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A 4 FE é 11 EomoRa Unisiwos LUNIVERSIOADE 00 VALE 00 FiO DOS SINOS - UNISINOS eiear Pe, Marcela Fernandes de Aquino, SJ Viceeitor Pe, Aloysia Bonnen, SJ lL EDITORA UNISINOS Diretor Pe, Pedro Giberce Gomes, SJ [Conse Editorial ‘Alfred Culloton ‘Anuénio Carlos Nee! Pe, Jase Roque Junges, Su Pe. Paro Gilberto Games, SJ ‘Vicente de Paulo Borretto citora da Universidade do Vale do Ro dos Sinos iEoTORA UNSNOS fy, Unsines, 950 .29022-000 Sao Leopoido RS Bras Tole $1-98908208 Fax §1,5908238 ediearaunisines br Quest6es sobre memoria van tzquierdo Eprrona Usinos Colecao Aldus 19 16 2008 wan ears icstdes sobre memaria 2004 Direixos editors em ingus portuguesa reservados & tore do Unweridade do Vale do Flo dos Sno Eorone UNISINOS IgaN 95-7431-211-8 ‘9 rempresseo, verso de 2013 ‘S0b» drag de Farando Jacques thot, stor caries Altres Ganott Resto anaina Lemos anavo Dees Fu Bender Estoracto Deco Rema Ely cape ‘eave! Carbo ‘a reprodupio,snda que pari, por qualquer meio, das paginas ‘qu compdem este vo, pare usa nao-nciiua mesmo par fis iticgs, em avtorsacao escnita doer. @ ict © 28 ‘Constit muna contrafegse anos & cultura Fol feca 0 depot loa ‘ACOLEGAO ALDOUS ‘A ancora ao lado era a marca do im- pressor italiano, estabelecido em Ve- neza, Aldus Pius Manutius (14507- 1815). A Colegaa Aldus, da Eomrana Unisinos, a que pertence este exem- plan, tem seu nome inspirado nesse editor. A partir de 1501, Aldus deu ini- cio 8 produgao de livros de bolso: ‘numa época em que os livros eram ca- Jifceis de manusear, ele comecou a edité-los a de 11x 15 em. Alem disso, pare diminuir 0 © 0 prego de seus livros, Aldus encomendou do Francesco Griffo 0 desenho de tipo de letra que ‘Ser conhecido como itlico (gnfl, que permitia, 3 niimero de caracteres por pagina. 10 formata “livro de bolso" criado ha quinhentos or Aldus é hoje o prefenido dos leitores em todo /\EovoRA UNIGINOS, mediante esta colecéo, 0 diferenciado e impressa em papel especial. evar assuntos interessantes aos leitores por ‘acessivel. Doutor em Maccina, ¢ professor utular de Neurologia e Diretar do Centro de Meméria da Pontificia Universidade Catoica da Rio Grande ‘do Sul desde 2004, Professor Honorario das Universidades de Suenos Aires » Cordoba © ‘Membre da National Academy of Sciences dos EUA. Publicou varios livres de contos e ensaie. SUMARIO Prélogo, O que é @ meméria? Hé diferentes tipos de meméria? 0 que # a ativdade elétrica dos neurénios? Onde se localiza no eérebro cada tipo de meméria? Por que costumamos lembrar em detalhe fatos muito antigos? Temos @ tendéncia a suprimir da meméria fatos desagradaveis? Por que as pessoas que sofrem depresséo so se lembram de fatos negatives? ‘Ameméria tem limites ou sua eapacidade 6 ‘limitade? A meméria € seletiva? Ela escalhe o que ‘uardar eo que descartar? " 15 19 26 1 40 47 51 54 E verdade que as pessoas que passam por uma ‘amnésia esquecem fatos, até o proprio nome ‘ou 0 endereco, mas néo de pracedimentas ‘como andar de bicicleta ou tocar piano? Como se explicam os casos stbitos de emnésia total? O que 6 0 estresse pés-traumatico? estresse do dia ia afeta a memoria? Guais as doengas que mais afetam a meméria? E verdade que 2 doenga de Alzheimer afeta ‘menos pessoas mais intelectuslizadas? ‘Algum remédio ajuda a preservar ou a ‘estimular a memoria? E 0 Gingko Biloba? E verdede que e nicotina previne as doengas de Alzheimer ou de Parkinson? Ha algum remédio para metharar a meméria ‘para o rendimento escolar ou profissional? adrez, palavras cruzadas e leitura ajudam a reservar a memoria? Existe prevengao da perda de meméria? ‘A perda de meméria ¢ mais frequente nas pessoas idosas. Por qué? Hé casos de pessoas jovens que perdem 8 meméria precocemente? eit. 58 61 63 65 63 73 78 73 81 85 89 31 96 (© que sabemos sobre a meméria dos animeis? 98 Faz sentido o proceso educacional baseado na decorebs? 102 A siindrame da fadiga da informagao afeta 3 meméria? 105 ‘A maior incidéncia de ansiedade, estresse e depresséo se traduz em mais transtomos da meméria? 110 Ha algum equivalente & “doenga da vaca louca” entre os humans? 114 Guais os maiores avancos cientificos em relagao a meméria? 117 uais sao as alteracdes sinspticas especificas para cada memoria? 118, Que papel esti reservado & Engenharia Genética, & Biologia Molecular e as Terapias Génicas na cura de moléstias degenerativas? 124 Palavras finals, 127 PROLOGO Nos tltimos anos, fui convidado a dar muitas conferéncias sobre meméria para especialistas no tema, para pesquisadores e profissionais da rea da saude, para estudantes e para leigos. Em 2002, publiquel um livro, Meméria', com o qual pensei que muitas dessas perguntas ficariam espondidas por escrito. Apareceram também, nos tltimos dois anos, outros trés livros muito bons sobre a tema: um de Squire e Kandel’, ou- tro de Daniel Schacter* e outro, o melhor, de McGaugh*, este ultimo, por enquanto, sO em in~ ales. Mas os convites para falar sobre o tema au- mentaram, eo numero de perguntas que me fa- zem, também, Acontece que a memoria constitui um tema fascinante, @ ainda bastante misterio- 1 teqiedo, |. (20021, Mameria, Artes Mésoas, Porto Alegre 2 Sabie, Le Kandel, (2009), Memon da Marte a Mo. leas, Artes Médions. Porto Alagra 9. Schecter, 0 L (2003), Os ste pocados de mamana, Rocco, Sto Paul. 4) MeGough JL (20031, Mamary and Emotion, Weidenel & ‘htaon, Londres. 48 hw teomereo 80. Porque nossa mente esta feita de memoria; Somos, literalmente, aquilo de que nos lembra- mos, como manifestou certa vez o grande pensa- dor italiano Norberto Bobbio. Nossa forma de pensar, de agir, de planejar e de realizar o futuro epende estritamente daquilo que sabemos, ou seja, daquilo que lembramos. Aquilo que nunca ‘aprendemos, ou aquilo que esquecemos, ndo nos pertence. Nao pensamos em agitar nossas ass Porque néo sabemos 0 que ¢ ter asas, nem em Gantar o Hino Nacional Tcheco, porque nunca o ‘aprendemos. Também nao podemos chamar ‘aquele companheiro da primeira série pelo apeli- do, porque 0 esquecemos. Mas, enquanto assobiamos uma musica que conhecemos, pensamos em conversar com al- {guém amanha em nossa lingua materna, porque & recordamos; planejamos comprar uma casa, por que sabemos que temos onde conseguir um em- ppréstimo; prevemos quais serao as chances de nosso time escapar do descenso, porque conhe- ‘cemos sua colacacao na tabela de posigées. Eu ‘estou escrevendo porque aprendi a escrever e me lembro de como fazé-Io; vocs, leitor, esta lendo porque se leribra de coma se faz para ler. Nés brasileiros somos brasileiros porque demos e recordamos coisas que nos identifi- ‘Gam com 0 pais; os franceses sao franceses por- que Se lembram da historia, da lingua, das can- (goes e dos habitos e costumes da Franca. Eu per- uongo a esta cidade porque dela me lembro cons- tantemente; em meu caso, pertenga também a vesces some neon 13 outras, que estado guardadas em lugares precio- sos de minha memoria. Eu sou eu, e voce é voce, porque cada um tem sua propria historia para Ihe dizer isso. O conjunto das memorias que cada um de nés tem é a que nos caracteriza como indivi- duos. Mas também nos caracteriza como indivi- duos aquilo que resolvemos ou desejamos esque- cer, Das muitas perguntas que me foram feitas sobre meméria nestes ditimos anos, selecione! ‘aqueles que me foram colocadas mais vezes por jornalistas, por calegas e pelo pdblico em geral. leitor podera pular aquelas que néo Ihe interes- ‘sm ou que contém elementos de biologia que su- peram seus conhecimentos na materia. Os as- pectos da biologia aqui relatados normalmente se ‘aprendem na escola média ou nos cursinhos que preparam alunos para o vestibular. Mas todos sa~ bemos que esses conhecimentos nem sempre {40 ensinadas de maneira que estimulem a moti \vagao dos alunos, senao de uma forma tal que sir- vam apenas para passar em um exeme. Espero, assim, satisfazer algumas das divi- des ou indagacdes mais freqdentes sobre esse tema, ao qual dediquel os ultimas quarenta anos de minha vida e cujos mistérios me apaixonam desde sempre. Ivan t2quierdo 0 QUE E A MEMORIA? Meméria 6 a aquisicao, conservagao e evo- cacao de informagées. A aquisigao se denomina também aprendizado. A evocacao também se de- nomina recardaco ou lembranca, Sé pade se ava: liar @ meméria por meio da evocacéo. A falta de ‘evocagée denomina-se esquecimento ou olvide. Uma falha geral da evocagao de muitas memorias, denomina-se amnésia, Assim, tém meméria os computadores, 0 animais, as plantas e até os metais, que, quando deformados a certa temperatura, mantém essa deformacao ainda quando expostos novamente @ temperaturas mais baixas. Memorias tém também os povos, as nagdes e as cidades; 0 conjunto dessas memories deno- mina-se Historia, Poném, embora seja interessante como me- téfora, nao 6 Util desde o ponto de vista do conhe- cimenta comprar ou assemelhar de maneira di reta @ memoria dos animais, inciuindo entre eles nds, os seres humanos, com a memoria historica ‘ou com a meméria dos computadores ou dos me- tais. As analogias nao sao validas nem em termos de significado nem em nivel de mecanismos. A de- formagao de um ferro néo significa a mesma coisa que nossa lembranca da lingua materna ou da pnépria mae. Um ferro tem que ser esquentado a altissimas temperaturas para ser deformada; AOS € 08 animmais aprendemos a nossa temperatu- ra corporal. Um computador tem que ser ligado ha tomada ou a uma bateria para funcionar: nés, nao. Um computador grava suas memérias em ircuitos integrados; nés, nao. Nés formamos, guerdamos e evocamos memérias com fortes ‘Componentes emocionais e sob intensa modula- {go hormonal; os computadores, nao. Nés seres Vivos utilizzmos processes bioquimicas localiza- dos em diferentes células de nosso sistema ner- voso para fazer ou evocar memérias; os computa- dores néo tém bioquimica As analogias entre meméria e histéria ou ‘entre memoria e formas de funcionamento das ‘computadores ou autros sistemas nao significam que uma coisa seja explicavel pela autra, Sa0 56 metéforas; convém néo esquecer isso, A mem6- ria humana ou animal se refere aquilo que se ar- mazena, conserva e evoca de sua propria expe- rigneia pessoal. Nao ha nenhum estudo biolégica ‘sério que ateste a evocago de memérias de vi- das passadas; aliés, no hé evidéncia cientifica ‘alguma da existéncia de vidas passadas, Tuda o {que sabemos sobre a origem da vida das pessoas. animais, plantas, bactérias e virus é incompati ol com @ possibilidade da existéncia de vidas an- teriores: 0 genoma de cada ser viva é constituido “de novo” cada vez que ¢ gerada esse individuo, Qucses some menos 417 utilizando como ponto de partida os cromosso- mos do pai e da mae. Em algumas espécies ani- mais e vegetais, 36 os da mae. Os cramossomos de espécies diferentes sao incompativeis para a reprodugao. Nao ha transferéncia de informagao genética através de fluidos, campos energéticos nem de qualquer outra forma que nao seja a geno- ‘ma; tanto para a repraducao como para a clona- gern. A analogia mais populer e talvez mais estu- dada na década de 1880 foi entre meméria huma- ‘na ou animal e meméria no que se deu em chamar “redes neurais", sistemas teéricos em que a ati- Vidade de um ou mais componentes é capaz de modificar a dos demais de maneira permanente. Esse campo permitiu o desenho de circuitos & maquinas excelentes, com muits propriedades extremamente iteis para os mais diversos cam- pos de atividade. Embora tenha havido contribui- oes interessantes dessa drea do conhecimento ara entender alguns aspectos teéricos da biolo- gia de memoria em humanos ou animais, as avan- Gos mais recentes sobre biologia real da meméria fizeram com que essas teorizacdes fossem raj demente ultrapassadas e hoje ja sejam absol tas. Estamos agora na época em que os proces- ‘S05 moleculares relacionados com a aquisigéo, consolidacao, armazenamento e evocacaa de me- mérias sao conhecidos em sua malaria, e ficaram muito menos interessantes os modelos tedricos do que a biologia molecular real. Por autra lado, ‘onhecemos jé bastante sobre as mecanismos da 418 aw tavesne modulagéo das diversas formas de meméria; es- tes envalvem vias nervasas e sistemas hormonais: definidos, atuando em lugares especificos do sis- tema nervoso por meio da modificacao da ativida- de de sistemas bioquimicos vinculados com a for- ‘magao e/ou a evacagao das memérias. As modula- (goes que aqueles sistemas fazem sobre os meca: nismos da formagao e da evocaao da memoria correspondem aos efeitos das emogdes, senti ‘mentos e estados de animo ou de atengao dos in- dividuos. Os madelos da fisica teérica das redes neurais ignoram esses aspectos moduladores, ‘que so cruciais para a compreensao do funciona- ‘mento real da meméria humana e animal em suas: diversas formas e em seus diferentes momentos: ou fases, HA DIFERENTES TIPOS DE MEMORIA? Sim. Podemos dividir a meméria em tipos de ‘acordo com sua duracao e de acordo cam sua fun- ‘Sho. De acardo com sua duracao, exister a me- ‘méria imediata, que dura segundos, raras vezes minutos; a meméria de curta duracao, que dura de uma @ seis horas e a meméria de longa dura- (680, que dura muitas horas, dias ou anos. Muitos fe referem 8 meméria de duragdo muito longa, faquela que se estende por décadas, como memo- ria remota. ‘A memoria imediata correspande a uma for- ma especial, chamada memdria de trabalho ou operacional. Basicamente trata-se de um siste- ma de meméria ondine, que persiste por alguns ‘segundos ou minutos além do fato au do evento a Que se refere. Meméria de trabalho aquela que Utilizamos, por exemplo, para lembrar a terceira ppalavra da frase anterior a tempo suficiente para @ntender o resto da frase € 0 inicio da seguinte, ‘mas que logo depois se perde para sempre. Ou a retengéo de um numero telefénico que alguém’ fos diz e que 50 persiste no cérebro o tempo sufi- tiente para digité-lo. A meméria de trabalho ou memoria imediata 6 evanescente por definic8o & por natureza, Dura tao pouco porque deve durar pouco, sendo nos confundiria: se aquela terceira palavra da frase anterior persistisse até agora, teria nos atrapalhado durante a leitura de tudo 0 que veio depois. inclusive a dessa Ultima frase. Além disso, a meméria imediata ou de trabalho depende da atividade elétrica de neurénios do c6rtex pré-frontal, aquele que esta na ponta dos lobos frontais, atras de nossa testa, Alguns des- Se5 neurénios se ativam no momento do inicio de toda e qualquer experiéncia, outras no meio e ou- tras quando elas acabam. A atividade elétrica desses neurénios sinaliza 0 inicio, o meio eo fim de cada evento ou experiéncia analisada. Por isso, ‘a meméria de trabalho néo persiste além de uns poucos segundos depois de acontecido 0 evento bu 0 pensamento que ela registra, Ele nao deixe tragos bioguimicos nem estrutureis. Esses neurénios do cértex pré-frontal co- municam a informagao procedente do exterior ou do interior de nossa mente a outros neurénios de utras regides cerebrais: 1) As que formam ou ‘armazenam memérias de curta ou de longa dura- go para se certificar se a informagao que esté Sendo processada (aquilo que esta acorrenda) 6 nova e Util, em qual caso deve ser armazenada ou Se jé existe e guardé-la seria redundante. 2) As egides cerebrais que se encarregam de determi- har e regular nosso nivel de alerta ou ansiedade e ossas emogoes e sentimentos, A memoria ime- diata 6 extraordinariamente fiel, mas dura pouco. ‘uestoes scone MevOnA 24 8) As regiées cerebrais que se encarnegam da evocacao de memérias preexistentes: pode ser que a informagéo que acaba de atravessar nossa meméria operacional exija ua resposta imediata {somos atacados por um leac) ou determine a ela~ boragao de uma resposta diferida (um insulto pu blico que nos obrigaré a consuitar um advogado sobre a conveniéncia ou nao de iniciar um proces- so contra o caluniador) ‘As memérias de curta e de longa duracao se iniciam a0 mesmo tempo, imediatamente depois de adquirida cada experiéncia ou de acontecido lum insight. As memérias, como se sabe, provém ou das experiéncias ou de insights. Ha tantas me~ mérias possiveis como hé experiéncias e insights: Possiveis; ou seja, muitissimas; um numero inde- finido porém finito, jé que nossa vida ¢ finita. ‘A meméria de fonga duracao leva de duas a ‘seis horas para ser formada e requer uma série de processos bioquimicos concatenados em va- rias regides cerebrais, que culminam na expres- ‘S80 génica e na sintese de novas proteinas. Enquanto isso, ela nao est completa nem pode, portanto, ser corretamente utilizada. As altera- {G0es bioquimicas nas quais se baseis causam al- teracdes marfolégicas e funcioneis nas sinapses ativadas por cada meméria, e essas alteracoes Podem durar muitas horas ou anos. Acredita-se que as memérias de longa duragao dependem de forma direta de tais modificagoes bioquimi c0-estruturais, derivadas, por sua vez, da sinte- se de novas prateinas durante e depois da forma- (go de cada uma delas. Numerosos estudos de- monstraram que a aquisi¢&o de uma nova memé- fia é seguida por duas ondas de processos bioqui- ‘micos, que culminam na ativagao génica e na sin- tese de novas proteinas: a primeira, logo apos a ‘aquisigfo, ea segunda, trés a seis horas mais tarde, A primeira onda é necesséria para se- ‘una, e a segunda ¢ necesséria para a consolida- go da meméria, ou seja, sua fixag3o num estado estével e duradauro, muitas vezes definitivo. Nas primeiras horas depois da aquisi¢a0, a5, memérias sao armazenadas num sistema parale- lo, a meméria de curta duragao, que funciona em: parte nas mesmas regides cerebrais, mas que € bioquimicamente mais simples e dura de uma a seis horas. A meméria de curta duragéo nao re- quer sintese protéica nem expressao genica, tampouco causa alteragdes estruturais de ne- ‘nhum tipo. A meméria de curta duragao tem uma fungao equivalente & da casinha de madeira que uutilizou Juscelino Kubitschek, em Brasilia, en- quanta o Palacio da Alvorada estava sendo cons- truido, Serve para manter o animal com capacida- de de responder aquilo que acaba de aprender, fenquanto sua meméria definitiva ou de longa du- ragao ainda néo esta construida. Permite, assim, 0 didlogo e 0 raciocinio. Por iltimo, muitos denominam de memdrias ‘remotas as memérias de longa duragao, que du- pam décadas; as que uma pessoa de 65 anos pode ‘ver de sua infancia, por exemplo. Nao hé evidéncia de que a formagao das memérias remotas requei- estos Some wane BB ra ou envolva nada diferente do que a das demais memérias de longa duragao, Porém, a passagem do tempo faz com que as memérias remotas se- jam mais suscetiveis a0 esquecimento @ a extin- {G40 (ver mais adiante), assim como @ inclusdo de informagao adicional, que as melhora ou falsifica, Do ponto de vista de seu contetido, as me- mérias classificam-se em memoria de trabalho (que nao deixa arquivos permanentes), memérias declarativas e memérias de procedimentos ou pro- cedurais. Estas dltimas muitos autores denomi- nam de habitos. ‘As memérias chamadas declarativas sao aquelas que nés humanos podemos “deciarar” {que existem e como sao: a lembranga de um ros- to, de um incidente, de um poema, de toda a me- dicina. Em animais, chamam-se declerativas as memérias que 0 animal pode demonstrar clara- mente que possui: néo descer de uma plataforma para evitar um choque elétrico, salivar em res- posta a uma campainha porque esta tinha sido previamente associada com a apresentacao de comida. As memérias declarativas podem se divi- dir, por sua vez, em seménticas (toda a medicina, toda a lingua inglesa) e episédicas ou autobiografi- ‘cas (um incidente qualquer de nossas vidas). As mem@rias seménticas s80, muitas vezes, adquir~ das por meio de episédios (aulas praticas de me- dicina, aulas de inglés) (Os habitos ou memérias procedurais prover dda aquisigao de habilidades sensoriais e/ou moto~ ras (andar de bicicleta, usar um teclado) e nao ‘880 faceis de explicar de maneira declarativa. Para demonstrar que sabemos ander de bicicleta ‘ou tocar piano, precisamos fazé-lo. Hé muitissi- ‘mas memérias que envolvem um componente de- clarativo e outro procedural: para tocar piano & preciso Saber miisica: para digitar num teclado de computador ¢ preciso saber o alfabeto, os nti meros, as funcdes e sua distribuigao no teclado. E importante salientar que, quando uma me- méria esté muito bem aprendida e sedimentada, por exempio a memoria de um piloto de Formula 1 sobre como dirigir um automével ou a meméria de um concertista de piano sobre a execucao de uma, longa e dificil partitura, mudam suas regras. O pi- loto e o concertista nao executam (nao evacam) essa meméria utilizando os mesmos caminhos I6- gicos e, portanto, as mesmas vias nervasas que utilizaram quando fizeram essas coisas pela pri- meira vez. Fazem isso queimando etapas, abrindo Novas caminhos dentro do emaranhado de fibras e células que constituem seu sistema nervoso. As vias neurais utiizadas por Michael Schuma- cher para encarar uma volta no circuito de Mon- tecarlo nao sero as mesmas a cada volta: em al- (guma delas, um retardatério pode obrigé-lo a mo- dificar seu percurso e sua velocidade; em autra, tard saindo dos boxes; em outra, estara cui- dando para que nao 0 ultrapasse quem vem em. segundo lugar etc. E nunca serao as mesmas vias, que utilizou nos longinquos dias em que alguém the ensinou como ligar o mator. apertar a embre- fagem, engatar uma primeira etc. Fara tudo isso, mas com circuitos diferentes, mais répidos, mais *resumidos” e eficientes. (Quanto mais longo um circuito nervosa, mais propenso a falhas sera: cada sinapse pade se considerar um possivel elo fragil.) O mesmo fara 0 concertista com as exe- cugées sucessivas de uma sonata, por exemplo: a primeira vez que a ler vai executé-la devagar, prestando muita atencdo & colocagao dos dedos: cade vez que tem que tocar certo trecho mais di ficil, parando para corrigir eros: vinte anos de- pois, tendo executado essa sonata mil vezes ante 05 piblicos mais diversos, seus dedos se encami: nharao "sozinhos” até as tecias certas sem a uti- lizagao consciente das "dicas’ proporcionadas: por cada posicao digital anterior. O GUE E A ATIVIDADE ELETRICA BOS NEURONIOS? No sistema nervosa ha dois tipos de células: (05 neurénios, que s80 as célules com atividade nervosa, que recebem e emitem informacéo a oU- tras neuronios ou a outros érgaos (misculos, glandulas), e @ glia, que ¢ um conjunto de células de outra origem, que atuam sustentando as célu- las nervosas e seus prolongamentos, fazendo ‘trocas metabdlicas com elas. Por exemplo, du- rante sua atividade elétrica, os neuronios emitem potdssio (k-+), que é sugado pelas células da glia, impedindo seu acémulo fora das células nervasas, ‘que causaria descargas epilépticas ou a prépria ‘morte celular. (Os neurénios séo eélulas diferenciadas que tém prolongamentos. O corpo celular dos neuré- ‘ios pode variar segundo 0 tipo de neurénio; ha al- ‘guns que tém algumas poucas micras (milésimos de milimetro) de diametro e outros que medem ‘centenas de micras e S80 até visiveis a olho nu, No cérebra humano, os corpos neuronais tém um didmetro entre trés e quinze micras, Os prolon- gamentos dos neurénios podem medir muitos eentimetros. Ha dois tipos principais de prolon- resrtes some uowsne 27 gementos: os dendritos, que constituem 0 setor ‘aferente” (0 input) da célula, por ande thes chega 1a informacdo procedente do exterior ou de outros: neurénios, e 0 axdnio, que se ramifica em geral fonge do corpo celular, Os dendritos, que vao da pele até 0 corpo celular de neurénios localizados fha medula espinhal ou mais acima, podem chegar ‘a medir trinta a sessenta centimetros. Os axd- figs, que vao da medula espinhal aos diversos musculos do organismo, podem medir até perto de um metro. Na maioria dos casos. dentritos © axGnios medem milimetros. ‘A forma dos neurénios com seus multiplos prolongamentos foi comparada a forma das arvo- es, Nos maiores, 0 corpo celular é 0 tronco, os galhos e as folhas sao os dendritos, e suas raizes Pamificadas, 0 axénio e suas ramificagoes. Nos: neurénios menores, seu aspecto comparével a0 de uma planta de cebola, por exemplo: um corpo: celular pequeno e arredondado, cam folhas para cima: os dendritos, e raizes para baixo: 0s ax6- hios ramificados. A comparacao com as plantas: nao é perfeite, mas talvez ajude a compreender 0 formato dos neurénios. (Os axdnios geram potenciais elétricos. to dos da mesma altura, que viajam @ alta velocida- de rumo as suas terminagdes. Quando atingem 0 fextremo do axénio, os potenciais elétricos (cha- mados potenciais de apao) fazem com que se libe- fem substancias quimicas denominadas neuro~ transmissores, lé contidos em pequenas vesicu! las. Os neurotransmissores sao liberados na fen nn da sindptica, que € o espago entre a membrana dda terminacao axonal e a membrana do dendrito ou do carpo celular do neurénio seguinte. Uma vez ali, 05 neurotransmissores navegam pela fenda, cheia de liquido extracelular (de composicéo se- melhante ao plasma sanguineo), até se ligar com proteinas especializadas chamadas receptores, presentes nos dendritos ou no corpo celular do eurénio seguinte. Qs dendritos respondem com alteragdes bioquimicas e respostas elétricas graduais 20s jatos de neurotransmissores liberados pelos axd- ios. Os neurotransmissores sao substéncias guimicas definidas, que interagem com os recep- tores. Da interagao entre os neurotransmisso- pes e receptores decorre uma série de modifica {goes bioquimicas na membrana dendritica, que al- tera a forma tanto da propria membrana como de proteinas subjacentes a ela. As alteragées da membrana permitem a entrada ou saida seletiva de sédio, cloro, potéssio ou calcio ao dendrito, que de acordo cam sua carga elétrica mudam de maneira gradativa 0 potencial elétrico entre o seu interior e seu exterior. 0 sédio, o potassio e 0 cal- clo tém carga positiva, e sua entrada pelos den- dritos faz com que o interiar da célula nervosa fi- {que menos negative do que costuma ser (-70 ou -80 milvolts). J4 0 cloro possui carga negativa, e ‘seu ingresso na célula faz com que seu potencial de base fique mais negativo ainda do que normal- mente ¢ @ 0 afasta do limiar necessério para pro- duzie potenciais de agao. A saida de potassio, que vesces come uawena 29 6 positive, também torna a célula nervosa mais negative ‘Das interagoes com proteinas internas da célula surgem outras modificagdes bioquimicas e/ou a liberagao de calcio, contido em vesiculas do corpo celular da célula, Se de todas essas mudan- ‘gas de carga resulta uma diminuigao da diferenca formal de potencial entre o interior e 0 exterior da célula, ¢ esta diminuicao atinge um certo nivel Jimiar (-50 ou -60 milivolts), é gerado um potencial de agao, que viaja pelo axénio até sua extremida: de terminal. A entrada de sédio ou célcio, causa~ da pelas interagdes entre determinados neuro- transmissores € seus receptores aproxima a5 células ao limiar e, portanto, & possibilidade de gerar potenciais de agao: isto é, as excita, A en- trada de cloro ou a saida de potéssio afastam o neurénio do limiar, e isto reduz a possibllidade de que ocorram potenciais de agéo; isto é, a célula nervosa se inibe. “Assim, os neurénias tem tanto atividade bio- quimica (que hoje muitos chamam de “neurogul- mica"), predominantemente no setor do input, dendritos e corpo celular, como atividade predo- minantemente elétrica no axénio. As jungdes en- tre as terminagdes de axénios e os dendritos de~ ominam-se sinapses. Acredita-se que as memd~ rias de longa duracao sao guardadas na forma de slteragaes sinépticas estruturais, seja no termi- nal dos axénios, seja na superficie dendritica, que marcam 0 fato de essa sinapse ter sido ja utilize da perante certa constelacao de estimulos ov respostas. Acredita-se também que as altera- (goes sindpticas sejam sutis: a mudanga da forma u da posi¢ao de uma ou de poucas proteinas. A postulagao de qualquer alteracao sindptica camo base das memérias deve compreender 0 fato de ue, no animal vivo, as sinapses mudam constan- ttemente de posico e de lugar: 0 conjunto de neu- POnios © seus prolongamentos, que constitui a massa do tecido nervoso, é mével (Qs neurotransmissores mais importantes '880: 0 acido glutémico, que ¢ o principal neuro- transmissor excitatério (ou seja, que resulta na geracéo de potenciais de aga), o acida gam- ‘ma-amino butirico (GABA), que ¢ 0 principal neuro- transmissor inibitério (que aumenta a diferenca de potencial entre o interior e o exterior dos den- dritos e assim afasta este do limiar), a acetilcoli- fia, a noradrenalina, a dopamina e 8 serotonina, estas dltimas vinculadas cam aspectos regulado- res relacionados com os estados de énimo, emo- ‘goes, nivel de alerta e secregao hormonal, Exis- ‘tem pelo menos trés tipos de receptores diferen- ‘tes para 0 écido glutémico e outros tantos para 0 GABA; todos eles intervém na formagao e evoca- (go de memérias. Existem muitos receptores di- ferentes para os demais neurotransmissores: pperto de quinze para a serotonina, ONDE SE LOCALIZA NO CEREBRO CADA TIPO DE MEMORIA? Os diversos tipos de memoria ocupam e re- querem a atividade de muitas regides cerebrais: de maneira concatenada, i, (0 cérebro € dividido em dois hemisférios, & cada um deles apresenta grandes regides arre- dondadas e salientes chamadas lobos, todos 05 ‘quais participam da memoria. Na frente, atrés da testa, encontram-se os lobos frontais. Atras, ‘sob 05 ossos parietals, que so as “paredes” do Cranio, estéo os lobas parietais. Mais atrés, co- bertos pela regiéo posterior da cabega, chamada cipticio, encontram-se os lobos occipitais. Em ‘ambos os lados da cabega, embaixo das témpo- ras, estéo 0s labos temporais. Estes descansam sobre uma placa éssea, chamada tenda, por de- baixo da qual, um pouce acima da altura da nuce, esta o cerebelo. ‘A meméria de trabalho baseia-se, como foi dito, ne atividade orquestrada de neurénios do cortex pré-frontal, Denomina-se assim area do cortex frontal mais anterior, localizada bem em: baixo da testa. Hé um segundo sistema de memo: ria de trabalho, localizado na amidala basolateral er mais adiante), que pode ter conexéo com 0 anterior por meio do cértex entorrinal, que rece- be conexdes de e emite conexées a ambas as es- truturas. (Ao falarmos de conexdes, aqui ou em ‘outros lugares deste livro, estamos nos referindo @ axGnios que se dirigem de um grupo neuronal a outro.) Também 6 requerida, pelo menos para certos tipas de meméria de trabalho (os que en- volvem reconhecimenta da localizacao do individuo no espago, por exemplol, a intervengao do hipo- campo. A amidala (ndcleo com forma de améndoa, da qual deriva seu nome), o hipocampo e o cortex: entorrinal so estruturas do lobo temporal. A amidala e o hipocampo se encontram dentro des- ssa regio, rodeados por tados os lados de cértex. cerebral; a porgao inferior deste cértex, o assoa- lho dos lobos temporais, ¢ o c6rtex entorrinal AS ‘conexdes do cértex pré-frantal cam a amidala e 0 hipocampo s80 também fundamentalmente atra- vvés do cértex entorrinal. A amidala 6 um nicleo, u seja, uma massa relativamente compacta de eurénios, Jé 0 hipocampo ¢ uma regiao filogene- ticamente antiga do cértex, que, com a evolucao, foi deslocada para 0 interior do labo temporal ‘As memérias deciarativas sao processadas basicamente pelo hipocampo, cortex entorrinal, cortex parietal e cortex cingulade anterior & pos- terior. O cértex cingulado esta na parte medial dos hemisférios cerebrais, rodeado pela parte posterior do cértex frontal e pela parte medial dos lobos parietal e occipital. As comunicagoes: ues soon meena 33 das diversas dreas corticais entre si e com 0 hi- pocampo séo também via cértex entorrinal As memérias procedurais ou hébitos sé0 processadas, em muitos casos, inicialmente pelo hipocampo, mas logo a seguir passam a ser con- troladas pelo niiclea caudado e suas conexdes & pelo cerebelo e suas conexdes. O nucleo caudado f outro que esta a seu lado, denominado puté- ‘men, séo denominadas, em seu conjunto, corpo estriado ou striatum. Estao inervados em boa porte por exénios dopaminérgicos procedentes de ume regido relativamente distante, chamada ssubsténcia negra ou substantia nigra. Essa cone- x80 regula 0 controle fino dos mavimentos e o té- nus musculer: @ sue falha produz a sindrome ca- rracteristica da doenca de Parkinson. ‘as memérias de curta e de longa duracéo ‘880 processadas por mecanismos bioquimicos ‘em grende parte distintos e diferenciados, nas mesmas células do hipocampo, cértex entorrinal cértex parietal. Quer dizer, 0 processamento de ambos 0s tipas de meméria coincide no tem- po e no espago até o nivel celular. Como 0 conted- do sensorial, o cognitiva e o motor da memoria de curta e de longa duracéo séo rigorosamente igueis, isto era certamente de se esperar. ‘A amidala, predominantemente através de seus nicleos basal e lateral, modula as memorias mais emocionais ou aversivas ou que necessitam de um grau maior de atengao ou alerta, Isto se aplica tanto a memérias declarativas como a pro- cedures. A amidala pode modular tanto a aquisi- 94 Wn teaveroo ‘¢bo do conteido de um flme ou de um texto (me- méria declarativa) como a de um hébito sensorial ‘ou motor (meméria procedural) ‘Na evacagéo des meméries declerativas participam o hipocampo, os cértices entorrinal parietal posterior, cingulado anterior e posterior a amidala basolateral. Na evocagéo das memo rias procedurais participam o nucleo caudado © 0 cerebelo e suas conexées, mas também intervém o hipocampo. ‘As vias das emocdes, dos estados de animo do nivel de alerta (dopeminérgice, noredrenérgi- Ca, seratonérgice e colinérgica: ver mais adiante) temiter ax6nios que fazem sinapses com todas as estruturas mencionadas acima e regular a for- ‘magao e evocacao de memérias de todo tipo. Isto € feito por meio da ago moduladora dos neuro- ttransmissores respectivos sobre receptores es pecificos em cada caso, que por intermédio de mecanismos préprios de cada um deles stivam ou desetivam sistemas enzimaticos necessérios para a formagao ou evocacdo de memérias. 0 hipocampo processa informagao cogniti- va, incluindo talvez principalmente a relacionada com aspectos contextuais e espacieis. A amidala basolateral processa aspectos emocionais ou re- lacionados com o nivel de alerta das experiéncias ‘4 insights que dé0 origem a cada memoria. As di ‘vorsas areas corticais processam aspectos prd- pprios de cada meméria, sendo dificil estabelecer ‘um papel especifico para cada uma delas: porém, {8 momoria visual é obviemente processada pelo Quesroes soane woven 38 cOrtex visual, a meméria auditiva ¢ processdda pelo cértex auditivo, a meméria olfatéria pelo cér- tex olfatério, e assim por diante, Areas associati- vas das diversas regides corticais, como a parie- tal, a accipital e a temporal, participam na forma- (980 e provavelmente na evocagao dos mais diver- S05 tipos de meméria, Em suma: varias regides do cérebro partici- pam na formacao e evacaco de memérias: e, ‘como veremos mais adiante, na extingao e na re- presséo delas. Nao ha localizagao estrita no sen- tiido de que existam “memérias $6 hipocampais’ “memérias amidalinas” e "memérias estriatais' ‘Até poucos anos atrés era costume falar nisso, & ‘alguns autores ainda o fazem; mas as experién- ias dos Ultimos dez anos permitem descartar essa possibilidade. Mas, claro, hé memérias em que @ participacao do reconhecimento espacial pelo hipocampo & mais importante, assim como hhé outras cujo contetido emocional demanda uma participacao maior dos nucleos basal e lateral da ‘amidala, por exemplo. E, além disso, existe a es- pecializacao das diversas éreas corticais segun- do seu papel na percepeao sensorial POR QUE COSTUMAMOS LEMBRAR EM DETALHE FATOS MUITO ANTIGOS? Hé pelo menos trés razoes para lembrar fa- tos muita antigos em detalhe. Primeiro, ¢ que muitas vezes esses fatos antigos sd0 acompa- nhados de uma forte carga emocional e por isso so importantes para nos. Por exemplo, todos lembramos fatos e cenas importantes relativos a0 nascimento de nossos filhos ou ao nosso case- mento. Qutros lembram fatos relacionados com 0, dia de sua formatura ou de uma grande vitéria es- portiva. Todos lembramos exatamente onde e ‘com quem estévamos e que faziamos quando sou- bemos da morte de Ayrton Senna. Eu lembro mui- to bem onde estava e 0 que fazia quando ouvi pelo dio que tinham assassinado 0 presidente John Kennedy, principalmente porque na época morava nos Estados Unidos. As memérias emocionais 880 gravadas juntamente com a emogéo que as facompanha e da qual em boa parte consistem, 0 que implica que foram guardedas num momento, dp hiperatividade dos sistemas hormonais e neu- ro-humorais: secrecao periférica de adrenalina & porticbides, liberacao cerebral de noradrenalina e a (uesocs soone Mewons 37 dopamina. Em outros momentos em que ocorram essas liberacées viremos a nos lembrar, geral- mente em detalhe, dessas memérias antigas. Ao ver o cortejo flinebre de Ayrton Senna nao pude deixar de recordar o de Tancredo Neves e 0 do presidente Kennedy, que também acompanhel ‘emocionado pela televisao. ‘A segunda razéo por que nos lembramos de memérias antigas em detalhe 6 porque muitas delas sao essenciais para 0 nosso dia-a-dia e as lembramos bem porque as repetimos e usamos muitas vezes, nos mais diversos contextos. A re- petigao reforca as memérias, provavelmente re- crutando cada vez mais circuitos nervosos para reforgar o armazenamenta delas. Assim lembra- mos, até o fim de nossa vida racional, a lingua ma- terna, as principais operagdes matematicas etc. E altamente provével que conservemos versoes repetidas da mesma memoria em diversos luga- res do cérebro, a fim de garantir que essas m mérias persistam além de um traumatismo ou uma les&o. Muitas pessoas com lesdes vastas dos hemisférios cerebrais conservam relativa- mente intacta sus capacidade de recordar deter- minadas memérias importantes, embora muitas vezes numa forma algo mais primitiva da que ti- nham antes da lesao. Isto certamente sugere que, na auséncia da melhor gravacéo, 0 cérebro recorre a outras; como quando, num ato pablico, falta a versao orquestral do hino nacional e o pia nista deve improvisé-lo no teclado. A terceira razéo para a preservacdo das ‘memédrias antigas em detrimento das mais novas: se observa nas pessoas idosas. Para elas, literal- mente “qualquer tempo passado foi melhor”, ‘como disse 0 poeta espanhal Jorge Manrique. Para o idoso, ¢ preferivel lembrar-se dos tempos fem que tinha um futuro pela frente, seus amigos estavam vives e ele nao tinha artrite do que re- cordar este em que sabe que seu tempo ¢ curto, ‘muitos amigos ja morreram e suas articulagdes doem, Mais adiante trataremos disso novamen- tte, porque se trata de um tema importante, que diz respeito & compreensao da velhice e & corvi- véncia com aqueles que tém mais idade do que és. O Brasil é 0 pais onde mais cresce, ano a ‘ano, a populagao idosa; isto se deve em parte as melhores condigdes sanitérias e ao prolongamen- ‘to da expectativa de vida, que a medicina nos deu fesse ultimo século, No mundo todo, vive-se hoje trinta anos mais do que um século atras; inclusi- ve na Brasil. No referente @ qualidade dessa vida, pouco pode fazer a medicina, fora prevenir e curar doengas; a qualidade da vida esta nas maos de seus usuérios, que podem fazer com que ela seja ‘agradavel ou infernal. Compreensao, didlogo, inte- ligéncia s80 essenciais para conseguir e até me- recer uma vida com qualidade. O esquecimento daquilo que tinhamos deci- dido fazer cinco minutos atras, @ duvida sobre “onde deixei meus éculos” ou “onde estacionei 0 fearro” quase nunca tém significado patolégico e fostumam ser consequéncia das distragdes ou Cuestoes sme ween 38 da pressa cotidiana. Nao ha pressa nem distra- ‘cao neste mundo que nos faga esquecer onde es~ tévamos quando morreu Senna ou quanto é cito vvezes quatro. TEMOS A TENDENCIA A SUPRIMIR DA MEMORIA FATOS DESAGRADAVEIS? Sim. Fazeros isto por meio de dois meca- rismos diferentes. Um deles se denomina extinedo e foi descri- to pelo grande fisiologista russo Ivan Pavlov ha um século. 0 outro se denomina repressao e foi descrito pela primeira vez por Freud pouco mais tarde, ‘A extincao se deve a repetigao de um esti- mulo que alguma vez foi associado com outro de valor biolégico, sem associé-lo mais com este. Por exemplo, um cachorro pode associar 0 som de uma campainha com a comida, se ambos os estimulos séo apresentados nessa ordem varias vezes. Esse animal aprende a salivar em resposta campainha “porque” ela Ihe faz prever que logo receberd comida. Se a partir de certo momento 3 campainha passa a ser apresentada isoladamen- tte, sem comida, 0 animal deixa de salivar em res- posta a esse estimulo. Porém, a meméria ndo se perde: se deixarmos passar alguns dias sem ‘apresentar estimulo algum, a resposta de saliva- (go & campainha volta. A recuperacéo espanta- nea ¢ caracteristica da extingao. Ha inumeros exempios de extingao em nos- a vida diéria; costuma-se dizer que a maioria das memorias que temos é parcialmente extinta. Por exemplo, quando criangas, acostumamo-nos a ir todas as manhas a escola. A partir de determina- do dia, n8o vamos mais. Extinguimos 0 comporta- ‘mento, porque mudamos de escola ou porque dei- xamos de frequenté-la. Anos depois, pode ser que, caminhando por esse bairro, notemos com surpresa que nossos passos estejam indo auto- maticamente rumo a velha escola outra vez: hou- ve recuperagao esponténea de um antigo com- portamento que julgavamos perdido. Tambem a Fecuperacéo esponténea de memérias extintas faz parte de nosso dia-a-dia. Quantas vezes chi mamos determinada pessoa que conhecemos ha ouco pelo nome de alguma autra, mais importar tte para nds, que recordamos de um passado mais distante? Quantas vezes chamamos alguém pelo ttelefone usando seu numero antigo, que recorda- mos melhor do que o novo? ‘Aeextingao 6 um aprendizado novo que se su- perpée ao anterior e até certo panto o substitu E um proceso ativo que envolve fenémenos bio- quimicos hoje jé bastante conhecidos em pelo me- nos duas regides vizinhas do cérebro: 0 hipocam- Po e a amidala, ambas nos Iobos temporais, ‘Arepresséo 6 um mecanismo também ativo que usamos para reduzir ou suprimir memorias ue preferimos nao lembrar: por exemplo, acon- tecimentos desagradéveis, como a dor, a vergo: ‘nha e a humilhacao. & uma arma poderosa, mas: pode ter o inconveniente de que as memérias re- primidas, mas n8o mortas, nos tragam de forma inconsciente sensacies de mal-estar e causem respostas inadequadas e desagradaveis. Ou com- pliquem nossa vida de forma muito grave, ao in- terferir em nosso dia-a-dia de maneira imprépria. Alguém que esteve preso alguma vez pode desen- volver, sem percebé-Io, um comportamento hostil perante toda e qualquer forma de autoridade, por exemplo, Alguém que sofreu abuso sexual na fancia pode desenvolver uma aversao pelo sexo ou um comportamento sexual inadequado, excessivo ou aberrante, Muito recentemente, um grupo de pesqui- sedores estadunidenses, liderados por John Ga- brieli, descobriu que certas areas do cértex pré- frontal se encarregam da repressao, agindo de maneira inibitdria sobre 0 hipocampo, que ¢ a principal area responsével pela evocagao de me- mérias. As areas que se encarregam da repres- ‘880 esto vinculadas com algumas das envolvidas na meméria de trabalho. Arepresséo ¢ uma verdadeira arte, permite sobreviver cognitivamente a circunsténcias terri- veis ou dramaticas e tem assim um tremendo sentido fisiolégico. Seria impossivel conviver num ‘condominio se estivéssemos nos lembrando con- tinuamente das barbaridades que falou este ou faquele morador na ditima reuniéo ou do dia em que @ vizinha do 205 se atirou na piscina desde o segundo andar, & meie-naite. Seria impossivel para uma mae ter um segundo filho se leribrasse Guesoes soone wenn 43 em detalhe a dor do primeiro parto. Seria impos- sivel sair & rua se estivéssemos recordando constantemente cada uma das humilhagdes que sofremos ao longo da vida. Nenhum sobrevivente dos campos de concentragéo ou de exterminio, que se “popularizaram” tanto no mundo desde a Segunda Guerra, poderia voltar a uma vida nor- mal Aliés, parece até ter havido uma “repre: 880” ou, quem sabe, uma “extinga0” maciga da historia neste sentido. Quem pensaria que, déci das depois dos harrores nazistas, as campos de concentracao @ de exterminio seriam recriados com tanto luxo de detalhes, como os que utiliz ram os sérvios ou os préprios estadunidenses, adversérios tenazes dos nazistas pouco tempo antes? Qu os cambojanos, descendentes de uma) delicada civiizagao milenar de tolerancia e bom: senso? Mas, voltando &s neurociéncias, a repres- 880 (que em linguagem corriqueira muitos deno- minam de “negagao") tem também um lado ruim. Faz-nos ignorar coisas que, embora desagradé- veis, ¢ necessério lembrar: 0 perigo inerente ao fato de colocar os dedos na tomada, ou de atra~ vessar a rua sem alhar para os lados, ou como 10s sentimos mal naquela manha depois da ltima bebedeira, ou como foi dificil superar aquela gripe fumanda. A negagao é altamente cultivada pelos: dependentes, que a usam justamente porque so dependentes: precisam justificar sua doenga p rante si mesmos para poder continuar 8 exer- 44 ta teastr00 cé-la. Assim, o fumante dird: "a tosse nao foi eda, afinal; vou ver se pero de fumar 0 ano que om”, E 0 alcoslatra repetiré:“Bébedo, eu? Que nadal Eu bebo quando quero e pare quando quero Eu bebo cam meu diaheira,ringuém tem naca = ver com isso, e até agora néo morri nem matei hinguém ‘Aextingé0 ¢ utlizeda terepeuticamente nes doengas psiquiatricas em que o fator principal é 0 mede condicionado: fobias, angustia generaliza- da, sindrome de pénico, estresse pos-traumati 09. 0 pacionte ¢ exposto reiterada © culdadose- mente & experiéncia traumética que origina sua daenga (uma aranha, um quarto fechedo, fotos de Um asselto, fotos de exploséo das torres gémeas ete., acompanhando a exposigéo de comentarios apropriados © vendentes a desvalorizar 0 elemen- {0 causador do medo (psicoterapia Por ikimo, 0 esquecimento real costume ser piedoso com es pessoas, © muitas vezes, 20 longo da vida, perdemos as memérias piores an- tes do que a8 autres, Um indviduo de setenta ‘anos podera esquecer alguma doenca que teve, por meis grave que tenha sido, mas nao do queri- do rosto sorridente de seu neto quando 0 vis pela primeira vez, anos atrés, O esquecimento consis- te na desgravagao de meméries por pends neuro- nal ou perda de sinapses (pela idade avanads), ou pela diminuigao profunda de sua fungao por falta fe uso. € possivel que uma extingaa ou uma re- presséo muito intensas levem eo esquecimento real (uemtes sore ween 48 Considera-se que perdemos, por esqueci- mento, a maior parte de nossas memdrias; e ate- uamos, por meio da extingao e da represséo, 2 maioria das restantes. Nossa cognicao esté, portanto, composta basicamente de fragmentos de memérias, muitos dos quais sem significado algum. Pecam a qualquer pessoa que conte sua infancia, o periodo mais rico em memérias impor- tantes de toda a vida, e ela o fara em meia hora. Honestamente, por mais forga que faga, nao acharé material suficiente em seu cérebro como. para fazer um relato mais longo. Pecam ao maior médico do mundo que nos conte tudo o que sabe ‘sobre medicina, Ele o faré numa tarde ou duas: di- ficilmente encontraré assunto em seu acervo de memérias para se estender muito mais. Um grande médico que conheci anos atrés costumava dizer que toda a medicina pode se ‘comprimir em dezesseis paginas. Perguntei-the: “Toda? Ou aquela de que voce se lembra?”, Res- pondeu: “Toda @ medicina que eu lembro para mim 6 toda a medicina”. Como dizia Norberto Bobbio, somos aquilo que recordamos. Em resumo, a supressao de memérias des- necessérias ou indesejadas cumpre vérias fun- Goes fisiolégicas e necessérias para a sobrevivén- Cia. Justamente por ter um maior contetido emo- ional, as memérias desagradaveis (do medo, das humilhagées, dos enterros, dos fracassos) tém tendéncia a ser gravadas de forma mais indelével Seria muito dificil viver se tivéssemos essas me- mérias sempre & flor da pele ou na ponta da lin- 46 Ws teaver (gua. tomando conta constantemente de nossa consciéncia. E bom té-las ocultas, mas disponi- vveis em caso de necessidade: as memérias das estratégias para fugir do medo ou para situagoes: perigosas, por exemplo, cumprem uma fungéo vi- tal; sem elas viverfamos em risco permanente, POR QUE AS PESSOAS QUE SOFREM DEPRESSAO SO SE LEMBRAM. DE FATOS NEGATIVOS? Porque a doenca se chama depresséo justa- mente por isso. Na depressao ocorre a lamenté- vel situagéo comentada no parégrafo anterior, fem que estamos constantemente nos lembrando das coisas ruins, desagradaveis, incémodas ou assustadoras. Santo Agostinho dizia que as me- mérias consistem em cavernas e palicios: os de- primidos transitam pelas cavernas e nao visitam 0 palacios, ‘A depressao 6 uma das doencas psiquidtri- cas mais graves, porque, levada pelo predominio quase absolute de lembrangas ruins, 0 paciente passa logo a pensar que a vida em si é ruim, que do vale a pena ser vivida e que a unica saida real 6 co suicidio. A tendéncia da depressao nao tratada 6 2 de se suicidar: por isso sua gravidade. E al- guns suicidas acham a vida tao terrivel que ma- tam toda a familia antes de atirar na prépria tes- ‘ta ou se jogar pela janela. Na depresséo, o pacien- tte oscila entre o sentimenta de que ndo tem futu- ro e 0 de que o futuro & penoso. E importante nao confundir a doenca de- pressiva com a simples tristeza, por mais profun- da que esta possa ser. A tristeza ¢ uma reagao natural as perdas, por exemplo a morte de um ser querido, ou é ruptura de relag6es com alguém que chegamos a amar, ou & perda do emprego, ou 4 uma frustracao ou uma derrota, que néo deixam de ser perdas. Qu também as humilhagoes, tao ‘comuns na vida escolar au militar ou em certos &mbitos esportivos. Mas a depressao-doenca vai muito além da tristeza: traduz-se numa sensa- (géo de impoténcia absoluta perante os males do mundo e da impossibilidade de fazer algo a respei- to, O paciente as vezes nem sai do leito, apesar de que poder perder seu emprego e com isso prejudicar ainda mais sua sindrome. Nas criangas. © as vezes nos adolescentes, a depressao pode Ado se manifestar como tristeza aparente, senao por meio de um quadro de hiperatividade, de falsa alegria; a primeira noticia que os pais tm sobre 0 problema que tinha seu filho pode ser 0 suicidio dele. As mudancas de humor, para cima ou para baixo, podem ser sintomas de algo muito grave nas criangas e nos jovens. Na depressao, ha mul ‘tos outros sintomas além da tristeza muito pro- funda e da sensacao de impoténcia global ou de vazio. Ocarrem também alteragées no sono (para mais ou para menos), amnésia real ou percebida ‘come real etc. Sé um especialista consegue for- mular um diagnéstico certeiro de depresséo e, haja vista 2 possibiidade de suicidio, é bom que Cesrees soane woven 48 esse diagnéstico seja néo sd exato como também répido. Por isso, perante a menor suspeita de que nés mesmos ou aqueles @ quem amamos possam padecer de depresséo, ¢ importante consultar um psiquiatra, Hoje em dia, hé métodos psicote- épicos répidos para tratar a depressao e muitos: remédios efetivos.' Cando a Fungo de organises vos: ‘aloo, or snestesicos, oa entinamatenos, os antastico ‘os ansidepresahs so alguns examples. As droges podem trtdepressieos vos anvbitons no produzem deperdéncia rem eniréncia Tod droga, ena verdade todas as substancias, ie ongem natural ou da orgem sinetion, ter uma fermula "A formula da agua 8 H,0. 9 formula do scoot ¢ Bitroron, a trmua do agicer€ 630. essim por dents ‘termula¢ a mesma se 9 8gus or extra de um lage, de um fro, de ua vrtente ou produzéaarsfoalmence, ae 1001 for pradutda por sicaso, por extrag de alum praduto vege tal por fermeneagdo au por destlagsa. A palzra substance fuer der compaste qumce, na verde, der “subatdncis ‘ulmices" ¢ uma resunadnoi, porque todas as eubstécies 80 fumicas [Na depress fo ocorre une amaésiabastanta generatzade, que ‘tase pancilmence os momérias boas. A dopressio em a 68 ‘alot causa oe eres na populagio coro um todo, Porém, 50 hy tzouenao Voltando ao tema da depresséo: ¢ milhdes de vezes mais provavel morrer de uma depresséo do que de um remédio ou droga antidepressiva, = nuroguimicas de doengs depressive (una fisfunego das snapses aerczoninérgicos, dopemsnargias & no Fadrerérices do cerebral com mals scsasiwa a9 mamdriae fe fotos desagradaves ou rans. Nao @ aconasiee traear 0 {uosro emnesica ds pocenter sepressho independentarnay. edo doonca, porque, so az, pademos subeamente restivar ‘lguna meméria rum nao muta'bam reprinida com sso do Ssencadesr a sucila. A emia dos deprmdos Mahara soe oucos junco com otratamentageral da deena (pstoterspa © lntiepressios). de al maneia que ccorre sue resuperagto Jcamente com ado esto dos seomas, A MEMORIA TEM LIMITES OU SUA CAPACIDADE E ILIMITADA? O cérebro humano tem cem bilhdes de neu- POnios, e boa parte deles 6 capaz de formar, ar- mazenar e evacar memérias. Em principio, a "ca- pacidade instalada” é enorme. Cada neurénio faz sinapse com milhares de outros. Mas nem todos: 5 neurénios fazem memérias, muitos deles inclu- sive inibem a formagao ou evocacao de memérias, eum ndmero muito grande de neurénios, incluin- do 0s do hipocampo e de varias regiées corticais (pré-frontal, frontal, temporal, parietall, que se especializam justamente na formagao e evocagao de memérias, est constantemente submetido ‘0s efeitos moduladores de vias nervosas vincula- das com o nivel de alerta, com as emogoes, os: sentimentos e os estados de nimo (ver p, 26-30 ep. 98-39) Por outro lado, a formagao e a evocagao das memérias requerem, nessas estruturas mencio- nadas no paragrafo anterior, a atividade de nume- rosas vias metabdlicas, que exigem 0 maximo di cada uma de suas enzimas e, no caso da form: G80 de memérias, expressao génica e sintese de proteinas. 82 tw woven ‘Tudo isto limita, em cada momento da vida, a quantidade maxima de memérias que um sujeito Pode processar. Célculos feitos recentemente Por pesquisadores noruegueses estabeleceram Que na formagao de um certo tipo de meméria es- Pacial, no rato, utilizam-se 40% das células do hi- Pocampo e, na evocagao dessa mesma meméria, 60%. Obviamente, essa estrutura, que é a princi- al para o processamento de memérias espacia- 's, no poderd se envolver muito nem na aquisicgo nem na lembranga de outras memérias enquanto estiver ocupada com aquela meméria espacial Em suma: 0 hipocampo, assim como certamente ‘outras regiées do cortex com as quais mantém. relagdes reciproces, @ saturdvel no referente & formagao e a evacagéo de memérias. E evidente ue esse fato justifica fisiologicamente a existén- cia de mecanismos supressores de memoria, ‘como a extingao e talvez também a represséo. A saturagao dos sistemas de meméries sente-se quase fisicamente quando assistimos a uma jornada escolar ou @ um congresso cientifi- 60. Depois de ouvir com atengo 45 ou 80 minu- tos de aula, notamos que “nao entra mais nada em nossa cabeca" e precisamos sair da sala por alguns minutos para permitir que haja um reset no sistema. Por isso existem, hé séculos, os re- Greios escolares. Por isso os filmes, as pecas de teatro e os espetaculos esportivos oferecem in- tervalos apés certo nimero de minutos: e por isso nunca lemos um livro de uma sé “sentada” fazemos um pequeno intervalo de vez em quando ‘QuesGes soon weMORA 8 Para desviar a vista do texto, olhar ao longe, ‘quem sabe beber um copo d’agua ou um café, e sé depois continuan Jorge Luis Borges, num conto extraordind- io chamado Funes, 0 memorioso, descreve um Personagem que tinha meméria perfeita e que, Portanto, podia lembrar um dia inteiro de sua vide ‘até o minimo detalhe. S6 que para fazé-lo precisa- vva de outro dia inteiro de sua vida até o Ultimo se- undo; o que é, obviamente, uma impossibilidade. ‘Além disso, Borges disse suspeitar que Funes nao fosse realmente capaz de pensar, pois para Pensar necessério poder esquecer, a fim de po- der fazer generalizagdes. Evidentemente, sem Generalizagées nao ha pensamento possivel. Se Penséssemos que todas as coisas sao diferen- tes, ou que todas as pessoas ou drvores séo dife- entes, nao haveria pensamento possivel. Nao po- deriamos comparar nada com nada. A MEMORIA E SELETIVA? ELA ESCOLHE O QUE GUARDAR E O QUE DESCARTAR? ‘A meméria @ muito seletiva e escolhe com bastante precisao 0 que guardar e o que descar- tar. O cérebro possui um sistema de filtros para isso, localizados no cértex pré-frontal (que se en- contra no extremo anterior do cértex frontal, e suas conexdes com outras regiées do cértex (pa- rietal, hipocampo). Essa drea cerebral analisa ‘online tudo 0 que recebemios por meio dos senti- dos, consulta rapidamente as demais éreas para verificar se ja existe um registro ou nao e, no caso de que aquilo que percebemos seja novo, dé tum sinal para que essas outras estruturas cere- brais guardem ou nao a informagéo correspon- dente na forma de meméria. A regiao do cértex pré-frontal que processa a informacéo ondine & ‘chamada por alguns de “gerente geral de infor- magées" ou “sistema gerenciador do cérebro’, Seu nome mais habitual 6 meménia de trabalho ou ‘meméria operacional. Nao guarda informacdes, ‘come fazem as areas que se dedicam @ memérias dde maior duragao. A meméria de trabalho canser- va e processa as informacSes que constantemen- te recebe durante poucas segundos, no maximo uestes some Mewona 58 dois ou trés minutos. Um exemplo tipico de me- méria de trabalho ¢ a terceira palavra da frase anterior, que foi guardada 66 o tempo suficiente para poder dar sentido a essa frase e as seguin- tes, mas que a essa altura jé foi perdida para ‘sempre; tanto por vocé ao Ié-la como por mim ao, escrevé-la, Outro exemplo tipico é o numero tele- fonico que a gente pergunta a um colega e 0 con- serva 6 até discé-lo, depois do que o perdemas. ‘A meméria de trabalho funciona, na verdade, nao ‘86 arrline, senao por alguns segundos, raras ve- es minutos, além de ocorrido 0 fato ou 0 episédio que esta analisando. Porém, uma vez guardadas as informagoes pertinentes a cada meméria, o cérebro pode deci- dir que elementos de cada uma convém guardar, quais ¢ melhor extinguir e quais é melhor esque- cer. Ao fazé-lo, 0 cérebro determina quanto do contetida de cada meméris queremos ou podemos ‘guerdar, e, por dltimo, se vale a pena guardé-lo tal como ¢ ou se vale a pena reprimir sua evoca- ‘go ou mudar seu conteudo. Esse processamen- to posterior das memérias jé guardadas pode mudar toda a nossa vida, Por exemplo, se sé conservarmos dados parciais sobre algum tema qualquer ou sobre uma determinada habilidade (tocar piano, por exem- plo), pademos nos ver impossibilitados de ou se- riamente prejudicados em decidir qualquer agao referente a esse tema, au, no caso do piano, po- demos nos ver até impossibilitados de executar uma pega musical que “temos na cabega, mas jé ha tzaseno0| os dedos nao respondem direito”, 0 esquecimen- to ou a extingdo se interpoem entre nossa vanta- de e a evocagéo. 0 mesmo pade ser dito em ter- mos quantitativos: podemos lembrar uma lingua estrangeira, por exemplo, s6 em parte; poder evocé-la a ponto de ler um texta ou manter uma conversa nessa lingua dependeré de quanto nos lembramos. Muitas vezes, isso nao se deve ao es- quecimento real, senao a que a meméria em ques- tao esta armazenada de uma maneira pouco ‘acessivel. Eu, por exemplo, sabia bastante ale- mao quando tinha trés ou quatro anos de idade, porque falava nessa lingua com meu avo. Pela fal- ta de prética, meu acesso a lingua alema ficou di- minuido, e hoje em dia, se alguém se dirige a mim em alemao, tenho enorme dificuldade em enten- dé-lo e muito mais ainda em responder, Porém, se fico na Alemanha durante alguns dias, geralmente meu conhecimento da lingua "retorna” em parte (minha meméria dela fica mais acessivel) e meu desempenho como interlocutor melhora bastar te. O fenémeno é puramente operacional: no meu Fetorno ao Brasil, volto a “ficar” semni-analfabeto ‘em alemao em poucas horas. Dicas apropriadas padem tornar mais aces- sivel a evocago de memérias durante um carco tempo. Por exempio, ao ouvir certa melodia anti- {g2, podemos nao lembrar a letra por falta de pré- tica. Mas se porventura alguém nos diz, ou le- ‘mos, as primeiras palavras da letra, pode ser que venha & tona boa parte do resto. O mesmo acon- tece com rostos, nomes, textos, conhecimentos. vesrees some uovene 87 Coma foi mencionado, é possivel extinguir ou reprimin memérias de maneira téo intensa que estas, na pratica, desaparecem do repertorio ha- bitual, como se de fato estivessem esquecidas. Mas nao esto; sempre ha maneiras de trazé-las novamente & tona, Por ultima, existe a falsificagao das mem6- rias. E muito mais freqiente do que se pensa, & muitas coisas que pensamos recordar costumam, ser verdadeiras s6 em parte ou ser totalmente falsas. Enquanta “dormem’ no cérebro, as me- mérias sofrem misturas, combinagdes e recombi- ages, até o ponto em que o que lembramos nao 6 mais verdadeiro. Isto ¢ particularmente visivel nos idosos e nas criangas, em que a imaginagéo, 0 esquecimento parcial, os sonhos e as emogbes: recombinam fragmentos de memérias de um: mada complexo. Minha mae, por exemplo, jé ido- sa, costumava confundir coisas da meu passado com as de um irméo dela cujo temperamento era semelhante ao meu. As criangas costumam. ‘acrescentar episédios vistos num filme &s memd- rias da vida real, incluindo, muitas vezes, detalhes referentes aquilo que gostariam que tivesse acontecido: “meu pai uma vez matou um tigre”. por exemplo. VERDADE QUE AS PESSOAS QUE PASSAM POR UMA AMNESIA ESQUECEM FATOS, ATE 0 PROPRIO NOME QU 0 ENDEREGO, MAS NAO DE PROCEDIMENTOS COMO ANDAR DE BICICLETA OU TOCAR PIANO? Depende do tipo de amnésia. A maioria dos casos de amnésia glabal no ser humano é secundaria a traumas psiquicos in- tensos, que séo acompanhados muitas vezes de uma diminuigéo da irrigagao sanguinea dos labos temporais, 0 que pode durar horas ou até algu- mas semanas, deixando, neste Ultimo caso, algu- mas sequels. Isto foi descoberta hé poucos anos: pelo pesquisador alemao Hans Markowitsch. Até que ele descrevesse a base organica da amnésia ‘come trauma psiquico, muitos médicos e @ maic- ria dos policiais tinham forte tendéncia a acredi- tar que esses casos eram produtos de invencioni- ce, de simulacéo, Em outros casos, hé perdas grandes de me- méria e que abrangem longos periados da vida, devido a lesdes neurolégicas dessas estruturas, ou acidentes cerebrovasculares, ou tumores. Por Ultimo, traumatismos cranianos com comprometimento dos lobos temporais podem’ causar edema localizado nestes e, em conse- uéncia, compressao de suas éreas nobres. Nes- tes dltimos casos, a amnésia pode ser muito in- tensa, mas diminui com o passar do tempo & me- dida que desaparece o edema (“amnésia global transitéria") O lobo temporal, inciuindo nele o hipocampo, 2 amidala e 0 cértex entorrinal, encarrega-se de formar e evacar as memérias chamadas “declara- tivas”, que envolvem fatos, eventos e conheci- mentos. Entre eles, 0 nome e 0 domicilio, por exemplo, As memérias de procedimentos senso- riais e/ou mecdnicos (escrever a maquina, tocar piano etc.) se formam e se evocam utilizando ou- tras regies cerebrais: 0 striatum ou corpo es- triado, localizado no centro do cérebro, e 0 cere- belo. Se a sindrome amnésica 6 causada por alte- ragées localizadas no lobo temporal, serao afeta- das as memérias declarativas: poderemos nao nos lembrar de nomes, rostos, eventos, concel- tos, conhecimentos. Um traumatismo craniano com perda de consciéncia (um nocaute numa luta de boxe, por exemplo) interrompe o pracesso de formagao de todas as memorias que estejam sendo formadas esse momento e elas nao se gravam. O individuo literalmente perde alguns segundos ou minutos de sua vida: seré como se nunca as tivesse vivido, Isto ocorre muito habitualmente nos acidentes automobilisticos. Quando finalmente acorda, o motorista do carro que bateu de frente contra uma parede pergunta: “Onde estou? Que é isto? ‘Como cheguei aqui?”. Realmente nao consegue se lembrar porque os segundos ou minutos prévios & bbatida néo foram registrados em sua meméria. Realmente nao sabe onde esté nem como bateu porque, na hara em que estava gravando essas informagGes, as éreas formadoras de meméria de ‘seu cérebro pararam. Como apés um traumatis- ‘mo craniano cam “amnésia retrégrada” (esqueci ‘mento do que ocorreu justamente antes do trau- ma} costuma haver algum grau de edema no lobo temporal, nas primeiras horas 0 trecho esqueci- do 6 maior (pode abranger varias horas): a medida {ue o tempo passa e o edema cede, ficarao perdi dos definitivamente, por falta de gravagao, ape: nas o momento da batida e os imediatamente an- teriores, ‘Algo semelhante se observa no “apagamen- to” dos alcodlicos e se deve as mesmas causas: edema localizado nas regides “nobres” do cére- bro, encarregadas da vida cognitiva. Costurmamos chamar de amnésia sé a perda de memérias deciarativas; porém, de um ponto de vista médico, a perda das memérias procedurais também constitui amnésia. Observa-se tal perda em pacientes com lesoes do nécleo caudato e/ou do cerebelo COMO SE EXPLICAM OS CASOS SUBITOS DE AMNESIA TOTAL? Esses casos so muito raros: por isso mes- mo @ que, quando acontecem, sao noticia. Na maioria deles trata-se de simulagao ou fingimen- to, Em alguns casos, trata-se de reprasséo de al- guma memeéria particularmente traumatica: um turista sul-americano que estava visitando uma das torres gémeas de Nova York na hora do ata que de 11 de setembro fol inicialmente dado como desaparecido. Apareceu dias depois ileso, cami- nhando sem rumo na outra ponta da ilha de Ma- nhattan: nao se lembrava de onde tinha estado no momento do ataque, nem sequer por que tinha vindo aos Estados Unidos. Sabia, isto sim, que estava em Manhattan, porque conhecia bem a ci- dade e sabia reconhecer as ruas. Quando exposto 8 algumes sessoes de psicoterapia, conseguiu lembrar em detalhe seus passos do dia anterior, até quando subiu pelo elevador, do estrépito e de sua descida atropelada pelas escadas abaixo e depois pela rua afora. A recordacao do episédio foi iniciaimente traumatica, mas depois, com a repe~ tiigdo, foi perdendo valor emocional (extingaol. Em outros casos (a minoria), a amnésia re- pentina se deve a eventos de ordem emacional ‘muito intensa, que, como fai mencionado, costu- mam ser acompanhados por uma hipoirrigagao sanguinea dos lobos temporais. Raras vezes, @ ‘amnésia por trauma psiquico ¢ absolutamente global; o individuo consegue recordar o name e os dados pessoais. As causas fisiolégicas dessa hi- poirrigagao cerebral localizada nao sao conheci- das. Em vista do que hoje sabemos sobre a re- pressao e sua persisténcia durante longas perio- dos. @ possivel pensar que se trata de uma inibi- {980 prolongada do hipocampo e regides vizinhas, causada por uma ativagao muito intensa do cér- ‘tex pré-frontal. Os episédios desse tipo sao tran- sitérios e trataveis por psicoterapia, nem sem- pre visando @ recuperagao das memérias traumé- ticas, sendo das outras (nome, enderego, familia, profisséo) que a sujeito declara como perdidas, O QUE E 0 ESTRESSE POS-TRAUMATICO? Muitas vezes, eventas profundamente trau- maticos, como os relatados acima, ou outros de muito maior duragao (a priséo, @ permanéncia tum campo de concentracao, uma guerra) cau- ‘sam uma sindrome particularmente penosa, que consiste na recordagao reiterada e detalhada do evento em si (flashbacks). Das doencas devidas 8 ‘aquisic&o de meda condicionado (sindrome de pé- nico, fobias, muitos casos de angustia ou ansie- dade generalizada), esta é a mais traumatica e pode levar ao suicidio O estresse pés-traumstico se deve a uma falta de extingéo, e trata-se justamente median- te @ extincao. O paciente é exposto repetidamen- te acenas ou a recordagées orais do evento trau- matico, assistido por um psicoterapeuta que se encarrega de desvalorizar esse evento na medida do possivel, pelo menos em relagao a falta de peri- g0 real e futuro que a recordagao desse evento ossa significar. Por exemplo, a um individuo que esteve presente em Nova York no dia 11 de se- tembro de 2001 0 terapeuta apresenta imagens do atentado com cuidado, conversando com 0 pa- ciente e explicando que ele sobreviveu; que isso nao esté acontecendo agora; que as probabilida- des de que acontega de novo e de que ele esteja presente navamente sao nulas etc. Sem negar os fatos, 0 terepeuta procura desvalorizé-los até que sua lembranga possa ser administrada pelo sujeito e, aos poucos, extinta. Esse tipo de trate- mento foi introduzido na psiquiatria e na psicolo- gia modernas por Freud na década de 1920 para as fobias e, com leves variantes relacionadas com 0 tipo de meméria a ser extinta em cada caso, 6 aplicado hoje com sucesso nas demais reagées patolégicas (excessivas) ao medo aprendido; in- clusive e fundamentalmente no estresse pés- ‘traumatico. Os maiores progressos feitos nos Ul- timos tempos com as terapias baseadas na ex- ttincéo foram realizados na Turquia, aplicando-as a sobreviventes dos graves terremotos ocorridos naquele pais em anos recentes. Essa terapia nao pode nem deve ser utiliza- da por leigos, porque o perigo de produzir 0 efeito contrério (reaquisicao em vez de extineao) é gran- de e pode ter consequéncias funestas. A desvalo- rizagao das lembrangas, textos e imagens que in- duziram 0 mado no paciente portador dessa sin- drome deve ser progressiva, cuidadosa e medida ‘com cautela; os profissionais da area da sade mental s80 especificamente treinados para isso. CO ESTRESSE DO DIA-A-DIA AFETA A MEMORIA? Sim, e em diversas formas. Estamos sub- metidos constantemente 2 um auténtico bom- bardeio de informacdes, muitas das quais nao nos dizem respeito, mas a todas devemos prestar tengo, porque nao fazé-lo poderia ser até peri- goso! 0 cartaz que nos manda dobrar & dineita Pode estar no meio de outros cartazes e deve- mos distingui-lo destes para nao bater. Nossa memoria aperacional ou de trabalho encarrega-se normalmente de distinguir entre 0 joio e a trigo, de discriminar, entre as numerosas: mensagens que nos chegam constantemente desde 0 meio que nos rodeia, quais sao aquelas ‘que merecem ser incorporadas a nosso acervo de memorias e/ou as quais vale a pena reagir e quais: 880 as informagdes que podemos descartar. A capacidade da meméria de trabalho dificil mente é superada pela massa de informagées que recebemos. por mais incrivel que isto possa pare- cer. Mas nossa atengao pode ser distraida pelo excesso de informacdes, @ nosso grau de ani dade ou estresse também pode ser alterado, — 86 ts teosenco Como a atencao, que depende de nossa capacide- de perceptiva e de nosso nivel de alerta, incide so- bre a meméria de trabalho, pode acontecer que esta acabe falhando por falt'a de atencéo. por dis- ‘tragao ou por um efeito indireto da ansiedade ou do estresse. Falhas da memdria de trabalho s8o habi- tuais nas pessoas que sofrem da sindrame de dé- ficit de atengéo. O excesso de informacao, uma vez percebido por nosso cérebro, pade ocasionar um nivel de ansiedade ou até de estresse que, 80 ‘gir sobre as vias moduladoras cenebrais (da do- pamina, da noradrenalina etc.), pode estimulé-las fm excesso e com isso inibir a capacidade funcio- nal da meméria de trabalho. Qu agir indiretamen- te sobre 0 cérebro, por meio da liberacao exces- siva de corticdides pelas gléndulas supra-renais: 0s cortiodides agem diretamente sobre certas estruturas cerebrais (hipocampol e indiretamen- te sobre outras (amidala), impedindo seu funcio- namento normal. A hipersecregao prolongeda de corticides (semanas, meses), como acontece na guerra, nas prisdes e nas atividades muito trau- maticas (0 Cuidado de pacientes demenciados, or exemplo; ver mais adiante), constitui uma sit drome de estresse crénico e pade ser acompa- nhada de morte celular no hipacampo, causada pelos cortictides. A depresséo é acompanhada ‘também de niveis sanguineos elevados de corti- cbides, e as vezes também de perda de células hi pocampeis, causada por eles, (usrces soone waxing 07 Em dois livros meus recentes, ambos edit dos pela Editora Unisinos (“Tempo de viver” (20021 e “Siléncio, por favor” (20031), este tema é analisado de forma detalhads, QUAIS AS DOENGAS QUE MAIS AFETAM A MEMORIA? Como vimos, a aquisigao e a evocacéo da meméria s80 fortemente moduladas pelos siste- mas que registram e respondem as emogées e ‘aos estados de anima: as vias dopaminérgicas, noradrenérgicas, serotoninérgicas e colinérgicas do cérebra, Estas vias fazem sinapse com as cé- lulas do hipocampo, cortex entorrinal, amidala outras regiées cerebrais nas quais as memérias so feitas, armazenadas e evocadas. Portanto, é evidente que todas as doengas que so acompanhadas de alteracdes emocionais (ansiedade, estresse, a maioria das doencas do- lorosas e/ou crénicas) ou dos estados de animo (mania ou hiperexcitacao, depresséo e doenca bipoler) podem, em principio, alterar a meméria. De todas esas, a ansiedade pronunciads ou o es- tresse e, principalmente, a depresséo séo as mais prejudiciais. Os efeitos da ansiedade pro- nunciada e do estresse foram considerados aci- ma; ambos podem prejudicar tanto a aquisicao coma @ evocagio, ocasionando, neste ultimo caso, os conhecidos "brancos” dos atores na pal- co ou dos alunos no vestibular. Acredita-se que nesses “brancos” da evocagao desempenham um. uesocs Some Monon 6 papel-chave os corticdides secretados. pelas gléndulas supra-renais, agindo indiretamente so- bre os nicleos da amidala e, em parte, no hipo- campo. O efeito da depress8o & mais complexo e, ara muitos, um certo grau de amnésia faz parte do quadro depressivo. Os pacientes se queixam de sua incapacidade de gravar fatos novos ou de lembrar dos preexistentes. Muitas vezes, isso é ‘86 aparente e decorre do desénimo e pessimismo préprios da doenga depressiva; mas, na maioria dos casos, o déficit 6 real. A amnésia da doenga depressiva se observa predominantemente para 0s fatos e memérias de indole agradvel; 0 sujeito ‘se lembra muito mais das desgracas, fracassos, doengas e humilhagées. (E importante salientar ‘aqui que a doenga depressiva nao deve ser con- fundida com a simples tristeza; € muito mais pro- funda e nao ¢ rapidamente passageira como esta Ultima. E acompanhada de uma série de sinto- mas, tais como alteracdes no sono e hipersecre- {380 de cortictides supra-renais. A tristeza pela morte de um ser querido ou pela derrota do time do coragao costuma durar menos de dois meses; um ataque de depressao-doenga dura isso ou mais. A tristeza ¢ curada com uma alegria; a de- presséo néo. A depresséo conduz idéias suici- das, que 0 paciente muitas vezes cumpre: eis al ‘Seu perigo principal, que faz com que quem pade- ga dela deve consultar um médico psiquiatra. 0 tratamento envolve remédios antidepressivos, dos quais existe hoje uma grande variedade, e to- dos sao bons, Remédio s6 pode ser receitado por 70° wn teovesoo médicos. A psicoterapia da depressao, que deve ser praticada em todos os casos, pode ser feita or psiquiatras ou psicdlogos. Ambas devem ser aralelas: a psicaterapia e a medicacao. Ambas 880 estritamente necessérias; uma nao substitul a outra.) ‘Mencionamos que toda doenca crénica, in- clusive uma internacao por traumatismos ou uma tuberculose, afeta a meméria em algum grau; isto se deve a que essas doengas s8o acompa- nhadas de um quadro psicolégico de ansiedade e de depressao Mas ha doengas orgénicas do cérebro que também causam amnésia secundéria a intoxica- (90es ou lesdes das éreas cerebrais que fazem ou evocam memérias. As intoxicacées {pelo alcool, pela cola de sapateiro, pela maconha, cocaina, an- fetaminas, heroina ou ectasy) deprimem brutal- mente @ meméria de forma aguda e podem causar danos permanentes se reiteradas e/ou muito in- tensas. A mais prevalente das intoxicagdes que afetam a meméria é devida ao dicool. Em doses elevadas, num individuo com antecedentes alcoé- licos, produz os “apagamentos” em que o sujeito esquece o que fez durante a bebedeira, Ocasio- nalmente, essa memoria pode reaparecer, geral- mente distorcida, quando 0 sujeito volta a se in- toxicar com a mesma substéncia, O uso crénica e excessivo do alcool (alcoolismo) pode causar, ao longo de muitos meses ou anos, um quadro de amnésia profunda e déficit cognitive geral, deno- minado deméncia, CQuesroes soane evens 71 Hé muitos tipos de demencia, sendo @ alco6- lica uma das poucas que apresenta certo grau de reversibilidade, assim como as devidas a0 uso crénico de maconha ou cocaina. As deméncias néo-tOxicas so numericamente mais importan- tes e nao sao reversiveis, ‘A mais importante é @ que acompanha a do- enca de Alzheimer, um quadro de origem metabd- lica, cuja prevaléncia aumenta coma idade. Ha, na verdade, dois grandes tipos de doenca de Alzhel- ‘mer: uma que se inicia entre os 45 e os 56 anos, ue € mais répida, mais grave, e que tem um forte ‘componente hereditério. O outro tipo, o mais fre- qUente e mais insidioso, incide a partir dos 60 ‘anos e atinge dois ou trés por cento da populagao de 70 © 25-50% da populagao acima dos 85 anos de idade. As lesdes que acompanham essa doen- ga esto inicialmente localizadas no cértex entor- Final, no hipacampo e no nucleo da amidala, Com 0 passar dos anos, as lesées se disseminam pelo cortex e ocasionalmente atingem outros nécleos. sintoma primordial é a perda de memoria. Mui tas vezes, isto vem junto com alguma alteragao do animo e com irritabilidade, em parte de forma inconsciente: 0 individuo percebe que "ja nao ¢ 0 mesmo de antes” endo vé como evité-lo. O deficit de meméria vai se agravando, e 0 individuo, a par- tir de certo momento, no consegue mais desem- penhar nenhuma fungao, nem sequer comer ou trocar de roupa, no final nem mesmo falar, sem ajuda, Hé outras deméncias, cujo diagnéstico dife- rencial com a doenga de Alzheimer as vezes dif cil: @ causada por microinfartos (entupimentos Miltiplos e focais de vasos sanguineos), que é co- mum em pacientes com aterasclerose e, muitas vezes, se soma & doenga de Alzheimer e a compli ca: a deméncia terminal da AIDS, a de Creutzfeld- Jakob (que ¢ @ forma humana da doenca da “vaca louca") e muitas deméncias secundarias a trans- tornos metabolicos pontuais (a de Pick, a de Tay- Sachs etc.) ‘Tratar um paciente demente é penoso. Nao hé remédios satisfatdrios, j& que as doencas de- generetivas seguem seu curso progressive inde- Pendentemente dos remédios até agora disponi- veis, e nenhum destes ¢ efetivo além de um prazo de poucas semanas, nem ataca 0 problema mole- cular a fundo. Os pacientes comportam-se de maneira continuamente inconveniente e desagra- dével, € todos os demais membros da familia ou ‘amigos que nao cuidam dele criticam de modo in- Cessante tudo © que possam fazer aqueles que 0 ‘cuidam. Para quem é familiar ou amigo préximo de um paciente demenciado, é bom recordar que traté-los @ dificil; mas padecer a doenga é bem pion. Entre as atividades consideradas estres- santes € que em muitos paises obrigam os em- pregadores a concederem licengas mais prolon- gadas © aposentadorias com menor tempo de servigo, estao a docéncia em estabelecimentos de ensino primérios e secundérios e o cuidado hospitalar ou a domictlio de pacientes geriatricos: ‘com deméncias, E VERDADE QUE A DOENGA DE ALZHEIMER AFETA MENOS PESSOAS MAIS. INTELECTUALIZADAS? E verdade. Isso se deve a dois fatores. 0 pri- meiro @ que as pessoas mais intelectualizadss costumam ter uma meméria muito mais rica do que @s pessoas mais ignorantes. O segundo é que essa meméria mais rica se deve ao fato de que foi mais exercitada ao longo dos anos e, portanto, mais resistente as perdas. A meméria é um dos melhores exemplos do ditado "a fungao faz o dr. 980". Assim como um atieta leva anos para cult var uma boa forma fisica, porque poe seus miscu- {os em préitica continuadamente e com isso os for- talece e expande, uma pessoa que Ié muito e estu- da muito “lubrifica” seguidamente e faz literalmen- te crescer os sistemas neuranais, que se encar- regam de analisar, formar, guardar © evocar as 'memeérias de tudo o que se aprende e estuda, Ha hoje muitos estudos demonstrando cla- Famente uma menor incidéncia e menor gravidade da doenga de Alzheimer entre pessoas com nivel universitério ou superior do que entre pessoas Com pouca ou nenhuma escolaridade, O melhor es. ‘tude que conheco foi feito por neurologistas, ps uiatras e psicdiogos do Hospital Francés de Bue 76 Wi ara nos Aires, Como em outras capitais mundiais, em Buenos Aires cada hospital grande tem a seu en- cargo um setor determinado da cidade. No setor de cuja satide se encarrega o Hospital Francés hé pessoas das mais diversas classes socioeconémi- ‘cas e niveis de instrugao. Ha os que sempre foram pabres e nunca foram a escola alguma, hé os diplo- mados universitérios com pés-graduagéo, desem- pregados pelas sucessivas crises econdmicas, ha 1s ignorantes ricos e hd a classe média empobre- cida e enriquecida, com nivel de instrugéo variével. A incidéncia e a gravidade relativa da doenca de Alzheimer sao muitas vezes menores nas pessoas ‘com nivel universitério, sejam ricos ou pabres, do que entre as pessoas de menos instrugao, inde- pendentemente de suas posses. Um médico do Hospital Francés me explicou © fendmeno de maneira simples: “A doenca de Alzheimer envolve a perda diaria de um certo ni mero de neurénios. Pensa agora em délares. no ‘em neurénios. Imagina duas pessoas que pade- cem uma doenca por causa da qual perdem cinco mil délares por dia, por alguma razéo qualquer. Uma dessas duas pessoas possui, no inicio, cinco milhées de délares, e a outra sé cinco mil O pri- meiro desses individuos levaré dias, semanas, meses talvez, até que ele ou alguém de sua familia sequer perceba a perda. O outro nao: perde tudo no primeira dia e fica instantaneamente miseré- vel". Assim 6 @ doenca de Alzheimer: aquele que tem muitas memérias guardadas pode se dar 20 luxo de perder algumas e aquele que pouco apren- deu durante a vida tern poucas coisas de que pos- esoes some woven 78 sa se lembrar e, quando perde essas coisas, per- de tudo. ‘A mesma analogia e 0 mesmo raciocinio po- dem ser aplicados as outras formas de deméncia: a causada pelo uso reiterado e excessivo de élcoal ou outras drogas, as deméncias causadas por motivos cardiovasculares (entupimento arterial cerebral localizadol, as devidas @ outras doengas metabdlicas (Pick, Creutzfeld-Jakob etc.) Por mativas descanhecidos, popularizou-se no Brasil a palavra "esclerose” para designar as deméncias ("Fulano esta esclerosado”). Nao exis- te essa tal de "esclerose”. A palavra significa en- durecimento; 0 cérebro dos portadores de de- méncias fica, pelo contrério, mais mole que o nor- mal, Existe, sim, a doenca cardiovascular chama- da aterosclerose (néo “arteriosclerose"), na qual corre entupimento de artérias e arteriolas por placas de “ateromas", nome dado a massas de colesterol e outras gorduras que se acumulam dentro delas e impedem o trénsito do sangue. Como vimos, isso pode causar disfuncéo de re- ides irrigadas por esses vasos sanguineos & assim reduzir a fungao dessas regides, compli cando ou até gerando sintomas de deméncia. Até poucos anos atras pensava-se que as demén- clas causadas exclusivamente por problemas de circulagaa cerebral (microinfartos etc.) eram a maioria, Hoje se sabe que nao; a maioria das de- mancias & devida a doencas degenerativas, pri- mordialmente a de Alzheimer, e os microinfartos “derrames” sao fatores agravantes e complica dores. ALGUM REMEDIO AJUDA A PRESERVAR OU A ESTIMULAR A MEMORIA? E 0 GINGKO BILOBA? Que eu saiba, especificamente nao; nem se- quer © Gingko Biloba, Sobre este iltimo ha expe- riéncias recentes, conduzidas em ambientes bern Controlados e tomando todos os cuidados neces- sérios para distinguir um efeito real de um “efeito placebo" (aquele causado pelo veiculo do remédio ‘endo pelo remédio em si, ao qual o usuério etribui propriedades curativas ou terapéuticas). Esses festudos demonstram que 0 Gingko Biloba, nas mais diversas formas de preparo © administra- ‘980, néo afeta 2 memoria em nenhuma das espé- ies animais em que foi testado. O mesmo pode ser dito de outros “remédias" de uso popular e nao fundamentados em nenhuma observagéo mé- dico-cientifica confidvel: as diversas preparacdes: dde quarand, por exemplo, Seu efeito passegeiro é uma simples e médica excitagao geral, atribuivel 8 semelhanga de seu(s) principio(s) ativo(s) com @ ceafeina Mas 0 mesmo pode ser dito de muitos ou- tros remédios vendides nas farmécias ¢ aos quais 2 propaganda atribui efeitos favoréveis sobre 8 Quesoes sone wewona 77 meméria. Esses remédios costumam néo ter efeito ou té-lo em proporgao tao escassa que néo vale @ pena compré-los, Hé drogas que so utilizadas para melhorar ‘a meméria na doenga de Alzheimer em suas fa- ses leves a maderadas. O efeito pequeno e fu- gaz, quando detectavel. Sao a tacrina, a fenseri na, 0 donepezil, a rivastigmina e a galantamina, Todas elas tém efeitos secundérios. De modo ex- perimental, utiliza-se também uma série de com- postos denominados ampaquinas, de efeito tam- bém muito levee fugaz, se nao inexistente; tém, ‘a0 menos, a vantagem de néo causar efeitos se- cundérios importantes. Embora sua exigua efeti- vidade nos pacientes portadores de deméncias, muitas vezes € conveniente administré-los para que 0 paciente e seus familiares sintam que algo ‘est sendo feito: o valor terapéutico disso pode ser, em muitos casos, muito superior ao de um placebo. Muitos pacientes apontam que os abragos, caricias e afagos proporcionados por pessoas: proximas, ainda que muitas vezes ja néo sejam capazes de reconhecé-las corretamente, hes: s80 mais benéficos do que qualquer remédio. O. efeita das manifestagdes carinhosas também nao dura muito, mas consegue fazer com que os paci- entes fujam dessa prisao incompreensivel, dura e seca em que se transformou sua vide. Nao esquegamos que os sistemas cerebrais que regulam os estados de énimo (noradrenalina, dopamina etc.) atuam sobre receptores especifi- 78 haw tzasero0 cos no hipocampo, no cértex entorrinal e outras: regides que processam memérias © favorecem tanto a formagao como a evocagao dessas, Um ‘afago ou uma caricia estimula esses sistemas: a falta de demonstragdes de ternura pode inibir es- sas vias nervosas pela falta de uso. (O melhor remédio para s perda de memoria 6 prevengao, assim como ocorre com a imensa maioria das doengas, desde a AIDS até a resfriado ‘comum, Uma vez instaladas, essas doengas s6 tratadas com paliativos, cujo efeita muitas vezes nao é melhor do que o de um placebo, Com ‘as drogas hoje existentes para “melhorar” a me- méria em geral, nem isso se consegue. Aiguns especialistas no Brasil tém usado a cafeina, por meio da administracao de reiterados cafezinhos. Os resultados preliminares sao pro- missores; mas a cafeina produz, como todos sa- bemos, excitagao; e esta pode ser contraprodu- ccente num paciente com deméncia: pode ficar ir- ritadigo e intratavel. Inclusive, alguns estudos re- centes comprovaram uma diminuicéo de rendi- mento no trabalho de pessoas que abusam do café. E VERDADE QUE A NICOTINA PREVINE ‘AS DOENGAS DE ALZHEIMER (OU DE PARKINSON? Sim, Estudos muito sérios realizados com muitas dezenas de milhares de pessoas por agén- cias de satide européias demonstram isso. Ha, de fato, menor incidéncia das doengas de Parkinson ede Alzheimer entre os fumantes. A nicotina pa- rece ter um efeito preventivo sobre ambas as doencas degenerativas. Porém, @ expectativa de vida ¢ encurtada pelo uso do fumo por outros motivas (pulmona- res, cardiovasculares), 0 qual limita a perspectiva de uso crénica dessa droga como preventive, Lo- gicamente, 6 possivel administrar nicotina por Outros melos que nao o cigarra, e esses meios nd liberam nenhuma das mais de quatro mil substéncias irritativas, cancerigenas e favorece- doras da aterosclerose que se encontram no fumo dos cigarros. Par exemplo, por meio de ou- tros dispensadores de nicotina, como os chicle~ tes e adesivos que s80 usados para diminuir ou cancelar 0 uso do cigarro pelos furantes. Porém, a nicotina induz dependéncia, e esta dependéncia @ maior que a provocada por qualquer outra droga, 80 15 toyeno0 de abuso e pode levar @ volta ao cigarro naqueles ue jé foram fumantes ou a adogao do habito em pessoas que nunca a tinham praticado, E bom salientar que a menor incidéncia des- ‘sas doengas nos fumantes nao quer dizer incidén- cia zero. E que a acorréncia de complicagdes can- cerosas ou cardiovasculares graves que acorre hos fumantes compensa negativamente qualquer efeito benéfico que 0 uso reiterado da nicotina possa ter. O entupimento de artérias cerebrais, causado tao comumente pelo fumo, pode causar complicagdes cerebrais sérias e mesmo letais nos portadores de formas até leves de Alzheimer ou de Parkinson, piorando essas doengas ou cau- sando outras em forma concomitante Qutro fato interessante e pouco comentada na literatura € que 0s esquizofrénicos fumam de- sesperadamente, como se pode observar no filme "Uma mente brilhante”. Na populagao brasileira como um todo, menos de 30% dos adultos sao fu- ‘mantes; na populacéo esquizofrénica do Brasil ou de qualquer outro pais, 80% fumam. Os pacientes: ‘alegam que o cigarro Ihes reduz a incidéncia e a (ravidade das alucinacdes. A maioria dos psiquia- tras responsaveis nao interfere nesse hébito. HA ALGUM REMEDIO PARA MELHORAR A MEMORIA PARA O RENDIMENTO ESCOLAR: (QU PROFISSIONAL? Nenhum dos medicamentos mencionados na segéo anterior tem agoes significativas sabre meméria em individuos normais. Nenhum deles. melhora o rendimento escolar ou universitério, nem 0 desempenho no trabalho. Como a formagao e @ evocagéo das memo- rias sé0 fundamentais para o rendimento escolar @ para 0 desempenho nos mais diversos tipos de trabalho, e estes processos dependem em alto grau do nivel de atengo, @ dbvio que as pessoas: ‘com déficit de atengao teréo um rendimento es- colar baixo e um desempenha ineficiente no traba- iho. Muitas pessoas tém deficit de atengao. Nas criangas, isso é acompanhado muitas vezes de hi- peratividade. Até poucos anos atrés, pensava-se que a sindrome de hiperatividade com deficit de atengéo era prépria e exclusiva das criancas; mas: hoje sabemos que ocorre também em adultos, geralmente sem hiperatividade. Nestes casos, & ritalina, ou em menor grau a cafeina, tem um efei- to terapéutico importante. 86 nesses casos: nas pessoas normais, essas drogas nao tém efeito Perceptivel. Logicamente, os problemas de meméria que se observam na ansiedade e na depressao séo tratados pelos mesmos meios psicoterépicos & farmacolégicos que a doenga central: com ansiali- ticos e antidepressivos, respectivamente, © te- rapia apropriada a cada caso. Em animais de experimentagao foram estu- dadas varias centenas de substéncias capazes de melhorar um ou outro aspecto da meméria: principaimente a formacéo e a evocacdo. Mas quase todas essas drogas sao efetivas sé quando injetadas em algum ndcleo especifico do cérebro, através de cénulas implantadas, coisa que ¢ invié- vel em humanos. Também quase todas séo téxi- ‘cas quando administradas ao individuo por vie sis~ ‘témica, seja por via oral ou injetdvel. Aigumas ve- zes, seu efeito ¢ seguida de um “rebote” amnési- co. Entre essas drogas estao a cafein: na, as anfetaminas, a cocaina, a adrenalina e 0 horménio antidiurético ou vasopressina, Todas causam dependéncia; no caso da adrenalina e da vasopressina, nula ou muito leve; no caso da ca- feina, tratavel; no caso das demais dragas, grave © de dificil tratamento. Todas elas apresentam, fem animais de laboratério, um efeito sério e po- ttencialmente letal sobre a pressao arterial e a frequéncia cardiaca. A vasopressina e varias das ‘utras substancias mencionadas contraem as ‘artérias coronérias, podendo causar infartos. Em: humanos, além desses inconvenientes graves, Qucsrdes scone uewona 03 seu efeito é imprevisivel. Nenhuma delas ‘tem, Portanto, utilidade terapéutica. Como mencionei ‘acima, hé estudos referindo prejuizo causado pelo café no rendimento do trabalho. Entre os pesquisadores que se dedicam a anélise da modulagao das diferentes fases da me- moria existe © consenso de que a meméria dos in- dividuos normais, incluindo criangas e adultos animais de experimentagao, funciona o tempo todo no méximo de sua capacidade possivel. Isto do quer dizer necessariamente no maximo da ca- pacidade instalada, porque, como vimos, tanto @ formagao camo a evocacao da meméria estao ‘sendo moduladas constantemente pelas vias ner- vosas responséveis pelos estados de anima & emogées © dependem muito da atenoao, assim como da saturagao relativa dos sistemas envolvi- dos. Ninguém esta o tempo todo 100% atento, feliz, sereno e interessado em aprender ou evo- car. Entre 0 e 100% ha uma longa série de nime- ros possiveis; sempre nos encontramos em al- gum desses niveis intermediarios. Um génio, num ataque de inspiragao, pode atingir, quem sabe, momentaneamente os 100%. Um individuo num grau extremo de depressao pode chegar perto de 0%. E pouco 0 que uma substéncia qualquer, me- dicamentosa ou no, pode influir dentro dessas li- mitagdes. € certamente mais provavel que algum medicamento ou circunsténcia que melhore 0 es- tado de énimo ou o nivel de atengao possa ter um. feito sobre a meméria de determinado individuo, Em suma: para melhorar a meméria na idade escolar ou universitéria ou em relagéo ao rendi- mento no trabalho, néo hé remédios utels. Ha i meras formas de praticar a memoria para man- ‘té-la boa (a leitura, por exemplo). Ha numerosas, maneiras de agin sobre o nivel de atencao e 0 es- ‘tado de animo (por meio de remédios como a rita- lina © 0s antidepressivs, respectivamente) ‘com isso melhorar a formagao @ a evacacéo das, memérias. Hé formas de melhorar a motivagao para aprender, por exempio néo fazendo com que ‘2 educacéo em qualquer nivel seja rotineira e cha- ta, ensinando de forma que o aluno “curta’ o ‘aprendizado, nao de maneira que o aluno sd pense na hora em que sairé da sale de aula. O tratamento da meméria escolar ou laboral ‘esté muito mais na sociedade e no sistema esco- lar como um todo do que na farmacologia. XADREZ, PALAVRAS CRUZADAS E LEITURA AJUDAM A PRESERVAR A MEMORIA?. Foi dito acima que a meméria & um dos me- thores exemplos do ditado “a func faz 0 érgao", Todo e qualquer exercicio que faca praticar a me- méria ajuda a preservé-la e @ melhoré-la, até em. pacientes que padecem de deméncias. ‘As palavras cruzadas e o xadrez s80 bons exercicios, como também tenter rememorar misicas, poesias ou acontecimentos dos mais diversos, Mas de longe, e por enorme diferenga, o me- thor exercicio para preservar e melhorar a mem6- ria € a pratica da leitura. Ou, nos deficientes visu- ais, pedir que alguém leia para eles; como fizeram dois grandes literatos cegos, o inglés John Milton eo argentino Jorge Luis Borges. Este ultimo veio a falecer aos 86 anos de um cancer; mas até ofim se dedicou a ouvir com atengac leituras feitas por alguém de sua confianga e a ditar a essa pessoa u pessoas poemas ou outros textos que ele pré- prio j4 no podia escrever com as méos. Por que a leitura é 0 exercicio mais reco- mendvel para a meméria? Por vérias razées. A leitura envolve, por de- finigo, a meméria visual e a verbal; nos deficien- tes visuais, @ meméria auditiva e a venbal. Os dois Sentidos mais importantes para os humanos so ‘a vis80 e a audigao, Além da meméria visual ou au- ditiva e verbal, a leitura envolve a meméria de ima gens. Impossivel ler a palavra “érvore” sem que desfilem pela mente algumas das muitas arvores: ue conhecemos ao longo de nossa vida. Impossi- vel ler @ palavra “casa” sem lembrar de pelo me- Nos duas, aquela em que transcorreu nossa in- fancia e a atual Aliés. impossivel é ler sem estar recriando imagens e também classificacées das coisas do universe. Lemos ou ouvimos a letra “a”: pode ser ©.comeco de alguma palavra, como “érvore", ou fi- Car isolada, seguida de uma brevissima pausa. Se howver @ pausa, imediatamente dividimos o mundo em dois: 0 feminino, que correspande aquilo que se designa com o artigo "a", e 0 masculino, que fica de momento escanteado. Preparamo-nos Para que @ préxima letra que leremos ou ouvire- ‘mos pertenga a algo do sexa feminino. E outra vez “a”: nosso cérebro prepara-se para que a palavra Seguinte seja “avd”, “alma”, “arvore”. “Alema- nha”. um canjunto de possibilidades. Mas mal co- ‘megamos a tentar “visualizar” a imagem dessas Soisas, vemos ou ouvimos a segunda letra: “ ‘Temos agora “ar*, e logo a seguir aparece um “v” E bem possivel que se trate de uma arvore. Can- celam-se as avés, as almas, a Alemanha e a Argentina. Volta o desfile das érvores da nossa Cuestoes some neon 87 ‘meméria; ouvimos logo a letra “o", contirma-se Nossa érvore, e jd nem prestamos atencao as timas duas letras, “r” e "e”, Alids, quando lemos ou quando owvimos, costumamos fazer isto: uma vvez que jé sabemos de que palavra se trata, dess- tendemos as ultimas letras. Foi demonstrado que. a0 captar sé 80 ou 70% dos fonemas das pa- lavras que lemos ou que alguém nos diz, entende- mos 0 texto perfeitamente, ‘Mas continuemos com nosso exemplo. Aca- bamos de ler ou de ouvir “a arvore"; muito bem, nosso cérebro se prepara para entender a pala- ra seguinte. Sera “verde”, “seca”, “grande”. “pequena"? Desfilam érvores desses tipos em fragées de segundo; a primeira silaba da palavra seguinte é “se”, Pensamos em "seca" e ja esta- mos aceitando essa definicao de érvore de que estamos falando quando se produz uma nava pau- 82. A silaba “se” ficou sozinha; a seguir deve vir outra palavra. Ver a palavra "verde". A frase esté sendo “a érvore, se verde, ...", Aleitura ser mais complicada do que pensévamos... Deve ser ‘algum poeta portugués do século Xx. ‘Assim de minucioso 0 processo de ler ou de ouvir algo que nos léem. Par isso é tao efetivo ‘como exercicio para a meméria, Coloca em jogo varias formas de meméria das coisas mais diver- ‘885. Coloca no centro a linguagem,-que € aquilo que nos distingue dos animais. Com a linguagem, lida ou ouvids, podemos fazer os seguintes mila- res: gerar idéias, entender idéias, fazer e desfa- 18 hs eaverco zer conceitos, opinides, leis, normas e regras, mudé-las etc. Além das anteriores formas de meméria, @ leitura ou a audigao de uma leitura coloca em jogo mais um tipo de meméria: a meméria motora. AS pessoas mais ignorantes costumam ler em voz alta. Ao fazé-lo, exercitam a fungao motora das cordas vocais e dos neurénios que as fazem me- xer. Mas até as pessoas mais ilustradas, ao ler, ainda que néo falem em voz alta, fazem mexer também es cordas vocais correspondentes ao que esto lendo, E, na verdade, os psicblogos recomendam muitas vezes a seus pacientes com déficit: de me- méria que leiam em voz alta. E 0 melhor procedi- mento para exercitar todas as fungées vincula- das & meméria, a pleno. EXISTE PREVENGAO DA PERDA DE MEMORIA?. Sim. O habito de praticar a meméria, levan- do uma vida mentalmente ativa, pensando, anali- sendo, trocando palavras e idéias com as demais pessoas, vivendo, enfim, integrados no mundo que nos rodeia, ¢ fundamental. Os presos que, a0 sairem da prisdo depois de penas prolongadas, conservam suas fungdes cognitivas séa pessoas que, mesmo no isolamento, praticaram o ato de Pensar constantemente e/ou a leitura. Ja vimos que os que mais Iéem @ mais estudam sao os mais refratérias & doenca de Alzheimer e aos es- ‘tragos que a velhice produz na meméria. Quanto a dietas, néo hé nenhuma especifica recomendavel para manter ou desenvolver uma’ boa meméria. Simplesmente uma boa dieta equili- brada, com proteinas, carboidratos, gorduras na medida e do tipo certo, vitaminas e minerais, ga- ante nao s6 um bom funcionamento do cérebro e suas memorias, senao do corpo todo, inclusive 0 sistema cardiovascular, que irriga 0 cérebro e os demais érgaos. exercicio fisico constante e disciplinado favorece também a sade como um todo, preve- niindo os males do sedentarismo (predominante- mente cardiovasculares); mas na medida e na proporgéo certa, Caminhar, em geral, é mais re- ‘comendével como exercicio aerdbica do que cor- rer, principalmente nas pessoas acima dos qua- enta ou cinquenta anos, por causa justamente dos riscos circulatérios. Nadar é uma boa opcéo: do ponto de vista muscular 6 uma das préticas mais saudaveis e abrangentes. O exercicio bem dosado, ao favorecer a mobilidade das pessoas & sua fungao respiratéria e cardiovascular, é bom para a sade e previne doengas. Entre os aspec- tos da satide que a0 favorecidos pelo exercicio, cujas doengas este previne, estéo todas as fun- (goes cerebrais, incluindo a meméria. Nao ha ne- hum exercicio especifico para a meméria; o exer- cicio fisico bem praticado favorece a meméria jun- ‘to com as demais funcdes do organismo. Quanto a exercicios mentais, jé menciona- ‘mos que a leitura e, se possivel, o hébito de estu- dar melhoram @ meméria porque "a fungao faz 0 6rgao", ditado que se aplica muito especialmente & fungao mneménica em suas diversas facetas: ‘aquisigéo, consolidagao, conservagaa, evocagao, extingao e repressao, A PERDA DE MEMORIA E MAIS FREQUENTE NAS PESSOAS IDOSAS. POR QUE? Nascemos com um nimero determinado de neurénios, que ao longo do desenvolvimento, através de seus prolongamentos, fazem mais & mais sinapses com os demais neurénios. Inicia- mos nossa vida como seres sedentarios, que sO saem do bergo para ir a0 colo, e depois de alguns meses passamos a nos locomover por conta pré- pria, engatinhando, ‘Até ai, pouco nos diferenciamos dos quadrd- pedes, e nosso cérebro se prepara para uma vida quadrpede, mantendo os neurénios e conexdes: necessérios para essa vida, com um determinado 4ngulo e altura para detectar o horizonte e os obstaculos e as estratégias mais adequadas ara contorné-los. Mas, a partir dos seis-nove meses de idade, passamos a ficar em pé, cada vez mais, gostamos. A nova perspectiva, enxergan- do 0 mundo desde certa altura, 6 melhor. Entre ‘05 nove e os quatorze meses de idade aprende- mos a caminhar: primeira pela mao de alguém, de- pois sozinhas. A partir dai, ndo precisamos mais dos neurénios que tinhamos acumulado para nos servir na vida quadrdpede. Nosso cérebro elimina: todos esses neurdnios agora desnecessérios; @ paca em que comecamos a ser bipedes € 0 perio- do em que mais neurénios cerebrais morrem em. toda a nossa vida. ‘A partir desse momento, vamos perdendo neurénios todos os dias, a uma velacidade muito menor do que a daquele breve periodo em que ‘aprendemas a caminhar, mas a perda é constan- ‘te até o fim de nossos dies. Isto acontece em ma- ior ou menor grau em todas as estrutures cere- brais. Se, porventura, algum agente fisico ou quimico matou, em determinado momento, neu- rOnios de alguma érea cerebral, a partir dese episédio a subsequente perda continue partiré de um nivel mais baixo. Por exemplo, isso acontece na doenga de Parkinson: por motivos diversos e& ‘em geral desconhecidos, em algum momento da vida perdem-se neurénios de um nécleo denomi- nado substéncia negra; a partir desse momento a. perda prossegue desde um nivel mais baixo, 80 ritmo anterior: X neurénios por dia. O valor desse X varia de acordo com a intensidade da doenca e do fator metabdlico que a acasionou. Hé um nlimera minimo de células (um limiar) para que cada regiéo determinada do cérebro fun- cione satisfatoriamente. Se pela perda continua- da de neurénios, piorada por aquela aceleracao brusca, o nimero de células da substéncia negra cain abaixo desse limiar, néo funcionara mais sa- tisfatoriamente e se instalarao os sintomas da doenga de Parkinson. Isto pode acontecer sos quinze ou vinte anos de idade (Parkinson juvenil) uecoes coone wean 93. ‘ou depois dos cinguenta (Parkinson cléssico), ¢ & velocidade com que progridam esses sintomas dependeré da perda didria e de qual foi o tamanho daquela perda inicial devida a fatores em geral desconhecidas. ‘A mesma coisa pode acontecer com qual- ‘quer autra regiao cerebral ou com todas elas. Cam o avango da idade, o individuo vai perdendo @ “forga’ e @ eficiéncia de todas as funcdes nervo- sas: val ficando cada vez mais surdo, perde em parte a viséo, diminuem seus reflexos, seu apeti- te sexual, sua capacidade primeiro de correr & depois de caminhar, sua capacidade de lembrar coisas, de entender, de formar novas memérias de pensar. As perdas acontecem em todos os in- dividuos; mais acentuadas para determinada fun- igéo em alguns do que em outros. Hé pessoas de setenta anos que caminham com o mesmo passo gil de quando tinham vinte, s6 que com menor ve- locidade, Ha algumas que perdem o apetite sexual ou @ poténcia aos cingllenta, e outras aos citen- ta, Hé pessoas de mais de oitenta anos que con- servam intacta sua meméria e sua capacidade de aprender e entender coisas, como a rainha Vité- ria da Inglaterra, o musico Giuseppe Verdi, Kon- rad Adenauer, Deng Zhaoping e Jorge Luis Bor- ges. A rainha Vitéria governou um império gigan- tesco até depois dos oitenta; Verdi mudou sua forma de compor mésica, fazendo-a mais comple- xa, e Borges aprendeu anglo-saxéo antigo e mu- dou sua forma de escrever também depois dessa idade. Adenauer e Deng presidiram e dirigiram enormes e complicadas transigdes de paises difi- ceis também depois dos oitenta. ‘A meméria, em geral, vai ficando primeiro mais lenta, mas também mais seletiva, depois dos cinguenta ou sessenta anos. Hé pessoas: muito inteligentes ou afortunadas que conse- guem usar essas novas caracteristicas a seu fa- yor, aumentando seu poder de concentracéo. Mas, na maiaria dos individuos, ocorre um lento deteriora, geralmente primeira da meméria re- cente, Isto se deve a duas coisas. Uma € que a meméria recente tem mecanismos distintos da- queles da meméria de longa duracao, dentro das mesmas estruturas cerebrais, o hipocampo e 0 cortex entorrinal. E possivel que a perda neuronal que acontece com a idade interfira mais nos me- canismos da meméria de curta duracao. Mas @ outra causa é que o idoso prefere lembrar-se das coisas de antigamente, dos tem- pos em que era jovern, agil, namorava, sabia a le- tra de todas as misicas da moda e sabia dan- é-las, as mulheres o olhavam na rua nao com ena, mas com apetite, tinha sofrido poucas per- das pessoais, seus amigos estavam vivos, podia ficar sem dormir uma noite inteira, entendia 0 funcionamento de todas as méquinas que 0 ro- deavam, e estas eram poucas. Era, como disse Borges, “0 tempo da felicidade”. Melhor é para 0 jdaso se lembrar desse tempo do que deste que o| rodeia hoje, ande tudo acontece de forma macica, simulténea e aos berros, doem as articulacdes, tem que cuidar a pressao e a dieta, os parentes (estes some wewons préximos e os amigos ja morreram e apareceram milhares de aparelhas cujo funcionamento nao en- tende nem consegue ou quer aprender. ‘Coma ja mencionamos a propésito da inci- déncia e da gravidade da doenga de Alzheimer, também para a meméria normal se aplica 0 princi- po "a fungao faz 0 érgao”. O uso continuado e re- petido da meméria, seu exercicio diario, mantém ‘@ capacidade de memorizar e recordar melhor, ‘quelitativa e quantitativamente. Verdi lia e pensa- va misica todos os dias, e Borges lia e pensava li- teratura; a rainha Vitéria, Adenauer e Deng se mantinham sempre informados sobre fatos, eventos e nomes das terras que administravam. Os idosos que cultivam sua memoria, princi- palmente praticando-a por meio da leitura cons- Ciente, mantém sua mente funcionando o melhor possivel até o final, assim como os idosos que mantém alguma atividade fisice conservam sua circulagéo sangilinea e sua fortaleza fisica por mais tempo. Muitas vezes so capazes de gran- des coisas ainda depois de idade muito avancada, HA CASOS DE PESSOAS JOVENS QUE PERDEM A MEMORIA PRECOCEMENTE? Sim. Em geral isso se deve a alguma dosnca neurovascular, ou a tumores, ou a doengas infec- ciosas (encefalites, meningites), ou a doengas de caréter geral que comprometem o funcionamento cerebral, Mas também ha a triste perde da capacida- de mneménica, causada pelo subdesenvalvimen- to. Aquela que se deve & falta de desenvolvimento intelectual pelo habito secular de nao pensar, nao se interessar por nada, néo se preacupar em sa- ber algo de coisa alguma porque “nao adianta Com isso nao hé possibilidade de pratica alguma da capacidade de fazer e evocar memérias, no ha leitura, porque em vez dela ha analfabetismo real ou funcional, e a capacidade nao se desenvolve, Ao analfabetismo muitas vezes se somam os estra- gos da subnutricao, que impede o desenvolvimen- to cerebral. E a capacidade de raciocinio, quando muito, ¢ substituide pela adesao a crendices, Assim, milhdes de pessoas pelo mundo afo- ra, muitas delas no Brasil, deixam de ter capaci- dade mneménica: néo aprendem a fazer @ evocar memérias, véem isto como algo indtil, como uma Cuesr0e8 some Meena 97 “frescura”, e submergem mental e fisicamente na planicie terrosa do subdesenvolvimento. Per- dem n&o a meméria, senao algo muito pior: a ca- pacidade de fazer ou evocar memérias. Morrem ‘gnorantes e ignorados, num estado geralmente’ demencial ou semidemencial resultante da falta de uso do cérebro, principalmente no periodo mais importante de suas vidas cognitivas: a infan- cla e a juventude, as fases da vida em que se for- ‘mam mais memérias e as mais importantes, Guantos milhées de possiveis talentos dei xamos morrer assim, lenta e sorrateiramente, pelos sert6es, matas e ruas do Brasil? Milhdes Que poderiam mudar para melhor néo sé suas préprias vidas, sendo as de todos nés. A apericao de um genio ocasional entre os miseraveis © 05 marginalizados ilustra isso de maneira aa mesmo tempo reconfortante (pelo menos, algum conse- gue) e dolorosa (mas a imensa maioria nao) wma 0 QUE SABEMOS SOBRE A MEMORIA DOS ANIMAIS? Praticamente tudo 0 que sabemos sobre os mecanismos moleculares da memaria e sobre a fi- siologia dos sisternas envolvidos (hipocampo, ami- dala, striatum etc.), sobre tipos de meméria, so- bre mecanismos de evocagao e de extingao e so- bre modulagao da meméria provém de estudos feitos em ratos ou camnundongos, ocasionalmen- ‘te em outras espécies animais. O estudo da me: méria em moscas e abelhas nos deu alguns co- nhecimentos importantes. Os avancas registra- dos pelas pesquisas de Eric Kandel em um modelo de meméria num molusco Ihe renderam o Prémio Nobel de Medicina do ano 2000 e foram um marca nas pesquisas de todos os que se dedicam a es- tudar os mecanismos da meméria nos vertebra- dos @ no homer. Isto se deve a que nos animais ndo-humanos é licito colocar cénulas em diferen- tes éreas cerebrais ou eventualmente retirar pe- dagos de tecido ou retirar 0 cérebro inteira para efetuar medicdes bioquimicas ou genéticas. Toda a pesquisa biomédica sobre salide, mecanismos, doengas e tratamentos ¢ feita em animais de la- boratério, e 86 depois de longa experiéncia com uesoes come wewoma 98 eles passa-se a estudar esses mecanismos na satide e na doenca, e os tratamentos desta diti- ma, em seres humanos. Nos tltimos oitenta ou cem anos foi ficando cada vez mais claro nao sé que o sistema nervoso central dos vertebrados conserva as mesmas es- truturas e basicamente as mesmas conexdes e arranjos neuronais entre uma espécie e outra, ‘assim como que as células nervosas das diferen- tes espécies possuem os mesmos processos moleculares. Essa demanstragao rendeu outro Prémio Nobel, em 1804, ao genial cientista espa- nhol Santiago Ramon y Cajal, 0 verdadeiro pai de todas as neurociéncias modemnas e um das prin- cipais responséveis de que hoje tenhamos uma expectativa de vida trinta anos maior, e bastante melhor, do que um século atrés, quando ainda nao se tratavam a dor, as infecgdes nem as doengas mentais. Nao é & toa que mais de 95% do genome hu- ‘mano sejam iguais ao dos ratos e camundongos: todos produzimos as mesmas proteinas, as usa- mos de maneira parecida e empregamos esses processos para fazer funcionar basicamente os mesmos sistemas de neurdnios (cértex, hipo- campo, amidala etc.}. Podemos, assim, transpor com bastante facilidade achados obtidos em roe- dores a problemas do cérebro humana, guarda- das as diferengas e as disténcias légicas e cor- respondentes. Uma leséo da amidala produz um feito semelhante no camundongo e no humano; uma inibigéio dessa ou daquela enzima hipacampal ‘no rato produziré, na meméria deste, os mesmos: efeitos que no ser humana. Teria sido totalmente impossivel conhecer algo do funcionamento do sistema nervoso humano, tanto da ponto de vista biolégico como do médico, sem os estudos reali- zados ao longo de décadas nos roedores de labo- ratério, Mas, assim como a maioria dos estudos bio- logics sobre a memoria (e sobre qualquer outra fungéo ou sistema dos vertebrados) foi e ¢ feita em animais, preferencialmente em roedares (bai- x0 custo, producao estandardizada), hd coisas ue 50 podem ser estudadas em humanos porque 880 préprias da meméria e do cérebro humanos. Alguns desses topicos sao 0 da represséo: nao se pode medir a repressao freudiana em outra es- écie que nao seja a nossa; ou o tema das mem6- rias falses; ou o da incorporagao de informagaes que modificam uma meméria verbal original; ou 0 grande tema das memérias seménticas (toda a medicina, a lingua portuguesa), por oposigéo as memérias episédicas ou autobiogréficas (0 jogo de ontem, uma aula de misica). Evidentemente, as memérias seménticas s6 podem ser estuda- das de forma direta em humanas. Em animais de experimentagao investigam-se em geral so me- mérias episédicas. Recordaremos aqui que a dis- tingao entre memérias seménticas e episéuicas se aplica 8s memérias declarativas, que s80 pro- cessadas basicamente pelo hipocampo e pelo cértex entorrinal. (Guesroes Eoore Menon 104 Podemos afirmar que sabemos muite sobre a meméria dos animais, no referente aos aspec- tos biolégicos e moleculares, porque estes as- pectos s6 podem ser analisados em animais. J4 no referente aos aspectos cognitivos ou verbais: da meméria, sabemos muito mais dos processos. que ocorrem em humanos. FAZ SENTIDO 0 PROCESSO EDUCACIONAL, BASEADO NA DECOREBA? ‘Sabe-se desde sempre que a repetigao é um dos métodos mais adequados para melhorar a meméria de algum fato, evento ou habilidade, NBO hd forma de aprender a nadar, tacar piano ou an- dar de bicicleta (memorias procedurais) que ndo envolva a repeti¢éo; colocar uma pessoa na agua pela primeira vez e pedir que nade, ou em frente a um teclado e pedir que toque tal misica, ou que subana bicicleta e saia pedalando, nda existe. Por mais que se explique a légica subjacente a cada um desses habitos e se faca raciocinar 0 sujeito sobre eles, 56 aprenderéo a nadar, a tocar piano ea andar de bicicleta depois de muitas e tediosas| epetigoes. 0 mesmo acontece com muitas me- mérias declarativas: é impossivel aprender a reci- tar um poema ou a tabuada do sete, ou a cantar a letra de uma mdsica ou a montar um carro, ou a fazer um trabalho qualquer sem repetir e repetir. E impossivel ser médico, advogado ou pedreiro sem aprender certas coisas de cor. E até aqui estivemos falando nao de memé- rias que poderao ser esquecidas depois do préxi- mo exame: falamos sobre memérias de diversos Queoee soon wewona 103 tipos, das mais variadas, que S80 para toda 6 vida. Quanto sete vezes trés, ou como € meu ome, que aprendi repetindo-o varias vezes quan- do tinha dois ou trés anos, seré sempre impor- tante. Ha um preconceito contra aprender coisas por repeti¢ao, procedimento que se passou @ chamar depreciativamente de decoreba, e esse preconceita nao se baseia em nada especifico parece resultar simplesmente do fato de que aprender de cor ¢ incdmodo e cansativo. Mas ha muitas coisas incémodas e cansativas que S80 necessérias: o aprendizado de certas coisas & uma delas. Esse preconceito vem da época em que frases de efeito, como “é proibido proibir”, & coisas do género pareciam genisis, embora care- cessem de sentido. Decoreba era tomado como sinénimo de ditadura, de repressao. No entanto, uma coisa é aprender de cor, por repeticao, as coisas que devem ser aprendi- das dessa forma; outra, muito diferente, é apren- der todas as coisas dessa maneira. E indtil exp car uma teoria politica, as causas de um fato his térica, @ origem da teoria celular ou os mecanis- mos da memoria por meio de repetigdes: nestes casos se impe 0 uso do raciocinio, e este é 0 que muitas vezes precisa ser repetido para que se transforme numa meméria, E desejével que se forme uma memoria nao das palavras exatas usa~ das por Marx quando inventou 0 marxismo ou por Gobineau quando inventou 0 racismo; nem das: usadas por Virchow quando formulou a teoria ce- lular, nem das causas da Revolugao Francesa tel ‘como relatadas em determinada livro. Esses te- mas devem ser aprendidos por meio de associa- 0es, de generalizacdes, de raciocinio, em suma: Para eles néo ¢ util a decoreba, O mesmo vale ara os principios e as leis da matemética, da ge- ometria, da fisica, da quimica ou da biologia. Ou para as leis do pais, Se nao entendermos seus fundamentos e pensarmos (repetidamente, claro) sobre eles, nunca poderemos aprendé-los, Mas para as coisas que sé podem ser aprendidas de cor, e se possivel de cor e saltes- das, a repetigao é necesséria. ‘A SINDROME DE FADIGA DA INFORMACAO AFETA A MEMORIA? Tem se falado em algo chamado sindrome da fadiga de informacéo, que seria devida a0 acumulo excessivo de informagdes que recebemos diaria- mentre, pelos jornais, Internet, televiséo etc. Estamos, sem divida, cada vez mais submetidos ‘@ uma enxurrada crescente de informagoes atra- vés da midia: por momentos, esse excesso ¢ per- cebido camo um verdadeiro bombardeio e nos dé a sensagéo de que estarmos perto da saturagéo ou ‘até de té-la ultrapassado. Contamos para nos defender dessa enxurrada com nossa memoria d trabalho, que alguns denominam “gerente geral do cérebro, localizada basicamente no cortex pré-frontal, mas com conexGes com a amigdala © hipacampa. O “gerente” decide quais informa- ‘goes pode deixar passar rumo as dreas que arma- zenam ou evocam memeérias, fundamentalmente G hipocampo e varias regides do cértex. Aquelas informagdes que o “gerente” acha excessivas ou desnecessérias, “ele” elimina~na~ medida do possivel Mas nem sempre isto ¢ possivel, porque, pelo cansago ou pela falta de atengao au mesmo. pelo excesso efetivo de informagdes, a meméria de trabalho pode falhar. Gue acontece se nossa memoria de trabalho falha? Hé uma doenga em_ que @ meméria de trabalho é falha por malforma- {goes congénitas no cértex pré-frontal: a esquizo- frenia. Num individuo normal, a meméria de traba- tho ou “gerente" distingue entre um sujeito apoia- do contra uma parede e a prépria parade ou um_ rosto entre os muitos que o professor enxerga na sala de aula. O esquizofrénico nao; para ele, @ pa- rede @ 0 sujeito encostado nela sao uma coisa nica: © conjunta de todos os alunos, também. O mesmo acontece com as vozes @ os sons; mistu- ram-se vozes de pessoas do passado com as de outras que nunca existiram, cam o barulho da rua © com a misica que estao tocando ou que a paci- ente gostaria de ouvir. Gera-se assim uma viso alucinada, desagradével, parancide da realidade. Como o esquizofrénico faz memérias dessas vi- SOes e seu sistema de memérias declarativas no hipocampo e no cértex temporal encontra-se também distorcido por malformagées congéni- ‘tas, acaba formando e depois evocando memérias estranhas, alucinatérias, muitas vezes persecu- torias, misturando o real cam a fieticio, as vezes sem poder diferencié-los, Ha hoje formas de psicoterapia que perm: tem ao paciente esquizofrénico lider com esses ‘assuntos e distinguir o real do falso; e ha também remédios excelentes que reduzem as alucina- goes. O filme “Uma mente brilhante” ilustra um caso desses de maneira excelente: 0 do matemé- (Quesoes some wean 107 ttico John Nash, que, apesar de padecer de uma ‘esquizofrenia grave, conseguiu mediante trata- mento separar o alucinatério do normal e fazer ttrabalhos cientificos aplicdveis ao terreno da eco- ‘nomia e muitos outros que lhe valeram um Prémio Nobel. ‘A esquizofrenia se caracteriza pela insufi- ciéncia da meméria de trabalho, pela incapacidade de exercer sua fungao seletiva e filtradora, Essa sensagao de estarmos constantemente supera- dos pela enxurrada de informag6es, embora con- tenha muito de realidade, nao se deve a que nossa: meméria de trabalho néo dé conta de sua funcdo. Pode até falhar se a informagao for excessiva, mas nunca a ponto de hos submergir nas alucina- Ges tipicas da esquizofrenia, Nossa meméria de trabalho, na verdade, agdenta tudo o que o mundo exige dela e um pou- co mais ainda. Nosso dnico problema consiste em tentar manté-la saudavel e ativa, Existem varios fatores que podem afeté-la e a enfraquecem: os téxicos, comegando pelo dicool e pela cola de sa- ppateiro; a falta de seu exercicio por uma vida mui to reclusa au sedentéria; a exaustéo mental. ‘Assensagao de que a informagao que recebe- mos 6 demais nao comecou com este mundo en- sandecido da Internet e seus popads e outras formas de spam, da TV a cabo e de dados contra- ditérios procedentes das mais diversas fontes. Hé pouco tempo li um livro do sébio espanhol San- tiago Raman y Cajal, escrito na década de 1920. Neste livro ele queixava-se amargamente da en- 08 i taseH0 xurrada de informacoes que os individuos recebi: ‘am naquela épaca por meio dos jornais. do radio, do telefone. Qutro espanhol, 0 poeta Jorge Manrique, disse ha séculos que todo tiempo pasado fue me- jor. \sto se aplica evidentemente ao que nés pen- ‘samos hoje @ respeita do que nos parece @ imi nente superacéo e demolicao final de nosso “ge- rente" do cortex pré-frontal. Talvez ainda falte muito para isso. Par enquanto, a meméria de tra- alho sabe se fechar bastante bem as informa- (oes excessivas; para manté-la assim, @ preciso que raciocinemas sempre e muito sobre o que ‘queremos realmente da vida, o que pode realmen- te nos interessar entre tanta babaquice que hé poor ai, se vale a pena ficar sentado em frente & televisdo ouvindo besteiras que nao nos dizem respeito, quer nos noticiérios, quer nos progra- mas de reality show, quer no horério politico, quer ros longos intervalos de propaganda. Esorevi dois livros sobre isso, recentemen- tte, ambos publicados pela Editore Unisinos: Ter ‘po de viver (2002) e Siléncio, por favor (2003). Oficislmente, a sindrome da fadiga da infor- magéo nao consta dos manuais diagnésticos da psiquiatria, O que existe é fadiga dos sistemas de percencao e meméria, especialmente da memoria de trabalho, pelo excesso de informagao. E bom fazer recreios ou intervalos, desligar-se, relaxar, tomar um cafezinho ou um pouco de ar; é bom ler- {ger 0 computador a cada tantos minutos ou qual ‘quer outra coisa que se esteja fazendo e que re- uestoes some neon 108 queira uma atengao permanente e continuada. A vide nao é uma cirurgia cardiaca de torax dberto muito complicada da qual no podemos tirar os olhos nem por um instante; e se para 0 cardioci. rurgido pode eventualmente vir a s@-lo, @ bom que ‘se concentre na operagao, deixando para isso sua meméria de trabalho livre de outros assuntos que no momenta possam atrapalhé-to. ‘A MAIOR INCIDENCIA DE ANSIEDADE, ESTRESSE E DEPRESSAO SE TRADUZ EM MAIS TRANSTORNOS DA MEMORIA? ‘A maioria das pessoas pensa que hoje, devi- do em boa parte a0 bombardeia informatica a que estamos submetidos e & correria com que se rea- liza a maioria das coisas, hd muito mais ansieda- de, estresse e, em decorréncia disso e da frus- tragao geral que temos ao néo poder fazer tudo que queriamos em tempo recorde, depresséo. Hoje em dia, tudo parece que tem que ser feito as pressas, tudo “é para ontem”. Temos que ser os primeiros a arrancar quando 0 seméforo fica ver- de, temos que ultrapassar 0 carro que esta a0 nosso lado antes da préxima esquina ete. Esse habito da urgéncia como mado de vida 6 sem divide pernicioso e, na imensa maioria das vezes, desnecessério. Claro que temos que cor- er quando se trata de tirar 0 pai da force, mas. quantas vezes na vida tivemos que tirar o pai da forca? Conhecemos alguém que o tenha feito al- guma vez? Meu livra Tempo de viver, j& menciona- do, trata dessa questo em detalhes. ‘Apesar de esse modo “urgente” de viver ser uma caracteristica de nosso tempo, nao ha ne- Cuesroes soon ewer 114 nhum dado sério que aponte uma maior incidéncia de ansiedade, estresse ou depressdo no mundo de hoje quando comparado com o de cinquenta ou ‘cem anos atrés ou com o da idade das cavernas ou da Idade Média, ‘Na verdade, ¢ licito pensar que no mundo de antigamente havia mais ansiedade e estresse do ue hoje, porque havia mais perigos reais, Na épo- ca das cavernas, as pessoas tinham que sair e se ‘expor ao clima e avs animais ferozes tao-somen- tte para conseguir comida ou agasalho; e as duas: coisas requeriam 0 enfrentamento, a luta muitas vezes de desenlace duvidoso, as feridas e 0 sacri- ficio de animais perigosos. Uma chuva ou um ven- to forte padiam ser fatais. Havia doengas infec ciosas graves por toda parte, nao havia meios de ttraté-las e as pessoas morriam muito jovens: cal- cula-se que um individuo das cavernas tinha uma expectativa média de vida nao superior aos dez ‘ou doze anos. Reproduziam-se pouco, porque poucos individuos chegavam a idade adulta. Eram criangas ignorantes e desprotegidas contra ma- mutes, dinossauros, tigres e ledes. Na época de- Jes, 8 populagao mundial levou milénios para ati gir um numero que Ihes permitisse se desiocar desde @ Africa, ande primeiro apareceram, para ‘utres continentes. As pessoas morriam antes: da idade reprodutora. Havia, sem duvida, mais razbes para sofrer de depresséo; porque @ perda de um filho ou de um braca ou de todas as provis6es para 0 inverno: ‘em consequéncia de um ataque do vizinho da ca~ 192 Wn toues00 verna ao lado, ou de algum animal selvagem, era coisa de todos os dias, Na Idade Média, que hoje lembramos como uma época de meditacao e serenidade, havia me- ditagao e serenidade... em alguns mosteiros, nao certamente em todos. O resto da humanidade vi- via, na Europa, & mercé dos impostos estabeleci dos pelo baréo mais préximo ou das reiteradas convocacoes @ pegar armas e lutar para servir a esse senhor, as vezes em aventuras sanguinérias, e de longuissima duragéo, como as cruzadas ou a guerra dos cem anos. No resta do mundo se vivia| ainda coma na idade de pedra. Raramente um no- bre da Idade Média européia vivia mais de trinta ‘anos; 0s vassalos viviam muito menos. Isso quan- do néo vinham o célera e @ peste e arrasavam com’ @ metade da populacéo. Por mais estranho que parega a um jovem de hoje, nos idilicos anos 1940 viviamos todos sob © perigo da Segunda Guerra Mundial, com es- pides, contra-espides, prisées, ameagas, doen- as terriveis (a gripe, a tuberculose e a escarlati- a matavam muito mais do que a AIDS hoje): e dos ‘anos 1950 até 1880 vivemos na angdstia nem ‘sempre subliminar de que a qualquer momento a loucura de algum presidente estadunidense ou russo nos fizesse voar junta cam 0 mundo inteira pelos ares. Sem contar com as perseguicées poli- ticas, que em todo o mundo, e particularmente em nossa América do Sul, eram feitas com cruel- dade em nome da guerra fri, uesr0e8 soone wevone 443 Néo. Francamente eu néo creio que a ansie- dade, 0 estresse e a depresséo sejam caracte- risticos do mundo de hoje. Hoje em dia sao diag- nosticadas melhor e tratadas, coisa que antes no acontecia. Antigamente, nem tempo tinha- ‘mos para sequer pensar nessas doencas, porque Viviamos submetidos a perigos reais dos quais ti- nhamos que escapar literalmente, de verdade, e causas de depresséo de intensidade enorme, como as que assolaram todo 0 Ocidente quando soubemos do holacausto judeu ou dos milhoes de arentes mortos nos campos de batalha do mun- do inveiro. HA ALGUM EQUIVALENTE A "DOENGA DA VACA LOUGA” ENTRE OS HUMANOS? ‘A doenca da vaca louca denamina-se encefa- lopatia bovina espongiforme. O cérebro (encéfalo, do grego enkephalon) do gado bovino sofre uma doenga (patia, do grego pathos) na qual aparecem litersimente furas causados por focos multiplos de morte celular e adquire o aspecto de uma es- Ponja, quando visto por técnicas de imagens (to- mografias, ressonéncia magnética nuclear), ‘A doenga se deve a alteracées na forma de uma proteina normalmente existente na membra- nna das células nervosas, denominada prion. Co- nhecem-se alguns dos papéis fisiolégicos dessa proteina: tem um efeito preventivo sobre as epi lepsias, participa de alguma forma na formagao de memsrias no hipocampo e promove e regula a génese de prolongamentos dos neurénios. Quan- d0.0s neurénios entram em contato com a versao deformada do prion (prion patolégico ou prion in- feccioso), passam a produzir prion nessa verséo deformada, e esta acaba substituindo o prion normal. A partir dai, ocorrem alteracdes generali- zadas das fungdes nervosas, cam a acorréncia de movimentos estranhos, convulsdes e outros sin- (Guesroes score wewona 145 tomas que deixam as vacas (ou os touros) com um comportamento que os criadores de gado, na Inglaterra, denominaram de “louco’ O ingresso de prion na vaca se dé por meio da alimentagao desses animais na Inglaterra e ‘outros paises, onde o gado é mantido em confina- mento. Nao tendo acesso a terras de pastagem, (© gado bovino é alimentado com preparagoes ri- cas em proteina, feitas a partir da carne de ove- ‘ha e outros ingredientes. As ovelhas portadoras: de prion deformada au infeccioso padecem de uma doenga similar & das vacas, cujo nome em inglés & ‘scrapie, que consiste também numa encefalopa- tia espangiforme. Nao hé um sinénimo em portu- gués para scrapie, simplesmente porque nos pal- ses de lingua portuguesa ou espanhola a doenca é desconhecida. Nesses paises, tanto as ovelhas como 0 gado bovina sa0 criados em campo aberto e se alimentam de pastagens. Ocasionaimente, o prion infeccioso é trans- mitido 20s seres humanos por meio da ingesto_ de carne de ovelha ou de vaca “contaminada”, ou seja, procedente de um animal com scrapie ou ‘com encefalopatia espongiforme. A doenga que 0 humano desenvolve 6 também uma encefalopatia espongiforme, semelhante da ponto de vista mor- folégico & das vacas ou ovelhas, mas com uma: sintomatologia propria, semelhante a das demén- clas, sé que de curso muita répido (meses em vez. de anos), Este quadra se denomina de doenca de Creutzfeld-Jakob. Hé relatos de transmissao da doenga por meio da reutilizacao de material cirdir=

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