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As relações entre o Brasil

e os Estados Unidos durante o


regime militar (1964-1985)

André Luiz Reis da Silva*

Resumo
Este artigo analisa as relações do Brasil com os Estados Unidos durante o regime militar brasileiro.
Durante este período, as relações do Brasil com os Estados Unidos passaram por oscilações de
aproximação e distanciamento. Por outro lado, essas oscilações foram marcadas por um crescente
distanciamento estratégico, buscando redefinir continuamente a dependência brasileira. O crescen-
te distanciamento estava associado à multilateralização da política externa brasileira, buscando no-
vos espaços de inserção internacional.

Palavras-chave: Brasil-Estados Unidos; política externa brasileira; regime militar.

D
esde o final do século XIX, os Estados Unidos foram gradual
mente suplantando a Inglaterra na disputa pela hegemonia no
subsistema americano, configurando o que tradicionalmente se costu-
mou denominar de passagem da esfera da libra para a esfera do dólar. Após a
Segunda Guerra Mundial, os EUA alcançaram a hegemonia na região, fortale-
cendo a aliança com o Brasil, o qual foi favorecido pelos investimentos norte-
americanos. Apesar dessa aliança, o Brasil executava uma política externa con-
ceituada como “barganha nacionalista” – desenvolvida no governo de Getúlio
Vargas – afirmando um padrão diplomático de crescente multilateralização in-
ternacional e barganha com os EUA. O Brasil procurava demonstrar, assim,
que – mesmo sendo um aliado dos EUA – possuía um projeto próprio de desen-
volvimento e de inserção internacional.
Para os EUA, seu principal inimigo na América Latina era a oposição
ao imperialismo norte-americano, articulado tanto pelo nacionalismo populista
como pelos movimentos de esquerda.1 Ainda no período do populismo, a polí-
tica externa dos governos Jânio Quadros e João Goulart marcou um
distanciamento em relação à potência norte-americana. Com a radicalização do

* Professor de História das Faculdades Porto-Alegrenses (FAPA). Mestre em História e Douto-


rando em Ciência Política(UFRGS).
E-mail: reis_dasilva@hotmail.com
1
TRIAS, Vivian. Imperialismo y Geopolítica na América Latina. Montevideu: El Sol, 1967, p.
222.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 251
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populismo na década de 1960, a opção dos EUA pela militarização do Brasil
buscava evitar que o país saísse de sua esfera de influência.2
Não obstante, a prioridade das relações do Brasil com o continente
americano, estabelecer relações especiais com os Estados Unidos não era uma
novidade quando Castelo Branco assumiu o governo. Desde a gestão do
Chanceler Rio Branco (1902-1912), o Brasil havia eleito a manutenção de boas
relações com a América Latina e com os Estados Unidos como prioritárias.
Somente no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, verificaram-se no
Brasil duas experiências diplomáticas marcadamente pró-americanas: o Gover-
no Dutra (1946-1951) e o período que vai de agosto de 1954 – quando assume
Café Filho – até meados de 1958, quando Juscelino Kubitschek (1956-1961)
retoma a barganha nacionalista iniciada pelo governo Vargas.
O Governo do General Eurico Gaspar Dutra foi marcado pelo alinha-
mento automático do Brasil em relação aos Estados Unidos. Nesse sentido, o
Brasil rompeu relações com a URSS em 1947 e sediou a conferência
interamericana que criou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
(TIAR). O Governo Café Filho realizou um ensaio do projeto da ESG calcado
no binômio “segurança e desenvolvimento”, que seria posteriormente aplicado
no regime militar. Já Juscelino Kubitschek iniciou seu governo com um plano
econômico baseado numa associação estreita com o capital estrangeiro e, no
nível político, num alinhamento automático com os EUA.3 A virada com re-
torno à barganha nacionalista veio em 1958, num contexto interno de crise
econômica e desemprego e de queda nas exportações e nos investimentos es-
trangeiros, quando Kubitschek lança a Operação Pan-Americana (OPA).
Assim, desde a década de 1940, o Brasil apresentava uma constante osci-
lação na definição das relações com os Estados Unidos, determinada pela con-
juntura nacional e internacional e pelas opções de desenvolvimento brasileiro.
Essas relações são igualmente importantes no desenvolvimento da política ex-
terior do regime militar, pois elas hierarquizaram os interesses do Brasil no
sistema internacional, já que seu caráter define em grande parte a orientação
global da política externa de determinado governo ou período. Dessa forma, o
objetivo desse artigo é analisar as relações entre os EUA e o Brasil durante o
regime militar, demonstrando que elas passaram por oscilações de aproxima-
ção e distanciamento, cada vez mais marcadas pelo conflito do que pela coope-
ração.

2
VIZENTINI, Paulo. G. F. Relações internacionais e desenvolvimento: o nacionalismo e a Políti-
ca externa independente (1951-1964). Petrópolis: Vozes, 1995.
3
Ibid., p. 135.
252 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
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Castelo Branco e o apoio estratégico
Quando Castelo Branco assumiu o poder, foi interrompida a política
externa desenvolvida pelos seus dois antecessores, Jânio Quadros e João Goulart.
Esta política era denominada política externa independente (PEI), pois denunci-
ava o conflito entre as duas superpotências - EUA e URSS - como sendo desfa-
vorável às demandas do Terceiro Mundo e pregava o não-alinhamento e o
neutralismo. Os militares utilizavam a Doutrina de Segurança Nacional como
substrato básico para a formulação da política externa. Essa doutrina vinha
sendo construída internamente pela Escola Superior de Guerra desde a sua fun-
dação, em 1949, a partir de subsídios teóricos da National War College america-
na. Os fundamentos dessa doutrina consistiam na associação entre segurança e
desenvolvimento. Para alcançar o desenvolvimento, era necessário obter a se-
gurança. A segurança estava calcada na luta contra o inimigo interno e externo,
identificado com o comunismo, o não-alinhamento e a crítica aos valores oci-
dentais.
Em março de 1964, o subsecretário de Estado para Assuntos Latino-
americanos dos EUA, Thomas Mann, prognosticou que a defesa dos interesses
dos EUA no continente deveria ser calcada na Doutrina de Segurança Nacional
e, se preciso fosse, com a instauração de regimes militares simpáticos à potência
norte-americana.4 No mesmo mês foi montada a Operação Brother Sam, uma
operação militar norte-americana acionada no dia 31 de março de 1964 e cance-
lada no dia 2 de abril, quando se consolidou o Golpe. Esta operação estava
programada para o caso de haver resistência prolongada ao Golpe e consistia no
fornecimento de combustível, e possivelmente armas aos militares golpistas.
Como o novo regime se consolidou rapidamente, a operação foi cancelada.5
O apoio diplomático norte-americano veio logo a seguir ao Golpe. No
dia 2 de abril, com João Goulart ainda em território Nacional, os Estados Uni-
dos reconheceram o novo regime. No dia 4 de abril de 1964, o Jornal do Brasil
noticiava:
O Secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, declarou on-
tem [dia 2], ao referir-se à crise que resultou na derrubada do Sr. João
Goulart, que os Estados Unidos estão dispostos a colaborar com as
novas autoridades brasileiras para continuar dando ao país a ajuda
necessária para seu desenvolvimento econômico e social. Declarou
ainda que a Revolução foi um processo democrático e constitucional
e de que os EUA não interferiram neste movimento, como acusa o
governo de Havana.6

4
TRIAS, Vivian. Op. cit., p. 237-239.
5
Sobre a Operação Brother Sam, ver: CORRÊA, Marcos Sá. 1964- visto e comentado pela casa
Branca. Porto Alegre: Ed. L &PM, 1977.
6
DEAN Rusk reafirma disposição dos EUA de manter a ajuda econômica ao Brasil. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 04 abr. 1964, 1º caderno, p. 08.
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Em resposta, os militares brasileiros promoveram uma reaproximação
do Brasil com os Estados Unidos, reconhecendo a liderança deste país no he-
misfério ocidental. Na tentativa de apagar todos os vestígios deixados pela Po-
lítica Externa Independente, os militares dispuseram-se a colaborar com os EUA
na defesa hemisférica para, assim, colocarem-se sob o seu guarda-chuva nuclear
e retomar os investimentos e empréstimos americanos que haviam sido corta-
dos no período da presidência de João Goulart. Entretanto, o alinhamento não
era tão automático quanto se apregoa. Embora as boas relações com os EUA
fossem consideradas prioritárias, verifica-se que, com o tempo, surgiram vários
pontos de desacordo nas posições dos dois países, reflexo de ambigüidades e
contradições internas e externas do Brasil.
O primeiro encontro de Castelo Branco com o embaixador norte-ame-
ricano, Lincoln Gordon, ocorreu no palácio do Planalto no dia 18 de abril de
1964. Neste encontro, Gordon - apesar de um pouco reticente com as repercus-
sões que a promulgação do Ato Institucional e algumas cassações, como a do
economista Celso Furtado (membro do Comitê da Aliança para o Progresso),
provocaram na opinião pública norte americana - reafirmou a disposição dos
Estados Unidos de apoiarem o Brasil.7 Em 30 de junho de 1964, Lincoln Gordon,
recentemente chegado dos Estados Unidos, reuniu-se novamente com Castelo
Branco. Neste encontro, o embaixador afirmou que Washington considerava
pouco vigoroso o combate à inflação no Brasil, bem como o interesse da comu-
nidade empresarial dos Estados Unidos na reformulação da Lei da Remessa de
Lucros.8
Outra questão considerada de primordial importância para as relações
bilaterais era a solução da controvérsia gerada pelo caso American and Foreign
Power Company (AMFORP). Um empréstimo de 50 milhões de dólares ao
Brasil estava condicionado pelo governo norte-americano ao cumprimento dos
acordos do Brasil com a AMFORP. A questão das negociações entre o Brasil e
a AMFORP havia ficado pendentes desde o governo João Goulart, em que este
se comprometera a comprar os bens da AMFORP por 135 milhões de dólares,
mas não fora realizado. Depois de assumir o poder, Castelo Branco encomen-
dou um inquérito a uma comissão interministerial. Após várias resistências,
encabeçadas principalmente pelos senadores João Agripino, Carlos Lacerda e
Magalhães Pinto, a proposta de compra da AMFORP foi aprovada no Con-
gresso em 7 de outubro de 1964. Pelo acordo aprovado, a AMFORP compro-
metia-se a emprestar 100,25 milhões de dólares à Eletrobrás, utilizando o di-
nheiro recebido do Brasil.9
7
DULLES, John W. F. Castelo Branco: o presidente reformador. Brasília: Editora da UnB, 1983,
p.16-17.
8
Ibid., p. 51-52.
9
Esse tema mobilizou na época uma série de debates, em geral polarizados em torno dos “nacio-
nalistas” e “entreguistas” e, inclusive, a Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) em
1965, dedicou dois números inteiros (30 e 31/32) à compra das concessionárias estrangeiras pelo
Governo brasileiro, publicando os relatórios das comissões parlamentares de inquérito, as notas
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O caso da mineradora Hanna Minning Company também deveria ser
solucionado pelo governo Castelo Branco. O governo brasileiro estava interes-
sado em aumentar a exportação de minérios, mas estava sob o ataque dos cha-
mados “nacionalistas”, que criticavam os projetos de exploração da Hanna,
possuidora de propriedades em Minas Gerais e que desejava construir um porto
privado para embarque de minério na Baía de Sepetiba, a Oeste do Rio de Janei-
ro.10 A solução veio com o decreto de 22 de dezembro de 1964, que estipulava
que as empresas exportadoras de minério controladas pelo governo deveriam
reinvestir pelo menos 50% dos lucros que excedessem a 12% do retorno do
capital. As firmas mineradoras estrangeiras deveriam reinvestir no Brasil tudo
o que passasse estes 12%, sendo que, nos primeiros cinco anos, também os 12%
referentes ao retorno do capital.
Durante todo o governo Castelo Branco, os Estados Unidos aventaram
a possibilidade de que o Brasil participasse da Guerra do Vietnã. Em 4 de agosto
de 1964, quando os Estados Unidos foram atacados por lanchas do Vietnã no
Norte, o presidente norte-americano enviou uma carta a Castelo Branco, infor-
mando-o da situação. A resposta de Castelo foi de solidariedade, mas não se
comprometeu a enviar tropas. Em julho de 1966, Lindon Johnson voltou a
dirigir-se a Castelo Branco, tratando do mesmo tema. O presidente Johnson
esperava que o Brasil entrasse na Guerra do Vietnã como seu aliado, mas, du-
rante o ano de 1965, a única ajuda que ocorreu foi o envio de 400 quilos de
remédios. Vasco Leitão comparou a atuação de Castelo nessa situação com a de
Getúlio Vargas em diversas situações: a de “solidariedade admirativa”.11 Mas
permaneceu, durante todo período do governo Castelo Branco, a expectativa
de que este anunciasse a decisão de enviar tropas ao Vietnã.
Outra questão pendente era a exportação de café brasileiro. O governo
brasileiro tinha interesse em ver cumprido o Acordo Internacional do Café,
assinado em 1962. O Senado dos EUA havia aprovado a assinatura do Acordo
Internacional do Café em julho de 1964, mas sua Câmara de Deputados havia
rejeitado no mês seguinte. Entre janeiro e julho de 1965 houve várias gestões do
governo brasileiro junto ao norte-americano e deste junto à sua Câmara de
Deputados, que acabou aprovando a lei em 12 de maio de 1965. A lei entrou em
vigor nos EUA em 1 de julho de 1965, provocando um leve declínio no preço
do café brasileiro, mas as exportações do Brasil aumentaram.12
Apesar da expressiva aproximação do Brasil com os EUA, devem ser
feitas algumas matizações. Em primeiro lugar, se no plano diplomático-estraté-

trocadas entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil, discursos de ministros (antes e depois
do golpe militar) e pronunciamentos de parlamentares.
10
DULLES, John, op. cit., p. 54
11
CUNHA, Vasco Leitão. Diplomacia em alto-mar (Depoimento prestado ao CPDOC). Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 290.
12
DULLES, John, Op. cit., 110-111.
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Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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gico-militar o Brasil permaneceu alinhado aos EUA, no plano econômico-co-
mercial o Brasil buscou ampliar e manter parcerias extra-hemisféricas, inclusi-
ve com os países socialistas. Em segundo lugar, crescentemente, em especial
após o ano de 1966, o governo brasileiro começou a dar sinais de insatisfação
com a falta de retorno econômico, que seria a contrapartida ao apoio político
prestado aos EUA. Embora as boas relações com os EUA fossem consideradas
prioritárias, verifica-se que, com o tempo, surgiram vários pontos de desacordo
nas posições dos dois países, como na reforma da Carta da OEA, na ajuda eco-
nômica aquém das expectativas brasileiras e nas críticas internas nos EUA ao
apoio na manutenção dos regimes militares. Embora evitando atingir os EUA
diretamente, os dirigentes brasileiros começavam a esboçar a orientação que foi
aprofundada nos governos seguintes, segundo a qual o Brasil não poderia abrir
mão do uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos.
Na realidade, as desavenças encontravam-se principalmente no campo
econômico. O Brasil não vinha recebendo dos EUA a ajuda que considerava
necessária para o seu desenvolvimento, como contrapartida ao apoio no campo
político-militar. Apesar da opção pelo mundo ocidental, o Brasil buscou diver-
sificar os parceiros comerciais, como é o caso dos acordos de comércio com os
países do Leste Europeu. Ante as dificuldades colocadas aos países em desenvol-
vimento, o governo brasileiro referia-se constantemente à questão da deteriora-
ção em termos de comércio. Nesse sentido, o Brasil chegou a tentar liderar a
luta terceiro-mundista na ONU. Embora com um discurso mais moderado do
que os populistas da PEI, o Brasil possuía a autoridade de ser um país com
governo conservador e aliado aos EUA. Assim, no dia 15 de abril de 1966, o
secretário Geral do Itamaraty, Manuel Pio Corrêa, afirmava que “[..] as rela-
ções entre os Estados Unidos e o Brasil são excelentes, mas de qualquer modo
existem áreas de desacordo”. O diplomata parecia aludir ao pedido constante
do Brasil para que os Estados Unidos dessem preferência comercial ao Brasil. 13
Os diálogos mais ásperos nas relações bilaterais ocorreram entre o go-
verno brasileiro e os membros do Senado norte-americano. Em 20 de novem-
bro de 1965, o Senador Robert Kennedy chegou ao Brasil. Encontrou-se com
Castelo no dia 24, quando a situação tornou-se constrangedora entre ambos, já
que o senador insistia em fazer perguntas “desagradáveis” sobre a situação soci-
al e política brasileira.14 O próprio presidente da Comissão de Relações Exteri-
ores do Senado, J. W. Fulbright, também encarregou-se das críticas em maio de
1966. Estranhamente, havia sido este mesmo senador que chefiara uma missão
norte-americana que visitou o Brasil em agosto de 1965 e elogiou o país “por
seu eficiente trabalho em estabilizar a economia e controlar a inflação” 15.

EXCELENTES as relações Brasil-EUA apesar de áreas de desacordo. Correio do Povo, Porto


13

Alegre, p. 01, 16 abr. 1966.


14
DULLES, John, Op. cit., p. 167.
15
Ibid., p. 118.
256 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
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Desde 1962, o Brasil esperava receber dos Estados Unidos quatro
contratorpedeiros, de acordo com a Lei de Cessões às nações amigas. A possibi-
lidade do envio dos contratorpedeiros foi reaberta com o Golpe militar. Na
época do envio, entretanto, as relações com o Brasil não aparentavam ser de
sólida confiança. No dia 11 de maio de 1966, Fulbright disse estar preocupado
“pela magnitude com que os regimes militares governam a América Latina”,
durante uma interpelação feita ao secretário de defesa, Robert Mc Namara,
sobre a Lei de Assistência ao Exterior. Pouco diplomático, disse ainda que “o
Brasil recorre a métodos de Estado policial” e que “os regimes militares têm
uma tendência ao extremismo”. Fulbright afirmou também que o esforço dos
Estados Unidos na América Latina deveria ser através da Aliança para o Pro-
gresso.16
A resposta de Castelo Branco aos dois senadores ocorreu no dia 20 de
maio de 1966, quando afirmou que
Vez por outra, e como se fosse o eco da campanha aqui movida pelos
saudosistas da corrupção e da subversão, vemos dizer-se no estrangei-
ro estar o Brasil sob a férula de uma ditadura. Má-fé ou
irresponsabilidade? Realmente, salvo se mudarmos inteiramente as
definições do dicionário político universal, será difícil falar-se em
ditadura diante das instituições políticas atuais.17

A comissão de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, ain-


da na mesma semana (23 de maio), havia objetado a nomeação de John Tuthill
para embaixador no Brasil.18 Ficava evidente que havia uma disputa política
interna nos Estados Unidos e que o Brasil foi utilizado como um objeto de
polarização.
Da mesma forma, em outubro de 1964, o Embaixador Juracy Maga-
lhães preconizava, falando num jantar que lhe ofereceu a sociedade Pan-ameri-
cana, que o desenvolvimento na América Latina deveria ser uma ação coletiva
e não poderia operar sem os fatores de estabilidade tanto social quanto econô-
mica. Nesse encontro, defendeu também que a defesa contra o comunismo se-
ria fortalecida se “Estados Unidos e outros países da comunidade ocidental igual-
mente favorecidos pela fortuna entenderem o problema da América Latina e
concordarem em participar da cooperação política e econômica de que esta
necessita”.19 Em agosto de 1966, o Presidente Lyndon Jonhson fez declarações

16
PAPEL dos militares do Brasil e Argentina debatido nos EUA. Correio do Povo, Porto Alegre,
p. 01, 05 dez. 1966.
17
CASTELO responde a críticas do exterior – realidade brasileira é a de um país livre e sem
discriminações. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 01, 21 maio 1966.
18
OBJEÇÕES no Senado dos Estados Unidos ao embaixador designado para o Brasil. Correio do
Povo, Porto Alegre, p. 01, 24 maio 1966.
BRASIL preconiza um novo impulso para a recuperação de países latino-americanos. Diário de
19

Notícias, Porto Alegre, p. 02, 16 out. 1964.


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condenando as ditaduras na América Latina, com o que o Itamaraty teve de
responder que o Brasil também estava do lado dos que desejam governos cons-
titucionais e democráticos.
Assim, no plano diplomático-estratégico, o governo Castelo Branco
concentrou sua atuação externa no continente americano. Tal política era o
resultado de novas alianças internas e externas. Tendo como pontos de referên-
cia os Estados Unidos e a América Latina, procurou situar-se como elemento
de mediação, através de uma política sub-imperialista. A continentalização da
política externa provocou a perda de interesse nas questões em política externa
extra-continentais. Na esfera extra-hemisférica, o Brasil procurou atuar de for-
ma puramente comercial.

Costa e Silva e o retorno do distanciamento


Em 15 de março de 1967, assumiu a Presidência da República o minis-
tro da guerra do governo anterior, Arthur da Costa e Silva, considerado o prin-
cipal representante da chamada “linha dura nacionalista”. Costa e Silva venceu
os obstáculos colocados pelo próprio Castelo Branco à sua candidatura. Na
tentativa de reforçar seu bloco de poder, Costa e Silva buscou aliança junto ao
que genericamente se pode chamar de setores nacionais da economia e legitimi-
dade junto à classe média. Percebendo a formação desse novo pacto de poder,
compreende-se as diversas mudanças que ocorreram no âmbito da política ex-
terna, em relação ao governo Castelo Branco. Costa e Silva foi favorecido por
um conjunto de expectativas favoráveis derivadas do sentimento anti-castelista
e da polarização com os castelistas, acreditando-se que ele realizaria um
revisionismo liberal em relação ao regime militar. Assim, Costa e Silva aprovei-
tou-se dessas expectativas e iniciou seu governo prometendo a “humanização”
da revolução. Mas conforme mostra Martins Filho, o pretenso revisionismo
costista esgotou-se rapidamente, pois nem Costa e Silva nem Castelo Branco
eram liberais.20
Buscando demarcar diferenças em relação ao governo anterior, Costa e
Silva logo apresentou seu projeto de política externa, tendo como Ministro
Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais e articulador do Golpe de
1964. Em discurso ao Itamaraty, o presidente enunciou as bases de sua “diplo-
macia da prosperidade”. Conforme o discurso de Costa e Silva, a política exter-
na do governo anterior não havia atingido os resultados esperados porque base-
ava-se nas fronteiras ideológicas da Guerra Fria. A inoperância do alinhamento
automático levou ao descrédito de um desenvolvimento tributário da ajuda
externa. A partir de então, acredita-se em um movimento basicamente interno
com relativa autonomia em relação aos EUA.

20
MARTINS FILHO, João Roberto. O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises políticas
na ditadura (1964-1969). Florianópolis: Ed. da UFSCAR, 1995, p.100.
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Nesse discurso, sobre as relações do Brasil com os EUA, o presidente
Costa e Silva afirmou que
O Brasil vê nesse processo associativo um meio seguro de conferir
caráter eminentemente positivo à solidariedade latino-americana e
de reforçar substancialmente a própria solidariedade hemisférica. Com
efeito, abre-se novas e significativas oportunidades para cooperação
dos Estados Unidos com os demais países do continente. Refiro-me
de modo particular ao financiamento de comércio interamericano e
de projetos multinacionais de infra-estrutura, que constituirão a base
física da integração. É, assim, auspiciosa a atitude dos EUA no tocan-
te aos problemas do desenvolvimento regional, principalmente sua
decisão de dar incentivo à Aliança para o Progresso e de propiciar
recursos para a integração latino-americana. O bom entendimento
entre EUA e Brasil muito contribuirá para a realização de tais objeti-
vos.21

A política do Brasil em relação aos Estados Unidos sofreu uma


reorientação durante o período Costa e Silva, pois o nacionalismo apregoado
pelo governo entrava em conflito com os Estados Unidos. Os principais pon-
tos de atrito entre o Brasil e os EUA no período eram a questão da assinatura
do Tratado de Não-proliferação Nuclear (TNP); as limitações à importação do
café solúvel brasileiro; o problema dos têxteis; o Acordo Internacional do Ca-
cau e as cotas de açúcar.22 A recusa em assinar o TNP defendido pelos EUA, que
pretendia o cerceamento das tecnologias nucleares para países em desenvolvi-
mento, foi um dos principais fatos diplomáticos deste governo. Em
contrapartida, o Brasil assinou o Tratado de Tlatelolco, em maio de 1967, no
México, que previa o uso dessa energia para fins pacíficos e procurava garantir
proteção da região contra ataques nucleares.
A ênfase brasileira no desenvolvimento e não na segurança, a alteração
da equipe econômica e o afastamento em relação ao conflito vietnamita eviden-
ciavam uma mudança de ênfase nas relações com os Estados Unidos e na políti-
ca externa. A política externa de Costa e Silva teve uma conotação própria,
mais autônoma, e as fricções com os EUA reapareceram em decorrência das
necessidades intrínsecas do desenvolvimento do Brasil.23 Politicamente, para
Costa e Silva, significava marcar distância do governo Castelo Branco e dos
críticos do seu regime, e tentar barganhar maior autonomia (ou menos depen-
dência) em relação aos norte-americanos.
O governo dos EUA, em virtude do apoio ao grupo Castelista e das
críticas da opinião pública norte-americana ao apoio dado pela Casa Branca aos

COSTA e Silva anuncia ‘diplomacia da prosperidade’ - só nos poderá guiar o interesse nacio-
21

nal, fundamento de uma política externa soberana. Correio do Povo, Porto Alegre, 06 abr. 1967.
VIZENTINI, Paulo. A política externa do Regime militar brasileiro. Porto Alegre: EDUFRGS,
22

1998, p. 93.
BANDEIRA, Moniz. Brasil – Estados Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988). Rio de Ja-
23

neiro: Civilização Brasileira, 1989, p. 166.


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regimes militares, também não tinha interesse em estreitar a cooperação, como
nos tempos de Castelo Branco, considerada muito elevada pelo novo embaixa-
dor dos EUA no Brasil, John Tuthill (1966-1969). Este colocou em prática a
chamada “Operação Topsy” na embaixada norte-americana no Brasil, de redu-
ção de pessoal (diplomatas, técnicos e agentes da CIA) instalado em território
brasileiro, que havia aumentado substancialmente depois do Golpe.24 A coope-
ração militar também diminuiu consideravelmente neste período, se compara-
da com o governo Castelo Branco, em função também da Guerra do Vietnã.
Nesta época, também ocorreram diversos atritos entre os EUA e o Brasil
no campo econômico. O Acordo Internacional do Café, que definiu em 1962 as
cotas do café in natura, não gerou nenhum tipo de obstáculo por parte dos EUA
em relação ao Brasil. Entretanto, houve restrições para a exportação do café solúvel
brasileiro, tanto para o mercado mundial como para o próprio mercado interno
norte-americano, pois concorria diretamente com as indústrias deste país.25 A pres-
são norte-americana para a taxação do solúvel brasileiro buscava proteger seus pro-
dutores de Café, numa clara medida protecionista. Mas os EUA não assumiam o
protecionismo, pressionando para que o próprio país produtor taxasse seu produ-
to. Essa condição afetava as exportações brasileiras de café para outros países.
O Brasil afirmava que esta questão deveria ser discutida em nível bilate-
ral, ao passo que Washington forçava para que a mesma ocorresse no âmbito do
Acordo Internacional do Café, em Londres. Havia também a ameaça dos EUA
de não renovar os acordos que estabeleciam cotas de vendas para todos os países
produtores. O principal motivo da tarifação norte-americana sobre o Brasil
advinha do subsídio governamental e da qualidade do café plantado no Brasil.
Enquanto 130 libras de café nos EUA custavam US$ 40,00, a mesma quantida-
de no Brasil era vendida por US$ 4,00.26
Para a visão norte-americana, as discussões a respeito do café solúvel
não deveriam tomar mais tempo, uma vez que, para o Brasil, o mais importante
era o café verde e não o industrializado. Nas negociações do Acordo Internaci-
onal do Café, o Ministro da Indústria e Comércio, General Macedo Soares, foi
o representante brasileiro. Ao final da negociação, acabou aceitando a tarifação
em 13 centavos de dólar. Em relação ao cacau e ao algodão, as disputas ocorre-
ram na mesma lógica. O governo buscava ultrapassar os obstáculos para as ex-
portações. Depois da aceitação da tarifação obrigatória, o Ministro da Indústria
e Comércio do Brasil afirmou que a exportação do café solúvel ainda era peque-
na, comparada com a de café verde.27

Em uma entrevista, o embaixador afirmou que considerava o governo brasileiro “muito nacio-
24

nalista”. Ver: BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988).


Op. cit., 1989.
25
MARTINS, Rodrigo Perla. A “diplomacia da prosperidade”: a política externa do governo Costa
e Silva (1967-1969). Porto Alegre: Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, 1999, p. 111.
26
Ibid., p. 112.
27
VIZENTINI, Paulo. G. F. A política externa do regime militar brasileiro, Op. cit., p. 86.
260 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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Já em relação aos fretes marítimos, o governo brasileiro procurou ado-
tar o protecionismo. De forma unilateral, assinou-se o Flag discriminations, o
qual determinava que 40% da carga marítima seria de responsabilidade dos ar-
madores brasileiros, tornando com isso o Brasil o primeiro país com legislação
especializada para o assunto. Outros acordos semelhantes foram firmados com
diversos países. Um exemplo é o tratado assinado com os países da Escandinávia,
já que, até então, o comércio entre o Brasil e esta região era feito por empresas
exclusivamente escandinavas. Nele ficou acertado que o trecho Brasil-
Escandinávia ficava livre para os cargueiros brasileiros e no sentido inverso
seria 50% para cada armador nacional transportar as mercadorias importadas
pelo Brasil. Com os EUA, ficou acertado 50% para cada país no trecho EUA-
Brasil e 60% para os armadores brasileiros no trecho Brasil-EUA, sendo que,
conforme acordo, aumentaria para 80% em dez anos. Entretanto, antes deste
acordo também houve uma reação às medidas brasileiras de maior participação
no tráfego Brasil-EUA.28 Essas diferenças no campo econômico eram resultado
da mudança de enfoque do governo brasileiro, buscando na Unctad a
reformulação da estrutura de preços do comércio internacional.29
Embora o governo Costa e Silva não negasse uma aliança com Washing-
ton, buscava uma relação mais independente, que se mostrava adequada ao con-
sumo interno e externo. Já no início de seu governo, a caserna sinalizava positi-
vamente para uma reorientação nas relações com os Estados Unidos. Confor-
me o jornal Correio do Povo,
A maioria dos generais tomou conhecimento prévio das linhas mes-
tras da nova política externa através das explanações feitas no Rio e
em Brasília pelo Chanceler Magalhães Pinto e apoiam a política ex-
terna de altivez em relação aos EUA, embora não de hostilidade,
pois integramos o mesmo sistema que eles.30

No relatório do Ministério das Relações Exteriores de 1967, estava con-


figurada a relativa tensão entre os dois países: “Persistem, em áreas específicas,
algumas dificuldades ditadas pela necessária contradição entre os interesses na-
cionais de cada um dos países. Tal é o caso do café solúvel e dos fretes maríti-
mos.”31 Ainda assim, Costa e Silva apostava na Aliança para o Progresso, apesar
de apenas ter recebido 390 milhões de dólares em 1967, e procurava conformar-
se nas negociações com o FMI.
Os acontecimentos posteriores a dezembro de 1968, com a promulga-
ção do AI-5, doença e morte de Costa e Silva, a imposição de uma Junta Militar,

28
MARTINS, Rodrigo. Op. cit., p. 117.
29
TYLER, William G. A política norte-americana e o impasse do café solúvel. Revista Civiliza-
ção Brasileira. Ano III, nº 18, mar/abr de 1968, p. 88.
NOVA política exterior do Brasil teve prévio apoio dos militares. Correio do Povo, Porto
30

Alegre, p. 02, 14 abr. 1967.


31
BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Relatório 1969. Brasília, 1970, p. 09.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 261
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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bem como o seqüestro do embaixador norte americano provocaram uma forte
reação interna nos EUA, que ainda assim procuraram manter os projetos de
cooperação.32 O presidente Richard Nixon havia nomeado, em abril de 1969, o
diplomata de carreira Charles Burke Elbrick para o cargo de embaixador dos
EUA no Brasil. No início de setembro de 1969, o embaixador foi seqüestrado
pelo comando conjunto da ALN e do MR8, que exigiram divulgação de mani-
festo na mídia e a libertação imediata de 15 presos políticos. No dia seguinte ao
seqüestro, o próprio Ministro Magalhães Pinto anunciou que o governo brasi-
leiro deportaria os 15 detidos indicados pelos seqüestradores. Depois de liberta-
do, o Embaixador Elbrick disse que continuaria representando os EUA no Bra-
sil.
Dessa forma, o Governo Costa e Silva marcou um processo de mudan-
ça na relação com os EUA, que foi se aprofundando e concretizando opções
diferenciadas nas relações internacionais do país nos governos seguintes. Essa
busca de opções diferenciadas consubstanciou-se na tentativa de se recuperar
uma maior margem de barganha, através da construção de um discurso seleti-
vo, com alguns cortes terceiro-mundistas.

Médici entre o primeiro e o terceiro mundo


Com a ascensão de Emílio Garrastazu Médici ao poder, o apaziguamen-
to dos ânimos internos da corporação militar conjugou-se com uma situação
econômica internacional favorável. O Brasil atingia altas taxas de crescimento,
e a performance positiva alimentava as perspectivas de ingresso rápido no Pri-
meiro Mundo. Pela primeira vez na história, a idéia da transformação do Brasil
em grande potência – principal objetivo dos geopolíticos brasileiros – aparece
em um programa de governo (no Programa de Metas e Bases para a Ação do
Governo de 1970, e o I Plano Nacional de Desenvolvimento de 1971). A políti-
ca externa, sob o comando do Chanceler Mário Gibson Barboza, desempenha-
ria papel fundamental nesse projeto, sendo batizada de diplomacia do interesse
nacional.
Durante o governo Médici, o nacional autoritarismo assumiu o poder
do Estado e impulsionou o desenvolvimento do Brasil, através do tripé econô-
mico formado pelas empresas estatais, as empresas multinacionais e as empre-
sas da burguesia nacional. O nacional autoritarismo era socialmente conserva-
dor e baseava-se no poder do Estado, de suas empresas e do Tesouro Nacional.
Conforme Paulo Vizentini, o nacionalismo tinha seu conteúdo e âmbito de
atuação alterado, pois fazia-se necessário obter um bom desempenho financei-
ro e comercial no âmbito externo, como contrapartida ao conservadorismo

32
CERVO, Amado e BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo:
Ática, 1992, p. 368.
262 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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social no plano interno.33 A imagem e a perspectiva de um Brasil que estava
prestes a sair do subdesenvolvimento refletia-se na política externa e na visão
que os estrategistas tinham do sistema internacional. Estes rejeitavam tanto os
alinhamentos automáticos quanto o multilateralismo dos Não-Alinhados. As-
sim, o bilateralismo foi bastante explorado, já que permitia a apresentação do
Brasil como país diferenciado.
Com o governo Médici, as relações Brasil-Estados Unidos sofreram uma
nova reorientação, condicionadas pelas novas contradições internas e externas.
Conforme Cíntia Souto, a literatura que discorre sobre as relações do governo
Médici com os Estados Unidos chega a ser contraditória no que diz respeito ao
caráter destas relações. Enquanto autores como Williams Gonçalves e Shiguenoli
Miyamoto situam a política externa no domínio das fronteiras ideológicas, se-
guindo a mesma orientação de Costa e Silva, Carlos Estevam Martins situa o
período Médici como pré-imperialista no sistema internacional.34 Entretanto,
essa contradição pode estar ligada a própria dualidade da política externa de
Médici, entre o Primeiro e o Terceiro mundos, reflexo do desenvolvimento
desigual do país. De acordo com Cíntia Souto,
A relação do Brasil tanto com os países desenvolvidos, do qual os
Estados Unidos é o principal, como com os países do Terceiro Mun-
do é assinalada pela tentativa de dupla inserção no plano internacio-
nal. O esforço dá-se na direção de um tratamento ora como país in-
dustrializado e desenvolvido, aceito no clube das nações ricas, ora
como país em desenvolvimento, usufruindo dos benefícios e vanta-
gens que lhe possibilitasse maior desenvolvimento econômico.35

Uma relativa modificação na política externa encontrava eco nos meios


militares. Desde 1968, a Escola Superior de Guerra, tendo como diretor o Ge-
neral Augusto Fragoso, estava tratando de modificar sua doutrina, adaptando-
a ao nacionalismo autoritário e vinculando o conceito de segurança mais estrei-
tamente ao de desenvolvimento. Ocorria o avanço do Estado sobre os setores
considerados estratégicos na economia, embora mantendo-se diretrizes de polí-
tica econômica favoráveis ao capital estrangeiro, com a manutenção de Delfim
Neto no Ministério da Fazenda.36
Em 11 de junho de 1971, o diplomata Araújo Castro assumiu o cargo de
embaixador do Brasil nos EUA, após ter servido três anos como representante
permanente do Brasil junto às Nações Unidas. Araújo Castro havia sido Minis-

33
VIZENTINI, Paulo. A política externa do regime militar brasileiro. Op. cit., p. 135.
34
SOUTO, Cíntia Vieira. A diplomacia do Interesse Nacional: a política externa do governo Médici
(1969-1974). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Pós-Graduação em Ciência Política da
UFRGS, 1998, p.107.
35
Ibid., p. 112.
36
BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988). Op. cit., p.
195.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 263
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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tro das Relações Exteriores, de agosto de 1963 a abril de 1964, e era considerado
um dos teóricos da Política Externa Independente. Sua nomeação indicava a
vontade do governo brasileiro de redimensionar as relações do Brasil com o
governo norte-americano.
Segundo o embaixador
O Brasil cresceu, diversificou-se. [...] adquiriu confiança em si mes-
mo e está hoje em condições de considerar objetivamente suas rela-
ções com qualquer país, sem ilusões e sem ressentimentos, dentro de
um critério objetivo e pragmático. Em uma palavra, o Brasil é hoje
um país sem mania de perseguição, o que nos permite uma grande
liberdade de movimentos e atitudes. Não temos medo de discordar,
mas não há razão alguma para que tenhamos receio de concordar,
quando for o caso.37

Os principais pontos de atrito entre o governo Médici e os Estados


Unidos foram em torno da decretação do mar territorial de 200 milhas, da
questão dos direitos humanos e dos temas gerais de comércio e a recusa ao
TNP. Também ocorreu a crise do café em 1971, com a imposição de cotas para
os produtos brasileiros.
Em 25 de março de 1970, o governo decretou que o mar territorial
brasileiro, a partir daquele momento, abrangeria 200 milhas – uma proposta do
Chanceler Mário Gibson Barbosa, apoiada pelo ministro da marinha, Almiran-
te Adalberto de Barros Nunes. Esta medida tinha objetivos políticos internos e
externos. Internamente, buscava-se ampliar o sentimento de nacionalismo e a
diminuição dos atritos políticos. Externamente, buscava-se demonstrar aos Es-
tados Unidos o relativo poder do Brasil e obter maior margem de barganha nas
negociações do café e dos têxteis de algodão. As negociações sobre o tratado de
200 milhas terminaram em 1973, com a assinatura do Tratado do Mar.
Até 1970, poucos países latino-americanos e afro-asiáticos haviam es-
tendido além das 12 milhas seus direitos soberanos ou sua jurisdição sobre as
águas do mar adjacente e sobre seus recursos. No início da década, o conceito
das 200 milhas espalhou-se pelo continente, com oito países decretando 200
milhas já em 1970. Entretanto, não existia uma norma de Direito Internacional
que determinasse a largura máxima do mar territorial. Os interesses econômi-
cos da ampliação do território marítimo brasileiro compreendiam a pesca, a
pesquisa científica e a preservação do meio-ambiente. No campo da segurança,
o interesse era evitar que navios estrangeiros passassem próximos à costa brasi-
leira sem autorização, evitando também a pesquisa, espionagem ou instalação
de estruturas militares próximo ao Brasil. Na relação política com o continen-
te, buscava-se aproveitar a coincidência do interesse do governo brasileiro com
o dos outros países latino-americanos, invocando o princípio da independência
do Terceiro Mundo e a solidariedade latino-americana.

37
EXPOSIÇÃO perante o Curso Superior de Guerra da ESG. Rio de Janeiro, 22 de maio de
1922. In: AMADO, Rodrigo. Araújo Castro. Brasília, ED. UnB, 1982, p. 242.
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Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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Os interesses mais contrariados com a ampliação do mar territorial fo-
ram os das nações com indústria pesqueira, em especial Estados Unidos, União
Soviética, Japão, França, Inglaterra e países escandinavos, que protestaram jun-
to ao governo do Brasil. Em contrapartida, os países latino-americanos come-
moraram. Em maio de 1970, o governo uruguaio promoveu uma reunião com
os países que haviam aumentado seu mar territorial. Esta reunião foi concluída
com a Declaração de Montevidéu sobre Direito do Mar, assinada por Brasil,
Argentina, Chile, El Salvador, Nicarágua, Panamá, Peru e Uruguai.38
Em 7 de junho de 1971, o embaixador norte-americano no Brasil, Willian
Manning Rountree, reuniu-se com Médici para expor as preocupações do go-
verno dos EUA com a ampliação do Mar Territorial, que poderia ser seguida
por muitos países, dificultando a navegação dos navios americanos. Como re-
presália, os deputados norte-americanos congelaram a votação que prorrogaria
a participação dos EUA no Acordo Internacional do Café. A imprensa chegou
a noticiar que barcos pesqueiros norte-americanos teriam sido expulsos a tiros
da costa brasileira.39
Mas os EUA não tinham muito a fazer concretamente. A decisão brasi-
leira situava-se fora das tradicionais áreas explosivas nas relações bilaterais às
quais os EUA reagiam quase de forma automática.
Conforme Carlos Estevam Martins
[...] na medida em que era conflitiva, suas chances de êxito foram
maximizadas, pelo fato de que opunha a interesses norte-americanos
genéricos e difusos um interesse brasileiro bem localizado e específi-
co. Em nenhum momento lançou-se mão de qualquer argumentação
emocional ou ideológica vasada em termos de imperialismo ou
colonialismo. Finalmente, os possíveis riscos de represália foram de
antemão reduzidos ao mínimo, na medida mesma em que foi evitado
todo e qualquer comportamento suscetível de ser qualificado de des-
leal, ilegítimo ou subversivo em função da ordem institucional vi-
gente.40

Enquanto os diplomatas falavam de maior soberania e autonomia do


Brasil no sistema mundial, o senador democrata dos EUA, Frank Church, em
maio de 1971, questionava, perante a subcomissão de relações exteriores do
Senado norte-americano, a afirmativa do embaixador Willam Rountree de que
o Brasil necessitava de ajuda norte-americana. O governo Médici era apoiado
pelas empresas multinacionais, enquanto os sindicatos norte-americanos se pre-
ocupavam com a possibilidade do aumento do desemprego no seu país, em

38
SOUTO, Cíntia. Op. cit., p. 123.
39
DUZENTAS milhas fora da agenda do encontro Médici-Nixon. Correio do Povo, Porto Ale-
gre, p. 01, 04 dez. 1971.
MARTINS, Carlos Estevam. Capitalismo de Estado e modelo político no Brasil. Rio de Janeiro:
40

Edições Graal, 1977, p. 412.


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virtude das transferências das plantas industriais para lugares com salários mais
baixos, como o Brasil.41
Em dezembro de 1971, o presidente Médici visitou os EUA, com o
objetivo de obter o status diferenciado do Brasil em relação aos outros países
subdesenvolvidos. Apesar das questões comerciais fazerem parte da agenda de
interesses a serem discutidas diretamente com o governo norte-americano, o
que interessava de fato ao governo brasileiro na visita era receber um tratamen-
to especial dos Estados Unidos. Segundo Moniz Bandeira, o que o Brasil deseja-
va “era um tratamento diferenciado pelos EUA, através do diálogo entre dois
Estados soberanos, não aceitando que o diluíssem em uma única política uni-
forme para a América Latina”42 De fato, durante a viagem de Médici, o presi-
dente dos Estados Unidos, Richard Nixon, afirmou a famosa frase “para onde o
Brasil vai, irá o restante da América Latina”. Um agrado que custou a indigna-
ção dos outros países latino-americanos.
A ajuda militar norte-americana foi intensificada a partir do segundo
semestre de 1969, na proporção em que cresciam os movimentos e governos de
esquerda na América Latina. O fortalecimento da relação do governo Nixon
com Médici deveu-se à formulação da chamada Doutrina Nixon, que propunha
uma aliança em termos de segurança com potências médias aliadas. O fato de o
governo norte-americano buscar manter relações especiais com ditaduras mili-
tares, embora desconfortável, não era insustentável, com o qual Nixon respon-
dia que deveriam ser diferenciadas as ditaduras comunistas das ditaduras não-
comunistas, sendo que estas poderiam ser importantes aliadas. Nesse sentido,
ainda prevalecia a interpretação de que a ascensão de governos socialistas repre-
sentava a estratégia expansionista soviética. Nesta época, denunciou-se a Ope-
ração Trinta Horas, planejada pelo governo brasileiro, para invadir e ocupar o
Uruguai, no caso da ascensão da Frente Ampla (que congregava partidos de
esquerda e centro-esquerda) nas eleições para a presidência de 1971. Embora o
governo brasileiro tenha desmentido tal operação, o fato é que houve uma con-
centração de tropas na fronteira com o Uruguai nesta época. O governo socia-
lista no Chile também sofria restrições por parte do governo brasileiro e norte-
americano.

Geisel e o pragmatismo responsável


O governo Ernesto Geisel foi marcado por uma conjuntura externa de
crise econômica mundial, que vinha se desenvolvendo desde o início da década,
mas foi acelerada com a crise do petróleo em 1973. O antigo chefe da Casa
Militar do governo Castelo Branco assumiu a presidência no período do fim do

41
BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988). Op. cit., 203.
42
Ibid., p. 205.
266 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
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milagre econômico brasileiro, ao mesmo tempo em que as contestações ao regi-
me ganhavam a cena nacional.
Com Geisel, o Brasil experimentava uma inflexão em sua política exter-
na, conhecida como pragmatismo responsável. Esta política constituiu-se numa
série de atuações diplomáticas, processadas através dos alinhamentos indispensá-
veis. Além disso, buscou atuar mundialmente, em diferentes cenários, aproxi-
mando-se da Europa e do Japão, para contrabalançar sua dependência aos EUA.
Formulou políticas próprias para a China, África e Oriente Médio. Também
procurou obter tecnologia nuclear, culminando no Acordo de Cooperação
Nuclear com a Alemanha, em 1975. Em relação à América Latina, o Brasil
assinou, em 1976, o Pacto Amazônico com Bolívia, Equador, Colômbia, Guiana,
Peru e Suriname.
As relações econômicas entre o Brasil e os EUA sofriam um processo
de erosão desde de 1968, com uma crescente perda de complementaridade. O
protecionismo norte americano, juntamente com as necessidades do Brasil de
exportar manufaturados, fizeram com que este procurasse diversificar seus
mercados, tanto com países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Ao
perceber o crescimento econômico do Brasil, os EUA também temiam a possi-
bilidade de surgir um novo pólo de poder no continente.43
O governo norte-americano havia decidido suspender, em 1974, o for-
necimento de urânio enriquecido para a usina de Angra, que tinha sido acorda-
do em 1972. Como resposta, o governo Geisel procurou outras parcerias para a
continuidade de seu projeto nuclear, firmando então, com a Alemanha, o Acordo
Nuclear, em junho de 1975.
Conforme Cervo e Bueno
O governo dos EUA se dispôs a inviabilizá-lo, exercendo fortes pres-
sões sobre o Brasil e a Alemanha. Estava muito inquieto, porque o
Brasil não assinara o TNP, tinha uma política externa autônoma,
atritava-se com os Estados Unidos no comércio bilateral e nos foros
multilaterais, apoiava regimes de esquerda na África, cortejando Cuba
e União Soviética, estabelecera relações com a China Comunista e
condenara o sionismo como racismo.44

Em fevereiro de 1976, o secretário de Estado norte-americano Henry


Kissinger visitou o Brasil com o objetivo de elaborar, conjuntamente com o
ministro Azeredo da Silveira, um Memorando de Entendimentos que implicas-
se uma aliança entre os dois países. Nos discursos dos chanceleres, reconhecia-
se o poder global dos Estados Unidos e sua liderança no hemisfério, enquanto o
Brasil era considerado uma potência emergente. O Memorando de Entendi-

43
GONÇALVES, Williams e MIYAMOTO, Shiguenoli. Os Militares na Política Externa Brasi-
leira: 1964-1984. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 06, n.12, 1983, p. 243.
44
CERVO, Amado e BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Op. cit., p.
369.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 267
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mentos foi assinado no dia 21 de fevereiro de 1976 e criava mecanismos de
consulta semestrais. Esse documento expressava mais uma vontade política de
negociação, pois não tinha efeito ou resultados efetivos e imediatos.
De qualquer forma, conforme Sônia de Camargo,
[...] no momento em que as negociações desembocavam na assinatu-
ra de um memorando de entendimentos, ficava claro que o Brasil
estava negociando a partir de uma posição de maior força do que
antes e que os Estados Unidos reconheciam que era necessário mu-
dar de tática e de tom, senão de estratégia.45

Durante o governo Gerald Ford (1974-1976), a pressão sobre o Brasil man-


teve-se dentro de certos limites, pois a Doutrina Nixon ainda estava vigente e
priorizava a relação com os países-chave. Assim, na América Latina, o Brasil era
considerado o aliado preferencial, não interessando ao governo dos EUA prejudi-
car essa relação. A partir do governo Jimmy Carter (1976-1980), a política dos Esta-
dos Unidos para o Brasil passou do cordialismo para uma pressão mais agressiva. O
principal ponto de discórdia era o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Desde o iní-
cio do seu Governo, Jimmy Carter abrira internacionalmente a discussão sobre o
Acordo Nuclear e enviou o vice-presidente dos EUA, Walter Mondale, para nego-
ciar com os alemães a suspensão do acordo. Já com o Brasil o secretário de Estado
Cyrus Vance tentava uma moratória do acordo e apontava para a possível solução
com alternativas, oferecendo ao país uma usina de enriquecimento e outra de
reprocessamento de Urânio, com o que o Brasil respondeu negativamente.
Os Estados Unidos também pressionavam a Alemanha. Esta dependia
da ajuda militar e das forças de segurança da OTAN, além de sofrer um relativo
isolamento na questão da exportação de tecnologia nuclear e de estar submeti-
da à Agência Internacional de Energia Atômica. Ante a pressão norte-america-
na, o governo alemão tendeu à ceder, renunciando à venda de material nuclear
de forma bilateral e aceitando a proposta dos EUA de criar pólos de venda
multinacionais, mas o governo brasileiro afirmou que só aceitaria o contrato
original. Em junho de 1977, a Alemanha Ocidental anunciou a decisão de inter-
romper a exportação de tecnologia nuclear para outros países, mas o acordo
com o Brasil não sofreu modificações. Com o passar do tempo, foi diminuindo
a pressão dos EUA em relação ao assunto, embora permanecesse.
Dessa forma, a política norte-americana para o Brasil foi de estabelecer
pressões, como a dos direitos humanos de Carter, a partir de 1977. Desde 1976
o Congresso americano exigia um relatório sobre os direitos humanos aos paí-
ses em que oferecia ajuda militar. No início de 1977, o governo brasileiro repu-
diou o relatório preparado pelo Congresso americano sobre a violação dos di-
reitos humanos no Brasil, considerando uma ingerência nos seus assuntos in-
ternos. Poucos dias depois, anunciou o cancelamento do Acordo Militar com

CAMARGO, Sônia de, e VASQUEZ OCAMPO, José Maria. Autoritarismo e democracia da


45

Argentina e Brasil: uma década de política exterior, 1973-1984. São Paulo: Convívio, 1988, p. 98.
268 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
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os EUA de 1952. Esse rompimento surpreendeu o governo norte-americano e
serviu como uma dura resposta às pressões contra o Acordo Nuclear com a
Alemanha. O rompimento de um acordo militar com os EUA, mesmo que
praticamente obsoleto, representava o fortalecimento do anti-americanismo
dentro das Forças Armadas.
Nesse contexto, Carter adiou a visita programada para novembro de
1977 e enviou no seu lugar a primeira-dama, Rosalyn, que visitou o Brasil em
junho daquele ano. Esta entrou em contato com estudantes, os quais entrega-
ram um relatório sobre violação dos direitos humanos no Brasil, e ouviu de-
núncias de prisões e torturas. O governo brasileiro procurou conduzir a ques-
tão sem entrar em discussões. Já no final de 1977, as condições para a retomada
do diálogo começaram a surgir, com a visita do secretário de Estado, Cyrus
Vance, ao chanceler Azeredo da Silveira. Em março de 1978, Carter finalmente
visitou o Brasil, em clima de cordialidade e evitando os temas polêmicos. Nessa
visita, afirmou que o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) não se apli-
cava ao Brasil e à Alemanha Ocidental. Foi assinado um comunicado conjunto
Geisel-Carter, que dedicava metade do seu texto aos problemas econômicos
bilaterais e multilaterais.
As questões comerciais foram um importante ponto de atrito entre o
Governo Geisel e os Estados Unidos. Um dos principais palcos desse atrito foi
na Rodada de Tóquio do GATT (1973-1979), onde estava prevalecendo a
hegemonia dos países desenvolvidos. O governo brasileiro reivindicava o prin-
cípio de um tratamento incondicionalmente favorável ao Terceiro Mundo no
comércio internacional, o que foi rejeitado pelos países desenvolvidos. O go-
verno norte-americano repudiava tais medidas e inclusive seu congresso apro-
vou, no final de 1974, a Lei de Reforma Comercial. A seção 301 da Lei de
Comércio transformou-se no mecanismo de pressão comercial dos EUA, ame-
açando os países que afetassem suas exportações de mercadorias e serviços. A
reação de vários países da América Latina, incluindo o Brasil, foi de criticar a
implantação de tal lei. Muitos produtos brasileiros foram excluídos do Sistema
Geral de Preferência (SGP) dos EUA. Com algumas modificações feitas em
1979, 1984 e 1988, a seção 301 foi se fortalecendo como principal instrumento
de retaliações comerciais do governo norte-americano.
O governo brasileiro continuou seu esforço de industrialização e de pro-
moção de exportações, protegendo sua indústria. Esse esforço foi o responsável
pela diversificação das exportações brasileiras. Os produtos primários, como café
em grão, açúcar e cacau, diminuíram de 50% em 1971 para 15% em 1983, em
média. Em contrapartida, a participação dos produtos manufaturados saltou de
18% em 1971 para 54% em 1983. Os produtos industrializados foram também
diversificando-se, ampliando-se a participação dos de maior valor agregado. En-
quanto isso, as importações pelo Brasil dos produtos norte-americanos diminuiu
nos anos 1970, com a redução da complementaridade econômica.46

46
Ibid., p. 112-115.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 269
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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Como resposta aos crescentes conflitos com os EUA, o governo Geisel
buscou estreitar relações com a Europa Ocidental, fortalecendo os laços políti-
co-econômicos e servindo como um contrabalanço à deterioração das relações
com os EUA. Afinal, a Europa também detinha capitais, tecnologias e estava
disposta a investir e estabelecer parcerias. Nesse sentido, ocorreu a participação
de governos e empresas da Europa em vários projetos industriais. Conforme
Carlos Lessa, a vertente Européia da diplomacia de Geisel tinha fortes conotações
políticas. Significava a relativização da presença dos EUA sobre o cenário inter-
no do Brasil, cuja influência sempre teve uma carga simbólica negativa, e mos-
trar que as democracias européias reconheciam o regime brasileiro. Demons-
trava também que as relações com os países de orientação socialista do Terceiro
Mundo não levariam o Brasil a romper com o sistema capitalista.47
As relações com a África e Ásia foram intensificadas e ampliadas, inclu-
sive com medidas de grande impacto. Uma destas foi o restabelecimento de
relações diplomáticas com a China comunista em 1974, mas que o próprio go-
verno norte-americano já havia visitado, com Richard Nixon, em 1971. O inte-
resse do Brasil no Japão era semelhante ao que tinha para a Europa. Também
ocorreu o reconhecimento de Guiné Bissau em julho de 1974, como Estado
independente, antes que Portugal o tivesse feito, fazendo o mesmo com Angola
em 1975. Na realidade, o governo brasileiro não queria ser identificado com a
decadente ditadura salazarista colonialista. O pioneirismo do Brasil garantiu
sua presença na economia africana, em especial a de língua portuguesa. Não
obstante, dos três movimentos angolanos de libertação nacional, o Brasil reco-
nheceu como governo legítimo o MPLA, exatamente o mesmo apoiado por
Cuba e União Soviética, enquanto os EUA apoiaram o FNLA e depois a
UNITA, pró-ocidentais. Mas foi no Oriente Médio que as diferenças entre Bra-
sil e EUA se acentuaram, com a defesa que o Brasil fez, na ONU, a favor da
formação de um Estado Palestino, e do voto condenando o sionismo como
uma forma de racismo. Assim como a Argentina, o Brasil também não aderiu
ao embargo à venda de cereais para a URSS, promovido pelos EUA, em 1979,
como represália à invasão do Afeganistão.
Mesmo sem nunca ter rompido com o sistema interamericano sob a
hegemonia dos EUA, o Brasil buscava atuar de forma independente, demons-
trando que tinha interesses próprios no sistema internacional. Essa “rivalida-
de” também era útil internamente ao governo brasileiro. Gerava consenso com
a oposição, conferia certa legitimidade ao governo e desviava a atenção da crise
econômica. Além disso, as Forças Armadas do Brasil sentiam a oposição dos
EUA às suas demandas de desenvolvimento tecnológico e aos seus projetos de
fortalecimento. Tais atritos promoveram a ampliação de um sentimento anti-
americano entre os militares brasileiros, que passaram a apoiar e colaborar com

47
LESSA, Antônio Carlos. Da apatia recíproca ao entusiasmo de emergência: as relações Brasil-
Europa Ocidental no Governo Geisel (1974-1979). Anos 90: Revista do PPG-História. UFRGS.
Porto Alegre, n.5, p. 89-106, julho 1996, p.94.
270 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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o Itamaraty numa política que procurava espaços internacionais alternativos
de atuação.

Figueiredo e o universalismo sob pressão


João Figueiredo assumiu a presidência em março de 1979, marcado por
um novo ambiente interno e externo. Internamente, vivia-se os impasses
advindos da redemocratização e da crise econômica. Externamente, o Brasil
sofria a crise da dívida e os efeitos da chamada Nova Guerra Fria. Presidente da
República, imposto por Geisel sobre setores linha-dura, Figueiredo tinha por
tarefa promover a liberalização política e as reformas necessárias, sem compro-
meter a unidade das forças armadas. A imagem externa do Brasil era a de um
país do Terceiro Mundo, assolado pela crise econômica, e não mais a de uma
potência emergente.
No campo da política externa, o governo não realizou nenhuma mu-
dança significativa em seu curso, mantendo e aprofundando as linhas mestras
do pragmatismo responsável. Conforme o Chanceler Saraiva Guerreiro, a ca-
racterística básica da diplomacia sob seu comando seria o universalismo, uma
adaptação da política externa brasileira ao contexto da mundialização do siste-
ma internacional. No discurso do Presidente ao Congresso Nacional, em de
março de 1980, Figueiredo expôs as bases da política externa de seu governo.
Em seu discurso, Figueiredo reafirmou os conceitos de universalismo diplomá-
tico e mundialização de interesses:
[...] Nossa política nacional caracteriza-se pela presença, cada vez mais
marcante, dos interesses nacionais em várias regiões do planeta e na
ampla gama de temas em debate no plano internacional. O Brasil
hoje valoriza suas relações tanto com o mundo industrializado, como
com os países da América Latina, África e Ásia. O universalismo da
política externa se expressa pela ampla disposição ao diálogo, com
base no respeito mútuo e no princípio de não-intervenção. Em sua
ação, o Brasil procura afirmar um novo tipo de relações internacio-
nais, de natureza aberta e democrática, horizontal, sem subordina-
ções nem prepotências. [...] O Brasil assume integralmente a sua con-
dição de país latino-americano. Acredita que, em conjunto, as nações
latino-americanas devem buscar as mais aperfeiçoadas formas de
integração regional, que permitam, não só acelerar o desenvolvimen-
to e o intercâmbio entre elas, com o realismo e a atenção às
potencialidades e necessidades de cada país, senão também que lhes
facilite presença mais homogênea nas negociações econômicas com
os países desenvolvidos. 48

48
BRASIL – Ministério das Relações Exteriores. Resenha de Política Exterior do Brasil. Ministério
das Relações Exteriores, Brasília, n. 24, jan/fev/mar, l980, p. 3.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 271
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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O universalismo da diplomacia estava ligado ao caráter do desenvolvi-
mento brasileiro e sua inserção no sistema internacional, como país pertencen-
te ao Terceiro Mundo, mas que tinha características e interesses comuns aos
países desenvolvidos, buscando um diálogo com todos os atores.
Conforme Saraiva Guerreiro, num discurso proferido na Federação
Brasileira dos Bancos, em julho de 1980:
Não vemos a cooperação Sul-Sul como alternativa ao diálogo Norte-
Sul, que obedece a outra dinâmica e incorpora outras expectativas.
Neste, o que se pretende é reforçar algo que já existe, dar sentido
novo aos laços tradicionais que nos unem, países do Terceiro Mun-
do, ao Ocidente industrializado. Eventualmente, as ligações Sul-Sul,
além da sua valia intrínseca, podem reforçar nosso poder de barga-
nha em negociações econômicas globais.49

Nas relações com os EUA, o governo Figueiredo passou por momentos


de aproximação e distanciamento. Quando Ronald Reagan assumiu a presidên-
cia, em 1981, ocorreu a intensificação das tradicionais áreas de atrito entre os
dois países, como direitos humanos, comércio e tecnologia de ponta, enquanto
outras se acrescentaram, como a dívida externa, questões militares e a guerra
das Malvinas. A política externa promovida por Reagan para a América Latina
visava recuperar o espaço perdido no tempo de Carter, derrotar o que chama-
vam de expansionismo soviético na América Central, e recuperar a hegemonia
na região, como trampolim para uma retomada da hegemonia mundial.
Em 1981, o vice-presidente dos EUA, George Bush, e o secretário assis-
tente de Estado, Thomas Enders, visitaram o Brasil, com o objetivo de conven-
cer o governo Figueiredo a apoiar a militarização do Atlântico Sul e o repúdio
à intervenção da URSS no Afeganistão, ocorrida em 1979. Como contrapartida,
o governo dos EUA prometia maiores investimentos, suspensão de alguns en-
traves às exportações do Brasil e garantia de fornecimento de combustível nu-
clear. Concretamente, o Brasil acabou tendo permissão para comprar da Urenco,
o consórcio nuclear da Alemanha, Inglaterra e Holanda, o material de que ne-
cessitava, além de reduzir alguns entraves às exportações para os Estados Uni-
dos. Em maio de 1982, Figueiredo visitou Ronald Reagan, cujo tema central da
discussão foi a situação das Malvinas. Figueiredo procurou defender a Argenti-
na frente às sanções aprovadas por Washington contra o país. O Brasil vinha,
desde o início dos anos 1980, substituindo a rivalidade pela cooperação nas
relações com a Argentina, e o clima internacional desfavorável aos dois países
intensificou esta aproximação.
Após a Guerra das Malvinas, a Argentina, atritada com os EUA e Euro-
pa, associou-se ao Brasil e reforçou um processo de cooperação política e
integração econômica, que havia sido iniciado com a assinatura de Itaipu, em

49
BRASIL – Ministério das Relações Exteriores. Resenha de Política Exterior do Brasil. Ministério
das Relações Exteriores, Brasília, n. 26, jul/ago/set, l980, p. 61-64.
272 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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1979.50 O apoio dos EUA à Inglaterra na Guerra das Malvinas desfez as ilusões
de defesa continental e começou a explicitar a diferença entre os países do Nor-
te e os do Sul. Desse momento em diante, para responder à contradição Norte-
Sul, o caminho para o desenvolvimento da América do Sul passou a ser
construído sob o signo da integração e da cooperação.
Na década de 1980, diminuíram os espaços de barganha de países como
o Brasil e a Argentina, já que não havia mais necessidade de resguardar uma
região do perigo do avanço comunista. A ofensiva conservadora dos EUA, já
na segunda metade dos anos 1970, inaugurou uma política de diminuição dos
custos (militares, diplomáticos, políticos e econômicos) das alianças com gover-
nos locais em áreas já controladas. O governo Reagan pressionava pela
redemocratização, aprofundando a política de direitos humanos inaugurada pelo
Governo Carter. Os antigos aliados tinham um projeto de desenvolvimento
próprio, que não condizia com os rumos que a economia e a política mundial
vinham tomando, nem com os interesses estratégicos norte-americanos.
Nesse sentido, a política do Brasil para a África voltou a preocupar os
EUA, quando Reagan assumiu o poder. Este aprofundou suas relações com a
África do Sul, apoiou efusivamente a UNITA e esfriou as relações com
Moçambique. O Brasil, além de apoiar o governo do MPLA em Angola, au-
mentava rapidamente sua influência sobre o continente. O Brasil vendia veícu-
los para mais de vinte países e participava de diversos investimentos de infra-
estrutura. Enquanto isso, o Itamaraty condenava a África do Sul pelo regime de
Apartheid e suas agressões contra Angola e Moçambique. 51 O governo
Figueiredo, cujo interesse central era ampliar mercados consumidores e livrar a
rota do Cabo de bloqueios que pudessem causar prejuízo ao consumo nacional
de petróleo, rejeitou a idéia norte-americana da criação da Organização do Atlân-
tico Sul (OTAS).52
O projeto nuclear brasileiro continuava, embora estivesse passando por
diversas dificuldades. No governo Figueiredo, além do prosseguimento das obras
da central nuclear Angra II, houve a cooperação nuclear com diversos outros
países. Já em l979, ocorria a consolidação da implantação do Sistema de Infor-
mação Científica e Tecnológica no Exterior. Neste mesmo ano, foram negoci-
ados, bilateralmente, com França, Bolívia, Chile, Bélgica, Índia e Itália ajustes
complementares de cooperação científica e tecnológica. Em janeiro de 1980 foi
selado um acordo de cooperação entre Brasil e Iraque no campo de usos pacífi-
cos da energia nuclear. Desde l98l, a reformulação das previsões de demanda
energética nacional e um maior realismo na avaliação dos custos das usinas

BANDEIRA, Moniz. Estado Nacional e Política internacional na América Latina: O continente


50

nas relações Argentina-Brasil (1930-1992). São Paulo: Ensaio, 1993 - 2ª edição - 1995, p. 270.
51
BANDEIRA, Moniz. Brasil-Estados Unidos: A rivalidade emergente (1950-1988). Op. cit., p.
256.
52
GONÇALVES, Williams; MIYAMOTO, Shiguenoli. Op. cit., p. 240.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 273
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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nucleares fizeram o ritmo de desenvolvimento nuclear diminuir, retraindo a
transferência de tecnologia da Alemanha.53
A reserva de mercado para a informática no Brasil não agradava o go-
verno norte-americano. Em l979, a CAPRE (Coordenação das Atividades de
Processamento de Dados) foi transformada em Secretaria Especial de Informática
(SEI), subordinada ao Conselho de Segurança Nacional. O tema da informática
passou a receber maior atenção na grande imprensa e a sofrer ataques mais
organizados por parte das forças contrárias à reserva de mercado. Em novem-
bro de l982, o presidente Reagan, ao visitar o Brasil, colocou na pauta de nego-
ciações o tema da Política Nacional de Informática (PNI). No primeiro semes-
tre de l983, o governo norte-americano intensificou as ameaças de retaliação.
No mês de março, foi divulgado no Brasil o documento do Departamento de
Comércio dos EUA, contendo críticas à reserva de mercado brasileira, o qual
definia como “estreito” conceito de empresa nacional adotado pelo governo
brasileiro. Em abril de 1983, a FIESP divulgou um documento contendo críti-
cas à Política Nacional de Informática, utilizando argumentos semelhantes aos
do governo norte-americano. Ocorreram diversas reuniões entre empresas norte-
americanas do setor de informática com subsidiárias no Brasil e o governo dos
EUA, em Washington, com vistas a buscar formas de pressão contra a PNI. As
forças que apoiavam a política nacional de informática abarcavam os técnicos
do governo, parlamentares de vários partidos, centenas de entidades da socieda-
de, que organizaram o Movimento Brasil Informática. Em outubro de 1984, o
Congresso decretou a Lei de Informática, sancionada pelo presidente Figueiredo
em dezembro do mesmo ano.54
Nos fóruns multilaterais, o debate polarizado continuava sobre ques-
tões de comércio. Em setembro de 1982, na ONU, Figueiredo dirigiu-se à As-
sembléia Geral, denunciando as barreiras comerciais empregadas por Reagan.
Seu discurso cristalizava as dificuldades de financiamento e de comercialização
no mercado internacional. Nas reuniões do GATT, os EUA iniciaram uma
nova estratégia, introduzindo o debate sobre novos temas, como serviço,
tecnologia e investimentos. O interesse dos EUA em relação ao Brasil era a
eliminação das restrições às operações dos bancos dos EUA, o relaxamento da
lei de remessa de lucros e o abrandamento da reserva de mercado para
informática.55
Com o governo Figueiredo, o esforço exportador foi ampliado, visan-
do melhorar o balanço de pagamentos. Em l979, o Brasil criou o Programa de
Promoção Comercial no Exterior (PPCE), com vistas a tornar possível um
substancial aumento da produtividade dos recursos financeiros, materiais e

MOURA, Gérson; KRAMER, Paulo e WROBEL, Paulo. Os caminhos (difíceis) da autono-


53

mia: as relações Brasil-EUA. Contexto Internacional. IRI-PUC/RJ, n. 2, jul/dez, l985.


54
FREGNI, Édson. A informática no Brasil. Contexto Internacional. IRI-PUC/RJ, n. 3, Jan/jun,
l986, p. l4l-43.
55
CAMARGO, Sônia; OCAMPO, Vasquez. Op. cit., p. 180.
274 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005
Disponível em: <http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>

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humanos à sua disposição. Em 1981, foi assinada uma portaria oferecendo in-
centivos fiscais para as exportações de manufaturados. O governo norte-ameri-
cano considerou essas medidas como violadoras do compromisso comercial
entre os dois países, e resolveu então sobretaxar diversos produtos brasileiros.56
A questão da dívida externa também marcou as relações internacionais do Go-
verno Figueiredo. A estratégia brasileira de negociação buscava demonstrar a
especificidade do caso brasileiro, de que as dívidas tinham sido contraídas para
desenvolver o setor produtivo, ao mesmo tempo em que tentava realizar pro-
gramas de ajustamento que convergissem com as exigências do FMI, mediante
as cartas de intenção.57
Dessa forma, o regime militar deixava uma herança de maior interna-
cionalização do país, um extenso parque industrial (embora desigualmente de-
senvolvido e distribuído) e uma grande lista de conflitos com os Estados Uni-
dos. Ao mesmo tempo, passava para os civis um país falido em relação às finan-
ças nacionais, com a maior dívida externa do mundo, os maiores índices de
inflação até então registrados na história do Brasil, e uma enorme dívida social.

Considerações finais
No Brasil, os militares detiveram o poder durante duas décadas, desen-
volvendo uma política externa que oscila do alinhamento automático aos EUA,
em especial nos primeiros anos do regime militar, até a contestação da hegemonia
americana na América Latina. O projeto básico, de transformar o Brasil numa
grande potência, manteve-se durante quase todo o período e, com o passar do
tempo, assumiu uma crescente dose de realismo.
Quando Castelo Branco assumiu o poder, foi interrompida a política
externa independente. A Guerra Fria voltou a orientar a política externa e os
militares brasileiros promoveram uma reaproximação do Brasil com os Esta-
dos Unidos, reconhecendo a liderança deste país no hemisfério ocidental. Seu
projeto de segurança e desenvolvimento partia de expectativas favoráveis neste
relacionamento. Depois do governo Castelo Branco, alguns pressupostos fo-
ram relativizados (como as fronteiras ideológicas) e, crescentemente, sobretu-
do a partir do Governo Geisel, o dogmatismo cedeu lugar ao pragmatismo na
política externa brasileira. Mesmo dentro de um sistema internacional no qual
o Brasil ocupava posição subalterna em relação aos EUA, o governo brasileiro
procurou manter um distanciamento estratégico.
Do ponto de vista econômico, as relações entre o Brasil e os EUA sofre-
ram um processo de erosão a partir do final dos anos sessenta, com uma cres-

56
LIPKIN, Sérgio. Impondo o livre comércio? A política comercial do governo Reagan. Contex-
to Internacional. IRI-PUC/RJ, n. 2, jul/dez, l985, p. 57-58.
57
VIZENTINI, Paulo. A política externa do regime militar brasileiro. Op. cit., p. 349.
Ciênc.let., Porto Alegre, n.37, p.251-278, jan./jun. 2005 275
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cente perda da complementaridade econômica. O protecionismo norte-ameri-
cano, juntamente com as necessidades do Brasil de exportar manufaturados,
fizeram com que este procurasse diversificar seus mercados, tanto com países
desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Ao perceber o crescimento econô-
mico do Brasil, os EUA aumentavam sua pressão sobre o país, que mudava de
intensidade de acordo com a conjuntura.
Assim, o Brasil e a América Latina tinham seus papéis constantemente
redefinidos pela política externa norte-americana conforme as alterações do sis-
tema internacional e os interesses deste país. Mesmo sem nunca ter rompido
com o sistema interamericano sob a hegemonia dos EUA, o Brasil buscou atuar
de forma independente, demonstrando que tinha interesses próprios no siste-
ma internacional. Neste sentido, recusou-se a assinar o Tratado de Não-Prolife-
ração Nuclear (1967), decretou a ampliação do limite do mar territorial para
200 milhas (1970), restabeleceu relações diplomáticas com a China Comunista
(1974), reconheceu a Angola como país independente (1975), rompeu o acordo
militar com os EUA (1977), contrariou o embargo de cereais à URSS promovi-
do pelos EUA (1979) e solidarizou-se com a Argentina na Guerra das Malvinas
(1982).
Assim, nos marcos deste trabalho, considera-se que a experiência das
relações entre o Brasil e os EUA durante o regime militar foi marcada por um
crescente distanciamento estratégico, buscando redefinir continuamente a de-
pendência brasileira. O governo brasileiro foi assumindo as posições no siste-
ma internacional que considerava necessárias para o prosseguimento de seu
projeto de desenvolvimento. As oscilações entre momentos de distanciamento
e aproximação aos Estados Unidos estavam vinculadas à posição concreta que
os EUA representavam para esse projeto.

Recebido em maio de 2004.


Aprovado em agosto de 2004.

Title: The relations between Brazil and the United States of America during the Brazilian military
regime (1964-1985)

Abstract
This article analyses the relations between Brazil and the United States of America, during the
Brazilian military regime. During this period, the relations between Brazil and the United States
of America showed oscilations concerning approach and distance. On the other hand, these
oscilations were marked by an increasing strategic distance, searching to redefine continually the
Brazilian dependence. The increasing distance was associated in the multilateralization of the
Brazilian foreign policy, searching new areas of international insertion.

Key words: Brazil-the United States of America, Brazilian foreign policy, military regime.

276 Ciênc. let., Porto Alegre, n.37, jan./jun. 2005


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