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Direito Penal
Aulas Teóricas
2009 / 2010
Direito Penal
INTRODUÇÃO
1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
A) Noção de Direito Penal
Conjunto de regras jurídicas que associam a factos penalmente relevantes (crimes),
determinadas consequências jurídicas desfavoráveis.
Perspectiva estrutural: são as normas que tipificam determinados factos como crimes, i.é.,
fazem corresponder a um determinado comportamento humano, a uma situação de facto
(crime), uma sanção (pena). Há uma previsão normativa, que se reflecte num comportamento
proibido, estabelecendo a respectiva moldura penal (previsão – estatuição). Esta perspectiva
não é correcta para definir o conceito de crime, pois:
- Existem outros ilícitos, que não os ilícitos penais, que também têm este tipo de
estrutura (previsão – estatuição).
- Revela-se insuficiente, porque se reconduz sempre a uma perspectiva formal – uma
actuação humana que culmina numa sanção.
Art.131º CP: “Quem matar outra pessoa (previsão / crime) é punido c/pena de prisão de oito a
dezasseis anos (estatuição / pena).
No que respeita à tentativa de homicídio temos que ir à parte geral retirar a previsão da norma
Perspectiva sociológica: tem em conta valores espaço / temporais de uma sociedade, sendo
que o Estado deve consagrar na Lei Fundamental esses mesmos valores.
Quanto às entidades que têm capacidade para aplicar as respectivas sanções, no ilícito penal,
vigora o princípio da jurisdição, pelo que cabe aos tribunais a aplicação das penas, enquanto,
que as coimas são aplicadas pelos agentes administrativos, muito embora o seu recurso seja
feito para os Tribunais Judiciais, excepto no que diz respeito a matéria tributária, cujo recurso é
feito para os Tribunais Administrativos.
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Direito Penal
A nível processual, enquanto, que no processo penal existe uma fase inicial de inquérito
presidida pelo MP e, uma segunda fase, o julgamento, presidida por um Tribunal, havendo a
possibilidade de aplicação de medidas cautelares e mesmo privativas da liberdade, antes do
julgamento (prisão preventiva), o processo de mera ordenação social, até à aplicação da
coima, é centrado numa entidade administrativa.
A nível substantivo não existe, em regra, responsabilidade criminal das pessoas colectivas –
Art.11º CP – princípio da pessoalidade – excepto no que diz respeito a matérias tributárias. Nas
contra-ordenações, o Art.7 da IMOS refere que coimas aplicam-se, indistintamente, quer às
pessoas singulares, quer às pessoas colectivas.
No que diz respeito ao critério quantitativo, que assenta na essencialidade dos factos, refere
que a uma diferente gravidade do ilícito, corresponderá uma sanção diferente – pena ou coima.
Todavia nem sempre o ordenamento ético - moral, coincide com o ordenamento jurídico -
penal.
. Fins imediatos
O direito penal é entendido como uma protecção dos bens jurídicos. Assim, sendo a pena um
juízo de censura, duas finalidades podem ser prosseguidas:
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Direito Penal
No sentido da teoria da retribuição havia a pena de talião (olho por olho, dente por
dente) em que o fim da pena ou o fim do direito penal é retribuir um mal com outro mal,
idêntico (quem mata deve sofrer a pena de morte).
Platão: demonstrar às outras pessoas que esses comportamentos não devem ser seguidos por
elas.
B.2) Especial: as penas servem para que, quem é condenado a uma pena por ter
cometido um crime, não volte a cometer crimes.
A escola Correccionalista Alemã (XIX) defendia a correcção à possibilidade da utilização da
pena de prisão ao trabalho.
Roxin defende três fases do funcionamento do Direito Penal no que respeita aos fins das
penas:
-> Actualmente, a concepção do bem jurídico, deve ser vista através de uma perspectiva
eclética, em que, dependendo do bem jurídico em causa, estará mais acentuada a perspectiva
liberal, social ou funcional, de conformidade com a valoração axiológica prevista pelo texto
constitucional.
1. As construções funcionalistas
2. O racionalismo teológico – funcional.
3. Os modelos políticos – criminais.
1. Noções prévias.
2. O modelo histórico liberal.
3. Os modelos terapêuticos.
4. Desenvolvimentos recentes da política criminal.
5. Síntese do património político – criminal do liberalismo e das consequências dos
diversos modelos.
C) O princípio da igualdade.
- Art.13.º n.º 1 CRP: todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
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Direito Penal
PARTE I
TEORIA DA LEI PENAL
F) A Lei de 1867
- Vem abolir a pena de morte para os crimes comuns (já em 1852 havia sido abolida tal pena
para os crimes políticos, sendo certo que desde 1846 já não se executava a pena de morte).
2. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
A) Origem, evolução histórica e fundamentos.
A primeira manifestação de direito organizado na península ibérica – período visigótico –
relativo ao Direito Penal foi o Código Visigótico, que tentava restringir o poder do imperador, e
o máximo de obediência à lei, referência a incriminações de carácter doloso.
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Influência árabe, período da reconquista, não há uma lei concreta.
No séc. XII e XIII, formas de organização do Estado – período afonsino. Concentra-se nos reis os
poderes, tendo o mesmo monopólio do poder de punir. Há tentativas de organizar o poder –
centralização do poder real, limitar as questões de justiça privada. Atribuir exclusividade de
repressão pública. As penas eram marcadas por grande crueldade.
Nos livros das ordenações há uma linha idêntica na matéria de punição, estas ordenações
mantiveram-se até ao séc. XIX (1852).
Características das ordenações:
- Casuísmo: direito casuísta evolui na aplicação concreta de casos a caso;
- Arbitrariedade: o juiz tinha uma longa margem de discricionariedade de fazer funcionar
as penas daquele que estava perante si, as penas eram transmissíveis;
- Desigualdade: as penas eram aplicadas em conformidade com a posição social do
acusado.
Este período dura até ao constitucionalismo liberal. Há uma tentativa de criação de um Código
Penal em 1779, é inspirado pelos movimentos europeus de Direito Penal.
No séc. XIX – 1822 – com a constituição liberal vem reorganizar o Estado português – corte com
o regime das ordenações contendo princípios de Direito Penal.
- Princípio da humanização das penas passou a ser proibido certas penas cruéis;
- Combater a desigualdade das penas;
- Necessidade das penas;
- Princípio da proporcionalidade das penas;
- Acabar com a transmissibilidade da responsabilidade criminal.
Em 1852 é feito o primeiro Código Penal Português, transpõe para o Direito Penal os princípios
penas consagrados.
Em 1886 é feito um novo Código Penal, não mais do que o Código Penal de 1852 com algumas
alterações.
Em 1954 é reformado, autoria de Cavaleiro Ferreira.
O Código Penal de 1982 consiste nos projectos e ante-projectos do Prof. Eduardo Correia:
- De 1963, no que à parte geral diz respeito;
- De 1966, no que à parte especial diz respeito.
Sofre alterações em 1984 e uma profunda alteração de 195, dirigida por Figueiredo Dias,
alteração à parte especial.
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Direito Penal
Pode ser analisada a partir de duas outras decorrências:
I. O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum crimen nulla poena
sine lege certa”;
II. Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita – “nullum crimen nulla
poena sine lege scripta”.
III. Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine lege previa”;
IV. Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras – “nullum crime
nulla poena sine lege strica”;
V. Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroactividade das leis
penais mais favoráveis.
O Direito Penal funda-se também no sentido de que o legislador ordinário deve de alguma
forma dar acolhimento e plasmar a axiologia ou a valoração constitucional.
Diz-se que as valorações, as opções axiológicas constitucionais devem ser respeitadas pelas
normas penais, porque é, a Constituição que contem os valores que o Direito Penal deve
proteger (art. 18º CRP):
- Princípio da necessidade da pena: da máxima restrição da pena e das medidas de
segurança;
- Princípio da intervenção mínima do Direito Penal, ou da subsidiariedade do Direito
Penal;
A lei, só pode intervir para restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias fundamentais
quando isso se revele absolutamente, imprescindível, para acautelar outros direitos tão
fundamentais.
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Direito Penal
- Princípio da jurisdicionalidade da aplicação do Direito Penal ou princípio da
mediação judicial (arts.27º/2, 33º/4, 30º/2 CRP):
As sanções de Direito Penal e a responsabilidade criminal de uma pessoa só podem ser
decididas pelos tribunais, que são órgãos de soberania, independentes, órgãos que julgam com
imparcialidade.
Outro princípio fundamental que norteia todo o Direito Penal é o princípio da legalidade, na
sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à lei, traduz-se numa limitação de
poderes estabelecidos pela própria lei.
2. O Costume
Como fonte de incriminação não é admissível em Direito Penal, de contrário violaria o disposto
no art. 1º CP, e arts.29º e 165º/1-c CRP, nomeadamente estaria a violar o princípio da
representatividade política e da reserva da lei formal.
No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a responsabilidade penal do
agente, mas quando a sua intervenção resulte benéfica para o agente: ou seja, quando o
costume se venha traduzir no âmbito de uma norma favorável, isto é, quando o costume de
alguma forma venha atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade criminal do agente.
4. Doutrina
Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao conjunto das opiniões
dos eminentes penalistas.
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Direito Penal
- Só é possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação declarativa lata. Tudo
aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua razão de ser, à sua “ratio”, se
ultrapassar este sentido literal máximo possível já se está a fazer interpretação extensiva.
- Mas já não se aceita que se faça interpretação restritiva de normas penais favoráveis, isto
porque, a ser possível, diminuir-se-ia o campo de aplicabilidade destas normas favoráveis, o
que significa aumentar o campo de punibilidade.
Quanto à analogia:
Existem várias posições. Uma (Teresa Beleza) admite-se a integração de lacunas no âmbito de
normas penais favoráveis.
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por analogia no
âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se venha a traduzir num
agravamento da posição de terceiros, por ele ter de suportar na sua esfera jurídica, efeitos
lesivos ou por ter auto-limitado o seu direito de defesa.
Para o Professor Cavaleiro Ferreira, a analogia em Direito Penal, quer de normas favoráveis,
quer de normas incriminadoras, está vedada, uma vez que as normas penais são todas
excepcionais.
Para o professor Frederico da Costa Pinto o recurso à analogia é possível no âmbito da NPF
desde que não limite os direitos de defesa do acusado.
Exemplos:
i. O pai do Carlinhos, que tem 6 anos, oferece-lhe um carro de imitação. Entretanto, o
Duarte também queria andar. O Duarte aproveitou um momento de distracção do
Carlinhos e andou no carro.
Art.208º CP – subsume-se ou não a este preceito legal?
O Duarte privou o proprietário do seu uso, lesando, ainda que temporariamente a sua
propriedade.
Dentro d interpretação declarativa literal, o D teve um comportamento típico, subsumível ao
carácter geral e abstracto da norma. Os meios identificados, são meios de transporte (carro,
barco, bicicleta, aeronave). O legislador pretendeu punir quem furta-se o uso de um meio de
transporte.
O legislador disse mais do que pretendia. Não pretendia considerar o furto do objecto de uma
actividade lúdica: interpretação restritiva, apenas aqueles que têm inerente uma função de
transporte e não os que possuem uma função lúdica. Interpretação correctiva do preceito
incriminador.
ii. A, vizinho de B adquiriu um “LED”. A pede a B para ir regar as plantas na sua ausência
durante as férias. Com o objectivo de ver um derby, B resolve levar o “LED” para a sua
casa e voltar a colocá-lo na casa de A. A veio a saber que o B havia levado o seu “LED”
Art.203º CP: subtraiu uma coisa móvel alheia. Para que o tipo esteja preenchido é necessário
ter a intenção de se apropriar da própria coisa e não apenas do uso. Falta o elemento
subjectivo deste crime, porque o agente quis utilizá-la mas não apropriar-se dela típico do
furto.
Art.208º CP: não aplicável uma vez que não se enquadra no espírito de veiculo motorizado.
Art.205º: coisa móvel a título não translativo: Não há intenção de se apropriar da coisa. Furto e
abuso de confiança: intenção de se apropriar da coisa. No 1º subtrai no segundo apropria-se.
iii. O Governo face à crise dos combustíveis: Quem utilizar, abastecer, veículo automóvel
ou motorizado com mais de 20 l de gasolina por semana é punido com pena de prisão
até um ano ou até 100 dias. A abastece com 40 litros de gasóleo.
v. Maria, é funcionária de limpeza de uma sociedade que tem as suas instalações num
edifico de vários andares. Efectua a limpeza quando os trabalhadores cessam as suas
funções laborais. Esta sociedade tem um fax para receber comunicações. Maria estava
a limpar o fax e agarrou na folha, conheceu parte da comunicação e colocou-a na mesa
da secretária da administração. Pode incorrer em responsabilidade por violação de
correspondência?
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Direito Penal
Art.152ºB n.º1: parte dos pressupostos não partem desta norma mas de normas e disposições
regulamentares de Higiena e Segurança no trabalho, remetendo assim para outras leis.
Art.277º; Art.279º
Levanta-se também o problema da clareza da norma quando remete para outras normas;
Problema pôr em causa o princípio democrático da alínea c) do n.º 1 do Art.165º CRP ao
remeterem parte dos pressupostos para normas hierarquicamente inferiores estão a por em
causa a reserva de lei formal.
Por exemplo sobre a tabela que consta da Lei da Droga o Tribunal Constitucional introduziu
uma noção inovadora. Veio dizer que as tabelas são meros juízos antecipados de perícia. As
tabelas funcionam como um juízo antecipado. O tribunal permite que o julgador divirja daquele
julgamento antecipado de perícia.
Perícia técnica, científica ou artística – o parecer dos peritos vincula o juiz na apreciação da
prova, presunção ilidivel.
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Direito Penal
A Professora entende que as normas penais em branco serão admissíveis:
i. Verdadeira necessidade técnica por parte do legislador (At.277º) face à extensão da
matéria.
ii. Não devem ser meramente remissivas. O destinatário da norma penal deve pela
simples leitura entender a norma de punição.
iii. Evolução dos conceitos e melhorias do ponto de vista técnico de várias realidades.
iv. Cada vez que o legislador penal cria uma norma penal em branco deveria publicar no
DR essa norma penal em branco bem como todos os diplomas para os quais remete,
salvaguardando o princípio da legalidade e representatividade política, conferindo-lhe
legitimidade democrática.
Art.6º CC – quando uma pessoa alega erro, temos de ver se esse erro é atendível ou não.
A teoria do concurso permite distinguir os casos nos quais as normas em concurso requerem
uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo da conduta é absorvido por uma
única das normas.
- Concurso efectivo ou concurso de crimes: constitui a situação em que o agente
comete efectivamente vários crimes e a sua responsabilidade contempla todas essas
infracções praticadas;
Em rigor não se pode falar em verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em concurso de
normas (concurso legal), o qual se traduz num problema de determinação da norma aplicável.
O tema do concurso de infracções deve ser integrado no âmbito da teoria da infracção,
constituindo uma forma de crime.
1. Relação de especialidade
2. Relação de subsidiariedade
- Expressa
- Implícita ou Material
i. Omissão vs Acção:
ii. Negligência vs Dolo
iii. Perigo vs Dano ou Lesão
iv. Participação vs Autoria
v. Cumplicidade vs Instigação
3. Relação de Consumpção
- Pura
- Impura
1. Relação de especialidade
Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra quando acrescenta
mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que as normas se
podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a moldura penal mais elevada,
como a norma que contenha a moldura penal mais baixa.
2. Relação de subsidiariedade
É uma coisa que só se aplica se outra não poder ser aplicada.
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade de
outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma
prevalecente condiciona de certo modo o funcionamento daquela que lhe é subsidiária.
Art.152º Violência doméstica: n.º 1 al. d) (…) se pena mais grave lhe não couber. É uma norma
subsidiária em relação:
Art.144º Ofensa à integridade física grave - Marido corta a perna da mulher com um machado.
i. Omissão vs Acção
Porque é que a omissão é subsidiária da acção: alguém que deu à luz resolveu abandonar o
filho a um canto. Passado um dia a criança está viva. A mãe pega numa pistola e mata-o.
- Deixa de alimentar – crime por omissão
- Acaba por matá-lo com a pistola – por acção pelo qual vai ser penalizada.
- Negligência: o agente não tinha a vontade de praticar o acto. Embora não tivesse vontade
na produção do resultado, não observou determinados cuidados que tinha de observar.
Art.138º n.º 1 al. a): mãe que dá à luz resolve abandonar a criança à porta de um orfanato
numa noite de inverno. Ficou em perigo de vida porque contraiu uma pneumonia.
Se no decurso da pneumonia a criança morre aquela mão será punida pelo crime de homicídio,
i.é., crime de dano ou lesão.
- Dano ou lesão: para a sua consumação exige-se a lesão dos bens jurídicos tutelados pela
norma incriminadora.
Art.143º Ofensa à integridade física simples: para a sua consumação implica uma concreta
observação do resultado.
- Participação
- Instigação – Art.26º Autoria – Parte final: cria na outra pessoa a vontade de cometer o
crime (não define quem são os autores).
- Cumplicidade – Art.27º
- Moral Art.27º n.º1. A diz que mata B e C concorda
- Material – A mata B com a arma de C que lha havia expressamente emprestado
para esse fim.
A vai ter com B e diz-lhe para matar C, seu pai. A começa por ser instigador uma vez que cria
em B a vontade de matar C. Se A emprestar uma arma a B para concretizar o acto passa a
constituir-se como autor material.
v. Cumplicidade vs Instigação
- Cumplicidade: Art.27º CP – o autor já tem a vontade, é pré-existente, e o cúmplice presta-
lhe auxilio:
- Moral: quando o auxílio é o apoio moral (opinião)
- Material: quando o auxílio é o apoio material (meios de execução)
- Instigação: é o instigador que cria a vontade, sendo mais grave que a cumplicidade moral,
pelo que o instigador é punido como autor
3. Relação de consumpção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do código, mas por uma
forma característica, a realização de outro tipo de crime, ou seja, quando tem uma discrição
típica suficientemente ampla que abranja os elementos da discrição típica da outra norma.
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos, sendo possível
identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
A relação de consumpção acaba por colocar em conexão os valores protegidos pelas normas
criminais. Não deve confundir-se com a relação de especialidade, pois ao contrário do que se
verifica naquela relação de concurso de normas, a norma prevalecente não tem
necessariamente de conter na sua previsão todos os elementos típicos da norma que derroga.
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Direito Penal
2. Retroactividade e retro - conexão.
Art.29º n.º1 CRP – Aplicação da lei criminal: Ninguém pode ser sentenciado criminalmente
senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida
de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
Proibição da retroactividade da lei penal – Art.29º n.º 3 “NULLUM CRIMEN SIN LEGE PRAEVIA
ET CERTA”
Princípio da retroactividade da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido – Art.29º n.º4
Ultra-actividade da lei penal desde que possuam conteúdo mais favorável mesmo quando
revogadas Art.29º n.º 1 e 4 CRP e Art.2º e 3º CP.
Art.2º n.º 1 Regra: no momento da prática do facto. Entre este e o julgamento podem surgir
leis intermédias.
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A crime X pena prisão 5 a 10 anos Alteração legislativa crime X pena 8 a 12 anos A é
julgado
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A crime X pena prisão 5 a 10 anos Alteração legislativa crime X pena 3 a 5 anos A é
julgado
A lei penal posterior tem um regime mais favorável em relação à que se encontrava em vigor
no momento da prática do facto. A lei posterior é aplicada retroactivamente dando
consistência ao disposto no n.º4 do Art.29º CRP e Art.2º n.º4 CP.
Sempre que duas leis penais estejam em concorrência, terão que ser interpretadas em relação
ao caso concreto, podendo no final ser aplicada apenas uma.
Por exemplo a Lei A pune determinado com pena de prisão até 5 anos e admite a suspensão
da pena. A Lei B pune o mesmo crime com pena de prisão até 3 anos não admitindo porém a
suspensão da pena. O regime da Lei A é mais favorável, apenas perante as circunstâncias do
caso concreto. O juiz opta globalmente pelo regime de uma ou outra lei.
Quando a sentença transite em julgado significa que já não admite interposição de recurso.
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Direito Penal
A crime X pena prisão 5 a 10 anos Julgado – 10 anos de prisão Lei A é
alterada 1 a 5 anos
A pena teria que ser cumprida até 2011. Uma vez que a lei foi alterada a pena será cumprida
até 1/1/06.
Artigo 2º n.º 2 CP – descriminalização: a lei que traz a descriminalização não é uma lei penal.
Designa-se numa sucessão de leis penais em sentido impróprio.
Conduzir veículo automóvel sem carta. A, sem carta é apanhado pela PSP e é acusado de
conduzir sem habilitação legal. Passados 2 meses o legislador considera que deve ser uma
contra-ordenação, punida com coima de € 200 a € 1.000. A é julgado passados 4 meses.
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17/12/2009 17/2/2010 17/3/2010
A crime CSL 2 anos CSL passa a COD €200 a €1.000 Julgamento
A não era punido. O facto deixa de ser considerado crime e a contra-ordenação não tem efeito
retroactivo.
Qual a lei aplicável no momento do julgamento a factos praticados na vigência de uma lei
penal temporária que no momento do julgamento já não está em vigor?
Lei Temporária em vigor entre 1/1/2003 a 1/1/2005: sanciona o facto X, punível com pena
de prisão de 1 a 3 anos.
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1/1/2000 1/3/2000 1/6/2000
A crime Y até 2 anos Alteração Y até 1 ano Julgamento
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Direito Penal
i. Versão Código Penal 1983 - Art.2º, n.º4 in fine
Até 2007 limitava-se a possibilidade de aplicação de uma lei penal posterior mais favorável
desde que a sentença houvesse transitado em julgado.
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1/1/2000 1/1/2001
1/1/2021
A crime X 10 a 20 anos Condenado 20 anos
Fim da Pena
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1/1/2000 1/3/2001 1/6/2001
1/6/2011
B crime X 10 a 20 anos Crime X alterado 5 a 10 anos Condenado a 10 anos
Fim da Pena
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1/1/2003 1/1/2004 1/6/2005
Y 5 a 10 anos 2 a 8 anos
Suponhamos que em 1/1/2005 o TC declara inconstitucional a alteração legislativa ocorrida em
1/1/2004 e o crime Y está a ser julgado em 1/6/2005. Quid iuris?
Neste caso opera a represtinação da lei penal revogada por lei posterior. A lei posterior não
pode ser aplicada uma vês que foi declarada a sua inconstitucionalidade. Aplica-se a lei
represtinada mas com o regime máximo da lei nova mais favorável.
- Quando estejam em causa crimes praticados por portugueses contra portugueses que vivam
habitualmente em Portugal no momento da sua prática (tem por finalidade evitar fugas à lei)
– n.º 1 d);
Todavia, existem restrições à aplicabilidade da lei penal portuguesa, que vêm mencionados no
Art.6º CP – Restrições à aplicação da lei portuguesa.
c) As conexões pessoais.
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Direito Penal
3. Teoria da ubiquidade
Visa abranger os delitos à distância.
O art. 7º CP é importante: se considerar que a conduta ou o resultado típico tiveram lugar em
Portugal, então pode-se considerar que o facto ocorreu em território nacional; e aí poder-se-á
aplicar a lei penal portuguesa por força do preceituado no art. 4º CP e que consagra o princípio
da territorialidade, uma vez precisamente que este princípio vem dizer que a lei penal
portuguesa é aplicável a factos praticados no território nacional.
Uma vez em sede do art. 5º CP vai-se analisar caso a caso:
- Se será o princípio da protecção dos interesses nacionais, poderá ser um dos crimes
elencados no aliena a);
- Se haverá afloramento do princípio da universalidade (alínea b));
- Se será eventualmente o princípio da nacionalidade activa ou passiva previsto na alínea
c); e aqui verificar se estão reunidas todas as condições previstas e se existem ou não
restrições à aplicabilidade da lei portuguesa.
4. O princípio da universalidade.
São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir. De um modo geral,
independentemente da nacionalidade dos seus autores, são crimes que reclamam uma
punição universal e daí que as ordens jurídicas se reclamem competentes para fazer aplicar a
sua lei penal a esses factos descritos no art. 5º/1-b CP.
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Direito Penal
D) Da extradição e do mandato de detenção europeu
Princípio da dupla incriminação e princípio da especialidade
O princípio da dupla incriminação, significa que só é admitida a extradição se o Estado
português considerar também crime o facto pelo qual se pede a extradição ou o facto que
fundamenta a extradição.
O princípio da especialidade significa que a extradição só pode ser concedida para o crime
que fundamenta o seu pedido, não podendo o extraditado ser julgado por uma infracção
diferente e anterior à que fundamenta o pedido de extradição.
Por outro lado, também em princípio não se admite a extradição quando seja prioritariamente
aplicável a lei penal portuguesa.
PARTE II
TEORIA GERAL DA INFRACÇÃO CRIMINAL
A TGFI corresponde, no fundo, à teoria geral do crime; isto é, corresponde no Direito Penal à
teoria geral de um facto - o crime (característico do DP).
A utilidade da TGIC passa pelo facto de com ela se facilitar a tarefa do Juiz, quando julga casos
concretos.
Para além de ser objecto da TGIC a análise dos elementos comuns a todos os tipos de crime,
(chega-se a uma definição concreta de crime e analisam-se, depois, todos os elementos dessa
definição), a TGIC é uma técnica de subsunção; isto é, quando se estudam exaustivamente os
elementos do facto – crime, como elementos comuns a todos os tipos de crime que existem no
Código Penal, o que se pretende é fornecer critérios e dados científicos ao Juiz, de forma a que
este possa fazer um enquadramento correcto de uma situação de facto concreta numa
previsão legal (necessariamente geral e abstracta, até mesmo por exigência constitucional,
conforme disposto no nº 3 do artº 18º da CRP).
Quando se julga um processo crime, o Juiz não vai discutir, por exemplo, qual o sentido do artº
131º (Homicídio) mas, antes, se a pessoa que está a ser julgada (em relação à qual o MP
profere a acusação alegando todos os factos que a indiciam como culpada) praticou ou não o
facto – crime em causa; Depois, o Juiz vai fazer uma subsunção, ou seja, vai procurar a
disposição da lei penal onde essa situação concreta se encaixa correctamente; Tratando-se, a
título de exemplo, de um homicídio simples, o Juiz aplica o artº 131º do CP e verifica se cada
um dos elementos desta previsão normativa se verifica para poder afirmar que, efectivamente,
a pessoa em causa cometeu o crime de homicídio tal como o define a nossa lei e que, em
consequência, se aplica a estatuição legal, no caso, a pena de prisão com uma moldura penal
de 8 a 16 anos.
ELEMENTOS ESCOLA
(do facto –
CLÁSSICA NEO-CLÁSSICA FINALISTA
crime)
ACÇÃO • Natural • Social • Final
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Direito Penal
• Predominantemente
• O dolo –
• Objectiva objectiva
Elemento
TIPICIDADE • Não valorativa • Elementos subjectivos
subjectivo
• Descritiva especiais
geral
• Elementos normativos
• Além da ilicitude formal
ILICITUDE • Formal introduziu o conceito de • Pessoal
ilicitude material
• Psicológica (a culpa
CULPA é formada pelo dolo • Censurabilidade • Normativa
ou negligência)
i.a. Acção
Que acções é que tinham relevância penal para os Clássicos?
A noção de acção para os clássicos era considerada como sendo aquilo que as ciências
naturais assim o definem: movimento corpóreo, esforço muscular ou nervoso que provocasse
uma alteração objectiva no mundo exterior (no mundo real).
Do ponto de vista natural, não há dúvida que, se por exemplo, eu que estou parada e, se
através de um movimento corpóreo, der um passo em frente, se verifica uma alteração
objectiva do mundo exterior: o espaço que estava ocupado passou a estar vazio e o espaço
que estava vazio passou a estar ocupado. Este pensamento (este conceito de acção) foi muito
criticado pelos entusiastas das escolas e dos sistemas seguintes, na medida em que, se para
ter relevância penal bastava qualquer movimento corpóreo, esforço muscular ou nervoso que
provocasse uma alteração objectiva do mundo exterior, isso não excluía, à partida, os
comportamentos das coisas, os comportamentos das forças da natureza ou dos próprios
animais.
Onde é que está a acção natural quando, por exemplo, à luz do crime de injúria (crime que
atenta contra um bem jurídico fundamental: a honra) o Senhor A chama repetidamente “filho
da…” ao Senhor B?
Neste caso, teríamos uma série de movimentos da laringe, um conjunto de vibração de ondas
sonoras que atingem o tímpano do visado; a grande crítica que se faz é que nós não temos
responsabilidade criminal apenas por acção, por factos positivos (por factos de facere), temos
responsabilidade criminal também por omissão (por factos de non facere); neste caso, no caso
da omissão, onde é que estava o tal movimento corpóreo, esforço muscular ou nervoso que
provocava a tal alteração objectiva do mundo exterior? Por definição, a omissão é o oposto da
acção e nada têm em comum (a própria filosofia assim o diz: aquilo que é, não pode,
simultaneamente, não ser) portanto, entre o ser e o não e entre o agir e o não agir, não há
nada em comum.
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Direito Penal
i.b. Tipicidade
Já vimos, em DP I que o corolário ou sequência primeira do princípio da legalidade, em matéria
penal, é o princípio da tipicidade: exige-se que para a responsabilização criminal de um agente
é necessária a descrição, feita de forma geral e abstracta (norma), que contivesse o
comportamento proibido ou exigido, ao qual se culminava uma pena; Ora, a tipicidade para os
clássicos era vista de uma forma puramente:
a) Imagine que A se dirige à pasta de B, retira o telemóvel e o leva consigo – neste caso,
estava preenchido um tipo de crime de furto; objectivamente o agente apropriou-se de coisa
móvel alheia.
O motivo pelo qual o agente teve tal comportamento, se o fez intencionalmente, se quis
apropriar-se do telemóvel de B para si ou mesmo para outra pessoa, tudo o que fosse a relação
entre o agente e o seu comportamento, para os clássicos era analisado em sede de culpa e
não em sede de tipicidade
b) Imagine que C se dirige a D com uma arma de fogo e dispara, matando D – neste caso,
estava preenchido um tipo de crime de homicídio; objectivamente C matou D.
Agente: quem? C
Conduta típica: matar
Resultado típico: morte de D
Avalorativa (2): A tipicidade não implicava, para quem preenchesse um tipo de crime,
nenhum juízo de desvalor negativo; se o facto era ou não contrário à lei, isso seria analisado
em sede da categoria analítica subsequente da ilicitude. Se uma pessoa tinha tido uma acção
penalmente relevante - o tal movimento corpóreo, esforço muscular ou nervoso que
provocasse uma alteração objectiva do mundo exterior, estava verificada a relação externa
entre o comportamento e uma previsão geral e abstracta estabelecida num tipo.
i.c. Ilicitude
Para os clássicos, a ilicitude era um conceito meramente formal; do ponto de vista formal, um
facto é ilícito quando é contrário à lei. Consequentemente, matar, roubar, injuriar, …, era ilícito
porque era contrário à lei; o mesmo será dizer que os actos eram ilícitos quando eram
contrários à lei ou à ordem jurídica considerada na sua globalidade.
i.d. Culpa
Era nesta categoria que os clássicos consideravam todos os elementos subjectivos. Tinham um
conceito de culpa psicológica; era em sede de culpa que analisavam a relação psicológica que
se estabelecia entre o agente e a exteriorização do facto por ele mesmo efectuado. Podiam
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chegar a uma de duas conclusões: a) o agente na exteriorização do comportamento pretendeu
efectivamente aquilo que aconteceu, neste caso, a relação do agente com o facto era uma
relação directa, uma relação de dolo (o que o agente tinha desenvolvido, coincidiu com aquilo
que o agente tinha pretendido que acontecesse), ou b) na realidade, o agente desenvolveu um
determinado comportamento que não correspondeu à vontade que o agente tinha, àquilo que,
efectivamente, pretendia; neste caso, a relação do agente com o facto seria uma relação de
negligência. O dolo e a negligência eram meras formas de culpa e, por isso mesmo, analisadas
em sede de categoria analítica da culpa.
ii.a. Acção
Quanto ao conceito de acção, a maior parte dos neo-clássicos pensava que não haveria
nenhum conceito de acção, com relevância penal, que pudesse desempenhar todas as junções
que um conceito de acção deve desempenhar para atingir autonomia relativamente às demais
categorias analíticas em que se pode subsumir ou dividir o facto penalmente relevante
(tipicidade, ilicitude e culpa).
Muitos autores renunciaram ao conceito inicial de acção dos clássicos, partindo logo para a
análise da categoria analítica da tipicidade, sendo nesta onde analisavam a conduta, a acção
que o agente teve.
Por outro lado, e, porque se começa a aproximar uma época diferente: na medida em que o
positivismo e as ciências naturais são ultrapassadas pela época dos valores (e o direito passa a
considerar esta filosofia como dominante), outros autores neo-clássicos criticando, igualmente,
o conceito de acção natural dos clássicos, vieram dizer que uma acção para ter relevância
penal deveria consistir num comportamento que negasse, lesasse ou pusesse em perigo
valores socialmente aceites - daí o conceito social de acção dos neo-clássicos, quer através da
própria acção, quer através da omissão; assim, uma acção para ter relevância penal, deveria
ser uma acção que negasse, lesasse ou pusesse em perigo um desses valores sociais: o valor
vida, honra, liberdade, integridade física, propriedade.
O mérito que mereceu este conceito social de acção foi puder acolher quer a comissão por
acção, quer a comissão por omissão (comportamento positivo de facere e comportamento
negativo de non facere, respectivamente): tanto nega a vida humana aquele que mata com um
punhal como aquele que, podendo, nada faz e deixa outra pessoa morrer!
Este conceito de acção social, no entanto, também não é isento de críticas, senão vejamos:
Objectivamente considerado, o mesmo tipo de comportamento pode ser ou não ser negador de
valores; Imagine-se um tiro de uma arma de fogo – só se soubermos a intenção com a qual se
dá esse tiro é que podemos concluir se esse comportamento consiste ou não numa negação de
valores – se se dá um tiro para matar ou ameaçar uma pessoa ou se se dá um tiro para
comemorar um determinado acontecimento (saudação militar, por ex.), para um mesmo
comportamento temos e não temos, respectivamente, uma negação de valores (acção penal
ou criminalmente relevante); Portanto, de facto, um comportamento objectivamente
considerado, por si só, não nos pode levar a concluir se existe ou não uma negação de valores
pois, só podemos chegar a essa conclusão se soubermos a intenção do agente ao praticar esse
comportamento (neste caso, de que adiantava o conceito social de acção? É que em última e
em verdadeira análise o que nega ou não valores é aquilo que a lei define como sendo crime
ou não – veja-se o exemplo do boxe).
ii.b. Tipicidade
Quanto ao conceito de tipicidade, tal como os clássicos, os neo-clássicos dizem que a
tipicidade é predominantemente objectiva; no entanto, descobriram e foram um pouco mais
além, na medida em que vieram afirmar que há determinados tipos de crime (não todos) que
só estão preenchidos, se, para além da adopção por parte do agente dos correspondentes
elementos objectivos, se verificar a existência de elementos especiais. Veja-se a exemplo, no
crime de furto em que para os clássicos bastava a mera correspondência externa dum
comportamento, dum facto à descrição geral e abstracta contida num tipo de crime – se o furto
tem como comportamento objectivo, subtrair coisa móvel alheia, e, se A agarrar o telemóvel
de B e o levar consigo, A está a cometer um facto típico de furto. Os neo-clássicos vieram dizer
que não era bem assim; há determinados tipos de crime em que, para além dessa
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exteriorização comportamental, só são típicos se a exteriorização desse comportamento for
acrescida de uma particular intenção de vontade, isto é, se o agente ao exteriorizar o
comportamento de subtrair coisa móvel alheia (no caso do crime de furto) o fizer com um
particular propósito: com uma particular intenção de querer apropriar-se do telemóvel para si
próprio ou para terceiros. Assim, se a Anabela, com um propósito meramente pedagógico
agarrar nos apontamentos de FP da Madalena e os levar para casa, todos dirão que, à luz do
pensamento neo-clássico, a mesma não cometeu um crime de furto pois, a sua intenção era
estudar muito e ter melhor nota do que a Madalena (e não apropriar-se dos mesmos para si
própria ou para os dar ao Bernardo!!)
No entanto, para os neo-clássicos, os elementos subjectivos ficaram por aqui: apenas por
alguns tipos de crime; e, bastava que nesses casos, a intenção do agente fosse outra que não
a especial intenção, a especial tendência descrita na lei para o comportamento não fosse
considerado crime; para eles, só em casos excepcionais é que a especial intenção era
analisada nesta categoria. E, tal como os clássicos, eles relegavam para a categoria da culpa a
análise de saber se o agente tinha actuado com culpa ou com negligência, pelo que a
tipicidade era predominantemente objectiva. Já sabemos que existe responsabilidade criminal
por factos consumados e por factos tentados ou por tentativas de crime; Os neoclássicos para
facto tentado ou para a tentativa já diziam que o dolo era elemento da tipicidade (do tipo do
facto tentado) mas para os factos consumados o dolo e a negligência já não eram elementos
do tipo mas, antes, elementos da culpa; os neo-clássicos acabaram por dar uma achega à
tipicidade porque, para além de darem importância aos elementos objectivos do tipo,
realçaram, também, os elementos descritivos, dizendo mesmo que certos tipos de crimes
postulavam, ainda, elementos subjectivos especiais. Para além disto, vieram dizer que há
certos tipos de crime que, não obedecem só aos elementos descritivos mas, também, aos
elementos normativos. E o que era isto dos elementos normativos do tipo? Ao contrário dos
elementos descritivos do tipo que descreviam entidades do mundo real (quer interno, quer
exterior), os elementos normativos eram aqueles a que o interprete ou o aplicador do direito
tinham de recorrer para uma cabal interpretação da norma, isto é, haveria a necessidade de
uma valoração suplementar dada pelo recurso a uma norma do ordenamento jurídico; veja-se
o artº 203º do CP (Furto):
Muitas outras normas podem servir de exemplo par dizer o que é o elemento normativo e a
referida valoração suplementar dada pelo recurso a outra norma do ordenamento jurídico em
geral, nomeadamente aquelas que referem palavras como: bigamia, casamento, documento,
etc. nestes casos, quando uma norma refere estas palavras, haverá, seguramente, uma outra,
que define, exactamente, qual o seu sentido para o direito.
ii.c.Ilicitude
Quanto ao conceito de ilicitude, o contributo dos neo-clássicos foi uma enorme conquista.
Para os clássicos, o conceito de ilicitude era visto de uma perspectiva formal, isto é, acto ilícito
era um acto contrário à lei. Os
neo-clássicos não negam este conceito mas, para eles, a ilicitude foi vista, não apenas, de uma
perspectiva formal mas, também, de uma perspectiva material
Formalmente, um acto ilícito é aquele que é contrário à lei; Materialmente, um facto ilícito é
aquele que lesa ou ameaça de lesão, valores, interesses (bens jurídicos fundamentais); A
vantagem desta perspectiva foi que veio permitir passar a poder graduar o próprio conceito de
ilicitude. Como?
Se pensarmos que, por detrás de cada tipo de crime, existe a tentativa do legislador em
proteger um ou mais bens jurídicos, não nos podemos esquecer que há bens jurídicos que, até
por força constitucional, são mais valiosos, mais importantes do que outros. O bem jurídico
vida é mais valioso que o bem jurídico integridade física, etc…
E qual o interesse em graduar a ilicitude? É que, do ponto de vista formal, tanto era ilícito
matar, como era ilícito injuriar (ambos são factos contrários à lei). Mas, não há qualquer dúvida
que é mais grave matar do que injuriar! Mas, só do ponto de vista material, que é aquele que
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tem em consideração o bem jurídico, é que podemos chegar a esta conclusão. E… vejamos,
ainda, o princípio da proporcionalidade: é que a medida da pena, não pode ser superior à
medida da culpa, pelo que, a uma diferente gravidade do ilícito há-de corresponder uma
diferente moldura penal; Por outro lado, na interpretação das normas e, no âmbito do concurso
e das relações que as normas têm entre si, máxime a relação de subsidiariedade implícita, este
conceito de valoração da ilicitude, permite-nos dizer que há-de subsistir determinada norma,
que contém em si própria, uma moldura penal mais agravada porque é ela que contém em si,
um conceito de ilicitude maior pelo que, o conceito material de ilicitude e a permissão de
graduar este conceito vai levar-nos a novas causas de justificação, novas causas de exclusão
de ilicitude – principio da ponderação de interesses: se a única forma que eu tiver de
salvaguardar um interesse de natureza superior for necessariamente ter de lesar um interesse
de natureza inferior, então a lesão ou a destruição desse interesse de natureza inferior há-de
estar justificado – este princípio de ponderação de interesses só é possível através de um
conceito material de ilicitude (matéria a estudar mais tarde).
ii.d. Culpa
Para os neo-clássicos o dolo e a negligência eram analisados em sede de culpa mas, mais
importante do que isto, era saber se para poder responsabilizar criminalmente uma pessoa,
essa pessoa era passível de poder ser censurada face ao seu comportamento, isto é, era
preciso saber se se podia censurar uma pessoa face àquilo que ela fez; a relação que se
estabelecia entre a mente do agente e a exteriorização do comportamento por si efectuado era
o mais importante: é que o agente podia querer, exactamente, aquilo que aconteceu mas,
casos havia em que aquilo que acontecia não era, exactamente, aquilo que o agente queria
que acontecesse; imagine:
A aponta uma arma de fogo à cabeça do filho de B
A ordena a B que agrida violentamente C sob pena de, não o fazendo, lhe mata o filho
Perante tal, é óbvio que B agride violentamente C, sendo essa, exactamente a sua intenção.
Mas… perante estas circunstâncias, a acção praticada por B é susceptível de censura? -
Obviamente não (estado de necessidade desculpante).
iii.a. Acção
Para os finalistas e, resumindo o acima já exposto, em direito penal, não se deve partir da
acção, ou como movimento corpóreo, realidade pura e simplesmente objectiva, externa,
positiva, ou como mera negação de valores, mas, pelo contrário, deve partir-se, na
estruturação da definição de crime, desta ideia de acção final e ter, sempre, em conta que, do
próprio conceito de acção faz parte a finalidade dessa mesma acção. A acção (o
comportamento do agente) era considerada crime e penalmente relevante quando o agente
sabia aquilo que estava a fazer.
iii.b. Ilicitude
É nesta categoria que está a grande conquista dos finalistas: enquanto os anteriores sistemas
(salvo raras excepções) situavam tudo quanto fosse elemento subjectivo na categoria analítica
da culpa - incluindo o dolo, os finalistas, por força do seu conceito de acção, enquanto acção
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final, acabaram por transportar o dolo e a negligência para a categoria analítica da tipicidade.
É que, na verdade, é na vontade ou na intenção que nós podemos observar a finalidade do
comportamento do agente. O dolo passa a ser elemento essencial da própria acção (da acção
proibida em DP, isto é, do tipo legal do crime em causa). Vejamos, a título de exemplo, um
homicídio consumado e um homicídio tentado, em que:
No homicídio consumado, A quis matar o B e o B acabou mesmo por morrer – aqui, não só
temos um desvalor da acção, como também, um desvalor do resultado; quer isto dizer que,
não só a própria acção, como o próprio resultado foram conseguidos; logo, verifica-se um
desvalor quer em relação à acção, quer, em relação ao resultado – ambos foram conseguidos e
não podem ser considerados como valores positivos, são negativos, desvalorizados.
No homicídio tentado, A quis matar o B mas não conseguiu - aqui, verifica-se um desvalor da
acção mas não se verifica o desvalor do resultado (caso contrário, não seria tentativa mas
consumação) – isto é, A demonstrou que tinha capacidade e vontade para matar B (quer do
ponto de vista formal, praticando um facto contrario à lei, quer do ponto de vista material, ao
praticar um facto que lesa um bem jurídico fundamental: a vida) mas, apesar de ter tentado,
não conseguiu; é este desvalor da acção que nos permite punir a tentativa porque se, em bom
rigor, B não morre então, porque é que A deve ser punido? Porque, embora não haja desvalor
do resultado, houve uma acção desvaliosa.
iii.c. Culpa
Para os finalistas, a culpa é puramente normativa. Enquanto que os neo-clássicos falavam de
juízo de censurabilidade e de pressupostos de culpa (como a capacidade de culpa, a
consciência da ilicitude e a ausência de causas de desculpação ou de desculpa), os finalistas
expurgaram da culpa tudo quanto eram elementos subjectivos. Assim, a culpa era vista de
uma perspectiva puramente normativa, ou seja, o que interessava nesta categoria analítica
eram os elementos da culpa. E os elementos da culpa estão expressos normativamente.
Para sabermos se uma pessoa que praticou um facto ilícito deve ser considerada culpada ou
não, temos de ter em conta:
1º se tem capacidade de culpa
2º se tem mais de 16 anos
3º se sofre de anomalia psíquica
4º se tinha consciência de que o facto que praticou era ilícito
5º se actuou ao abrigo de alguma causa de desculpa
E, perante um facto concreto, é assim que os finalistas tratam a categoria da culpa, pese
embora, para eles, a culpa, em algumas circunstâncias, ter uma dupla importância: quer em
sede da própria categoria analítica de culpa, quer em sede da ilicitude.
Este pensamento também não é, no entanto, isento de críticas senão vejamos: existe
responsabilidade criminal por crimes dolosos e por crimes negligentes; assim, onde é que está
a finalidade da acção, a vontade do agente, nos comportamentos negligentes?
2. ESTRUTURA DA ACÇÃO
Torna-se, agora, importante “agarrar” em tudo o que os finalistas trouxeram de positivo para
o DP, e, comecemos por encontrar um conceito de acção com relevância penal.
Uma acção para ter relevância penal deve preencher determinadas funções: uma função de
selecção, uma função de classificação, uma função de selecção. Assim, desde logo não há
nenhum conceito de acção com relevância penal que, simultaneamente reúna todas estas
funções de forma a ser merecedor de autonomia das restantes categorias analíticas, como é o
caso da tipicidade.
A acção, enquanto categoria analítica do crime, é importante, desde logo, por força da sua
função selectiva negativa. Não tanto pelo facto de poder dizer-se que aquele indivíduo que
praticou determinado facto, pode ser susceptível de responsabilidade criminal, mas porque,
desde logo, nos permite eliminar comportamentos que, à partida, não são susceptível de
responsabilidade criminal.
b) Movimentos reflexos
São aqueles que organicamente são transmitidos e impossíveis de dominar ou controlar; veja-
se o exemplo do espirro – é impossível fazê-lo sem fechar os olhos; outro exemplo é o martelo
do psiquiatra ou do neurologista e bater com ele no joelho; verifica-se um movimento reflexo
de elevação da perna. Imagine que, durante um destes movimentos estava mesmo à frente da
perna do paciente, um jarrão companhia das índias de valor incalculável e que se parte, fruto
desse movimento reflexo causado pelo bater do martelo do neurologista numa consulta. O que
está em causa é um resultado típico de dano, sendo que, neste caso, obviamente que a
responsabilização criminal está, igualmente, posta de lado.
Então, aquela mãe que, conscientemente, deitada na cama com o seu filho recém-nascido ao
lado e que acaba por adormecer, causando a morte do mesmo por asfixia, deve ou não ser
criminalmente punida?
No momento em que aquela mãe se volta e acaba por ficar sobre o filho que acaba por morrer
asfixiado, nesse preciso momento, o seu movimento não era passível de ser dominado pela
vontade; no entanto, seria um movimento dominável porquanto, no momento antes de
adormecer, ela poderia ter previsto que tal poderia acabar por acontecer. Portanto, ainda que
no momento em que se virou, ela não tivesse consciência do que estava a fazer, ela poderia
ter evitado ficar nessa situação de inconsciência…
• Perceber, também, que responsabilidade criminal existe tanto por acções positivas “de
facere” ou por acções negativas de “non facere”; isto é, existe responsabilidade criminal
por acção (punição por acção) ou por omissão.
Assim, no que se refere à responsabilidade criminal por omissão, podemos distinguir duas
espécies de omissão:
• As omissões puras, também designadas próprias e
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• As omissões impuras, tb designadas impróprias ou comissão por omissão (têm
como base o artº 10º do CP)
Existem vários critérios para distinção entre omissão pura ou própria e omissão impura ou
imprópria:
A nossa Profª defende que o melhor critério para as distinguir é o critério que diz que as
omissões impuras ou impróprias ou comissão por omissão são crimes de resultado.
Omissão Pura Comissão por acção: Uma omissão pura é uma pura omissão.
As normas penais que descrevem os comportamentos como crime são normas imperativas ou
perceptivas (proibitivas); nas omissões puras ou próprias, as puras omissões são aquelas que
geram responsabilidade criminal bastando, para tal, que o agente não actue, não adopte o
comportamento que dele exige o preceito incriminador (basta a pura omissão para fazer com
que o agente incorra em responsabilidade criminal) - ver, por exemplo, artº 200º do CP:
Ter em conta que, para que se verifique o crime de homicídio, é necessário que se verifique o
resultado do tipo legal desse mesmo crime, neste caso, a morte. Assim, veja-se o exemplo
seguinte:
Quando, no ponto anterior se fala na lei, estamos a falar de uma fonte tradicional do dever de
agir.
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Quanto à lei:
Pelo já exposto, é fácil entender que o dever jurídico em causa resulta daquilo que estiver
estipulado na lei, face ao facto em causa.
Quanto ao contrato:
O dever jurídico em causa é aquele que fizer parte integrante da relação jurídica em questão.
Como exemplo, imagine os pais de uma criança de 2 anos que, querendo ir ao cinema,
contratam uma baby-sitter. Por acaso, até moram num 5º andar e têm uma varanda para
onde, constantemente, a criança gosta de ir brincar, avisando a baby-sitter do perigo que tal
pode trazer. A senhora acabou por se distrair e a criança corre para a varanda, cai do 5º andar
e acaba por morrer em função da queda.
Neste caso, estamos perante um crime de homicídio por omissão, porquanto, a baby-sitter
tinha deveres perante o contrato celebrado com os pais da criança, nomeadamente o de não
deixar que a mesma fosse para a varanda. Sobre ela existia o dever jurídico de zelar pelo bem
estar e pela segurança da criança.
Quanto à ingerência:
Estamos perante a ingerência quando, aquele que com um comportamento anterior criou o
risco de produzir o resultado.
Vejamos o exemplo seguinte:
António, um exímio nadador, chama Bento para nadar consigo; porém, Bento não oferece
nenhuma garantia de que sabe, igualmente, nadar tão bem como António. Bento é apanhado
por uma onda, ficando em perigo de se afogar. Para haver dolo na omissão é necessário que se
verifique o resultado. Então, imagine que Bento acaba mesmo por se afogar e como
consequência verifica-se a sua morte. Neste caso, António incorre num crime de homicídio por
omissão e estamos perante a ingerência ou “actuar precedente perigoso” pois, deu origem à
situação que levou à morte de Bento e não removeu essa situação (tirando-o atempadamente
da água quando percebeu que ele não nadava bem), deixando-o em perigo de vida.
Quando se fala em crime, fala-se em violação de um bem jurídico fundamental.
E… quando se fala em bem jurídico, verifica-se, muitas vezes, a tendência para confundir o que
é um bem jurídico com o objecto da acção, assim, vejamos:
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(*) elementos importantes quando estudarmos a matéria referente ao erro (artºs 16º e 17º
do CP)
Assim:
Num tipo de crime o que o legislador pretende é a protecção de um ou mais bens jurídicos
fundamentais (e, tudo o que seja bem jurídico já todos sabemos o que é).
Os elementos objectivos do tipo legal de crime são aqueles que existem independentemente
da representação mental que deles o agente faça; Objectivo é tudo aquilo que é,
independentemente daquilo que se pensa que seja. Quanto aos elementos objectivos, temos:
• O agente – aquele que adopta uma conduta típica descrita num tipo legal de crime e que
assume o comportamento penalmente relevante (normalmente identificada na norma
penal através do vocábulo quem)
• A acção – é a conduta típica, o comportamento criminalmente relevante praticado pelo
agente e que está efectivamente descrita na norma
• O resultado – Verifica-se, apenas, nos crimes de resultado (também chamados materiais)
ou nos crimes de execução vinculada, isto é, nestes tipos de crimes, para além da conduta
típica, exige-se que se destaque algo diferenciado para que o facto possa estar
efectivamente consumado - é o resultado típico
• O nexo de causalidade – Verifica-se, tal como o resultado, apenas nos chamados crimes de
resultado (materiais) ou de execução vinculada; é a relação entre o resultado típico e a
conduta do agente. Por outras palavras, nos crimes de resultado ou de execução
vinculada, traduz-se em saber se um determinado resultado pode ser imputado a uma
determinada conduta do agente. Nos crimes referidos pode estar descrito na norma, pelo
que é, também, um elemento escrito e, nos crimes de forma livre é um elemento não
escrito.
• As circunstâncias – por vezes, em certos tipos de crime, verifica-se, ainda, a existência da
referência a determinadas circunstâncias como seja a condição em que o facto tenha que
se verificar (de noite, às escuras, num local ermo, etc.)
Mas, há certos tipos de crime que, para além do dolo, postulam, ainda, elementos subjectivos
especiais, específicos; isto é, exigem uma particular direcção de vontade por parte do agente,
é o caso, por exemplo dos crimes previstos nos artigos seguintes, quando referem:
203º - Furto: com ilegítima intenção
117º - Burla: com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo
192º - Devassa da vida Privada: intenção de devassa
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Vejamos, então, alguns exemplos de crime e a sua análise quanto aos elementos do tipo ou da
tipicidade:
Art.131.º Homicídio
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
Art.212.º - Dano
1 — Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa
alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Bem Jurídico tutelado pela norma: Propriedade
Objecto do facto ou da acção: Coisa alheia
Elementos descritivos: Todos os vocábulos da norma, com excepção de
“coisa alheia”
Elementos normativos: Coisa alheia
Elementos Agente: Quem
objectivos: Conduta ou acção Destruir, danificar, desfigurar e tornar não
típica: utilizável
Resultado: (*) Destruição, danificação, desfiguração e o
(*) Só nos crimes concreto tornar não utilizável
de resultado Nexo de
causalidade: (*)
Circunstancias: Não se verifica
Elementos Geral: Ver regra do artº 13º:
subjectivos: Neste caso, trata-se de um crime doloso
Específico: Não se verifica
A norma não diz, por exemplo, quem, com
intenção de enriquecer, com intenção de
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experimentar coisa alheia …
Elementos escritos:
Elementos não escritos: - O bem jurídico tutelado pela norma
- O nexo de causalidade (porque a norma não diz
como se destrói, como se danifica …
Nota: No que se refere aos elementos escritos e aos elementos não escritos, estes não têm
que ser analisados separadamente; para cada um dos outros elementos podemos ir dizendo se
são escritos ou não escritos.
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4.2Quanto ao Bem Jurídico
• Crimes unidimensionais, unidireccionais ou uniofensivos
• Crimes pluridimensionais, pluridireccionais ou pluriofensivos
• Crimes de dano ou lesão
• Crimes de perigo
• Concreto
• Abstracto
• Abstracto concreto
• Claus Roxin: (para este jurista alemão, apenas estas duas categorias deveriam
ser consideradas)
• Crimes que consistem no agente levar a cabo determinada actividade e
• Crimes de violação do dever
4.1 Quanto ao Agente
• Crimes gerais ou comuns
São aqueles que podem ter como agente qualquer pessoa; isto é, aqueles cujo tipo (norma)
não diz que são os praticados por quem tem determinada qualidade exigida como seja:
homem, mulher, médico, arquitecto, pastor, mãe, etc.
Artigo 131.º
Homicídio
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.
(pode ter como agente qualquer pessoa)
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perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde,
Em qualquer dos exemplos de tipo de crime, acima apresentados, a pessoa do agente só pode
ser alguém que tenha a específica qualidade prevista na norma (a mãe, o médico, o
funcionário, entidade patronal, etc.)
• Os crimes de mão própria - São aqueles que postulam um envolvimento corporal por
parte do agente e têm que ser cometidos por ele próprio, não admitindo certas formas de
comparticipação criminosa como é o caso da autoria imediata. Assim, temos como crime de
mão própria, por exemplo, uma situação de violação, sendo que, neste caso, e, face ao acima
exposto não ficaria excluída uma situação de comparticipação criminosa na medida em que
poderia haver um cúmplice; no entanto, quanto ao autor, sim: teríamos uma situação de crime
de mão própria. Esta classificação de crime não é muito relevante ou importante; apenas
alguns autores a defendem ou utilizam. (não confundir, portanto, com os crimes especiais ou
específicos em sentido próprio).
- No exemplo do artº 131º, apenas um bem jurídico está em causa: a vida – crime
unidimensional, unidireccional ou uniofensivo
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Direito Penal
- No exemplo do artº 210º, vários bens jurídicos estão, ou podem estar, em causa: propriedade,
liberdade, vida, integridade física … – crime pluridimensional, pluridireccional ou pluriofensivo
- No exemplo do artº 152º, vários bens jurídicos estão, ou podem estar, em causa: integridade
física (saúde física ou psíquica), liberdade de auto determinação sexual, honra … – crime
pluridimensional, pluridireccional ou pluriofensivo
Estes são crimes de lesão ou de dano porque pressupõem que, para a sua consumação, se
verifique a efectiva destruição ou lesão dos bens jurídicos tutelados por cada uma das normas;
no caso do homicídio é necessário que se verifique a morte e no caso da ofensa à integridade
física é necessário que se verifique a ofensa à integridade física (á saúde) do lesado.
• Crimes de perigo
Em DP, o perigo é sempre a possibilidade ou a probabilidade de dano ou lesão. Estes crimes
surgem porque o legislador, atenta a natureza e o valor de determinados bens jurídicos
fundamentais, como que antecipa a tutela penal de certos comportamentos que põem em
perigo esses mesmos bens jurídicos. Assim, basta tão só que a conduta do agente traduza a
possibilidade ou probabilidade de lesão ou que revele perigosidade para o(s) bem(s) jurídico(s)
tutelado(s) pela norma incriminadora (sem que se chegue a verificar a sua efectiva ou real
destruição ou lesão, à semelhança da categoria anterior dos crimes de lesão ou de dano).
Subdividem-se em:
Isto é quanto basta para que esta mãe seja criminalmente responsabilizada nos termos do
disposto no artº 138º do CP; Mas… há ainda que provar o resultado típico: que da sua conduta
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Direito Penal
resultou o concreto perigo para a vida daquela criança que, por si só, não podia defender-se
ficando em perigo de perder a vida.
Assim, imagine agora que, assim que aquela mãe tocou a campainha, alguém veio, de
imediato, abrir a porta e recolheu a criança sem que esta tenha, por momento algum,
ficado sozinha ou ao frio: - neste caso, da conduta daquela mãe não se verifica o resultado
postulado na norma em causa; este já não seria um crime de perigo concreto.
Para que o crime seja consumado, não há necessidade que a moeda chegue a circular no
mercado; basta provar que o agente ao falsificar a moeda tinha a intenção de a por a circular
como verdadeira. Esta conduta é perigosa para um conjunto indeterminado de bens jurídicos e,
nestes casos, a lei “contenta-se” em descrever a conduta como perigosa, não obstante a
verificação de um resultado efectivo ou real de lesão ou dano dos bens jurídicos em causa.
Neste caso, a morte ou a ofensa à integridade física grave são meras condições objectivas de
punibilidade. O facto para ser típico basta que haja, pelo menos, duas pessoas envolvidas e
que haja um terceiro que intervenha na rixa. O legislador entende que, para além do facto ser
típico, há necessidade de se verificar que, globalmente, da rixa em causa resulte a morte ou a
ofensa à integridade física grave; não se verificando nenhum desses pressupostos, o facto é
ilícito, típico e culposo mas não é punível porque lhe falta a condição objectiva da punibilidade.
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Direito Penal
Imagine a história do pai que vai com o filho à praia e o deixa morrer afogado porque não o
socorre; neste caso, tínhamos preenchido o preceituado no artº 200º, sendo que:
O artigo 200º não nos diz que, neste caso, o pai tinha obrigação de socorrer o filho na praia;
porém, equipara-se para efeitos de responsabilidade criminal a omissão à actuação de matar,
por força do disposto no artº 10º.
Senão, vejamos:
Por um lado temos, a omissão do pai = à actuação de deixar morrer = nada fazer para socorrer
o filho
- não se trata de uma violação directa de um comando legal: a norma não diz “faz
isto”…
- mas trata-se de uma violação indirecta de uma proibição legal: “não mates”...
- logo: “não deixarás morrer”…
Existem vários critérios para distinção entre omissão pura ou própria e omissão impura ou
imprópria:
A nossa Profª defende que o melhor critério para as distinguir é o critério que diz que as
omissões impuras ou impróprias ou comissão por omissão são crimes de resultado.
Ver pág. 12, 13 e 14.
O homicídio - artº 131º, pressupõe (postula) um determinado resultado que é a morte de uma
pessoa;
A ofensa à integridade física simples – artº 143º, pressupõe um determinado resultado que é a
verificação da ofensa da saúde ou da integridade física de outra pessoa e, assim,
sucessivamente.
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Direito Penal
Isto é, postulam que, para além da conduta típica do agente, se autonomize / se verifique um
determinado evento: o resultado previsto na norma incriminadora;
Imagine que o agente em causa, com um movimento brusco do braço, contra a sua vontade,
acerta na cara de Mário que ia a passar; Mário usava óculos e estes partiram-se, ferindo-lhe
gravemente a vista….
Neste caso, e, pelo disposto no nº 1, estamos perante um crime de ofensa à integridade física
por negligência;
Porém, como da conduta do agente resultou um ferimento mais grave (um evento agravante)
pelo facto de Mário usar óculos encontra-se, também, preenchido o estipulado no nº 3 da
mesma norma, independentemente da vontade do agente. Neste exemplo, o crime assenta
numa estrutura de negligência/negligência (tanto na conduta como no resultado)
Há, ainda, situações de crimes agravados pelo resultado que podem assentar numa estrutura
dolo/dolo: é o caso, por exemplo, de:
- um crime de roubo em que, intencionalmente, o agente mata a vítima; neste caso, há crime
de roubo qualificado pela morte da vítima
- um crime de lesão corporal culposa, cuja pena é agravada de 1/3, se o agente, dolosamente,
deixar de prestar socorro imediato à vítima; neste caso verifica-se uma conduta culposa e um
resultado agravante doloso
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Direito Penal
2 — Se das ofensas previstas no artigo 143.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º e na alínea
a) do artigo 146.º resultarem as ofensas previstas no artigo 144.º, o agente é punido com a
pena aplicável ao crime respectivo agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo.
Imputação Objectiva:
o segundo resultado decorre da conduta inicial do agente
Neste caso, basta que o agente se introduza na habitação de outra pessoa; não há
necessidade de se verificar qualquer outro resultado.
Imagine:
Uma pessoa que vá a tribunal (enquanto testemunha) afirmar que viu um determinado
acidente rodoviário, sendo que se vem depois a provar que no exacto momento do acidente
ela não podia ter assistido pois, estava em qualquer outro local….
No momento em que o juiz lhe pergunta se viu o acidente e ela responde: vi – incorre,
imediatamente, no crime de perjúrio, previsto no artº 359º;
Assim, estamos perante um crime formal ou de mera actividade uniexecutivo, na medida em
que, independentemente do resultado (ser condenado ou absolvido) uma única acção foi o
suficiente para preencher o tipo em causa.
b) Crimes pluriexecutivos
São aqueles em que a conduta tipificada na lei como crime pode ser desdobrada em várias
actuações; vejamos o artº 190º:
Imagine que:
António queria assaltar a habitação de Bento.
Esta, situava-se num 1º andar e, mesmo ao lado, havia uma 2ª habitação abandonada com
uma varanda que terminava junto a uma das janelas da casa de Bento.
Assim, António conseguiu intrometer-se na casa abandonada, dirigiu-se à varanda e, através
desta, conseguiu entrar na casa de Bento pela janela.
Nesta situação está preenchido o crime previsto no artº 190º: António intrometeu-se na casa
de Bento sem o seu consentimento, sendo que para alcançar o seu objectivo, primeiro
intrometeu-se na casa abandonada e só assim conseguiu entrar na casa que queria assaltar;
i.é. só com várias actuações (com mais do que uma acção), é que António atingiu o seu
objectivo; Estamos, então, perante um crime formal ou de mera actividade pluriexecutivo
(independentemente do resultado)
• Crimes instantâneos
São aqueles em que o agente, com o seu comportamento, dá origem a uma situação de
ilicitude que ocorre e se esgota no preciso momento da consumação, i.é, com a produção
desse comportamento.
Neste caso, não podem ser observadas situações crescentes de ilicitude; o bem jurídico
afectado não admite recomposição; é uma situação irreversível
É o exemplo do crime de homicídio previsto no artº 131º - quando se atinge o resultado morte,
o agente incorre numa situação de ilicitude que não admite graus crescentes pois, não há mais
nenhum resultado que possa ocorrer (a vítima já não pode ressuscitar, independentemente do
resultado morte poder ser obtido de uma forma que não seja instantânea, i.é., eu posso matar
outra pessoa à fome)
• Crimes duradouros
Nestes, o agente com o seu comportamento dá origem a um estado de ilicitude que pode ser
mantida no tempo por vontade do próprio agente e em que o mesmo a pode fazer cessar a
qualquer momento; a situação de ilicitude não ocorre e não se esgota no momento em que o
agente adopta o comportamento de ilicitude;
• Crimes de estado
Trata-se de uma classificação pouco comum; ficam entre os crimes instantâneos e os crimes
duradouros.
Estes, à semelhança dos instantâneos, não admitem graus crescentes de ilicitude mas, à
semelhança dos duradouros, o bem jurídico afectado pode admitir uma certa recomposição
• Claus Roxin
- Crimes que consistem no agente levar a cabo determinada actividade e
- Crimes que consistem na violação do dever
Claus Roxin pretendeu para uma visão unitária da dogmática jurídica-penal, adoptar estas duas
classificações no que se refere aos crimes: Por um lado, os crimes que consistem no agente
levar a cabo determinada actividade seja por acção ou por omissão e, por outro lado, os crimes
que consistem numa violação do dever quer dolosa quer negligentemente.
5. IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
Quando de um tipo de crime faz parte um determinado resultado, temos de verificar se esse
resultado é obra de determinada pessoa (do agente) quer se trate de um crime por acção, quer
se trate de um crime por omissão.
E, neste contexto, há situações em que é difícil perceber (subtrair) esse nexo causal entre a
conduta e o resultado;
5.1 Teoria da Conditio sine qua non (também chamada de teoria das condições ou
teoria da equivalência)
Defendida sobretudo a partir do séc. XIX.
Dizia-nos que: para que um fenómeno se verifique há uma série de condições; Todas essas
condições, indistinta e equivalentemente, são a causa de um certo resultado.
Assim, toda a condição positiva que permita a verificação de um evento, de um certo
resultado, é a sua causa;
“Causa de um efeito é toda a condição que não pode ser mentalmente retirada sem que o
resultado desapareça” – Teresa Pizarro Beleza
Como?
Se António não tivesse dado o tiro na cabeça de Bento, Bento teria morrido?
- se sim, então a conduta não foi a causa do processo de resultado; a conduta de António não
poderia objectivamente ser imputada ao resultado, isto é, Bento teria morrido de qualquer
forma.
Criticas:
Esta teoria:
• Leva-nos ao exagero dos “ses”; isto é, a um encadeamento causal infinito, na medida
em que não permite a distinção entre causas relevantes e causas irrelevantes porque se diz
que “causa a produção de um resultado, toda a condição que permite a verificação do evento”;
nestes termos, todas as condições, quer sejam relevantes ou irrelevantes, são equivalentes em
termos de produção do resultado e, em última análise a responsabilidade poderia recair na
própria vítima pois, se ela não estivesse no local do crime, o mesmo não se teria consumado.
Senão vejamos:
Ana agride Rui de forma não muito violenta mas causa-lhe uma fractura no pé;
Rui tem de ir de ambulância para o hospital e, no percurso, a ambulância sofre um acidente de
viação que causa a morte de Rui e dos bombeiros que seguiam na mesma.
A primeira pessoa, isto é, Ana, deve ou não ser entendida como responsável, neste caso, como
causa da morte de Rui a quem partiu o pé? E … porquê este exemplo?
Pois bem: é porque justamente com a teoria das condições se afirma a existência de um nexo
causal: se Ana não tivesse partido o pé a Rui, ele não teria seguido na ambulância; se ele não
fosse na ambulância, não teria tido o desastre; se não tivesse havido o desastre, ele não teria
morrido. Portanto, em última análise, e neste sentido de que qualquer condição posta, é causa
do resultado, o facto de Ana ter partido o pé a Rui seria condição de ele ter morrido pois, nada
disto se teria verificado se Ana não lhe tivesse partido o pé. O que está em causa é que se
torna repugnante de certa forma, responsabilizar uma pessoa pela morte de outra, apenas
porque ela lhe partiu o pé ou até lhe causou uma ofensa menor e depois tudo se passou de
uma forma imprevista e anormal; dentro da experiencia comum das pessoas, não é previsível
que a um indivíduo que partiu o pé a outro deve ser imputada objectivamente a morte desse
indivíduo.
Para além deste desfecho, muitos outros poderíamos invocar, nomeadamente o facto de
questionarmos que, se os pais de Ana não a tivessem gerado, ela não teria partido o pé de Rui,
pelo que Rui não iria na ambulância, etc., etc.
Assim, usando a teoria das condições até ao limite da caricatura poderíamos chegar
eventualmente a Adão e Eva e chegar à conclusão de que tudo o que está pelo meio, desde as
pessoas que se foram gerando umas às outras até às pessoas que, sem ter nada com o
assunto, fabricaram armas, fabricaram venenos e desenvolveram quaisquer outras actividades
perfeitamente lícitas que nada tiveram a ver com o acto criminoso em causa, poderiam ser
imputadas objectivamente da causa de um homicídio ou de qualquer outro crime…
- se nos abstrairmos do disparo de A, X teria morrido? Sim, por força dos disparos de B e de C;
- se nos abstrairmos do disparo de B, X teria morrido? Sim, por força dos disparos de A e de C;
- se nos abstrairmos do disparo de C, X teria morrido? Sim, por força dos disparos de A e de B;
Neste caso, não permaneceria, logo esta teoria não resolvia o facto em causa, pois assentava
unicamente na eliminação, na abstracção do comportamento do agente e, não havendo
comportamento….
Assim, foi numa perspectiva de correcção a esta teoria que surgiram outras teorias:
Assim:
“O juiz imagina-se na posição de um homem médio colocado nas circunstâncias concretas em
que determinado agente praticou o seu acto e pergunta:
- Para esse homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que
estava o agente, era previsível que, actuando como o agente em concreto actuou, derivasse o
mesmo resultado?
- Se sim, então existe previsibilidade, existe imputação objectiva, existe causa adequada.
- Se, pelo contrário, o homem médio dissesse que não era previsível que, actuando como o
agente actuou, o resultado se tivesse produzido, então, não há previsibilidade, não existe
imputação objectiva, não existe causa adequada
Ora bem: todos nós somos homens médios dentro de determinado padrão; assim, se, numa
situação em que António agarra numa arma de fogo e com um disparo mata Bento, nos
perguntassem se:
- Perante as mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que estava o agente, era previsível
que, actuando como o agente em concreto actuou, derivasse o mesmo resultado?
Qualquer um de nós responderia que seria previsível que sim; logo, se é previsível é porque
este evento morte se pode imputar à conduta do agente porque é a causa do resultado.
Só com o recurso ao padrão do homem médio, esta teoria iria levar-nos a resultados
indesejáveis.
Imagine agora que Bento, sabendo que António sofre de hemofilia, lhe dá uma facada na
perna, tendo vindo a morrer de hemorragia. Se, neste caso, fossemos igualmente recorrer ao
padrão do homem médio, teríamos a mesma pergunta:
- Perante as mesmas circunstâncias de tempo e lugar em que estava o agente, era previsível
que, actuando como o agente em concreto actuou, derivasse o mesmo resultado?
- Neste caso, todos responderiam que não; que não era previsível que uma pessoa com uma
facada na perna viesse a morrer (o homem médio, como qualquer um de nós, não sabia que a
vitima era hemofílica).
Por esse motivo, corrigiu-se esta teoria, este juízo de prognose póstuma, dotando o homem
médio dos conhecimentos em concreto, que o agente em concreto tinha da situação…
- Neste caso, o homem médio já responderia que sim, que era previsível que a vítima viesse a
morrer.
Críticas:
• Estando em sede de imputação objectiva, esta teoria que se quer objectiva acaba por
introduzir um factor de subjectividade como sejam os conhecimentos do agente.
• Acresce, ainda, que o recurso ao padrão do homem médio que, nas mesmas
circunstâncias de tempo e lugar e dotado dos mesmos conhecimentos do agente, acaba por
trazer algumas imprecisões. É que o conhecimento é residual e nunca se consegue quantificar.
• Por outro lado, o juízo de previsibilidade em que assenta esta teoria é um juízo
categórico (ou se afirma ou se nega; não podemos dizer que é mais ou menos previsível) e
aquilo que pode ser previsível para um homem médio, pode não o ser para outro; vejamos o
exemplo da Professora:
Imagine um campino num prado cheio de cavalos; O senhor A quis matar o campino e dispara
uma arma na sua direcção mas esta não lhe acerta.
Com o barulho do disparo, há um cavalo que se assusta e enfurecido, começa a correr
loucamente, atacando o campino que, por sua vez caiu desamparado e acabou por morrer.
- Alguém que, por ter medo de cavalos, julgasse que seria previsível que o resultado seria o
mesmo e
- Alguém que sem ter medo de cavalos, julgasse que tal não seria previsível e que, como tal,
seria impossível que o cavalo se enfurecesse e tivesse tido aquela reacção.
De referir, no entanto que, pese embora as críticas apresentadas, esta teoria “parece” que foi
a adoptada pelo nosso legislador, senão recordemos o artº 10º do CP:
Roxin entende que, para haver imputação objectiva (para que se possa afirmar que a um
agente, por força de um comportamento que impendeu, lhe é imputado um resultado tipificado
na lei como crime) não é necessariamente a causalidade adequada o factor determinante mas,
antes, o nexo relacional entre o dever de vontade e a conduta empreendida pelo agente
porque pode até existir causalidade adequada e, no entanto, não poder ser imputado
objectivamente o evento à conduta típica do agente (a causalidade é um pressuposto mínimo
da imputação que não deve ser abandonada, só que, por siso, não resolve o problema da
imputação objectiva, o que é necessário é encontrar o nexo relacional entre o dever de
vontade e a conduta do agente)
No entanto, foram sendo introduzidos alguns princípios correctores (critérios) a esta teoria da
causalidade adequada, nomeadamente no que se refere ao risco, tendo em conta os casos de
diminuição de risco (1), os casos de risco lícito ou permitido (2), os casos que ficam para além
da protecção da norma (3), os casos de comportamento lícito alternativo (4) e os casos em que
ninguém pode ser responsabilizado por facto alheio (5).
Imagine que ao sair da universidade, tenho que atravessar a avenida; completamente distraída
não reparo que, a toda a velocidade, se aproxima um veículo.
Uma pessoa mais atenta apercebe-se da situação e, no momento em que vou para atravessar,
dá-me um puxão e eu acabo por cair para trás, magoando um joelho e partindo os óculos.
Toda aborrecida com a situação, barafusto com essa pessoa e quero responsabilizá-lo por
crime de dano e ofensa à integridade física.
Do ponto de vista da causalidade entre a minha queda e o partir dos meus óculos, existe
causalidade adequada na produção destes dois resultados típicos; só que… na verdade eu
estava em perigo de vida; essa pessoa não criou o risco, não aumentou o risco mas interveio
num processo causal já iniciado, diminuindo o risco em que eu já me encontrava; assim sendo,
não há imputação objectiva no resultado empreendido pela conduta dessa pessoa.
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Direito Penal
ii. Situações de risco lícito ou risco permitido
A nossa sociedade é uma sociedade de risco (circulação rodoviária, circulação aérea, etc.) só
que há riscos que são lícitos.
Imagine o seguinte:
Tio muito rico com um único herdeiro: o sobrinho
Sobrinho ganancioso e morto por ver o tio morrer para herdar mais depressa a sua fortuna
Companhia aérea com promoção de voos e viagens de sonho
Sabendo dessa campanha e do risco do avião poder vir a cair, o sobrinho decide comprar um
bilhete de avião e oferecer uma viagem ao tio como prenda de aniversário.
O tio, todo contente, lá vai.
O avião cai e… azar: o tio morre e o sobrinho fica rico!
Este é um risco lícito ou permitido; teoricamente, onde está a ilicitude em oferecer uma
viagem de avião a alguém?
Outro exemplo:
Mulher está farta do marido que sofre do coração.
Ouve anúncio na televisão a dizer que cogumelos fazem bem ao coração
Porém, sabe que há cogumelos venenosos
Resolve todos os dias comprar cogumelos e cozinhá-los de maneira diferente, na expectativa
de aparecer algum venenoso que lhe mate o marido.
Um dia, lá calhou um venenoso e o marido … azar: morreu!
Este é um risco lícito ou permitido; teoricamente, onde está a ilicitude em cozinhar cogumelos
todos os dias?
Em ambos os casos, estando perante um risco lícito ou permitido; logo, não pode haver
imputação objectiva.
iii. Riscos que ficam para além da esfera de protecção da norma que o agente
violou com o seu comportamento
Imagine a seguinte situação:
A circula a 160 Km/h na A1
B queria suicidar-se
Em determinado troço da A1, existe uma ponte que não é vedada; B vai para a ponte com o
intuito de se atirar para a auto-estrada e concretizar o seu objectivo: o suicídio
Ao ver que A se aproximava àquela velocidade excessiva, deduziu que era a altura ideal e…
Zás, atira-se da ponte abaixo, no preciso momento em que A ia a passar; dá-se o acidente e
morre
- Não!
A norma que o agente violou foi uma norma do código da estrada que se destina a evitar
acidentes rodoviários e não acidentes suicidas.
Outro exemplo:
Dois ciclistas que seguem no mesmo sentido da via pública, um atrás do outro, à noite e sem
qualquer iluminação
Em sentido contrário vem um automobilista que, não vendo o primeiro ciclista, colide com ele e
produz o resultado morte.
Pode este resultado ser imputado objectivamente à conduta do outro ciclista que, ao não ter
luzes de presença, não permitiu que o automobilista visse o ciclista sinistrado?
- Não!
A norma que ele violou, concretamente, o não ter as luzes de presença como o código da
estrada assim determina, é uma norma que se destina a iluminar a sua própria presença e não
a via pública ou objectos que se encontrem à frente.
Em ambas as situações, estando perante casos que ficam para além da esfera de protecção da
norma que o agente violou com a sua conduta; logo, não pode haver imputação objectiva.
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Direito Penal
iv. Situações de comportamento lícito alternativo
São situações em que o agente com o seu comportamento dá origem à verificação criminal de
um resultado porque actua em desconformidade com as exigências do dever ser jurídico, i.é,
porque actua de uma forma ilícita.
Mas, há muitas situações em que isso acontece por negligência e em muitas delas se, ao invés
de ter actuado contra as exigências do dever ser jurídico (de uma forma ilícita) se tivesse
actuado licitamente, se tivesse, em alternativa, um comportamento lícito, o resultado não
deixaria de se produzir; então, se mesmo que tivesse actuado bem, o resultado se manteria na
mesma, esse resultado era inevitável e, sendo inevitável era impossível evitá-lo – e, ao
impossível ninguém pode ser obrigado.
Neste caso, o resultado seria o mesmo (era inevitável); logo, não pode haver imputação
objectiva.
vi. Conclusão
Esta teoria do risco é mais rigorosa do que a teoria da adequação porque nos permitiu
introduzir alguns critérios de correcção e porque assenta já num juízo de probabilidade e não
num juízo categórico de previsibilidade: Dentro daquilo que é previsível, podemos dizer se é
mais ou menos provável que se verifique (vejamos o exemplo: A jogou apenas uma vez às
cartas com B e ganhou; assim, se jogarem mais 10 vezes, é previsível que A volte a ganhar
mas, qual a probabilidade de ganhar mais, uma, duas, cinco vezes?...)
Há situações que às vezes nos parecem 100% inevitáveis (caso do miúdo que fica com uma
seta espetada na cabeça de um lado ao outro e em que todos, inevitavelmente, julgavam que
não poderia sobreviver só que, “como que por milagre” sobreviveu e não ficou com qualquer
consequência)
6. IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
6.1 Conceito e objecto do dolo
O dolo (elemento subjectivo geral) consiste no conhecimento e vontade de ralizar determinado
facto típico, i.é, consiste no conhecimento dos elementos objectivos de um tipo de crime e na
vontade de os praticar. Assim, uma pessoa actua dolosamente qdo conhece e quer os
elementos objectivos de um tipo legal.
• Elementos do Dolo
O elemento intelectual (conhecimento da realização do facto típico); O elemento
intelectual precede sempre o elemento volitivo, pois só se pode querer aquilo que,
previamente, se conheceu. É sp aferido no momento da execução do facto, quer por acção,
quer por omissão, pelo que, excluem-se as situações de dolo antecedente ou de dolo
precedente.
O elemento volitivo (vontade / querer da realização do facto típico); A forma c/se quer
determinada coisa, é variável, pois pode querer-se mais, ou menos, intensamente. Deste
modo consoante a intensidade do querer, i.é., consoante o agente quer o facto, assim se
destinguem as diversas formas de dolo.
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Direito Penal
• Espécies de dolo – Art. 14º
n.º 1 – Dolo directo de 1º grau ou dolo intencional
O agente quer intencional/ o facto que representou, i.é., aquilo que previu (forma mais intensa
do querer).
Exemplo: A por qq razão, quer mata B e mata-o. A intenção do agente – A – foi a de produzir o
resultado típico que se verificou;
Para haver lugar à imputação de qq facto previsto como crime, é necessário que o dolo seja
reconhecível ao abrigo do art.14º - exigência que decorre do Princípio da Legalidade.
Nos artigos onde se exige “certa intenção do agente”, identificar-se-á esta exigência, como
dolo directo.
6.2 Negligência
Muito próximo do dolo eventual, está uma outra fig designada por negligência consciente.
Todavia, pq conzudem a resultados diferentes, importa referir a importência da distinção:
Se o agente não actuar com dolo eventual, mas sim com negligência consciente, a sua
conduta pode não constituir crime (descriminalização do agente);
Mesmo que prevista, a negligência tem molduras penais inferiores às molduras penais
dos casos dolosos;
Existem determinadas figuras que não se compadecem com a negligência e que são
sempre dolosas (vg a tentativa, a comparticipação criminosa, a instigação e a
cumplicidade, pressupõem sempre dolo);
Os crimes negligentes, são uma categoria pp e distinguem-se dos crimos de dolo pelo tipo
ilícito e a nível da culpa.
A nível do tipo de ilícito, porque os crimes negligentes são a violação de um dever objectivo; a
nível da culpa, pq é o dever de cuidado que é exigido ao agente que observasse – dever
subjectivo de cuidado.
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Direito Penal
Prof. Figueiredo Dias
Adopta um critério dualista para o dever de cuidado. Assim, temos de ver se o agente,
em concreto, tem um grau de diligência médio, ou se o agente, em concreto, possui
uma grau de deligência superior à média. Adopta-se aqui um critério individualizador
(para verificar se um cirurgião observou o dever de cuidado, temos de olhar para as
técnicas da profissão do médico médio, mas se for um especialista, não se lhe pode
pedir o dever do médico médio porque estávamos a desresponsabilizá-lo – critério
individualizador).
Exemplo
O agente vai a conduzir em excesso de velocidade e pensa que pode surgir um peão a
atravessar a estrada e que, eventual/, pode atropelá-lo provocando-lhe a morte. Todavia,
confia que, por ser um condutor experimentado e o carro ter uns óptimos travões, que se
surgir um peão consegue travar a tempo e assim evitar o acidente. Porém, não consegue
travar a tempo e o acidente acontece.
Aqui o agente prev~e a possibilidade de perigo, mas actua não se conformando com a lesão,
i.é., não se conformando com a realização típica (negligência consciente).
Se, numa mesma situação, o agente conformar-se com a possibilidade de atropelar o peão e,
mesmo assim, actua, estamos perante um dolo eventual.
Para sabermos se o agente, tendo previsto o perigo, actuou conformando-se, ou não, com o
resultado típico, existem várias teorias:
v. Preter-intencionalidade
Nestas situações, há um misto de dolo e negligência pois o agente, com o seu comportamento,
dá origem a um comportamento mais agravante que não pretendeu. O Prof Eduardo Correia
defende que quando a moldura penal do crime preterintencional for mais grave que o
somatório dos crimes em concurso, essa agravação devia ser vista em função da circuntância.
A Prof.Cristina Borges Pinho, não aceita a razão da agravação pelo resultado do Art.158º CP,
quando do sequestro resulte o suicídio da vítima.
Ora, sendo o perigo uma possibilidade de lesão, para haver dolo nos crimes de perigo, o
agente tem de representar e querer a possibilidade de lesão.
Assim, para sabermos que tipo de dolo é o dolo de perigo, temos que atender ao seguinte:
Não pode ser um dolo consciente/directo (Art.14º n.1 CP) porque, neste tipo de dolo, o
agente quer intencionalmente o facto que representou, i.é., aquilo que previu. Ora, é
difícil conceber que , quem actua querendo o perigo, não se conforme com a
possibilidade de lesão;
Trata-se de um dolo necessário (Art.14º n.º2 CP) pois, o agente representa o perigo
como um facto necessário ao resultado que pretende.
Não pode ser um dolo eventual (Art. 14º n.º 3 CP) porque, neste tipo de dolo, o agente
representa o facto, não com a intenção de o realizar, mas conforma-se com o seu
resultado. Ora, o agente não pode estar permanentemente a conceber a representação
da possibilidade de perigo;
Para que exista dolo de perigo, é necessário que exista um elemento positivo e dois elementos
negativos:
Elemento positivo – consciência que o agente tem da situação de perigo (representação
do perigo), i.é., da possibilidade de lesão que é o perigo (elemento intelectual do
dolo);
Elemento negativo
O agente, tendo previsto e representado o perigo, não se pode autotranquilizar, no
sentido de pensar que aquilo que previu c/perigoso não irá ocorrer, senão estaríamos
perante uma negligência consciente (Art 15º n.º 1 CP).
O agente, tendo previsto e representado o perigo, não se pode autoconformar, senão
estaríamos numa situação de dolo eventual (Art. 14º n.º 3 CP).
O agente há-de querer o perigo necessáriamente enquanto tal, i.é., sem se
autotranquilizar e sem se auto conformar (elemento volitivo).
Elementos subjectivos específicos ou especiais:
Tratam-se das especiais intenções e das especiais tendências. Nestes casos, o tipo só se
encontra preenchido quando se verificarem essas especiais intenções ou tendências por parte
do agente.
Nota
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Direito Penal
Quando o legislador nada refere, nos tipos da parte especial que são geralmente dolosos,
admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual – a não ser
que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o preenchimento do tipo legal.
7. ERRO
O dolo, tem dois elementos – o intelectual e o volitivo – i.é., o conhecer e o querer os
elementos objectivos de um tipo legal, sendo que, quando falta um dos elementos da sua
estrutura, o dolo está automáticamente afastado, pois se o agente desconhece determinada
realidade, nunca a poderia ter querido. As situações de desconhecimento ou de imperfeito
conhecimento da realidade (do facto), são situações de erro, i.é., as situações provocadas pela
ausência do elemtento intelectual (representação do facto), que vão afectar o elemento
volitivo.
A consagração jurídica do erro intelectual, é o afastamento do dolo (art.16º n.º 1 CP), i.é., o
erro intelectual exclui o dolo.
O erro moral não afasta o dolo, mas sim a culpa (art.17º n.º 1 CP), i.é., tem relevância em
sede de culpa, pelo que temos de filtrar as situações sobre critérios de censurabilidade.
[+ A Aberratio Ictus]
Como estamos na presença de uma situação de erro sobre a existência do objecto, i.é., erro
ignorância, o dolo é excluido nos termos do art. 16º n.º1 CP. Todavoa, ressalva-se a
punibilidade por facto negligente e, como tal, o agente seria condenado por homicídio
negligente, nos termos do art. 137º CP.
Erro suposição: o agente conhece mal ou imperfeitamente a realidade (o agente quer matar
uma pessoa e mata outra que era seu pai). Nestes casos existe uma representação típica por
parte do agente, mas o objecto efectivamente atingido é distinto daquele que o agente
inicialmente representou atingir.
Para aferir a relevância penal deste erro, temos que verificar se entre o objecto representado
pelo agente e o objecto efectivamente atingido existe, ou não, uma distonia típica, i.é.,
temos de verificar se a lei valora da mesma forma o comportamento do agente:
- A vai à caça. Vendo uns arbustos a mexer, dispara pensando que iria atingir uma peça de
caça. Porém, atrás do arbusto estava B que morre. Assim, o objecto representado por A era um
animal e o objecto efectivamente atingido foi uma pessoa.
Identidade
Quando A mata C julgando que está a matar B.
É um erro sem relevância, apesar do agente estar em erro sobre a identidade da vítima ele não
deixa de preencher o tipo descrito no art. 131º (homicidio), pois a norma não identifica o
sujeito da conduta, refere-se a outra pessoa, não diz que é a Beatriz, o Américo ou o Mário.
Artigo 131.º Homicídio: Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a
dezasseis anos.
Artigo 212. n.º1 Dano: Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não
utilizável coisa alheia (…)
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Direito Penal
A lei valora de igual modo ambos os comportamentos, pelo que não existe uma distonia típica
entre o objecto representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido. Não havendo
distonia típica o erro não é relevante e, como tal, não se aplica o art.16º n.º 1 CP, afastando o
dolo, sendo responsabilizado pelo crime de dano doloso consumado. Perante uma distonia
típica entre o objecto representado e o objecto atingido, o dolo do tipo mais grave é afastado.
Caracterisitcas
c.1. Fácticas
O agente desconhece as características fácticas do objecto que pretende atingir. Determinados
tipos de crimes, ex do furto, são agravados em função do valor da coisa furtada. O valor
histórico ou monetário, é uma caracteristica fáctica do objecto.
Numa festa A encontra no lavatório um anel que julga não ter valor e apropia-se do mesmo. A
ao ignorar o valor do anel, está em erro sobre as caracteristicas fácticas do objecto. O agente
quis e representou o crime de furto previsto no art.203º CP, mas, na realidade, cometeu o furto
qualificado previsto no art.204º CP. Neste caso, o erro afasta o dolo do crime agravado e, como
tal, o agente é punido dolosamente pelo crime de furto simples.
Não é, em rigor, uma situação de erro intelectual (que se subsuma ao artº 16º nº1), nem tão
pouco é um erro.
Estamos perante “aberratio ictus” também denominada de execução defeituosa ou erro sobre
a execução, quando o agente embora representando fiel e correctamente a realidade
objectiva, fracassa na execução, ou seja, não há um problema de identificação da realidade
objectiva, o que há é um desvio de um processo que foi desencadeado independentemente do
agente representar fielmente a realidade.
Ex 1: A quer matar B, B encontra-se ao lado de C, A pega numa arma de fogo, faz pontaria e
erradamente atinge C, não confundindo a sua identidade. Trata-se apenas de má pontaria.
Ex 2: A pretende matar B. Arranja comida envenenada e coloca-a num sítio onde B
habitualmente come. Por azar não é B que come a comida envenenada mas sim C, que morre.
Posições doutrinárias:
1 – Teresa Beleza dá a esta situação o mesmo tratamento que dá ao erro sobre o objecto, isto
é, entende que se deve averiguar se existe distonia típica entre o objecto representado pelo
agente e o objecto, efectivamente, atingido. Se não existir distonia típica, o erro não tem
relevância, pelo que o agente deverá ser punido por facto doloso consumado. Existindo
distonia típica, a solução deverá ser dada de acordo com o entendimento maioritário da
doutrina;
3 – Frederico da Costa Pinto, entende que, tal como a maioria da doutrina, que existe uma
tentativa em relação ao objecto visado mas não atingido. Porém, relativamente ao objecto
atingido mas não visado, há que verificar, em relação ao caso concreto, se o agente actuou
com dolo o negligência.
Exemplos:
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Direito Penal
A aposta com B que , com uma pedra consegue partir determinada lâmpada. A, para o efeito,
faz pontaria à referida lâmpada, atira a pedra, mas falha o objecto e atinge C, causando-lhe
ferimentos.
Trata-se de uma execução defeituosa, em que A representa atingir uma lâmpada, mas, por
imperícia atinge C. Assim, o agente seria punido, em concurso efectivo, por tentativa de dano,
em relação à lâmpada, e por ofensa à integridade física, relativamente a C.
Agora, teremos de verificar se a tentativa de dano é pibível e se é admitida a ofensa à
integridade física por negligência.
Ora, não obstante a pena ser inferior a três anos, a tentativa de dano é punível nos termos do
art.212º n.º 2 CP, sendo que a ofensa à integridade física por negligência está prevista no art.
148º CP.
A está zangado com B, que é colecionador de peças de arte. Resolvendo vingar-se de B espera
por ele à saída de um antiquário. B e C que haviam adquirido uma peça de arte, saem do
antiquário, e A fazendo pontaria à peça de B, erra o alvo e acerta na peça de C partindo-a.
Trata-se de uma execução defeituosa, pois o bjecto representado diverge do objecto atingido.
Assim, o agente será punido, em concurso efectivo, por tentativa de dano, quanto à porcelana
de B, e por dano negligente consumado, relativamente à porcelana de C. Agora há que
verificar se a tentativa de dano é punível e se é admitido o dano por negligência. A tentativa
de dano é punível nos termos do art.212º n.º 2 CP, mas o CP não admite o dano negligente,
pelo que o agente será, apenas, responsabilizado por tentativa de dano.
A pretende matar B que está sentado num banco de jardim acompanhado de C, a sua
namorada. Para o efeito, A aponta a arma à cabeça de B e dispara. Porém, no momento em
que dispara C deu um beijo a B, tendo ficado na mira do tiro e, consequentemente, veio a
morrer.
Trata-se de uma situação de aberractio ictus, pois o objecto atingido era diferente do objecti
visado. Deste modo A será punido, em concurso efectivo, por tentativa de homicido em relação
a A (objecto visado mas não atingido) e por homicídio negligente consumado em relação a C
(objecto atingido mas não visado), pois a tentativa de homicídio é punível, art.131º + 23 CP,
bem como o homicídio negligente, art.137º.
Nota
A 3ª via aplica-se quando o agente visualiza a possibilidade de errar o objecto visado e acertar
num objecto diferente. Nestas situações, o agente será punido, em concurso efectivo, por
tentativa em relação ao objecto visado mas não atingido e por facto consumado com dolo,
relativamente ao objecto atingido mas não visado. No exemplo da pedra, se fosse previsível
que a pedra viesse a bater em C, A seria punido, em concurso efectivo, por tentativa de dano,
em relação à lampada, e por ofensa à integridade física com dolo necessário relativamente a C.
As diferenças doutrinárias entre o erro sobre a identidade e execução defeituosa: as situações
de execução defeituosa, concretizam-se num objecto diferente do representado. Para a Prof
Teresa Beleza, o objecto visado não correu perigo. Para a maioria da doutrina, o objecto
visado, apesar de não sido atingido, também correu perigo, pelo que, processualmente,
também deverá poder reagir.
Exemplo 1: A é cozinheira em casa de X e quer mata-lo. Pede a B para lhe levar leite que sabe
que X habitualmente bebe antes de dormir, mas antes que B leve o leite A coloca dentro do
copo de leite um veneno letal. B dá o leite a X e este morre.
B ignorava que A tinha posto o veneno, tendo B posto em marcha um processo causal que
desconhecia que mas que vai produzir o resultado morte em X. apesar de B ser autor material,
estava em erro sobre a existência do processo causal, logo exclui-se o dolo nos termos do
art.º16 nº1 (elementos de direito)
Exemplo 2: está em cena uma peça de teatro e no decurso da peça existe uma cena em que A
e B têm que simular o homicídio de B na pessoa de A. No momento da cena o punhal é trocado
e em vez do falso punhal estava um verdadeiro, A julgando estar a simular um homicídio acaba
por consumar um homicídio porque alguém trocou os punhais sem o seu conhecimento
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Direito Penal
Desta forma A ao ignorar que alguém tinha trocado os punhais está em erro sobre a existência
do processo causal, logo exclui-se o dolo nos termos do art.º16 nº1 (elementos de direito)
Ex 1: A lança fogo ao apartamento de B para lhe causar a morte. B acorda e salta pela janela
do seu apartamento que se situa num 5º andar para fugir às chamas e como consequência
morre da queda.
Ex 2: A quer matar B e sabe que este não sabe nadar, empurra-o duma ponte B durante a
queda bate por diversas vezes nos pilares da estrutura e morre em consequência disso.
Ex 4: História do campino que morre espezinhado pelo cavalo assustado pelo tiro que alguém
profere com intenção de o matar.
Deste modo o resultado verifica-se, mas através de um processo causal diferente do posto em
curso pelo agente, i.é., o processo causal perspectivado pelo agente, diverge do processo
causal efectivamente ocorrido, sendo certo que o resultado típico pretendido por A – a morte
de B – ocorreu na mesma.
Para determinar a punibilidade do agente, temos que ver se o desvio no processo causal é:
• Essencial
O agente será punido por tentativa
• Não essencial
O agente será punido por facto doloso consumado, pois o desvio não assume qualquer
relevância.
Será que para um homem médio dotado dos mesmos conhecimentos e nas mesmas
circunstancias de tempo e de lugar do agente, era ou não previsível que pondo em curso o
processo causal concreto obteríamos o resultado que viemos a obter?
Se for previsível então o desvio no processo causal não é relevante, tudo se passaria como
se não tivesse havido desvio, desta forma deve o agente ser punido por crime de homicídio
doloso consumado.
Se não o desvio é relevante e o agente não pode ser punido pelo crime doloso
consumado mas antes deve ser punido por facto doloso tentado.
Pegando nos exemplos atrás referidos era ou não previsível para um homem médio colocado
nas mesmas circunstancias de tempo e lugar e dotado do mesmo conhecimento do agente no
momento da pratica do facto que incendiando o apartamento de B e sendo a única
possibilidade de fuga saltar da janela; sim era previsível, desta forma o desvio no processo
casal é irrelevante e o agente A deve ser punido pelo crime doloso consumado. Já no exemplo
do cavalo a resposta seria que não, por essa razão o agente apenas pode ser punido por crime
doloso sim mas na forma tentada.
Ex 1: Imagine-se que A quer matar B e para tal espanca brutalmente B com uma pá das obras.
B fica caído no chão cheio de sangue e imobilizado. A julgando tê-lo morto, para ocultar o
cadáver cava um buraco e enterra B. Descoberto o corpo vem a provar-se que B não morreu
na sequência do espancamento mas sim por asfixia.
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Direito Penal
Ex 2: A quer matar B, durante o sono coloca-lhe uma almofada na cabeça para que este
asfixia-se. Para simular suicídio pendura uma corda e pendura B. Mais tarde vêm a provar-se
que B morreu na sequência do enforcamento e não do facto de A lhe ter colocado a almofada
em cima.
Em ambos os casos o agente está em erro sobre a eficácia do processo causal que ele
perspectivou e tipificado na lei como crime. O resultado pretendido só se veio a concretizar
num momento posterior. Por força da segunda acção.
Que solução?
A maior parte da doutrina aponta para a seguinte solução:
Devemos punir o agente como se de um processo causal unitário se tivesse tratado, ou seja,
como se o processo causal tivesse sido eficaz. Em vez de se desdobrar acção em duas, tal não
faz sentido porque o agente conheceu e quis aquele resultado (dolo geral), apesar de o ter
obtido por via de duas acções desencadeadas por si.
Por exemplo o Prof Claus roxin entende que se deve distinguir se a segunda acção
levada a cabo pelo agente e que acaba por ser o processo causal real que determina o
resultado lesívo típico, já tivesse, ou não, sido planeada pelo agente. Se já tivesse sido
planeada, quando empreendeu a 1ª acção, o agente deverá ser responsabilizado por crime
doloso consumado; se, pelo contrário, a segunda acção não tiver sido planeada pelo agente e
tenha ocorrido ocasionalmente, o agente deverá ser punido, em concurso efectivo de crimes,
por tentativa de homicídio e homicídio negligente.
O erro sobre a eficácia do processo do processo causal deverá ser entendido como
um processo unitário levado a cabo pelo agente com dolo geral e,
consequentemente, punindo-o por facto doloso consumado.
Quando é que um elemento normativo pode ter relevância para que errar sobre ele caia sobre
a alçada do art.º 16 nº 1 e exclui o dolo?
- Quando se erra sobre as qualidades normativas do agente
- Quando se erra sobre as qualidades normativas do objecto.
a. Do objecto
Trata-se do erro que acontece quando o agente desconhece a qualidade normativa do objecto,
que é relevante, pois exclio o dolo, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art. 16º CP.
Ex: Num pinhal, situado nume região florestal protegida por lei, o agente desconhece a
existência dessa lei, que pune de forma mais severa o crime de dano (arrancar, serrar ou, por
qualquer forma, danificar as árvores).
Nesta situação, porque o agente está em erro sobre a qualidade normativa do objecto, o erro é
relevante e tem como consequência a exclusão do dolo, nos termos da 2ª parte do art.16º
n.º1.
Assim, o agente deverá ser responsabilizado pelo crime de dano simples, p.p. no art. 212º CP e
não pelo crime de dano qualificado, p.p. no art. 213º CP.
“A” vai ao café e leva consigo o guarda-chuva. Quando sai, por engano, trás um guarda-chuva
que não é o seu. Neste caso, o agente está em erro sobre o carácter alheio do objecto, pois
supõe, erradamente, que o guarda chuva é sua propriedade, quando na relaidade não é. Este
erro, faz com que a imputação dolosa do furto esteja excluída, nos termos das 2ª parte do n.º 1
do art.16º, pois o agente actua sem intenção de se apropriar de algo que não é seu.
b. Do autor
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Verifica-se quando o agente desconhece a qualidade normativa do autor, que é relevante, pois
exclui o dolo, nor termos da 2ª parte do n.º 1 do art.16º.
Ex: o agente é funcionário público, mas desconhece que tem essa categoria, porque se
convence que os funcionários públicos são só os que têm uma determinada graduação
hierárquica, i.é., os funcionários superiores da administração. Neste sentido, o agente está em
erro sobre uma qualidade normativa do autor, quando o tipo exigiu, por hipótese, a qualidade
do funcionário público.
Ora, nestes casos, porque se trata de um erro relevante, a consequência é a exclusão do dolo,
nor termos da 2ª parte do n.º 1 do art.16º.
Ex: “A”, holandesa, de férias em Portugal, descobre que está grávida. Como julga que abortar é
um facto livre, nessa convicção, faz-se abortar. Nesta situação, o agente desconhece, à luz do
direito português, o carácter proibitivo daquele facto, i.é., falta-lhe a consciência da ilicitude,
pelo que, nos termos do art.16º n.º 1 exclui-se o dolo.
Ex: o agente conhece a proibilção de piratear software, mas supõe que, tão só, é proibido fazê-
lo para vender a terceiros, mas que já não o será quando se trata de fazer doações. Neste
caso, o agente conhece a proibição, mas erra quanto à extensão dessa mesma proibição,
porque julga que só é proibido copiar software para vender, quando, na realidade, também o é
para outros efeitos.
Assim, estamos perante um erro que é valorado nos termos do art. 17º n.º 1 ou 2. Temos, pois
de filtrar o erro pelos critérios de censurabilidade, ou não censurabilidade, para, em
conformidade com o que dispõe o n.º 1, excluir a culpa ou, nor termos do n.º 2, punir o agente
pelo crime doloso consumado respectivo, com a pena especialmente atenuada.
i. Male in Ce
Há factos criminalmente relevantes em que, antes de ler o CP, já qualquer um de nós tem
consciência por si só que são crimes, não é preciso ler o art.º 131 para saber que matar é
crime. Não é necessário o conhecimento da norma. Isto porque estas proibições estão
enraizadas na consciência social Estas proibições são crimes “ male in ce “ (são as proibições
do art.º 17)
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Direito Penal
Só exclui o dolo as situações em que o agente ignore ou desconhece integralmente a
proibição, art.º16, nº1
Proibições – erro sobre os limites, art.º 17, o agente conhece a proibição mas erra quanto aos
limites.
8. ILICITUDE
A ilicitude (facto típico não justificado) pode ser:
- Formal: conquita da escola clássica
- Material: conquista da escola Neo-Clássica, que veio permitir a graduação do conveito
de ilicitude, bem como, descobrir novas causas de justificação da mesma
- Pessoal: conquista dos finalistas
Quando uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos termos gerais
e abstractos dum tipo legal de crime. Se a tipicidade, objectiva e subjectiva, estiver
preenchida, temos que o tipo indica a ilicitude.
Como o direito penal só deve intervir quando estejam em causa a tutela dos bens juridicos
fundamentais, a ilicitude formal é a contrariedade à lei (crime de homicidio).
Mas o juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade, não se precisa de afirmar positivamente, pois
pode ser excluído pela intervenção relevante das chamadas causa de justificação ou de
exclusão da ilicitude.
O juízo de ilicitude é um juízo de desvalor que é feito pela ordem jurídica e que incide sobre
o facto praticado:
. A ordem jurídica formula um juízo negativo sobre quem adopta um determinado facto
que considera proibido; ou
. Faz incidir um juízo de desvalor, pois o agente não adoptou o comportamento que a lei
exigia.
O juízo de censura de culpa, há também um juízo de desvalor mas que não incide sobre o
facto praticado, mas sim sobre o agente (juízo individualizado), pelo que, consequentemente,
procede o juízo de ilicitide.
.
8.1 Regras comuns a todas as causas de justificação da ilicitude
Como responsabilizar o agente nestas situações, em que, objectivamente, existe uma situação
de justificação, mas falta o elemento subjectivo dessa causa de justificação? Toda a doutrina
concorda que o facto só está aprovado, i.é., justificado quando, simultaneamente, se
verificarem os elementos objectivos e subjectivos das causas de exclusão da ilicitude. Porém,
verificando-se apenas a situação objectiva de justificação, mas faltando o elemento subjectivo,
a doutrina diverge:
Exemplo:
“A” gosta de ser acordada todos os dias com uma bofetada e, nesse sentido, dá o seu
consentimento para que o marido, “B”, a acorde , todos os dias, dessa forma.
Assim, “B” pratica diariamente um facto típico – crime de ofensas corporais – que se encontra
justificado pelo consentimento de “A”, pelo que, a ilicitude do facto está excluida.
Suponhamos agora que a empregada doméstica, que desconhece que A gosta de ser acordada
daquela forma, quer causar-lhe um dano corporal, em virtude de estar insatisfeita com o seu
ordenado. Para tal, um dia de manhã, aproveitando a aus~encia do patrão, entra no quarto da
patroa e desfere-lhe uma bofetada, acordando-a.
Estamos, portanto, perante uma situação em que a empregada de A, cometeu um crime de
ofensas corporais, sendo que, objectivamente, estamos na presença de uma causa de
justificação da ilicitude, pois A adorou ser acordada daquela forma.. Todavia, a empregada
desconhecia o consentimento e, consequentemente, o seu facto não está justificado.
O consentimento é, pois, uma causa de justificação, cujo elemento subjectivo, tem, quanto à
sua estrutura, apenas o elemento intelectual.
Nestas situações, em que para o elemento subjectivo, apenas vale o elemento intelectual, o
agente deverá ser punido, apenas, por tentativa.
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Direito Penal
Assim, constatamos que a justificação da ilicitude não é puramente objectiva, pois é necessário
que se verifique o correspondente elemento subjectivo. E isto não é uma interpretação
restritiva, mas sim declarativa.
A posição do curso, que é a sustentada pela Porf T.Beleza e Pelo Prof F.Dias, entende que o
agente deverá ser pinido por tentativa, aplicando por analogia o disposto no art. 38º n.º 4 CP a
todas as causas de justificação da ilicitude (analogia favorável).
Porém, como nem todas as tentativas são puníveis (art. 23º n.º 2), o agente nem sempre será
punido.
Ora, tanto na tentativa, como na situação do exemplo, o que prevalece é o desvalor da acção.
De facto, na tentativa, não se pune o resultado, mas sim o desvalor da acção.
O Conselheiro José Gonçalves da Costa, numa interpretação literal do art. 38º n.º 4, entende
que o agente não deve ser punido como que de uma tentativa se tratasse, mas sim, pelo facto
consumado com uma especial atenuação da pena.
Elementos objectivos
► A agressão tem de ter relevância penal, sendo que pode ser por acção ou por
omissão; tem de ser actual – seja por acção ou por omissão – é não só a agressão que está em
curso como a que está eminente, prestes a ocorrer; tem de ilícita- contrária à lei, ao
ordenamento jurídico na sua totalidade – e que o defendente não seja obrigado a suportar;
► A agressão tem de se dirigir contra interesses juridicamente protegidos do agredido
ou de terceiros;
► O defendente tem de utilizar o meio necessário para repelir a acção actual e licita,
sendo que o meio necessário não é o meio adequado, pois há meios necessários que não são
adequados. Assim, temos de aferir a necessidade do meio perante o caso concreto, i.é.,
abstractamente, o meio necessário é aquele que o agente tem ao seu alcance que menor lesão
cause ao agressor, aferido, no caso concreto, perante os meios que o agente tem aos seu
alcance e atendendo à capacidade física do agressor e da vítima. Há quem entenda que a
legítima defesa postula outro elemento, que é a impossibilidade de recurso em tempo útil aos
meios coercivos normais previsto no anterior CP. Este recurso é interpretado como filiando-se
no recurso aos meios necessários.
Elementos subjectivo
► Animus defendendi ou intuito de defesa
Elementos objectivos
► Não é ilícito o facto, de quem remove um perigo real e actual que ofenda interesses
jurídicos dignos de protecção legal, desde que a situação de perigo não tenha sido criada pelo
agente ou que, ainda que o seja, vise proteger interesses juridicamente relevantes.
► Sensível superioridade ao bem a proteger, relativamente ao interesse lesado.
► Seja razoável impor-se ao lesado, o sacrifício do seu interesse.
Elementos subjectivo
► O agente tem de ter conhecimento do perigo que vai remover; o agente deve
remover o perigo (a agressão para efeitos de legítima defesa, tem de ser um comportamento
humano, poruqe tem de ser actual e ilícito). O perigo, pode ter origem numa acção humana,
animal ou da natureza.
► Tem de haver uma sensível superioridade entre o interesse a salvaguardar e o que se
lesa (não se afere matemáticamente). Os bens de natureza patrimonial, são menos valorados
que os bens pessoais, mas não se pode levar isto à letra. Tem de se atender à irreversibilidade
ou reversibilidade de uma situação, bem como as molduras penais, para poder decidir.
Elementos objectivos
► O consentimento só opera relevantemente quando diga respeito a interesses
livremente disponíveis, i.é., de natureza patrimonial, certos de natureza pessoal (integridade
física – já a vida é um bem indisponível até para o próprio).
► Esses interesses têm de ser do próprio titular que consente
► A pessoa que consente tem de ter mais de 14ª e a capacidade natural para ter o
alcance das acções que consente.
► Não pode ser ofensivo dos bons costumes: o legislador no art.149º, indica os
parâmetros para a aferição se o consentimento é, ou não, ofensivo dos bons costumes
► Consentimento efectivo, actual – pode ser revogado.
Elementos subjectivo
► O agente tem de conhecer que a vítima consente a lesão do bem jurídico – art.38º n.º
4, se faltar o conhecimento do consentimento o agente é punido por tentativa.
Nestas situações de justificação potestativa, se houver uma actuação actual e ilícita, se actuar
em legítima defesa, o agente está em erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a
ilicitude. Assim, exclui-se o dolo, mas que dolo? Existem várias posições quanto a este tipo de
dolo:
Ex: A está na rua e vê que ao seu lado está uma sra com uma mala. Vem um individuo a correr
que leva a mala. Na suposição de furto, atira uma pedra e deita por terra o suposto ladrão.
Contudo o individuo era filho da sra e recolhia a mala para entregar uns documentos urgente.
Supos erradamente que havia uma situação actual e ilicita. Havia, porém, o consentimento da
sra.
►Art. 16º n.º 1: exclui o dolo do tipo, pois, se o agente desconhece não pode ter querido aquilo
que ignora:
►Art. 16º n.º 2: que incide sobre este tipo de erro, o legislador refere o preceituado no número
anterior, i.é., o dolo do tipo
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Direito Penal
Defende que esta posição não tem cabimento. De facto, para quem defende esta teoria, um
erro sem causas de justificação não pode afastar a imputação dolosa. Quando alguém actua ao
abrigo se uma causa de exclusão, a acção é típica só que a ilicitude é afastada pela causa de
exclusão, mas o facto continua típico, que objectiva quer subjectivamentee, levado à letra do
art.16º n.º 2, o facto nem sequer é tipico porque o legislador manda aplicar o preceituado no
número anterior. Ora, se o facto não é tipico também não é ilícito.
Para esta teoria, o problema não se põe com a exclusão ou não da culpa. O agente deve ser
punido pelo crime doloso se o erro é, ou não, censurável. Assim, se o erro for não censurável
deve afastar-se a culpa: se o erro for censurável, evitável, pode-se-lhe sacar um juízo de culpa
e o agente beneficiar de uma redução da pena (equipara às situações do art.17º). Mas não é
essa a solução que o nosso legislador acolheu, pois o agente pode não ser punido, por dolo,
mas poderá sê-lo por facto negligente.
Art.16º n.º 2 ≠ Art.17º: erro sobre proibição indirecta ou sobre a permissão. Situações:
►Erro sobre a existência de causas de justificação
►Erro sobre limites de causas de justificação.
Estas duas situações reconduzem-se a erro do art.17º e tratando-se de erro não censurável
afastada da culpa: e se for censurável é aplicada a pena pelo crime doloso especialmente
atenuada.
9. CULPA
9.1 Relação
Culpa ► exprime um juízo de desvalor individualizado que se dirige ao agente, censurando a
sua conduta por ter praticado um facto ilícito.
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Principio da culpa ►a culpa é pressuposto e limite da pena (nulla poena sine culpa), toda a
pena tem como suporte axiológico uma culpa concreta. À semelhança da ilícitude a culpa é um
conceito graduável, podendo existir diferentes juízos de censura, i.é., o mesmo facto ilícito
pode ser mais ou menos culposo.
Art.20º CP – acções livre da causa: o agente provoca o estado de imputabilidade para provocar
o acto. O agente coloca-se voluntariamente no estado de inimputabilidade (não estão
abrangidas as situações em que o agente, negligentemente, se coloca num estado de
inimputabilidade). Nestes casos o legislador não afasta a culpa do agente.
Art.295º CP – refere que a ingestão de bebidas alcoólicas e substâncias tóxicas são sempre
acções dolosas. A embriaguez, só por si, não gera inimputabilidade. Se o agente cometer um
crime no estado de embriaguez, é punido, não sendo necessário que o agente tenha
premeditado colocar-se nesse estado para cometer determinado facto.
Quando em juízo se invoca a falta de consciência da ilicitude, o juiz vai verificar se o erro é
censurável, utilizando os seguintes critérios de aferição:
- O juíz vai verificar se o homem médio, ao actuar como o agente, actuou de uma forma
censurável;
- Roxin: se sobre o agente impendia o dever de se informar, e se o agente cumpriu o dever de
se informar sobre o carácter ilícito que lhe competia, porque se não o fez a falta de consciência
é censurável.
O CP afastou-se do Prof. Eduardo Correia, na medida em que este entendia que a causa da
ilicitude integrava o dolo e o dolo estava na culpa (o dolo era conhecer e querer praticar o
facto conhecendo que era ilícito). Para o legislador, no art.17º n.º 2, o agente é punido pelo
crime doloso respectivo. Se a falta de consciência da ilicitude não for censurável, o legislador
diz que exclui a culpa- assim seguimos uma teoria da culpa e não uma teoria dod dolo.
Art.16º n.º 2 ►erro intelectual; eqto que o erro sobre a existência de causas de justificação é
um erro moral valorado à luz do art. 17º. No erro sobre a existência de causa de justificação, o
agente julga haver uma causa de justificação que aprova certo acto.
O erro sobre os pressuposto de facto ou de direito de uma causa de desculpa, artº 16º nº2. Um
naufrago que para se salvar tem que tirar a bóia ao outro. A morre afogado e B salva-se.
Imagine que B está em erro sobre as circunstâncias que a existir excluiriam a sua culpa, artº
16º nº2, não reparando que estava a trás dele outra bóia. Neste caso podia ser punido;
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Art.17º ►erro directo sobre a ilicitude, em que o agente actua desconhecendo
que está a agir ilicitamente, ou não actua porque pensa que não deve agir; omite, sem
consciência da ilícitude dessa omissão. Cabe também o erro indirecto sobre a ilícitude ou erro
sobre a permissão: o erro sobre a existência de uma causa de justificação ou erro sobre os
limites da causa de justificação.
Art. 17º n.º 1 ►não é censurável quando uma pessoa media colocada nas mesmas condições
de tempo e lugar e com os mesmos conhecimentos do agente, praticaria o mesmo facto. Então
estamos perante um erro não relevante ou não essencial pelo que excluiria a ilicitude.
Art. 17º n.º 2 ►Sim é censurável quando um agente dotado…não praticaria o mesmo facto,
nestes casos, estamos perante um erro relevante ou censurável, logo não se exclui a culpa.
Em ambos os casos, estamos perante uma situação de: quando o agente faz algo que não tem
consciência que o que está a fazer é ilícito.
Ex: vou na estrada e vejo que um carro se despistou e o condutor está sobre o volante cheio de
sangue. E penso não tenho nada a ver com o assunto. – Não conheço o art.º200 e não sabia
que não parando estava a proceder ilicitamente.
- Erro sobre a existência de uma causa de justificação
- Erro sobre os limites de uma causa de justificação
Ex: para defender interesses próprios ou de terceiros não me posso defender de qualquer
maneira. Tem que ser com os meios adequados e a agressão tem que ser actual no entanto
mesmo que haja excesso este pode estar justificado se resultar de medo ou susto, não
censuráveis.
→ Art.33º n.º 2 – Excesso asténico ou extensivo: quando resulta de medo, susto ou perturbação
não censurável. Não censurabilidade do susto medo ou perturbação que leva o agente a
exceder o meio necessário para afastar a agressão. O acto é ilícito mas desculpante, sendo
que, a não punição advém da desculpa.
Ex: policia que chega a casa às 4 da manhã e encontra a porta aberta, entra, e vê a mulher
caída no chão morta, esvaída em sangue. Sobe ao 1º andar e vê um dos filhos esfaqueado e
morto e no outro quarto vê o filho bebé no berço com um indevido junto dele que se prepara
para lhe desferir um golpe de faca. O policia dispara a matar, quando podia ter atirado para as
pernas.
Ex: um naufrago que está à deriva no mar e que a única possibilidade que tem de se salvar é
lutar pela bóia que o outro naufrago já agarrou não havendo outra e a que existe apenas
suporta o peso de um deles. Este facto estaria desculpado ao abrigo do art.º 35.
Em sede de ilícitude, as causas de exclusão excluem a ilícitude, i.é., o agente não tem
qualquer pena; quem actua sem culpa ou porque não tem capacidade, ou porque falta a
consciência da ilicitude, ou actua ao abrigo de uma causa de desculpa, não se lhe pode
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imputar culpa. Então, ao actuar justificadamente ao abrigo de uma causa de desculpa, o
agente não vai sofrer pena, mas tem relevência dogmática a distinção entre actuar ao abrigo
de uma causa de justificação, ou actuar ao abrigo de uma causa de desculpa:
▪ Quem actua ao abrigo de uma causa de justificação: o facto é aprovado, não tem
pena, mas não há consequência jurídica desfavorável.
▪ Quem actua sem culpa não se lhe podendo aplicar a pena, pode-se-lhe aplicar outras
reacções jurídico-penais: medidas de segurança (inimputáveis).
▪ Contra facto desculpado pode existir justificação (“A”, em legítima defesa, para evitar
ser roubado, agride o ladrão, um terceiro vem em defesa do ladrão. Falta o carácter
ilícito da agressão do defendente.
▪ Comparticipação criminosa que pressupõe vários agentes na prática do facto. De
harmonia com os diferentes contributos, distingue-se entre os autores e os participantes
(instigadores e cúmplices) – estes não praticam materialmente o facto o que justifica a
punição dos participantes – teoria da acessoriedade limitada – não há cúmplice sem que
exista um facto ilícito e típico do autor.
Desculpado: o facto continua típico e ilícito, deixa é de ser culposo, isto é, não lhe podemos
aplicar uma pena, mas o facto permanece ilícito e portanto sujeito a que lhe seja aplicado uma
medida de segurança ou de correcção.
Justificado: o facto continua a ser típico mas deixa de ser ilícito. Um facto justificado não pode
ter como consequência uma pena, nem outra medida.
10. PUNIBILIDADE
Para que alguém possa ser responsável criminalmente, é necessário, por vezes, que se
verifiquem certos pressupostos para que o agente seja punido:
11. TENTATIVA
11.1 Inter criminis ou caminho do crime
Quando alguém comete um crime, é possível distinguir várias etapas:
a. Nuda cogitatio ou pensamento nulo ou mera deliberação ou resolução
criminosa
Pode acontecer que nunca passe desta resolução e isto não é punível, pois o nosso direitopenal
é o direito penal do facto e não do pensamento.
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b. Actos preparatórios
Exteriorização material de actos tendentes a facilitar a execução do crime. Todavia, por vezes,
o agente é punido por duas ordens de razão
►Porque os actos de preparação já consubstanciam um crime punido autonomamente
(A decide matar B com uma arma que compra no mercado negro)
►O legislador refere expressamente que o acto preparatório é punível (art.274º)
c. Prática de actos de execução
O agente tem de executar, ou começar a executar o crime que decidiu cometer. Pode gerar
responsabilização criminal correspondente já a uma forma de prática e é punível (art.22º e 23º
extensºao da punibilidade da parte geral).
Houve quem tentasse fazer a distinção, usando um critério de natureza objectiva, em que os
actos de execução são actos levados a cabo pelo autor, praticados com a consciência de levar
a cabo o evento e com vontade firme e definitiva de cometer o facto; actos preparatórios são
todos os actos levados a efeito para esse fim.
Crticas:
► Se o agente, ao cometer o acto preparatório já se tinha decidido firmemente, será um
acto de execução; se não tivesse essa decisão firme seria um acto preparatório. O mérito desta
teoria é trazer o plano concreto do agente;
► O Prof. Rui Pereira tirou conclusões desta teoria. V.g. se o marido resolve envenenar
a mulher e se se limita a deitar veneno no copo de leite, estamos perante um acto de
execução tendente à execução de um homicídio. Mas se esse copo de leite é preparado por
uma empregada que o leva ao marido, que coloca o veneno e o dá à mulher, coloca-se a
dúvida se é um acto de execução ou um acto de preparação (art.22º n.º 2). A Prof. Cristina
Borges Pinho, entende que é um acto de execução, apesar das várias pessoas envolvidas. O
Prof.Figueiredo Dias chama a atenção que temos de ter sempre em conta o plano concreto do
agente.
d. Consumação do crime
►Consumação formal: o agente pratica todos os elementos sem que implique uma
lesão do bem juridico tutelado pela incriminação.
►Consumação material: quando se verifica a efectiva lesão do bem jurídico que o
legislador visou proteger com a incriminação.
Nota: É possível haver consumação formal sem consumação material. Há certos crimes em que
a consumação formal e material coincidem (homicídio), mas nem sempre isso acontece. Nas
incriminações de perigo (138º n.º 1), formalmente o tipo está preenchido com a exposição ao
abandono não sendo necessário que a pessoa venha a morrer.
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Excepção: quando devido à gravidade ou prevenção geral, a tentativa deva ser punida (a
própria norma diz quando a tentativa é punida)
2. A tentativa pune-se com a forma da pena para o crime consumado,
especialmente atenuada.
3. Tentativa impossível ou inidónea (quando o agente quer mais do que será capaz). Pode
ser:
◘ Por inaptidão do meio empregue: o meio utilizado não é o meio apto a produzir o
resultado (A possui uma pistola e sabe que esta apenas tem um alcance de 100 m;
ainda assim, tenta acertar em B que se encontra a 400m).
◘ Por inexistência do objecto essencial à consumação (A sabe que o B tem no cofre
jóias. Com o intuito de se apoderar assalta o cofre que está vazio; o bjecto do furto é
coisa móvel alheia que não existe).
◘ Pelo perigo que as tentativas representam para bens jurídicos fundamentais – teoria
objectivista
Crítica: se fosse apenas a perigosidade nunca se puniria a tentativa impossível e, quando não
for manifesta a tentativa, é punível ainda que, objectivamente, não haja perigo.
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