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Parataxis

A lírica tardia de Hõlderlin

Desde que a escola de George destruiu a imagem de Hôl-


derlin como um poeta secundário, sereno, suave, com uma
vida comovente, cresceram sobremaneira igualmente sua fama
e compreensão. As barreiras que a doença do poeta parecia
colocar à obra tardia dos hinos foram distanciadas. A aceita-
ção de Hôlderlin na nova lírica desde Trakl, por si só contri-
buiu para familiarizar, na imagem originária, o estranho que
a determina. Não foi um processo de mera formação. Todavia
a participação das ciências filosóficas não deixa de ser reco-
nhecida. Muschg, na sua contestação sobre as interpretações me-
tafísicas coerentes, levantou reconhecidamente este mérito citan-
do os nomes de Friedrich Beissner, Kurt May e Emil Staiger
confrontando-o ao mesmo tempo às profundidades de mercado.
N o entanto, ao repreender os intérpretes filosóficos por jul-
garem saber melhor do que o poeta interpretado: - "eles
proferem aquilo que, segundo sua opinião, o poeta não ousou
ou não pôde dizer" 1 - ele traz à baila um axioma que res-
tringe o método filosófico diante do conteúdo de verdade, jus-
tificando tudo isso com a advertência de investir contra "tex-
tos mais difíceis" isto é, contra o (s) "demente (s) Holderlin',
Rilke, Kafka e Trakl".2 A dificuldade desses autores hetero-
,gêneos de modo algum proíbe sua interpreta ão antes a exi e.

1. Walter Muschg, U Die Zerstárunç der deutschen Literatur";


München, o. J., p.182.
2. ibidem.

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nece no interior, isto ele não é" 3. Se Beissner exige, m 1'-
Segundo aquele axioma, a compreensão de obras de poesia gítima alusão a sentenças teóricas de Hôlderlin, que julgu mos
estaria na reconstrução da intenção do autor. a poesia "segundo suas leis e outros processarnentos atrav ' ~
., A segurança que a ciência filológica afirma possuir nesse dos quais se produz o belo" 4 ele apela, igual a Begel e s li
htt,J caso, está em xeque. A inten ão sub' etiva en uanto não tiver amigo, para 'uma instância que necessariamente transcende o pen-
1 I A,/l /' 'Sido ob' etivada dificilmente ode ser restituída' uando muito samento do poeta. isto é, para a intenção. A força dessa in -
Ir ,j,H apenas na medida em que esboços e textos complementares a tância cresce na história i o que se desenvolve e 'se torna visí-
ll{{,t-uS' elucidam. Porém, exatamente no ce~ne do 'pr~b~ema, onde a vel nas obras. A uilo ue lhes aumenta o oder nada mais é
')YrJ.t intenção é obscura e precisa ~a conjetura fllol~glca, as passa- do ue a verda e ue ne as a arece o eiivamente e ue _ com
gens em questão geralmente divergem com razao daquelas que 111I eren a escU1 a a mten ão sub' etiva consumindo-a ple-
podem 'Ser comprovadas mediante paralelos, e as conjeturas namen e. o er m, cuja propna iniciação se revolta contra
pouco prometem a não ser que elas próprias já se apói~m n~m a concepção tradicional da lírica de expressão subjetiva, pre-
pressuposto filosófico que as precede. Entre os dois rema conizou quase essa evolução. A maneira de proceder na sua
uma ação recíproca, o processo artístico de modo a!gum se .es- interpretação, mesmo em termos filológicos, tampouco dever-
Rota na intenção subjetiva dessa forma que o axioma tacita- se-ia extinguir no já provado método filológico, tanto como
mente pressupõe; axioma este que é considerado via real de os seus hinos posteriores na lírica vivencial,
acesso à problemática como se ainda, clandesti~amen~e,
dominasse o fascínio do método de Dilthey, A 111tençao a Ul
pre~ Beissner acrescentou um breve comentário ao ((W inkel
von Hardt", porém a nenhum dos poemas mais difíceis. No
r ~/14)1J'
~ L
te resenta a enas um momento: só se converte em figura conteúdo, ele esclarece o obscuro. O nome "Ulrich" brus-
t'ft,q
uando rovém de outros momentos: do conteúdo objetivo, da camente citado é aquele do duque de Württemberg perseguido.
lei imanente da fi ura e, antes de tudo em Bolderlin, do con- Dois rochedos formam o "ângulo" (Winkel}, a fenda que c".)N
teúdo objetivo da linguagem. Tornar o artista res onsável lhe serviu de esconderijo. O acontecimento que - se- ~~
or tudo faz arte da uela aliena ão em re a ão à arte, no gue_ gundo a lenda - lá ocorreu, deve se exteriorizar através da
diz res eIto a sensibi i ade. Os artistas aprendem pela expe- natureza, a qual portanto é chamada "de forma alguma pri-
riência uão ouco lhe ertencem suas características, e em vada de voz" (nicht gar unmiíndig). A natureza sobrevivente
ue me Ida seouem a coa ão a obra. A obra saira tanto=mais se torna alegoria da fatalidade que neste lugar uma vez suce-
perfeita Quanto mais e sem vestígios .a inte~ção ,~or ~nsuma- deu: parece dessa forma evidente quando Beissner interpreta
da no fiO'urado. "Conforme ao conceito do Ideal , ensma He- o conceito "restante" (übrig) como "lugar restante, que so-
gel, pod~r-se-i~, "ao lado da exteriorização subj etiva, v,erificar brou". A idéia de uma alegórica histórica da natureza porém,
a verdadeira objetividade no sentido de que, do conteu~o ge- que aqui aparece e percorre toda a obra tardia de Hôlderlin,
nuíno do objeto que inspira o artista, nada deve ser retido no precisa ela mesma, como filosofia, da sua elaboração filosófica.
interior subjetivo, mas antes, tudo deve ser desdobrado plena- Diante dela, a ciência filológica emudece. Esse fato, entre-
mente e ainda numa maneira, em que a alma geral e a subs- tanto, não é indiferente ao fenômeno artístico. En uanto Ó
tância do conteúdo elegido seja destacada na mesma medida conhecimento dos elementos materiais vestidos 01' Beissner,
dissolve a a arênda do confuso ue outrora envolvia aqueles
em que a figuração individual do mesmo aparece em ~si ?er~ei-
versos a ró ria fi ura todavia retém como ex ressão, o ca.l
'tamente harmonizada e penetrada, em sua apresentaçao inteira,
por aquela alma e substânc~a. O mais importante e ,o mais
3. Hegel, WW XII, "Vortesunçew itber die Aesthetie ", 1 vol, edição
alto não é, pois, o indizível, de modo que o poeta poS~U1sse :m Glockner, Stuttgart, 1937, p. 390.
si uma maior profundidade ainda do que a obra mam.festana; 4. Hôlderlin WW 2, editado por Friedrich Beissner, Stuttgart 1953,
muito mais, suas obras representam o melhor do artista e, a p. 507. Citado segundo a assim chamada" Pequena Edição".
verdade que ele é, isto ele é; o que entretanto, apenas perma-
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ráter do assombrado. Com reenderá isto a uele ue não aRe- "Winkel von Hardt", nenhum outro poema é explicado pela ca-
nas ver! Ica racIonalmente o con eu o pragma ICOque tem seu mada material da qual a compreensão necessita, enquanto as ca-
u ar fora o ue e manr esto no oema e sua rin ua em mas madas mais altas põem em questão o sentido. O rumo da sua ne-
uele ue amda sentir o C o ue do nome ines erado de gação determinada é o rumo em direção ao conteúdo da verdade.
"Ulrich" . uem não se chocar diante do ri me t gM wnmun..=- Se este deve ser verdadeiro no sentido enÚtico, mais do que o
z ue somente através da construção histórico-natural ~ meramente pensado, ele ultrapassa a relação de imanência en-
cebe sentido e, do mesmo modo diante de "Um rande desti- quanto se constitui. A verdade de uma poesia não existe sem sua
no / ronto no lu ar ue restou" Ein gross Sehicksal/Be:reit estrutura, totalidade os seus momentos. orem, e ao mesmo
mn ,ü,bri en Orte )...!.. Aquilo que a explicação filológica pre- tempo o que a essa estrutura, como a a aparencIa estetIca,
tende afastar, tampouco não se exclui do que Benjamin, e transcende: não proveniente de fora, através e conteú o filosó-
depois Heidegger, chamou "o poetizado" (Das Gediehtete). ~ ICOexpressa o, mas graças a configuração os momentos, os
/ 'l ~3(,(}((\Este momento que escapa à filologia requer interpretação. Á..Q.... {/ quaIs, em seu con]tmto, signifIcam maIS o que a estrutura
e o~ ()~)7MJobscuro nos oemas ue necessita da filosofia não o que ne as ~' Com que força a linguagem, quando usada poeticamente,
(e. tA O ~M.--)- e ensa o. o avia, te mcomensuráve a intenção, o senso âo sobrepuja a mera intenção subjetiva do poeta, podemos reconhe-
/!:
arfo PI7~y poeta" ao. qual Beissner ainda se reporta, sem dúvida com o fim cer no poema "Resta da Paz" (Friedensfeier) por meio de uma
~f!>w~9 f' de com de sancionar "a pergunta sobre o caráter artístico do palavra central: destino. A intenção de Hôlderlin está de pleno
poema" 6. ~ria pura arbitrariedade, contudQ,_querer atribuir acordo com esta palavra enquanto ele adere ao mito, enquanto
,i / ~~')' mesmo disfarçadamente, a Hôlderlin, a estranhez nos seus v:r- sua obra se revela mítica. Induhitavelmente afirmativo é: "Lei-
&"511 ~ Jt, sos como intensâo sua. E~sa estranhez. provém de t~~ d~dº-obJe- do-destino é: que todos se aprendam / Que, quando o silêncio
h~tS~, ~ tivoL da queda dos conteudos expressivos, da eloqüência de um retome, haja também uma linguagem" (Schicksalsgesetz ist
ti ~ic~t~.~r~ mudo. Sem o calar do conteúdo objetivo, o oetizado 'Seria tão tf' dies, dass Alle sieh erfahr.en, / Dass, wenn die Stille kehrt, auch
e ~ ílit~ ouco como sem o não dito. Bastante complexo é aquilo para o ~' eine Sprache sei) 7. Porém, sobre o destino foi tratado duas
~ ~iJ;y1A , qual hoje se costuma usar o conceito "análise imanente" que teve ~ VIj estrofes antes: "Pois cuidadoso toca, 'sempre conhecedor da me-
~/ ~vi);) JJS origem na mesma filosofia dialética da qual Hôlderlin era adep- IU{jf>fe dida / Só um momento as moradas dos homens / Um deus, de
~'qv~ ,WS \ to nos seus anos de formação. Na ciência literária, foi justa- X repente, e ninguém sabe: Quando? / E a insolência pode então
~&'rv<05
er mento genuíno com o objeto estético, contrariando um método
genético, que confundiu a indicação das condições sob as quais
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mente a redescoberta desse princípio que preparou um relaciona- wÜt;J;o passar por cima, / E a ferocidade tem de vir ao lugar sagra-
do / De confins longínquos exerce, com mão rude, sua fúria, /
/ E encontra nisso um destino: mas gratidão, / Nunca ela segue
nasceram poesias, as indicações biográficas, a dos modelos e in- após o presente dado pelo deus". (Denn schonend l"ührt des
fluências, com o reconhecimento da própria coisa. Porém, assim Masses allzeit kunding / Nur einen Auqenblick die Wohnungen
como o modelo hege1iano da análise imanente não subsiste em der Menschen / Ein Gott an, unuersehn, und keiner tueiss es,
si mesmo mas com a ró ria for a do ob' eto o su era e trans- wenn? / Auck darf alsdann das Freehe dl"über gehn, / Und
cende a unidade do conceito isolado, o qual respeita, da mesma
t . maneira arece se encontrar a análise imanente de oemas. O
komme« muss zt~m heilgen Ort das Wilde / Von Enden fern,
übt rauhbetastend den Wahn, / Und trifft doran ein Schicksal,
IÍt:..OI1;4e,/do .QQjetivo desta e o ob' etivo da filosofia é o mesmo: o ronteúdo ober Dank, / Nie folgt der gleieh hernach. dem goUgegebenen
• L\( .da verdade. A este conduz o paradoxo de que toda obra pre- Geschenke.) 8 Através do fato de que, no fim desses versos, a
cn \tfAJJt>CIt tende ser entendida puramente por si mesma. Tampouco como o
7. Hêilderlin .WUi' 3, Stuttgart, p. 430.
5. Ibidem, p. 120.
6. Ibidem, p, 507. 8. Ibidem, p. 428 s.

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palavra" destino" seja seguida, intermediad~ por um "rnas", und Seienden) ,. logo depois aquelas "palavras-chaves" omino-
da palavra gratidão, coloca-se aí uma cesura; a configuração sas : "o dizer autêntico" (Das echte Sagen) 11, c1ichês da arte re-
lingüística determina a gratidão como antítese ao destino, ou gional de çategoria menor como "pensativo" (ver-s,onnen) 12; ca-
seja, em linguagem hegeliana, como salto qualitativo que respon- leinbures patéticos como: "a linguagem é um bem num sentido
dendo ao destino conduz para fora dele. Do ponto de vista con- mais originário. Ela testemunha isso, isto é, presta garantia de
teudístico, "gratidão" é pura e simplesmente antimitológico, que, o homem possa ser histórico" (Die Sprache ist ein G'ld in
aquilo que se faz ouvir no instante da suspensão do sempre- einem ursprionqlicheren. Sinn. Sie sieht dafiir gut, das heisst: sie
igual. Louve o poeta odestino, e assim a poesia lhe opõe o agra- 'teistet Getodhr, dass der Menscn als qeschichtlicher sein lwnn)13 ;
decimento; do próprio momento, sem que o poeta necessaria- locuções professorais como: "mas logo se levanta a questão
mente o tenha suposto. (aber sogleich erhebt sich die Fraqe) 14; a designação do poeta
" Se, entretanto, a poesia de Hôlderlin, como toda poesia ex- corno a do "atirado fora" (Hinausgerworfenen) 15; o que não
pressiva, necessita da filosofia como o medium que traz à luz passa de uma piada sem humor, mesmo quando se possa apresen-
seu conteúdo de verdade, tampouco se prestará para esse fim tal' .uma citação de Holderlin como prova: tudo isso provoca li-
recorrer-se a uma filosofia que - seja como for - se apodera vremente a ruína nas interpretações. Não se pode argumentar
dele. A divisão de trabalho que, após a decadência do Idealismo contra o filósofo, que ele não seja poeta, ma:s a Afterpoesie tes-
Alemão, separou fatalmente filosofia e ciências humanas, mo- temunha contra sua filosofia de poesia. O ruim esteticamente se
tivou estas, conscientes das suas deficiências, a procurarem aju- origina no esteticamente ruim, na confusão do poeta, para o qual
da lá onde queriam ou deviam procurar; assim como, ao contrá- o conteúdo de verdade seria transmitido através da aparência, com
rio, essa divisão privou as ciências humanas da compreensão' crí- o institui dor (Stifter), que agride o próprio ser, e isso não é de
tica de que somente ela lhes permitiria o tornar-se filosofia. Por forma alguma diferente da heroicização do poeta outrora pra-
isso, a interpretação de Hôlderlin de uma maneira heterônoma ticada pela escola de George: "A linguagem originária, porém,
se ajuntou em grande medida à autoridade inquestionada de um é .a poesia na sua qualidade de instituição do Ser" (Die Urspra-
pensar que de si próprio confraternizou-se com Hõlderlin. A che aber ist die Dichtung als Stiltung des Seins) 16. O caráter
máxima que Heidegger antepõe aos seus comentários diz: '''Pelo aparente da arte afeta imediatamente sua relação com o pensa-
amor do poetizado, a interpretação da poesia deve tender a tor- mento. O que é verdadeiro como poesia não o pode ser literal
nar-se supérflua", 9 ou seja, desaparecer dentro do conteúdo de e integralmente como filosofia. Daí vem toda a vergonha da
verdade do mesmo modo que as coisas reais. Mas, enquanto ele
palavra antiquada e ao mesmo tempo em moda: "testemunho"
acentua dessa forma o conceito do poetizado, atribuindo ao poeta
LAwssaqe), Toda interpretação que visa a urntestemunho viola
a extrema dignidade meta física, seus comentários se mostram
seu modo de verdade enquanto desrespeita seu caráter aparente.
altamente indiferentes diante do especificamente poético .. Glo-
Aquilo que, como saga da origem, interpreta indiferente-
rifica o poeta de modo supra-estético, como. instituidor, todayia
mente o ró rio ensamento e a oesia ue não. é ensamento,
sem refletir concretamente sobre o agens da forma. Irnpressio-
nante que ninguém se tenha escandalizado com os traços arnu- Taisifica ambos, aderindo ao espírito fantasmagórico sempre pre-
seantes nesses comentários e com a falta de. coerência: frases . .sente do Iuçendstil ; por fim, seria aderir à crença ideológica
tomadas dó 'jargon das evidências como "Hôlderlin põe em de-
cisão" 10 nerzunta-se em qual, e provavelmente não será": em \,,' i 1i1~Ibidem, p. 35.
outra senão ~aque1a já obrigatória entre ~'Ser e Ente" (S'ein . '.'\ 12. Ibidem, p.. 32.
'13. Ibidem, p. 35.
9. Martin Heidegger, U Erliiuterunçew 211 Hblderlins Dichtunq", .(Ex- 14. Ibidem, p. 38.
plicações da poesia de Hi5lde;'lill), Frankfurt 1951, p. 7 55. . .
15. Ibidem, p. 43.
10. Ibidem, p. 32.
16. Ibidem, p. 40.

71)

__ I_--~_~~
de que a arte poderia modificar a realidade experimentada tida ções com o imediatamente falado. Isso providencia uma barata
como deficiente e humilhante, após encontrar obstruída a possi- h~roicizaç~o do poeta como o instituidor político, o qual trans-
bilidade de uma modificação real. O exagero desmedido na ve- mite os avisos, que recebe "para seu povo" (weiter winl?t in sein
neração de Hôlderlin faz com que se descuide do mais elementar Volk) ~8 "restituindo de novo a essência da poesia, Hôlderlin
sobre ele. Sugere que aquilo que o poeta diz seria assim ime~ determina um novo tempo" (indem Hôlderlin das Wesen der
~iato, li~eral; esse fato talvez p.ossa explicar o descuido do poe- Dichtung neu stijtet, bestimmt er erst neue Zeit) 19. O medium
tizado simultaneamente enaltecido. A brusca desestetização do e.stético do conteúdo de verdade é escamoteado, Hôlderlin é ví-
conteúdo imputa o irrecusável estético como o real, sem respei- tima dos chavões que Heidegger escolheu com fins autoritários.
to à ruptura dialética entre forma e conteúdo de verdade. Des- Ao poetizado, os gnomos apenas pertencem mediados, dentro da
se modo se corta a relação genuína de Hôlderlin, crítica e sua relação à textura da qual, sendo eles mesmos meios
utópica, com a realidade. Diz-se que ele celebrou como Ser o de arte, se destacam. A opinião de que aquilo que o
que na 'Sua obra não possui outro lugar senão a determinada ne- poeta diz é o real, pode ser justa no que se refere
gação do Ente. A realidade do poético, prematuramente afir- ao conteúdo do poetizado, porém nunca a teses. Fideli-
ma da, sonega a tensão da poesia hõlderliniana em relação à rea- dade, a virtude do poeta, é aquela para com o perdido.
lidade e neutraliza sua obra rumo a um consentimento com o Ela distancia a possibilidade do ser compreendido hic et
destino. nunc. Também no próprio Hólderlin encontramos os
Heidegger começa com o que Hõlderlin pensou manifesta- "fortes" (Starken) da "Asia", assim julga o hino Jun-
to à nascente do Danúbio ("Am Quell der Donoa"): "Que
mente em vez de investigar seu grau de valor dentro do poético.
intrépidos ante os sinais do mundo, / E o céu sobre os ombros
Ele o recoloca, sem prestar prova disso, no gênero da poesia de
e todo o destino, / Dias inteiros enraizados nos montes / Pri-
pensamentos de proveniência schilleriana da qual ele foi absol-
meiro souberam. / Falar sozinhos / Com Deus. Esses' descan-
vido, como se acreditava, devido à nova pesquisa nos textos.
sam agora" (Die [urchtlos uor den Zeichen der Welt, / Und den
As afirmações do poético pouco pesam perante o que é realmen-
Himmei au,f Schultern und alles Schicksal, / Taglang auf Ber-
te praticado por Heidegger. Possui seu sustentáculo nos ele-
gen qeuncreelt, / Zuerst es uerstanden; / Allein zu reden / Zu
mentos gnômicos no próprio Hõlderlin. Também nos hinos
Gott. Die ruhn nun} 20 Neles se fixa fidelidade: "Não só a nós,
tardios intercalaram-se formulações sentenciosas. Dos poemas
também ao vosso ela conserva, / E junto aos dons sagrados, às
sempre evadem sentenças como se fossem julgamentos sobre o
armas do Verbo / Que, ao partir, vós, filhos do destino, nos
real. O que, por falta de sensibilidade estética, permanece à mar-
deixaste / A nós, mais ináobeis... Ficamos atônitos" (Nicht
gem inferior da obra de arte, utiliza as sentenças para estabele-
uns, auch Eures beuiahrt sie, / Und bei den Heiliçtiomern, den
cer uma posição acima da obra de arte. Cometendo um curto-cir-
Waffen des W orts, / Die scheidend ihr de« Ungeschickteren
cuito e usando uma violenta paráfrase de uma passagem de Em-
pédocles, Heidegger profere a realidade do poético: "lPbesia des- uns, / lhr Schicksalssôhne, zurückgelas,s,en... Da staunen
perta a aparência do irreal e do sonho perante a realidade con- wir) 21. As "armas do verbo" (Waffen des Woris] que restam
creta na qual nós nos acreditamos domiciliados. Porém, ao con- ao poeta, são vestígios de memórias enturvecidos e não "institui-
trário, justamente aquilo que o poeta diz e pretende ser, é o real" ção" heideggeriana. Das palavras arcaicas com as quais termina
(Dichtung erweckt den Schein des Urvwirklichen und des Trau- a sua exegese podemos ler expressamente em Hôlderlin : "não
mes gegenüber der greifbaren und lauten Wirklichkeit, in der sabemos explicar" (wir ... unssens nicht zu deuten )22. Todavia,
wir uns heimisch glauben. Und doch ist umgekehrt das, rwas der alguns dos versos de Holderlin se adaptam às elucidações de Hei-
Dichter saçt und zu sein übernimmt, das Wirkliche) 17. O real 18. Ibidem,
poético, seu conteúdo de verdade, é confundido em tais explica- 19. Ibidem, p. 44.
.20. Hõlderlin, WW 2, ibidem, p. 132.
21. Ibidem, p. 133.
17. Ibidem, p. 42. 22. Ibidem.

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degger, afinal produtos da mesma tradição filosófica filelênica. espírito ama um país de tal essência, ele ama indiretam nt
Como em toda desmitologização genuína, no conteúdo de' Hôl- às escondidas apenas a mãe" (Die Kolonie ist das auf ~as Mu/-
terland zurückweis:ende Tochterlamd, lndem der Geist Land
derlin habita uma camada mitológica. Não basta a repreensão
da arbitrariedade contra Heidegger. Visto que a interpretação solchen Wesens liebi, liebt er mittelbar wnd uerborçen doch nur
da.poesia visa àquilo que não foi dito, não se pode investir contra die Mutter) 28 . O ideal endogâmico de Heidegger ultrapassa
esta pelo fato de que não o tenha revelado. O que pode ser mesmo seu desejo por uma genealogia da doutrina do Ser. Em-
comprovado, no entanto, é que aquilo que Hõlderlin silencia, não prega-se Holderlin com ~oda arbitr~riedade. ,em favor de, t~m.a
é o que Heidegger desenvolve. E leia-se nas palavras "Aban- concepção do amor que CIrcula naquilo que Ja somo~, narcisisti-
dona pesarosamente/o que mora perto da origem, o lugar" camente no próprio povo. Heidegger revela a utopia ~~la c~p-
(Schwer uerkisst/Wos nahe dem Ursprung soohmet, den. Ort)Z3, tatividade no próprio "si" (Selbstheit). O verso de Hólderlin :
a und tapfer Verqessen ilieht) der G eist", Heidegger é obriga-
tanto ele pode exultar-se com o pathos da origem como com o
elogio da imobilidade. Porém o verso imponente: "Mas eu do a rernodelá-lo para "o amor escondido que ama ~ origem",,29
quero ir rumo ao Cáucaso" (Ich aber 'Will dem. Kaukasos eu l) 24 N o final do excurso fabrica-se a sentença em Heidegger : O
.o qual, com espírito de dialética e da heróica bethoveniana, per- esquecer corajoso é a coragem ciente p~ra ~a experi~e~t~?ão da
passa num fortíssimo, não é mais compatível com tal atitude. apatridade por amor da futura apropnaçao do propno (Das
Como se a poesia de Hõlderlin tivesse previsto para que fins a tapfer 'Verçessen ist der noissende Mut zum. Erfahren: des Frem-
ideologia alemã dela se serviria um dia, a última versão de den um der l?ünftigen Aneignung des Eiçenen zoillen ) 30, O
O pão e o vinho (Br.ot und Wein) se ergue contra o dogrnatis- Holderlin exilado, que na cartayara Bôhlendorf m~~ifesta o .de-
mo irracionalista e contra o culto da origem: "Creia-o quem o sejo de retirar-se para Otaheiti 31, torna-se um estrangeiro-
provou! Pois em casa está o espírito/Não na origem, não na alemão" (Auslandsdeutscher ) de confiança. É de se perguntar
fonte" (Glaube, nuer es gepr,üftt niimlich zu Haus ist der Geistj afinal, se a apologética heideggeriana atribui o entrelaçamento
Nicht im Anfang, nicht an der Quell) 25 Este imperativo tem de colônia e apropriação ao sociologismo daqueles que o reconhe-
seu lugar imediatamente antes do verso reclamado por Hei- cem.
degger: "A colônia ama, e o espírito, audaciosamente, o esque- Do mesmo tipo são as considerações que Heidegger, com
cimento" (Kolonie liebt, und tapf.er Verqessen der Geist) 26. Em evidente desagrado, acrescenta aos versos sobre as mulheres mo-
nenhum lugar Hõlderlin desmente mais seu protetor póstumo renas de Bourdeaux em Memórias (" A ndenken" ). "As mulhe-
que na relação com o desconhecido. Isto em Hôlderlin significa res ~ este nome aqui ainda possui o tom antigo que significa
para Heidegger uma. única irritação. Neste, o amor ao desconhe- senhora, protetora. Agora ele é empregado na única referência
cido necessita de uma apologia que seria "aquela que ao mesmo ao nascimento da essência do poeta. Num poema que nasceu
tempo deixa pensar em pátria" (jene, die zugleich an die Heimat
denken· liisst) 27. Neste contexto, ele atribui uma estranha mo- 28. Ibidem.
dificação ao conceito hôlderliniano de "colônia" (Kolonie); ver- 29. Ibidern, p. 89.
balidade mesquinha torna-se meio de um nacionalismo rábula. 30. Ibidem: Na primeira carta a Bohlendorf H~,lder1i~ enaltece a
"A colônia é o país-filial que remete ao pais-mãe, Enquanto o capacidade de Homero em "apropriar-se do Estranho ,porem de !ll0do
algum apenas aquele dom de experimentar o Própri<:>,e apenas devido a
este, o Estranho. O. teor daquela carta, à QU<l:I Heidegger talvez ,~enha
23. Ibidem, p, 144. se referido, é contrário àquilo para ,o qual Heidegger o reclama.: Mas
24. Ibidem, p. 145. afirmo mais unia vez e deixo ao livre arbítrio da sua aprovaçao e ?e
25. Ibidem, p. 413. seu uso:. o propriamente .Nacional gozará no progresso de forma7ao
26. Ibidem, . sempre da menor preferência." (Friedrich Hôlderlins Gesammelte Breife,
(Cartas de Friedricb H ôlderliny, Edição "Inse!", p. 389.) .
27. Heidegger, U Erliieuterunqen. zu H olderlins Dichtunçen" (AfIO-
fações para as poesias de H'ôlderlin), ibidem, p. 88. 3Í. Ibidern, p. 391.

82 83
pouco antes da época dos hinos, e no tempo de transição para stete Mitbereiten des Festes. 1m Gruss des ((Arulenleens" ,: 11
estes, Hôlderlin disse tudo que é para ser sabido ((( Gesang des [edocb nicht die deutschen. Frauen gennant, sondern. ff die brouncn
Deutschen"; estrofe onze, IV 130) : Frauen. daseJbst")32. A afirmação, em caso algum compr vada,
de que a palavra mulheres nesse lugar ainda poss~iria. o t r
Agradecei às mulheres alemãs! Foram elas que antigo - quase que se gostaria de a~rescentar: sch?llena.no -
nos conservaram o espírito amável das divindades ... "que se refere à senhora ~ protetor~ ! enquanto Hold~rlIn pa-
rece antes encantado pela Imagem erótica da mulher sulina, esta
o hino Gennânia, por sua vez, elucida a verdade poética afirmação permite a Heidegger a transição para as mulheres ale-
mãs e seu louvor, das quais, no poema interpretado, nem se fala.
desses versos, ainda velada ao próprio poeta. As mulheres ale-
mãs salvam o aparecimento dos deuses para que permaneça o Elas são agarradas pelos cabelos. Aparentement~, o comentado r
filosófico, que em ~943 se dedicou às M emôrias (An,~,enken)
evento da história cujo processar escapa às garras da cronolo-
devia temer o aparecimento de mulheres francesas .c?mo subver-
gia a qual, quando muito, é capaz de constatar ('situações his-
sivo". Contudo, também mais tarde, nunca modIfICOU em algo
tóricas'. As mulheres alemãs salvam a aparição dos deuses en-
este comentário um tanto cômico. Em seguida, volta cauteloso e
volvendo-a na suavidade de uma luz amena. Libertam esse envergonhado ao conteúdo pragmático do poema por meio da con-
evento de seu pavor, cUJO terror induz ao desmedido, quer na cessão de que a referência não seria às alemãs, mas às "mulhe-
interiorização do mundo dos deuses e seus domínios, quer na res morenas por ali". Beissner, apoiado em observações do
compreensão da sua essência. A conservação dessa aparição é a próprio Hôlderlin, inclusive títulos de poemas, chamou os hinos
permanente co-preparação da festa. Na saudação de Memórias, tardios de "As canções da pátria" (Vaterliindische Gesange).
porém, não se refere às mulheres alemãs, mas às 'mulheres mo- Reservas contra seu método não representam dúvidas em torno
renas por ali')". (Die Frauen - Diese Name hat hier nock den
da sua justificação filológica. A própria palavra "pátria"
[ruhen Klanq, der die Herrin und Hüterin meint. J etzLaber
t Vaterland) porém, durante os 150 anos desde a redação desses
wird er in dem eineiqen. Bezug auf die Wesensgeburt des Dich-
poemas, transformou-se no mal, perdeu a inocência que ai~da
ters gennant. In einem. Gedicht, das kurz vor der Hymnenzeit
conservava nos versos de Keller : "Conheço, na minha pátna/
und im Überqonq zu ihr eutstanden ist, hai Hálderlin alles ge-
ainda muitas montanhas, ó amor" (Lch. soeiss in meinem Vater-
sagt, was zu zoissen ist (Gesang des Deutschen, Elfte Strophe,
IV 130): land/Noch manche« Berg, o Liebey . O amor ao que é perto, a
saudade pelo aconchego da infância se transformou no ódio
Den deuischen Prauen danket ! sie haben. uns contra o que é diferente; e isso não se pode apagar àquela pala-
Der .'Gotterbilder freudlichen Geist beuiahrt ... vra. Está imbuída de um nacionalismo que em Hôlderlin ca-
rece de qualquer indício. O culto da política direitista alemã
Die dem. Dichter selbst nock oerhidte dichterische Wahreit por Hôlderlin empregou o conceito hülderlinian.o do patriótico
dieser Verse bringt dann. die Hymne ((Germaníen" zum Leuch- de uma maneira tão desfigurada, como 'Se ele VIgorasse apenas
ten. Die deutschen Frauen retten das Erschemen der Gõtter para seus ídolos e não para a harmonia feliz entre o univers~l
damit es das Ereignis der Geschichte bleibt, dessen Weile sich e o particular. O próprio Hõlderlin já registrou o que mais
den Fãnqen. der Zeitrechnung entzieht, die, wenn es hoch- tarde foi manifestado: "Fruto proibido, como o louro, é porém
kommt ((historische Situationen" [eststellen kann. Die deut- a pátria" CVerbotene Fruchi, noie der Lorbeer, ober Lst/ Am.
schen Frauen retten die Ank2mft der Gôtter in die Mild,e eines meisten das Voterland.) 33. A continuação "Esta, porém, cada
freudlichen Lichies, Sie nehmen diesem Ereignis die Furcht-
barleeü, deren. Schrecken zum Mosslosen vl:wführt, sei es in der
32. Heiclegger, ro Erliieuterunqew zu Hôlderlins Dichtung", ibidem,
Versinnlichung des Gôttertoesens und seiner Stiitten, sei es im p. 101 S.
Begreifen ihres Wesens. Die Bewahrung dieser Ankunft ist das
33. Holderlin, WW 2, ibidem, p. 196.

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um prove por último" (Die aber kost/Ein jeder zuletzt) 34,
menos deveria prescrever ao poeta um plano cronológico do que ken) indica, conforme a pura forma gramatical, um nt .:t
visar à utopia na qual o amor à proximidade seria liberado de memória por ele, igual àquela dos profetas, e de modo algum
toda inimizade. um ser que não permanecesse no tempo, ou fosse transce~lde~tc
Tampouco central como a pátria, está em Hõlderlin, mestre ao temporal. Porém, abandonar-se ao seu. elemen.to comumcatlv.o
dos gestos lingüísticos intermitentes, a categoria da unidade: desperdiçando seu conteúdo ~e verdade.' l~tO Heldegg~r l~e atri-
como a pátria, ela requer identidade total. Heidegger porém lho bui' como sendo" Mais autêntica potencialidade do ser (eiçenste
imputa: "Onde estiver um diálogo, a palavra essencial deve Seinsmôqlicheeit), dissociando-o de história: "Perigo. é amea-
permanecer referida ao Único e ao Mesmo. Sem essa referên- çado ser pelo ente" (G.efahr ist B.edr~hun~ =: S~t~s durch.
cia, uma disputa legítima é impossível. O Único e o Mesmo Seiendes) 38. O que Holderlin tem .à VISt~ e ~ história real e
porém só pode ser manifesto na luz do permanente e do cons- seu. ritmo. Ameaçado para ele é muito mais o mseparad~mente
tante. Permanência e constância porém se manifestam quando Unido (Einige). isto é, no sentido hege1iano, o Substancial, do
persistência e presença vêm à luz" (Wo ein Gespriick sein soll, que um mistério bem guardado do ser. Heidegger, entretanto,
muss das wesentlieheWort au] das Eine und Selbe bezogen adere à obsoleta aversão do idealismo contra o ente c?~o tal,
bleiben. Ohne diesen Bezug ist aueh und qerade ein Streitges- da mesma maneira com que Fichte trata do real, da empina, que,
priicb unmogheh. Das Eine une! Selbe aber kann nur offenbar de um lado, é posta pelo sujeito absoluto, mas ~?mesmo tempo
sein im Liehte eines Bleibenden und Standigen. Bestandigkeit
é 'desprezada como mero Impulso ~ ação,. co~? ja I)co~reu com o
und Bleiben leommen [edock dann. zum Vorsehein, wenn Behar-
Heterônomo em Kant. Com atitude jesuitica, Helde.gger ~e
ren und Gegenwart aufleuehten) 35. Tampouco o "permanente e
conforma com a posição de Hi:ilderlin diante do~ "rea~la": dei-
constante" (Bleibende und Standige) decide para o hino hôlder-
xando aparentemente aberta a questão ~:la l~portan~la da
liniano que em si próprio é tanto processual, histórico, quanto
tradição da filosofia da história da qual Holder~m proveio, p?-
unidade e autenticidade. Origina-se da época de Homburg o epi-
grama Raiz de todo mal (Wurzel alles Übels): "Ser unido é rém ao mesmo tempo imputa que o contexto u~ldo a esta ~e:la
divino e bom; de onde vem então a cobiça entre os homens que de importância para o poético: Segundo a.doutnn~ ~a met.aflsl.c,a
seja apenas Um e Uma Coisa?" (Einig eu; sein, ist gottlieh und absoluta de Shelling e Hege1 o ser-em-si do espírito :x~ge ja,
gut; woher ist die Sucht d.enn/ U nter den M enschen, dass nur de antemão o retorno para si mesmo, e este o exteriorizar-se
Einer und Eines nur sei?)36. Heidegger não o cita. Desde Par- fora de si.' Em que medida a lei da ~is~o~icida~e con:e~trad~
mênides o Único e o Ser' estão entrelaçados. Heidegger o impõe nestes versos pode ser deduzida da su!bJetIvld~de. m~ondlclo?~da
a Hõlderlín, que evita a substantivação do termo. Para o Hei- desta meta física, e em que medida esta referência a met.aflsl.ca,
degger dos comentários esse termo se reduz à antítese concreta: mesmo constatando relações "historicamente corre~as, 1111~1l;;
"O ser nunca é um ente" (Das Sein ist niemals ein Seiendes) 37. ou até obscurece a lei poética, isto se sugere apenas a reflexa.o .
Dessa forma toma-se uma lei arbitrária como acontece no Idea- (J wwierweitdas in diesen Versen. 'gediehtete Gesetz der C:ese~t~~-
lismo desaprovado por Heidegger, mas sub-repticiamente seguido tZiehkeit sieh aus dem Prineio der unbedingten SwbJektw1.tat
por ele. Isso permite a hipóstase ontológica da instituição poética. der deutchen absoluien M etaphysik Sehellings und l-!
egels
A famosa evocação desta em Hôlderlin é isenta de altivez. Aque- herleiten- Uisst,nach deren Lehre das Bei-si~h-selb.st-Se1n des
la passagem "o que fica" (W as blewet) das Memórias (Anden- Geistes erst die Rückkehr zu sieh selbst ,und diese Wt.ederu:n da:
Ausser-sich-Sein uorausfordert, irnwierweitein solcher Hinnoeis
34. Ibidern. . 'a.uf di-e M etaphysik, selbst 'wenn er ((historiseh richtiçe" Be-
35. Heidegger, ibidem, p. 37. ziehungen ausfindig machi, das diehtcrisehe Gesete aufhellt
36. Hõlderlin WW 1, Stuttgart, 1944, p. 302. oder nieht eher oerdwneelt, sei dem N achdenken nur uorqe-
37. Heidegger, ibid., p. 38.
38. Heidegger, ibid., p. 34.
&5
87
legt) 39. Embora Hôlderlín em caso algum possa ser integrado mais profunda e séria de arte viva'! Ctiejeren ernsten Beeiehu'tl{)
em contextos histórico-espirituais e tampouco o conteúdo da lebendiçer J( unst) 41. O esforço heideggeriano em desagr gar
sua poesia possa ser projetado ingenuamente sobre filosofemas Holderlin maetafisicamente dos companheiros, através da I va-
ele tanto menos deve ser afastado dos conjuntos coletivos nos ção, é o reflexo de um individualismo heroizante sem coro p Ia
quais SUa obra se desenvolveu e com os quais mantém comu- força coletiva que em geral é que produz a individualização
nicação até nas células lingüísticas. Nem o movimento do idea- espiritual. Atrás das sentenças de H eidegger se esconde a von-
li.sm~ ~lemão como um todo, nem qualquer outro expressamente tade de atemporalizar, não obstante todas as exposições sobre
fIloso~Ic? representa um fenômeno de conceituação bem concisa historicidade, o conteúdo de verdade de poesia e de filosofia,
e delimitada, antes apresenta "uma atitude da consciência a vontade de transformar coisas históricas em invariáveis, sem
p.e~a~te a abjet~~id~de" (~~ellung des Be'wusstseins zur Objek- respeito ao núcleo histórico do próprio conteúdo de verdade.
tw~t~t): Experiências decisivas querem expressar-se dentro do Por cumplicidade com o mito, Heidegger obriga Hõlderlin a
mediusn. do pensamento. São essas experiências, e não meras ser testemunho do mesmo, pré-julgando o resultado através do
estruturas conceituais e termos, que .Hôlderlin tem em comum método. Beissner, no seu comentário de Junto à nascente do
com seus adeptos. Isso tem conseqüências até na forma. Mesmo Danúbio (Quell der Donau) sublinha a expressão ((wohlges-
a forma hegeliana nem sempre obedece à norma do discursivo chieden" (bem distintos) 42 em versos que justamente acentuam
que, na filsofia, é considerada acima de qualquer dúvida como a memória, o pensar de um no outro, em lugar da epifania
na poesia, aquela espécie de plasticidade à qual se opunha o mitológica: "Não obstante à possível submersão espiritual, as
processamento . do Hôlderlin tardio. Certos trechos de Hegel, realidades da cultura grega e da época sem deuses são bem
escritos aproximadamente na mesma época, não carecem de distintas. As duas estrofes iniciais da canção Germania assina-
passagens que a antiga história da literatura poderia facilmente lam mais distintamente essas idéias" (Trote der moglichen
atribuir à demência de Hõldérlin. Exemplo disso seria uma geistigen Versenkwnq sind die Wirklichk.eiten des Griechentwms
passagem do a:-tigo escrito em 1801 sobre a diferença entre os und der qõtterlosen. Zeit doch wohlgeschieden. Diesen Gedanken
sistemas de Fichte e o de Schelling: "Quanto mais cresce a betdnen deutlicher die beiden Anfangsstrophen des Gesangs
cultura, quanto mais múltipla se torna a evolução das exterio- Germanien] 43. O simples teor literal revela a transposição onto-
riz~ções da vida, nas quais a desunião se pode entrelaçar, tanto lógica da história por parte de Heidegger para algo que se sucede
maior se torna o poder de desunião, tanto mais firme sua santi- no puro Ser, como captação. O que está em questão não são
~a~e ?li.má~ica, tanto ~ais alheio ao todo da formação e mais influências ou afinidades de espírito, mas a complexidade do
insignificatívas as aspirações da vida de fazer-se renascer para conteúdo poético. Como na especulação hegeliana, o histórico
a .harmon~a" (Je weit~~ die Bildung qedeiht, [e 1nOinnigfaltiger finito torna-se, 'sob a mira da poesia hôlderlianiana, fenômeno
die Entrzmcklung der Ausserunqen. des Lebens wird in uielche do absoluto como momento necessário de si próprio, e de tal
die Entzrweiung sich verschlingen kann, desto qrõsser wird die modo que o temporal se abriga no próprio absoluto. Não podem
Macht der Entz.weiung, desto fester ihre klitmatische Heiligkeit. ser negadas concepções idênticas em Regel e Hõlderlin, como
d~sto [remder dem. Ganzen der Bildung und bedeutungsloser por exemplo aquela da migração do Espírito do Mundo (Welt-
d~e Bestrebungen des Lebens, sich zur Harmonie wieder zu qe- geist) de um povo para outro 44, do cristianismo como época
biiren} 40. Isso não se aproxima menos de Hõlderlin do que, em passageira 45, da "noite dos tempos" (Ab,enddez Zeit) 46, da
linhas mais adiante, a formulação discursiva sobre "a relação
41. Ibid.
42. H61derlin, WW 2, ibid., p. 132.
39. Ibid., p. 85 S., nota de pé de página.
43. Ibid., p. 429.
-40. Hegel, WW 1, Aufsãtze aus dem kritischen Journal der Phi- 44. conf. ibid., p. 4.
losophie (Artigos do jornal crítico da Filosofia), edição G1ockner, 45. conf. ibid, p. 134 55.
Stuttgart, 1958, p. 47. 46. Ibid., p. 142.

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introspecção da consciência infeliz como fase transitória. Até
não disfarça e que como refração alegórica percorre sua obra
mesmo em teoremas explícitos eles estavam de acordo assim
po: exemplo, na crítica ao Eu absoluto de Fichte, um Eu sem é o m~io. da ~rí~ica da falsa vida, onde a alma não conseguil~
objeto .e, por conseguinte, nulo, crítica esta que deve ter sido seu direito divino. Através de tal distância da poesia, seu
nor.matIva na passagem do Hôlderlin posterior para os Reais. aumentado pathos ideal, Hõlderlin 'Sobrepuja o âmbito idealista.
Helde~ger, para cuja filosofia a relação entre o temporal e o Exprime mais do que gnomos e Hegel jamais teria aprovado
e:sencIaI representa uma temática, sem dúvida sentiu a profun- que a vida não seria a idéia, e que o âmago do ente não seria
didade da comun!cação de Hõlderlin com Hegel. É por isso a essência.
q~e ele ~ ?esvalonza com tanto zelo. Através do emprego derna- A atração que a hínica de Hôlderlin exerce sobre a filo-
sl.ado rapldo" da palavra Ser, ele obscurece o que ele próprio sofia do Ser tem muito a ver com a posição dos a Abstrakta"
v:u., ~m Holderlm. se anuncia que o histórico seria arqui- que nela cabem. Eles se assemelham de maneira convidativa ao
histórico e ta~Ato~als premente 9-uanto mais histórico é. Graças medium, da filosofia, que caso ela sustente sua idéia do poetizado
a essa. e~p.ene~cla. na sua pO~SIa o en~e. determinado alcança no sentido de um compromisso, justamente deveria recuar ante
uma significação que, a [ortiori, escapa a interpretação de Hei-
a contaminação da poesia através do material cognitivo. Por
degger. Como para Shelley,' parente eleito de Hôlderlin o
outro lado, os a Abstrakta" de Hôlderlin se destacam da essência
inferno é uma cidade, much like London ; como a rnodernidadé
corrente de uma maneira que facilmente pode ser trocada com
de.. Par~s r:presentava para Baudelaire um arquétipo, assim
Holderlm ve em todo lugar correspondências entre o ente nomi- aquela que infatigavelmente tende a elevar o Ser acima dos con-
ceitos.Mas os « Abstrakta" de Hõlderlin representam evocações
~al. e. as idéias. Aquilo ~~e, segundo a linguagem daquela época,
e finito, e que a metafísica do Ser em vão espera, ou seja, os do Ser imediato muito menos do que palavras-chaves. Seu em-
nomes dos quais o absoluto carece, e nos quais exclusivamente prego é determinado pela refração dos nomes. Nestes sempre
estaria O' absoluto, conduzem além do conceito. Algo disso resta um saldo daquilo que querem e não alcançam. Sempre ele
aparece em Hegel para o qual o absoluto não é o conceito se liberta, numa angústia mortal, deles. A poesia do HÓlderlin
sumário de seus momentos, mas antes uma constelacão isto é, posterior se polariza nos nomes e correspondências aqui, e nos
?ro:esso e resul~do ao mesmo tempo. Daí, por outro' lado, ,~ conceitos, lá. Seus substantivos gerais são resultantes: testemu-
indiferença dos hinos de Hôlderlin perante os vivos, dessa forma nham a diferença do nome e do sentido evocado. Sua estranhez
desgraduados perante o fenômeno efêmero do espírito do tem- que os incorpora à poesia por sua parte, eles recebem através do
fato de terem sido quase que minados por seus antagonistas, os
po, indiferença essa que foi o maior obstáculo à divulgação
nomes. São resíduos, capita mortua daquilo nas idéias que não
da sua obra. Sempre que o pathos de Hõlderlin se apossa de
nomes de seres, sobretudo de lugares, O' gesto poético, como na se deixa representar: mesmo na sua universalidade aparente-
filosofia de Hegel, indica aos vivos que se trata de simples mente atemporal figuram como marcas de um processo. Como
signos. E é isto o que eles não querem, pois é para eles a sen- tais, porém, tão pouco ontológicos como o universal na filo-
tença de morte. Não foi por menos, porém, que Hõlderlin pôde 'Sofia de Hege!. Muito antes, possuem, segundo seu teor, sua
ultrapassar a lírica da expressão, disposto a' um sacrifício de ,:ida própria graças à sua dissociação do imediato. A poesia de
que então se valeu avidamente a ideologia do século XX. Sua Hõlderlin quer fazer dos a Absirahta" uma concreção de segun-
poesia diverge, portanto, decisivamente da filosofia porque esta da potência. "É, pois de se admirar, como neste ponto - já
se coloca numa posição afirmativa diante da negação do ente, que o povo é designado de modo altamente abstrato - surge
enquanto a poesia hôlderlianiana, devido à distância da sua lei do interior desse verso uma figura quase que nova da mais
formal da realidade empírica, lamenta o sacrifício que ela recla- concreta vida" t Nun ist erstaunlich, 7-me Ml dieser Stelle, da
doch das Volk auf das hôchste abstrakt beseichnet ist, aus dem
ma. A diferença entre os nomes e o absoluto, que' ele
Innern dieser Zeile eine fast Neuqestalt des konkretesten Le-
90
9'1
"O pão é fruto da terra, mas está pela luz abençoad ,
bens sich erhebt ) 47. Isso provoca, antes de todas as outras coisas ,
E do Deus trovejante vem a alegria do vinho.
o abuso de Hi::ilderlin para a pseudo-concreção das palavras neo-
Por isso ao gozá-los pensamos nos deuses que outrora
ontológicas, assim chamadas por Günther Anders. Modelos de AqUI estiveram e que hão de voltar no tempo devido:
tal movimentação dos "Abstrakta JJ
ou melhor, de palavras
,
Por isso os poetas cantam também graves o
comuníssimas para "ente" i Seiendes), suspenso entre este e a [Deus-do- Vinho,
abstração, como por exemplo "éter" (Ather), palavra favorita E esse louvor não soa como vã invenção aos ouvidos
de Hi::ilderlin, se encontram com freqüência nos hinos tardios. [do Velho".
Em Junto à Nascente do Danúbio (Que:ll der Donau): "Mas, (Brot istder Erde Fruchi, doch ists vom Licht.e çeseqnet,
quando / Declina nos ares ligeiros / A luz sagrada, e com raio Und vom donnernden Gott kommei die Freude des
mais fresco / O espírito alegre chega / A terra feliz, então o Weins.
animal cai prostrado, / Não afeito a tamanha beleza, e dorme Darum denken wir auch dabei der Himmlischen, -die sonst
um sono alerta / Inda antes que as estrelas se aproximem. Assim Da qetoesen und die kehren in richtiqer Zeit,
nós também." (Wenn aber / H erabgeführt, in spielenden Lüf- Darum singen sie auch mit Ernst, die Sanger, den
ten, / Das heilige Licht, und mit dem kühleren Strahl / Der Weingott
[reudiqe Geist kommt zu / Der seligen Erde, dann erliegt es, Und nicht eitel erdacht tônet dem Alten das Lob ) 50.
unge-wohnt /Des Schônsten, und schlummert wachenden
Schlaf .I Nock ehe Gestirn naht. So auch wir.) 48; em "Ger- Pão e vinho foram deixados pelos deuses como signo de algo
manien JJ.' "Mas do éter cai / A imagem fiel e oráculos di vinos juntamente com eles perdido e esperado. A perda penetrou no
conceito tirando-o do ideal insípido do humano comum. Os
chovem / Inúmeros dele, e uma voz ressoa no íntimo do bos-
divinos mesmo não são um em-si imortal como a idéia platônica
que" (Vmn Aether aber fiillt / Das treue Bild und Gôtters-
e é só por isso que os cantores cantam deles "com seriedade",
pr>üche reqnen. / Uneiihlbare von ihm, und es tônt im innersten
sem a rotina dos símbolos, porque eles estavam lá "outrora",
Haine)49, também o lago no fim de Memôrias ("Andenken é JJ
)
quer dizer, há tempos. A História corta o laço que, segundo
dessa feição. É tão incomensurável à lírica de pensamento quanto a estética c1assicista, une idéia e imaginação no assim chamado
à poesia de vivência, e sobretudo, a Hi::ilderlin nascido, em opo- símbolo. Somente o fato de que os "Abstrakta JJ
cancelam a
sição ao conceito anti-conceitual da nova ontologia, da nostalgia ilusão da sua conciliabilidade com o puro "aqui e agora"
pelo nome ausente e pela boa "generalidade do vivo" (Allge- (Diesdo), lhes presenteia aquela segunda vida.
meinheit des Lebendiqen ), a qual Hõlderlin experimenta obstruí- Este fato, revestido com as categorias do não-formado e
da pelo correr do mundo, pelo funcionamento que divide' o do que vagamente se 'Subtrai, enfureceu os classicistas de Wei-
trabalho. Ainda suas reminiscências pelos nomes semi-alegóricos mar de tal maneira que as conseqüências para Hôlderlin foram
dos deuses têm esse tom e não aquele do século dezoito. No incalculáveis. Eles não farejavam em Hi::ilderlin apenas a antipa-
seu emprego poético eles se manifestam como históricos em tia contra 3. harmonia estética do finito e do infinito, da qual eles
vez de simbolizar um além da história. Como exemplo sirvam mesmos nunca estavam totalmente convictos porque ela requeria
renúncia, mas também a abstenção à ordem média da vida real
versos da oitava elegia de Pão e Vinho (" Brot und W ein"}:
'nas formas falsas do existente. Quando o princípio de estili-
zação hi::ilderlianiano concentrou seus esforços contra a vivência
47. Walter Benjamin, U Schrijten Il" (Escritos lI) Frankfurt, 1955,
e oportunidade, contra os elementos pré-artísticos da arte,
p. 388.
depravados pelo uso do mundo, ele investiu contra o mais pode-
48. Hõlderlin, WW 2, ibid., p. 131.

49. Ibid., p. 158. 50. Ibid, p. 99.

92 93
reduzidas da sua poesia tardia, os costumes frugais na ilha
rosa tabu da .doutrina de arte do idealismo. Fez com que a pobre de Patmos, não são glorificadas como acontece na fras
abstracidade que é encoberta por aquela perceptibilidade se de Heidegger: "Está perto a fascinação suave das coisas coti-
tornasse visível. Porque se afastou da aparência, o que já os dianas e das suas condições modestas" (Nahe ist der sachte
dominava, transforma-se Hõlderlin para os idealistas em louco Bann der allbekannten Dinge und ihrer eitnfachen Verhiiltnis-
que se movimenta no vazio inconsistente. Enquanto o distinto se) 52. Estas, para o filósofo do Ser, representam o antigo Ver-
concreto representava para os poetas classicistas, inclusive J ean dadeiro, como se a agricultura, historicamente obtida com a
Paul, o bálsamo para as feridas que, conforme opinião comum, imensa necessidade e sacrifício, fosse um aspecto do Ser nela
a reflexão causa, para o autor de a Em pedokles", não tão dife- mesma. Para Hôlderlin, assim como outrora para Virgílio e os
rente do que em Schopenhauer, o a pritncpiumindividuationis", bucólicos, representam o reflexo de um irreversível. A ascese de
ao inverso, é 'essencialmente negativo, sofrimento. Mais unani- Hôlderlin, sua renúncia à falsa riqueza romântica ela instrução
memente com Schopenhauer, do que ambos talvez tenham do mercado, nega-se na cor elo incolor, à propaganda para o res-
suspeitado; Hegel também o relegou ao 'núcleo na vida do con- taurativo "esplendor da modéstia", (Procht des Schlichten) 53.
ceito que só se realiza graças à queda' do individuado. A esfera Seus fantasmatas longínquos do imediato não admitem serem
do geral desprovido' de imagens foi para Hôlderlin essencial- guardados no tesouro da arte regional. O Simples e Universal
mente o que não está sujeito ao sofrimento. Ele o integrou na lhe resta após a morte do próximo, literalmente falando do pai
sua experiência: "Entendia o silêncio do Éter; / Palavras dos e mãe, imbuído de tristeza: "Assim une e desune, muitas coisas,
homens nunca entendi" (Lch verstand die Stille des Aethers, / o tempo / Julgam-me morto, e eu a eles. / E assim estou
Der Menschen Worie verstand ich nie) 51 . O asco pela COlTIU- sozinho. Mas tu, sobre as nuvens, ó Pai da Pátria, / ó Éter
nicação que esses versos de infância transmitem constitui, nos poderoso! E tu / Terra e Luz ! Vós três, conformes e unidos,
hinos tardios, a primazia dos « Abstrakta", como constituintes que reinais e amais / Deuses eternos! Convosco nunca os laços
da forma. São dotados de uma alma porque estavam imbuídos me quebram" CSo bindet und scheidet / Manches die Zeit. Ich
pelo medium do vivo, do qual eles devem buscar uma saída. dünk ihnen gestorben, sie miro / Und so bin ich allein. Du aber,
Sua propriedade mortificante que o espírito burguês sempre übe1' den W olken, / Vaier des Vaterlands! máchtiqer Aether !
lamenta, transfigura-se em uma propriedade salvadora. Daí eles Und du / Erd wnd Licht ! ihr einigen drei, die zualten wnd
tiram a expressão que, depois da inervação de Hôlderlin, apenas lieben, / Ewige Gôtter t mit euck brechen die Bonde 111,irnie. 54.
é dissimulada pelo individual. Isso, ao mesmo tempo, protege Ao real, porém se dá a honra enquanto Hólderlin o cala, não
Hôlderlin contra a maldição da idealização. Esta sempre doura apenas porque apoético, antes porque a palavra poética sente
o individual. Seu ideal, porém, atreve-se a avançar, na forma da vergonha da figura ir reconciliada daquilo que é. Recusa-se tanto
linguagem, até a renúncia à vida culposa, dissociada e em si ao idealismo quanto ao realismo poético. Este, é genuinamente
antagônica, irreconciliável a todo Ser. Em Hõlderlín, o ideal é burguês, fato que os ideólogos do leste tentam encobrir a toda
incomparavelmente menos contaminado que nos idealistas. Em força; ele é marcado por aquele" uso" (Gebrauch), aquele
virtude da sua experiência particular da fugacidade do indi- aproveitamento de tudo· para tudo 'contra o qual Hõlderlin luta.
vidual e da prepotência do universal, os conceitos se emancipam O princípio realista da poesia redobra o constrangimento dos
daquela experiência em vez de apenas subentendê-Ia. Dessa homens, sua sujeição à maquinaria e sua lei latente: a forma de
forma eles se tornam eloqüentes. Daí o primado hóderliniano mercadoria. Quem se' apegou a ela, nada menos faz do que
da linguagem. Como o antinominalismo hegeliano, a "vida do
conceito" (Leben des Begriffs), também aquele de Hôlderlin é
52. Heidegger, ibid., p. 16.
um originado, mediado para o próprio nominalismo e através
53: Conf. Th. 'vV. Adorno, "Tarqon der Eigentlichkeit", Frankfurt
disso, contrário à doutrina do Ser. As "realia" escassamente 1964, p. 45.
54. Hôlderlin, WW 2, ibid. p. 87.
51. Holderlin, WW 1, ibid., p. 262.
95
94
testemunhar o seu fracasso naquilo do qual tentou convencer a meno, como "revestimento das manifestações 'históricas'"
humanidade como se fosse um sucesso. Hõlderlin não entrou t Aussemuerk der 'historischen' Erscheinungen) 56 coincidência
nesse jogo. O fato de que ele derrubou a unidade simbólica da e tensão entre Hõlderlin e a filosofia especulativa. Estendem-se
obra de arte lembra a inveracidade da conciliação entre universal até ao ponto onde Heidegger percebe coisas míticas e, catando
e particular em meio do não-reconciliado: a concreticidade elas- e fixando-as, deturpa sua constelação com o conteúdo de
sicista, que também era aquela do idealismo obetivo hegeliano, verdade.
em vão se apega à proximidade concreta do alienado. Na ten- Ao método Heideggeriano não poderíamos opor abstrata-
dência ao desprovido de forma, o formativo, o desprendido, o mente um outro. Aquele é falso enquanto, como método, se
sujeito em duplo sentido absoluto experimenta a si mesmo como desprende do objeto; infiltrando do lado de fora filosofia àquilo
riegatividade, como isolamento que não é capaz de destruir uma que na poesia de Hôlderlin é filosoficamente pobre. Poder-se-ia
ficção de comunidade positiva. Devido a tal negatividade ine- ver o corretivo lá onde Heidegger pára, por amor ao tema
rente ao puro poetizado, essa se desprende no espírito da sua probandum, isto é, na relação do conteúdo - também do con-
fascinação, não continua se consolidando em si. Isto, na idéia teúdo teórico - com a forma. Só nessa relação constitui-se o
do sacrifício, cruciaI em Hôlderlin, é incompatível com aquele que a filosofia deve esperar em poesia, sem recorrer à violação.
repressivo que costuma mostrar uma atitude insaciável em tudo Em frente à distinção pesada e doutrinária entre conteúdo e
que se refere a sacrifícios: forma, a poetologia mais recente insistiu na Sua unidade. O
fato que, por outro lado, a afirmação da unidade inarticulada
"Pois esquecido de si mesmo, em tudo pronto de forma e conteúdo não convence mais, dificilmente se mani-
Para cumprir o desejo dos deuses, festa mais evidente num objeto estético do que em Hôlderlin.
O que é mortal e uma vez de olhos abertos Tal unidade só pode ser pensada como uma que sofre a tensão
Anda seus próprios caminhos, entre seus momentos. Estes são distinguidos quando devem
Gosta de andar a via mais curta de volta à totalidade, harmonizar na substância, nem distinto em geral, nem indife-
Assim precipita-se a corrente para baixo, rentemente idêntico. Em Hõlderlin, os conteúdos colocados
Procura repouso, rasga, arrasta-o contra a sua vontade requerem extrema seriedade e não se pode abusar da forma
O desgovernado, como desculpa por sua falta de compromisso. Em vez de apelar
A aspiração maravilhosa para o abismo de quedas em vagamente à forma temos de perguntar o que ela própria, como
[quedas." conteúdo sedimentado, realiza. A primeira coisa que aqui nota-
(Den selbstuerqessen, allzubereit, den Wunsck remos é que a linguagem se afasta. Já no começo de Pão e
Der Gôtter eu: erfüllen, ergreift zu gern, Vinho (" Brot und Wein JJ) a concreticidade épica, tacitamente
Was sterblick ist und einmal offnen suposta, é de tal modo tingida pelas configurações lingüísticas,
Auges auf eigenem Pfade mxmdelt, C;01TI0 se ela estivesse muito distante, mera memória igual ao
Ins All zwrück die kürzeste Bahn, so stiirst tocar da harpa do solitário que lembra os amigos longínquos e
Der Strom hinab, er suchet dieRuh, es reisst, os tempos de juventude. A linguagem manifesta ao espectador
Es ziehet wider W illen ihn von segregação, separação de sujeito e objeto. Tal expressão é in-
Klippe zu Klippe, den Steuerlosen, compatível com a reiteração do desagregado na origem. Diante
Das wunderbare Sehnen. dem Abçrund zu.)55 do óbvio e evidente os versos de Hôlderlin, por assim dizer,
roçam os olhos como se fosse uma primeira vez; coisa conhecida
Tais perspectivas impedem uma posição que remete a um se- se torna desconhecida através da recitação, a evidência se torna
gundo plano; diante de um poético mitificado, como epifenô- ilusão conforme um dístico de Retorno à casa ("H eim!?unft"):

55. Ibid., p. 50. 56. Heidegger, ibid., p. 86, nota de pé de página.

96 97

4 • NOTAS
"Tudo parece intimidade, também a saudação passando / Parece Com a transição para as figurações livres dos hinos tardios II"I.
de amigos, todo rosto parece transformado" CAlles scheine't derlin fez com que essa tendência se explicita:sse. A linguagem
uertraui, der uoriibereilende Gruss auch / Scheint von Freunden pura, cuja idéia elas configuram representaria prosa, como os
es scheint jegliche Miene verwandt) 57. Tão distante daí pe/ textos sagrados. Já as estrofes das elegias longas e ainda não
guntam, pois, as M emórias (Andenlwn): "Mas onde estão os perturbadas não são tanto, em seu vigor, textos 'Sagrados. E,
amigos? Bellarmin / Com o companheiro? Alguns / Carregam por outro lado, são menos arbitrárias do que aproximações das
receio de ir à fonte / Começa, pois, a riqueza / No mar" (Wo das estruturas presentes nas formas musicais das sonatas
aber sind die Freundef' Bellarmir: / Mit dem Gejiihrtent Man- deste período, e nas unidades dispostas discretamente, segundo
cher / Trâgt Scheue, an die Quelle zu qeh.n ; / Es beginnet as frases, num conjunto, 'Sem pretenderem em nada efeitos
niimlich. der Reichtum / Im Meere ) 58. O' sentido desses versos musicais, corno textos de canções. Sob a forma tectônica à
sustenta a construção de uma filosofia da história, segundo a qual ele se subordinou com intenção, em Hôlderlin surge uma
qual o espírito só chega a si mesmo pelos caminhos da distância forma sub-cutânea, ametaforicamente composta. Um dos maio-
e alienação. A estranheza, porém, que lhes serve 'de conteúdo, res poemas de Hõlderlin, « Pasmos", possui algo como uma
se exprime na língua no choque provocado pela pergunta do reprise à qual passa desapercebida a estrofe "Mas é terrível
solitário, por assim dizer cego, a respeito dos amigos, e em de ver como aqui e além / Infinitamente Deus dispersa o vivo"
versos que diretamente não têm nenhuma relação com a per- (Dock [urchtbar ist, tsne da und dort / Unendlich hin zerstreut
gunta, mas unicamente com o solitário. Só através do hiato, 'das Lebende Gott) 60: a alusão do verso: "E ir longe para lá
da forma, o conteúdo se transforma em substância. Na dos montes" (Und fernhin iiber die Berçe zu gehn) 61 à pri-
U Mmemosyne" uma vez omitiu-se aquele suporte e o hiato foi meira estrofe não escapa ao ouvido.
deslocado para a linguagem quando a resposta elucidativa à Grande música é síntese não-conceitual; esta é a imagem
pergunta: "Mas, como querido?" (Wie cber Liebesi ) isto é, originária da poesia. Desse modo a idéia que Hôlderlin tem do
como o amado deveria acontecer igualmente ao verdadeiro - é canto vale rigidamente para a música, natureza solta, efusiva,
aniquilada através da segunda pergunta conturbada: "mas o que, livre do poder do domínio da natureza, justamente através
que é isso? Caber was ist diesr ) 59. Do princípio de tais efeitos disso se transcende. Mas a linguagem, devido a seu elemento
poder-se-á deduzir melhor o emprego persistente de estrofes significativo - contra-pala do elemento rnímico-expressivo -
antigas quer rigidamente observadas, quer modificadas, do que acha-se vinculada à figura da sentença e da frase e com isso à
de um modo histórico-literário, ao modelo de Klopstock. Deste, função sintética do conceito. De modo diferente que na música,
por sua parte, Hôlderlin certamente aprendeu - em contrário na poesia a síntese não-conceitual se volta contra o medium:
à poesia de ocasião e à rima concreta, o ideal do alto estilo. Era transforma-se para a dissociação constituitiva. A lógica tradi-
alérgico ao obviamente esperado, já captado por antecipação e cional da síntese, por isso, é apenas brandamente suspensa por
trocável do conuenus lingüístico. Justamente o « air" barato de Hôlderlin, Benjamin precisou isto de modo descritivo empre-
poesia lhe parecia degradação e as estrofes das odes não lhe gando o conceito da série: "de modo que, aqui, mais ou menos
convêm. Mas elas, na sua propriedade de arritmáticas, na sua na metade do poema, homens, deuses e príncipes, como caindo
severidade, se aproximam paradoxalmente da prosa e dessa da:s suas velhas hierarquias, são alinhados uns aos outros"
forma 'Se tornam mais comensuráveis à experiência do sujeito '( ... so dass hier, um die Mitte des Gedichts, M enschen, Himm-
do que às oficiais estrofes subjetivas rimadas. Sua rigidez se' lische und Fiirsten, gleichsam abstúrzcnd. aus ih~en alten
torna mais eloqüente do que o aparentemente mais. flexível. Ordnunçen, eueinander gereiht sind) 62. O que Benjamin refere

60, Ibid., p. 177.


57. Hôlder lin, WW 2, ibid., p, 102.
61. Ibid:
58. Ibid., p. 197.
62. Walter Benjamin, "Seh,iftm II" (Escritos II), ibid. p.385.
59. Ibid., p. 204 s.

99
98
à meta física de Holderlin como equalização das esferas dos A acusação contra o espírito que a si mesmo tornou infinito
mortais e dos divinos, ao mesmo tempo denomina o modo de' e se deificou busca uma forma lingüística que escaparia ao
proceder lingüístico. Enquanto o proceder hôlderliniano como ditado do seu próprio princípio sintetizante. Daí o "desta vez"
aponta Staiger com toda razão, não prescinde do método das (Diesmal) desagregado; a ligação associativa à maneira do
construções hipotáticas audaciosas, treinado naquele dos gregos, rondá; o rr namlich" duas vezes empregado, partícula favorita,
apresenta-se com parataxes funcionando como desordens artís- aliás, do Hôlderlin tardio. Ela coloca a explicação, desprovida
ticas, que 'se esquivam à hierarquia lógica da sintaxe subordi- de qualquer conclusão, no lugar de uma assim chamada conti-
nativa. Irresistivelmente Hõlderlin é atraído por tais figuras. nuidade cognitiva. Isto concede à forma sua primazia sobre
É à maneira da música que se sucede a transformação da Iin- o conteúdo, inclusive sobre o conteúdo teórico. Ele é trans-
guagem num alinhamento cujos elementos se conexam de outro portado para o poetizado enquanto a forma que está constituída
modo que no raciocínio (Urieii}, Uma estrofe exemplar daquilo no pensamento se apega nele e diminui o peso no momento
é a seguinte, da segunda versão do Ünico (" Einzige"). Diz-se cognitivo específico, o peso da unidade sintética. Tais estruturas,
de Cristo: que fogem ao vínculo, se encontram nos trechos mais elevados
de Hõlderlin em poemas que datam ainda da época anterior à
"Desencadeia-se porém a 'Sua ira; a saber
crise. Veja-se a cesura em Pão e Vinho ("Brot und Wein"}:
O sinal toca a terra
"Por que é que eles também se calam, os velhos teatros sagra-
Saindo dos olhos paulatinamente
dos? / Por que é que já não rejubila a dança sacra? / Por que
Como uma escada
é que, como outrora, já não marca um deus a fronte do homem,
Dessa vez. De outras vezes persistente,
/ Por que não põe a sua estampa, como outrora, ao eleito? / Ou
Sem medidas nem limites,
veio ele próprio também e tomou figura de homem / E concluiu
A saber a mão dos homens agride o vivo
e fechou consolador a festa divina". Warum schweigen auch
Mais do que convém a um semi-deus
sie, die alten heilgen Theateri Warum [reuet sich denn nicht
O propósito ignora a lei 'Sagrada.
Desde que um espírito mau se apodera 'der geweihete Tanz? / Warum zeichnet, wie sonst, die Stirne
Da antiguidade feliz dura infinitamente des M annes ein Gott nicht, / Driccki den Siempel, wie sonsi,
alguma coisa
nicht dem Getroffenen ,auf? / Oder er kam auch selbst und
[inimiga
Do canto, sem voz, que vai se perdendo nahm des Menschen Gestalt an / Und uollendet' unq schloss
Que violenta o sentido." trõstend das himmlische Fest) 64. O ritmo histórico-filosófico
que encaixa a queda da antiguidade e a aparição de Cristo é
[Es entbrennet aber sein Z orn; dass namlic h marcado de interrupções através da palavra "ou" Coder). Lá
Das Zeichen die Erde beriihrt, allmdhlich. onde o determinado, a catástrofe, é pronunciada, essa deter-
Aus Augen qekommen, als an einer Leiter. minação é afirmada pré-artisticamente, como conteúdo mera-
Diesmal, Eingen7.villig sonst, unm..a.ssig 'mente cognitivo, não afirmada de uma maneira sentencia!
Grenelos, dass der Menschen. H and (" Urteilsform"); antes, ela sugere como possibilidade. A re-
,Anficht das Lebende, mehr auch, als sich schicket núncia à afirmação predicativa tanto aproxima o ritmo de um
F'ür einen H albgott, H eiliqqesetetes übergeht
processo musical quanto atenua a reivindicação de identidade
DerEntrwurf. Seit niimlich bõser Geist sich
por parte da especulação que vem se empenhando em dissolver
Bemi:ichtiget des gM1-cklichen Altertums, unendlich,
a história na sua identidade com o espírito. A forma, mais
Lanqhe»: wãhret Eines, gesangsfeind, klanglos, das
uma vez, reflete o pensamento como 'Se fosse sinal de arro-
In Massen uerqeht, des Sinnes Gewaltsames) 63
63. Hôlderlin, u,'W 2, ibid. p. 167. 64. Ibid, p. 97.

100 101
gância (Hrybris) fixar antiteticamente a relação entre cristia-
papel 66. Este manifesta uma preferência em ligar aos nomes
nismo e antiguid.ade. No entanto não devemos entender a para-
dos vencedores glorificados, do príncipes ou das localidades de
taxe apenas, estntamente, como figuras microlózicas de transição
que provém, narrações sobre ancestrais ou eventos míticos. Re-
alinhador~. Como ..suce~e na música, a tendência abrange estru-
centemente, Gerhard Wirth na sua introdução a Píndaro da
tur~s maiores. Holderlin conhece formas que, em um sentido
mais amplo podem ser chamadas globalmente de paratáticas 65. antologia da lírica grega da Rowohlt apontou esta característica
como um momento simultaneamente formal: "As distintas par-
A mais conhecida entre elas é M.etade da vida (" Halfte des
tes dessas exposições, freqüentemente muito amplas e em con-
Lebens"}, De u~ modo que lembra Hegel, mediações do tipo
textos muito, livres, mal são interligadas ou explicitadas."
v~lga~, ~m mediun» fora dos momentos os quais ele deve unir,
(Dabei stehen die einzelnen Teile dseser oft weitausholenden
sao eliminadas como superficiais e secundárias, como acontece
Ausdeutunqen in losem Zusammenhang, werden kaum verk-
freqüentemente no estilo tardio de Beethoven. Precisamente isso
;;vüpft oderauseinander entwickelt) 67. Observaram-se fatos aná-
:proporciona à poesia tardia de Hôlderlin seu teor anticlassicista
logos também em outros poetas dos coros das tragédias, como
que se recusa à harmonia. O alinhado, como não interligado
Bakchylides e Alkman 68. O momento narrador da linguagem
abrupto, não é menos abrupto do que deslizante. Coloca-se a
escapa por si mesmo da submissão ao pensamento; quanto mais
mediação por dentro do próprio mediato em vez de estabelecer
genuinamente épica a apresentação, tanto mais se afrouxa a
conexão. Cada uma das estrofes de ' Metade da V ida necessita
síntese diante dos" pragma.ta", os quais ela não domina intei-
em si, como assinalaram Beissner e recentemente também
ramente. A vida própria das metáforas de Píndaro perante
Szondi, do seu oposto. Também nisso, conteúdo e forma se
aquilo que elas significam, atualmente é tema de discussão na
manifestam determináveis como um único. A antítese conteu-
filologia clássica; a formação de um contínuo fluente de ima-
distica de amor simbólico e derrota quebra - para tornar-se
gens dever-lhe-ia ser aparentada. O que na poesia tende
expressão - as estrofes, na mesma medida em que vice-versa
à narração, manifesta o desejo de descer ao medium pré-Iógico,
a forma paratática só agora realiza, ela mesma, o corte entre as
de deixar-se flutuar com o tempo. O logos tinha-se oposto a
metades da vida.
essa inclinação do narrativo, por motivo da sua objetivaçâo ; a
A tendência paratática de Hõlderlin tem seus antecedentes.
auto-reflexão poética tardia de Hôlderlin a evoca. Também
Como é de supor, a ocupação com Píndaro desempenha certo
nisso ela converge de modo mais admirável com a textura da
prosa de Hegel a qual, em contradição à intenção sistemática,
65. A concreção do poetizado, cuj o desiderato também para
Hõl~e~I}n era significativo, - toda sua obra madura pergunta pela se esquiva, quanto à 'Sua figura, tanto mais às garras da cons-
possibilidade da poesia, que tem renunciado ao engano da proximidade trução quanto mais ela ----;segundo o programa da introdução à
de tornar-se concreto: -- se realiza unicamente através da linguagem:
fenomenologia - se entrega incondicionalmente ao "simples
Sua .função em lJ?lderlir: supera qualitativamente a função costumeira
da linguagem poética. ] a que sua poesia não pode mais confiar com olhar" (reinen Zusehen ) e a lógica lhe fica história 69. No hino
ingenuidade nem à palavra poeticamente elegida, nem à experiência viva, de Paimos, a estrutura paratática mais grandiosa das mãos de
ela espera presença concreta da constelação das palavras de uma cons-
telação t?davia, que não se s.ati.s~az com a forma da ~entença. Esta,
como umdade, mvela a multíplicidade que se encontra nas palavras 66. Segundo o comunicado de Peter Szondi, JIellingrath, na sua
Hõlderlin aspira a ligações que façam com que as palavras condenadas dissertação U Pindaruebertragungen H olderlin:" (Traduções de Píndaro
à. abstração ressoem como que por uma segunda vez. Paradigmática de Hôlderliw) 1910, primeiro caracterizou a linguagem tardia deste com
diSSO e de extraordinário efeito é aquela primeira elegia U Brot und Q termo da retórica antiga: ec horte Fue qunq " (" estrutura pesada"). Um
Wein" (O Pão e o Vinho). Não restitui as palavras simples e gerais dos seus artifícios provavelmente também incluiria o hiato.
que ela emprega mas as alinha de uma maneira que transforma sua 67. Griechische Lyrik, Vou den Anfaengen bis zu Pindar, Rowohlt
própr~a es~.mhez,. sua simplicidade como coisa já abstrata, em expressão 1963, p. 163, .
de ahen~çao. Tais constelações se movem em direção ao para tático,
68. Conf. ibidetn, p. 243.
m_esmo Ia onde, pela forma gramatical ou construção das poesias, ainda
nao aparece abertamente. 69. Conf. Th. 'V. Adorno, «Drei Studiew zu Hegel" (Três estu-
dos para Heçel), Frankfurt 1963, p. 159 s.

102
103
Hôlderlin, o modelo pindariano não escapa ao ouvido; como da "debilidade" (Blõdiçkeit)
como posição do poeta: "Em meio
paradigma sirva o texto onde a descrição da ilha pobre, com à vida, nada lhe resta senão a existência imóvel, a completa
sua hospitalidade consoladora, na qual o poeta encontra seu refú- passividade que seria a essência da coragem" (Iri die Mitte
gio, provoca de maneira associativa a narração de São João des Lebens versetzt, bleibt ih:m nichts als das reglose Dasein,
que lá se demorava: " .. '. e um eco amoroso I Repete as quei- die vollig,e Passiuitãt, die das Wesen des Mutigen) 72. No pró-
xas do homem. / Assim acolheu / ela outrora o amado de Deus. prio Hólderlin encontra-se uma reflexão que elucida plenamente
/ O vidente, que em feliz juventude tinha / Andado com / O a função poética do processo paratático: "Têm-se inversões das
filho do Altíssimo, inseparável ; pois / '0 Portador-de- Tempes- palavras no período. Maior e mais eficiente, porém, deve, pois,
tades amava a simplicidade / Do discípulo ... " ( ... und liebend ser a inversão dos próprios períodos. A colocação lógica dos
tônt / Es 'wider von den Klaqen des Manns. So pflegte / Sie períodos, onde à base LGrunde ) segue ao devir, o obje-
einst des gottgeliebten, / Des Sehers, der in seliger lungend tivo e ao objetivo o fim, sendo que as frases subordinadas
war / Gegangen mit / dem Sohne des Hbchsten, unzertrennlich, sempre seguem atrás das principais, às quais se referem ime-
denn. / Es liebte der Getoittertraqende die Einfalt / D.es Hi,n- diatamente, com extrema raridade pode ser empregada pelo
gers) 70. poeta" (M an hat Inversionen der W orte in der Periode. Grás-
Contudo, a técnica alinhante de Hólderlin dificilmente pode ser und 'Wirksamer muss aber dann auch die Inversion der
ser deduzida de Píndaro; muito mais tem ela sua condição Perioden selbst sein. Die logische Stellung der Perioden, nuo
numa atitude enraizada do seu espírito. É a sua docilidade. Co- dem Grunde (der Grwnâperiode) das Werden, dem Werden
mentadores antigos 71, filosoficamente ingênuos e ainda não das Ziel, dem Ziele der Ztaeck fo.lgt. und die Nebensátze immer
advertidos pela psicologia, chamaram a atenção para a diferença nu« hinten ang.elUingt sind an die IIaupisiitee, worauf sie sich
entre evolução de Hôlderlin e aquela típica dos outros poetas. A suniichst beziehen, - ist dem Dichter gewiss nur hôchst selien
austeridade do seu destino não resultava de revolta, mas de brauchbar ) 73. Dessa forma Holderlin rejeita a periodicidade
uma demasiada dependência das forças de sua proveniência, e sintática da atitude ciceroniana como sendo inútil à poesia. Tal-
sobretudo da sua família. De fato, isso esclarece muito. Hõlder- vez fosse a sua pedanteria que o repeliu primeiramente. Ela
lin, protestante devoto à autoridade e à máxima, acreditava nos é incompatível com o entusiasmo, com a alucinação divina de
ideais que lhe foram ensinados. Mais tarde, entretanto, teve Phaidros. A motivação dessa consideração de Hólderlin, no
que reparar, que o mundo é diferente das normas que este lhe entanto, provém de mais fatores além da aversão contra o pro-
tinha imp1antado. A obediência a estas normas lhe trouxe o saico . O lema é: "o objetivo" (Zweck). Ela designa a cump1i-
conflito transformando-o em adepto de Rousseau e da Revo- cidade da lógica da consciência ordenadora com aquele Prático,
lução Francesa, afinal em vítima, inconformada, representante que, segundo o verso de Hôlderlin, como "coisa útil" (Brauch-
da .dialética da interiorização na época burguesa. A sublimação bares), agora não se reconcilia mais com o Sagrado cuja cate-
de docilidade primária, porém, para a autonomia é aquela su- goria ele atribui ametaforicamente à poesia. À lógica dos perío-
prema passividade que encontrou seu correlato formal na téc- dos densamente fechados, que necessariamente desembocam nos
nica do alinhamento. A instância à qual Hôlderlin agora se seus complementos, é que convém àquela coação, aquela vio-
sujeita, é a linguagem. Solta, posta em liberdade, ela aparece lência que a poesia deve curar e a que Hõlderlin indubitavel-
à medida da intenção subjetiva, desconcertada, arruinada. O mente se nega. Síntese lingüística contrária ao que ele quer dar
caráter-chave do paratático fica na determinação de Benjamin linguagem. Ele que tinha aderido a Rousseau, agora, como
poeta, deixa de obedecer ao contrato social. Conforme as pala-
70. Holderlin, WW 2, ibid. p. 175.
71. Conf, Marie Joachimi-Dege, Lebensbild, em: H ôlderlins 72. Benjamin, Schriften 11, ibid, p. 399.
Werke, Deutsches Verlagshaus Bong . & Co. Berlin, Leipzig, etc. so- 73. Hôlderlin, « Saemtiiche Werke (Obras completas), edição
bretudo p. XLII s. Insel, p. 761.

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vras textuais daquela reflexão, ele por enquanto, no espírito lética sabe da língua não apenas como de algo exterior e
da dialética, dirigiu-se sintaticamente contra a sintaxe, usando repressivo, 'mas muito mais conhece sua verdade. Sem se exte-
um artifício tradicional: a inversão do período. E assim Hegel, riorizar em linguagem, a intenção subjetiva nem existiria. O
por causa da lógica e 'Sua imanência, a contestou. A revolta sujeito se torna sujeito somente através da linguagem. A crítica
paratática contra a síntese tem seus limites na função 'sintética de linguagem de Hôlderlin por isso se move em direção contrária
da linguagem em geral. A síntese é visada por um outro tipo, ao processo de subjetivação, semelhante ao que poderíamos dizer
a saber, auto-reflexão crítico-lingüística, enquanto a linguagem da música de Beethoven na qual o sujeito compositório
mesmo assim mantém a síntese. Romper a unidade desta signi- se emancipa, quando ela faz soar seu medium historicamente
ficaria a mesma violação que a unidade comete; mas a figura pré-estabelecido, a tonalidade, em vez de negá-Ia apenas por
da unidade é de tal modo modificada por Hêilderlin que não parte da expressão. Hólderlin quis salvar a linguagem do con-
apenas o múltiplo se reflete nela - isso também é possível na formismo, do "uso" CCebrauch ) elevando-a, da liberdade sub-
linguagem sintética tradicional - mas também a própria uni- jetiva, acima do próprio sujeito. O processamento lingüístico
dade indica que ela não 'Se consideraria concluída. Sem unidade, encontra-se junto ao anti-subjetivismo do conteúdo. Revisa a
na linguagem nada existiria senão natura difusa; o reflexo síntese média enganadora por parte do extremo, da própria lin-
sobre isso era a unidade absoluta. Diante disso, em Hêilderlin guagem, corrige a primazia do sujeito como instrumento de tal
se delineia o qtieseria apropriadamente cultura: natura assi- síntese. O processamento de Hêilderlin comprova que o sujeito
milada. É apenas um outro aspecto do mesmo fato que a que se desinterpreta como imediato e último, é em todo caso
linguagem para tática de Hêilderlin se enquadre no a priori da um mediato. Essa modificação do gesto lingüístico, que tem
forma: meio de estilo. Mediante a técnica retórica o poeta teve conseqüências imprevisíveis, requer um entendimento polêmico,
que observar - sem que 'Suas reflexões sobre esse assunto este- não ontológico; não no 'Sentido de que a linguagem em si,
jam nos tradicionados - quanto ela disfarça, quão pouco confirmada no sacrifício da intenção subjetiva, sempre se
muda na coerção lógica que ocorre à expressão do fato; até achasse além do sujeito. Cortando os laços com o sujeito, a
mesmo que a inversão, favorita da poesia erudita, intensifica a linguagem fala em lugar do sujeito que, por si próprio, não é
violência contra a linguagem. Isto provocou, seja na intenção mais capaz de falar. Hôlderlin talvez fosse o primeiro cuja
de Hêilderlin, seja apenas devido ao fato objetivo, o sacrifício arte adivinhou isso. É claro, que na linguagem poética, que não
do período até um ponto extremo. Este substitui, poeticamente, se pode desprender totalmente da sua relação com a linguagem
aquele do próprio sujeito legislador. Com ele, o movimento empírica, um tal Em-Si (An sich.) não pode ser produzido por
poético em Hêilderlin pela primeira vez abala a categoria do pura veleidade subjetiva. Daí, por um lado, a dependência do
sentido. Pois este se constitui pela expressão lingüística de .empreendimento hõlderliniano da formação grega em todos os
unidade sintética. Com o sujeito legislador, sua intenção, o casos, onde a linguagem dele quer se tornar natureza; por outro
primado do sentido, é entregue à linguagem. Seu duplo caráter lado, o momento da desintegr:ação, na qual se manifesta a ina-
se revela na poesia hêilderliniana. Em sua qualidade conceitual tingibilidade do ideal lingüístico. O que é romântico na ação de
e predicativa, a língua se opõe à expressão 'Subjetiva, nivela Hêilderlin é o seu objetivismo, isto é, fazer falar a própria
- devido à sua universalidade - o fato a ser expresso para linguagem. Este impõe ao poético o estético e exclui categori-
um previamente já dado e conhecido. É contra isto que os camente sua interpretação como de um imediato, como da lenda
poetas se revoltam. Sem ceder, eles querem incorporar à língua, suposta. A linguagem desprovida de intenção de Hôlderlin, cujo
indo até a sua própria aniquilação, o sujeito e sua expressão. "rochedo nu... já aparece em toda parte" Cnacêter Fels ...
Um pouco dessa atitude sem dúvida inspirou também Hôlderlin schon ,überall an den T,(JJg tritt) 74 é um ideal, o ideal da lin-
enquanto este resistiu à convenção lingüística. Mas isso nele se
funde com a antítese ao ideal expressivo. Sua experiência dia- 74. Walter Benjamin, U Deutsche Menschen.", Eine Folge von
Briefen, Frankfurt 1962, p. 41.
106
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guagem revelada. É apenas em relação ao ideal que sua poesia o congestionasse em sentido contrário. A estrofe termina assim
se relaciona com a teologia, ela não a sugere. A distância diante irremediavelmente após oito linhas, como se 'se tivesse realizado
dela é o que é eminentemente moderno em Hõlderlin. O Hólder- um circuito de forma, o qual não existe. O que existe, pelo
lin dealista inicia aquele processo que desemboca nas frases menos de uma maneira aproximada, é um circuito de idéia, mas
vazias de protocolo de Beckett. Isto nos permite hoje em dia cabe ao sentimento artístico decidir se este é capaz de consti-
compreender Hôlderlin em escalas incomparavelmente mais tuir por si uma estrofe ou se aqui não deveria entrar em cena
amplas que outrora. aquele sutil "quase" que exige 'Semelhança e não igualdade"
(Der reimlose Vers ist behasuielt, als stáujte und diimmt.e ihn
. O relacionamento mais profundo com o processo paratá-
der heiliqe R.eimzwang nach ruclnoiirts auf. Die Strophe schliesst
tico possuem as correspondências hôlderlinianas, aquelas súbi-
so unweigerlich nach acht Zeilen, ais hâtte ein Umlau! der Form
tas relações de teatros e figuras antigas e moderna-s. Também
sick e.r!üllt, der nicht da ist ; nuas da; ist, mindestens mehroder
a atenção de Beissner foi atraída pela tendência de Hôlderlin
nueniqer, ist ein Umlou] des Gedankens, aber es ist Sache des
em confundir as épocas, ligar coisas afastadas e isoladas· o
k.ünstlerischen Geftiihls, Z~~ entscheiden, ob er imstande ist, für
p~incípio, oposto ao discursivo, de tais associações, lembr~ o
sich Strophe zu konstituieren oder ob nicht gerade hier das feine
alinhamento de membros gramaticais. Ambas as coisas a poesia
Ungefiih.r eintreten miisste, das au] AhnlicMeit, nicht Glei-
arrancou da zona de loucura na qual a fuga dos pensamentos
chheit dringt) 75. A reflexão sobre esta carência bem poderia
cresce iguaimente com a disposição de muitos esauizofrênicos
ajudar na apuração do caráter fragmentário dos grandes hinos:
que consideram toda coisa real como sinal de uma "coisa escon-
seriam assim constitutivamente inacabáveis. O método hôlder-
dida, carregando-a de significado. Nesse sentido tende o con-
teúdo objetivo, sem levar em conta os fatos clínicos: Na visão liniano não pode escapar a antinomias enquanto ele parte, em
de Hõlderlin os nomes históricos são alegorias do absoluto, que sua propriedade como atentado à obra harmônica, da sua pró-
não se esgota em nenhum deles; talvez já quando a paz de Lu- pria substância antinômica i6. Uma crítica a Holderlin, no
sentido de uma crítica ao conteúdo verídico dos hinos, deveria
neville se tornou para ele manifestação de algo que transcende
primeiro apurar a sua possibilidade histórico-filosófica e, com
as suas condições históricas. Do mesmo modo, a linguagem
isso, aquela da teologia concebida por Hôlderlin. Tal crítica
de Hôlderlin aproxima-se da loucura em conseqüência de uma
não seria transcendente à poesia. As investidas estéticas, da
série de atentados que ela comete contra a linguagem falada
divisão quase-quantitativa das estrofes das grandes elegias até
assim como contra o alto estilo do classicismo alemão o qual -
as construções triádicas são testemunhas de uma impossibili-
até nas obras mais imponentes do velho Goethe - manteve sua
dade no mais íntimo. Já que a utopia hólderliniana nem é
u~ião ~0~1 a palavra comunicativa. Também na forma a utopia
hôlderliniana tem que pagar seu tributo. Caso seja correta a 75. Rudolf Borchardts Schriften, Prosa I, Berlin 1920, p. 143.
tese de Beissner sobre a estrutura inteiramente triádica dos 76. Para demonstra!" em que medida o proceder de Hõlderlin re-
últim?s hinos - a disposição em estrofes das grandes elegias ·sulta de um conflito objetivo, é sintomático o fato de que ele sempre
volta a trabalhar - fascinado pela generosidade géstica das partículas
anteriores fala em favor dos princípios formais deste tipo - gregas -' com formas pseudo-lógicas, Como se fossem obrigadas a
então Hôlderlin já teria lidado com a dificuldade ultramoderna -cumprir um dever memorizado, elas aparentam síntese onde o alinha-
que visa a· construções articuladas, renunciando a esquemas pre- 'mento nega a lógica: assim o emprego da partícula « denn" (pois) na
elegia (ó Tceolicb geh ich heraus ", A riqueza das formas, a qual Hól-
viamente dados. O princípio de construção triádica porém seria, .derlin aprendeu da antiguidade e que sobrevive nas estruturas paratá-
no decorrer da poesia, incompatível com seu conteúdo isto é ticas, funciona como instância oposta à parataxe; para os psiquiatras
imposto sobre ele. Além disso teria contrariado a seqüência 'significa um fenômeno de restituição. Ela desapareceu das poesias da
época da própria locura. Quem quisesse deduzir a loucura de Hôlder-
dos versos. A crítica feita por Rudolf Borchardt às estrofes lin da sua arte como Groddeck quis deduzir a surdez de Beethoven da
forma~as de versos brancos, porém construí das regularmente, sua música, talvez possa errar etiologicamente, porém também pode des-
no S étimo Anel de George, já atingiria o. artista Holderlin : "O cobrir mais da substância do que a subalterna certeza clínica possa
verso arrimático é tratado como se a sagrada coerção rimática conseguir.

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'Signos trigonométricos 79 convirjam com os nomes: a diss -
substancial no sentido hegeliano nem potencial concreto da rea-
ciação em direção a estes representa a tendência íntima da
lidade dentro do espírito objetivo da época, Hôlderlin deve
parataxe hôlderliniana,
objetivá-la através do princípio de estilização. A contradição
~omo com as correspondências, o princípio da forma para-
desta frente à própria figura poética torna-se-lhe deficiência.
tática -um anti-principio - é ao todo comensurável com o
Prototipamente, à hínica ocorreu o que cem anos mais tarde
conteúdo concreto da lírica tardia de Holderlin. Circunscreve a
se manifestou fatal ao "Jugendstil" como credo artístico. Muito
esfera da coincidência de conteúdo e forma, de sua determinada
mais enfática, todavia, a exigência de objetividade lírica de
unidade na substância. De acordo com o conteúdo, síntese ou
Hõlderlin : quanto mais ele se afasta dá lírica de expressão
identidade significa tanto quanto dominação da natureza.
subjetiva, devido à sua caducidade, tanto mais dolorosa torna-se
Quando todo poema, mediante seus próprios meios, levanta
sua obra pela contradição à sua possibilidade, contradição esta
protesto contra aquela, o protesto em Holderlin desperta para
entre a objetividade que espera da linguagem e a recusa por
a auto-consciência. Já na ode A Natureza e a Arte (" Natur
parte da fibra poética de concedê-Ia em toda plenitude . O que
und K unst") toma-se partido em favor da natureza derrubada,
entretanto a linguagem de Hõlderlin perde em intenções ao
contra o reino do logos. Dirige-se a Zeus:
abandonar o sujeito, retoma no sentido das correspondências.
Seu pathos, isto é, aquele da objetivação do nome, aparece in- "Para o abismo, dizem os poetas,
comensurável: "Como o ar da manhã, são, pois, os nomes I O sagrado Pai, o teu próprio, outrora
desde Cristo. Tornam-se sonhos" (Wie M orgenluft sind nõm- Desterraste e que lá embaixo se lamenta,
lich die Namen I Seit Christus. Werden Triiume} 77. O qui- Onde os Indômitos com justiça estão antes de ti,
proquó greco-alemão, o qual, aliás, tem uma certa analogia no Inocente o deus da idade de ouro, já há muito:
ato de Helena, tira a Grécia canônica do mundo das idéias, con- Outrora sem esforço e maior do que tu, embora
t:ariando a estética idealista. Toda aquela época, que se entu- Não tenha ditado nenhum mandamento
siasmava pela luta dos gregos pela liberdade, deve ter ambicio- E nenhum dos mortais o designasse por nome.
nado isto. Ela parecia poder arrancar uma última vez o para baixo, pois! ou não te envergonhas da gratidão!
Hôlderlin caduco da sua letargia. Poder-se-ia constituir todo E se queres ficar, serve ao mais velho
um atlas da geografia alegórica de Hôlderlin, incluindo todas E permite-lhe antes de todos,
a~ c~rrespondências locais na Alemanha do Sul. Nas correspon- Deuses e homens, que o poeta diga o seu nome".
dências afastadas do controle racional, Hôlderlin esperava Ü"
(Dock in d.en Abçrwnd, saqen die Siinqer sich,
elemento salvador . O nome sozinho, em Hôlderlin, tem poder-
H absi du den heilgen Vater, den eiqnen, einst
sobre o amorfo que ele teme. Neste sentido suas para taxes e·
Verunesen und es [ammre drunten,
correspondências representam uma contra-partida das regres-
Da, wo die Wilden vor dir mit Recht sind,
sões com a:s quais elas tanto convergem. O próprio conceito,
Schuldlos der Gott der qoldenen Zeit schon liingst:
para ele se transforma em nome. Em "Patmos", ambas as coi-
Einst muhelos, und g.rosser, ssne du, wenn schon
sas não são distintas, empregam-se sinonimamente: "Pois sem'
Er kem Gebot ausspracb und ihn der
conceito é a ira do mundo, imensamente" (Denn begrifflos ist!
Sterblichen keiner mit Namen nannte.·
das Ziirnen. der Welt, namlos) 78. A autonomização dos abstrac-
Herab dennl oder schâme des Danks dich nicht!
ta, parecida à doutrina hegeliana da restituição da espontanei-
Und willst du bleiben, diene dem Âlteren,
dade em cada grau da mediação dialética, faz com que os con-
Und gonn es ihm, dass ihn vor allen,
ceitos, construídos, segundo as palavras de Benjamin, como,
Gõttern und M enschen, der Sdnger nenne !80
79. Conf. Walter Benjamin, Deuische Menschew", ibid. p. ,41.
77. Holderlin, WW 2, ibid. p. 190.
80. Holder lin, WW 2, ibid. p. 38.
78. ibid. em. p. 195.
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Nessas estrofes, que não escondem sua procedência da lí- a medida do seu consentimento com o cristianismo. O começo
rica idealista de Shiller, respeita-se em atitude iluminista mas da terceira versão da "M nemosyne", talvez o texto mais impor-
com simpatia aberta para com os tempos dourados, o limite tante para o deciframento filosófico de Hôlderlin, alinha as
contra o romanticismo matriarcal. O domínio do logos não é seguintes sentenças: "Porém maus são / Os caminhos. Pois
negado abstratamente, mas muito mais reconhecido em sua desviantes, / Como cavalos, vão as elementos / cativos e as
rela,5ão com aquilo que por ele foi derrubado. A própria dorni- velhas / Leis da terra. E sempre caminha para o ilimitado uma
n~çao da natureza como parte da natureza, com visão à hwma- saudade" (Abe,r bos sind / die Pfade. Niimlich. wnrechi, / Wie
nuas que somente através da força se desprendeu do amorfo Rosse, gehn die gefangenen / EIementund alten / Gesetze
ao selvagem, enquanto na violência se transmite o amorfo: ' der Erd. Und immer / Ins Unqebwndene gehet eine Sehnsucht)
84. Segue: "Muitas coisas porém / há para se guardar" (Vieíes
"Pois, como das nuvens o teu raio, assim vem ele abert ist / Zu behaiten), a legitimação do poeta como a da
O que é teu, olha! Dá dele testemunho pessoa que recorda, parece, conforme isso, valer igualmente
O que tu ordenas, e da paz de Saturno para o oprimido ao qual se deve manter fiel. A estrofe finda
Cresceu todo o poder." com os versos: "Mas para a frente e para trás não queremos
nós / Ver. Deixamo-nos embalar, como / Em batel baloiçante no
tDenn wie aus dem Gewolke dein Blitz, so kõmm» mar" (Worukirts aber und riickwiirts suollen wir / Nicht sehn.
V on ihnn, soas dein ist, siehe! so zeugt uor: ihsn, Uns noieçen lassen, wie / Auf schwankem Kahne der See.) 85
W as du qebeutst, und aus Saturnus Não para a frente: sob a lei do presente - em Hólderlin, a
Frieden ist jegIiche M acht eruxichsen.) 81 da poesia - com um tabu contra a utopia abstrata, no qual
ainda vive a proscrição teológica das imagens que Hólderlin
partilha com Hegel e Marx. Não para trás: pela irrevogabili-
Do ponto de vista filosófico, a Anamnesis da natureza
dade do que foi uma vez derrubado, pelo ponto crucial entre
rep:;i~ida, na qual Hõlderlin já deseja segregar o 'Selvagem do
poesia, história .e ideal. A resolução afinal, expressa em ana-
pacífico, representa a consciência de inautenticidade que so-
coluto e estranha inversão: " Deixamo-nos embalar, como /
brepuja a obrigação de identidade do logos. A terceira versão
do poema Conciliante, tu já não crido (((V ersõbnender der du Em 'batel baloiçante no mar" ( Uns wiegen lassen, wie / Auf
nimmer qeqlaubi") apresenta os seguintes versos: "Pois só à schwankem Kahne der See) parece um propósito de escapar à
síntese, de se confiar à pura passividade para realizar plena-
maneira humana, jamais / Estão conosco familiarizadas aquelas
mente o presente. Pois toda síntese - Kant soube disso melhor
forças estranhas, / E o astro te ensina, que te está / diante
do que ninguém - ocorre contra o puro presente, como relação
dos olhos, pois nunca te podes igualar" /Denn nur auf mensch-
liche Weise, nimmermehr / Sind. jene mit uns) die [remdeni ao passado e ao futuro, aquele para a frente e para trás que é
Krãite, uertraut / Und es lehret das Gestirn dich, das / Vor submetido ao tabu de Hôlderlin.
Augen dir ist, denn nimmer kannst du ihm gleichen) &2. Por O lema de não olhar para trás se dirige contra a quimera
"terra virgem" Cwnçebwndenen Boden) que aparece nos esboços da origem, contra os recursos a elementos. Benjamin, na sua
de Patmos 83 dificilmente pode-se entender outra coisa a não juventude, tocou nisso, embora naquele tempo a filosofia lhe
ser a natureza não oprimida para a qual emigra a clemência de parecesse ainda possível como sistema 86. O programa de um
São João. A própria dominação de natureza aproxima-se, no
mundo de imagens hôlderliniano, do Pecado Original; é esta 84. lbid. p. 206.
85. ~bid.
81. lbid. 86. Conf. Walter Benjamin, "Ueber das Programm der kornmen-
82. lbid. p. 142. den Philosophie" (Sobre o programa da filosofia vindoura), em: Zeug-
83. llbid. p. 189. nisse, Frankfurt, 1963, p. 33 55.

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método na Apresentação do Poetisado (U Darstellung des Gedich-
teten") obviamente inspirado pelo estudo de Hôlderlin, diz sobre d Heidegger não representa nem um princípio de forma poé-
a filosofia: "Não pode ser tarefa dela a comprovação dos assim ti~o nem aco~odação à doutrina filosófica. Ela é uma estrut~~a
chamados elementos últimos" (Jhr kann es nicht um den dialética de forma e conteúdo. A dialética imanente do Hõl-
Nachaoeis sogennanter letzter Elemente zu tun sein) 87. Dessa derlin tardio representa, como no Hegel que an:a~urece em
forma, foi espontaneamente ao encontro da complexidade dia- direção à fenomeologia, uma crítica tanto ao sujeito 9-uanto
lética da substância da poesia hi:ilderliniana.' Ele traduz para o ao mundo endurecido, não sem razão, contra aquele tipo de
método de interpretação estética a crítica hi:ilderliniana em rela- lírica subjetiva que, desde o jovem Goet?e. se torno? norma e
ção ao primeiro, à ênfase na mediação, que inclui seu abandono entrementes se coisificou. Reflexão subjetiva tambem ne~a. o
ao princípio dominante da natureza. O fato de que, como na falho e contingência do ser singular, o que ~ ~~o poeti:o
lógica de Hegel, identidade deveria apenas ser imaginada como carrega consigo. Para os hinos ta~di?s, a subJet1Vldad~ nao
.identidade do não-idêntico, como "penetração" CDwrchdrin- representa nem o absoluto nem o último, Aqu:la estaria pe-
gung) , concorda com a poesia tardia de Hôlderlin enquanto cando onde se pretende como tal já. que ela, l~anentement:,
esta não opõe - por negação abstrata - ao princípio domi- se acha obrigada à auto-dissoluçã?. E1S a ~o~struçao da Hyb,rt~
nante o dominado, em si caótico, como salvação. Hi:ilderlin em Hõlderlin. Provém do ciclo mitico das idéias que se ref:re ~
espera liberdade apenas através do princípio sintético, da sua igualdade de crime e penitência, mas, P?r outro la~o, aSP.lra a
auto-reflexão. No mesmo espírito, já o capítulo das antinornias desmitificação enquanto reencontra o .mlt~ na auto-idolatria ,?O
de Kant, onde pela primeira vez se comenta a liberdade na Sua homem. Versos da Fonte do Damúbio ( Quell der D~nau ),
oposição ao reino das regra:s universais, tinha ensinado que a que talvez sejam uma varia~ão dos famosos versos de Sofoc~es,
independência das leis da natureza seria "em verdade uma referem-se a isto: "Pois multo consegue o homem, ! E as on as
libertação da necessidade, mas ao mesmo tempo também da e as rochas e a força do fogo também / Ele domina coI? arte,
diretriz de todas as regras" Cmuar eine B efreiung vom Z\wan- E, de alma intrépida, não teme / A espada, mas an~e o ;;lvmo /
ge, aber auch uom. Leiftadenalle,r Regeln) 88, uma conquista O forte fica abatido, / E quase se iguala ao animal (Denn
bastante duvidosa, portanto. Do princípio de tal liberdade, de- meles vermag / Und die Flut und den Fels und Feuersçetoalt
signado na antítese da terceira antinomia como "fanta:smagoria",. auch / Bezwingt mit Kunst der Mensck / Und achiet, .. d~r
(Bledwerk) declara que seria tão cego como as ordens impostas Hochgesinnte, das Schnueri / Nichi, aber es ste~t / Vor G~~~
somente de fora. A era pós-kantiana não abandonou a posição chem der Starke niedergeschlagen, / Und !!les,c~et demo S J

dupla frente à natureza. A especulação não manifestou ten- ast.) 90. Decerto, "animal" (Wild) em pnnClplO expnme a
dências ao Inequívoco, nem à justificação absoluta da natureza fmpotência do indivíduo diante do absoluto ~ue se realiza atra-
nem à do espírito; ambas as coisas lhe 'São suspeitas como prin- vés da 'Sua queda; a associação com selvagena, no ent~nto, q~e
cípio que requer uma conclusão, A tensão dos dois momentos, poeticamente traz consigo, é ao mesmo tempo predicado ,o
não a tese, é o elemento vital da obra hi:ilderliniana. Mesmo - poder daquela "alma intrépida" que vence a natureza atraves
quando tende. à doutrina, ele se resguarda daquilo que Hegel d t e "não teme a espada" - em outras palavras, como o
aare "dA'
ainda tinha repreendido em Fichte, a pura" sentença" (Spruch). próprio herói guerreiro. O final fragmentano e ssrm co~o
A estrutura dialética dos hinos, observada por críticos filoló- d ·
em ~a san o 't ("rIT;e
VI' , wenn am Feicrtage") parece
.' ser concebido
gicos como Beissner, 89 porém incompatíveis com as exposições 'tl'do O noeta tendo-se aproximado para
no mesm O sen . C' , d avistar
"
os deuses, por isso se transform~ em, '.'falso sace,r ote e
87. Walter Benjamin, Schrijten. u, ibid, p. 378
sua verdade absoluta, em verdade lllvendl:a,.e ele ;, lançad~
88. Kant, a Kritik der reinen V'ernunjt " (Crítica da razão' pura), nas trevas, seu canto convertido em advertência dos aprendi-
edição Valentiner, Leipzig 1913, p. 405.' , ,
89. Conf. Holdeilin. WW 2, p, 439,
90. Ibid. p, 131.
114
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zes" cuja arte domina a natureza 91, Anamnesis do protesto da palco do salto dialético. Pois a própria desmitologização nada
arte contra a racionalidade. A punição pela H yb,ris é a revo- mais é do que auto-reflexão do logos solar, que ajuda a natu-
gação da síntese do próprio movimento do espírito. Hôlderlin reza oprimida a voltar, enquanto ela se unificava com a natu-
co~dena o sacrifício como historicamente ultrapassado e mesmo reza opressora nos mitos. Do mito apenas liberta o que o Seu
assim condena ao sacrifício o espírito que sempre sacrifica o lhe concede. O reestabelecimento daquilo de que, segundo a
que a ele não se iguala. tese romântica mitologizante, foi culpada a reflexão, deve su-
.. A ~íntese ~ra o lema do idealismo. A opinião reinante põe ceder, conforme a antítese hôlderliniana, através da reflexão
H?~derlm em simples oposição a este, apelando para a camada no sentido estrito, ou seja, que o oprimido, aceito na consciên-
mitica da sua obra. Entretanto, a crítica da síntese, através de cia, seja lembrado. Os seguintes versos de Patmos deveriam
que Holde:-lin. se d!stancia do idealismo, ao mesmo tempo o legitimar bem concisamente a interpretação filosófica de Hól-
afasta do âmbito mitico, A estrofe da ceia em Patmos ousa a derlin : ". .. mas o Pai, / Que a todos governa, ama / Acima
desesperada afirmação da morte de Cristo como a de um serni- de tudo o culto cuidadoso / Da letra firme e que bem se inter-
deus; "Pois tudo é bom. A seguir morreu. Muito haveria / A prete / O que existe" ( ... der Vater abert liebt, / Der über
contar disto" (Denn alies ist gut. Drau] starb er. Vieles rware ailen walt.et, f Am meisten, dass g,epfleget nuerde / Der teste
/ Zu saçen davon) 92. A afirmação seca e resumida "Pois tudo Buchsiab, und Bestehendes ,qut / Gedeutet) 95. Após sentenças
é bo~" (n.en~ alles ist gut) representa, através de tal redução, de Assim como em dia santo (Wie wenn am Feiertaçe"} o
a qumtesséncía desconsoladora do idealismo. 'Ele espera poder sacrifício é substituido : "E por isso bebem fogo celeste agora /
proscrever a incomensurável figura estranha do mero Dasein Os filhos da terra sem perigo" (Und daher trinken himmlis-
atribulado, "a ~ólera do mundo" (Z.ürnen der Welt) equipa- ches Feuer [etet / Di.e Erdensôhne ohne Gefahr) 96. A despe-
rando sua totalidade - "tudo" (alies) - ao espírito ao qual dida do conteúdo meta físico de Hôlderlin do mito realiza-se
ela permanece incomensurável. A doutrina em que a essência em consentimento objetivo com o ilurninismo : Os poetas pre-
da atribulação seria seu próprio sentido, culmina no sacrifício. cisam também / Ser espirituais e mundanos". (Die' Dichter
A simbiose do cristão e do grego na lírica tardia de Hôlderlin müssen auch / Die geistigen ~weltlich sein) 97. Esta é a plena
está sob o seu signo; enquanto Hegel secularizou o cristianismo conseqüência final da súbita il1termitênci~: ".Mas ,,:ão I;>0~e
para a idéia, Hôlderlin o recolocou para a religião mítica do ser" (Das geht aber / Nicht). 98 A experiencia da irrestitui-
sacrifício. A última estrofe de Patmos se faz o seu oráculo.: bilidade daquilo que foi perdido, que apenas como perdido se
"~ois cad~ um dos deuses quer sacrifícios / Mas quando algum reveste com a aura de sentido absoluto, torna-se a única indi-
fOI esquecido, / Nada de bom resultou daí". (Denn Opfer twiU cação sobre o verdadeiro, o conciliado, a paz como um estado
de~ Himmlischen [edes, / Wenn aber eines uersiiumt suard, ) sobre o qual o mito, o velho não-verdadeiro, perdeu seu poder.
N~e. hat es Gutes gebracht.) 93 Mas aqui seguem versos os O Cristo ocupa este lugar em Hôlderlin : "Por isso, ó divino,
quars, de modo algum por acaso, parecem antecipar não apenas sê presente / E mais belo que outrora / O conciliante, deixa
a doutrina, de Schelling das "Idades do Mundo" (W eltalter), agora conciliar-te, para que à tardinha, / Com os am~gos diga~
mas tambem a de Bachofen : "Nós prestamos culto à Mãe- mos teu nome, e cantemos / Os altos deuses, e que Junto a tí
Terra / E adoramos há pouco a luz do sol, / Inconscientes" ainda outros estejam" (Dorum, o Gottlicher ! sei gegewwartig,
(Wir haben gedienet der Mutter Erd / Und habe« jüngst dem / Und schoner, 'WÍe sonst, o sei, / V'ersôhmender, nun oersohsi«,
Sonnenlichte gedient, / Umoissend ) 94. Estes versos são o dass ~wir des Abends / Mit den Freuden dich nenmen, und sin-

91. Conf. ibid, p. 124. 95. Ibid.


92. Ibià. p. 176. 96. Ibid. p. 124.
93. Ibid. p, 180.. 97. Ibid. p. 164.
94. Ibid. 98. Ibid. p. 190.

116 117
dente mostra indubitavelmente que o gênio é a ~e~lexão. ,~le
gen / Von den Hohen, und neben dir noch andere s.ei'n) 99.
é o espírito do canto em oposição àquele do domlm~; espírito
Isso invoca, não apenas através do: "Mais belo que outrora"
que a si mesmo abre como natureza em vez de p:ende-Ia, e por
(schõner, zoie sonst) a face sempre enganadora do pré-mundo.
isso "respirando paz" (friedenatmend). Aberto, Igual ao c:xpe-
Sendo o filho unigênito do Deus dos teólogos não mais um
rimentado, é também o gênio.: "Pois desde que a poesia se
princípio absoluto, mas "que junto a ti ainda outros estejam"
libertou dos lábios / Mortais, exalando paz, e o nosso canto,
Ineben dir noch andere sei'n ), abandona-se o domínio mítico
/ Benfazejo na dor e na fortuna, alegrou / O coração dos ho-
'sobre os mitos, a forma idealista do único sobre o múltiplo.
mens, também nós, / Cantores do povo, gostamos ~e estar entre
Conciliação do único com o múltiplo. Isto é a paz: "E assim
os viventes ! Onde muitos se reúne~ alegres, amigos de cad~
também tu, / E concede-nos, a nós, filhos da terra amante, /
/ Abertos a cada um" (Denn, seitdem. der Gesang sterbli-
Que, quantas festas se têm / Apresentado, nós as festejemos um â izn L eid
chen Lippen sich / Friedenatmend entaoand, frommen
todas e não / Contemos os deuses, Um está sempre por todos",
und Gbück / Unsre Weise der M enschen / Herz erjreute, so
i Und so auck du / Und gonn~st uns,den Sõhnen der liebenden
nuare« auch / ,Wir, die Sang,err des Volks, qerne bei Lebenden, /
Erde, / dass ~wir, so viel he,rangewachsen / Der Feste sind, sie
w'o sich uieles qesellt, fr.eudig und jedem; ~old, / Jedem.offen~
alle [eiern -und nicht / Die Gõtte» eãhlen, Einer ist immer j!Ü1'
103. O limiar de Hi::ilderlin contra mitica e ron:antIsmo e
alle ) 100. O que é conciliado não é cristianismo e antiO'uidade'
'igualmente a reflexão. Aquele que, aind~ ~m consentlI~ent~ ~m
o cristianismo é historicamente condenado, assim com; a anti~
o espírito do seu tempo, a responsablhzo~ pel~ dlss~ctaça?,
guidade como algo interior e impotente. Muito mais, a conci-
confiou em seu ôrqanon, a palavra. Em Hôlderlin, a ftl.o~of!a
liação deve ser aquela entre interior e exterior, ou seja, expres-
da história se reverte, ela que pensava a origem e a conciliação
so em linguagem idealista, aquela entre gênio e natureza.
em simples oposição à reflexão como estado da completa peca-
Gênio, porém, é espírito enquanto, através de auto-reflexão, mino sida de : "Assim é o homem; quando há felicidade e um
se auto-determina como natureza; o momento conciliador, que deus mesmo cuida dele com prendas / Ele não reconhece nem
não se esgota em dominação da natureza, mas expira após a
vê isto. / Ele tem que suportar, primeiro; agora então ele o
libertação do fascínio dessa dominação, fascínio este que tam-
chama o seu querido, / Então, agora, para este deve~ se formar
bém paraliza o dominador. Seria a consciência do objeto não-
palavras como flores" (S o ist der M ~nsch; 'U.!e.,:n.das ist das Gut,
idêntico. O mundo do gênio é, segundo a expressão favorita und es sorget mit Gaben / Selber em Gott fur ihm, kennet und
de H61derlin, o Aberto, e como tal, o Familiar, o não porme- siehet er es nicht. / Traqen muss er, zuvor; nun ~ber nenmt
norizadamente preparado e por isso alienado: "Assim vem! er sein Liebstes, / Nun, mcn. miissen daflÍtr ~ o:rte, mne Blum~n,
Olhemos o aberto, / Procuremos um próprio, tão 10nO'e ele se entstehn.) 104. Nunca o obscurantismo ~oi. rej elt;;do "d: m~neIra
encontra " (So komm! dass 'wir das Offene schauen, b / Dass mais altiva. Porém, se o gênio em Timidee ( Blo~z~kezt) se
ein Eiçenes wir suchen, so tueit es auch ist) 101. Naquele "pró- chama "Bar", é aquele nu e desprevenido que o distingue do
prio" (Eigenes) abriga-se o "estar-junto" (rrDabeisein
JJ
) hege-
espírito dominante. É a signatura h6~derliniana do P?et~,;
liano do sujeito, do c1areante; não é uma pátria originária. O "Avança, pois, inerme através / Da VIda, e nada receies:
gênio é invocado na terceira versão do Coragem do Poeta (Drum, so wandle nun nuehrlos / Fort durchs L~?en, .und
c: Dichtermuts
JJ
), Timidez (" Blodig'keit
JJ
): "Avança, pois, iner- fÜ1'chte nichts t} 105. Se Benjamin reconhece~ em Holderhn a
me através / Da vida, e nada receies". (Drum, mein Genius! passividade com o "o princípio orie?tal, místico, e" venc:dor de
tritt nur / Bar ins Leben, und sorge nicht) 102. A versão prece- fronteiras" (das orientalische, mystzche, Grenzen 'ube11wmdende
99. lbid. p. 136.
100. Ibid, p. 136 s. 103. lbid. p. 68.
101. Ibid, p, 95. 104. llbid. p. 97.
102. lbid. p. 70. 105. Ibid, p. 68.

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Prir:zip? 106, em oposição ao "princípio formador grego" Friedenslauten) . O que seria diferente se chama paz, a conci-
(gnechzschen gestaltenden Prinzip) 107 - e a imagem que Hôl- liação, que por sua vez não aniquila o éon da violência, mas o
derlin tem da Grécia, já no Arquipélago possui teor oriental salva como desvanecente, na amnésia do eco. Pois conciliação,
col?rida. d.e modo anti-classicista, embriagada de palavras COrh~ na qual termina o fascínio da natureza, não se acha acima dela
ÁSIa, J orna, Mundo das Ilhas - então este princípio místico como algo essencialmente diferente que, devido a seu ser diferen-
tende ao pacifismo. Só ela conduz - como se lê no final da te, só poderia ser mais uma vez domínio sobre a natureza e, atra-
exposição benjaminiana - "não para o mito mas vés da opressão, participaria da maldição deste. O que põe
nas maiores c:-iações - para as interligações mític~s as quais, termo ao estado da natureza lhe é mediado, não através de um
nas, ~a ,~rte,. sao moldadas para uma única figura amitológica e terceiro termo entre ambos, mas na própria natureza. O gênio
amI::ca (mchtauf den Mythos, sondern - in den grõssten que separa o ciclo de domínio e natureza se assemelha a esta,
~choPfungen - nur auf die mythischen Verbundenheiten, die tendo com ela aquela afinidade sem a qual, conforme Platão, a
am Kunsflwerk zu einziger unmythologischer und unmythis- experiência do outro não é possível. Essa dialética se sedimentou
cher ... Gestalt qeformt sind) 108. A versão final da Resta da na Festa da Paz (" Friedensieier" ) onde ela é designada e ao
!
Paz F~iede~sfeier)" S?
reencontrada em 1954, confirma que a mesmo tempo destacada da H ybris da razão dominadora da
tendência místíco-utópica não é imputada ao Hôlderlin tardio' natureza que se identifica com seu objetivo e através disso o
nas versões precedentes a interpretação anti-mitolózicn e a cor- submete a si: "Do divino, porém, nós recebemos / Muito, no
respondência com Regel tinham seu sustentáculo. ~O hino une entanto. A chama nas mãos / Nos foi dada, e margens e cor-
aos motivos místicos o motivo central: o messiânico, a parusie rente marinha. / Muito mais do que de maneira humana / Nos
daquele, que ~ão é ."nã,o-anunciado". Ele é esperado, pertence são elas familiares, essas forças estranhas. / E o astro te ensina
ao futuro, pOIS o mito e o que foi como o sempre-igual, e dele que / Te está ante os olhos, mas nunca te podes igualar a ele"
pr?:,êm os "dias da inocência" CTaçe der Unschuld). A camada tD«s Gõttlichen aber empfingen wir / Doch viel. Es ward die
mitica aparece numa simbolização do trovão. "Isto é eles Flamme uns / ln die Hásuie gegeben, und Ufer und Meers-
ouvem a obra, / Que há muito vinha se preparando, do nascente flut. / Viel mehr, dewn vnenschlicher Weise / Sind [ene mit
ao poente, só agora, / Pois imensamente ruge, perdendo-se nas uns, die [remden Krãjte, vertrauet. / Und es lehret Gestirn
;prof~ndezas,. / O eco do trovão, a tempestade milenária, / Para 'dich, das / V or Augen dir ist, dock nimmer kannst du ihm
dormir vencida por sons de paz. / Mas vós, tornados caros· ó gleichen) 110. Como sinal da reconciliação do gênio, porém,
dias da inocência, / Vós trazeis também hoje a festa ó q~e- consta que lhe é concedida, a ele não mais obstinado em si,
ridos!" (Das ist, sie hõren das Werk, / Liingst vorb~,reitend, mortalidade em troca da má imortalidade mítica: "Assim passe
von M orgen nach Abend, jetzt erst, / Denn unermesslich. braust quando chegar o tempo / E se ao espírito não falta seu direito,
in der Tiefe uerhailend. / Des Donnerers Echo das tausend:' assim morra / Um dia na verdade da vida. A nossa alegria,
jiihrige Wetter, / z«schlafen, idrertoni von Fridenslauten uma morte contudo bela" (So vergehe denn auch, w,enn es die
hinunte,r: / lhr aber, teuergerwordne, o ihr Tage der Unschuld: Zeit einst ist / Und dem Geiste sein Recht nirgend gebricht, so
/lhr b.nngt auch heute das Fest, ihr Lieben!) 109. Mediante um sterb / Einst im. Ernste des Lebens / Unsre Freude, doch
arco imponente, a idade solar de Zeus, como domínio sobre a schõnen Todt) 111 • O gênio porém também é natureza. Sua
natureza, é equiparada ao mito e profetiza-se 'Seu desvanecer morte "na verdade da vida" (im Ernste des Lebens ) seria o
nas profundezas, "vencida por sons de paz" (übertõnt von desvanecer da reflexão e, com ela, da arte, no momento em
que a conciliação se transpõe do meio puramente espiritual para
106. Benjamin, <r Schriften l I ", ibid. p. 389. s. a realidade. A passividade metafísica como substância da poesia
107. Ibid.
108. Ibid. p. 400. 110. Ibid. p. 429.
109. Hôlderlin, WW 3, ibid. p. 428. 111. Holderlin, WW 2, ibid. p. 69.

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hôlderliniana se interliga contra o mito com a esperança por
uma realidade na qual a humanidade estaria livre daquela cor-
rente da própria fascinação pela natureza a qual se refletiu na
sua imagem do espírito absoluto: "Não são todo-poderosos I
Os celestes. Pois os mortais estão mais próximos do abismo.
Então com eles retorna o eco" (Denn nicht úermoqen. / Die
Himmlischen alles. Namlich es reichem. / Die St.erblichen eh
an. den Abqrund, Also wendet es sich, das Echo, I Mit
diesen.) 112

~
l!!III
Composto e impresso em 1973, nas oficinas da
EMPRESA GRÁFICA DA REVISTA DOS TRIBUNAIS S.~.
R. Conde de Sarzedas, 38, fone.: 33-4181, São Paulo, S. P., Brasil
112. Ibid. p. 204.

122
Este volume pertence à série Estudos Alemães, THEODOR W. ADORNO
Coordenada por EDUARDO PORTELLA,
EMMANUEL CARNEIRO LEÃO, GEORGE
MARY, HANS BAYER, VAMIREH CHA-
CON e WERNER REHFELD.

NOT AS DE I~ITERATURA

tempo brasileiro

Rio de Janeiro - GB - 1973


BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSIT ARIO - 36

Coleção dirigida por Eduardo Portella, Professor da


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Tradução de
CELESTE AmA GALEÁO SUMÁRIO
Professora da Universidade Federal da Bahia
e
Para um retrato de Thomas Mann . 7
IDALINA AZEVEDO DA SILVA
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Caprichos bibliográficos . 17

O estranho realista 31

Capa de Engagement ....................................... 51


Antônio Dias
Parataxis ......................................... 73

Traduzido do original alemão


Noten zur Literatur III
da Suhrkarnp Verlag, Frankfurt am Main, 1965

Direitos reservados a
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