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A Série Humanas, da Colegio Academia, tem como objetivos difundir a produgio intelectual de professores, pesquisadores e estudantes do Instituto de Filosofia e Cién- . cias Humanas e de éreas afins da Universidade Federal do | Rio Grande do Sul ou de outras instituigdes; propiciar o socla acesso a literatura recente neste campo de conhecimento Pe incentivar o debate académico sobre os grandes dilemas rc intelectuais e os principais problemas sociais e historicos Ipo | Ogica denossa época. e clubes a eas 1] CH @ sriMeritce A Colegio Academia ~ Série Hu- ‘manas publica, neste volume, a disserta- iio de Mestrado de Arlei Sander Damo, entre torcedores e clubes”, O autorrealizou um profundo tra- balho etnogtéfico, constituido por uma pesquisa de campo com observaeao par- tes clubes gatichos ntemacional —bem como o acompanhamento de seus jogadores em. dias de jogos. Foi feita uma andlise da trajet6ria do futebol, © qual sofreu intimeras © importantes mudancas, entendidas em seu processo histérico. Como um den- tre 0s antigos jogos populares que se transformaram em esportes modemos, futebol sofieu uma reformullacao, ten do passado da fase amadora paraa pro- fissional, e sendo influenciado por iacionista que surgiu no Em seguida, o trabalho analisou os dois maiores clubes gatichos e a consti- tuigdio de sua rivalidade, bem comode sta Colegio Academia Serie Humans Futebol e identidade social Uma leitura antropologica das rivalidades entre torcedores e clubes Arlei Sander Damo Editor daUriversdade inder Damo I" edigdo: 2002 Direitos reservados desta Universidade Federal do Rio Grande do Sul Capa:Carla M, Luzzatto Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas Revisao: Marflia Marques Lopes Vares DI63F Damo, Arlei Sander lubes /Arlei Sander Damo, - Porto Alegre : Ed. Univer sidade/UFRGS, 2002. (Colegao Academia) 1, Futebol ~ Antropologia ~ Brasil. I, Titulo. (CDU 796.332:572.0881) ‘Catalogasio ne publicagio: Monica Ballejo Canto ~ CRB 10/1023. ISBN 85-7025-635-3 Para Anito ¢ Alaides, meus pais. Sumario APAIXAO PELO FUTEBOL INTRODUGAO ... AEMERGENCIA DO ASSOCIACIONISMO, ESPORTIVO E DO FUTEBOL BONS PARA TORCER, BONS PARA SE PENSAR: ‘0s clubes de futebol no Brasil e seus torcedores. GREMISTA OU COLORADO RAGA E CLASSE SOCIAL NA RIVALIDADE GRE-NAL AH! BU SO GAUCHO! O nacional e © regional no futebol brasileiro. PRORROGACGAO REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 09 ul 16 33 58 86 121 152 155 A Paixio pelo Futebol Quando um deputado brasileiro troca de partido, raramente se fala O mesmo nao ocorre com 0 torcedor que troca de time de jo © que, portanto, nao € muito confi a seu time, mesmo quando es ica anos. como aconteceu com o Corinthians, cujos Por que a troca de lado € a a, esfera que decide a hares de pessoas, mas é malvista num esporte que afinal, ‘ganha, sofrer resignadamente quando ele-perde. Participar do mundo do ‘iifica escolhier um_“‘clube-do-coraciio”. Uma vez feita a op- nao deve ser alterada, pois-0 torcedor-passe-a-perteneer-a6-cluz ie deste clube esté-sempre competindo coms outros, que si0__ idos como os adversirios. sua introdugdo, 0 autor langa a idéia de que, para 9 te capazes-de-utitizat. Em paises como o Brasil, em que o futebol é um esporte extremamente popular, parte-se do pressuposto de que todos esto interessados nele e, por conseguinte, so capazes e gostam de fa~ lar sobre ele. O futebol, neste caso, passa a ser uina forma de falar sobre ~O pais € sobre @ identidade nacional. oe ai ~~ Esta dissertagdo trata justamente da relagiio do futebol com a iden- tidade. Ele comega analisando o surgimento do futebol no contexto da Europa pés-Revolugao Industrial e, a seguir, discute a introdugio e popularizagao deste esporte no Brasil, indo desde a fundagao dos pri- meiros clubes até a criagdo do “Grupo dos 13”. Depois se concentra em. dois destes times, o Grémio e o Internacional, examinado sua rivalidade 1S que so associadas a cada um deles. Ele procura inda hoje, freqiientemente o primeiro é visto como ta” e, © segundo, como “negro e popular”. No tltimo. capitulo, Arlei Sander Damo aborda uma questo cada vez mais discu- tida no Brasil: o futebol gaticho & mais violento e diferente do futebol jogado no resto do Pafs? Existe um estilo gaticho de jogar esse esporte? O regionalismo se reflete também no esporte? Para escrever este trabalho, Arlei Sander Damo realizou uma séli- da pesquisa. Além de freqiientar o dia-a-dia de estiidios de futebol, via~ jou com os torcedores, assistiu a partidas com cles, participou de suas comemoragdes ¢ derrotas, entrevistou vérios desses torcedores, falou com dirigentes, pesquisou documentos e atas, etc. Conseguiu, assim, elaborar um livro que combina um esmerado estudo sobre a evolugao do futebol no exterior, no Brasil ¢ no Rio Grande do Sul com uma pes- quisa de campo antropolégica. Através desta, ele conseguiu compreen- der o que significa a paixdo futebolistica para aqueles que a vivem. Sabemos que, atualmente, o futebol esta passando por profundas. mudangas no Brasil: a Lei Pelé modificou a relagao dos jogadores com os clubes € varios destes estéo se transformando em empresas que mo- Vimentam somas.astronémicas. Esta néio €a primeira mudanga pela qual © futebol passa e certamente nfo serd a tiltima. As circunstancias mu- dam, mas a paixio dos torcedores permanece inalterada. Ao contririo outras paixdes, a do futebol € eterna. Ruben George Oliven Professor Titular no Departamento de Antropologia da UFRGS 10 Tntrodugio “Acsistica do torcedor é inconscient ‘ele ama 0 belo através de movimentos conjugados, the prodazem uma sublime euforia, mas se Ihe perguntam o que sente, expri- ‘mird antes uma emogto poltica, Somos Fluminenses ou Vascos pela necessi- dade de oplar, como somos liberais, socialistas ou reacionstios. AApenas, se nfo é rara a mudanga do individuo de um para outro partido, ‘nunca se viv, que eu saiba, torcedor de um clube abandons-10 em favor de outro. Carlos Drummond de Andrade ‘Se me pekmitem uma analogia, o futebol cumpre a mesma fung&o significante do-vestudrio, especialmente para os brasileiros do género masculino. E tao corriqueiro entreter-se com as coisas do futebol que, por vezes, isso parece natural. Em um pais em que a rua é um espaco ivilegindo-na-socializagio dos meninos e que o futebol € uma das brincadeiras preferidas, desdenhd-lo €quivale a-andarng.————— Se, na moda, existem as tendéncias da estago, no futebol tem-se irias competigdes distribuidas ao longo do ano e, tanto um quanto ou, tro, obedecem a uma temporalitkale efclica. Ha também 08 produtores, cri- ios, exibiGionistas, modelos, os que estZo fie out, correspondendo, a cada 10, espagos bem determinados, quer na moda quer no futebol. Em- bora por vezes se apresentem como naturais ou necessérios, ambos sio imposigées sociais de ordem cultural e, portanto, plenos de significado. Se, com relagio ao vestir-se, opta-se ndo apenas entre 0 nu ¢ 0 vestido, mas por combinagées que revelam valores éticos © & se viri, que ‘© mesmo equivale para o futebol. Quem gosta de futebol nao apenas aprecia sua prética ou fruigdo, sendio que o faz a partir de um referencial: o clube do coragdo. Trata-se de uma “mascara” que resulta, como su- gere 0 poeta Drummond, “da necessidade de optar”. E ainda que nao esteja muito claro por que essa necessidade se impée, sabe-se, contu- do, tratar-se de uma profissao de fé. Um dos aspectos mais importantes dessa opetio, que mol os de sociabilidade mais proximos, é que, uma vez realizada, niio ser alterada. Sendo assim, o clube do coragao deixa de ser uma escolha momentéinea, cabendo ao torcedor o dnus da opgdio. Torcer é 0 mesmo que pertencer, tomar partido, assumir certos riscos e vivenciar excitagées agradaveis ou frustragées. Tudo isso, ¢ claro, de acordo com a importincia e o significado assumi- dos pelo futebol ¢ pela paixao clubfstica na vida de cada torcedor, A paixio pelos clubes desafia até mesmo uma méxima segundo a qual “gostar de futebol pressupde entender de futebol”, o que para mui- tos s6 se consegue através da pritica do jogo. Se é raro encontrar um futebolista praticante que ndo tenha seu clube do coragéo, é comum pes- soas com eseassa ou nenhuma pritica desse esporte se dizerem torcedo- acasaea 1-Se Concretamente 0 pertencimento na rua, no estédio, ‘em pleno dominio pai sao cidadios quaisquer, que part tebol, Justamente porque pai é sociais, sendo © futebol eapaz de tornar piblico e de maneira mui desses conflitos, é que existem as rivalidades as, parte delas circunscritas a esfera local, outras regionais ¢ até nacionais. O desafio é aprender, a partir do ponto de vista dos torcedores, os aspectos stmbé- 208 das. ecialmente aqueles que transcendem o jogo pro- priamente dito. ara eee Este livro € uma versio modificada da minha dissertagao de mestrado realizada junto ao Programa de P6s-Graduago em Antropo- logia Social na UFRGS. Olintenso trabalho etnograficd e, de modo par- F, a pesquisa de campo, foi iniciado no princi intensi- ficado entre setembro e dezembro do mesmo ano e s6 concluido coma 2 ipico e do Beira-Rio - especial- ‘i com os torcedores e percorri a cida- fui aos jogos no Olfm- nas cadeiras - s6 nao fe em um panorama acerca da emergén- esportes modernos, em especial do futebol, no cendrio europeu ado do futebol. Destaco, em particular, o proceso de con- ig0s jogos populares emesportes modernos ¢ o papel destes sseminagdo e consolidaczo de um padro de soci sm, associativa, competitiva e disjuntiva. Nao se trata, e uma fixagio na origem. O futebol sofreu, ao longo de sua n= ido especialmente aqueles que nao estio famil produgao académica sobre o fendmeno exportivo e o futebol. undo capitulo fornece um panorama genérico sobre o pro- dio e popularizagao do futebol no Brasil. A mutras abordagens sobre o tema, cujos dados € n extremamente iiteis, € que procuro reconstituir o referi- jonista que varreu 0 Brasil no prin- e culminou com a fundagio dos clubes. Pretendo 1m lado, a importaneia ado do Pinte Ee B terpreta- sociacionistas-c,-por outro, o surgimento _deum piiblico fiel«essas-agremiagdes, os chamados torcedores. Acons- tituigdo desse ptiblico sera cotejada a partir das transformagées decor rentes da passagem do amadorismo para o profissior dese proce a ruas, bairros e vilas operdtias. Alguns ndo prospera- Tam, enquanto outros foram to bem-sucedidos que integram, atualmente, 0 seleto “grapo dos 13”. E em torno destes “13 grandes” clubes do fute- bol brasileiro que se distribuem as preferéncias clubisticas de quase 80% dos torcedores, de ambos os sexos, dk lades e dos lugares mais longinquos. Eles nfo tém grandes torcidas porque sifo grandes mas, L | de modo inverso, sfio grandes 4 medida que conseguem me tenso contingente de pessoas cia de fortes riv: es, do Grémio: iidade Gre-Nal. 0 objetivo principal € mostrar, sob diferentes perspectivas, como a rivalidade Gre-Nal foi sen- |, por exemplo, os gremistas ¢ os colorados & edificagaio de dois dos maiores estddios privados do Brasil? Nao tenho a do Gre-Nal. A énfase, o quanto giemistara} 3s, cOntradit6rios e complementarss—— \sTormagdes forjadas pelo ‘a a insergiio do negro nos smo, dentre as quais se des bes de futebol porto-alegrense. Resgatando as décadas de isco compreender as razdes s.nngdes-de.raga.c classe social tornaram-se.tragos diacritices-daidentidade do Grémio e “do Internacional. Por que-o Grémio é-ainda-hoje- mr clube tido como -branco e elitista,enquanto o Inter € pensado de forme-cont como 0 clube dos negros-e-populares em geral’? — jonais. As conquistas do Grémio nesse p ram uma série de manifestagdes acerca do estilo gremista de jogar futebol e, por extensio, do ser gaticho. Criou-se, entio, uma polémica 4 determinado momento, até politicos ¢ intelectuais entraram no deba- te, De um lado, os que consideravam 0 Grémio um time violento. De sia sirouneorta-ao.universo do futebol, aeabou vallandasis para acs fera das identidades regionais.¢.As antigas, porém atuais, querelas en- liven, meu orientador. sempre. A Patricia, que di os aqueles com quem es a0 pessoal do Museu do Grémio. So jornada. ‘ve a0 longo do trabalho de campo, em hes grato para sempre! 5 A Emergéncia do Associacionismo Esportivo e do Futebol ARESTRICAO A VIOLENCIA E A EMERGENCIA DOS ESPORTES MODERNOS, No que se refere 8 ransformacao dos antigos jogos populares em da segunda metade do século XIX decisivamente no surgimento de mudangas mais amplas na sociedade e, simultan ‘Um dos eritérios de.demarcacio entre os jogos populares ¢ 08 es- portes modernos € a violéicia Fisica, tolerada e por vezes até desejacia no caso dos jogos. Restringindo-sé apenas ao futebol, Elias e Dunning (1992) compilaram pelo menos 23 proibigdes dos reis britinicos entre 1314. 1615. Embora nao se possa precisar a qu era jogado, quais as regras, durag30 dos embates, etc - as retaliagdes se ‘mesmas se justificavam como medida preventiva aos di [irbios que (al jogo provocava na cidade, espactatmrente-no-domin ‘piblico Por unr lado, a série de proibigdes revela, segundo Eliase ia das mesmas e, por extensiio, do Estado cio das leis, ridades locais, responsdveis por levar a cabo a pode-se aferir 0 consentimento ger determinados niveis de violencia 6 destacat’ que 0 futebol e outros jogos medievais € bem comio as perturbagdes decorrentes, ocorriam em cit- jares, Além de con vam © enfrentamento de grupos e dis Pelo fato de no possufrem regras universai: is € tampouco sangdes previstas 2Os tran: snckiquando uma das partes s¢ julga éncia extrajogo era preme- um grupo de estudantes Terca-Feira Gorda. Os habitantes locais, atentos as congas, prepararam uma grande quantidade de baste » portico da igreja, ¢ nao tiveram escripulos em desferi- s de Cambridge, to logo irromperam os primeiros ‘Alguns estudantes pediram ao chefe da Policia para ‘paz da Rainha’, mas ele estava entre os que jogavam_ tudantes de terem sido os primeiros a quebrar a paz” 1992a, p.267), adios alguns episédios recentes envolvendo as Torcidas futebol, no apenas no Brasil, mas no mundo todo, 0 ‘Média e no Renascimento nao chega a causar A diferenga, ainda segundo Elias e Dunning (1992a), 6 ses desta natureza siio, no. preset ite, AO passo que em outras Epocastais-rixasndo as win acontécime;ito entrelagado na urdidura da so- tomadas como Sbviais @ugraddveis< 4 excitagdo provocada pelos a renciar muito de outras ativis ire, embora lazer © tempo-livre sejam duas categori- ‘dveis a antigilidade. Sob varios aspectos, o futebol 's desempenham, em nossos dias, um pape! equilibrador ssicossodiais e, portanto, encontram-se fortemente entrela~ esferas da sociedade, s como as nossas, que exigem uma disciplina em ecg, a série de sentimentos agradiveis fortes manifesta € severamente vedade. (..] De uma mancira simples ow 7 conplexa, a um nivel porcionam, por um breve mas a renovagiio doss da satide mental. O resturagdo do t6nus mental nor ws em condigdes simuladas que is 1 4 sua definigdo dé Tazer quanto o viés arist ~ liberago de energias com efeito curativo -, 2-126) atribuem a0 evento Exportivo imaginatio, 0 coti- excitagio, razio e emogiio ¢ caracteristicas do 1. © que mudou, fun- damentalmente, foi o habitus socialque-converteu, através do processo civilizador, a vio) © process CaFacterizado por mudaneas iano © ocxtraordinatio, 2 monotor 0 esporte preser' folwed= formages ocorridas no Ambito dos antigos jogos, Elias (1992a) recorre a varios exemplos empiricos. No mais deles, a exegese da caga d raposa, Elias quest uma atividade to antiga quanto a cag tes jé no final do sé outra, qual o significado da part envolvendo perseguigaio e morte - da rapo: idade © a aversio a vi acima de tudo, como poderiam dar & ius de um passatempo agradav As respostas descartam, desde logo, psicolégico objetivando retrataro sadismo das. na as razbes pelas quais © passatempo prefe- |, evidentemente - se 0 au- um valor para elas? E, de um esporte exe qualquer abordagem de fi s ou o prazer de matar. quanto m dimento ~ era um componente importante, mas.apenas do-ponto de-vista-simb6I Uma segunda diferenga entre a cagada usual ¢ a caga & raposa esté nas convengdes que a cagada, como esporte, impunha a seus pratican- tes, Os cies eram treinados para perseguir somente raposas e, de prefe- réneia, a primeira que tivessem farejado. Outros animais sustados, como lebres e veados, eram simplesmente descartados; nao faziam parte do pro- tocolo, Resumindo, a cagada pressupunha o cumprimento de tarefas bem claras objetivas estabelecidas de antemio. 0 bom cagador, além de cumpri-las rigorosamente, poderia se considerar mais ou menos exitoso, na medida em que se voltasse tinica e exclusivamente ao objetivo proposto. Um terceiro elemento, talvez.o mais importante de todos, é que 20 cavalheiro era vetado 0 uso de armas de fogo. A ele cabia 0 papel de guiar seus cites através de imente elaborados e, uma vez en- curralada, a raposa deveria ser morta pelos ces. Tratava-se pois, de uma espécie de morte por procuragio, Face a todos os out 0 prazer que proporc rem como parte princi 1902a, p245-247). Ao mesmo tempo que demostra as mudanges 6 icrior dos antigos jogos, especialmente em relagdo ao prazer pro- porcionado pelo cumprimento das regras, Elias investiga a contrapartida desse processo, ou seja, como os esportes modernos contribuiram-para forjar um novo habitus social, Segundo ele, as elites reinventaram de- 19 1S ¢ nfio apenas os escolheram porque eram compativeis {om seu ethos. Tata-se, na verdade, de wm eaminho de mo dupla no “quala parlamentarizagao da: papel. A rest |éncia na arena politica, cor que os debates verbais tivessem Exi res ) a certas jormas que, por sua yeZ,exigiam um acentuado autoc levan- |do-se em consideragao 0 fato de que as pessoas que contribufram para a ‘parlamentarizacao inglesa pertenciam as classes antes de esportes como a caga embo rovidos nem estas disputas parlamentates, em tas, cram desprovidas de oportunidades ser frustra 0es; regré-| iientemente, mais agradavel. Se observados certos gados no parlamento, como a elogiiéneia c a retriea discursiva, se verd quanto eles tém em comum com cei na politica ou na academia, tenha ofuscado a compreensiio dos aspectos simbélicos dos embates - me refiro 2queles que reduzem esta pritica & € -, 0 certo é que estes envolvem nogdes abstratas que racionalidade e & dos. Em poucas palavras, quanto mais ' Sobre partamentarizagao e desportivizagao cf tb, Leite Lopes (1995, p.144-8), 20 mais regrados, complexos e dispendiosos do ponto de vista do intel agradaveis eles eram? Na inculeagiio de um ci jade face a face, os jogos dempenharam_um papel Tanclamien- irda exegese de gravu dos séculos XVI e XVII, atividades liidicas em geral i -0 Heroard, tutor de Lufs XII, A\ demonstra como os jogos de azar, a danga, a misica, e outras represen- tages draméticas “reuniam toda a coletividade e misturavam as idades tanto dos atores como dos espectadores” . rmentos ocupaval {Jogos eram ah lado, © ao mesmo tempo, um [..]Ao longo porém, estabeleceu-se um compro- ‘misso que anunciava aatitude modema com relago aos jogos (1981, p.104). _Os moralistas ndo abominavam o jogo propriamente dito, mas a atitude mas brand, Substuiram, entao, a aversdo pela incorporagao Li¢des escolares tuteladas pelo clero, dando-thes uma ela vigente na sociabil res franeeses, para com o Gxtase da caga 8 rapo: Franceses 2 co A pouco as pessous de bem e amantes da ordem uma jogos. Os padres compreenderam, pectiva mais amp Passaram a ser encarados como diverso de quanc fossem estes sagrados ou profanos. A medida que esas 2 bauatonaastey ocorrem 20 longo do século a, 6 possivel comparar, em linhas g . Embora no fagam referéncias explicitas um ao outro, e cor indo-se que a anilise de Aries esta centrada na Franga, ao passo que 's prioriza, neste particular, o contexto inglés, esta claro, em ambos, ue Os jogos. vio, progressivamente, adquirindo um novo estatuto em i caso descri s, €0 papel reservado $s PullleSabcor ino Eno interior dessas “instituigdes totais” que os jogos modernidade. Essas escolas, reservadas & burgu 0s As dangas populares. Aescol, lugar da skhole, do laze, lgar onde as pricasdotadas de fungbes sci conde se adquire uma inte e neutralizante em relagio ao mundo social, a m 1983, p.139). 2 Ba partir dessa atitude “desinteressada” e “gratuita” das classes 's em relagdo aos jogos, promotora da cisdo entre 0 ator social ¢ 0 tor esportivo, que tem origem a nogio de fair-play. Como uma espécie le conclamagio a ndo-violéncia,.a-nogié de fair-play-tta2.consigo a \\_ idéia de que um jogo nao muda a vida de ninguém, e tampouco soluci--S> ona-desavengas. Entio, por que entregar-se a ele a ponto de esquecer que € apenas um jogo?.Eis, aqui, detinigio mais simples de Tair-play: “maneira de jogar 0 jogo dos de esquecer que ele é um jogo” (1983, p.139). SURGIMENTO E DIFUSAO DOS ESPORTES MODERNOS 1s esportes-modernos pode ser considerada uma du- primeira, marcada \: ices escolates, es- € produziu mu- segunda institucionalizacao, caracterizada pela difustio dos esportes desde 0 contexto das cortes e das Pul ‘Schools para os clubes, associ- agGes e ligas independentes, foi extremamente rapida e de acordo com a8 mudangas no seio mais amplo da sociedadeinglesa da segunda meta- de do século XIX. Forjou-se, como se veré a segui de eddigos, valores e atitudes em nome dos quais De acordo com Hsin 98, a difustio dos: spares ps ire as quais se destacam o acelerado proceso de urbanizagdo, a facilitagio do acesso a escola para uma extensa parcela da classe média - incluindo os setores mais baixos - e a conseqiiente as- censiio econdmica e social de seus membros e, por fim, a emergéncia do 23 a que abrangia dois aspectos. Em primeiro lugar, como definir e separar a clite nacional auténtica de uma c} a (haute bourgeois fa Ver que os critérios relativamente fixos pelos quais se podia determinar a qualidade subjetiva de membro de classe nes comunida- des Tocais estiveis haviam sido desgastados, ea descendéncia, parentesco, casamentos, as redes locais de negécios, a sociabilidade particular ea poli tica j4 ndo representavam critérios seguros, O segundo aspecto era como cestabelecer uma identidade e uma presenga para a massa pla daqueles que nao pertenciam a esta el (Hobsbawm, 1984, p.295). Com o inctemento do ntimero de pra fim mesmos €, por esta razio, cumprir um de seus papéis fundame: nhar outro, ainda mais importante: a ident de status equiparado. © préprio Hobsbawm demonstra a existéncia de uma correlagio entre a expansdo das universidades e o surgimento das associagdes de ex-alunos, também conhecidas como grémios, cujo ob- jetivo tiltimo era a formagio de redes de sociabilidade, homens cultos que de outra maneira no se conheceriam” e, portanto, nao poderiam trocar informagées, fossem elas relacionadas & econo- to destas pessoas € grupos que se faziam representar poi equipes, grémios e clubes. As ligas, responsdveis pela claboragio de um calendario racionalizado, ¢ vigilantes em relagaio a quem devesse ou nao participar desses enfrentamentos, criaram um sistema de disputas entre antagonistas considerados a altura em termos sociais e consolidaram pa- Ares espectticos de honradez, dentre eles o ja mencionado fair-play. _ A medida que os esportes foram se disseminando, surgiram int- ineros conflitos, sendo as préprias ligas um coroldtio desses desacor- m4 dos. O mais emblemético deles talvez seja 0 conflito entre amadores € desenvolvimento do futebol e do rugby. Ambas as mo- portante no interior da in: xdo no qual receberam um tratamento an Licas corporais mas, ao serem como que devolvidos a sociedade, segui- ram caminhos notadamente opostos. (como Rugby igentes da Football um das escolas mais antiga e de prestfgio seguir uma politica de abertura e autorizaram equipes de origem popular a participarem da Football Cup. Embora no apreciassem o profissionalismo, rio pretendiam expulsar ou fazer desaparecer os scus atletas ou adeptos ‘confianga na sua caps amador e do jogo profissional numa di- ®, por exiensi amadores'g Os amadores inheiro) par’ CuSTear SeUS treinamentos raZiio dessa orientagio aritagor as amadoras acabaram do drasticamente o niimero de clubes e praticantes. Em contrapartida, a u rapidamente 0 numero de ta de ascensio econdmica para atletas egressos do proletariado, A separagiio do futebol e do rugby constitui um caso paradigmatico do embate entre profissionais e amadores. Os oito anos que separaram a criagdo da Football Ass n- 1863 - e da Rugby Foot 1871 - foram decisivos também para 0 proceso de populari fatebol. Especialmente nas regides industriais do Norte da Inglaterra, 0 fatebol se disseminou rapidamente e isto se deve, em grande medica, a0 cago das regras que s locals ~ a proba da uso dae sos an. futcbal a para diferencié-lo, de uma vez. por todas, do rugby.* _ Bara diferencié-lo, Entre todos os desdobramentos do an mente, criando um ptiblico extenso, diversificado e absorto nos campe- onatos que passaram e ser disputados regularmente. A integragao deste 7 piblico serviu também para tecompor varios componentes do habitus “ suprimido durante o estgio dos antigos jogos nas inst ‘gi0sos, os esportes seduziram-uma legitio \gue acorreram ao meio urban Na busca de nov c vas bases emocionais de coesio qué subs Tmunidades e os Ia- sos de parentesco que cada um detxou ao emigrar, essas pessoas se véem atradas, dragadas para a painio jet que irmana estranhos, os faz bjetivos sonhos, consolida gigantescas fa 2% fem que se confrontassem os ai (Seveenko, 1994, p.35). iados ao amadorismo preservaram, em grande uma versio das Public pessoas de status equi s clubes-adeptos do-profissionalismo se transformaram em ii ‘capazes de congregar um extenso con- tingente de aficcionados, sitmultaneamente cocsos ¢ rivais entre si. © que se passoii com os esportes coletivos, em especial com 0 futebol, foi uma espécie de reelaboragdo da caga a raposa. Ao contri- rio dos clubes amadores, onde a pratica permaneceu extremamente valorizada como entretenimento pessoal ou confronto grupal sem a mediagao de terceiros, o profissionalismo reelaborou a morte por pro- curacao. Ou seja, um contingente reduzido de atletas, formando times ‘ou equipes que passaram a rivalizar entre si ndio apenas para a satisfa- do de si mesmos, mas para o lade a qual represen- tavam: tanto as classes proletérias quanto a elite patronal que paga- vam seus salérios e administravam os clubes e as ligas. A DEMOCRATIZAGAO DO FUTEBOL E AS CLASSES TRABALHADORAS Se a polutizacdo entre amadores e profissionais pode, por um lado, ser antiga, de tributada as disputas entre uma burguesia emergente ¢ outra mi ‘status consolidado, por outro, deve-se reconhecer sua importinc’ so cle democratizagzio do esporte. Os desdobramentos dessas disputas permitiram as classes trabalhadoras o acesso a um bem cultural que Ihes jo cerceado sob aalegaciio de que era violento, imoral e desordeiro. icago dos esportes burgueses € ger: ra especializada tem, de “democratizagao fi \S tempos para cé, introduzido a nogdo de ” quando se refere ao acesso d \ernos. O conceito de “democratizagio i ura dar conta do proces- ante cons os ou entre eles, podendo tendéncia, porém, ¢ isto € de extrema importancia em relagao ao es- s desses impasses se déem em wram, num primeiro momen- to, pelo profissionalismo, acabaram, cedo ou tarde, migrando para a trativa das ligas e club |, puderam se perpetuar ainda que um grupo restrito ¢ com influé: ‘a, chamando para si pensar os espor- ‘optou pelo profissionalismo assumiu os postos di do o gereni que, progre: vos, monop mento de uma pritica que contribufram para inventar mas, transformacao de cima para baixo, atribuindo-se as elites o papel cipal nesse processo. Nesta versio, contudo, o futebol poderia ser inter- pretado como um engodo forjado pelas cl contrapartida, a subservigncia dos grupos com menor poder econdmico social. Nem uma coisa, nem outra; o futebol ndo foi inventa- do pelas classes altas com fins esptirios, se é que se pode pensar em termos de finalidade, e tampy lado passivamente pelas clas- ses trabalhadoras. Pelo contrério, a presenga destas tltimas deu novos contomos ao fendmeno esport 28 Alm do incremento técnico, 0 futebol foi adquirindo certos e6di- gos, valores ¢ atitudes que até entio Ihe eram alheios. A interdigao das dos, por exemplo, embora tendo sido’ efetivada pela elite dirigente, contribuiu decisivamente para aproximar 0 futebol do gosto-popula. milos - exceto para o goleiro ‘bes laterais - parece ser e, para os demais jo; apenas uma diferenga de orde ntretanto, cxisicno-ecom o futebol uma inversto dos valores. que regem.a.constugio _shcampe, Noniveldatemporalidade espacio futbol os valores THD dos as partes do corpo sto inversos ao da temporada co ant, ene! recai um extenso pro- im linhas gerais os membros superiores fe ao passo que os membros inferiores: 0 futebol ¢ tico fo ment dos esportes e, por esia razdio, permeado por nogdes comoal ude, s s diante. Enquamo-umaearacteristica universal tecnicamente inferior vencer ou empatar um jogo do qual se espe- raya safsse perdedora, Contudo, néio se deve tomar a proeminéncia dos wr a popularidade do futebol no Brasil, como fez DaMatta (1982;1994), Este autor afirma qi 0 futebol tenderiira ver aceito com maior facilidade em sociedades r : democraticas, como a nossa, onde fatores como destino € sorle/Azar S40) ago. no Ambito das democ popularidade do futebol poderia ser tomada como parmetro para avaliar | pafses ocidentais & excegio dos Estados Unidos e uns poucos mais? » a da smo reconhecer que, opor natureza e cultura, a proeminéncia dos pés i representagoes Tigadas a idéia ¢ rior inferior. Sendo esta se ser este um esporte famento corpo a compo, o futebol esti, como se ve, intema ou para fora, de uma p num segundo momento, aband prido seu papel ou, por outra, ni das conotagdes simbslices jé mencionadas -, teve, em contrapa aceitagdo e reformulagao por parte das classes trabalhadoras. Ainda sobre a proeminéncia dos pés, convém deixar claro, des logo, que essa peculiaridade encontrou na cultura popular certa yerossi- Ihanga que Ihe conferiu um novo estat letivas.eemotivas to freqiientes no” E bem verdade que existe uma distiincia conside- ea Inglaterra da segunda metade do ncia dos pése, portanto, 20 futebol, uma positividade andloga Aquela atribuida por Bakht a0 realismo grotesco* ¢, por extenso, & cultura popular na Idade Méd eno Renascimento. O que existe em comum entre o futebol e o rei mo grotesco € a valorizagio do baixo corporal através de representa- “Norealano nace ages cpt mera cal sue sobs oon hes salen cope icons egee 30 ‘gbes - metéforas, alegorias, (e-—que-promovem a inversdo topogrifica do-corpo-e dos simbolismos a ele associados:— Essas aproximag@es carecem, evidentemiente, de um est em se autopromover, diri- entes ¢ torcedores do Internacional, ofere- war o clube rival que estava em “bai- . Desde que 0 Inter superou a crise téenica e 0 Grémio sucumbiu, os torcedores colorados passaram a exaltago do presidente gremista, Tal javam o dirigente nos éureos tempos - Cat 0s colorados, euféricos depois de um 5 a 2 sobre 0 jamaram: cagalo! cagalo! cagalo! Seria necessario reconstituir um pouco da trajetéria dos dois clubes e das farpas trocadas, pelos cartolas para que o leitor pudesse ter uma nogo mais precisa do \do deste trocadilho desconcertante. Sem entrar em detalhes, & valesca - pois se trata de uma humorada - 0 status galgado nao apenas pelo pre , pelo clube como um todo. O que foi construfdo du- rante anos e, a duras penas, é simplesmente desconsiderado, numa fra- Ho de tempo e por uma tinica palavra, a qual, proferida em piblico em coro, acentua ainda mais seu caréter burlesco e desafiador. © grosserias dé toda ordem, prevalece a dtica de quem vé o mundo de cabega para baixo ou melhor, dé baixo para cim}. Quando se diz que 0 futebol se popularizou, esté se afirmando também que ele assumiu os contornos de grupos espectficos que, a partir de sua vistio de mundo, Ihe conferiram um novo estatuto. A que a limitagao dos pés - desde o ponto de vista {Omico até o escasso treinamento - praticamente invi uso eficaz de equipamentos assess6rios -como no tis, por exemplo, onde ja, coloca-os em posi cas devorrentes da poste e do uso de ag ddos-os praiieantes; Equiparados sob este ae aa tes so arrastados-para-um-eonfronto.corpo-a.corpo-e, iit Vez-destituldas as hierarquias.cotidianas, os atributos técnicos.tornami-se tio impartan- fes quanto valores como coragem, destemor,-ousa: no esportes modernos, A sia fisica nos esportes ocorreram, “como se Vi - pavalelamente Aemergéncia das nagdes-Estado, das gran- des cidades © da sociedatke te ClassES.O mais importante neste proces- Sotalvez seo residual qué chegou até nossos dias. Ou seja, os esportes, 0 Futebol em especial estreitamente vinculados aos clubes e, 2 Bons par Torcer, Bons pata se Pensar: cs clubes de futebol no Brasil e seus torcedores® centdo como é Deus? este De Murilo Mendes para J Lins do R&go O futebol é um dos simbolos da idas de que 0 futebol faz parte do nosso cotidiano e de que nés nos com ele de um ponto de vista ético © estético nntendidos quando se procura jus- ar esse aprego € a Esper Neste particular, duas so as explicagdes mais recorrentes. A pri- elo no futebol e, de outro, a precariedade das condigdes mate: existéncia do povo bra . Esta explicacio € inconsistente nilo ape- fias porque esta caleada numa espécie de darwinismo social, mas por- que parte de certas premissas equivocad elas a de que as re- gras do futebol so simples, de facil adaptabilidade. Observando-se a popularidade do futebol em regiGes tao dispares do por ista macroecondmico, como é caso da Europa Ocidental ¢ da América do Sul, conel B breza é inexistente e, nto, a tese de-que a precariedade econdmica do povo brasileiro determiniou a sua inclinago por um esporte:barato é {totalmente improcedente; Também a pretensa simpli do futebol ¢ ilus6ria, E preciso inverter esta ética ¢ dizer que é pe de 0 futebol fazer parte do proceso de so ymente dos meninos, que suas regras Seupresentat © 0 futebol. O ponto de intersccgao jaixO Comporal. De um lado-o futebol, que se mais espories p tura popular, permeada de metaforis © octave sspecificidade:cultural, ao invés de tomé-los como ss ss de um proceso permeado por descontimuidades hist6ricas e socialmente-diversificado? Minka preocupaga0 nfo € tanto com o porque, mas como 0 futebol -chegou a ser o que € no Brasi - para tanto, de uma aborda- © © gem gue privilegia os con istéricos.e sociais a partir dos quais 1ios apropriamos de uma pratica exégena e lhe atribufmos.um significa: do proprio. Nao pretendo esgotar a discussio, mas chamar a atengZo para 0 fato de que os brasileiros no apenas gostam do futebol, senio »_ eo fazema partir de-um referencia, os “clubes do coraga”, Te iGo de um toreedor comeca pela escolha de uit cal ara torcer. Esta mobiliza os lagos de sociabilidade mais proxi | chegando, em certos casos, a formar torcedores fit cor y ade opgio £ rara.e, quando ocorre, 6 permeada por atribulagdes de toda ordem. Sendo assim, 0 ¢l jube do coragio deine de Ser ser umaeseo~ Iha ad hoc e, mesmo levando-se em consideragdo seus aspectos ¢ emocionais, cabe ao torcedor 0 Gnus desta opgio, midos pel ‘A contrapartida da fidelidade clubjstica ¢ a liberdade com que cada torcedor constr6i e vivencia seu pertencimento. Como se sabe, cada club tem sua historia marcada por altos e baixos,frequlentemente atualizado ‘nas narrativas dos torcedores. Tais fatos ¢ ci ificado} com determinada época, local e personagens, dentre os quais o prépri torcedor ocupa, invariavelmente, um lugar de destaque. Trata-se, antes d mais nada, de um ajuste, de um ordenamento cujos objetivos ndo se limi- tam a elaboragao de pertencente & trajet6ria do clube - ma numa perspectiva individu a visio de mundo de que se percebe além da condigio de torcedor. Neste processo, a trajetéria do clube pode e tende a ser constan- jando-seeventuaiscontedigdes ene valores con- = mas, seg pressupée ‘entender de futebol’, o que s6 € conseguido através da prética do jogo” (Guedes, 1982, p.62). Se € raro encontrar um futebolista praticante que nfo tenha se ‘as.com escassa ou nenhum pritica deste esporte se dizerem torcedores fand- ticos. Em outras palavras, 2 apgio clubjstica transcende 0 prOprio futebol fu hresposta quando perguntado (2) ol zero, suprando in. y ss 4 35 Coino uma espécie de mola propulsora do universo futebol | co, oamor pelo clube do coragao revela aspectos centrais sobre 0 que se poderia resumir como uma forma de sociabilidade através d ¢participar ativa- , como afirma além da casa ¢ da fam‘ feito de |. Um nivel que iduos e de normas universais estédio, em pleno dom Gremistas, palmeirenses ¢ flamenguistas so cidadtios quaisquer, jue compartilham, entre outras coisas, o gosto pelo futebol. Justamente orque partilham uma série de , sendo o futebol capaz enfers Toca, outas regionals © atSnactonals, Para comprecnder a am- plitude desta 3 necessario, contexto de modelo de so O HABITUS ASSOCIACIONISTA E O FUTEBOL NO BRASIL Os clubes de elite O futebol chegou ao Brasil como “um produto de importago” (Leite 994, p.29), Embora alguns pesquisadores contestem esta tee, es- Ieiro de descendéncia inglesa ~ cra filho do cdnsul britanico em Sao Pau- Jo-ede ter organizado o primeiro match quando retomnou de Southampton, Inglaterra, onde estivera como interno durante seus estudos. Outros deta- Ihes sio, contudo, relegados ou, na melhor das hipéteses, referidos como secundétios. Via de regra, di-se pouca importancia ao fato de Miller ter 6 trazido consigs’ Yauas bales oficiais, um livro de regras oficiais e - 0 mais ~ De acordo com Levine (1982), a histéria do futebol no Brasil pode x lida em quatro perfodos amplos, sendo que no primeiro deles, entre 1894 e 1904, o futebol-se—*manteve- restrito-aos-clubes urbanos pertencentes g estrangeiros e 2 elite local”, de acordo com 0 modelo implementado por Charles Miller.’ Ainda que se possam fazer algumas objegdes em relagdo as gener: que toma como ndo assim, o ano de 1894 resto, a afirmagao é procedente. Durante essa primeira década, 0 futebol se manteve, em geral, restrito aos clubes e estes, por seu turno, circuns- critos aos imigrantes europeus e s elites nativas. O Sao Paulo Athletic Club, 0 Mackenzie C Paulistano, o Sport Club Germania e 0 Sport Cl os pioneiros a orga sputar um campeonato. Eram os grandes clubes paul lo, Nem tanto pelo fato de as por terem sede pré= io apenas times, como era freqiiente no “pequeno futebol”; 0 futebol Jjogado em condigdes precérias, nos campos de varzea (Toledo, 1996a).* "Ainda segundo Levine, os periodos subseailentes e suas respectivas caracterizagbes seti- 1am os seguintes: 1905-1933, sua fase amadora, marcada por grandes passos de divulgacZo ‘e pressio crescente para melhorar 0 dios para os jogadores; 1933-1950, o periodo inicial do profissionalismo; e a fase apds 1950, de reconhecimento acompanhada por comercializagao sofisticada (p.23). fda curta para o futebol. O Sao Paulo A influéncia dos imigrantes europeus se estendeu ao longo das décadas seguintes. Os atuais grandes do futebol paulista, por exemplo, es estrany de industrializagao desencadeado a part © Corinthians se fi subproletariado urbano yge de ser o time di Palmeiras) que, No Rio de Janeiro, onde a chegada do futebol seguiu, em 3s de Si0 Paulo, jd existiam muitos lubes volta- Reestaa ‘Vasco da Gama, por exemplo, surgiu a partir do Lusiténia Club € foi fundado em 1898 por prdspetos comerciantes e banqueiros portu- dos, 08 s80-paulinos abandonaram o futeb ‘bem porque os ventos sopravam para o pro toriador do Sio Paulo A. C.), A Associagao ais para fazer uma experineia no, nada feito. E como néo podia me de futebol entrou em eampo com uma camisa bem diferen- 1 olhava quem era do futebol por ‘ilo havia jogo. jogo para o mesmo dia, a mesma hora. Talvez 0s torcedores se ‘gravata fossem, Era quase certo, porém, que as arquibancadas sas, Enquanto isso, a murada da praia de Be \s mogas ficavam em pé, um insta enormes, de flores, de s, para vera chegada das regal ferengas e as rivalida- um mesmo clube, no caso o emrelagao um espor- popuilarizagiio do futebol e & v te de poucos. izagio do remo, est Imente os dois tiltimos, sur- ram, portanto, apei peus, mas com uma’ tiram, desde o pri \dos com os imigrantes curo- rantes e, por esta razio, permi- inclusio de sécios nao-imigrantes, desde que © econdmicamente. chos. O futebol chegou a capital gaticha em 1903 m tiam varias sociedades esportivas e recreativas. A Socit denominagéio homenageia a Imperattiz D* Leopoldina, “protetora dos imigrantes”, foi fundada em 1863 por um grupo de vinte alemiies e teulo-garichos. A Sociedade: a Turnerbund, atualmente Sociedade 1 Porto Alegre, surgiu da fusdo, em 1892, de duas outras entida- des teuto-gatichas onde era praticada a gindstica. Além da git ‘Turerbund oferecia aos seus associados uma gama variada de ati tais como ténis, esgrima, bolo e até mesmo coral e canto, 86 para citar as ster, 1987). Havia outras sociedades de menor expressiio mas, 0 que € importante destacar aqui, todas elas cultuavam, 39 além das préticas esportivas, certos tragos identitérios, entre os quais a lingua de origem de seus s6cios-fundadores. Tal qual o Flamengo, a Turnerbund relutou em admitir 0 futebol. Tanto é verdade que o Fuss-Ball Manschaft Frisch Auf (Equipe de Fute- bol Sempre Avante) s6 apareceu, oficialmente, em 1909, como uma es- pécie de departamento de futebol da Turerbund. Antes disso, esta e outras associagGes esportivas da capital contribufram, mesmo que indi- retamente, para a fundagio do Grémio de Foot-Balll Porto Alegrense & do Fuss-Ball Club Porto Alegre, os dois pioneiros no futebol da capital gaticha, fundados em 1903. Foi a Tumerbund, em parceria com outros, lubes, dentre os quais a Unidio Velocipédica e a Rodforvier Verein Blitz, ~ duas associacdes de ciclistas -, que tomou a iniciativa de promover a jpresentacZo do futebol aos porto-alegrenses, organizando uma excu “Nio do Sport Club Rio Grande - sediado na cidade portudria de mesmo nome - & capit ‘Um inventéio acerca da introdugio do futebol nas demais capitais “~brasileiras - refiro-me especialmente a Curitiba, BeloHorizonte, Salv; dor e Reeife, por se situarem nestas cidades alguns dos “grandes” do futebol brasileiro - nao~difere;Substancialmente, do que ovorreem Porto Alegre, Séo Paulo €Riode-Janeiro. Em geral, foram os imigran- “tes que assumiram a tarefa de fundar clubese disseminar tanto o futebol quanto outras priticas esportivas trazidas da Europa. Por razGes diversas, nem todos os clubes que abriram suas portas ao futebol foram bem-sucedidos. Tal qual Sport Club Germania € 0 Sio Paulo Athletic Club, outras agremiagdes passaram por profundas, transformagdes com a emergéncia do profissionalismo. Antes de ser implementado oficialmente, mais ou menos por volta dos anos 30, jé existia uma espécie de profissionalismo oculto ou “profissionalismo marrom”, como se tornou popularmente conhecido. Os clubes, por intermédio de seus dirigentes abnegados - no Grémio eram designa- dos como préceres, do latim, procere, “homem importante de uma nagdo, classe, partido, etc.” -, ofereciam “prémios” aos atletas em es- pécie - “bichos” - ou empregos, incrementando a competitividade en- tre eles e, por extensio, entre os clubes (Leite Lopes, 1994). Diante dessa nova realidade, 0 futebol, que outrora significara 0 progresso € a modernidade, tornou-se um incOmado. Enquanto uma prética corporal, sob este aspecto compatfvel com outras tantas muito valorizadas no interior dos clubes de elite, o futebol nao oferecia maio- 40 os resist@ncias. Porém, & medida que se popularizava, minava 0 sivismo das elites pondo abaixo aquela aura de distingao que cle \overa logo que chegou ao Brasil. O incremento da competitividade, Wa o enfrentamento de clubes de status desigual, era outro in- yeniente Aqueles que até entZo detinham 0 monopéilio técnico.” Por » futebol arrebatava o espago € 0 dinheiro dos clubes ¢ 0 tempo e as adores em detrimento de outras atividades, ”, que ficavam progressivamente & margem.. futebol passava de englobado a englobante. ines ‘apenas mais uma opefio de lazer e sociabilidade, tomara-se uma vidade-fim, mas no. mais um fim_em_simesmo,.como_pregavi 9 udorismo, e sim como um fim voltado & competitividade ent miagdes €, por extensio, ao acirramento. das. rivalidad: econdmicas, éthicas, T6cais € Tegionais, Nesse contexto, muitos ibes barraram o futebol, como foi o caso do Germania, em So Paulo, la Sogipa, em Porto Alegre. Outros conciliaram o amadorismo - fes- ., bailes e esportes amadores - com o profissionalismo - representado io futebol - e, por fim, houve os que se deixaram tomar, quase por mpleto, pelo futebol, Neste caso, a parte se tornou 0 todo. 8 Quando se afirma que o futebol foi recebido no Brasil como um simbolo da modernidade, deve-se ter em mente, antes de tudo, que se » std relerimae versio amadoristica deste esporte, com todas as plicagdes que isso pressupde. Do ponte de vista simbdlico e, mais especificamente, em termos valorativos, 0 modelo de sociabilidade face a face entre consécios de status equiparado que o futebol contri- buiu para solidificar - € bom lembrar, como jé frisei anteriormente, ~~ que mesmo no Brasil, tanto 0 associacionismo quanto a esportivizagio o freqtenten jama da Liga Oficial depois de ter ven -omposta por negros, © Vasco foi acusado de burlar as regras do jar © recompensar economics , $6 elornando a pri- meira divisto depois de conclufdo o Estédio de Si ép0ca omaiorestidio pri- vvado do Brasil (Leite Lopes, 1994), a" 4 haviam dado seus primeiros pasos quando da chegada do futebol ~ foi tao ou ;portante que a pratica em si mesma. Por um lado clubes de elite serviram como modelo de organizagao para outras smo género que se desenyolveram paralelamente. Por luéncia de seus sécios e freqiientadores, o futebol outro, dada a contribui ‘a que bnsejava um novo estilo-de vida” O culto ao cor- po saudvel, & formagao do cardter, A juventude, & eugenia, eivilité jeram alguns dos baluartes do associacionismo, elementas sobre os q iar enquanto classe € 0 Fluminense/Que € como a pat ca/Em tomo de um ideal va raga/Do nos- "E, mais tarde, em 1946, num pronunciamento do enio pre- liberativo do Grémio, “O Credo do bom mbém conhecido como a oragao do Dr. : “Creio no Grémio porque, procurando integrar a f6rmula do MENS SANA IN CORPORE SANO, (do homem para rrabalhando pel smaneira de andar, nos cuidados esportivo, em especial 0 conservadores, mas também de parte com 0 corpo e no lazer de fim de seman: sdetalhads do “eredo do bom gremista” conferir 4c 18 para o futebol seguiam & risca o idedti es como “cogumelos em manha de outon ta porto-alegrense para se referir & ma 6 enfrentamento entre eles tornar-se rio Filho, era preciso seguir or procurando 0 seu meio, indo para onde gente nio tinha clube, o. era fundar um” (Rodi 14). Assim, su 1mados por moradores do mesmo baitro, operdria e assim por diante. novos ” ~ expresso usada por um, cacao dos clubes de fute- igrantes ¢ as clites nativas, o associacionismo tre as camadas médias ¢ populares sspecialmente em relag&o ao que ele denomina de clube-equipe, uma ariante dos clubes de elite, ro de un club, y no fue ss Se agrupaban forman- rosa como um critério de preservar a identidade da instituigdo e do gru- po, os segundos adotaram a perspectiva oposta que, com 0 advento do profissionalismo, mostrar-se-ia decisiva quanto a sobrevivéncia dos pro- prios clubes, O que se passa ao longo da popularizagao é uma inversio B valorativa do idedrio clubistico, a partir da qual a diversi mo a quantidade de aficcionados sobrepdem-se & homog sse possfvel descrever aqui a trajetéria de cada um dos atuais, do futebol brasileiro, representados na tabela acima, poder- -xemplificar cada uma das ponderagGes feitas anteriormente. To- ies enfrentaram, num momento ou outro, os desafios do processo permanecendo no topo dos rankings aqueles que melhor se jaram as transformag6es decorrentes do proceso de popularizaglo ‘ofissionalismo. O fato de eles pertencerem a um circuito fechado ito que nao ocorre, por exemplo, a ascensto de um concon aadministragao cional do futebol” - e até mesmo dos torcedores em torno de um ntimero \ bastante reduzido de clubes que, no decorrer do proceso, constit (08 atuais “grandes clubes” e as “grandes torcidas” do futebol bras Tabela 2.1 - Os grandes Clubes do Futebol Brasileiro* ‘co do Bahia, 1931, e do Séo Paulo, 193; 10 - eas respectivas performances. Isto nio implica Chubes [Ranking das [Ranking Ranking | Anode eos sa ‘spe ‘Toreidss | Fotha de SP* | Placar® | fondapto 1 que ser antigo, por sis6, garanta destaque nos rankings. Um clube er - "i 5 € “grande” pelo fato de ter uma torcida numerosa ou Gonquisiar | — < 1895 ios t{tulos. Antes, pelo contratio, é justamenté porque so “grandes” Corinthians - SP 2 © = 1910) seduzem multidées ¢ acumulam troféus. “Grande” para os torcedo ‘Sio Paulo ~ SP 2 x v 1935, é, antés de tudo, um: da 6rdem do simbélico: “gt Yasco= RI = 1898 icado atribuido ao clube na medida em que este é capaz de suscitar Fa =BI = 1902 s” emogées, “grandes” conilitos, “grandes” tradigées, enti Palmeiras ~ SP © l4 inde” excitacilo. Por isso eles sfio-chamados de “clubes.do-coraci Boafogo — RI P 1904 datam,-a maioria-deles, da época do amadorisma, Com 0 advento do ‘Ailético ~ MG ® 1908 mnalismo, ocorrido por volta dos anos 30, houve uma derrocada Crureiro - MG 1921 pouco a pouco, perdeu a conotaczo ‘Santos 112 stigiosa do inicio do século e tornou-se sindnimo de pobreza, Inter RS 0st lespreparo ¢ faléncia, “Amadore: ia, cada vez. mais, uma Grimio RS fons lade exelusiva dos torcedore: x an Bole wal Os clubes de fabrica Sport PE i 1905 eaial Gens SE, ise 11a Se, desde as Public Schools, o futebol ha cio de ocupar a menor custo 0 tempo dos internos - “quando os alunos no campo de esportes, é facil vigié-los, [pois] dedicam-se a uma at dade ‘sadia’ direcionam sua violéncia contra os colegas, ao invés de la contra as prOprias instalagdes ou de atormentar scus pro- fessores” (Bourdieu, 1983, p.146) -, 0 mesmo equivale em relacio ao lazer dos trabalhadores no interior dos clubes de fabrica, © The Bangu Athletic Club constitui 0 exemplo cléssico de um Ted Ties Aa EE eS clube de Fabrica, Diferentemente clos seletos The Payssandu Cricket Club, locado, que soma um ponto ~ 0s demais nao pontuan, fundado entre 1880 e 1886, e do Rio Cricket and Athletic Associ de Silo Paulo - 28/2197; Revis o 6 extinto quando os ingleses retornaram ao seu pafs de origem para com- bater na Primeira Grande Guerra, o Bangu nao era restrito aos ingleses e/ou a elite do Rio de Janeiro. Desde sua fundagio, em 1904, 0 Bangu contou com a presenga de outros imigrantes europeus e até mesmo de brasileiros, desde que funcionérios 6 Progresso Industri nhia, de capital lusitano e tendo muitos + ingleses entre seus t6enicos mais qualificados, no apenas admitia como incentivava a parti operdtios no time da Fabrica, Num exemplo que seria seguido por outras grandes empresas, como a Light & Power, em Sao Paulo, jé na década de 30; a Companhia Carbonifera, em Cricidima, na década de 60; aA. J. Renner, em Porto Alegre, entre as décadas de 40 ¢ 60, ¢ outras tantas espalhadas por quase todas as grandes cidades brasileiras, criava-s modalidade de clube que contribuiria em larga escala para a popularizagio do futebol e dos respectivos clubes no Brasil. Enquanto os ingleses da Companhia Progresso mantiveram para si 0 exclusivismo do cricket e os executivos da Light & Power int vam-se mais para 0 (énis, 0 xadrez e 0 remo, enite outros, 0 futebol se consolidou como 0 esporte da preferéncia popular. Além de aumentar 0 prestfgio das empresas entre seus prdprios operirios ¢ entre a popula gio das vilas ou bairros adjacentes, 0 futebol cumpria outras fungdes igualmente desejadas pelos industriais. Motivagaio no trabalho e con- trole do lazer constitufam-se num ganho secundério que compensava os gastos com campo, fardamento, faltas justificadas, bichos, et Outro ganho secundério do paternalismo empresarial tinha a ver com a correlagao inversamente proporcional entre a mobilizagio espor- tiva e a organizagio sindical. Na disputa pelo tempo livre dos trabalha- dores, uma luta téte-a-té¢e entre a classe patronal ¢ os sindicalistas, 0 futebol constitufa-se numa arma poderosfssima — para os primeiros, evidentemente. Os incentivos deliberados a pritica e fruico futebolista provocavam a ira dos sindicalistas, cujas assembléias tinham seu quérum diminuindo na mesma proporgdo em que aumentayam as aglomeragoes em torno do campo. Anarquistas e comunistas perceberam o futebol, desde logo, como um esporte burgués, “poderoso pio capaz de minar a unio e a organizacao de classe” (Antunes, 1994, p.106). Contudo, tanto a condenagio do esporte por parte dos sindicalistas quanto os ganhos secundéirios dos empregadores precisa ser relativizada. E assim que procede Leite Lopes (1992) quando problematiza essa questo a 6 la trajet6ria de Garrincha, fichado aos quatorze anos na Companhia sediada em Pau Grande, regitio serrana do Rio de Janei gem que o puiblico faz das orizens de Garrincha nio m de um campones ou de um (bom) ‘operirio do setor textl aseido em uma familia que hi rural. Tais informagies parecem importantes para elucidar os “mistérios” de seu futebol livre ¢ imprevisto. Estes podem, realmente, sr efieazmente relaci- 1ados com os mistérios da vida social cotidiana do grupo opertitio de dos enigmas préprios aos trabalhadores habi é quase indispensaveis para a boa gestio da produgdo. Além disso, gragas & exploragio aut6noma de recursos oferecidos pela empresa [..}, e85es ope- rarios, geralmente de origem can ia mais favordveis do que poderfamos presumir, tendo em vista ape- seus empregos industrials. Outras estruturas ainda estavam X sua disposigao, como as cloricos e essa insti gio urbana que é 0 clube de futebol (p.125-126). Para os operdrios e a comunidade forjada a partir das ftbricas, a ferta de lazer em geral ¢ do futebol em particular era extremamente lorizada. Os clubes de fabrica eram indissocidveis desses novos aglo- erados urbanos, em grande parte constitufdos por imigrantes mpesinos, cumprindo um importante papel de coesiio e produgio de lentidades sociais. Se de Pau Grande nifo tivesse surgido Garrincha, ovavelmente a Fabrica - desativada na década de 60-, 0 clube da Amé- a Fabril e a pr6pria vila operaria ndo fariam parte de um dos capftulos ais apaixonantes da hist6ria do nosso futebol. Antes de ser levado 1ra 0 Botafogo, em 1953, Garrincha vestia a camisa 10 do Sport Club Pau Grande, imprimindo sucessivas goleadas nos demais clubes ama- dores da regio. Gragas ao seu “capital futebolistico”, Garrincha tinha assegurado um emprego na América Fabril. Displicente c faltoso, che- gou a ser demitido durante duas semanas. Nao mais, pois nao sendo operirio niio poderia jogar no Pau Grande ¢ esse, por seu tuo, no era © mesmo sem Garrincha. a das empres bes de faibrica perderam espago e a maioria deles desapareceu, em alguns casos paralelamente as fabs oMO NO caso do Sport Club Pau Grande. A derrocada dos gente de torce- dores 6rfaios. O drama s6 nao foi mai res jf havia migrado para os gra incadas € levantava os brags is torcedores compreendessem as razes pelas quais a saudacio se repetia. “Terminado 0 jogo, irigentes ¢ torcedores viram-no sair de eampo nos “Garrinchal s vinculos com a vila operaria e, prineipalmente, com o ethos desses trabalhadores jamais foram superados por Garrincha. Este teve ‘uma vida tumultuada, marcada por iniimeras tragédias pessoais e fami res fora de campo mas, nem por isso, deixou de ser a “alegria do 48 jovo”. Seu ritual fiinebre revelou, de uma vez por todas, a pr identificagéio entre operdtias tradicional Essa ” (Leite Lopes, 1994, . cio projetada num jogador, como no caso de Garrincha, ou num clube, como os clubes de fabrica, nfo desaparecen coma morte do primeiro ou a derro apenas deslocada para aqueles que, num primeiro momento, se caracterizaram como clu- e, com o passar dos anos, foram-se popularizando. Os clubes balhadoras, demostrando, através das performances irregulares, que se ganha ow se perde mas se permanece num mesmo lugar, Contribuiram. também para a coesio social nos bairros ¢ vilas operdrias e na consolida- do, no fimbito do pertencimento clubistico, de uma série de valores tre os quais se inclui a nogéio de fidelidade ao clube pelo qual inte quando esse clube, como no caso dos clubes de representava ndo apenas a patonagem mas, fundamentalmente toriedade ao operariado, Por isso Garrincha era smpre que possfvel, levado de v Grande para festejar com os seus. Morreu tragicamente em 1983 € foi enterrado na vila operéria onde nasceu e aprendeu a jogar futebol ‘As “peladas”: um contraponto A distinglo aqui esbogada entre os clubes de fibrica deve ser entendida, antes de mais nada, como uma tentativa de e fruigdo do futebol a partir de im esclarecer que, do ponto de vis- s ‘bes sugeridas certamente niio se idas como eu as apresentei. A mobilidade dos jogadores, como no caso de Garrincha, que iniciou sua carreira no “profissionalismo de um clube de fabrica mais tarde se transferiu para o crligadas. $6 que, antes mestno de entrar para a Compa- Garrincha - ¢ 0 mesmo pode ser dito de quase todos atletas profissionais daquela paca -jogava futebol com seus amigos de int “peladeiro’ zero” do futebol, € 0 ponto de partida para o aprendizado das ti 7 P sspecialmente no cso brasilei‘, onde a rua é tio ou maivimportantedo que wesota - Ou ow igdes'do género -na soctalizaa dos meninos. Segundo Rosentel surgiortendo como referencia os campos de subiirbi 10s e os campos de varzea tenham sido deslo- das grandes cidades ou simplesmente desapare- ciabilidade. Esse espaco fisico que corresponde a uma determinada rede de sociabilidade Magnani (1982; 1996) denomina “pedaco desenvolve uma sosihildade bi Fam 3 ampla-que 4 lacos. reel que an eager Tomay tade (1996, p32). F Aquele espaco intermedi leiros aprendem a jogar futebol especialmente aqueles para quem é vedado 0 acesso as insti 6 também a diferenga inexiste, 0 5 ios jogadores que di am esse papel. Por isso pelada se constitui num éspa- 90 privilegiide nao A pratica do lazer ém geral e do futebol em , special, mas como instituigao Taicaonde se aprende e se ensina no- g ‘ges elementares de a firadez © pertencimento prupal, S Dada uae pel s, o futebol improvisado é tomado, fre- \ qiientemente, como uma manifestagio e democritica ‘como mostra um trabalho de Guedes (1982) entre os operdrios de uma inddstria t@xtil do Rio de Janeiro com passagem por clubes emiprofissionais”. O depoimento desses “jogadores frustrados” con- 1a da construgao e desconstrugaio da mascul ide ¢ do lazer. Todavia, 0 peladeiro nfo deixa de ser um prof jor dos grupos para os quais 0 futebol incluin- ‘0s que apenas sonhiaram ¢ outros que tentaram, com maior ou menor ), realizar este sonho, a tendéncia é a valorizagao dos times unifor- por uma razio ou outta, estiio A margem do verdadeiro jogo, daquele que no se . Em resumo, a apregoada purezac hipervalorizacdo das peladas deve ser relativizada, evitando-se romantizagiio de um futebol que muitos erem ter sido puro no preté- rito e véem-no agora profanado pelo mercado. Dizer que as peladas contribuiram no proceso de popularizagio do futebol no Brasil torna-se uma obviedade; é preciso dizer como. Por iu uma relag’io de complementatidade entre 0 Miller. Hé quem eb procedente, o certo € que as pela- de craques e o ponto de partida pendente desta afirmagio ser ou ni das foram, por para a fundag as amadoras. irga escala, contribu que cedo ou tarde formaréo 0 piblico torcedor sobrevivéncia dos atuais grandes do futebol brasileiro. da contribuem na formagio de jogado- indispensavel & 51 OS CLUBES DE FUTEBOL E oybicen AS NACIONAIS/ thes interessa 4 medida que eles préprios-figuram como “partici peS: mportamento dos Se le: gue os ii ae i destes (um paralelo entre a soprosenterioylgalas ee =< analitica nagdes-Estado, Adefiniga fe hago, enquanto 'comunidade de sen ada por Weber (1974, 6 mu ol. Embora tendendo & constituigtio de um Estado préprio, com icos de autoprotecio, hé outros aspectos da uma vez deslocados do Estado propriamente dito, justificam a apropria- go. O conceito de nagio, ‘outsos grupos, Assini, o conceite pertence d esfera dos valo nao hil acordo sobre como esses grupos devem ser delimitac gio concertada deve resultar des idariedade (Weber, 1974, p.202)- Apartir deste alargamento conceitual, é possfvel id sar pelo me- ‘nos quatro premissas gonéricas que podem ser remetidas @-contexto fu- tebs faticov goats jana ick idéia de s etd wriedads gr al em foro de um a ‘sentimento especifico {perteneimento ico) das na comunidade de sentimento ¢ no contexto do pertencimento clubistico pode ser encontrado nos enfrentamentos simbdlicos, ¢ no aro corpo a corpo, de torcedores identificados com clubes tivais ou, ‘ainda, entre toreedores e cidaddos nio-torcedores. 05 individuos, na pessoa de torcedores, hostilizam os tade g duo). Nao € raro nio-torcedores serem execrados (como perdedor {da pelos torcedores (na torcida 32 ‘grupos torcedores, como se niio tivessem a opeao individual de néo perten- ‘quica ¢ relacional estabelecida pela estrutura do jogo. Este fato explica por que as abordagens ¢ hostilidades geralmente ocorrem entre grupos detorce- dores contra individuos isolados. Quando toreedores se encontram sozinhos. a ‘dos-estédios, é raro configurar-se este estado de &nimo alterado ‘observado quando esto em grupo. Sozinhos;-fompenro-sentimento de per- lidade, Cessam os xingamentos mento, um estado de animo alterado, como sugere Toledo, a partir do qual um individuo passa a integrar uma totalidade que 0 engloba ¢ a desempenhar determinados papéis, em geral preestabelecidos, como 0 de dirigente, membro de torci i sim por diante, Aquém des: méscara que transforma u sentimento é, aum sé tem te do pertencimento clu Ho concebidas como profundareho camaradagen, apesar dis dite. rengas existentes dentra.delas" (Souza, 1996, p.45). \ Os clubes de futebol, do ponto de vista dos torcedores, possuem ia das vezes, se sobrepic a existén- nha uma torcida estimada em pouco a mais de 4,5 milhdes de colorades em 1993 mas, nos diltimos dez anos, nunca ultrapassou os 10 mil associados. Considerando-se jo num perfodo.em que preponderavam as sob a égide do amadorismo. s, cronistas esportivos e até mesmo pesqui- s lades tiveram origem no contexto de fundagao dos, exemplo do Flamengo, surgido a partir de uma debandada de Ietas do Fluminense, é um dos recorrentes.|Sem negar a proce-— desta explicagao, é preciso indagar, contudo, as razGes pelas quais | is Tivalidades, partindo de disputas muitas-vezes restritas a um grupo cluzido de praticantes, assumiram os contornos atu Parte dessa resposta encontra-se na propria dinamica dos espor- tes coletivos. A partir dela Elias e Dunning (1992c, p.293) desenvol- |clubes de futebol, especialmente o grupo dos 13, constituem-se numa veram a nogio de configuragao, “um complexo de polaridades espécie de categorias do entendimento para aquela parcela de brasi- \terdependentes criadas no padrao de jogo”, ¢ estenderam-na ao com- iros que se diz apaixonada pelos clubes do coragao. ortamento dos torcedores, Como a existéncia de dois grupos antago- O “ser gremista”, tomado isoladamente, pouco tem a dizer. A pai- izagdo de uma part i xéo pelo Grémio implica também na aversiio ao Internacional. Nesta s e Dunning acreditam que a dinimica dos tore: | perspectiva, dizer-se gremista é, mesmo que veladamente, dizer-se \esma légica. Isto nao significa que anticolorado e ndo-flamenguista, palmeirense, santista e assim por diante, ‘De outra parte, os clubes siio associados a categorias do social. Astiva~, Jidades, porexemplo, giram em torno de sentimentos vinculados a “gru- uelés em que nascemos, quer se concentrem na lin- sif0, taga, tibo, etnia-ou-lugar” (Lever, 1983, p.26). dos, convém um: -nal,.o que desperta ta clube do coracio? O mote levistraussiano forjado a partir do estudo estrutural do ‘emismo (Lévi-Strauss, 1975) ndo esgota as questdes precedentes mas fornece algumas pistas. “Bons para torcer, bons se para pens: ngo é uma transposigao de “bons para comer, bons para se pens: icados com a disputa, com suas imo 0 desenrolar do jogo ¢ 0 \ vel nto antagénico, seja dos times ou dos torcedores, no idade do futebol, Trata-se de um compo- iente estrutural do préprio jogo, entendido como um ritual disjuntivo, ¢ «que 86 pode ser apreendido em sua to hf) o iipressionanté € que um Gnico desses sentimentos primor- & capaz.de segmentar duas extensas comunidades s clube do povo. E claro que as identidades clubisticas nfio se resumem a identificagées desta ordem, mas no hd como negligenciar que tais as- sociagdes tem muito a ver com 0 contexto mais amplo da s seria mera coincidéncia o fato de os clubes brasileiros, rem vinculados as nogdes émicas de “raga” e “classe soci \ No futebol brasileiro, todo clube tem seu outro, seu contrétio, E s chege-se a uma assimetria engendrada pelas conting® . i is outras, que levam alguns a ganharem e ou- 208 a perderem (Toledo, 1995, p.134) assim em Porto Alegre, com o Gre-Nal; na Bahia, com o Ba-Vi; em Pelotas, com 0 Bra-Pel; e até em Sao Paulo € no Rio de Janeiro, onde de dois grandes clubes, predominam as ti Afinal, 0 que se ganha ou perde com o futebol? Com a mnalizagao e o incremento mera ico, o resultado de um |jogo pode implicar em ganhos ¢ perdas materiais. Do camel6 ao cam- bbista c dos jogadores aos patrocinadores, uma idade significa- iva de pessoas depende economicamente do futebol e para eles, vi- se derrotas so mensurdveis & medida que envolvem dinheiro e, nfio raro, apenas isto. Entretanto, para os torcedores, ganhos e perdas so preponderantemente-simbélicos. zits: peer i jogo é umjogo”, diz um adagio popular, a cada evento so jogados, do ponto de vista dos torcedores, cédigos, Varo res e atitudes de acordo com a peculiaridade a chibesenvolvidos nificativos a serem a da temporalidade | do evento ¢ da tradigio. miporalidade do evento”, ou seja, no ritual disjuntive e, por- _ant nes. 90 minutos de bola olando, destaeamse a8 arpects props ‘“amente emotivos do embate futebolistico. Nao é, contudo, uma , engendra o contraste e a rup- fugacidade do evento e da em¢ com Bachelard (1988) se de um tempo digo agregaa tradigio - a tradico do Fla-Flu “por ae que resulta. | de sobreposigdes e arranjos ee | tos que-eonstit jutebolistico - a um tempo que no é 0 mpo do jogo propriamente dito. 6 0 tempo do cotidianio, Tigado 20 Hespaco da casa e da rua, do trabalho e do lazer, onde se discute Tutebol ‘Nesse tempo 0 € que circulam. as anedotas, 08 mitos, enfim, € onde se inventam as tradig6es que aproximam futebol e sociedadeeyerantem, se diapebve coop ( [eue- Sfmt) to a briga de galos quanto_uma_partida fle futebol lc futebol podem ser = simplesmente pelo espelaculo-que galds e jogadores po- roporcioriar; basta que se entenda um pouco de rinnae de fute- Mas serdio mais espetaculares ainda se se puder identificar 0 status, st6ria ea tradigiio aos quais galos ¢ jogadores pertencem, Nesta -ctiva, a temporalidade do evento e da tradicao constituem a foga bém 6 verdadeiro. Mas é quando ambas as temporalidades se si pem com vigor e intensidade; que o jogo s¢.torna verdadeiramen- inesquectvel/como dizem os torcedores, 6 Werke es. de, Coos en of ta ee filke : \ veut 7 Gremista ou Colorado Seo que move o capita Latis Fernando Verissimo O Gre-Nal é um jogo disputado dentro e fora de campo. A disputa entre gremistas e colorados poder ser desinteressante do ponto de vista do embate propriamente dito, mas sempre seré densa quando vislum- brada a partir da perspectiva da tradigiio. B neste sentido que 0 “Gre- definigio redundanie, autocontida, ouvida em rodas de bate-papo que antecedem o clissico. s agontsticos, o Gre-Nal é umevento que permite a atualizacio simnbolen te dete je doterminadas categorias ais, de modo particular aquelas tidas ci 20 qual o evento € tributdrio. Afinal, em que consiste a rivalidade Gre- Nal? Ou melhor, quais sio as categorias conflituosas mobilizadas pe- los torcedores do Grémio € do-Inteérnacional’? Como, por quem e em que contexto foram forjadas tais categorias, capazes de polarizar ex- tenso contingente de pessoas e tornar o Gre-Nal absorvente dentro ¢ fora de campo? Por fim, como a rivalidade € atualizada? Estas questdes possuem miltiplos desdobramentos, inclusive do ponto de vista hist6rico. Sendo assim, trato primeiramente da chegada festiva do futebol a Porto Alegre, do cendrio esportivo da capital na virada do século e, principalmente, da fundago do Grémio e do Inter- 58 nal, Dedico atengio especial 4 questio do patriménio para mos- como gremistas e colorados vo construindo, desde o principio, 1 rivalidade densa, cujos contrastes siio evidentes a partir dos espa- turbanos por eles apropriados ¢ da forma como o fizeram. A CIDADE POLARIZADA A chegada dos meetings e clubs a Porto Alegre No infcio do século XX, Porto Alegre contava com uma populagao de aproximadamente 70 mil habitantes © uma razofvel infra-estratura ‘a a pritica esportiva. A cortida de cavalos, diverstio predileta dos thos campeiros, era praticada, simultaneamente, em virios pontos cidade desde os tempos mais remotos (Macedo, 1982, p.58). Tais espago ¢ interesse quando surgiram os primeiros hipédromos na c al, a partir das duas Ultimas décadas do século pasado. Com 0 da elite nativa, os hipédromos se proliferaram com tamanha rapi- jez que Franco (1992) afirma ter ocorrido, na década de 90, “o auge do lurfe porto-alegrens: De outra parte ha destas priticas era obra dos imigrantes alemies, chegados ao Rio Grande do Sul a partir de 1824. Antes mesmo da fundagao do Ruder- Club Porto Alegre, ja cram praticadas regatas nas aguas do Guaiba, como em 1865, quando foi realizada a “Regata Imperial” - yencida pela “guarnig&o dos hamburgueses” - para homenagear a passagem do Imperador Pedro IL em Porto Alegre (Hofmeister, 1978). A ginés- tica e seus “quatro efes”, frisch (saudével), fromm (devoto), froh (alegre) ¢ frei (livre), também foi introduzida no Estado pelos teutos © © Mesmo se passou com o ciclismo (Oliveira, 1996, p.158-164). no Deus: 0 i, fundado J futebol, antes de 1903, era desconhecido dos porto-alegrenses € até mesmo dos teuto-garichos. Ao contrério da capi de de Rio Grande, neste mesmo ano, pelo menos cinco clubes que se dedicavam ao esporte bretio. O impulso inicial fora dado, em 19 de julho de 1900, por um grupo liderado por ingleses ¢ alemiies que, sob 0 pretexto de homenagear o aniversariante Job: Sport Club Rio Grande, atualmente o mais antigo clube nascido para 0 futebol em atividade no Brasil (Dienstmann, 1987, p.51-52). Desde sua fundagio, 0 Rio Grande realizara vétias exibigies de foot-ball em outras cidades, entre as quais Pelotas e Bagé. Como era de praxe, em cada cidade por onde passasse o Rio Grande, fundav: diatamente um novo clube e, sendo assim, o futebol se disseminava rapidamente na regio sul do Estado, especialmente na fronteira, que contava também com a influéncia dos uruguaios, pois o futebol havia chegado aquele pais havia trés décadas, mais precisamente, em 1870. Faltava Porto Alegre e, provavelmente, um Charles Miller ou um Oscar Cox, responséveis pela introdugao do futebol em So Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente. Em 1903 surgiu, enfim, Oscar Cantei- ro. Passando por Rio Grande, em seu regresso da Capital Federal, acei- tou a incumbéncia dos diretores do clube da cidade para organizar um meeting em Porto Alegre. Impressionado com o frenesi causado pelo futebol no Rio de Janeiro ¢ tendo bom transite no turfe, no ciclismo eno remo, no foi dificil a Oscar Canteiro organizar a recepgao. O primeiro procedimento foi visitar 0 jornal Correio do Povo para divulgar o evei to e convocar os presidentes dos principais clubes da capital para com- por a Comissio Organizadora. Foi prontamente atendido por Alberto Bins, representante do Ruder-Clube Porto Alegre; Joao Krahe, da Soci- edade Germania; Capitto Gaspar Frois, do Grémio de Regatas Almi- rante Tamandaré; Capito Amadeu Massot, da Unio Velocipédica; Otto Niemeyer, da Rodforvier Verein Blitz; e J. Mink, da Sociedade ‘Turnerbund, que, em conjunto com o préprio Oscar Canteiro, delegado do S. C. Rio Grande, compuseram a referida Comissio. Depois de organizado o cerimonial, marcado para 0 dia 7 de Setem- bro, foram distribuidos nos principais pontos comerciais da capital bole- {ins com 0 roteiro do evento, estampado também no Correo do Povo. No domingo, 6 de sei mbro de 1903, a populaedo amanheceu num am- biente de grande alegri curiosidade. [...] As 7 horas da manha, partiu do 0 iche do Loyde Brasileiro os vapores Porto Alegre ¢ Garibaldi, trans- jando grande massa p Visitante, Na lanch: nnhas e nos torredes do Mercado, centenas de pessoas se debrugavam as ja- nelas para apreciar melhor os festejos da recepso. Do local do desembar- ‘que até muito além, achavam-se postados, formando alas, um grande niime- ritas das janclas cobriam os visitantes com pétalas de rosas. Depois, a mar- cha seguiu pela Rua dos Andradas, até a Rua 7 de Setembro, onde deveria ser dissolvida defronte a sede do Clube do Comércio, depois do pronuncia- ‘mento do oraclor oficial das sociedades esportivas de Porto Alegre. (Amaro Imanaque Esportivo do RS, 1944). mesmo, no _juntamente com a Comissiio Organizadora. Os de- 1m para o Hotel Brasil. As 14 horas, encontraram- ‘io do recémn-fundado Grémio de Regatas Al- ante Tamandaré, Mais discursos, champanhe e cinco pares de rega- em “honra aos visitantes”. A noite, no Teatro Sao Pedro, a Socieda- «le Luso-Brasileira ofereceu um espetéculo de gala: “O Grito da Consci- mpida pelo tenente-corone] Aurélio de Bittencourt que, de um cama- rote de primeira classe, deu vivas A independéncia. Quem nao foi a0 ‘Silo Pedro pode assistir uma demonstragdo nas barras e trapézios dos ginastas da Turnerbund, No dia seguinte, feriado de 7 de Setembro, pontualmente ds 9 ho- ras da mana, os players de Rio Grande juntaram-se a uma banda de musica na sede da Unigo Velocipédica - que mais tarde cederia espago a0 antigo Instituto Parobé - e seguiram até a Vérzea da Redengdio - mais 61 ou menos onde atualmente encontra-se o Instituto de Edueagao Flores da Cunha - onde o primeira macht foi realizado, Jogaram durante duas horas para 0 deleite dos porto-alegrenses, hilariados com o tal de foot- ball. Nao ma guns pareos ciclisticos, retommaram & Vérzea para mais uma apresenta- 40 que, segundo 0 Correio do Povo, contou com um ptiblico em torn de 5 mil pessoas. Na multidio encontravam-se muitas familias da alta sociedade que se fizeram conduzir ao local em suas carruagens desco- bertas para melhor apreciar 0 espeticulo. As festividades encerraram-se com um baile na Sociedade Germinia e, na tarde do dia seguinte, a “Embaixada” do S, C, Rio Grande retomou a sua cidade. Estava dado 0 pontapé inicial do futebol em Porto Alegre. Fica evidente, a partir das festividades que marcaram a chegada do futebol na cidade, que Porto Alegre j4 dispunha de uma razoavel orga- nizago ¢ infra-estrutura na esfera do lazer e dos esportes. Esta claro também que os ideais associ clubistico ja estavam amplamente disseminados, como se pode infer pela mobilizaco das entidades que organizaram a recepgiio e dos di gentes, atletas e piiblico em geral que participaram dos festejos. O fato de constarem, entre os delegados locais, varios dirigentes que mais tar- de teriam participacio efetiva na vida politica da cidade, como € 0 caso de Alberto Bins - s6cio-fundador do Ruder-Club Porto Alegre, da Blitz, do Fuss-Ball e, mais tarde, prefeito da cidade -, revela o status das ins- Lituigdes que representavam. B essas, por seu turno, deixam transparecer, no préprio nome, a forte influéncia germanica na inculcagao do habitus esportivo entre os porto-alegrenses. fato de ter sido um clube de Rio Grande o difusor do futebol na capital e em outras cidades do interior nao implica que, diferentemente do que ocorreu no centro do Pafs e em outras partes do mundo, aqui no Sul o futebol tenha se desenvolvido da periferia para o centro. Ocorre que, entre os players rio-grandinos, a esmagadora maioria era de ori- gem inglesa ou alemi.'® Ou seja, a introdugao do futebol em Porto Ale- a ‘ontou com a influéncia decisiva de imigrantes europeus, a quem, de regra, era imputado esse papel. Talvez. a popularidade do turfe © do ciclismo tenha contribuido ‘a ofuscar, em parte, a répida expansiio do futcbol na cidade, O certo Iue, nos anos seguintes, constam apenas os matches disputados entre » Grémio de Foot-Ball Porto Alegrense e o Fuss-Ball Club Porto Ale- pre. Os co-irmios foram fundados no mesmo dia, mais precisamente 15 de setembro de 1903, uma semana apés a passagem da delegagio io Grande. Segundo Amaro Jr., © Fuss-Ball (futebol em alemao) foi fundado um grupo de ciclistas da Rodforvier Verein Blitz, ou simplesmente, ,€ contou, desde logo, com um ground na Dr. Timéteo. » Grémio, na versio aceita oficialmente pelo préprio clube, foi gestado ma “republica” na Rua Dr. Flores. Li moravam varios jovens empre- os do comércio, entre os quais Candido Dias, um paulista que pos- entre seus pertences, uma bola, No domingo, dia 13, realizaram - o arrabalde foi escolhido propositadamente, pois pois, j4 com uma lista de 32 sécios, fundaram 0 Grémio. Meses depois, os dirigentes do Grémio e do Fuss-Ball entrariam acordo pata aquele que seria 0 primeiro jogo oficial entre os porto- ‘grenses. O match foi disputado no field do Fuss-Ball, ao lado do iromo da Blitz, na Dr. Timéteo, valendo o troféu Wanderpreis, muito cobigado entre os clubes de remo mais tarde extensivo ao futebol. A programagio, distribuida nos primeiros dias de margo de 1904, foi im- pressa em duas colunas: uma redigida em portugués e a outra em ale- io (Historia do Gremio, n.1).” ‘A conotagao germinica do evento, expressa na programaciio bilingil, revela, mais uma vez, a forte influéncia desses imigrantes na propagacio dos esportes coletivos. Além da tradigao associacionista - Naquela ocasiio, foram realizados dois matches; primeiro denominado Wanderpreis © » segundo Vereinpreiss. Para o Wanderpreis 0 Fuss-Ball formou com: R. Schoeler (capi |-0. Matte, Matte, W. Trin, O. Schmidt, O, Schaitza,A. Becker, O. Becker, Heuser, i jogou com: O. Siebel capitio), A. Knewitz, C. Paedrich, Uhrig, P. Huch, A. Seibel, A. Schwarz, A. Cattaneo, P. Cleres, J. Knewitz¢ J. Stelezyk. Reproduzir os times que disputaram, na seqincia,o Vereinpreiss, seria um preciosismo, 3 ida que os sobrenomies seguem indicando a proeminéncia de teuto-brasileitos. segundo o historiador René Gertz, um trago caracteristico da comuni. dade teuto-brasileira" -, outros fatores, como a rpida ascensio econd- mica ¢ a proximidade geogréfica cm relago 2 capital, contribuiram, direta ou indiretamente, para que os teuto-gatichos se tornassem os prin- cipais difusores do habitus esportivo em Porto Alegre. Por fim, a comu- nicagio permanente com a patria-mie mantinha-os atualizados em re- Jago ao que de novo estava ocorrendo na Europa. Neste particular, a imigragaio alema no Rio Grande do Sul difere, substancialmente, da italiana, ocorrida mais tardiamente e para a zona rural, ¢ da agoriana, chegada muito antes de os esportes terem-se popularizado na Europa, Poder-se-ia acrescentar ainda, segundo Pesavento (1994), a inser- glo dos alemies e seus descendentes no rocesso presso no desenvolvimento dos bancos, da renovagio urbana. Execu rocesso de modernizagio, os a ‘gOes para que a experiencia histérica da modemnidade sc ger difundisse entre os consumidores dos efeitos da modemnizagio, De forma indireta, as praticas efetivas dos alemfes acabaram por gerar uma atitude de modemidade. (p.200) Retomando aquilo que jé foi dito acerca da invengio dos esportes modernos e do habitus associacionista, ou, ainda, sobre 0 futebol e os clubes tomados como simbolos da modernidade européia pela elite bra~ a, € facil entender as razses pelas quais foram os teutos que assu- m o papel de difusores do habitus esportivo em Porto Alegre. A as- censio econdmica da comunidade teuto-gaticha e a difusio do “binémio modernizagiio-modernidade” so processos correlatos 4 emergéncia do associacionismo esportivo na capital e na regidio metropolitana, De outra parte, a proeminéncia germfnica deu margem a uma sé- rie de acusagécs. A mais freqiiente, em geral infundada, € de que as respectivas associagées, incluindo o prprio Grémio, teriam dado su- porte 4 propaganda nazista. Deram margem as suspeitas os rigido {6rios de admissio de novos sécios, escolhidos “a dedo” entre os prépri- 65 teutos ou, no méximo, entre a elite porto-alegrense, que, assim sen- 0s primelros serdo grafudos ‘de aspas. despertavam ressentimentos entre os grupos menos cotados social € nomicamente. Soma-se a isto o fato de as agremiagdes terem nomes slemfes e do vernéculo ter sido muito praticado no interior dos clubes. No entanto, as suspeitas carecem de evidéncias fatuais. Sabe-se que tos clubes foram molestados pelo Exército Brasileiro, como a S \de Orfeu, de Sia Leopoldo, o mais antigo clube social do Brasil; 0 Ruder Verein Freundschaft (Sociedade de Regatas Amizade), que pas- ou a se chamar Grémio Natitico Unio a partir de 1917; ¢ 0 Manschaft, ‘A propésito, o Frisch Auf fora criado em 1909 pelo professor Jor- c Black, um ex-atleta gremista, Este fato releva, por si s6, uma certa influncia exercida pelo Grémio desde que o futebol passou a ser prati- cado em Porto Alegre e, verdade seja dita, até 1909 pouca coisa havia mudado. O Grémio, por exemplo, jogara ao todo dezenove partidas, lezessete delas contra o Fuss-Ball. A rotina dos Wanderpreis Vereinpreiss, disputados entre os co-irmios, s6 seria quebrada no ano de 1910, com a fundago da primeira Liga Porto Alegrense de Futebol, por iniciativa dos dirigentes do Grémio. ‘A fundagio de novos clubes - além do Frisch Auf, surgiram 0 Mi- litar, 0 Sete de Setembro, o Nacional e, 0 mais prestigiado de todos, 0 Sport Club Internacional - deu novo alento ao futebol porto-alegrense. Tanto é verdade que os gremistas aceitaram de bom grado 0 convite para estrear, oficialmente, o team colorado. S6 nio concordaram em. deixar que os jovens desafiantes patrocinassem o coquetel comemorati- Vo; néo era justo comprometer a receita do novo clube e, além do mais, por uma questo de honra, caberia aos gremistas retribuir o prestigioso convite bancando a conta (Coimbra e Noronha, 1994:8-10). Tanta generosidade de ambas as partes poe algumas interrogagdes aos intimeros mitos de origem veiculados pelos colorados acerca dos motives pelos quais foi fundado o Intemacional. Via de regra, todos se referem 20 Inter como um “clube do povo” e, para justificar este predicativo, criam narrativas em que a imagem do Grémio aparece, in- variavelmente, associada a uma elite segregadora. Jé ao Inter atribue-se uma série de conotagdes “populares” e de “massa” que, embora proce- dentes, s6 haveriam de se configurar nas décadas de 30 e 40. Em resu- mo, nem o Inter € muito menos o Grémio foram forjados a partir da mobilizago popular mas, de acordo com o contexto futebolistico da 65 €poca, ambos sio tributétios de pessoas e grupos que, competindo entre si, buscavam se afirmar dentro de um mesmo universo sociocultural, Dentre as tantas versdes veiculadas pelos colorados, uma em par- ular exemplifica a importincia e a licenciosidade narrativa em torno do “mito de origem”, A primeira vez. que ouvi um colorado justificar seu apreco ao clube do coragao em razio do préprio nome - Intemacio- nal - e das cores - especialmente a vermelha - com as quais o Inter é lo, tratei logo de investigar se, de fato, este clube teria algum vinculo com a Internacional Socialista, como me havia sido assegura- do. Ha certa coergncia nesta e noutras tantas justificativas ouvidas de torcedores colorados e, simultaneamente, de partidos de esquerda. Afinal, os Poppe, que tomaram a ini fundar o Inter, eram descendentes de italianos, trabalhavam no comér- cio ¢ vinham de Sao Paulo; em outras palavras, eram potencialmente militantes socialistas ou, quem sabe, anarquistas. Além do mais, o Inter, jovem © modesto, contrariamente ao clitista ¢ conservador Gré- , sempre foi considerado clube do povo. De acordo coma versdo oficial veiculada pelo préprio Inter (Beira Rio: 25 Anos, 1994), 0 clube foi criado por um grupo nao superior a quarenta pessoas, sem referéncia a qualquer vinculo politico-partidério individual ou coletivo. Muitos dos que assinaram a ata de fundagao, em 4 de abril de 1909, compareceram, no domingo seguinte, & casa de José Leopoldo Seferin, na Avenida Redengiio - que em breve se chamari Jozo Pessoa - para proceder A escotha do nome e das cores do novo clube. © nome Internacional foi sugerido pelos irmios Poppe - José, Luiz e Henrique - chegados de Sio Paulo no ano anterior para trabalhar no comércio porto-alegrense. Sport Club Internacional, cistio do Germénia, atual Pinheiros, era 0 nome do clube onde os Poppe jogavam futebol em Sao Paulo ¢ que, por seu tuo, se parecia com um grande clube de Mili, na Itélia, 0 Internazionale. Milo era a cidade de onde emigrara 0 pai dos Poppe. Eles também queriam que as cores fossem vermelha, preta ¢ branca, alusivas & bandeira de Sao Paulo; o que seria um exagero, em se tratando de um clube com pretensdes de conquistar 08 gatichos, Prevaleceu, entdo, 0 vermelho e © branco, da Sociedade Veneziana, uma entidade carnavalesca de notivel prestigio na cidade ¢ que, na referida reuniio, contava com mais simpatizantes que aco-irma, a Sociedade Esmeralda, cada com o verde e branco. 66 Os irmiios Poppe realmente foram barrados no Grémio, por razies hem compreensfveis se levarmos em conta o processo de admissiio de no- 0s sécios na época, Como outros clubes de natureza associativa e, como {al, imbuidos na preservagiio da identidade entre seus membros, os gremistas usavam eritérios rfgidos para admitir novos associados. Os ne6fitos neces avam de uma espécie de negativa judicial que atestasse a boa indole dos ‘mesms e, para tanto, dependiam da indicagdo de seios mais antigos. As- «luo deveria, obrigatoriamente, ingressar em redes paralelas a fim de viabilizar do tinham nenhu- na cidade” e, portanto, no foram (Coimbra e Noronha, p.8). que aproximam o Sport Club Intemacio- sta e do “povao” so constantemente evocadas e reelaboradas, Pouco importa se existe uma espécie de desconsideracio so dos militantes de esquerda, ou uma apreensao parcial realidade social, por parte dos que acteditam ser 0 Inter 0 clube dos: ucgros, dos grupos populares, enfim, dos excluidos em geral, Interessa, isto sim, notar como os clubes sio constantemente recriados ¢ lapida- los no imagindrio dos préprios torcedores visando a adequar a predile- (0 clubistica a outros valores nem sempre compativeis Qualquer que tenha sido a origem do Inter, o certo é que seus lealizadores se propuseram, desde logo, a desafiar 0 Grémio. Isto fica numa célebre frase de Carlos Kluwe - médico, pecuarista e atleta colorado - proferida dois anos depois da fundagdo do Inter e logo apés 0 clube ter sofrido sua segunda goleada em grenais: “s6 deixo essa coisa de ebol depois de uma vit6ria sobre o tal de Grémio” (Coimbra e Noronha, 17). Questo de honra para os colorados; bom para os gremistas que, im, encontravam um contendor arrojado; e ainda melhor para o fute~ I porto-alegrense. Gre-Nal ainda nao era Gre-Nal, mas a rivalidade que se iniciava, Foi um marco jportante para o desenvolvimento deste esporte, mais até do que a Liga, Porto-Alegrense de Foot-Ball, fundada em 1910. Ocorre que, nesse mes- ano, registrou-se o “primeiro sururu em campos de futebol da cida- foi quando Volksmann, do Internacional, agrediu Booth, do Grémio (Iistéria do Grémio, n.2, p.4). O futebol deixava, paulatinamente, de ser n simples atestado de que a modernidade havia chegado a Porto Alegre para se incorporar ao cotidiano de seus habitantes.. 7 Itinerérios das paixdes No inicio do século o Bairro Moinhos de Vento ainda nao era o metro quadrado mais valorizado da capital. Os moinhos que deram ori- gem ao nome ja haviam sido demolidos ¢ o bairro s6 receberia a atual designagao depois de 1910. Entretanto, o final da Mostardeiro, que na 6poca se chamava Schetzverein Platz, jé era um dos locais preferidos para os picnics da elite porto-alegrense. Cenirio bucslico, nao to di ante do centro, no ground da Baixada estava situado 0 Prado Indepen- déncia, onde era realizada a Protetora do Turfe - principal evento hipico da cidade - € 0 Schetzverein, ou Tiro Alemio, atualmente Clube dos Caixeiros Viajantes. Augusto Koch, sécio-fundador e presidente honorério, nao apenas pensava que o Grémio, como um clube distinto, deveria ter sede pré- pria, mas também que a Baixada era o local apropriado. O Major Koch, freqitentador das “melhores rodas”, nfo teve grandes dificuldades para juntar 0s dez contos de ris exigidos pela familia Mostardeiro, proprie~ téria do terreno. Assim, menos de um ano apés sua fundagio, o Grémio jd tinha casa prépria e, de certa forma, um considerivel patriménio. ‘Nem tanto pelo field, nem pela cerca que impedia o gado de disputar 0 espago com os players, ¢ tampouco pela “borboleta” que entrada dos associados. Isso tudo, incluindo o pavilhao social, construido para as autoridades, causava boa impressfio, com ares de ordem e pro- gresso. Porém, 0 mais importante - aquilo que tomava o Grémio um clube respeitavel -, era o status daqueles que cruzavam a borboleta e, principalmente, dos que tinham acesso ao pequeno pavilhiio. José Montaury, intendente municipal e apaixonado pelo ciclismo, era apenas um dos tantos notaveis presentes na inauguragao da Baixada Jé o Internacional, desde sempre autoproclamado clube do povo, ni era propriamente aberto a adesdes indiscriminadas, embora seus critérios fossem menos rigidos que aqucles praticados na Baixada, Pe- quenos comerciantes, comerciérios, funcionarios piblicos e estudan- tes em geral, via de regra, ainda jovens e, portanto, em busca de afir- magao social, compunham a base dos freqiientadores do clube. O ca- pitdo Graciliano Ortiz, por exemplo, sogro de um dos Poppe, era dire tor do Departamento Municipal de Limpeza Piblica. Podia ocupar uma posigio prestigiosa entre os jovens colorados e ser respeitado 8 1s seus comandados no servigo piiblico, mas nada que se pudesse far ao major Koch, presidente-honorario do Grémio. ssas pequenas diferencas, desaparecidas mais tarde e atualmente antes 2 medida que tanto o Inter quanto o Grémio contam com es em seus conselhos deliberativos - espécie de parlamento dos armos como pardmmetro comparativo 0 s agremiacdes. O resultado do primeito Gre-Nal, vencido fitado ao fato de 0 Internacional , enquanto 0 “outro” jé era nstituigio tradicional, mas revela também, com certo exagero, @ cia entre a buedlica baixada da Mostardeiro e 0 alagadigo terreno Rua Arlindo - atual Praga Sport Club Internacional -, na Azenha, lc 0s colorados realizaram seus prepatativos para o match inaugural ‘Além dos transbordamentos esporédicos do Arroio Diltvio, no in- no frio e chuvoso, o campo improvisado em local cedido pela prefei- 1 passava boa parte do tempo impréprio a pritica do futebol. Assim, s colorados passaram a treinar na Volta do Cordeiro, mais ou menos le esté o Hospital de Pronto Socorro atualmente, As goleiras, de Jeira, tinham de ser removidas ap6s os treinos ¢ guardadas no arma- n do senhor Cordeiro; do contrério, seriam queimadas pelos moradlo- vs de rua (Coimbra e Noronha, p.9). Tamanhas atribulacdes diminufram a partir de 1912, quando o presidente, Jlio Selig, alugou um terreno na Chécara dos Vucaliptos - érea atualmente ocupada pela Secretaria de Agricultura stado. Na tal chécara no existiam problemas com as cheias, ¢ 0 da linha do bonde Menino Deus facilitava 0 acesso dos torcedo- cs. Ainda assim, estava aquém do Fortim da Baixada. Pior mesmo a os colorados seria perder aquele espago; se as arquibancadas pre- jas nos eucaliptos indicavam que o Inter era um clube humilde, vam também que ele era freqtientado por um bom niimero de reedores ¢, sendo assim, com grandes possibilidades de expansio. ‘Antes de consolidar sua primeira casa propria, o Estédio dos icaliptos, na Rua Silveiro, o Inter esteve, em pelo menos duas oportu- jidades, & beira da extingdo, A primeira, em 1911, antes de alugar a Chacara dos Eucaliptos, o Inter sofreria sua terceira goleada diante do Gremio, 10a 1, com gol de “charles” de Edwin Cox - irmao de Oscar, © que fundou o Fluminense no Rio de Janeiro. Foi depois dessa partida ‘que Carlos Kluwe sentenciou uma frase emblemtica - “36 deixo essa 0 coisa de futebol quando derrotar 0 tal de Grémio” - e, gragas 2 sua per- sisténcia ea de outros associados, o Inter perseverou. Quatro anos mai tarde, pela decisdo do campeonato metropolitano, o Inter bateu o Gré- mio por 4 a 1 e conquistou seu primeiro titulo: “Esta quebrado o lacre! Est quebrado 0 lacte! Demorou seis anos!” berrava Antenor Lem enti presidente colorado (Coimbra ¢ Noronha, p.23).. Quando surgiu a segunda crise, em 1928, 0 Inter jé havia conquis- lado, inclusive, seu primeiro titulo regional, o campconato Gaticho de 1927.” Desde 0 inicio do século, o futebol porto-alegrense havia sofri- do vétias modificagGes. J4 se cobrava ingresso nos estidios, disputava- se um certame regional e amistosos com equipes de outros estados e do exterior, ampliava-se 0 espago do futebol na imprensa, discutiam-se os problemas acarretados pelo “profissionalismo marrom” e, de mais am: Grémio versus Internacional ja era Gre-Nal, A supremacia gremis contudo, permanecia inabalivel; embora, vez por outra, perdesse um ‘campeonato metropolitano ou regional. Nesse contexto, o Internacional necessitava de atitudes mais ousa- das indispensdveis a sua prépria sobrevivencia, entre elas, a conquista dum espaco proprio. Quando os gestores do Asilo da Providéneia anun- ciaram a yenda do local onde estava situada a Chécara dos Bucaliptos, houve calorosas discussdes entre os dirigentes colorados, culminando com a desergiio de alguns deles. Antenor Lemos, pelotense e maragato, que havia presidido o clube em cinco oportunidades, manifestou-se con- tério A aquisigdo do terreno pois julgava 40 mil contos um absurdo. O jomalista esportivo Arquimedes Fortini também achou o valor excessi- ‘Yo, mas trangiilizou-se quando lhe asseguraram que o Inter teria a pre- feréncia de compra, Mobilizou 0 apoio dos Chaves Barcellos, dispostos 2 emprestar a quantia exigida pelo Asilo da Providéncia sem prazo para ressarcimento, mas no convenceu a turma do fandtico Antenor Lemos. Para este ortodoxo defensor do amadorismo, o Internacional deveria “sobreviver de conquistas esportivas, no de giérias materiais”. Com argumentos desta natureza, muitos clubes acabaram extintos assim que o profissionalismo foi efetivado, e o Inter por pouco nao foi um deles. lube dos negrinhas”. Os 987, p25), ternacional foi arefecendo até tornar-se mori- 1 0 jovem engenheiro Iido Meneghetti (descen- de italianos e mais tarde governador do Estado} que liderou uma vigo- sa campanha de arrecadagio de funclos a fim de construir um novo estado parm Colorado, Com a venda de bnas Meneghet le ntou a importaneia dos Bue: o,em 1931 ‘Sem sede, sem campo, firmar, pois Grémio permanece- sada de 30. Independente dos resultados den- tédio mexeu com o sentimento dos torcedores dos. Enquanto os gremistas inauguravam com grande pompa, quatro meses depois, os refletores da baixada, os colorados se rgulhavam, pois sua casa era capaz de abrigar mais puiblico do que a Mais que isto, o Eucaliptos representava um marco na histéria colorada, como desabafa Carlos Lopes dos Santos: ‘Uma agremiagiio, um rico patrimdnio © uma diretoria, Assim passou a se ‘entar o Internacional no cendrio esportive do Um presidente, 1e consolo foi se ter a certeza de que 0 destino do izado com a construczo do Eucaliptos, a rua em pleno arrabalde do Menino Deus! (Santos, 1975, p.62-63). Finalmente, depois de virios percalcos, o Inter se constitufa numa ; tinha “um presidente”, “um rico patrimOnio” e em breve um grande time do qual ainda hoje os colorados se orgulham: o “rolo compressor”. Se, até os anos 30, a rivalidade patrimonial favorecera 0 m como os resultados de campo, com o Eucaliptos o Inter equilibrara a disputa, Faltava-the, no entanto, equilibrar a rivalidade propriamente futebolistica, Este equilfbrio cra fundamental, inclusive lo ponto de vista simbélico. A trajet6ria por terrenos alagadigos ou igados respaldava, em parte, o “mito de origem” do clube do povo. Digo em parte, pois faltava ao “clube do povo” abrir suas portas aos, nogros e, o mais importante, sair-se vencedor com eles. Até entio, 0 clube do povo era, antes de tudo, uma pecha, um motivo de zombaria dos gremistas, Foram os negros, na década de quarenta, no Et que tomaram 0 “mito de origem” um orgulho para os colorados. re a quesido do negro ef, 0 proximo capftlo, n Numa tentativa de fazer frente & hegemonia colorada, 0 Grémio passou por transformagdes significativas a partir do final dos anos 40, incluindo a transferéncia da Baixada, O Estidio Olimpico Monumen- tal, com capacidade estimada em 60 mil espectadores, foi iniciado nos primeiros anos da década de 50. Uma intensa campanha para arre- cadagao de fundos, consistindo, basicamente, respondente a uma saca de cimento, mobilizou os torcedores de varios Pontos do Estado ¢, em pouco tempo, a Vila Caiu do Céu transfor- mou-se num canteiro de obras. Quando a primeira parte do estédio bol gaticho permanecia sob o domfnio colorado. Em grande parte devi- do & mobilizagio de seus torcedores, 0 Grémio conseguiu, em pouco tempo, atualizar-se patrimonialmente e reverter um quadro desfavord- vel em termos futebolisticos. Grosso modo, isto se repetiria ne 10s 70. Enquanto o Inter sagrava-se octacampeiio regional e tricampeaio brasileiro, o Gremio decidia pela continuidade das obras do Olimpico. Portanto, s6 no infeio dos anos 80, também caracti importantes conquistados - Campedio Brasileiro, da da América e do Mundial Interclubes. Novas alteragdes substanciais s6 ‘ocorreriam no inicio dos anos 90, quando as arquibancadas superiores vibravam com tamanha intensidade que 0 Olimpico se tornou alvo fécil para os colorados: Hi, hi, hi, chiqueiro vai caf! A interdigao imposta pela prefeitura foi sustada depois de algumas reformas, Cadeiras foram colocadas no lugar das referidas arquibancadas de cimento.e, assim sen- do, todo o anel superior foi tomado por cadeiras e, conseqiientemente, a capacidade do Olimpico foi reduzida.”" Pouco depois desta reordenacio do espago, © Grémio “caiu” para a segunda divisio Nacional, de onde ressurgiria, no ano seguinte, para repetir, no perfodo subseqiiente, os mesmo feitos da década de 80 - exceto o Mundial Interclubes, Enquanto 0 Grémio, no inicio dos anos 50, trocava o bairro Mo- inhos de Vento por uma zona limitrofe entre 0 Bairro Azenha ¢ 0 Mediancira, especialmente este tiltimo, com um perfil proletirio e, portanto, sem o status da antiga Baixada, o Inter acumulava titulos Em 1981, polas semifinais do Campeonato Brasieito, foi tomado por 88.000 pagantes, registrando o maior pi -gionais e vitGrias em grenais como em nenhum outro perfodo de sua istéria, O rolo compressor e, depois, o rolinho, seu sucessor, etemizaram 0 Eucaliptos. ‘Uma vez estabelecido na Azenha, 0 Grémio inverteu a gangorra, azendo com que os dirigentes colorados obtivessem, ainda em mea- los da década de 50, uma concessio para aterrar sete hectares do rio 1aiba, As obras s6 tiveram infcio anos mais tarde, e se estenderam 1969. Durante esse perfodo, 0 Grémio assumiria a hegemonia do bol no Estado, enquanto os colorados, torcendo pelos pedreiros, :m da “flauta” habitual motivada pelos péssimos resultados em cam- 10, eram importunados pelos gremistas com um trocadilho irdnico «que entraria para a hist6ria da rivalidade. Para arrecadar fundos e dar continuidade as obras, 0 Inter colocou a venda, antecipadamente, “ca- ras cativas”; ou “béias cativas”, como se popularizaram, por inter- nédio dos tricolores, as futuras instalagdes do Beira Rio. Poucos acreditavam que a obra seria levada a bom termo, até mes- no alguns colorados. Entretanto, no esmoreceram, mas empenharam- se com mais vigor a partir das ironias gremistas e, através de doagdes, ‘em espécie ou em mercadorias, cimento e tijolos foram se acumulando : dando forma ao atual Beira-Rio. Dois meses depois da inauguragiio, 0 seu primeiro titulo da “era Beira-Rio”, um fato que ido muitas vezes ao longo dos anos 70. Este breve panorama evidencia a estreita correspondéncia entre os investimentos patrimoniais ¢ a performance futebolistica de cada \gremiaco em particular. A alternancia de posigSes, seja ela mediada pelos resultados ou pelas obras, demonstra, mais uma vez, a ‘competitividade subjacente a rivalidade e reforga a idéia de que 0 Gré- mio e 0 Inter constituem uma totalidade indissocidvel, inclusive no que lange & materializagao das difereneas. A SIMBOLICA DOS ESTADIOS Na época em que a pesquisa de campo foi realizada, no segundo semestre de 1996, um dos executives do Grémio que atuava na area de administragao de finangas e de pessoal definiu sua atividade, inclu- indo a de outros profissionais com fungdes préximas as suas, como uma tentativa de racionalizar um segmento movido pelas paixdes. Para B exemplificar sua assergao, evocou a questo da administragéo dos es- tddios. Mesmo sem revelar cifras, atitude que, de resto, constitui-se num padrio id&ntico ao gerenciamento de empresas de capital priva- do, 0 executivo deixou claro que a manutengao dos estidios despende gastos excessivos que poderiam ser remediados com uma administra- ¢do mais racional de um espago considerado ocioso na maior parte do tempo. Afirmou, inclusive, que Porto Alegre ndio comporta dois esti- dios tio préximos, em éreas extremamente valorizadas pelo mercado imobilidrio e nas dimensGes do Olimpico ¢ do Beira Rio, Provavelmente, os dirigentes que idealizaram esses empreend mentos ¢ os torcedores que 0s viabilizaram economicamenie, aten- dendo as diversas campanhas publicitérias, acreditavam no aumento ilimitado da populagio urbana, na afluéncia dela aos estadios ¢ no contavam, ainda, com a possibilidade de televisionamento dos jogos.” Seja como for, a paixio pelos clubes e a rivalidade entre eles nao dei- xa qualquer diivida acerca dos motivos pelos quais gremistas ¢ colorados empenharam-se na materializagio de uma nogio de pertencimento ¢ status que hoje € motivo de orgulho, comparativa- mente a torcedores de outros clubes br: A Diferentemente do que ocorre com a maioria dos chamados gran- des clubes do futebol brasileiro, Grémio e Internacional podem sediar jogos importantes em seus préprios estédios. Trata-se de uma esp. de atestado de propriedade; uma sjegdes, especialmente se se considerar que « troca da ia na década de 40, ea passagem do Eucal esse period de ap passando de 270.000, em 1940, para 880,000 habitances, ‘em 1970, segundo dados (artedondados) do IBGE - e seguiu crescendo i taxa de 25% ao ano na década de 70, quando 0 nga de que 0s clubes nec acapacidade ‘e que na época, como ainda iia havia sido conclude, toreedores (Revista do Gremio, Marco/Abril 1968). 34 as de jogos de futebol foram inieiadas, no Brasil, em 1970, por oeasito da Copa do Mundo no México. ” Tabela | Os clubes de maior torcida e seus respectivos estédios Estédio Capacidade do Estédio** Given 8.000 Fazendinha 75,000 Morumbi 30,000 ‘Sto Janus 35.000 Laranjeiras 8.000 Parque Antartica 32.000 Caio Martins 12.000 ‘io possut 7 no possut - Vila Belmiro 30.000 85.000 60.000 Sport 60.000 Santa Cruz 80.000 Ter estédio proprio € como possuir casa prépria, com todas as conotagées priticas e simb6licas que poderiam ser elencadas a partit da diferenga entre “ser proprietério” e “ser inquilino”. Se é certo que todo inquilino pode moldar seu habitat de acordo com sua propria subjetivi- dade, e de fato o faz, também é verdade que os torcedores de clubes que no possuem um estédio particular procuram demarcar 0 espago que hes € destinado, mesmo que por um breve perfodo de tempo, entre a chegada ¢ a safda do estdio. Demarcam-no com suas presengas, em menor ou maior quantidade; através das cores, bandeiras, faixas; enfi emblemas e simbolos com os quais se identificam entre si - compondo * Cubes em ordem decrescente de posigio no ranking das torcidas (Fonte: Placar 1088) + Capacidade oficial dos estidios (Fonte: Placar n.1127-A) 6 grupos geralmente definidos como familia, nagao ou galera - e contras- tam com os “outros”; e também, por meio de cAnticos, xingamentos coreografias, em suma, diferentes formas de expressar e partilhar o sen- timento de pertenga. Contudo, tal qual o inquilino, nfo dispdem, a ri- gor, de autoridade para engendrar qualquer alteragdio substancial na con- cepgio da arquitetura do imével. Beevidente que tal comparacdo tem seus limites, mas ainda assim € ‘itil para diferenciar a telago que colorados e gremistas estabele- ‘cem com seus respectivos estidios, comparativamente a outros torce- dores cujos clubes nao dispéem de “casa propria’. A freqiiéneia com que Olimpico e Beira-Rio aparecem como objeto de anedotas e Jocosidades em geral, revela 0 quanto a questio do patriménio é rele- vante para ambas as torcidas. Embora seja diffcil estabelecer uma com- paraco mais detalhada com outras rivalidades regionais - eixo Rio Siio Paulo, por exemplo - esta recorréncia parece implicar numa pecu- lade da rivalidade Gre-Nal.” Existe ainda um segundo elemento de distingao entre os clubes que possuem estédio particular e outros que nao os tm, geralmente identificado como “fator local”. Num contexto em que os jogos simu- Jam um enfrentamento bélico - “cada time é ‘dono de cada metade do campo [...]. Cabe-Ihe avangar, preencher os vazios, ocupar espagos, alacar, atirar, invadir os ‘tltimos redutos’ do adversario e fazer cair sua ‘cidadela’ [...]”" (Soares, 1979, p.13) -, jogar “em casa” seria como guerrear em territério préprio. Assim, espera-se do time da casa a ini ciativa de atacar primeiro o adversério, metaforicamente, um forastei ro que espreita, a distancia, o comportamento do contendor na expec- lativa de que este cometa, individual ou coletivamente, um erro titico ou de execucio para entao fulminé-lo no contra-ataque. O dominio do espago ¢ 0 controle territorial do jogo consti-tuem-se, via de regra, numa atribuigio e nao raro numa obrigatoriedade da equipe local. Esta, além de contar com a torcida a seu favor, dispde de outras prerrogati- vas como, por exemplo, 0 conhecimento prévio do préprio campo - as, 1 ot rngamenos Ito tepetados or Tle (195, 79-94) endo ot toredores dos grandes hues de Sto Paulocomo univers de pegus,reeresoh qc leo imino ede run up ent & een aceon nda eae ee eps rs dopa tart-socomo eon ou evan endo roid cesrlqioncmserstablortor 0s quais 0 clubes sio identificados. oe re %6 nsGes exatas de sua extensdo, eventuais falhas no gramado, de- 10s de luminosidade, pontos de referencia fixados fora do campo priamente dito, entre outras - e, principalmente, 0 dominio de um 20 oculto, do vestidrio, da concentrag&o, enfim, de setores aos ‘0s torcedores no tém acesso e tampouco visibilidade, mas aere- am decisivos. Esses espagos, verdadciras trincheiras, sfio também \dos ao contingente € nao raro ao sobrenatural, componentes 20 mo tempo temidos e desejados, especialmente em se tratando do ol brasileiro. O subsolo, o que estd “em baixo”, “invisfvel”, é iderado um espago cujo controle ¢ atribuido & equipe local, ela "a nogiio exata dos Iugares ocupados pelo visitante, enquanto a iproca nem sempre 6 verdadeira. Nesta perspectiva, o clube local e, em especial, 0 “proprietério”, ispoem de todas as vantagens possfveis e imagindveis, desde aquelas inentemente préticas - é comum ocorrerem sabotagens como 0 corte: cnergia elétrica antes, no intervalo ou no final dos jogos; hostilidades r parte dos funcionérios do clube mandante e restrigdes de espago - outras, de cardter intimidativo e emotivo nas quais poder-se~i ir desde os “despachos”, freqtientemente colocados no vest versério, até nogdes de confianga, hombridade, superagao e sorte. Quando vs gremistas, depois de derrotados e hostilizados pela Portuguesa e seus 1expectivos forcedores no Morumbi, em Sao Paulo, no primeiro jogo da linal do Campeonato Brasileiro de 1996, se confortavam dizendo que no Olfmpico o furo é mais embaixo [...), If as coisas serao diferentes /..-}, ainda femos o jogo de volta [...},€ assim por diante, expressavam, tado o simbolismo subjacente ao dominio territorial, Observa-se, atra~ vés destas manifestagdes, como o componente local aparece como dcterminante, deixando antever que o time, por si 86, talvez nfo reunis- se qualidades suficientes para reverter o placar adverso do jogo de ida. Neste aspecto, tanto 0 Grémio quanto o Inter se representam como heneficisrios do fator local, inclusive quando jogam entre si. Ao contré- rio do Pacaembu, Mineirao e Maracani e¢ até mesmo do Morumbi, con- siderados neutros, inclusive para equipes visitantes, Olimpico ¢ Beira Rio sao parciais, pertencem e, como tal, so fator de desequilibrio favo- ravel a gremistas e colorados, respectivamente, ‘Um terceiro componente da simbélica dos estédios ¢ aquele que desperta maior interesse no Ambito deste capitulo, refere-se as diferen- as entre o Olfmpico ¢ o Beira-Rio em termos da distribuicdo dos espa- 7 08 destinados aos torcedores. Parto do pressuposto de que a organiza ¢%0 espacial nao se limita a uma comodidade técnica mas, como escre- ve Leroi-Gourhan, também constitui, “a mesmo titulo do que a lingua- gem, a expressiio simbélica de um comportamento globalmente huma- no” (1965, p.131). Assim, os estidios da dupla Gre-Nal, como qualquer meio tecnicamente eficaz, a de assegurar um enquadramento ao sistema social, e a de ordenar, a partir de um ponto, o universo de seus torcedores ¢, como tal, revelam aspectos importantes de como cada um dos clubes pensa, distribui e hierarquiza seus espacos e, por extensiio, aqueles que os ocupam. Tanto o Olimpico (Figura 1, a seguir) quanto 0 Beira-Rio (Fi- gura 2, idem) possuem varias segmentagdes espaciais. O valor do ingresso é apenas um dos elementos que estabelece, de antemio, a jerarquia entre os torcedores de um mesmo clube. A ada espaco corresponde uma visio diferenciada do espeticulo e, multaneamente, formas distintas de manifestar apre¢o ou discordéncia em relacfo ao desempenho da equipe. Tomando 0 Olim- pico como exemplo, pode-se perceber a nitida fragmentagio dos olha- res ¢ a multiplicidade de gestos, atitudes e comportamentos. A partir da Gltima reforma geral, em 1992-1993, 0 estidio do Grémio passou a ter sew anel superior completamente tomado por ca- deiras, As chamadas cadciras numeradas (cativas) esto situadas de frente para o gramado, tendo seus proprietérios ou locatérios uma vi- so panordmica do jogo; a vista “superior” permite a apreensfio ma acurada das manobras titicas das equipes e, conseqtientemente, sub: dios para uma interpretacdo diferenciada, “racionalizada”, da dindmi- ca do embate, Numa linha imaginéria projetada a partir do centro do gramado se encontram as tribunas de honra, destinadas aos dirigentes, convidados e conselheitos ilustres e, acima delas, apenas as cabines de imprensa. Como os lugares so valorizados partindo-se da perife- ria para o centro € de baixo para cima, esta configuragio pressupde gradientes diferenciados de legitimidade sobre a interpretagaio do jogo. Quem ve do alto ¢ do centro vé “coisas” que quem esté em baixo e na periferia nio vé, 8 medida que perde-se a nogao de profundidade, di- zem os comentaristas esportivos. E, a partir disso, como afirma Soa- res (1979), 2 Tentam oferceer a sua verstio pluralidade das percepeées do jogo & sua visio onipotente. E, através dos “comentivios", procuram conjugar 0 acaso, domesticar 0 a préprio os jog0s, impondo a posteriori um principio de causalidade “natural”, sub- imetendo 0s fatos heterécitos 2 ordem tautoligica (no caso) da detera fo © da necessidade (p.12). Figura | Estédio Olimpico Monumental cadeias lateral tunel de acesso da abitagern ecals« toroid vistante + + tne de scesso soviis « ‘dvequipe vsitante reserva (banc) do Grémio ines de imprensa cadeias cetais + Pista atlética « tel de scesso do Gremio + tribunas de bonra + reservado do poliiamento © dos Biscais da Pederagio reservad d » eras « Figura 2 Gigante da Beira Rio arguitaneadas , superiores dace de acesso da | > banco do Inter cabines de imprensa Banco da equipe vistae + ‘cos fscais ds Federayto Ae honea + tinel de acess do No lado oposto, onde antigamente se encontravam as arquibanca- superiores, estdo as cadeiras centrais e, acima delas, os camarotes. sas cadeiras nao so numeradas e tampouco nomeadas, como a Se, portanto, de jogo a jogo, seu pil \quanto os frequentadores das cativas e dos camaro \do determinado - se conhecem uns aos outros 4 medida que ocu- nie as vezes ofusca a visio de quem se encontra nas cent s eativas e as tribunas estejam do lado opost seu lugar assegurado; poderé ios sem correr riscos de ver seu espaco usur- \do. A distiincia em relagao ao campo e ao torcedor do lado, determina n comportamento mais contemplativo, distanciado e individualizado, -m diverso do que ocorre no andar de baixo. Nao 6 mera contingéncia que as torci -, por exemplo, sempr res das gerais e nem sempre se completa com os torcedores das ca ras, fato este passivel de protesto. As torcidas organizadas, tendo suas ias coreografias, dificilmente iniciam a “ola” e dela nem sempre rticipam ou, quando a Super Raga o faz, a Jovem nio, ¢ vice-versa. tencia, 6 que as partem ou sto endossadi s, supostamente os m: lube, € indicio de que a relaco gremistas-Grémio~ -jogadores esté conturbada. Os torcedotes das get at tes, pois af estiio os que sacrificam seu dinheirinho pré vir ao estidio €, portanto, @ vaia é um direito deles. Contudo, nao se deve entender tal permissividade como dédiva ou concessio. Nas entrelinhas, espe- mente os dirigentes, fazem crer que este 6 0 tipico torcedor passional, uma caracterizagao que objetiva desqualificar a referida manifestagio. A légica bastante simplista sugere que, quem vé das gerais, no pode mesmo entender a dinmica do jogo e, por extensio, as dificuldades oferecidas pelo adversario. Povo quer ver gol e ponto final, dizem alguns ditigentes e até mesmo alguns comentaristas es- portivos que, nao raro, usam esses torcedores para veicular suas opi- nides - mais ou menos como o uso do povo pelos politicos. Porém, a vaia das sociais € consicerada como um protesto que vem de dentro, de iguais, de gremistas para gremistas. Se 0 piblico das cativas tam- bem adere aos protestos, é motivo para mudangas na comissio técnica € até dos dirigentes ligados ao futebol. As “organizadas” também nao vaiam o time do Grémio, ou nao sio orientadas para tal; a resignaco parece constituir 0 nus do acesso subsidiado pelo clube. Sio delas, porém, que partem, freqtientemente, 08 cfinticos e xingamentos mais insultantes; como esses, a seguir, quan- do 0 adversério é 0 Tnter.* tire um pau Eo Inter se Olé Gremio! Ole Gremio! (Na melodia de Another brick in the wall, Pink Floyd.) * Quando ocorre Gre-Nal, 0 espago destinado & tore quem sobrepostos, impedindo g SOtermo "| ime € pernade pau’ rarede/POe cinco golos 1 fiear novo/Vocts pri ns & batbada/Te uns frio nfo joga nada/Dez minutos bate a sede/O Gréimio & na rede/termina com a macacada, a Explode chiqueiréo Pri soltd, a macacada Bu v6 chaméo Tama Pr dé banana pr toreida colorada! Explode (.. Blois] (ya melodia de Explode Corto, samba-enedo da -08 do Salgueiro, 1989. eantado em gronais no Beira Rio.) Adeus colorado, Feliz. gauchiio Que tudo se real (Na melodia de Adeus ano velho/Feliz ano novo. ‘CAntico recorrente nos anos 80, segundo depoimento de Edson, colorado, tegrante da Camisa Doze do Inter.) lado, Colorado, favelad Dé cu pra um gremistio! (Kingamento, freqltentemente ouvido nos Onibus que doslocam os gremistas para o local do joz0.) precisar a raziio pela qual esses cfinticos - s6 liste’ aqueles idos especificamente aos colorados - hostis e desabonadores partem, quase sempre, das “organizadas” do Grémio e nao raro fiquem restritos a elas. Talvez. porque os torcedores que participam das organi- zadas sintam-se mais protegidos - dificilmente alguém se atreverd a contesté-los - € assim possam servir como porta-vozes dos demais tor- cedores, especialmente para os do andar de cima, onde raramente se ouve um xingamento nos termos citados. Em geral, esses cfinticos € xingamentos mais hostis limitam-se ao espago dos estadios, Em meio & efervescéncia, até mesmo os gremistas negros ou de origem proletéria se juntam a0 coro, Fora dos estédios, porém, onde os sentimentos de pertencimento clubistico sio mais frageis, geram constrangimentos. O que foi dito sobre o Estadio Olimpico poderia, em linhas gerais, ser estendido ao Beira-Rio*, Como o objetivo aqui no é uma compara. do (éte-a-téte, convém fixar uma diferenga que, por ser contrastiva, acaba prevalecenclo sobre as demais. Até no que se refere aos cuidados para proteger do sol o$ torcedores mais ilustres, Grémio e Inter esto empatados. Porém, enquanto o primeiro se orgulha das tribunas ca- marotes, incluindo © servigo de eopa considerado um dos melhores do Brasil, o segundo se exibe por ter em seu estadio um espago popular mente conhecido como “coréia” — vale lembrar que, desde 1997, 0 Bei- ra-Rio também possui camarote i ‘Com capacidade estimada para 15,000 torcedores - “com 5.570 metros lineares ocupados, na média de 2,69 espectadores por metro [ (Beira-Rio 25 Anos, p.13) - a coréia circunda a pista atlética, a a gramado, e dela € separada por um fosso e uma cerca de arame farpa- do para impedir as invasées de campo. Também existe uma murada seguida de arame para impedir que os “coreanos” saltem para as arqu bancadas inferiores, estratégia de muitos adolescentes e que se constit numa espécie de espeticulo a parte, antes do inicio dos jogos. Ha quem vé para a “coréia” pelo prazer da aventura, para burlar s policiais ¢ assistir de um local mais privilegiado pagando o minimo possivel. Se ‘quisesse podia ir até de superior, mas gosto mesmo é da aventura... con- fessou um adolescente cujo nome nao tive tempo para perguntar; quan- do pensei em fazé-lo, ja nfo o tinha ao meu lado, mas dependurado na tal cerca. H4 outros mais resignados e até mesmo convictos do lugar {que ocupam, como um jovem que se negou a saltar como grupo do qual fazia parte, afirmando que tinha orgulho de ser popular e, portanto, iria permanecer onde estava Se da “coréia” nao se tem nogao de profundidade - pois se est no mesmo nfvel do campo -, em compensagio, pode-se xingar ou incenti var os jogadores, “bendeirinhas” ¢ comissio técnica pois, com certeza © interlocutor estaré ouvindo. Poresta e outras razdes, a““coréia” sugere uma apreensio do jogo extremamente fragmentada e, assim send, tide como suscetivel a reagGes emotivas. De fato, aqueles torcedores em gamentos de gremistas para colorados impico deve-se ao fato da pesquisa is, prioritariamente, Para um estudo grudados uns nos outros, muitas vezes ouvinde em duplas ou em os as transmissées pelo radio ou, de outro modo, com aparelhos dife- ntes sintonizados em emissoras igualmente diversas, contrasta com walkmans e as cadeiras numeradas. Parece haver um acordo ticito 08 torcedores da “coréia”; eles partilham algo mais do que 0 apre- pelo seu clube, partilham também uma determinada condigao de clas- ‘atitudes e comportamentos. Quando 0 gol do time acontece, a eti- jeta no sugere gestos contidos, sorrisos largos ou murros pata 0 alto; ‘coréia”, se urra, se corre, se Salta. ” é diferente e, enquanto existir, os colorados terdo respaldo para afirmar, como sugere o hino do clube, que perten- em ao “clube do povo do Rio Grande do Sul”, Nem mesmo a constru- io dos dezenove camarotes parece desmentir essa crenga. E que o Inter a até pouco tempo tinico clube brasileiro com estadio privado a man- sua “popular”. E preciso colocar algumas diividas acerca de uma verséo ampla- wente aceita segundo a qual, no estdio, desaparecem as diferengas ¢ 08 -econceitos em detrimento de um sentimento Itidico e festivo. Se exis~ m momentos de intensa sociabilidade, em que o sentido de pertenga z desaparecer, temporariamente, nogdes a priori de status e hierar- uia, ndo & menos verdade que a distribuigo espacial recompée, num ‘momento subsegiiente, as categorias que apatentemente haviam sido suplantadas. A crenga de que patrdo e empregado alegram-se ou entris- lecem-se abragados constitui-se numa ficgdo roméntica, pois embora mbos possam torcer para um mesmo clube ¢ freqilentar um mesmo 120, provayelmente ocuparao espagos diferenciados, o primeiro, no ‘andar de cima e 0 “outro”, no andar de baixo. E isto vale para gremistas para colorados. Tanto os gremistas quanto os colorados orgulham-se de seus esté- s, € isso os aproxima quando se trata de rivalizar com a maior parte dos torcedores de outros clubes brasileiros. Entretanto, 0 Olimpico ¢ 0 Beira-Rio possuem diferengas significativas, gerando controvérsias. Enfim, ambos segmentam e hierarquizam seus préprios pertencedores, revelando o quanto gremistas e colorados sto contrérios, contraditérios ¢ complementares. Carlitos. | - ‘gacho em 1942. 0 Rolo Compressor, wicaTipeao sc grupais, Importa-me, socialmente estabelecida, seja ele resultante da inter: clube ou dos primeiros entre si. No caso espec' Nal, 0 Grémio tem sido visto como um clube da elite branca eo nacional como sendo um clube dos populares dos negros - ambas as was de qualquer modo recorrentes. Tais vincu- ligdo'e, COMO Tall, s0-constitutivos da propria hto-Pouco importa se tais associagdes sao na atu- iveis com os indicadores socioecondmicos, como a seguir. los fazem parte ode pertenci alidade ineomp; demonstra a pat Lali dn * Uma versio modificada deste capitulo foi apres XXII Reunldo da Associagao Brasileira de Antropologia (ABA), 8% Tabela | - Preferéncia clubfstica e classe social (Fonte: Pesquisa de Marketing Aplicadof* ‘Time Gremio Classe Social Total A 665% 6Al% B 441,00% 41,679 131% c 37,67% 39.10% 38.34% D 11,087 865% 996% E 3,60% AN7% 3,86% Total 100% 100% 100% Se a tendéncia a distribuigao equanime de gremistas ¢ colorados centre os diferentes segmentos sociais contraria a crenga_ existente, deve- ia27 Antes de supor um equivoco da sabedoria popular, convém questionar até que ponto esta distingdo elite/povo tem a ver com a percepedo sociolégica dos torce- ores, Creio se tratar de uma diferenga forjada pelos torcedores, num Jeterminado periodo histérico, de acordo com as suas préprias percep- e cultural, Desde entio, essa diferenga tem foi instituida e‘eomo vent {0 professor Wal bos os sexos, acimia de 14 anos, em difere ‘mapeados todos os bairtos, de ead ale ima rua espeeffica para onde 0s ‘a Pesquisa de Marketing A to-alogrenses acerca dos temas propost 3 Gs dados se referem ao perfil dos porto-alegrenses, mas nilo existe rezHio pare acreditar {ques na Grande Porto Alegre ou no interior do Rio Grande do Sul, esta tend2neia vena & sor alterada. 7 Se a crenga de que o Inter € 0 “mais querido” entre as classes menos favorecidas nao se confirma estatisticamente, 0 mesmo no se pode afirmar em relagdo & questio da “raya”. Na vertiade, no existem dados empiticos para corroborar e tam de que o Inter € 0 “clube dos negros”, |, pode-se supor 0 mesmo em mando & que os dados esta- no que tange as reotereny bee das ider aut6nomo, de forma que nao pretendo, aqui, cos sociolégicos evidenciados nas m papel fe na tconsrugio da imagem, dos same ¢ da identidiacie de Seus forcedores, Aindk que este-sejarum-processo ininterrupto € Suscett= Vel is mais diversas reelaboragdes, nio 6 de todo aleat6rio, As diferen- , podem ser situadas num determinada momento responde um contexto sociocultural e icagio do Inter com tem sua razio de exis (6rico ao qual independente dos dados estatisticos. ALIGA DOS CANELAS PRETAS A existéncia, por si s6, da Liga dos Canelas Pretas, revela que 0 processo de insergao do negro na sociedade porto-alegrense foi tio ou conturbado do que o verificado noutras cidades brasileiras. Pelo ‘menos em relagdo ao futebol, a tese de Oliveira Viana acerca da “demo- a sulina’ deve ser repensada - segundo essa tese, no Rio Grande do 1La “vida dos escravos era amena quando comparada com a existente em ‘outros lugares” (liven, 1992, p.52). Inclusive a adjetivagzo colorada, como lube do povo”, nasci dda, a menos que do “povo” Nao fossem os de} os canelas pretas p da hist6ria do futebol porto-alegrense e, por ‘oprimeiro negro do Inter foi Dorval” (Jornal do Tater, ‘nublicagBes poderiam ser acrescidas inlimeras refersncias breves ou indiretas sobre aL todas elas tendo como referéncia os artigos acima cw umm artigo abordando a questio da se no Futebol porto-alegrense valendo-se, basicamente, das mesmas foes pot das c apresentando conclusbes convergent seassa documentagdo acerca do tem. mente, A confirmagio da existéncia da referida liga e dos principais locais onde eram realizados os jogos - fornecem uma vaga idéia de onde € por que os negros disputavam um campeonato paralelo a prestigiada Liga Metropolitana, Na verdade, a Liga dos Canclas Pretas, como era popularmente conhecida, chamava-se Liga Nacional de Foot-Ball Porto Alegrense e dela participavam varias agremiacdes, todas elas formadas por jogado- res negros ¢ mulatos. Bento Gongalves e Riograndense eram os dois clubes de maior destaque entre os canelas pretas; talvez. porque seus quadros fossem teenicamente equilibrados e notadamente superiores aos demais. Porém, pelo depoimento de Genésio Martins dos Santos, cons- tata-se uma rivalidade de ordem extracampo, motivada por uma espécie de racismo segmentado: o Rio-Grandense sendo o representante dos mulatos - “racista entre nds, negros, pois que s6 admitia mulatos ¢ mu- latas como torcedores, [sencdo que] 0 mais ferrenho racista era justa- mente Francisco Rodrigues, pai do Lupicinio” (Jornal do Inter, 1975) ~ €0 Bento Gongalves, identificado com e pelos negros, o que Ihe rendu, inclusive, a distingio de ser o primeiro clube da “raga” a excursionar pelo interior do Estado (idem). Enquanto o primeiro - encamado, verde © amarelo, como a bandeira do Rio Grande do Sul - era formado por funcionarios piblicos e de hotéis, 0 “Bento” - identificado nas cores azul € vermetha, referéncia ao Grémio ¢ ao Internacional, respectivamente - arregimentava seus quadros entre os engraxates ¢ 0} considerados de baixo status entre a comunidade negra. Mas havia tam- bém o Primavera, com campo na Gongalves Dias; 0 1° de Novembro, formado pelos funcionérios do Forno do Lixao; 0 8 de Setembro, verde e amarelo, representante da Coldnia Africana, entre outros. ‘Tao dificil quanto inferir detalhes sobre este que se constitu‘a num espago de intensa sociabilidade, mais ou menos restrito & Col6nia Africana’ ‘Area da cidade em que se estabeleceram, em torno da Spoca da aboligfo, numerosas ia0s altos do atual Bairro Rio Branco, ou, mais precisamente, das ras Castro Alves, Casemiro de Abreu, Vasco da Gama, Cabral e Liberdade” (France, ».118), Varios lubes, entre eles 0 Ruy Barbosa, Cruzeiro © Americano -estes dois dltimos ‘chegaram a conquistar, na déeada de 20, cada quel um Campeonato Gaticho -cujos eam. 10s onde atualmente se encontrao Hospital de! ia. Na verde, estes clubes foram surgind ‘partir da segunda metade da década de 10 e se incorporaram vendo, na década seguinte, parte dos negros que até entdo pa segregados, da Liga dos Canclas Protas. O Ruy Barbosa fo} 90 ota," & precisar cronologicamente 0 surgimento e o esvaziamen- to da referida liga. De qualquer forma, pode-se afirmar, tendo como metro fontes indiretas, que a Liga dos Canelas Pretas deve ter sido tituida depois de 1912 ¢ atingido seu épice nos primeitos anos da ida de 20. Sabe-se, por exemplo, que 0 local onde a maioria dos eram disputados, no campo da Rua Arlindo, havia sido a primeira futebolistica do Internacional, abandonada, tempos depois, em vi dos constantes alagamentos. Sendo assim, é correto supor que © 1o-Grandense ¢ seus co-irmaios 86 passaram a utilizar aquele campo pois que o Inter se mudou para a Varzea da Redengio e, finalmente, a Chacara dos Eucaliptos, ou seja, de 1912 em diante. Qualquer tentativa de obter informagées mais detalhadas esbarra ento a0 quall os canelas pretas parecem estar condenados. que existiu a referida liga, torna-se inécua a procura or pessoas - “idosos”- que dela tenham participado. Os relatos orais, © antigos moradores da Ilhota ou representantes da comunidade ne- geralmente niio a mencionam ou o fazem apenas superficialmente. ‘Alguns documentos que, segundo dizem, poderiam ser encontrados na Sociedade Satélite Prontidio, identificada com a comunidade negra, ‘oram dizimados na enchente de 1941 ' STAT pees informagSes que obtive sobre os Canelas Pretas nao vorrespondem ao esforgo que empreendi nesta busca. Comecei entre- vistando Oswaldo Rolla, o “Foguinho”, pouco antes de seu falecimen- to, em outubro de 1996, Segundo fontes seguras, confirmadas pelo préprio Foguinko, ele seria o tnico remanescente dos jogadores do inal dos anos vinte e inicio da década seguinte, Olha jovem, quando cu iniciei com essa coisa do futebol, a coisa mais importante da minha 5 advente do profisionalismo, ¢ 0 American, mais ou menos polos mesmos motivos,de- er eer na foto matsucdln com os nlunos do colegio hotéaimo. 3c Gino, ainda em aividade, madoo-se do info para final da Prtdsio, ne periferia. da Sif, emangresenoanaorism, ‘Area que desapareceu da ge . pordendo intranet suas earacteristcas de Tesultouna abertura da Av. Erico Vertsime ieas que actcund ° ‘ret Div ainda eran eu aloe coment nga Ron Aino ‘eober ava ose ete Casati a desereeretensen mennos em ten aixo eeragadigo (cl (Pranco,p.212)-Para uma descrigdo mals detalhada sobre aThotaea Ci fake Daiga "A Bistorngratia do Baio" in: Jardin (1991, p.68-90). Ver tb, “Cidade Baina: Camaval e Teritrio Negro”, in: Silva (1993, p.153-196). on vida.... a liga dos canelas pretas j& nao existia mais! - Foi tudo 0 que disse sobre o assunto. No Satélite Prontidao, quando me referi & exis- téncia da Liga, fui surpreendido: nfo sei do que tu t# falando... - res- pondeu-me um de seus diretores. Outro, entre os que se interessaram, pelo assunto, arrematou: acho que jé ouvi falar... do que se trata mes- ‘mo? Nos museus de Porto Alegre, escassas referéncias a topografia da Iihota, menos ainda sobre seus antigos moradores ¢ nada, absoluta- mente nada, acerca dos canelas pretas. Fiz-me entrevistar sobre o tema num programa de rédio de larga audiéncia, com 0 que obtive um tinico retomno ¢ sobre algo que jé era do meu conhecimento. Entre outras tantas investidas, obtive os artigos de jornais ja referidos e, com Demésthenes Gonzalez, amigo de Lupicinio Rodrigues, alguns dados sobre localizacio, época, etc, que me foram extremamente titeis quan- do ainda estava iniciando a investigagao. Se os esforgos empreendidos € os escassos resultados obtidos po- dem ser interpretados para além de uma busca fracassada, perr afirmar que os canelas pretas fazem parte de um passado que a cidade, © futebol e os préprios negros - me refiro especialmente aos que foram ‘meus informantes - preferem esquecer. Hé boas razes para tal, especi- almente por parte destes dltimos. ‘MemGria seletiva A parte, pode-se aferir que o auge da Liga Nacional de Foot-Ball Portoalegrense se deu no inicio da década de 20. A evidéncia mais clara a este respeito é a excursdo do Bento Gongalves a Cachoeira do Sul, em 1923 e, dois anos depois, a Pelotas e Rio Grande; cidades que enfrentavam em pé de igualdade os “gran- des” clubes da eapital. Aascensio dos ados com a comunidade negra e de outros tantos, cuja base era formada por jogadores das classes as, adquiriu tamanha notoriedade nos anos 20 que a Liga Me- tropolitana achou por bem criar uma espécie de segunda divisio. Abria-se, desta forma, uma possibilidade de acesso para clubes & jogadores anteriormente discriminados sem perder de vista as van- tagens que tal proximidade representava, especialmente para 0 Grémio e o Internacional. Em outras palavras, os clubes menores serviam como celeiros de atletas que, to logo se destacassem, cram levados por olheiros para jogar nos clubes de maior prestigio. As- sim, a abertura da Liga Metropolitana representou 0 progressivo esfacclamento dos canelas pretas, tendo seus principais destaques 2 migrado para clubes da “liga do sabai menor niimero para a “liga do sabonete” \do-se, claro, a dupla Gre-Nal.* A sepregacao racial no futebol porto-alegrense no pode ser explicada elencando-se uma ou duas razes quaisquer, por mais con- vincentes que possam parecer. Trata-se, evidentemente, de motiva- (Ges anteriores e, até certo ponto, alheias ao futebol. Em parte, a Segregagio racial no futebol deve set tributada a um processo mais mplo, extensivo a prépria construgao da identidade gaticha. Oliven (1996) demonstra como a exaltagao da figura do gaticho da Campa- hha, como tipo representativo do Rio Grande do Sul, exclui a maior parte dos grupos sociais residentes no Estado, sejam eles descen- dentes de italianos, alemies, negros, indios, entre outros. Em rela~ gio A presenga e contribuigao dos negros ¢ indios na construgao da identidade regional, nota-se um certo desconforto até mesmo por parte de alguns historiadores, segunda divisdo - € em grupo de elite -, excetu- [uJ Ao passo que em outros Estados do Brasil, como a Bahia, 0 negro ‘comparece como um dos formadores da identidade, no Rio Grande do Sul sua imagem é relegada a um segundo plano. De fato, « historiografia gau- cha tradicional, apesar de reconhecer a existéncia generalizada do escravo 1g Estado, insistiu na sua pouca importincia no processo de trabalho (Oliven, 1996, p.26) Na esfera do futebol, 6 not6ria a desconfianga com que os negros cram pereebidos pela elite local, bem exemplificada pelas retaliagties softidas por Tupa apés a derrota do Inter no Gre-Nal de 1935, que deci- dit o titulo da cidade, alusivo ao centendrio da Revolugao Farroupilha Nem mesmo os dois titulos que Tupa havia ajudado a conquistar no ano anterior - citadino ¢ estadual - foram suficientes para inocenté-lo, |] Foi acusado de estar vendido porque perdcu alguns gols estranhos, Ele foi obrigado a sair do clube © teria dito varias vezes 0 seguinte: “E, falaram de mim porque sou negro, mas também havia um branco vendido nnaquele jogo" (Carlos Lopes dos Santos, sidimimeo).. Foguinko e, mais lade, Tupi e Tesourinha sio exemptos de jozadores que se destacaram sla dupla Gre-Nal, endo iniciado suas earreiras na “liga do sabio”, jogando por clubes, ‘menor expresso, 3 Seja como for, a Liga Nacional de Foot-Ball Porto Alegrense cons- tituiu-se numa primeira e particularfssima fase da trajet6ria do negro na capital gaticha; um capitulo & parte, é verdade, mas nem por isso menos brioso daquele que viria a seguir. ‘Que o pessoal da “canela preta” nio era de pernas de pau prova resulta- do de uma partida efetuada antes de 30, quando [...] bateram-se as selegies de brancos e pretos na Chécara das Cs [..] Os “brancos” organizados pelo Felix Magno, entio titular abso! \ernacional, tendo na esqua- ‘dra o que de melhor havia nos clubes principais da cidade, iniciaram 0 jogo ‘um tanto displicentemente, facilmente marcando cinco a ‘© qual terminou o primeiro tempo. No periodo final os “negros” voltaram dispostos a mostrar 0 seu valor € colocaram seis bolas nas redes brancas, vencendo por 6. 5. (Amaro Jr, in: Folha da Tarde, 14 ¢ 15/5/77). A segregagio racial no futebol porto-alegrense seria paulatina- mente esvaziada ao longo da década de trinta, impulsionada, entre ionalismo e pela nova mo- dalidade de piiblico que acorria aos jogos. O futebol jé havia perdido muito do seu ar aristocratico e a assisténcia dos jogos jé ndo se limita- nem a seus pares de igual procedéncia, Ter um piblico cativo, independente da condigo social, credo ou cor se tornara um objetivo a ser persegui- do por qualquer agremiagaio. Num contexto onde jogadores, sécios, dirigentes ¢ torcedores ja desempenhavam papéis bem diferenciados, no havia razOes para e nem como impedir que negros e populares em geral se identificassem com este ou aquele clube. A redefinigdo e dife- renciagiio dos papéis ¢ o profissionalismo seriam os responsiveis pela “democratizagdo funcional", a partir da qual a elite passou para 6 con- role e administragio dos clubes ¢ os jogadores passaram a ser valori- zados pelas suas qualidades técnicas, possibilitando, assim, a ascen- sao de atletas anteriormente social e racialmente discriminados. Tor- cer se tornava uma possibilidade em aberto & medida que os clubes, ganhando espago nas radios e nos jornais, aproximavam-se do grande publico, bem diferente do que fora nos primeiros tempos, quando ape- as_uma parcela restrita da populagdo, aquela de maior poder aquisi- nha acesso ao quadro social e aos estédios. OS DIABOS RUBROS DO ROLO COMPRESSOR A década de 40 representa, sob todos os aspectos, um novo pano- rama futebolistico em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. Varias mudangas iniciadas na década de 30 so consignadas ou aceleradas, entre elas a opeio definitiva pelo profissionalismo, a regionalizago das disputas, 0 aumento do niimero de jogos, a constituigzo de um pi- ico torcedor, a expansiio da midia esportiva e, acima de tudo, a afir- magio do negro no futebol regional. Gre-Nal jé era Gre-Nal desde a década de 20, mas nos anos 40 assumiria contornos até entao restritos a uma disputa preponderantemente local. Mesmo que o Inter ja estivesse no Eucaliptos, um estadio que nao deixava nada a desejar em relaco ao Fortim da Baixada, 0 Grémio é quem detinha a supremacia local nos anos 30. Os colorados tinham ganho ‘© campeonato metropolitano ¢ estadual em 1934, mas isto pouco repre- sentava diante dos quatro titulos metropolitanos seguidos conquistados pelo arquirrival, entre 30 e 33, outros trés entre 37 39, o bicampeonato estadual em 32 € 33 e, o mais festejados de todos, o titulo de Campedo Farroupilha em 35 - 0 Grémio venceu a disputa na cidade, mas perdeu o estadual para 0 9° Regimento de Pelotas, que, daquela data em diante, assou a se chamar Farroupilha. Reverter este quadro tornara-se, mais uma vez, questo de honra, Certamente o Inter nao estava a beira da extingéo como estivera nos primeiros anos de sua fundagao, depois que o Grémio the imprimiu hu- milhantes goleadas, e tampouco essa crise se assemelhava aquela do i6 a década de 20,08 jogos envi 1919 inieia o Campeonato Gaticho, com 0 campedo de Porto 4 do interior, apenas em jogos de idac volt. Este ‘esporadicamente, um ou outro clube do interior passam a part is. A valorizacio da Libertadores da América edo Mundial Interclubes, into do ponto de vista econémieo quanto simb6lico, ocorre, para a dupla Gt © intensifica nas décadas seguintes, CI. tb, Dienstmant ‘ha de Sito Paulo, 24/1 2 63/97), final dos anos 20, quando o clube ficou sem campo para treinar e dispu tar seus jogos. A diferenga em relagao as atribulacdes anteriores é que a solugdo estava mais préxima do que se poderia imaginar, principalmen: te em termos geogréficos ¢ financeiros, Com 0 profissionalismo marrom e, posteriormente, com o Profissionalismo oficial, acordado em ata pelas duas diregdes, poucos eram os jogadores, como Foguinho, que insistiam em jogar pelo amor 4 camisa. Muito menos 0s negros. Em parte porque o futebol represent Ya uma possibilidade real de ascensao econdmica e, de outra, porque tio logo esta prerrogativa se viabilizou, as cifras foram se avolumando © surgiram, entio, os intermedisrios, também conhecidos como procu- radores. Estes iiltimos, geralmente homens de negécios e nao raro travestidos de ditigentes dos clubes, aproveitavam-se da suposta inca- pacidade dos jogadores em gerenciar seus contratos para oferecer seus servigos em troca de um percentual nas transagées. Assim, mesmo que um jogador pretendesse seguir no amadorismo, nio faltaria um “benfe tor” para convencer-Ihe do contrério, Esta dimensio pecuni cisiva para o fortalecimento do Inter nos anos 40 pois, 2 medida que o Grémio continuava segregando os negros, estes possufam um valor in- ferior no mercado futebolistico. Um jogador qualquer, com condigdes de ser aproveitado pela dupla Gre-Nal, poderia ser adquirido por um valor “x” se fosse negro; mas, sendo branco, valia “2x”, em raza da concorréncia, Como resume Salin Nigri, se era branco valia 0 dobro porque havia concorréncia, se era preto, o Inter comprava pagando 0 prego gue desejava Os canelas pretas, embora dispersos pelos clubes de menor ex- pressdo da capital, ainda mantinham um forte vineulo com a hota e, dali até o Eucaliptos, nem precisavam tomar 0 bonde. Nem mesmo 0 episédio que culminou com a deserg%io de Tupa, em 35, impediu a contratagilo de outros negros pelo Internacional. Nao eram casos isola- dos como os de Dorval e Dirceu Alves, mulatos que passaram pelo clu- be nas décadas de 10 e 20, respectivamente, pois no time de Tupi tam- bém jogava Darcy Encamagdo, um emérito driblador revelado no Sao Paulo de Rio Grande. Ja em 1939, chegou Tesourinha, tirado do Ferro um clube de menor expresso cujo campo se situava na José de Alencar, a poucas quactras do Eucaliptos. Vieram, uns antes, outros depois, também As- sis, 0 Parobé, nome do bar onde © uruguaianense bebia compul 96 Carlitos, do Tristezense, clube da zona sul da cidade; Rui, 0 orzinho, buscado em Alegrete; Russinho, doutor David Russowsky, encido pelo irmio a trocar a Baixada pelo Eu: abastada entre os atletas colorados, M: ador argentino; Alfeu, ex-jogador do clube com passagem pelo San- - SPe pelo Grémio Santanense; ¢ Avila, o King Kong, vindo de Pelotas, para ser o rei do Cabaré do Galo, na Rua Cabo Rocha. Destes, nem todos estavam presentes no Gre-Nal amistoso que mar- va a despedida de Luis Carvalho, El Maestro, um dos maiores joga- res da historia tricolor. Nem a data, véspera de finados, ¢ muito me- 1s 0 adversério, o Inter, chegavam a impressionar os gremistas; tudo eneaminhava para mais uma vit6ria, uma constante nos diltimos anos © Correio do Povo anunciava o enfrentamento da “técnica tricolor” e “sangue colorado”, sugerindo, quem sabe, a superioridade dos istas, Nao foi o que se viu em campo; 0 jogo foi vencido por 6 a0 s colorados € o Inter s6 no devolveu os 10 a0 do primeiro Gre-Nal as d intervengéio do ébitro - “era muito gol para um Gre-Nal, dou- tor”, foi como Alvaro Silveira justificou para Ido Meneghetti a anula- ‘vio de pelo menos quatro gols legitimos do Inter (Coimbra e Noronha, 104:46). No dia seguinte, o mesmo Correio (2/11/39) anunciou, com destaqu vit6ria dos “diabos rubros”. Era apenas um preliidio daquilo que haveria de se configurar na cada seguinte, A “década” colorada iniciou justamente no ano de 1940 © se estendeu até 1955. A ir de 1942, por iniciativa de Vicente Rao, consagrado Rei Momo da cidade (1950-1972) e, reconhecidamente, 0 primeiro chefe de Torcida Organizada no Sul do Brasil, aquele Inter entraria para a histéria com 0 apelido de “rolo compressor” '. Os color ados passariam a discutir, anos mais tarde, qual das formagoes do “rolo” foi ‘a mais elogtiente, quando atingiu o auge e assim por diante. ‘Mas nao era apenas o futebol - a técnica, a forga e a ousadia - que impressionava os torcedores dos varios lugares por onde o rolo andava. Nem tanto no Nordeste brasileiro ou no centro do Pais, mas principal- mente no interior do Estado, a exuberdncia de Assis, Avila e Abigail - 6s tr8s ases que mais tarde seriam imortalizados no Hino Oficial do Inter, “Celeiro de Ases”-, somados a Nena, Alfeu e Tesourinha, todos negros, simbolizavam também o fim da segregagio racial ea afirmagio do profissionalismo, Raga, condigio social e estilo de vida ja néo critérios para inclusdo/exclusiio de atletas, pelo menos no Internacio- 97 nal. Como diria Abelardo Jaques Noronha, um dos presidentes do Inter na década de quarenta e recentemente falecido: “Bra negro? Era bom? Era nosso!” (Coimbra e Noronha, p.47). Acontece que 0 Grémio, mesmo humilhado pelos titulos do arquirrival, ainda insistia com o preconceito que o havia notabilizado desde sua fundagao. Mais preocupante que as derrotas dentro de campo cram os incémodos da pecha de racista e germanéfilo atribuida ao clu- be, Nao era 0 tinico a nfo admitir negros em seu quadro social mas, diferentemente do Fluminense do Rio de Janeiro e do Nautico do Reci- fe, igualmente “aristocs ”, 0 Grémio no admitia negros no Antes de mais nada, tal atitude representava um con nova realidade do futebol. Afinal, os clubes que insistiram com restri- ges desta natureza, caracteristicas do amadorismo, acabaram sucum- bindo, como foi 0 caso do Paulistano, em Sio Paulo, ¢ tantos outros espalhados pelo Brasil. Se clubes tradicionais como o Palmeiras, o Cru- zeiro © o Coritiba até mudaram de nome - antes se chamavam Palestra Itdlia - atendendo as designagdes do Estado Novo, niio estava na hora de © Grémio também rever seus natcisismos' O Grémio perdia titulos e, principalmente, adesio popular. Aque- lear aristocritico, de superioridade, era contestado até por alguns torce- dores, preocupados com o enyelhecimento da torcida. E verdade que aqueles que se tornaram gremistas nas décadas de 20 e 30, quando o time esteve “por cima’ iham-se fiéis ao clube, Entretanto, ne- gros, jovens ¢ populares em geral inclinavam-se ao colorado em pro- poredes que comprome-tiam, ainda mais, o prestigio do clube da Baixa- da, Alids, prestigio jé se tornara um valor de ordem quantitativa. Em outros termos, a credibilidade ¢ a grandeza de toda e qualquer agremiagio futebolfstica jé nao era aferida apenas pela distingZio de seus associados mas, cada vez mais, pela quantidade de pessoas que declaravam e ates- tayam seu pertencimento, independente de credo, cor, status ou seja lio que for, Neste aspecto, a intransigéncia ea soberba da Baixada perdiam adeptos para o clube do povo, um atributo que os diabos rubros do role compressor e © contraste nas arquibancadas acabaria perpetuando. O rolo se esvaziaria mais tarde e 0 Inter voltaria a enfrentar dificuldades. Porém, as faganhas daquele time, identificado com 0 Eucaliptos, ¢ a empolgagao da torcida, comandada por Vicente Rao, marcariam para sempre a histéria do futebol gaticho. O rolo nao era apenas um time de negros, sendio que de negros vencedores. 98 ‘TESOURINHA: DO AREAL DA BARONESA A UNANIMIDADE Ao Internacional: 0 futebol Quando nasceu Osmar Fortes Barcelos, 0 Tesourinha, em 1921, a Liga dos Canelas Pretas estava prestes a atingir seu dpice, o que, para- doxalmente, decretaria sua extingao, como foi explicitado anteriormen- te. De acordo com Endler (1984) o menino Osmar, 6rfio de pai aos 3 anos, “cresceu na rua”. Nao por descuido da mae, nem do padrasto. E que na Lobo da Costa, bem como em toda a IIhota, os meninos tinham essa liberdade e, de mais a mais, havia varios campos de vérzea que até hhé bem pouco tempo tinham servido aos canelas pretas. Arredio 20s estudos, Osmar foi se especializando no trato da bola. As peladas foram como uma escola ¢ nelas ele foi o primeiro da turma. Aprovado com distingo, passou a integrar os times das cercanias, especialmente aque- Jes arranjados de improviso para jogar em outras varzeas da cidade, até chegar ao Ferroviério, E dali, num golpe de mestre dos olheiros colorados, foi levado para o Eucaliptos. : Ainda segundo Endler (1984), Osmar aprendera a admirar Darci Encarnagio, que jogara no Inter no infcio da década de 30 e, principal- mente, Tupa, 0 Bailarino, aquele que fora execrado do Inter depois da derrota no Gre-Nal Farroupilha. Mas nao era s6 o futebol de Tupa que impressionava Osmar; despertava-Ihe admiragio também o prestigio com que 0 Bailarino era percebido na Ilhota. Ocorre que, ao longo dos ‘anos 20 ¢ 30, a Ilhota deixara de ser um reduto de ex-escravos para se tornar um dos locais mais festivos da cidade. A Tlhota tinha bares, bordéis e carnaval de rua. As composigdes de Lupicfcio Rodrigues, nascido na ‘Travessa Batista, faziam sucesso em outros bares de Porto Alegre, mas. ele permanecia fi 10 seu local de nascimento (Gonzalez, 1986). Era amigo do padrasto de Osmar, Seu Fausto, sécio-fundador ‘do bloco “Os Tesouras”, O apelido veio dai: 0s filhos adotivos de Seu Fausto partici- pavam do bloco, “o mais velho, Ademar, gostava de dar saltos orna- mentais, é remelexo. Logo, fica conhecide como o “Tesoura’, Osmar, mais moco ¢ franzino, é 0 ‘Tesourinha’” (Endler, p.20). Se, como afirma Leite Lopes (1992), o estilo de Garrincha tem muito a ver com sua infiincia e adolescéncia passadas na vila operéri de Pau Grande, o estilo de Tesourinha, arredio 4 marcagao, de dribles 99 répidos e desconcertantes ¢ di ntagao pelo ataque, tina muito da sua socializagio nas ruas da hota e, quigé, uma heranga dos canelas pretas, Embora tivesse uma vida regrada fora de campo - 0 que Ihe valeu o apelido de “Fésforo nacion: seus colegas do rolo compressor, o que ser taxado de careta -, Tesourinha foi , las constantes ices nos joelhos, Quando um deles : teve de submeté-lo a uma artroscopia e, como isto ocorreu no 1950, Teso bou no participando daquela Copa. Esta pequena pessoal - se comparada & comogiio nacional que foi a derrota de 1950 - talvez.tenha sido determinante para que ‘Tesourinha raramen- te seja lembrado cor realizada entre ‘Mitos do Futebol nos quarenta. Nao € menos verdade, porém, que se m grande parte, a0 Inter daquela d que ocorrera nos anos 30, quando 0s primeiro: Eucaliptos, 0 Tnter dos anos 40 foi prati palavras, 0 sucesso de Tesourinl da segregagio rac pressor. E just negrinhos”, como era chamado, pejorativamente, o Inter dos anos 30, tornou-se motive de orgulho para os colorados a partir da década se- guinte. E ‘Tesourinha, simbolo daquele time, conquistou, entiio, um lu gar cativo na meméria dos colorados lado néo apenas ao fi tas do Rolo Com- Ao Grémio: a cor Na biogratia de Tesourinha consta uma faganha que nenhum outro Jogador jamais alcangou: ser fdolo de gremistas e colorados. A segunda parte da sua trajetSria corresponde a uma espécie de montagem cénica, h4 muito anunciada mas nunca exibida por fa talhado para 0 papel principal. O ator era Tesourinha que, mais uma ver, estava no lugar certo, na hora exata, 100 Em 1952, em final de cat J [..] hé muito tempo que queria botar {Mdade. Ta nao podia, por exemplo, nos encheu de gols »gado dez anos no Intemnacion. deta que eu sc, entre todas, Aparicio ligou ssando sobre outros assuntos e diz 0 Aparicio como para o Vanzel ‘quem nao 4) 0 Tesourinha? fw fago dele cem mil zi earner ol ‘agui, vem aqui pr nds combinarmos que eu quero Ta nifo entendeu 0 que :05] eu 16 falando do Tesourinha! fe We acer 8 compra do Tesora por cm ego uma foha de pape algo fo sts ete os oh Eun eqn gure oo hr lesan som as com il ‘no Ene emo quceu inant sniges ie eadaum dea mi do Vanco? (Sn Ng 70 anos co pasnogom, como colaboraor por vines dpartamesios do Gremio. java a mais recente “O Vasco cedeu Assim, em 4/3/1952 0 Correio do Povo noti lor com a seguinte manchete: ‘Tesourinha 20 Grémio”: 101 ma encarecer a import cia que a contratagdo de bretdio em nossa terra, fem quebrar uma velha tradi¢ao tricolor, a qual, embora sem car. ial, jf que em seus estatutos nada consta a respe vinha porém, seado seguida desde a fundagito do glotioso clube. No dia seguinte, o mesmo jomal, sob “Tesourinha corta uma tradi- 40 de meio século”, reproduz, em linha gerais, 0 mesmo texto do dia anterior acrescido pela foto do jogador - de “reconhecida qualidade téc- nica ¢ cavalheirismo, em suma, de verdadeiro desportista” (CP, 5/3/ 1952) ~ © uma mengao aos aplausos dos torcedores que manifestaram simpatia & iniciativa de Vanzeloti A repereussio dado pelo Correio do Povo, embora destacando a ruptura de “uma tradigio”, no se diferenciou, significativamente, da forma como sao anunciadas outras tantas “‘contratagées de impacto” na atualidade. Neste particular, inédita mesmo foi a nota publicada, “ape- dido”, pelo presidente Saturnino Vanzelot ia subseqilente: “Ao mundo esportivo do Rio Grande do Sul ¢ a familia tricolor". Nesta ma- nifestagdo pUblica, que se pretendia representativa do sentimento de todos os gremistas, ficava evidenciado o cardter extraordinério da che- ¢gada de Tesourinha, no 1] As épocas mudaram e daquele amadorismo sadio de entio nos tra portamos, como sinal dos tempos, para a le de hoje, muito mais di | Temos a conviegio de que, acima de tudo, es vezes campeiio’ nlolerdvel preconeeito, ‘reta-se, entZo, 0 fim} do hediondo, improcedente (CP, 6/3/1952). Nem mesmo a justificativa utilitarista dada pelo presidente - no fundo, 0 Grémio necesita mesmo ¢ de “vitérias” - aplacou o animo de alguns gremistas. Dois dias depois o Correio estampava novo “ape- desta vez mandado publicar por “ex-associados tes descontentes”, dando # exata dimensao do impacto causado chegada de Tesourinha e, acima de tudo, revelando a “outra face” do clube. Um Grémio que 0 préprio Grémio preferiria ocultar; se isto fosse possivel, & dbvio 102 ‘A nota iniciava em tom ironico, “*Confissao Oficial’ ...”, e, em mai- , sentenciava: “A direcdo do Grémio agiu arbitrariamente”: Lu A atitude da dirego do clube da Baixada, de tio controvertidas opi-nides, veio dar, incontestavelmente, NOVOS RUMOS A VIDA DA. GLORIOSA AGREMIACAO ¢ isto reconhece, na mencionada nota, propria presidéncia, Acontece, entretanto, que o art. 9 0 1°, Tetra E dos estatutos, reza 0 seguinte: "COMPETE AO CONSELHO DELI- BERATIVO RESOLVER SOBRE MATERIA QUE ENTENDA DIRE- ‘TAMENTE COM A EXISTENCIA DO GREMIO” e, no entanto, foi sim- jlesmente, a Dirctoria, que, “por decisiio uninime”, resolveu “tornar nsubsistente” a norma que vinha sendo seguida. [uJ] © caso niio era rotineiro, nd se tratava de “uma simples contratagi0 .severou a Presidéneia, quando da reunido com os asso- de jogadox”, como agremiaco, que ator peitada” e “menos vezes camped." (CP, 8/5/54). ‘A “norma que vinha sendo seguida” nfio consta nos estatutos do clube, embora haja indicios e depoimentos indicando que, pelo menos nas atas do Conselho Deliberativo, ha restrigdes claras & participagio los negros no quadro social ¢ no time propriamente dito." Mas, que diferenga faz se tal norma consta ou ndo em dado impresso ou manus- crito se, no fundo, ¢ uma tradig¢ao que se quer ver rompida ou continu- ada? Obviamente, pelo menos para o Grémio e, em particular para os salvaguardas de sua meméria oficial, a inexisténcia ou a simples ocultagio das supostas escrituras pode servir para atenuar certos proce- dimentos do passado, Para eles, portanto, os documentos escritos tém ‘muito valor, & medida que se constituem em signos da histéria nem sempre gloriosa e pujante do clube e de alguns de seus vigilantes asso- ciados, como se denominaram os que publicaram 0 “apedido” contes- tando a contratago de Tesourinha. De outra parte, do ponto de vista dos torcedores, tais provas pos- suem apenas um valor periférico. A discursividade futebolistica pro- «pedindo para ni ser identificado - 0 que, por si s6, ‘quanto ste te rrs0 -afirma constar nas atas¢ noutros documentos de interesse interno as ditas ‘oibindo.a partcipagio dos negrosno clube e tifieative”, credita a segregagao auma cliusula contratual, imposta pela famflia Mostard desde quando 0 terreno da Baixada foi cedido ao Grémio 103 cede de modo diverso daquele dos tribunais onde o principio da nio- contradigio © da acusagao seguida de prova documental so seguidos a risca. Sendo assim, a ocultagao das atas, se € que de fato elas tem algo a denunciar, nao impede que a pecha de racista seja seguidamen- te atribuida ao Grémio. Até porque, para muitos de seus torcedores, 0 Inter continua sendo 0 “time da negrada”, como se pode aferir a partir dos cfinticos ¢ xingamentos transcritos no capitulo anterior. Tesourinha deixou o Grémio no final de 1954, sem ter conquis do nenhum titulo. Apesar de ter safdo vitorioso em alguns grenais, Jamais anotou um gol contra seu ex-clube, Em dada oportunidade, ofertaram-Ihe uma cobranga de pénalti para que, enfim, o tabu fosse. quebrado, mas ele recusou. “Talvez, se sentisse diminufdo tendo que marcar 0 primeiro gol servindo-se de um favor. Ou, talvez, nfo supor- {ase a situagdo-limite que € cobrar um penalti contra o clube do cora- $0” (Endler, p.83). E, gostaria de acrescentar, caso desperdigasse a cobranga, 0 que ditiam dele os gremistas? O mesmo que disseram os colorados a respeito de Tupa, em 35? Qualquer que tenha sido 0 moti- vo da recusa, 0 certo € que Tesourinha nunca escondeu que seu clube do coragio era mesmo o Inter, mas nem por isso os gremistas Ihe fo- ram ingratos - como em geral tendem a proceder os torcedores desses casos-limites. Como lembra Salin Nigri, recuperando uma fra- Se que se popularizou a época, Tesourinha deu seu futebol ao Inter & sua cor ao Grémio! A excesiio dos “gremistas vigilantes”, 0 fim da segregagao racial deu novo alento aos torcedores gremistas. O resgate da imagem do chi- be impulsionou a “campanha do cimento” e, em menos de dois anos, 0 Grémio trocava a Baixada pelo Estidio Olimpico.* Contando com a Patticipagao dos cénsules do interior, de dirigentes “ilustres”, torcedo- Tes “andnimos” € até do prefeito Ildo Meneghetti - em campanha para governador - a primeira parte do Olfmpico pode ser concluida em 1954, * Levando-se em consideragio que acontratagio de T de 1952, apenas dois meses depois do int 0 Olimpico e um ano antes do comunicando a 2m torno de winta ~equivalendo a uma saca, 104 semana do 51° aniversério do clube. Em 1957, 0 Grémio iniciaria c “mentalidade nova”, 0 Grémio dos “doze anos em trez Adesto de muitor torcedores, reoquilibrando f dispute local quo, nes duas décadas anteriores, havia sido francamente favordvel aos colorados, inclusive nas arquibancadas, : s anos 40 ficariam marcados para sempre na meméria dos tor- cedores porto-alegrenses. Nao hii como compreender as razdes pelas quais “raga” e “classe social” sto as categorias micas mais recorren- tes na rivalidade Gre-Nal, se essa década nfo for revisitada, Ela mar~ fferengas jé existentes e o fez de forma to contundente indo as estatfsticas indicam que gremistas € ibufdos equanimemente em relagao as classes cou certas que, ainda hoje, q colorados estiio sociais, persiste a imagem do Inter como 0 “clube do povo” e, do Gré- mio, como sendo “da elite”. : : Embora a vinculagio do Inter com “o povo” seja anterior & déca~ da de 40, o fim da segregacio dos negros, por ter ocorrido com alguns anos de antecedéncia em relagio 20 Grémio, consolidou, definitiva- mente, a imagem do clube do povo, De mais a mais, a entrada dos negros no futebol oficial de Porto Alegre foi posterior ao processo anilogo verificado em outras eapitais brasileiras, como € 0 caso do Rio de Janeiro - meados da década de 20 - e de Sao Paulo - meados da década de 10 (Rufino dos Santos, 1981), Isto se deve, em parte, & disseminagiio tardia do futebol em Porto Alegre e ao sogregacionismo dos grandes clubes, mas também a outras varidveis socioculturais que nortearam a exclusiofineluso dos negros em outras esferas da s abilidade porto-alegrense; como no caraval, por exemplo. Nos festejos de rua da cidade de Porto Alegre, comparativamente a ou- {tos centros urbanos como o Rio de Janciro e Sio Paulo, os negros comega- ram a participar mais tardiamente. Ao que tudo indica, foi através dos cor- dies € blocos da década de vinte que os negros de Porto Alegre, de forma organizada, comegarama sair As ruas para participar da folia, Antes, percor- Flam as ss com orostoocuto sob ura mascara ou, eventalmente, partici pavam do entrudo, que na primeira década deste século ainda era jogado em alguns arrabaldes. (Silva, 1991, p.82). Seria interessante proceder a uma comparagio téte-a-téte entre a ascensdo dos negros no futebol e a participagao deles no carnaval de rua porto-alegrense, mas isto foge aos interesses mais imediatos deste estu- do, De qualquer forma, pode-se adiantar, as coincidéncias entre um e outro processo sio muitas € no se limitam ao perfodo histérico. Alias, © entrudo se parece muito com os meetings e os “‘cordées € blocos orga- nizados”, aos quais Silva se refere, com a Liga dos Canelas Pretas. A DERROCADA DO AMADORISMO NO GREMIO. Surgido a partir da iniciativa de um grupo restrito de jovens, 0 , apidamente, num clube de elite. Aléii de ter-se consolidado patrimonialmente desde sous primeiros anos de exist@ncia, oclube da Baixada da Mostardeiro notabilizava-se pela selecao criteriosa de seus associados e pela conviegio de que, para se constituir num clubs respeitivel, nifo poderia se descuidar da formagao do caréter de seus sociados. O futebol pode ter sido a prineipal razio da existéncia do Grémio, mas essa esti longe de ser sua tinica preocupagio.” __ Numa das primeiras publicagdes do Grémio destinadas a seus as- sociados, a “Revista do Grémio Foot-Ball Porto-Alegrense”, constam uma orientagdo de como deveriam se as om relagao uo clube, aos demais atleas, adverséiios € até mesmo diante do juiz. As “11 méximas” constituem-se num verdadeiro manual de civilité, s6 que com uma grande diferenga em relagio ao De civilittate morum puerilium de Erasmo de Rotterdam (Elias, 1994). Enquanto este ditimo tratava, fundamentalmente, do comportamento & mesa e, risers oe Conscio de Motraecke Aled, esto se com nou ih de John 105 portanto, do uso correto das maos, as “11 méximas” se referem, basi- camente, as boas maneiras de se portar num campo de futebol, onde sobressai 0 uso dos pés, ‘As “méximas” nifo se limitam, contudo, a indicagio de como deve se comportar um atleta, mas sugerem, também, “respeito” e “estima- 40” ao juiz ¢ ao adversario, enfim, 0 minimo necessério para que um jogador pudesse ser chamado de sportman. A propésito, 0 Grémio se parecia muito com esses clubes de elite que, como no caso do Sao Paulo Atlhetic Club - cujos estatutos serviram de modelo para o Grémio - edo Germania - de quem foi copiado um dos primeiros uniformes - abando- naram o futebol tio logo as classes trabalhadoras dele se apropriaram. E bem provavel que nem todos os primeiros gremistas pertencessem alta sociedade porto-alegrense, mas os ares aristocréiticos sopravam na Baixada, Na mesma revista em que aparecem as “11 méximas para os jogadores”, constam também “10 irdnicos mandamentos para sGcios insacidveis” e, entre eles, o 6° merece ser destacado: “Fala mal do teu club para os estranhos, porém acautela-te de fazé-Io no recinto do mesmo”. 0 “6° mandamento” nada mais é do que a versio da época para popularissimo “roupa suja se lava em casa” dos dias atuais. No Grémio, ‘um ou outro, pouco importa, é se; por seus dirigentes, como uma “tradigio” do clube, inclusive, para diferenciéi-lo do arquirrival. Por isso, é dificil acessar as atas, encontrar alguém que se disponha a falar abertamente sobre o problema da segregagio racial ou, mais re- centemente, de uma gestio deficitéria, Estes © outros temas polémicos jderados “assunto de economia interna” e, portanto, dizem res- lia gremista”. peito a (© que os gremistas entendiam por familia e tradiggo, especial- mente seus dirigentes, esté claro nos depoimentos orais ¢ letrados vei- culados a partir da crise dos anos quarenta, ¢ isto se deve a duas razses, incipais. De um lado, ao surgimento de publicagdes sistemticas, como Mosqueteiro”, um tabléide surgido em 1946, que mais tarde deu ori- gem a “Revista do Grémio”, publicada entre 1956 € 1963, De outro Jado, os anos 40 se constituem no perfodo mais intenso da crise de re- sultados ¢ esta, por seu turno, desencadearia uma série de discussées ‘onde o passado “glorioso” da “Familia gremista” passou a ser questionado. E dificil precisar io da crise ¢, diga-se de passagem, isto tem importancis relativa. O Grémio perdeu 0 campeonato gaticho de 1940, mas isto por si s6 ndo era motivo para transtornos. Contudo, 107 seguiu perdedor nos anos seguintes até que, em 1945, 0 Rolo Com- pressor chegou ao hexacampeonato, uma conquista inédita no futebol local. O entio presidente José Gerbase, numa atitude inusitada, viajou 20 Rio de Janeiro c trouxe do Vasco trés reforyos, solucionando, tem- porariamente, 0 problema do Grémio: com Jorge, Cordeiro ¢ Hélio 0 clube rompeu com a série de titulos do arquirrival. Foi uma solugao parcial, pois 0 “outro” seria novamente campedo por dois anos conse~ cutivos e venceria, com longa margem, os grenais do perfodo. ‘Veladamente, os préprios gremistas admitiam que a sogregagio racial estava custando-lhes um prego excessivo, inclusive em termos finan- ceiros. Porém, extingui-la ainda no estava nos planos de seus diri- gentes pois, do contrério, ndo haveria necessidade de importar joga- dores de outros estados. ___ Antes disso, em 1942 0 Departamento de Futebol esteve por ser fechado. Segundo Renato Souza, que na época ja imtegrava a diretoria do clube e mais tarde viria a ser presidente, o clube s6 nao fechou gra- gas a intervengao do Dr: Py (ver adiante), chamado as pressas para apla- car os Animos dos demais dirigentes. Ainda de acordo com o depoimen- to de Renato Souza, o clube tinha dificuldades para se adequar ds novas exigéncias do profissionalismo, especialmente no que se refere as ques- ‘Wes econdmicas, salirio dos jogadores e comissio técnica, compra e/ ou aluguel do “passe” dos atletas, despesas com treinamentos, viagens ©, até mesmo, o Fortim da Baixada, orgulho dos primeitos gremistas, precisava ser substitufdo, O fim do amadorismo impunha certas exigéncias com as quais 0 Grémio no concordava, entre as quais, a admissiio de negros no time. Eram pessoas de bem, como o Dr. Fulano [omito 0 nome a pedido da fonte] amigo meu, incapaz de negar atendimento médico a um pobre ou um negro que nao tivesse dinheiro [...] mas ndo queria negro no Grémio (Renato Souza). O foco de resist&ncia usava a tradigdo como argumento para barrar os negros, Para romper com a tradigdo era preciso que 0 Conselho Deliberativo se manifestasse favoravelmente e, sendo o Conselho o por- tador da tradigao, a segregagdo persistia. Os conselheiros, ou melhor, 0 foco de resisténcia que dele fazia parte, alegava a existéncia de uma cliusula imposta pela familia Mostardeiro, de quem o Grémio adquirira o terreno da Baixada. Tal cldusula nunca echegou ao dominio piblico, 108 mas é bem provavel que jamais tenha existido, ¢ se era apenas um acor- clo de cavalheiro poderia ter sido renegociado, Seja como for, o certo é {que os tramites burocraticos para que a “ruptura da antiga tradigao” fosse efetivada tinham de passar pelo conselho, ¢ este era terminante- mente avesso as reformas. Porém, quando os interesses convergiram, nada impediu que se reformulasse prontamente os estatutos. Sendo assim, em 1946, talvez 0 perfodo mais intenso da crise de resultados vivida pelo clube até ento, ‘© Conselho Deliberative aprovou por unanimidade a escolha do Dr. ‘Aurélio de Lima Py para ser patrono do Grémio. Longe de ser um cargo, decorativo, o monarca gremista era dotado de paderes que Ihe permiti- am intervir em todas as esferas do clube, sempre que julgasse pertinente € enquanto tivesse disposigfo para tal. Do ponto de vista politico, a nomeagio do Dr. Py pode ser interpretada como uma tentativa de arre- fecer as disputas internas e possiveis desavengas entre a administragzio - executivo ~ ¢ o conselho - legislative - do clube. Entre 0 cargo recém-criado e seu primeiro ocupante, havia uma identidade tal a ponto de nio se poder desvincular um do outro. Em outras palavras, 0 patronato era uma fungdo to talhada ao Dr. Py que foi criado & sua imagem e semelhanga. Neste particular, tanto Renato Souza quanto Raimundo Bordin (historiador do clube), sao undinimes ‘em relagao & presenca conciliadora, aglutinadora ¢ ponderada do Dr. Py. Ele jé havia presidido o clube em nove oportunidades, entre 1912 € 1930, ¢ 0 Conselho Deliberativo, de 1937 a 1943. Ilustre entre os ilus- tres, Dr, Py também se destacou como primeiro presidente da Federa- do Rio-Grandense de Desportos, Diretor da Faculdade de Medicina, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre 1937-1939, e trés vezes deputado estadual (1925, 30 e 34) pelo Partido Republica- no, de inspiragio positivista. Entre tantas credencias inclufa-se o forte vinculo afetivo que ele ¢ outros membros de sua famflia - Jorge Py, seu irmio mais mogo, fora jogador do Grémio na década de 20 - nutriam pelo Grémio ¢, acima de tudo, a clareza das conviegées que norteavam stia atuago no clube ¢ na esfera mais ampla da sociedade. A manifesta- ¢%0 mais clogiiente do modo como pensava 0 Grémio ocorreu no seu discurso de posse que, por orientago do entio presidente Iosé Gerbase, foi reproduzido na integra no livro de atas e posteriormente reeditado em varias publicagdes do clube. 110 Penso que todos os clubes deviam t ‘como Ik axis omar como ema a maxima da filo sofia coma, qu rza: “AMOR POR PRINCIPIO, ORDEM PC ORDEM POR BAS! EPROGRESSO POR FIM", Isso, aplicado ao esporte, seri Parson eo publica dum pata ded obediéncia por base, ¢ o engrand oe ria 0 60 engrandecimento ea prosperidade que seria vo ou fim do postulado. 7 ac aa 6 sob a épide desse prinefpio que eu formule o CRE oie Prinefpio que eu formulo 0 CREDO DO BOM. CREIO no Gremio Foot-Ball Porto Ale “grense porque sempre foi, és um propa ele honest de spore eames po eapstes para o esporte, com a finalidade bendita do aprimoramento fisico e moral 'CREIO no Giémio porge cle 6 um dos blues da grandee es co ogee aun) Rio Grande do Sul. pace aetna nb Gna porque Gun centro de rasa de nessa mk ZI 1 nasil ssa mocidade. LR Ho Gri pra cle foi eve fre nas horse co CREIO no Grémio porque propicia aos mo ic ; opie aos mogos assciads as bases de uma educagto fin, preparando ua gerag si oft part oengrande eu en accu asa ona ae a Ta lagres, pelo Peso perdio a familia gremista pelo pouco que aqui fiea dito em face do muito que mereceria ser dito, (Mosqueteiro, n. 13 ano 1:2) 0 “credo do bom gremis izou como a “oragdo do br, Py”, Embora pensado e proferido num contexto muito peculiar, ndo ha qualquer indicio de que a “orago” traga elementos novos ou contraditérios com a atuagdo do Dr. Py em diferentes esferas diretivas do Gremio. ‘Numa perspectiva mais ampla, os vinculos do Positivismo com o esporte e a Educagio Fisica so bem conhecidos. Para um clube como © Grémio que viveu intensamente a ascensio ¢ a derrocada do amadorismo no futebol, a presenga de noges comteanas nao deve causar estranhamento. Outros clubes, e 0 esporte como um todo, en- contraram no pensamento médico-higienista e, por extensio, no positivismo, um suporte tedrico adequado."* De outro modo, 0 discurso do Dr. Py apenas ratifica determinadas filiagdes cuja procedéncia poderia ser detectada indiretamente, Se as premissas positivistas foram determinantes para o sucesso do Grémio, especialmente até a década de quarenta, a recfproca também é verda- deira, Em outras palavras, a disciplina, a organizagdo e as conquistas do Grémio, invariavelmente atribuidas ao trabalho perseverante ¢ & dedi- cago de seus atletas, dirigentes e associados, criaram um terreno apro- priado para a disseminagio de tais idéias. Além de se constituir numa importante prova documental, o “eredo do bom gremista” impressiona pela clareza e contundéncia das manifestag6es ali expressas mas, é forgoso admitir, a trajetoria do Grémio independe de sua exisiéncia, embora nfo se possa dizer ‘0 mesmo a respeito do Dr. Py. Sua nomeagiio como patrono e todas as manifestagées daf decorrentes adquirem maior relevancia quando cotejadas a partir do contexto gremista da época. Como ja frisei, 0 clube estava mergulhado numa verdadeira crise de identidade agra vada pelos resultados negativos do time, se bem que, estes dltimos, antes de serem a causa constitufam-se num sintoma daquilo que se passava nos bastidores. 2 CF. Soares (1994), especialmente “Em nome da satde do corpo soci Fisica no Brasil: sadde, higiene, raga e moral”, mt Sem a ret6rica dissimulativa que notabiliza os dirigentes de clu- bes, Oswaldo Rola daria, anos mais tarde, um depoimento contundente e preciso do Grémio daquela época. tos associaclos até querendo que fechasse [Eo Inter, ainda por cima, com lum time que era muito bom [..]. O Gremio ngo tinha nem jogadores si entes para fazer o time, de modo que tivemos [Foguinho era o técnico na Epoca) até que colocar 6 “Seu” Gomes. [..] Acont jocleera apenas “marreedo” (gandula. (in: 1987, p. Se este episddio tivesse se passado em um clube de segunda li- aha, ele seria apenas cOmico. Como ocorreu no Grémio, deve-se imterpreté-lo como indicativo do caos politico, administrativo e finan- ceiro da época, Em razio desse contexto, os discursos de posse dos presidentes da década de 40 - boa parte deles sequer conseguiu com- pletar 0 mandato®- evocavam, invariavelmente, 0 “passado glorioso” © anccessidade de resgatar a “tradiga0” do clube, Nesta linha, a no- meagio do Dr. Py e 0 poder que Ihe fora outorgado tinham como obje- tivo reconduzir 0 clube ao trilho do qual se distanciara; ele era a pes- soa-simbolo das “tradigdes” ¢ das “glérias da familia tricolor” Pelo menos naquele 1946, a nomeagio do patrono e a consequente mobilizagao extracampo, somadas aos reforgos trazidos do Rio de Ja- nciro, surtiram efeito desejado c o Grémio impediu o heptacampeonato gaticho do arquirrival. Porém, no ano seguinte, seria novamente ma crado pelo Rolo Compressor e a crise se inter ia outa vex. Entendo que as consequléncias do profissionalismo transformaram intei- ramente 0 modo de se estabelecerem as relagées, no s6 entre os clubes © os era mais um dos sintomas evidentes da crise. No Grémio havin uma tradiga0 de continuidade nos postos politicos mais importantes, entre os quais @ de presidente. Embora os mandatos fossem de apenas um ano, o proprio Dr. Py fara presi- dente em nove oportuaidades, € 0 Major Augusto Koch em outras 5, entre 1903 e 1930. 39, 0 Grémio teve 5 p nomes diferentes te, quando os problemas foram superados, entre 1949) turnino Vanzelotte Ary Delgado ocuparam o posto méximo, Nos anos mmplo, 3 nomes diferentes passaram pela presidén- eorreria entre 1947 e 1948 (Histéria do Gremio, 112 Jjogadores de futebol, como dos préprios clubes entre si, visto que so negs- cios a efetuar, deixando de haver cabimento para preocupagdes sentimentais ‘ou para atitudes inspiradas em meros caprichos. (José Casa in: Mosqueteiro, nS; vl, p.2). Os caprichos ¢ sentimentalismos aos quais José Casa, entdo presi- dente do clube, se refere como causadores dos problemas do Grémio niio estiio explicitos, mas pode-se deduzi-los facilmente. A segregacto racial era um dos “caprichos”, mas niio 0 tinico dos “velhos métodos” que necessitavam ser urgentemente repensados. A “tradigZo” tornar-se- ia, daf por diante, o campo de batalha entre os conservadores e os refor- mistas. Para os primeiros, a nogio de tradigo englobava todo 0 passado do clube, suas conquistas dentro de campo, os procedimentos adminis rativos e os princfpios morais que thes davam suporte. Para os refor- mistas, muito mais pragméticos, importava resgatar a hegemonia fute- ica, mesmo que para tanto fosse necessério extirpar alguns “senti- mos” considerados ultrapassados, dentre eles a crenga nos va~ lores do amadorismo. Quando o Dr. Py justificou seu credo, ele simultaneamente defi- niu quem era o Grémio."* Ao proceder desta forma, deixou claras al- gumas orientagdes seguidas pelo clube, entre as quais devem ser des- tacadas a segregagao racial - “(creio no) [0] Grémio (porque), traba- Ihando pelo aprimoramento da raga, colabora na formagdo de uma raga eugenica para 0 nosso futuro - ea profissio de fé no amadorismo (ereio no) [0] Grémio Foot-Ball Porto Alegrense (porque) sempre foi, é seré um propugnador leal e honesto do esporte integralmente pelos esportes e para o esporte, com a finalidade bendita do aprimora- mento fisico e moral dos seus associados mogos”. ldo como um texto clissico de assergto e ra7Zo: Grémio” - e a segunda justia - “porque [..J". Com pe quenes ica, sem contudo provoc ralteragio de nature 2a semintica, pode-se abstrair de cada frase a) uma de ser ne qual se de- positavam as erengas, neste caso 0 Gremio; fam independente da entidade & qual estavam associndas, Por excmplo, a fase “reio no Gremio ‘um dos baluartes da grandeza esportiva do nosso querido Rio Gr ‘de do Sul” poderia ser decomposta em: a) © Grémia é um dos bi portiva do [..] Rio Grande ¢o Sul; ¢ 5) Creio na grandeza esport Sul, Para os propésitos deste trabalho e da afirmagao que exi 1 decomposigio “a”, ow seja, aquela que define o Grémio da época, na perspectiva do Dr. Py e daqueles que o aciamaram patrono, 113 Se o “credo do bom gremista” nio era apenas u mas unit espécie de carta de principios s6 formulada tardiamente, ente no Grémio - ¢ no ha indicios para crer no -se afirmar que a nomeagio do Dr. Py como patrono se. O hiato entre as novas exigéncias do > PO apenas para protelar a futuro pouco promissor para o clube. A necessidade de intercambit agremiagdes de outros Estados e 0 ineremento dos neg6 dade dos clubes e um dinamismo adh ia de seus jogadores apego e dedicaga ",a exemplo de Lara, Foguinho, Luis Carv: tantos jf nfo era mais 0 mesmo, Os tempos etam outros, € 0 io jogador/clube, sendo o proprio “amor destes iimos, em relagao aos jogadores profissionais, 4 medida que permaneciam enraizadas as nogdes do amadorismo, do esporte pelo esporte e do fair-play. O verdadeiro desportista era alguém cujas atitu- des se pautavam pela abnegagao, entrega e superagdo; virtuosismos que, para os gremistas, eram incompatfveis com 0 dinheiro. Embora o Grémio ndo se reduzisse a um grupo restrito de dirigen- tes enredados em seus préprios egos, o rumo das discussdes tornay: cada vez ‘iam se consolidado no imaginério popular, esta hipotese era bastante remota. Se os velhos métodos ¢ as antigas tradigées contribufam para aprofundar a crise ao invés de arrefecé- ‘ontrétio. J4 os torcedores, antes do pertencimento clubistico, davam mostras intensidade da paixZo pelo Grémio mesmo em meio a crise. 114 (A REINVENGAO DAS. TRADICOES EA POPULARIZACAO DO GREMIO Com a chegada de Vanzeloti a presidéncia, definido por Renavo nde presidente da historia do Grémio, os ares do mais forte na velha Baixada e, se sm uma hipérbole, puseram-na abaixo. Sabendo que os “ca- eram os grandes responsdveis pela crise de resulta~ os de forma lenta e gradativa, “para impacto’ (Coimbra e Ni ona, 1994:67)._ in ‘A mudanga da Baixada para a Azenha, com a construgao do ste ‘co, era uma medida adh se, sendo i wunha. Jé o fim da segregagao ras or 952, Bre stres conselheiros. Antes pal era acabar com a norma dos estat ‘ir em sua equipe de futebol Hermes, por exemplo, era negro &, por isso, dora. Os colorados que eruzavam por el ia una situago constrange- jas ruas perguntavam: no Gi inegavel que diziam que o jogador & Noronha:66-70). process i émdofim da segre- se .o de popularizagio do Grémio, que além do fim da segre Pei 2 izaghe dos torcedores, culminando com a reinvencdo ealyumas tradigBes,o hino do Cingiientenétio ocupa um lugar de destaque. * nh alos Abero e,em fang dele, oprprigFluminen i. ida Go Fluminense, a toreida do seu ex: Mien onto e ao abo, Fagedo Carls Albro osay gad dente eno, comou se Cass Alberto, 0 Fluminense oracles vrcedoresrvais como “o clube do 6 de aro”. bom wadic envolvendo o aleta do Fluminense ocorreu no ano de 1914, mui- 115 5 hinos dos clubes datam do década seguinte. Em geral foram es © do Internacional ou, no caso do compés em série - embora fosse flamengui datas coincidem, mas o processo foi bem di © Hino do Cingiientendtio se impds ao oficial, esco! pliblico no Cine Teatro Carlos Gomes, ¢ reu devem-se d verossimilhanga entre da época. Trata-se di ipicinio © mérito de ter juntado, em 1953, varios fragmentos que estavam na meméria dos torcedores e combiné-los adequadamente. Tudo comegou muito antes, em plena crise de resultad , Lama No caso do Grémio, as dizer que em concurso razes pelas quais isto ocor- (J Ou nd eg0u na sexta-fira,tehé, comegou a fazer fila vo pi compre passagens pri ira Novo Hanbun vagides, com gent dduas mil pessoas! Senta ein pe a pampas [7 Acho ue foram mals de O jogo amistoso foi realizado n que 0 “outro” chegaria ao dente da vit6ria de 2.a 1 sobre o Flot proceso de mobilizacio dos torcedores. “Tanto 0 Gremio quanto o Inter mi to Alegre. Era onde: pogaras mensal ‘esquina com a Caldas Jr, no edificio onde atualmente esté 0 Correio do Povo. 6 Na época com 19 anos, Salin saiu-se to bem neste epi passou a reivindicar mais espaco e autonomia para organizat dotes. Segundo ele, 0 Grémio se ressentia por nao ter alguém como io eleito Rei Momo e as nfo se opuseram, chefe da torci embora tivessem re um cargo que exigia , responsdvel pelo quadro so como chefe dos torcedores e Francisco Mai ‘campo, papel picado, soliar foguete (..). Querendo ou nao, 0 Grémio estava se popularizando e nfo era ganhasse novos adeptos, mas pela forma inusitada tos gremistas ilustres 0s quanto ao futuro carna- valesco da torcida, Para eles, aquilo era coisa da torcida do “outro”; 0 Grémio cra diferente, sem tanto estardalhago. Prova disso é que 0 termo torcedor é pouco freqiiente nas fontes letradas mais antigas do Grémio, ‘onde, em geral, aparece associados e simpatizantes ao invés de torcedo- res, como na atualidade. Contrariando as expectati aceitagao do piblico e tornar-se-iam indispensAveis daf por diante. Aten- to, Vicente Rao percebeu a guinada gremista e, em tom sarcéstico, con- ‘Imitando cri- oulo, hein?” (Re Se a popularizagao era salutar, a comparagzo nem tanto; pior ain- da era a acusagao de imitagio. Como sempre fora e permanece sendo, haveria de se orquestrar a diferenga, por menor que fosse. urgiu mais por causa desse jogo do Beresi, dessa ex indo falava, todo mundo comenta torcida do Grémio era torcidia vai junto. Naquela época nao havia ‘era aguele negdcio, todo ‘mundo dizia: onde o Grémio vai, a torcida vai jumto, atorcida do Grémio va "7 com o Grémio onde 0 Grémio for e tal {...}. Dat & que estava cait tad a fata: “Com 0 GremiovOnde exter o Gremio nn (Salin Nigri), A cstréia da faixa nfo foi muito animadora, Ocorreu no jogo de abertura do Campeonato Gaticho de 1946 contra o Renner, cujo cam- po se localizava no final da Avenida Sertério, préximo a fabrica de A. J. Renner, O Grémio perdeu por 4 a 2 com faixa e mosqueteiro jun- tos. De qualquer modo, a faixa e 0 mascote acompanharam os torce- dores durante todo 0 campeonato e, gragas A conquista do Grémio, acabaram sendo incorporados como fcones do clube. Em agosto da- quele ano, o Grémio voltaria a editar uma revista, como jé 0 fizera na década de 10. A idéia nao era nova mas o nome da revista - Mosqueteiro = comprovava o prestfgio do mascote tricolor. ‘A consagragio definitiva do slogan vit precisamente em 1953. Era domingo, 19 de abril e 0 Grémio jogava & tarde contra o Forga ¢ Luz, na Timbadva, bairro Santana, Lupicinio Rodrigues e um grapo de gremistas aguardavam a passagem do bonde ue os levaria até o local do jogo, no Copacabana - um bar/restaurante situado na esquina das atuais avenidas Gettilio Vargas e Aureliano de Figueiredo Pinto, na Cidade Baixa, mas que & época ainda pertencia & hota e era muito freqiientado por boémios. Os bondes estavam em eve mas, “como bons torcedores”, deveriam seguir 0 slogan e estar ‘om o Grémio/Onde estiver 0 Grémio”. Segundo Lupicinio Rodrigues Filho, Salin Nigri e outros tantos, o grupo comegou a se impacientar até Jguns anos depois, mais ‘a8 ¢ sextas-feiras, seriam publicadas as charges hago sobre o enredo eo perfil dos personage: Rosinha'” era uma metéfora sexual na qual « R bolizava o campeonst tando os eolorades -* Boe, sinha vollava suas atengSes 10, seduzido a moga. Cf. Fo- medida que se aproximava o final do campeonato, a apenas para Zé Marmita e Mosqueteiro; tendo, este iti Ina da Tarde entee 18/5/1946 ¢ 1/10/1946, 118 que alguém sugeriu que fossem todos a pé. Ato continuo, Lupicinio tomou um papel qualquer e, sentado & mesa do Copacabana, deu forma os fragmentos. Rumaram ento para o Timbativa cantando: “Até a pé 6s iremos/para 0 que der e vier/mas o certo é que nés estaremos/eom 0 Grémio onde o Grémio estiver.” Gravado por Jofo Dias, no ritmo da época, a Marcha do Cingitentenério acabou substituindo uma antiga partitura para piano, cuja existéncia até mesmo os gremistas mais antigos desconhecem, e se transformou no Hino Oficial do Clube. E interessante notar como em seu refrlo no hé qualquer exaltagiio do clube, mas, antes, & fidelidade e ao desprendimento dos torcedores. Ao contrério da maioria dos hinos dos “grandes” do futebol brasileiro, em que aparece, logo no inicio, uma exaltagio ao clube,** no caso do hino do Grémio as dédivas sio ‘0 “nds” aparece duas vezes no refiio do hino. Hé uma certa dramaticidade em “até a pé nds iremos” e “mas o certo & que nés estaremos”, que nada mais é do que uma prova de fidelidade a0 lube, mesmo que as vezes esta paixdlo nfo seja correspondida, como no caso do Grémio daquela época. Porém, nada pode ser mais expressi- vo daqueles tempos dificeis do que “para o que der ¢ vier”, a rigor, a Aimica frase que Lupicinio inseriu por conta prépria no refrlio. Nem pre~ cisava fazer mais e, diga-se de passagem, dificilmente alguém teria fei- to melhor do que 0 poeta da dor-de-cotovelo. Como afirma Leite Lopes, “o sofrimento, tema comum ao amor a ao ato de ‘torcer’ por um time, acaba sendo uma ponte entre a msica popular que canta a dor do amor e do futebol” (1994, p.83). Paradoxalmente, 0 clube identificado com a Baixada da Mostardeiro, no Moinhos de Vento, estava, na véspera de seu cingientendrio, as voltas com a Ihota, reduto negro e bergo de seu rival. Nao bastasse a contratagdio de Tesourinha, no ano anterior, 0 hino alusivo ao meio século de sua fundagéo havia sido composto -mplo, toda a primeira estrofe & de exaltagao ao prdprio clube. ddesporto mac au/Levas a plagas dh tantos/Feitos eelevantes/ Vives a brilhar.‘Correm os anos, surge o amanh/Radioso de 12, ‘Segue tua senda de vitérias/ Colorado é das {do Corinthians segue a mesma inha: "Salve o Cocint {20 mesmo acorre com 9 hino do Sao Pau ‘Grémio, a mensio a0 clube fica restrita a uma das estrofes, enqu frit, exaltase a pessoa do torcedor. ‘demais © no 1e= 119 num bar da antiga comut tres representantes. Tanto Tesourinha como Lupicinio contribusram decisivamente para reabilitar a imagem do Grémio, arranhada pelas acusagées de racista ¢ elitista. © primeiro tornou-se simbolo da derrocada dos antigos capri- chos. Dentro de campo, a contribuigao de Tesourinha foi apenas regular mas, do ponto de vista simbdlico, a cor que ele deu ao Grémio serviu ‘como uma espécie de divisor de éguas na hist6ria do clube. Embora nao tendo o mesmo impacto da contratago de Tesourinha, a paixio de Lupicinio serviu como prova de que o Grémio tinha insergdo popular e, acima de tudo, de que, em se tratando de racismo, nem o rival era ino- cente. Tanto é verdade que os depoimentos de Lupicinio justificando seu pertencimento acabaram num dos paingis do Museu gremista. Foi com o fim da segregagdo dos negros, a consirugio do novo estédio e a reinvengo das tradigdes, cujo hino ocupa um lugar central, que no Grémio se processou, um tanto tardia e atribuladamente, a pas- sagem do amadorismo para 0 profissionalismo, recriando a idéia de clu- be no imaginério dos torcedores, Claro que os primeiros anos dos clu- bes, seus modelos administrativos, seus procedimentos para inclusio/ exclusiio de associados e simpatizantes € os padrdes éticos e estéticos foram decisivos na construgao de uma imagem, de uma identidade que, condensada na e pela tradigao, sao ainda hoje objeto de discuss. O que mudou, fundamentalmente, foi a nogao de pertencimento clubistico. Enquanto nos primérdios esta nogio se configurava através de relagdes face a face, tendo os clubes uma existéncia real, concreta, moldada 4 imagem e semelhanga de seus participes, j4 na década de 40 os clubes passaram a (er uma exist@ncia virtual cuja imagem passou a ser consti- tufda, simultaneamente, em espagos © tempos nfo necessariamente conectados e por pessoas € grupos nfo raro alheios a existéncia uns dos outros. A crise do Grémio nos anos 40 deveu-se, portanto, &intransigéncia de scus dirigentes para com as transformagées no Ambito do préprio futebol. E 0 que me parece fundamental, foi nessa década que se deu a incluso dos negros no futebol porto-alegrense. E preciso revisité-la se se pretende compreender as razées pelas quais ainda hoje o Grémio & identificado como um clube branco e elitista, e o Internacional como 0 clube dos negros e populares. lade africana © por um de seus mais ilus- 20 Ah! Eu S6 Gattcho! (nacional eo reional no futebol brasto® snciar 100 mil pessoas no ‘menos quando se encara a toreida delizanto do Flamengo. 1... Ao ver 0 Grémio fazer murchar a multidZo rabro-negra, evi a cena daquel tarde sinistra de 1950, em que a selee 0 uruguaia deixou a multidao prostrada. Sern in sewer remo do estado fovando pr ease sa esperar mort, anda Noguca psa conqusta da Copa do Bras plo Gri. De acordo com DaMatta (1982), 0 futebol dramatiza os dilemas da sociedade brasileira. Numa dada perspectiva, promoveria a coesio nacional na medida que permitiria a expressiio € o reconhecimento de quem somos ¢ do que somos em detrimento dos outros, os ingleses - ¢ por extensio os europeus - de cujo esporte nos apropriamos. Noutro sentido, o futebol possibilitaria uma espécie de auto-reflexao. Num pais tio extenso geograficamente, socialmente estratificado c diversificado culturalmente, 0 futebol expressaria as diversidades regionais, as hie- rarquias socioeconémicas e as diferengas étnicas e raciais. De acordo com essa segunda perspectiva,|ja nfo se poderia mais falar em futebol no singular, mas em “futebsis”, no plural, ou, se se preferir, em “estilos de futebol : FAdmitindo a existéncia de um estilo préprio do futebol brasileiro e a vigéncia de muitos outros, mais ou menos delimitados a partir de re- ‘© Byte capitolo é uma versio modificada de um artigo publicado na revista Estudos Histé- reas, Rio de Janeito, v.13, 2.23, 1999, p. 87-117. mt cortes étnicos c regionais, pretendo aqui identificar os elementos norteadores dos pontos de vista ético e estético subjacentes aos referi- dos estilosJNao me interessa, por hora, qualquer espécie de contestago acerca do que é dito pelos informantes, mas confrontar e enunciar as conexdes entre determinados estilos de futebol ¢ as categorias socioculturais a eles vinculadas. O ponto de partida para esta discusszio siio as representagdes dos torcedores e da crdnica esportiva desencadeadas a partir da recente tra- [jet6tia do Grémio, especialmente no perfodo de 1995 a 1997, quando 0 clube conquistou varios tftulos nacionais e até continentais."* Exaltado por uns mas tripudiado por outros, o estilo do Grémio tornou-se polé- ‘mica nacional, e nao apenas entre os futebolistas. Cronistas esportivos, editorialistas ¢ até ministro de Estado se envolveram no debate. Afinal, era o Grémio um time violento? Por trés desta pergunta simples, num, primeiro momento circunscrita ao context do priprio futebol, forja- ram-se pontos de vista que transcenderam o “ser gremista” ou 0 “gostar do Grémio”, Discutia-se enfaticamente o “ser/gostar dos gatichos ¢ do Rio Grande do Sul” e “ser/gostar dos brasileiros ¢ do Brasil”. A INVENGAO DO ESTILO BRASILEIRO Subjacente ao estilo, qualquer que seja, esté a nogio de ruptura, Ela serve para demarcar, e niio raro opor, determinadas visdes de mun- do, perfodos hist6ricos e posigdes sociais. Logo que o futebol foi trazi- do da Europa, como simbolo da modernidade, os esforgos se concentra- ram na apreensio da prética e, principalmente, dos c6digos e valores a ela associados. O importante no era apenas jo; ss jogar de uma de- terminada forma, como os ingleses; vestir, torcer, falar, tudo como os ingle ses; via de regra, a autenticidade era diretamente proporcional & imitagao. Porém, o gosto pela imitagao foi cedendo lugar 2 criatividade e, paulatinamente, foram sendo produzidas diferengas nao apenas na for ma de jogar mas também de torcer. Os contrastes, apesar de evidentes, cram dificeis de serem definidos e, acompanhando o relato de Rodrigues Filho (1964), vé-se que as diferengas foram percebidas tendo 0 estilo pelio Gaicho, em 1995 1996, vice-campeonatos c outros torneios de menor expressio. m2 Jes como referencia, Se era impossivel caracterizar 9 novo a partir lele mesmo, pelo menos havia uma certeza: niio era ingles. ‘Os marches internacionais e, partir de 1930, as Copas do Mando xcentuaram ainda mais essa diferenga. Em 1938, na Franga, o Brasil Sequer chegou as Finais, mas Le6nidas da Silva, axtilheiro daquela ops, “barbarizou” (Cabral e Ostermann, s.d.), Os europeus jé sabiam da for ‘¢a do futebol sul-americano - 0 Uruguati havia conquistado das meda- ihas olimpicas no futebol e a Copa de 1930 mas munca tinhamn. visto hada parecido. O Brasil de Lednidas constitufra-se numa novidade pe- 1. tinha uma maneira de jogar que se destacava de todas as demais, , brasileiro ce “oan cnplont 2 répida e bem sucedida ascensto do fal no Brasil, bem como seu estilo peculiar, Gilberto Freyre contrasts Do- mingos da Guiae Lebnidas da Silva; o primero, mais clssico, apofnee © curopeu, enquanto 0 segundo esiaria mais afeito ao romantica, dionisiaco e tropi echt ea eer ont ee Bong ai emcx ee gyal Sac r thes autenticidade brasileira, um pouco de a, um pouso dem eas ‘A atualidade deste fragmento é impressionante e, acrescente-se, ele foi escrito ha cingtienta anos, antes, portanto, de o Brasil ter con- quistado as quatro Copas do Mundo e outros tantos torneios que 0 olocaram numa posigio singular em relagdo aos demais pafses ent termos de futebol. O reconhecimento de um estilo singular do futebol brasileiro, tributado a certos tipos regionais, tornou essa interpretagao 123 ir de uma série de oposigdes tendo como s; nem poderia ser diferen si para dar ao futebol os contor- lade. Este recorte & significativo no apenas em razio dos mas pot oe intencionaldade. Poder-seiaargumentar ue so desig see tribui¢ao da molecagem, da malandragem e da caj Freyre é superficial e pol ta.” Em contrapartida, estudo mais aprofundado; algo despr Seja como for, hd que se mengaio de todos o: a por exemplo. E, a pi Por que € que eles ainda no foram lembrado: Se os excluidos fossem integrados - esta especulagao - provavel ) deixa transparecer alguns pontos éstcaademasadeaatonoma pole demas ‘easitodsuina viagem afar Gera mente disseminada no universo fu- tebolistico, Apesar le preponderante, ela é também muito contestada. ‘Trata-se, antes de mais nada, de um ponto de partida para infindéveis ineamente, a presenca de diferengas re- tebol e também os pontos de intersecgaio entre a elaboragiio acadéi itica e popular. segundo lugar, € niio por acaso, os residuais aos quais Freyre se refere como determinantes do estilo bra de contagiar 0 apolineo Ademir da Guia - esto ligados a irracionalidade € As influéncias amerindias. Ele toma esses tragos como constitutivos iro, clevando-os & condigao de arte barroca. Os regio- ~ bem como os negros e os fndi tarde se convencionou chamar futebol Daquelas poucas linhas contendo se outras tantas que podem ser apreciadas no quadro a seguir. Futebol europeu compet racional cultura esporte rigider

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