de funcionario do esta- do, parte de uma elite identificada as classes dirigentes” 2° 25 Thidem p68 20 AFFUDATUNIOR Edmund deLima Advogado Mertado de Trabalho UmEnssi Sobre aCrise de Mentid ute Sscio-profissional das Bachareis ex Direto no Brasil Campinas: Julex 1988, p. 33. Mas com aIndependéncia, bem como com as aspiragdes liberais que passaram a tomar conta do pais, novos anseios emergiram no cenérios po- Ktico ejuridico, criando-se a necessidade de se formar uma elite burocratica propria, em que pese a permanéncia de alguns lusitanos que transferiram- se definitivamente ao Brasil integrando os quadros burocraticos do gover- no, quando houve a ruptura com P ortugal. Assim, aimplantago dos cursos de Direito refletiv a exigéncia de for magio dessa lite, o que se evidenciou até mesmo nas discussdes na Assem- bléia Geral Legislativa, com os trabalhos do processo de abertura das duas, primeiras faculdades: Embora acanhados, esses primeiros debates jé revelavam a preocupagéo que redundou na criagéo dos cursos junidicos: o imperativo politico de se constituir quadios para o aparelho governamental e de exercer pestinaz controle sobre 0 processo de formacio ideologica dos intelectuais a serem, secrutados pela burocracia estatal. De fato este objetivo inseriu-se no mes- mo horizonte politico que vis testemunhar o nascimento de aliangas entre © estamento burocratico patrimonial e os liberais moderados, e que vis. formar uma complexa teia de relagdes entre o Estado patrimonial e 0 mo- delo liberal de exercicio do poder *7 Pode-se dizer, portanto, que a formag&io de homens voltados & admi- nistragio piblica e ao aparato burocratico do Estado seria fungao a ser de- sempenha pelas Faculdades de Direito de Sao Paulo e Recife, criadas pouco tempo depois da independéncia, em 1827. A implantag&o dos dois primeiros cursos de Diveito no Brasil, em 1827, um em Séo Paulo e outro em Recife (transferido de Olinda, em 1854), refletiv a exigéncia de uma elite sucessora da dominagio colonizadora, que buscava, coneretizar a independéncia politico-cultural, recompondo, ideologicamen- te, a estrutura de poder e preparando nova camada burocratico administra tiva, setor que assumiria a responsabilidade de colonizar o pais. Nesse senti- do, os cursos juridicos surgiram, concomitantemente, com 0 processo de in- dependéncia e de construgio do Estado nacional “8 27 ADORNO, Séigin, op cit. p88. 28 WOLKMER, Anténio Carlos, op. eit. p80 63 A organizag&o dos cursos de Direito acabou voltando-se muito mais para atender as necessidades do Estado Nacional que necessitava formar sua burocracia do que para atender as expectativas juridicas da sociedade. Configurowse, desse modo, um desvio na finalidade das Faculdades de Direito, que sera um dos principais fundamentos sesponsavel pela for magio do bacharelismo, “fendmeno politico e sociolégico responsavel por algumas das dificuldades de articulagéo da sociedade brasileira, que permeia grande parte da historia imperial e republicana””? Em um cendrio em que prevalecia uma cultura individualista e for malista-legalista, formar-se como bacharel em Direito significava nfo apenas preencher os cargos burocraticos do Estado, mas também obter ascensio s0- cial e poder influenciar na organizaco politica e econémica do pais. ‘A partir de 1828 iniciavam-se os primeiros cursos, e de forma ascendente a profisedo e a figura do bacharel tornavam-se estimadas no Brasil. O presti- gio advinha, no entanto, menos do curso em si, ou da profisstio stricto sensu, e mais da carga simbélicae das possibilidades politicas que se apresentavam, a0 profissional do Direito. Com efeito, das fileiras dessas duas faculdades sairam grandes politicos ~entre ministros, senadores, governadores e depu- tados ~, pensadores que ditaram os destinos do pais. Sindnimo de prestigio social, marca de poder politico, o bacharel se transformava em uma figura especial em meio a um pais interessado em criar elites proprias de pensa- mento e divegio politica Foco de poder patrimonial que se burocratiza, o bacharel se acomo- dou as necessidades do Estado, representando interesses das classes diri- gentes e dominantes e ignorando os reclamos das camadas populares da cidade e do campo, numa pratica acritica e ” intelectualismo alienigeno, inspirado em principios da cultura inglesa, francesa ou alema”’ 3! “walendo-se de um Na verdade, a formasfo fornecida pelas Faculdades de Sao Paulo & de Recife no era adequada a realidade nacional. Ao contrasio, trazia ilus- 29 FARIA José Eduardo. Sociologia Juridica Rip de Janeiro: Forense, 1984 p. 158 30 SCHWARCZ, Lilie Morite. O Hepeticulo dar Racae:Cientistas, etitugées © Questio Social no Breed Sio Paulo: Companhia das Letras, 1093, p. 12, 31 WOLKMER, Anténio Carlos, op. cit. p 100 64 tragées dos publicistas europeus, com énface no liberaliemo em um pais escravocrata, de modo que tratava temas totalmente desconexos com 0 nosso meio social. Além disso, 0 perfil essencialmente conservador do ensino junidico acabou por situar estas Faculdades como instituigdes encarregadas de pro- mover a ide ologia justdico-politica liberal do Estado Nacional. Foi a Academia de Sao Paulo que se constitui como espace de exce- léncia do bacharelismo, fomentando uma cultura jusidica nos moldes do Estado, politicamente disciplinada conforme seus fundamentos ide olégi- cos, tornando o bacharel “csiteriosamente profissionalizado para concre- tizar 0 funcionamento e o controle do aparato administrativo; e habil- mente convencide sendo da legitimidade, pelo menos da legalidade da forma de governo instaurada” 2? Mas intimeras foram as dificuldades do ensino jusidico no curso paulista, tanto didaticas quanto administrativas, sendo que “parece pou- co provavel que a estrutura curricular tenha sido eficaz do ponto de vis~ ta pedagogic’, O descontentamento diante do quadro do ensino atingia até mesmo @ qualidade do corpo docente, cuja didatica era quase inexistente, a assiduide de ac aulas era minima e os conflitos com os discentes permanentes, revelan- do um controle burccratico fragil do proceso de ensinoe de aprendizagem. Desse modo, autores senomados como Vendncio Filho chegam a le vantar a hipétese de que “esse ensino nunca existiu concretamente” 4 Por tudo isso os alunos de Diseito nao apenas do Largo de So Fran- cisco, mas também de Recife, acabaram privilegiando uma formagéo muito mais politica do que jusidica, principalmente porque as atividades fora da academia eram muito mais intensas do que as realizadas em sala de aula. Nesse sentido, ensina Adorno que a formagio jusidica-politica “n&o se de- veu, quando menos exclisivamente, aos conteddos doutrindrios, transmi- tidos em sala de aula” 39 32 ADORNO, Séign, op cit. p. 92 33 Ibidem p. 104 34 Thidem p94 35 Ihidem p. 142 Tornarse bacharel em Direito significava, assim, muito mais dedicar se ao periodismo e A atividade politica do que engajarse no exercicio da ad- vocacia. Na verdade, a erudig&o do bacharel nada mais era do que o simples uso da retérica, da fala ornamental e sofisticada, enfatizando o culto a lin- guistica em detrimento do conhecimento da realidade social nacional. Porisso, pode-se dizer que a atividade didatico-pedag égica foi essen- cialmente politica, trazendo caprendizado de que a mulitancia politica deveria ser orientada por exitérios intelectuais. Aquilo que néo se aprendianasala de aula era, sub-repticiamente, ensinado na imprensa académica. De fato, funcionando como tribuna livre para debates e discussées dos problemas nacionais —fossem no plano imedi- ato da cidade ou no ambito macroestrutural da sociedade -, a imprensa su- pri com maior eficdcia o fracasso a que as salas de aula se viram selegadas Gurante longas décadas 3° Importante ressaltarse que, ainda que as duas primeiras Faculdades de Diseito do Brasil tivessem varios elementos em comum, a academia paulista teve como caractesistica mais forte a presenga do pensamento libe- ral, da pratica burocratica e politica e do veio artistico entre os graduandos,7_ enquanto que na Escola do Recife, o trago realmente marcante foi a preoct- paso com o estatuto cientifico do Direito, tendo nas escolas darwinistas sociais e evolucionistas seus modelos tedricos. Assim explica LiliaSehwares: So Paulo foi mais influenciada pelo modelo politico liberal, enquanto a fa culdade de Recife, mais atenta ao problema racial, teve nas escolas darwinistas e evolucionistas seus grandes modelos de andlise. Tudo isso sem falar do carater doutrinador dos intelectuais da faculdade de Pemambuco, pesfil que se destaca principalmente quando contrastado como grande ntimero de po- liticos que pastiam majoritariamente de So Paulo. Ha, ainda, que se atribuir caracteristicas préprias a faculdade de Recife, embora entoando a tematica da construgo do Estado Nacional com a forma- so daelite burocratica, ela apresentou um agasalhamento marcante as influ- 30 Thidem p. 154.155, 37 Haviano Lingo de Sia Francisco um forte movimento teria posto. 38 SCHWARCZ, Lilia Monit, op cit.p. 143 66 éncias estrangeiras. “Seu estrangeirismo relaciona-se & presenca do ideasio liberal na e para a sociedade brasileira; fundamenta, também a visio inicial- mente mais erudita do Direito que se forma na Escola do Recife’? 5.A elaboragéo da Constituigéo e da legislagéo imperial Na caracterizagao da cultura do Direito e das instituiges junidicas de destaque do século XIX, a elaboragdo da Constituiglo e da Legislag&o Im- perial tiveram grande importancia, pois refletiram o contexto social e poli- tico de monocultura latifundiaria, trabalho escravo e liberalismo a brasilei- raem que foram produzidas. A Constituig&o Imperial de 1824 foi o primeiro grande documento normative do periodo pés-independéncia. Ela teve porbase as idéias e ins- tituigdes formuladas na Revolug&o Francesa de 1789 e além da grande in- flugneia de Benjamin Constant, sendo, pois, marcadamente liberal. Outorgada pelo Imperador em 11 de dezembro de 1823 e jurada em 25 de marco de 1824, esta Constituig&o foi um instrumento de grande rele- vancia para a formulagao politico-administrativa do Estado que surgia, institucionalizando uma monarquia parlamentar. Uma das caracteristicas peculiares da primeira Carta Magna é a exis- téncia de quatro poderes estatais: ao lado dos Poderes Legislativo, Executi- vo e Judiciario foi eriado o Poder Moderador, inspirado em Benjamin Constant e completamente original. A Constituigéo de 1824, fiel A direta ligo de Benjamin Constant, autor que, na hora, ofusca Rosseau, situa no poder moderador “a chave detodaa orga nizagio politica’, poder delegado “privativamente ao imperador, como che- fe supremo da nagéo e seu primeito sepresentante, para que, incessantemen- te, vele sobre a manutencho da independéncia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos” (artigo °8) 59 NEDER, Gizlene Discurso Juridico e Ordem Burguesa no Brasil Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2095, p10. 49 FAORO, Raimundo. Or donos do Poder Formagi do Patronato Politico Brasileze. v1. Sio Pax Je: Globe, 1990, p. 290 67 Este quarto poder conferia prerrogativas e amplos poderes politicos ao Imperador, sendo inédito em todos os outros Paises. A Constituig&o, portanto, delegara-lhe o poder de uma representagio no eleitoral dos interesses gerais de toda a nagfo, incluindo-se nele a possibilidade de in- terferéncias no Legislative e no Judici@rio, acumulando, ainda, a chefia do Poder Executive. Nesse sentido, muito pontuais os ensinamentos de José Reinaldo Lopes: Este poder [o moderador] incluia intesferéncias no funcionamento do poder legislativo, seja nomeando os senadores, seja sancionando (e vetando, claro) as leis aprovadas ou dissolvendo a Camara dos deputados e no Judiciario, nomeando os juizes ou suspendendo magistrados, O Poder Moderador nfo era defendido como um poder absoluto, mas como um remédio aos impasses do partidarismo, que se imaginavam inevitaveis na representacio parlamentar (..) Oimperador acumulava aindaa chefia do Executivo (astigo 102) exercida, “pelos seus Ministros de Estado”, pela qual provia cargos publicos, inclusi- ve nomeando bispos e administrando os beneficios eclesidsticos (cargos & rendas da Igreja oficial) e concedendo ou negando “beneplacito aos decretos dos concilios ¢ letras apostélicas, e quaisquer outras constituigdes eclesiasti- cas que no se opuserem a Constituigio” No trecho transcrito pode-se observar também que foi assegurada cons- titucionalmente a ligacio entre Igreja e Estado, existindo influéneia conser vadora da Igreja Catélica que legitimava o proprio poder régio,“? conse- guindo beneficios para sua permanéncia através das concessées que Ihe exam feitas pelo Estado. Em selagio aos direitos e garantias civis, a Constituigéo de 1824 garantis-os aqueles que fossem sujeitos de direitos, excluindo os indios & negros escravos, numa postura autocratica e etnocéntrica do legislador daquele period. Ja 08 direitos politicos nao eram assegurados a todos, sendo 0 voto indireto restrito a uma minoria, composta por homens livres, com mais de 25 anos, renda superior a cem mil réis, havendo maiores restrig des 41 LOPES, José Reinaldo de Lima © Dieito na Histéria - Ligdes Introdutdrias. Sio Paulo: Mex Limonad, 2000, p. 284-285 42 Jaque o Imperador ers ido como pessonsagrada Cf Ibidem.p. 295. 68 econdmicas e sociais em relagio aqueles que poderiam ser escolhidos como elestor para escolha de deputados ¢ limites que aumentavam ainda mais para eleger-se deputado./> Este DiplomaC onstitucional de 1824, embora tenha se afirmado como liberal, apresentou uma ideologia liberalista somente “de fachada’, pois embora adotando a democracia popular como um de seus pilares ocultava aescravidao, exclufa as mulheres e a grande maioria da populagao do pais. Em outro aspecto, vale frisar que a presenga do patriarcaliemo e do patrimonialismo s&o evidentes neste diploma legal de tragos conservado- res. Nesse sentido: (.Joutorgou o Imperador a Carta constitucional de 1824. Nela ficou sela- do o compromisso entre a burocracia patrimonial, conservadores e liberais moderados (...), Nela procuraram-se também formulas politicas conciliato- sias para ajustar o Estado patrimonial ao modelo liberal de exercicio do poder, relegando-se para um segundo plano preocupagies em democrati- zara sociedade brasileira Além daConstituig&o, durante olmpério, foram promulgados os Cé- digos Criminal, de Proceso Criminal, Comercial e de Processo Civil, além de leis esparsas, todos com caracteristicas similares as que apresentamos sobre a Constituig&o, uma vez que produzidos sob as mesmas condigdes politicas ide olégicas, © Cédigo Criminal de 1830 e o Cédigo de Processo Criminal promul- gado em 1832 refletiram as mesmas tendéncias da Constituig&o promulge- da pouco tempo antes: idéias liberais e o iluminismo do século XVIIL © Diploma Penal teve influéncia também dos Cédigos Penais da Toscana e Francés, abrindo-se com uma parte geral sobre os crimes e as penas. Estas tiltimas iam da multa até a pena de morte, passando por espé- cies como o banimento, a privagao de direitos politicos, a perda de empre- g0 piblico, entre outras. Mas, sem ditvida, este Cédigo segui os mesmos caminhos daC onstituig&o conservando desigualdades, comoa penade agoi- tes para os escravos (artigo 60) e a composig&o dos jurados com capacidade 4 Ihidem p 205 44 ADORNO, Sérgio, op cit. p. 1 69 “436 08 cidad&os ativos poderiam participar igual & exigida para ser eleito: desta fungao considerada politica’. © Cédigo de Processo Criminal completo a reforma liberal do siste- ma judicial do Império pés-independéncia, alterando substancialmente 0 direito brasileiro, pois pés “fim, praticamente, ao sistema judicial antig o”,4° introduzindo novidades como o Tribunal do Jiri (Conselho deJurados) e 0 Habeas Corpus. Este Cédigo apresentow-se dividido em duas partes, a pri meira reorganizava ajustica criminal, sua hierarquizacio e sua propria com- posigdo, num movimento de descentralizagéo, e a segunda dispunha sobre © processo criminal. Jano ano de 1841 promovew-se uma reforma no Cédigo de 1832, resul- tado da reagio dos conservadores as mudancas liberais introduzidas no Dr ploma Processual Criminal. O nicleo das alterasées era “a substituigéo das divetrizes judiciais descentralizadas por uma centralizagéo sigida, poderosa ¢ policialesca’’A’ reforgando-se a burocracia patrimonialista nacional. O momento seguinte de elaboragio legislativa noImpério foi em 1850, com a aprovagio do Cédigo Comercial, que teve em seu contexte social e econémico muitas mudangas que contbuiram para que fosse editado 67 anos antes de nosso primeiro Cédigo Civil, como o fim do trafico de escra- vos, ¢ principalmente o aumento das atividades negociais e do comércio. Quanto ao Cédigo Civil, embora determinado pela Constituigdo que fosse feito, ele nunca chegou a ser editado nolmpério, sendo trés as tentatt vas de sua codificago durante este pesiodo. [4 na Repiblica, mais dois projetos novos foram apresentados, sendo que o diltimo, de Clovis Bevilaqua, tramitando desde 1899, foi sancionado em 1916 e passou a vigorar em 1917. Este Cédigo, no entanto, ja nasceu obsolete, com tragos fortes do patriarcalismo, do individualismo e do patrimonialismo nacionais. Apesar de toda esta elaboracio legislativa, no século XIX, 0 Direito brasileiro passou por dois problemas fundamentais, com reflexes na pro- duce normativa: a escravidio e a questio da propriedade da terra, ambos vinculados ao latifindio que “desde sempre foi um problema nacional € 45 LOPES, José Feinaldo de Lima op cit p 289, 4 Thidem p 260. 47 WOLKMER, Anténio Carlos, op. cit. p88. 70 que longinquamente nasceu sob a forma do exercicio de direitos de propri- edade do ponto de vista econdmico e politicd’”. A colonizas&o brasileira teve como ponto de apoio a distribuig&o de terras e, conseqiientemente, abase da sociedade brasileira tornow-se a agri- cultura. Neste primeiro momento o regime de propriedade de terras é 0 das sesmarias!® que vai de 1500 a 1822. Tal sistema foi, contudo, extinto em 1822, quando passou a haver a simples posse ou ocupagao sem qualquer disciplina do Estado50 © regime de posse permaneceu até 1850, quando foi promulgado um novo estatuto disciplinando a questo da terra, a conhecida “Let de Ter rag”, um dos marcos no proceso de institucionalizagéo do pais e de suma importancia para o controle do governo sobre as terras e regularizagao da situagfo fundiéria no pais. Quando othamos para a historia juridica o ano de 1850 ¢ efetivamente sm ‘marco, Antes dele, of fator mais importantes haviam sido a outorga da Cons- tituigio de 1824, « eriagéo dos cursos juridicos de 1827, a edigéo do Codigo Criminal de 1830 e do Codigo de Processo Criminal emt 1831. Depois veio a Regéncia (..) Apos a tiltima revolugio (1848, a Praieira) é que se comega a segunda etapa de institucionalizagao: projetos de Codigo Civil, Lei de Ter as, Codigo Comercial, Comentarios & Constituigéo do Império ete! Esta lei estabeleceu as seguintes normas sobre a ocupagdo da proprie- dade: a) proibiu a concessfo gratuita de sesmarias; b) determinow o tama- nho maximo para as “posses”, que nfo poderiam ser maiores que a maior doagio feita no distrito em que se localizavam,; c) definiu as terras devolutas, que seriam adquiridas mediante compra feita & Coroa feita em hasta pabli- 4 LOPES, José Feinalde de Lima op cit.p. 352 49 As sesmarias io doasées de ters efetuad.as pela Coron. cujes dominos continuavam a ser seus ‘Aimaliade era ade propiciar a ocupagio e « exploragio da tera cendo dod a quem tvesse ‘capital cap cidade para desenvolver a agricultura Erte sistema comviveu como sistema dae Co- pilunias Hereditiris, sendo que estas eram vastos latiindios onde o capitio exeria poder de jurisdigio, de administragio erecebendo umazend na forma de tributes. 50 Conforme ensina José Feinaldo Lopes, “no repimede sesmuariasosesmeio recebeo titulo evai tomar ‘posse de sua terra no regime de posse, o posseiro trabulha a terrae depois tentareceber o titulo ‘Assim mumeasoo titulo antecede aocupasio efetiva no out dé-se o contrisio” In Ibidem.p. 350 51 LOPES, José Feinaldo de Lima op. cit. p. 257. n ca; d) definiu como terras devolutas as que no tivessem uso publico nem titulo legitimo e particular, nem houvessem sido dadas em sesmarias revalidadas, bem como as que nao tivessem posse legitima; ee) instituiu a necessidade do registro da terra possuida, através do pagamento de uma taxa, quando se concederia o titulo de proprietario da mesma? Contudo, aLei de Terras foi quase que um fracasso completo. Na corri- da pelos registros piblicos, os grandes proprietarios efetivaram-no antes dos pequenos proprietarios, por possuirem melhores condigées financeiras, en- globando em sua propriedade as pequenas propriedades encravadas em seu latifindio, expropriando grande quantidade de pequenos agricultores. No entanto, poucas sesmarias foram revalidadas e as posses legitima- das, conforme exigia a lei, o“governo abandonou completamente ainspecdo das terras pablicas em 1878" e as invasdes de terras piblicas continua- ram, sendo que novas posses foram efetivadas por meio de registros frau- dulentos (a conhecida grilagem, que ocorre até hoje) Por outro lado, aqueles que nfo conseguiam obter a propriedade da terra passaram a fazer parte de uma mao-de-obra livre, da qual o pais passa~ ‘va.a necessitar, com a iminente abolig&o dos escravos. Além disso, o dinheiro adquirido pelo Estado com as vendas das terras subsidiariam a imigragio, A lei proibindo o trafico, decretada em 1831 sob pressio inglesa, néo foi obedecida até 1850, quando uma nova lei foi decretada, novamente sob pres- s&0 da diplomacia britanica, [eso coincidi com um periodo de grande ex- pansio das plantacées de café. Nessas circunstncias, os latifundiarios,cujos interesses estavam ligados as areas em desenvolvimento, tiveram que seco sera inigragio como alternativa para recrutamento da forga de trabalho. Ou entio o trafico intemo de escravos. Néo foi por acaso que a Lei de Tetras de 11850 foi decretada no mesmo ano que abolist o comércio de escravos 54 Assim, a Lei de Terras refletiu ndo s6 um Estado preocupado com 0 controle da propriedade fundiaria no pais, mas também com o desenvolvi- 52 CE COSTA Emilia Viotida Da Monarguia Republica: momentos desisivos Sio Paul: Ciéncias Humanss, 1979, p. 358-359 53 HOLLOWAY, Thomas H Imigrantes para o Café: Café e socied ate em Sip Paulo, 1896-1934 io de Janeiro: Paz e Terra, 1984p. 173. 54 COSTA Emilia Vittida. op. cit, p 145. 12 mento econémico que o Brasil passou a ter com a lavoura cafeeira e coma propria questo da m&o-de-obra. Contudo, ela nfo encontrou eficdcia social, de modo que seus objetivos ndo se concretizaram, nem com 0 Estado conseguindo inibir a posse de terras péblicas, nem influenciando uma imigrag&o massiva com vistas ao fim da escravidio, que ja se anunciava. Conforme José Reinaldo Lopes, “em resumo, sem fazer cumprir a lei, 0 Brasil nao conseguiu rivalizar outros Paises que se abriam imigragio estrangeira: a qualidade das terras dos Estados Unidos era melhor, a escra- ‘vido ja havia sido abolida ( logo nfo havia a concorréncia de dois regimes de trabalho no campo) e a facilidade de aquisig&o era muito maior”. Janos fins do séeulo, com aRepéblica, nova Constituigao foi promulga- da, no ano de 1891, Entretanto, ela continuow a refletir as idéias liberais-con- servadoras ja consagradas pela primeira Carta Magna, sem qualquer vinculo com os anseios sociais ou com a participagfo das massas populares. Assim, neste momento de transig&io entre uma sociedade fundada no escravismo para uma sociedade capitalista permaneceu a mesma estrutura politico e social de latifandio, poder oligarquico e auséncia de democracia, apesar de ter ocorrido a ruptura republicana. © Direito, mais uma vez, serviu de pilar de estruturacio do Estado os bacharéis continuaram a constituirem-se em atores privilegiados dentro da estruturagéo burocratica estatal. Consideragées finais Sem a pretens&o de esgotar a tematica abordada neste texto, a andlise exitica aqui realizada dos tragos mais importantes da formagdo da cultura jusidica no século XIX visou levantar alguns pontos polémicos capazes de ilustrar como o Direito P ositivo Brasileiro se formou no nosso primeiro sé- culo como Estado independente. Evidenciou-se neste trabalho que o Direito Nacional foi construido como parte de um grande arcabougo para a formagao do Brasil como Esta- 55 LOPES, José Feinaldo de Lima op. cit p 359-300, 73 do, sendo eminentemente instrumentalizador do pais que surgia, dai sua ligag&o com as elites dominantes e, ao mesmo tempo e de maneira bastante anacrénica, seu vinculo liberalista. Demonstrou-se que no 56 a producio legislativa a partir da Consti- tuig&o de 1824, como também a instituig&o das duas primeiras Faculdades de Direito para formagio do corpo burocratico-administrativo do nosso Estado, so elementos determinantes para a formag&o de uma cultura just dica em que ocorre a utilizago do Direito como mecanismo de expresso do poder politico e econdmico, de modo que ele serviu permanentemente para manuteng&o dos interesses das oligarquias dirigentes. Assim, categorias como o patrimonialismo, o patriarcalismo, 0 juridicismo e o bacharelismo e de acontecimentos como a implantag&o dos cursos de Direito e a promulgagao da Constituigo de 1824 foram elemen- tos fundamentais para o entendimento da ordem que se colocava, em que a grande massa era excluida e nfo se podia falar em democracia. Por fim, importante dizerse que a“releitura’” critica de nosso Direito Positive aqui apresentada a partir do entendimento da construgao da cul- tura juridica que se formou no século XIX e que deixou tragos em nosso mundo jusidico até hoje possibilita seu questionamento a partir de sua pré- pria génese, nico caminho de viabilizagéo de uma sociedade democratica ede uma cultura do Direito mais voltada & realidade social, Referéncias bibliogrdficas ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder: 0 Bacharelismo Liberal na Politica Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. ARRUDA JUNIOR, Edmundo de Lima. 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