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O ESTADO E O URBANO NO BRASIL Francisco de Oliveira * A questo das relagdes entre o Estado ¢ 0 urbano é ainda muito fugidia e tenho a impressio de que nao dispomos senao de algumas pistas para aprofundar certas investigagdes. Nao ha um corpo muito consistente de teorizacio que possa de certa forma apresentar um quadro mais completo sobre este aspecto, Isto em parte €, evidentemente, desvantajoso, mas, de outro lado, apresenta-se como uma vantagem, principalmente se se tem em conta uma reflexdo sobre as relacdes entre o Estado ¢ 0 urbano nas condigdes concretas em que elas sé apresentam entre nés, © que nos salva de alguma forma nao da famosa importacdo de teorias, besteira consumada, mas na verdade de transposigdes sem muita critica de nosso lado. As relagdes entre o Estado ¢ o urbano podem ser vistas sob varios angulos. Pelo Jado da divisao social do trabalho, por exemplo, essas relacdes se tornam mais perceptiveis, € se se toma a divisio social do trabalho no sentido mais late entre cidade © campo — onde é facil pereeber, tanto na experiéncia ‘brasileira como nos demais, uma aco e uma interacao entre o Estado e o urbano — fica clara a forma pela qual o Estado utiliza mecanismos que sdo de criacéo e de repro- dugo disso que ¢ o urbano, enquanto que, se tomando do ponto de vista do €ampo Nessa ampla divisao social do trabalho, a acdo da Estado ¢ portante sua interacéo sfio menos visiveis. Pode-se tomar também a relacdo entre o Estado ¢ o urbano se nds o observamos desde o Angulo das relagdes sociais de produedo, o qual, de certa forma, coincide com essa divisio social do trabalho. Na experiéncia brasileira, a entrada ‘do Estado na regulago de relagdes sociais de producdo também ¢ muito mais perceptivel, muito mais consolidada. Alids, para ser um tanto redundante, desse ponto de vista das relacdes sociais de producio, na verdade o Estado esta mesmo no nascimento delas, se nds tomarmos os anos 30 ¢ a Revolucao de 30 como a revolugie burguesa no Brasil. Ha também uma outra forma de pereeber as relagdes entre o Estado ¢ 0 urbano, que 6 talvez a forma mais convencional, talvez a forma mais acabada (do ponto de vista da observagao empitica e nie do ponto de vista da teorizacdo), que ¢ a telacdo entre o Estado e o chamado espaco urbano. Talvez tenha sido nesse campo, onde a evidéncia empirica dessas relagdes do que constitui o nexo entre © Estade ¢ o urbano se apresenta de uma forma mais visivel, que provavelmente também se encontre maior debilidade tedrica, Nao temos passado, na verdade, de uma constatagdo da agio de investimentos estatais sobre as cidades; por exemplo, n3o temos passado da constatagio da * Sociélogo, pesquisador do CEBRAP, autor do livro Elegia para uma Retli)gide, Professor do Depto. de Heonomia da PUC-Sie Paulo, 36 agdo do Estado sobre a regulacdo de certos aspectos da vida urbana, desde leis de uso de solo até cédigos de construcdo, mas esse ¢ precisamente talvez um dos campos dessa relacio cujo trabalho tedrico tem sido mais ineficiente, menos profundo. Ha ai portanto uma contradicao entre a visibilidade do tendmeno ea possibilidade de sua recuperagio enquanto teoria. E claro que essas varias formas de abordagem sao parte de um estoreo que deve confluir, apanhando aspectos pai tais como os assinalados, para chegar a uma intimidade mais proxima com essa questao da relacdo entre o Estado e 0 urbano na economia ¢ na sociedade brasileira. Ha alguns pressupostos histéricos na formacdo do urbano aa Economia brasi- eira; esses pressupostos historicos sao, a meu ver, derivados exatamente da formacgaéo da economia colonial e situam-se, evidentemente, sob aquele angulo E dbvio dizer que o sistema produtivo mediante da divisao social do trabalh ‘@ qual o Brasil se insere na divisio internacional do trabalho, a época da expan- sao do mercantilismo, fundava-se sobretude no campo, mas o que tem de certa forma escapado a uma observacdo mais pertinente é que talvez seja possivel dizer que nunca 0 campo controlou realmente o Estado no Brasil. E cu acharia base histérica para uma afirmacio desse tipo devido, precisamente, ao cardter agroexportador da economia. As cidades se constituiram segundo um padrao litorineo nao s6 devido ao seu caréter exportador de produtos primArios, mas também devido 4 divisdo social do trabalho, ¢ isto tem a ver com a forma especifica do eapital que controlava desde cina (sem entrar nela) essa economia agroexportadora. Wai ser nas cidades que se localizarao tanto os apareihos que fazem a ligacio da produciio com a circulacdo internacional de mercadarias quanto os apartlhos de Estado — do Estado colonial portugués, em primeiro lugar, e depois do Estado brasileiro — que tém nas cidades, evidentemente, = sua sede privilegiada. £ mais importante pensar no fato da hegemonia do capital comercial do que pensar provavelmenie na questo dos aparelhos de Estado. A questio dos apa- relhos de Estado nos fevatia imediatamente a pensar no estilo de uma reflexao do tipo que faz Richard Morse, por exemplo, de que as cidades da chamada América Ibérica eram cidades sobretudo burocrdticas, ao contrario do para- digma que ele constréi para as cidades européias, que sao ma verdade o centro da revolucio burguésa. Sem diivida alguma, esse aspecto saliente das cidades burocratieas néo pode ser negado; ¢ nao pode ser negado inclusive pelo proprio earéter do Estado colonial portugués, coisa sabidamente estudada e reconhe- cida. Acho que uma pista mais importante do que esta, e que de certa forma s¢ contradita com o tipo de paradigma que Morse constrdi, € pensar que as cidades sic ai ma verdade a sede do capital comercial que, controlando a pro- dugio agroexportadora, fazem a ligacdo dessa produgdo agroexportadora com ‘a circulagéio internacional de mereadorias, & esse cardter de sede do capital comercial que responde, na maioria dos casos, pelo carter que a urbanizacio toma por exemplo no Brasil Colénia e depois, j4 com o pais independente, no prosseguimento da expansdo da agricultura de agroexportagdo, da agricultura de exportacdo sob a égide do café até o final dos anos 20. 37 Se nfo se pensar num problema desse tipo, que reside em compreender 0 cardter dessa urbanizag’o como o centro do capital comercial e de todas as atividades ligadas a ela, dificilmente se pode entender o fato de que a urba- nizacéo no Brasil, desde a colénia e principalmente no século XIX, avanca a passos mais largos do que aqueles que nos acostumamos a entender, isto é, nés estamos acostumados a entender que o fenémeno da urbanizacdo na sociedade € na economia brasileira é um fendmeno que se deflagra apenas a partir da industrializagiio, E evidente que a industrializacéo vai redefinir 0 que é esse urbano exatamente porque ele passa a scr a sede nao sé dos aparelhos bure- craticos do Estado quanto do capital comercial, passando a ser a sede do novo aparelho produtivo que é a industria. Isso tem nos levado a desprezar, de certa forma, a formacao urbana dentro das condigdes da economia agroexportadora: € 0 tamanho de certas cidades no Brasil, por exemplo, para falar desse aspecto, tem sido muito mal-entendido pela maioria dos historiadores que se dedicaram 4 pesquisa sobre a formacao urbana ou sobre a urbanizacdo na América Ibérica € particularmente no Brasil. Tem sido mal-entendido e, muito recentemente — nes iiltimos 20 anos —, essa ma interpretagdo ou esse descuido em verificar © papel das cidades enquanto sede do capital comercial veio como que se projetar sobre a sociologia — surgindo primeiro na cabega do socidlogo de Apipucos e depois estendendo-se na verdade A grande maioria de socidlogos latino-americanos, dando lugar A teorizagao sobre a inchacao, a famosa urba- nizacéo sem industrializagio, marginalidade social e aspectos correlatos. Ai talyez, recorrendo menos & teoria © mais ao empirismo, & propria experiéncia do cotidiano, eu, por exemplo, que sou do Recife, me perguntei muitas vezes em que consistia esse cardter inchado de uma cidade como Recife; e se damos passos atras, tentando reconstituir um pouco a histéria, é possivel ver, ainda sem conseguir teorizar completamente, que o tamanho, por exemplo, de uma cidade como Recife, que desde o século XIX em termos relatives evidentemente era uma cidade j bastante grande, ndo se explica se ndo se tiver em conta a sua fungao de sede do capital comercial. Portanto, essa urbanizacéo precede, sob muitos aspectos, uma nova urbanizacao que se redefine a partir do mo- mento em que a cidade passa a ser também a sede do aparelho produtivo, a sede da industria propriamente dita. Nés temos um processo, desse ponto de vista, que apresenta polarizagdes muito radicais; uma economia que, fundada na monocultura em varias regides do Brasil, ¢ que, por essa razdo, nao criou, ao estilo da Europa — se quisermos falar da Europa como uma referéncia — a imensa cadeia de aldeias e pequenas vilas. O carater monocultot da agricultura de exportacdo embotou e abortou um processo de urbanizacao que se verificasse no entorno das proprias regides produtoras dos bens primarios de exportacdo, Ao contrario dessa imensa teia de aldeias de pequenas cidades — que talvez seja um padrao caracteristico da urbaniza¢ao européia, por exemplo — ele produziu, por outro lado, uma extre- ma polarizagio, um vasto campo movido pelo conhecido complexo latifindio- minifindio ¢ sobretude fundado nas monoculturas, que néo gerou uma rede urbana de maior magnitude no entorno das préprias regides produtivas, mas 38 que, por outro lado, eriow grandes cidades em termos relatives, evidentemente, desde o principio. Esse duplo cardter, que é determinado, de um lado, pelas monoculturas de exportacdo ¢ de outro abortando portanto uma rede urbana ou criando um padrao de urbanizac&o muito pobre, gerou precisamente (tendo as cidades como © centro nevrélgico da relagio da economia com a circulacio internacional de mercadorias), desde o principio, poucas mas grandes eidades no Brasil. Ha certos pressupostos histéricos que.seria preciso reconstituir. Evidentemente as relagdes do Estado com esse urbano nessa fase sao bastante perceptiveis; elas sdo perceptiveis principalmente no aspecto que Morse ressaltou que €, digamos assim, 0 facies burocratico das cidades, onde evidentemente se con- centrava a maioria dos aparelhos de Estado controladores das relacbes entre a economia colonial e a economia metropolitana. Esse padrao vai permanecer, durante muito tempo no Brasil, quase intocado. Os diversos ciclos da economia brasileira (nao vistos do ponto de vista dos ciclos de capital), o ciclo do agticar e todos os outros, terminando no ciclo mais extenso, mais duradouro e mais marcante da recente hist6ria brasileira, que € 0 ciclo do café, permanecem criando ou recriando permanentemente um padrao de urbanizacéo que consistia nessa extrema polarizagdo: de um lado uma rede urbana bastante pobre e, de outro, uma rede urbana extremamente polarizada em grandes e poucas cidades, que eram exatamente as sedes do con- trole, seja burocritico, seja do capital comercial. A relagao, portanto, entre 0 Estado e esse carater da urbanizacdo & bastante perceptivel, embora, a meu ver, enfatizo que tenha sido descuidado pelos histo- Tiadores que criaram teorizagao histérica sobre a formagéo ou sobre a urbani- zagio na América Latina — que se coloca como um tipo oposto ou, se ndo oposto, pelo menos diferente, da urbanizacdéo na Europa. & evidente que essa tipologia nao ¢ feita completamente sem fundamento, mas a razdo maior desse tipo de estruturagao urbana e das relagdes do Estado com o urbana devia-se, a meu yer, precisamente ao carater monocultor da produgio e ao destino dessa produgéo, que era a exportacdo, dando lugar tanto @ que as cidades tivessem um jacies burocrdtico bastante saliente, mas dando lugar também a esse outro aspecto, menos cuidado ¢ menos estudado, que ¢ 0 papel das cidades na ligacdo com a circulagao internacional de mercadorias. Nao € muito exagero nem muito heterodoxo afirmar que, ac contrario do que Se passou no campo brasileiro durante pelo menos dois séculos, algumas das tentativas de transformagao ou, pelo menos, algumas das contradicdes mais fla- grantes dentro da histéria brasileira, que deram lugar precisamente a alguns movi- mentos politicos batizados pela histéria brasileira de “revolugdes", deram-se precisamente nas cidades. E assim foi porque as cidades, enquanto sede do capital comercial, comecam a criar uma série de contradicdes entre esses capi- tais comerciais fundades no controle da producao agricola, ¢ na intermediacao com a circulacdo internacional de mercadorias; esses capitais comerciais, de um lado, vao comecar a entrar em chogue, por exemplo, com as relagées com 39 a metrépole e, de outro lado, entram em choque as vezes também com o préprio sistema produtivo fundado seja na monocultura, seja no latifindio. Algumas das chamadas “revolugdes” da histéria brasileira, principalmente algu- mas das revolugdes passadas no Nordeste, so de certa forma o prentincio de contradigdes entre esses capitais comerciais, de um lado, 0 proprio sistema pro- dutivo, de outro, e também das relaces internacionais da economia agroexpor- tadora com a metrépole. Guerras ow lutas civis que opunham comerciantes a latifundiérios do aciicar (no Nordeste, particularmente, isto ¢ bem tipico das revolugdes da primeira parte do século XIX) denunciam o fato de que na ver- dade o capital comercial, fundado ¢ sediado nessas cidades, de um lado come- cava a entrar em contradicao com © préprio tipo de apropriagdo do excedente que o Estado portugués realizava ¢, de outro lado, tinha ma estrutura produtiva, montada sob o complexo latifindio-miniftindio, um obstéculo 4 sua penetracio no préprio coracao do sistema produtivo, Em outras palavras, a passagem do controle do sistema produtivo das oligarquias agrdrias para o controle do siste- ma produtivo por parte de capitais que comecavam a provir e a se reproduzir nas cidades, utilizando-se sobretudo do seu papel na intermediagao dessas mer- cadorias. Recuperando-se um pouco da histéria desses conflitos sociais, é per- ceptivel, em alguns deles, o conflito de interesses que comegam a haver entre a cidade e 0 campo no Brasil, ¢ as cidades e a metrdpole colonial portuguesa. Mas todo o século XIX assiste A permanéncia — com a passagem sucessiva dos ciclos da economia brasileira e o fato de ter-se fundado aqui outras producgdes que, do ponto de vista de sua ligagdo com o mercado internacional, percorriam 05 Mesmos circuitos —, a reiteracdo e reproducdo do padrao urbano existente, ainda que embrionariamente, desde a Colénia; um vasto campo indiferenciado, com uma rede urbana pobre e, de outro lado, poucas ¢ grandes cidades polari- zando essas fungdes de capital comercial e da intermediacio entre a produgao nacional ¢ a sua realizado nos mercados internacionais. A pobreza dessa rede urbana é, em parte, determinada pelo proprio carater autérquico das producdes para exportacéo, Esse cardter autérquico embotava a divisio social do trabalho , embotando a divisdo social do trabalho, nado dava lugar ao surgimento de nOVas atividades cujo céntro natural fosse evidentémente as cidades, por uma série de razGes bastante conhecidas. Também nao nos deve escapar um elemento constitutive muito forte, muito marcante da economia brasileira, de sua fundacdo e de sua reiteracdo: 0 proprio fato de que ela se fundava no trabalho escrave. Em se fundando no trabalho escravo, quase por definigao, nao existe aquilo que as cidades eram na Europa, isto €, o mercado onde se dava a formacio tanto do exército ativo quando dos exércitos industriais de reserva. Esse carater presente desde a fundacgao da eco- nomia brasileira, em que o trabalho escravo nao dava lugar, por definigao, a nenhuma formacao de mercado de trabalho, ¢ ele mesmo constitutive do fato dessa pobreza da urbanizacao no pais, de um lado, e da polarizacdo em torno de poucas cidades, de outro. E outro elemento que ndo nos deve escapar para percebermos como é que uma economia, que tendo se especializado em agricul- turas de exportacao e tendo chegade, como chegou a economia brasileira, a0 40 auge do ciclo do café, teve o seu produto principal de exportagio como o pri- méiro produto da circulagao internacional de mercadorias, Boa parte dessa resposta consiste precisamente no fato de que essa economia, por um lado, era monocultora €, por outro lado, era fundada no trabalho compulsério, no trabalho escravo, negando a cidade enquanto mercado de forca de trabalho, negando a cidade pelo cardter autérquico das producoes agricolas, negando a cidade como espago na divisio social do trabalho. Esse padrao permanece durando praticamente até os anos 20 deste século. E um tanto surpreendente o fato de que Séo Paulo, hoje a maior aglomeracao urbana da América Latina, tendo ultrapassado Buenos Aires, tendo ultrapassado a propria Cidade do México, no fim do século XIX, néo passasse na verdade de um burgo, de relativa insignificdncia no conjunto da rede urbana brasileira, Santos, por exemplo, era muito mais importante, enquanio cidade, do que Sao Paulo. Vai ser ai precisamente, com a modificagao da divisio social do trabalho agora sendo levada pela industria, isto ¢, a expans&o capitalista sendo coman- dada pela industria, que vai redefinir, de uma forma completa, esse carater da urbanizagio das relagdes cidade e campo na ampla diyisdo social do trabalho no Brasil. E vai ser, portanto — o que é completamente ébvio e nenhuma novidade —, 0 cardter dessa industrializacio que vai oferecer esse espeticulo um tanio impressionante do salto de uma cidade como S40 Paulo que, ao fim do século XIX, tinha uma significaneia pequena dentro do conjunto das grandes cidades brasileiras, para, no curso de menos de 60 anos, dar um enorme salto e chegar a constituir-se na maior aglomeracéo urbana da América Latina. Mas 0 que ndo é completamente dbvio, ainda do ponto de vista da divisfo social do trabalho, em primeiro lugar, ¢ porque as cidades no Brasil dao ui salto enorme — tomando 0 caso especifico de Sao Paulo, em menos de 60 anos, de uma cidade insignificante converte-se na maior aglomeracdo urbana na América Latina. E possivel ver que o proprio tamanho que as cidades tomam, # propria rapidez do processo de urbanizacao, medido pelos incrementos da populacdo que aflui as cidades, tem muito a ver, de um Iydo, evidentemente, com a indus- tfalizacao, com a massa de capitais e, portanto. com 0 processo de acumulacdo sediado nas cidades. Isso ¢ completamente Sbvio ¢ transparente, Mas 0 que quase nunca transparente ¢ 9 outro lado da medatha. A pergunta que se coloca € por que também a industrializacdo, quando se di, impoe um ritmo de urbanizacao desse porte? Af, 0 que se pode fazer ¢ contrapor a antiga autarquia do campo, que determinava um caréter pobre de urbanizacio no conjunto do pais, 4 autarquia das cidades. © que significa “autarquia das cidades’? Significa que as cidades, ao torna- rem-se com a indusirializagdo o centro de aparelhg produtivo, vao, pela propria heranca do padrao anterior, constituir-se em cidades autarquicas. Estou chaman- do autarquia ao seguinte: a industrializaeda vai impor um padrao de acumulacao, que potencia, por uma poténcia X, ainda ndo determinada, uma urbanizagdo; a industrializagio vai impor um padrio de urbanizacdo que aparentemente é, em muitos graus, ¢m muites pontos, superior ao proprio ritmo da industrializagdo. 41 © fato de que a divisdo social do trabalho nos perfodos anteriores era estan- que — autarquia nos campos — vai impor que a industrializacéo no Brasil vai ter que se fazer imediatamente urbana ¢ excepcionalmente urbana. Se tomarmos outra vez como paradigma apenas referencial a divisio do trabalho entre cidade campo, como por exemplo no nascimento do capitalismo na Inglaterra ¢ na Franca, a expansdo capitalista via industria nos paises centrais vai repousar inicialmente sobre uma esptcial combinagao da divisio social do trabalho entre campo e cidade. Em outras palavras, enquanto Lancashire, Manchester, Liver- peol ou outras quaisquer das grandes cidades inglesas sedes do proceso de industrializacao, para tomar um exemplo concreto — o caso da industria téxtil — acolheram a tecelagem, a fiagdo, a outra parte do processo industrial da fabricagao de tecidos continuou a residir no campo; isto é, 0 camponés europeu era autérquico noutro sentido, no sentido de que dentro da unidade campo= nesa existia uma divisio social do trabalho que ia desde as tarefas agricolas até as tarefas de manufatura, ou seja, 0 camponés europeu era, simultaneamente, um agricultor e um artesiio. Com a emergencia do capitalismo industrial, este vai sé s¢rvir, sob muitos aspectos, dessa base camponesa da industrializacio, que no caso do Brasil nfo péde se dar. O cardter autérquico da economia monocultora no Brasil € de outro tipo, E um cardter autarquico no sentido da finalidade exclusiva da producag de agro- exportacdo. Hoje tem muita gente que, para decorar suas casas, sai ai procuran- do, nas pequenas cidades do interior do Brasil, rocas de fiar que no passam de pecas de museu; sio pecas tae raras que quem as consegue pode exibi-las orgulhosamente, mobiliando as casas, dando aquela aparéncia de novo-velho que € 0 bom-tom da nova classe média; mas isso na verdade sdo pecas de museu porque essa divisde social do trabalho interna as unidades camponesas no Brasil munca houve ou, quando houve, foi em casos muito raros. © que quero dizer com isso é que, quando a industrializagio comeca a ser o motor da expansao capitalista no Brasil, ela tem que ser simultaneamente urba- ma, ¢ tem que ser fundamentalmente urbana porque nao pode apoiar-se em nenhuma pretérita divisdo social do trabalho no interior das unidades agricolas. © nosso camponés, cu semicamponés — eu preferiria chamar, porque nunca teve a propriedade da terra, seniio a posse —, 36 em raros casos a unidade camponésa continha dentro de si uma divisdo social do trabalho diversificada, © que fez com que, no momento em que se inicia a industrializagao, as relacbes cidade-campo de novo sé mantivessem cstanques desse ponto de vista, caracte- rizando uma industrializagio que forgou um processo de urbanizagao numa escala realmente sem precedentes. Noutras palavras, a inddstria no Brasil ou seria urbana, ou teria muito poucas condicGes de nascer. Esse é na verdade o maior determinante do fato de que a nossa industrializagdo vai gerar taxas de urbanizagéo muito acima do préprio crescimento da forca de trabalho em- pregada nas atividades industriais. Isso, retomando uma de nossas primeiras observagées, vai dar lugar a0 que a sociologia vulgar chamou de urbanizacao sem industrializacao ¢ a toda teorizagao sobre o “inchaco” e a marginalidade social nas cidades. Nao se quer dizer que mao haja marginalidade social nas cidades, mas essa marginalidade social é, ela mesma, um componente dog exér- 42 citos industriais de reserva. Nao significa, tal como a teorizagéo da margina- lidade social tenta dizer, exclusdo do mercado de trabalho, nem exclusao da economia urbana. Significa a forma peculiar pela qual a industrializacdo brasi. leira trouxe para dentro de si, de uma 36 vez, de uma pancada, todo esse exército industrial de reserva, vindo dos campos para dentro das lades. Esse ¢ um aspecto importante, sem o que o fendmeno da urbanizacde visto desse lado (ha outros aspectos que devem ser salientados) torna-se pouco compreensi- vel, dando lugar, evidentemente, a explicacdes ¢ teorizagdes pouco satisfatorias. Essa autarquizagio das cidades é visivel também (se bem que novamente nao se tenha ainda uma consisténcia tedrica bastante fundamentada. para explica-la), se tomarmos empiricamente o caso da industrializagio e se formos até o nivel das proprias unidades industriais. As industrias que nascem, agora num processo muito mais yertiginoso de acumulagao, vao ter que ser, de um lado, completa- mente autarquicas, desde que ndo possam se apoiar em nenhuma diviséo social do trabalho pretérita que as ligasse com o campo. A industrializagio, ao repousat ou ao sediar-se em cidades que eram apenas sede tanto do aparelho burocratico quanto do capital comercial, também nao vai encontrar nas cidades uma divisio social do trabalho que desse lugar a unidades produtivas de pequeno porte. Empiricamente é possivel recuperar, por exemplo, sob dois sentidos, essa cons- tatagao: de um lado, a grande maioria das indistrias brasileiras dos grandes conjuntos industriais, as Indiistrias Matarazzo, por exemplo, vamos. ver que cla, sendo uma industria de bens nao duraveis de consumo, tem dentro de si desde: 9 principio uma divisdo social de trabalho extremamente complexa, Isso se Tepete por quase todos os grandes conjuntos da indiistria brasileira. No caso do Nordeste, como no caso da indtistria do aciicar em Pernambuco, cada usina ‘tinha que ser um setor produtor de bens de capital que fazia e reparava os bens de capital dessa indiistria aqucareira. A indistria vai conter dentro de si uma divisdo social de trabalho muito mais complexa do que aquela que seria deter- tiinada pelo exclusivo processo fabril de producio da mercadoria final. Isto é bastante evidente. Cidades como Paulista, em Pernambuco, e Votorantim, em Sao Paulo, sdo exemplos onde a indiistria para se instalar teve que simultanea- mente instalar uma cidade, desde o fazer a casa para o operdtio (0 que em Muites casos parecia um pouco o idilio entre capital e trabalho), ¢ até uma complexa divisio social do trabalho no interior da prépria fabrica. Hoje a situacio ¢ muito diferente. Ninguém vai encontrar numa industria do grupo Matarazzo, por exemplo, um setor produtor de bens de capital. Contudo, até vinte anos atrds, se visitéssemos essa fabrica da Matarazzo que estd ai perto da Av, Marginal em Sao Paulo, encontrariamos, dentro dela, uma complexa divisdo social de trabalho que aparentemente nao tinhe nada a ver com o pro- duto final que a Industria Matarazzo produzia, Ela possuia um setor produtor de bens de capital no seu interior, um setor propriamente produtivo do bem final para o qual estava destinada, ¢ trazia contido dentro de si também todos os departamentos de circulacao de mercadorias, até departamentos especializa- dos na prépria distribuigao. 43 Esse aspecto, em grande medida, é fortemente determinante do fato de que a industrializagao teve que ser, no Brasil, a partir dos anos 30 — que ¢ 0 marco realmente de aceleras4o do processo de industrializacio —, uma indus- trializagao inteiramente urbana e requerendo taxas de urbanizagio muito acima das que seriam as necéssidades de preenchimento dos postos de trabalho nas novas fabricas, © sociologismo vulgar olhou a coisa comparando apenas aumento da populagao e aumento da forga de trabalho com os postos industriais criados pelo processo de indusirializacio, sem se dar conta de que ¢ssa industrializacao exigia uma série de requerimentos que as cidades nao ofereciam. Isso é, eviden- temente, uma heranca do padrao anterior de relagdes cidade-campo, que em novas situacdes projeta-se de outro lado: ao invés de autarquia dos campos, agora impée-se uma autarquia das cidades, o que levou, par um lado, a que © processo de capitalizagdo ¢ acumulacdo dessa indistria tivesse que ser um processo de acumulacfio a taxas excepcionalmente elevadas. A industria tinha que instalar toda uma complexa divisdo social de trabalho no interior de uma unidade industrial, exigindo portanto graus de capitalizacio muito mais altos. Por outro lado, dialeticamente, isto concorria para baixar o préprio poder de acumulacio de cada grupo industrial em si mesmo; ou seja, se uma industria como a Matarazzo, para funcionar, exigia manter quase todo um complexo industrial para fabricar um Unico bem, isto significava que do ponto de vista da produtividade do trabalho, para conseguir uma tonelada de sabao em relacao aes capitais aplicados, a produtividade do trabalho era baixa. Observando o conjunto da atividade industrial, é possivel ver que a produtividade do trabalho era realmente baixa do ponto de vista do conjunto industrial. Isso requereu taxas de capitalizacdo elevadas e, quase que por essa determinagao de base técnica, as industrias logo tiveram uma alta concentracdo de capital e uma tendéncia a constituir-se em oligopélios ou conglomerados. Se ndo entendermos essa mecinica interna que tem que ver com a heranca do periodo agrocxportador, de um lado, e tem que ver, de outro lado, com a famosa dependéneia da economia brasileira vis-d-vis o capital internacional, nao poderemos entender tampouco tanto o cardter da industrializagdo quanto o cardter da urbanizac3o na economia brasileira em periodes mais recentes, desde que a indistria passou a ser 0 centro motor da divisio social do trabalho. Assim, a chamada acumulacao urbana é um miltiplo da acumulacao industrial, vista do ponto de vista estrito da produgdo de cada bem. Isso criava uma complexa divisdo social do trabalho no interior de cada industria e, do ponto de vista mais global, tornava a produtividade mais baixa e, portanto, mais lento © procésso de acumulagao. Nesse caso, gual é a relagao de Estado com esse novo urbano? Do ponto de vista da diviséo social do trabalho o Estado vai direcionar a poténcia do seu poder de coergiio extra-econémica (proceso bem estudado j4 por Celso Furtado, Caio Prado e outros economistas ¢ historiadores), vai tentar mudar o padrao de acumulacdo, em outras palavras, vai fazer a famosa transposicao de exce- dentes de uns grupos sociais para outros, penalizando a producdo agroexporta- dora ¢ direcionando os scus mecanismos e os seus aparelhos de Estado para potenciat a acumulacdo industrial, com todos os mecanismos j4 conhecidos € a4 descritos na historiografia brasileira. Desse ponto de vista também € perceptivel qual € a relacio do Estado com esse novo urbano, esse novo urbano visto do ponto de vista da acumulacio industrial. Do ponto de vista das relagbes de producao, este nevo urbano, ou melhor, a relagao entre 9 Estado e o urbano, consiste precisamente no aspecto mais crucial dele, que é a regulamentagao das relagdes entre capital e trabalho; e a Revolucao burguesa no Brasil nasce, eu diria, com uma aparéncia contraditéria em relacdo a0 que classicamente se tem entendido como sendo a Revolucdo burguesa nos paises centrais. A RevolucSo burguesa é a afirmacao das liberdades. No Brasil, desde 30, a Revolugdo burguesa nasce aparentemente negando as liberdades individuais, Em outras palavras, regulando as relacdes capital-trabalho desde o principio — o que € uma negacio dos chamados direitos individuais, dos chamados direitos burgueses — mas ¢, sem o recurso abusivo & dialética, a negagio da negacio. E a négacao do direito de livre contratagao por parte do operdrio, mas € a afirmacao do direito de contratagio por parte do capitalista. Por outro lado, e € o que tem levado muita gente ainda a pensar no carater corporativista do Estado brasileiro, 2 Revolucao de 30 vai também negar certas liberdades das antigas oligarquias regionais; por exemplo, ela retira — 0 que comecga a ser um processo centralizador no Brasil —, das oligarquias regionais fundadas em cada provincia, certos poderes de regulagdo da atividade econémica; ela retira 0 poder de Iegislacdo sobre 0 comércio extemno © sobre o comércie interno, 0 que de novo é apareniemente uma Revolucdo burguesa que nasce negando liberdades, mas na verdade ela, pela negacao, afirma a liberdade do novo agente social proeminente, que € © capitalista industrial. Entdo, no momento em que a Unido obriga aos Estados e retira deles a capa- cidade de legislar sobre certos aspectos da vida econémica, o que ela esta fazendo na verdade é afirmar a capacidade da burguesia industrial emergente de ter um espaco econémico nacional: unificado, sem © que a circulacao de mercadorias realmente se veria embotada e, portanto, todo o processo de acumu- lacdo teria, digamos assim, um félego curto. Esses dois aspectos nos levam a pensar que, nesse period de transicdo, a rela- cao entre o Estado e 0 urbano no Brasil se da sob dois aspectos, ou sob duas formas: em primeiro lugar, ela se dé por essa regulacdo das relagdes capital- trabalho (que nao € uma mera cépia de esquemas corporativistas da Itdlia ou de Portugal ou de quaisquer outros fascismos); nao quero afirmar com isso, para advertir desde logo, que o Estado Novo nao tivesse no Brasil tracos ca- racteristicamente fascistdides (isso € completamente evidente); mas quero é chamar a atencdo para o fato de que essa imtervengao do Estado, regulando logo as relacdes capital-trabalho, € 0 aspecto, a meu ver, mais crucial da relagao entre o Estado eo urbano no Brasil nesse perfodo. Para radicalizar 0 argumento, eu afirmaria que o urbano ai € essa intervencio do Estado nas relacdes capital- trabalho, criando, com isso, pela primeira vez, um mercado de trabalho — ou um mercado de forca de trabalho. Serd que antes, em periodos anteriores, no existia mercado de forca de traba- Iho? Se formos; inclusive, recuperar aquele outro exemplo dado a respeito da 45 autarcizaco das empresas industriais, consegue-se perceber qué muitas dessas quest6es — por exemplo, uma determinada inddstria construir o proprio parque tesidencial dos operdrios — eram uma forma de ter um mercado de trabalho sativo nao regulado pelo Estado. Existem dois aspectos que, a meu ver, s4o importantes, porque a propria industrializagao, agora no novo patamar tecnold- gico advindo precisamente da importacio dos bens de capital necessdrios a reproducio ampliada do capital, € incompativel com mercados de trabalho cativos; ¢ cla ¢ incompativel porque, ao contrario do que geralmente se pensa, a tecnologia, ou 0s avangos tecnolégicos, sio na verdade a negacdo da espe cializagio da forca de trabalho. Tinhamos, antes dos anos 30, uma forca de trabalho operéria pequena, mas altamente especializada, A evolucao tecnolégica nao faz mais do que negar rei- teradamente a especializagao da forca de trabalho. Isso no sentido de que bens de capital importados, cuja composigao técnica € determinada pela natureza das relag6es capital-trabalho e, portanto, do conflito de classes nos paises centrais, posta dentro de um quadro como o brasileiro, rompem, de forma completa, com os meércados cativos de forga de trabalho, que estavam muito baseados numa forca de trabalho altamente especializada. Altamente especializada, no sentido da produgao de certos bens, ¢ ndo comparativamente com especializago com outros ramos de produgdo. Nao se pode comparar a especializacdo de operdrios que fabricavam chapéus na década de 20 com a especializacéo dos operdrios que trabalham na indiisiria metalirgica, O importante ¢ que a composicao técni- ea dos bens de capital rompia, de uma forma radical, com esta especializacao, © portanto tinha ¢m si mesma a virtualidade de fundar um novo mercado de trabalho. O que o Estado faz, na verdade, é regular este novo mercado de trabalho, e sem essa regulamentagio — que para mim € © aspecto mais crucial das relacdes entre o Estado e 0 urbano nessa fase de transigdo — cada capita- lista individualmente iria se encontrar com uma pergunta para a qual nao tinha resposta: qual € 0 preco da forca de trabalho que eu vou cantratar para em- pregar nas minhas atividades? Quando, em fases anteriores, se tinha o trabalho compulsério, esta pergunta inexistia; em fases anteriores j com certos processos de industrializacdo, atra- vés da constituicia de mercados de forca de trabalho cativos, essa pergunta também inexistia. E esse fenémeno persiste até com muita forga em certas Ha um excelente trabalho de José Sérgio Leite Lopes, “O bo” — uma tese de antropologia sobre as relagdes de produgio no interior de uma usina de agicar em Pernambuco — onde esse aspecto da constitui¢do de um mercado de forca de trabalho cativo fica bem claro. Expli- cita como € que o usinciro criava certos mecanismos através dos quais 0 ope- rério de sua usina tormava-se ndo um servo, nem um escravo, mas incapaz de fugir as dividas que comegava a contrair com o proprio capitalista, o que era um mecanismo de constituigao de mercados de forca de trabalho cativos. © patamar tecnolégico da industria brasileira vai romper com esses mercados de forca de trabalho ¢, portanto, o capitalista industrial comeca a nao saber como responder a uma pergunta crucial: qual é o saldrio que eu devo pagar aos operatios de minha industria, desde que essa “desespecializacao” que a inovacio 46 tecnolégica promove estava rompendo com as antigas especializacdes ¢ com os mercados de forga de trabalho restritos, fragmentados e cativos de cada uma das principais atividades industriais no pais. Radicalizando, o aspecto crucial da relac3o Estado-urbano no Brasil ¢ a regula- mentagdo das relacdes capital-trabalho, “despejando” (um espanholismo) esta incégnita: no momento em que o Estado fixa o preco da forca de trabalho, em qualquer fatitude, 0 capitalista individual sabia por quanto contratar a sua forca de trabalho, elemento absolutamente indispensdvel para a constitui¢do do cAlculo econdmico burgués. Sem isso, o capitalista ndo sabe nem quanto investir em capital varidvel, nem quanto esperar de taxa de lucro da aplicacdo de seus capitais. Ai o Estado tem um papel relevante na constitui¢da dessa articulagao, e eu diria que a expressio mais significativa dessa relacio Estado e urbano no Brasil esta agora nao ma questéo da divisio social do trabalho, mas especificamente na questdo da constituicao das novas relagdes de producao. Ele tem outro aspecto também, j4 referido, que se da tanto ao nivel da divisdo social do trabalho, quanto ao nivel das relacdes entre as oligarquias agrarias e a burguesia industrial cmergente, no sentida de penalizar a produgdo agro- exportadora ¢ transferir excedentes desses grupos na produgo agroexportadora para os grupos industriais emergentes. © aspecto essencial dessa relacdo consiste na forma como o Estado articula esse nove processo de acumulacio, que é industrial e, simultaneamente, urbano. O periodo dos anos 50 inicia uma fase que € qualitativamente distinta na eco- nomia brasileira, onde tanto o carater do Estado quanto o que é a relacio entre o Estado ¢ 0 urbano na economia ¢ na sociedade brasileira constituem temas abertos para os quais ndo se tem ainda respostas muito consistentes, O que se pode dizer, em linhas muito gerais, 6 que 0 periodo dos anos 50, sobre- tudo a partir do periodo Kubitschek, instala de golpe no Brasil o capitalismo monopolista, E isto por razées muito importantes: em primeiro Iugar, devido a prépria contradicéo que se estabelece entre a industrializagao chamada peri- férica e a conduta dos estados centrais dos paises capitalistas, & sabido, por exemplo, que desde a ditadura Vargas, passando pela segunda presidéncia Vargas © 0 periodo Kubitschek, a conduta dos estados centrais dos paises capitalistas mais importantes ¢ uma conduta assimétrica em relagdo aos pro- jetos de industrializagao na periferia. Em outras palavras, toda a briga de Juscelino com o Fundo Monetatio Internacional nao era outra coisa sendo o Dloqueio das vias de financiamento internacional para patrocinar a industria- lizagao periférica. Por esta e outras razbes (que vamos tentar abordar), o Estado brasileiro, ndo por inspiracdo doutrindria nem ideolégica, € forcada pelas pro- prias necessidades de reprodugio ampliada do capital a penetrar em espacos produtivos que antes nao estavam sob seu controle e nem sob seu comando Assiste-se ai ao crescimento disso que hoje se esta chamando o setor produtivo estatal. O Estado brasileiro é levado por essas necessidades — nio para cons- truir a ante-sala do socialismo, mas na verdade para potenciar a prépria acumu- Jaco industrial — a penetrar em espagos produtivos que lhe estavam vedados, A contradigéo entre a industrializagdo da periferia do mundo capitalista ¢ a conduta dos estados centrais leva @ Estado a assumir certas tarefas que a 47 prépria burguesia nacional nao era eapaz de dar conta. Nao pelo fato da im- possibilidade de acumulacio (do ponto de vista do tamanho ¢ da magnitude dos excedentes produtivos), mas nao era capaz de dar conta, em primeiro lugar, pelo préprio cardter autdrquico que a industrializacgo tinha imposto nas cida- des, 0 que debilitava 0 poder de acumulagao de cada grupo econdmico indiv dualmente considerado; em segundo lugar, devido ao fato de essa industria- lizacao periférica ter que absorver os bens de capital, cuja composicio técnica & determinada pelo cardter de luta de classes dos paises centrais (nao pelo eardter de luta de classes aqui), ela tem que absorver constantemente padres tecnolégicos que s40 muito superiores 4 propria capacidade de acumulacao pri- vada de cada grupo nacional, O Estado entra af com um elemento que Celso Furtado chamau de “socializa- cdo das perdas ¢ privatizacio dos lucros”, através de seu poder de coercao extra-econémica, sobretudo via fiscal; o Estado realiza esta centralizacao de capitais que j4 € em si mesma um sinal da passagem da economia brasileira de uma etapa concorrencial para uma etapa monopolista, comecando inclusive pelo proprio papel do Estado no setor produtivo. De outro lado, a chamada indus- trializagao perifériea — que tem contra si a conduta dos estados centrais, mas nao das empresas capitalistas dos paises centrais — vai sendo forcada por uma espécie de redefinigdo da divisdo internacional do trabalho. Esta redefinigao da diviséo internacional do trabalho se da em dois sentidos muito importantes: em primeiro lugar, ¢ indo para o aspecto mais geral, desde ‘© ponto de vista de que, ao sair da Segunda Grande Guerra, 0 espago econd- mico mundial do capitalismo tinha-se restringido de uma forma muito impor- tante: ao invés da liquidagao da Unido Soviética, assiste-se 4 sua consolidacao, assiste-se a0 avanco dos paises de economia centralmente plangjada’ sobre a Europa Oriental e, quatro anos depois da conelusdo dessa guerra, a China € perdida para sempre para o imperialismo. Isso restringe enormemente o espago do capitalismo internacional — do ponto de vista de espagos para exportacao de capitais, para exportacao de mercadorias dos paises centrais ¢ de abasteci- mento de bens primarios para a economia dos paises centrais. Este aspecto ndo pode ser descurado se se tem em vista o que se entende por redefinigéo da diviséo internacional do trabalho, como seqiiela da Segunda Guerra Mundial. De outro lade, a. propria constélagio de forcas democriticas, que se tinha constituido no interior de cada pais capitalista central, eleva enor- memente o peso politico das classes trabalhadoras nesses paises. Isso vai obri- gar, desde os anos do “New Deal” rooseveltiano, 4 adogao de politicas de pleno emptego de inspiragéo keynesiana; vai levar a que a classe trabalhadora, pela sua organizacio, pelo seu peso politico, inclusive derivado em grande medida desse processo de amplas frentes democrdticas dentro dos paises centrais, obri- gue o Estado a assumir parcelas do custo de reprodugéo da forga de trabalho nos paises centrais. Em ultima andlise, vai significar o encarecimento do prego da forga de trabalho e da producdo de certas mercadorias nos paises centrais, © que induz esses paiscs a um movimento de industrializacao no sentido da periferia, que € um aspecto fundamental para se compreender como € que 48 antes 0 imperialismo era contrario @ industrializac¢io periférica ¢, depois da Segunda Guerra Mundial, torna-se o seu principal agente. Nestas eondicdes, existem varios aspectos que sio muito interessantes para se analisar 0 novo papel do Estado. Em primeiro lugar, por esse tipo de contra- digo assinalada e pela prépria debilidade das burguesias nacionais — nao no sentido do tamanho de seu excedente, porque, se olharmos do lado das Contas Nacionais, vé-se que a chamada poupanca externa nunca contribuiu com mais de 8 a 10% da formacdo bruta de capital no Brasil, 0 que, se se pudesse pensar em apertar um pouquinho mais o cinturdo, dava para pensar que era possivel fazer essa acumulagdo sem recorrer as chamadas poupancas externas. Porém, nao é por esse lado que sc dé a industrializagéo da periferia; é pelo lado de uma redefinic¢fo da divisio internacional do trabalho forgada por esses elementos. Ento, essa industrializagéo passa a ser um novo espaco de cresci- mento do capitalismo, atingindo paises como o Brasil — a Argentina ja vem de um processo anterior e com peculiaridades que nao podem ser completa- mente assimiladas 4 do Brasil — ¢, para ficar pelo menos na América Latina, 0 México, a Colémbia, o préprio Chile (a Venezuela muito mais retardada- mente, pelo préprio fato de que as enormes excedentes de petréleo deram 2 politica venezuelana um corte livre-cambista que sé foi rompido depois da presidéncia Betancourt). Essa industrializacdo passa a ser agora um espaco privi- legiado de expansGo das empresas internacionais, das empresas capitalistas mais poderosas dos paises. centrais. Isso leva a conseqiiéncias muits importantes: o Estado vai suprir certas necessidades porque a debilidade de acumulagio das burguesias nacionais, do ponto de vista de poder centralizador ¢ nado do ponto de vista do tamanho do excedente, tornam o Estado um ente capaz, pela sua forca extra-econémica, de realizar esse processo de centralizacdo dos capitais — o que ja € em si mesmo um primeiro sintoma de que estamos em presenca da imple- mentagaéo de um estilo de capitalismo monopolista nas economias periféricas, De outro lado, a presenga de empresas internacionais que vém agora para passar a produzir bens industriais nos paises da chamada periferia traz dentro de si um estilo de organizaco que tem profundas repercusséies sobre certos aspectos que aqui estamos considerando, da relacdo entre o Estado ¢ o urbano, por exemplo, na etapa do capitalismo monopolista, O estilo de organizagdo das empresas dos paises capitalistas centrais traz em si mesmo uma complexa divisao- social do trabalho, onde se destaca a enorme gravitacio do chamado trabalho improdutivo nessa divisdo social de trabalho no interior de cada empresa. Por- tanto, isto se transpée para o conjunto das empresas que aqui se instalaram. Em outras palavras, os famosos executivos, os gerentes, toda a classe de trabalho improdutivo, que faz as vezes do capitalista para gerir propriamente o trabalho produtivo, é um padrao que as empresas internacionais trazem ¢ instalam dentro do Brasil imediatamente, Isso traz como consegiiéncia o fato de que cresce enormemente na economia brasileira essa parcela de trabalhadores improdutivos, que dé lugar aquilo que a sociologia chama de “as classes médias”; nao é uma pequena burguesia, desde loge; uma pequena burguesia quer dizer, rigorosa- mente — ndo.omo trocadilho —, burguesia pequena 49 Essas classes médias nfo tém nada a’ ver com pequenas burguesias; elas nado controlam nenhum meio de producdo, elas so determinadas na verdade pelo padrao organizacional das grandes empresas internacionais que aqui se instalam. Isso tem importantes repercussdes: em primeiro lugar, do ponto de vista da estru- turacgdo das classes sociais no Brasil. O peso enorme que as classes médias tém na.sociedade brasileira € em grande medida determinado pelo tipo de organi- za¢ao econémica do capitalismo monopolista, da forte fragio de trabalho impro- dutivo que sao os gerentes, os gestores, os especialistas em mercadologia, enfim, todo esse aparato de trabalho que esté muito mais voltado seja para a realizacao do valor de mercadoria, seja para a circulagao do capital e, portanto, nao yoltado diretamente as tarefas produtivas, criando uma nova classe na estrutura de classes da sociedade brasileira. Esta nova estruturade classes tem como seu componente mais baixo um enorme exército industrial de reserva, fruto desse tipo de indus- ‘trializagdo e da concentragéo dos capitais; de outro lado, uma fracdo operaria, isto é, do exército em ativa, que é relativamente pequeno do ponto de vista de conjunto tanto da forca de trabalho quanto do conjunto da populacdo, ¢ uma enorme fracio de classe média que transformou, por assim dizer, o padrio de estrutura de classes existentes no Brasil antes do periodo em que, pode-se dizer, se instala quase de golpe um estilo de organizacao do capitalismo que € em tudo © por tudo 0 do capitalismo monopolista. AS repercussGes que isso tem, do ponto de vista da organizacdo urbana, so importantes. Em primeiro lugar, ela amplia extraordinariamente isso que se tem chamado de terciario: aparentemente um enorme saco de gatos, onde cabe tudo, € que s6 o cntendemos se perseguirmos a pista para saber qual é 5 tamanho e o papel dessa classe de trabalho improdutivo na organizagio econémica das novas unidades empresariais, Essa terciarizago nada mais é do que a expresso das fungdes de circulacdo das mercadorias, de circulaco do capital, das funcées que esto ligadas tanto a circulacao de mercadorias, como publicidade, trans- porte, quanto das fungdes ligadas & circulacdo do capital, 0 enorme crescimento do sistema bancArio, por exemplo. Esse terciario, que no primeiro momento da industrializacao cresceu horizontalmente, devido a falta de aparelhamento das cidades e devido ao proprio processo autdrquico da industrializagdo, agora se revela de outra forma: através da criacao de uma série de empresas ligadas a esses processos de circulacdo das mereadorias do capital e que so a sede por exceléncia das chamadas classes médias, transformando, portanto, de uma forma muito radical, a estrutura de classes na sociedade brasileira, dando um enorme peso politico a essas classes médias, um enorme peso, eu diria social antes que politico, das classes médias na sociedade brasileira, Eu resumiria afirmando que 0 urbano hoje no Brasil sio as classes médias, isto é, as cidades sio por exceléncia — recuperando a questéo da terciarizagio sob este Angulo — a expressdo urbana dessa nova estrutura de classe, onde o peso das classes médias emerge com enorme forga, com enorme gravitagdo, tendo em vista o tipo de organizac&o que o capitalismo internacional criou ao projetar suas empresas dentro da sociedade brasileira. Isso também tem importancia do ponto de Vista politico. A enorme gravitacdo das classes médias no Brasil, vista sob outro aspecto, € uma das bases do autoritarisma na sociedade brasileira. Do 50 ponto de vista do urbano, das relacdes entre o Estado ¢ © urbano, essas novas classes médias criaram demandas dentro das cidades, E o Estado hoje, de ponta de vista de sua relacao com o urbano, entre outros aspectos importantes, saliento, € em grande maioria determinado pela demanda das classes médias dentro das cidades. Empiricamente, se olharmos para os exemplos que esto a nossa volta, d agao do Estado, a mais visivel (nao aquela talvez mais profunda, contudo a mais visivel), sob o enfoque da atuacéio de uma Prefeitura como a de S40 Paulo, por exemplo, ou do ponto de vista do Governe do Estado de $0 Paulo, é a tentativa constante de atender as demandas dessa nova estrutura de classe criada nas cidades brasileiras, cujas demandas sao principalmente determinadas pelo peso social dessas classes médias na nova estrutura de classe brasileira, determinada por um padrao de estruturagic ¢ de acumulagao que € nitidamente monopolista. Assiste-se, portanto, ao paradoxo de um Estado forte que, ao contrério do que se poderia pensar ao estilo de O'Connor, nao sofre da crise fiscal, de um Estado rico que captura uma parte importante do excedente social, basicamente voltado, sob este aspecto do urbano enquanto localizacdo, a atender demandas da classe média, dando por contraste, o desatendimento, na escala mais absurda possivel, das demandas das classes mais baixas na estrutura de classes da sociedade, das demandas do operariado, das demandas das classes populares em geral. Essa enorme gravitagao das classes médias traduz, por outro lado, o fato de que no pés-64 0 desmantelamenta da organizacdo econémica e politica das classes trabalhadoras tornou-as, na verdade, agentes sem voz dentro da estrutura poli- tica brasileira e excluidas do aparelho de Estado, reforcando essa contradicao, Sem organizacao econdmica e politica das classas trabalhadoras, o Estado passa, desse ponto de vista de investimentos ¢ do gasto ptblico, a atender sobretudo as demandas das classes médias que esto nas cidades, criando esse paradoxo de que uma cidade come Sao Paulo, cujo orcamenta é 0 terceiro do pais, depois do proprio oreamento da Unido ¢ depois do orcamento do Estado de Sao Paulo, seja dinamicamente incapaz de atender as demandas que vém das classes sociais mais baixas, criando esse enorme fendmeno paradoxal, sem divida nenhuma, que Tesiste a todas as tentativas de planejar o caos e que é determinado, de um lado, pelo peso social das classes médias e pela falta de voz das classes chamadas populares na estrutura politica e no aparelho de Estado. O urbano, de certa forma, é hoje a expresséo da forma de organizacéo da ati- vidade econémica, de um lado, que cria uma certa estrutura de classes, e, do lado do tegime politico, da falta de voz das classes populares, direcionando, pertanto, os gastos do Estado, todo 0 seu poder, desse ponto de vista de investi- mento, para atender sobretudo aos reclamos advindos das demandas das classes médias. Evidentemente, do outro lado, e com peso mais forte do ponto de vista da magnitude dos gastos, 0 Estado continua direcionando seu poder no sentido da reprodugfo ampliada das proprias empresas estatais € no sentido do aten- dimento dos chamados insumos de uso difundido pelo conjunto da produgao industrial, tais como a energia clétrica e outros desse tipo. a1 Esse aspect da terciarizagée € muito importante, pelo menos desse lado, da perspectiva de como o Estado se comporta frente as diversas demandas das classes sociais, para entendermos essa face do Estado e de sua relaglo com o urbano. © urbano hoje € sobretudo a criagdo e reproducao do espaco das classes médias no Brasil, em primeiro lugar, e, pela sua negacdo, evidentementc, da auséncia das classes populares enquanto agentes politicos na estrutura politica do pais no aparelho de Estado. Do outro lado, a relacio do Estado nessa imbricacado que é na verdade, 0 capital monopolista, transforma-se qualitativamente. O Estado nao esta presente s6 na produgdo directa através do sector produtivo estatal, mas, para usar uma met4fora, de uma forma invisivel, na_articulacdo geral da economia. Isso significa uma caracteristica central do capitalismo mono- polista ¢ confere ao estudo do papel do Estado uma importancia extremamente televante: no capitalismo monopolista as relagdes econdmicas se polarizam ‘completamente, em dois sentidos muito importantes; em primeiro lugar, no sen- tido da propria regulacSo das relagdes capital-trabalho. O capitalismo mono- polista no Brasil ja nasce, de alguma maneira, durante os anos 30, sob a égide dessa regulamentagfo; de outro lado, um certo papel do Estado que é invisivel, nao aparécendo nem sob a forma de investimentos, € que é o lugar central da determinagio da taxa de Iucro do conjunte oligopolistico. £ evidente que o tamanho ¢ a magnitude da taxa de lucro nasce da relagdo direta entre o trabalho e 0 capital; mas a determinacao dessa taxa de lucro passou 4 dar-se agora no coragao do aparelho de Estado, por fenémenos que sfio préprios do capitalismo monopolista, quais sejam, o fato de que, ao contrario do capitalismo concor- rencial, onde a equalizacdo das taxas de lucro se dava pela competi¢ao entre capitalistas individuais em busca de uma maior racionalizagio dos seus processes de trabalho, no capitalismo da fase monopolista ha varias barreiras & entrada de novos concorrenciais, isto é, 0 capitalismo monopolista politiza as relagdes eco- némicas ao maximo, no sentide de que o Estado passa a ser, de certa forma, 0 jugar onde a determinag3o da taxa de lucro, a quota que cada conjunto oligo- polistico tem na massa do excedente social produzido no pais, se d4 pelo seu acesso aos aparelhos de Estado, Isso transforma qualitativamente o Estado no capitalismo monopolist, no sentido de que o Estado nio € mais uma entidade que nunca, evidentemente, esteve acima dos conflitos sociais, mas de certa forma guarda uma distancia enire as relagées diretas entre os préprios capitalistas ¢ a Classe operdria, e no capitalismo da fase monopolista esse distanciamento entre Estado € economia encurtou-se de tal forma que qualquer crise econémica hoje — isto no Brasil vé-se inclusive na fase de conjuntura em que estamos — tefle- te-se imediatamente numa crise do Estado também. Ela é, simultaneamente, uma crise econémica e uma crise politica: no por um mecanismo vulgar do tipo de que, se estamos em presenga de um sistema articulado sobre estruiuras de domi- nagio, qualquer crise econémica é crise do Estado e da politica também. Nao era assim nas perfodos anteriores; essa extrema politizagao das relagdes econ6- micas, encurtando © espago entre Estado ¢ economia, torna qualquer crise eco- némica imediatamente em uma crise politica. De um lado, porque € preciso arbitrar ou reprimir sempre 0 conflito vertical ¢, de outro lado, porque € preciso arbitrar 0 conflito no conjunto dos grupos oligopolisticos. $2 Isso dé ao Estado, no capitalismo monopolista, uma qualidade radicalmente diferente de periodos anteriores ¢, portanto, do ponto de vista da nessa investi- gacic, chegamos Aquilo que, sem duvida, ¢ muito mais uma pergunta do que ‘uma afirmacao: qual é agora a relacdo entre o Estado ¢ 0 urbano no capitalismo monopolista? Essa relacio s6 pode ser pesquisada, a meu ver, pelo menos é uma das vias preferenciais de investigacdo, se formos capazes agora de redefinir os termos em que coexistem Estado e sociedade civil, isto €, ha aparentemente um corte pro- fundo entre Estado ¢ capital monopolista, de um lado, e, de outro lado, classes populares em geal; o que ¢ evidentemente uma redefinicio dos termos da telagdo entre Estado e sociedade civil, algo diferente do corte anterior, onde as proprias empresas privadas, desse ponto de vista, estavam. mais na sociedade civil ¢ menos no Estado. Por ai se pode recuperar a nocao de conflito social, urbano sobretudo, em termos atuais, isto é, esse novo cardter do Estado no capitalismo monopolista torna, em primeiro lugar, 0 Estado em uma relacio de poder, principalmente, ¢ nao mais uma relacdo de arbitragem. Em segundo lugar, ele ¢ capaz de nos induzir e de sugerir pistas de investigacdo que recuperem agora a questao do conilito entre Estado e sociedade civil. Em outras palavras, a nog’o de que o Estado, tendo se direcionado por esses caminhas, tem contra si, na verdade, o resto da socie- dade, que é basicamente formada por nao-proprietérios, incluindo até em aiguns sentidos, setores da baixa classe média que, por via das condicdes pelas quais s¢ dé hoje a relagio do Estado com o urbano, tormaram-se, de certa forma, antagOnicas. A meu ver, a pesquisa entre o Estado e o urbano tequer hoje uma analise de como se dd o recorte entre Estado e sociedade civil, de como se dé a oposigao de interesses entre o Estado e a coalizao de forgas dominantes do capital mono- polista e o resto do conjunto da populacao, que inclui o operariado € classes trabalhadoras e também fragGes da baixa classe média. Por que essa relagdo entre o Estado e 0 urbano hoje no capitalismo monopolista deve ser pesquisada nas relagdes entre o Estado © a sociedade civil? Porque esse direcionamento do Estado, privilegiando demandas das classes médias altas do ponto de vista do seu gasto na urbanizacio, privilegiando o Estado como poténcia de acumulacao do capital privado ¢ sendo ele o lugar onde se arbitra a distribuigéo do exce- dente social entre os diversos grupos oligopolistas, cavou um fosso abismal entre esse pélo e 0 pélo das classes nao proprietarias de meios de produgao, ou, de uma forma mais ampla, de um conjunto de classes sociais, inclusive setores das baixas classes médias que, do ponto de vista das condigdes de vida, sao, em tudo € por tudo, similares. Nao faz muita diferenca, do ponto de vista das condicées de vida, por exemplo, a origem social ou a posicado na estrutura pro- dutiva; do ponto de vista de um pequeno funciondrio piblico que mora no mesmo bairro que um operario, as condices de vida que Ihe sao impostas por esta opo- sicdo de interesses unifica um amplo bloco de classes sociais, ao contrario de uma 6tica marxista vulgar, que na verdde pensa o conjunto das contradicdes apenas do ponto de vista das classes e nao as esta pensando, agora, do ponto de vista das suas relagdes com o Estado. 53 Em resumo, a pesquisa do urbano ¢ das relagdes entre o Estado ¢ o urbano requer uma pesquisa essencial sobre essas relagdes entre Estado e sociedade civil e sobre as contradigdes de interesses que formam agora dois blocos, a meu ver, que, além dos antagonismos do ponto de vista da producao social da riqueza, apresentam um antagonismo do pento de vista de como direcionar e utilizar o aparelho de Estado. 54 ASESPACO& 0 &DEBATES O Wt JUN/SET 82 REVISTA DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS ESPAGO&)i)*):; DEBATES *<° ANO II REVISTA DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS, S ore A INTERVENCAO ADMINISTRATIVA NOS GRANDES CENTROS URBANOS MANUEL CASTELLS PLANIFICACAO CENTRAL E REGIONAL LADISLAW DOWBOR NUCLEO DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS

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