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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA

PÓS-GRADUAÇÃO EM LATO SENSU

UMA DESCOBERTA PARA O SENTIDO DA VIDA NA


LOGOTERAPIA E NO ACONSELHAMENTO PASTORAL

MARIA DE FÁTIMA CORRÊA RISCHBIETER

ESPECIALIZAÇÃO EM ACONSELHAMENTO
E PSICOLOGIA PASTORAL

ORIENTADORA: KARIN HELLEN KEPLER WONDRACEK


2

BLUMENAU
2005
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 04

CAPÍTULO I
VIDA E OBRA DE VIKTOR EMIL FRANKL ................................................ 06

1.1 A VIDA DE VIKTOR EMIL FRANKL ......................................................... 07

1.2 O DESPERTAR DE VIKTOR E. FRANKL NO CAMPO DE


CONCENTRAÇÃO RELIGIOSO/TRANSCENDÊNCIA ...................................... 09

1.3 O COMPROMISSO EXISTENCIAL DE FRANKL .......................................... 12

CAPÍTULO II
O SER HUMANO EM BUSCA DO SENTIDO .................................................... 17

2.1 O SENTIDO ÚLTIMO DO SER HUMANO – SOFRIMENTO ......................... 18

2.2 PSICOPATOLOGIA SOCIAL DE NOSSA ÉPOCA ......................................... 24

2.3 O CAMINHO PARA UMA VIDA BEM VIVIDA ............................................. 30

CAPÍTULO III
A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE ................................................. 33

3.1 INCONSCIENTE ESPIRITUAL ........................................................................ 35

3.2 INCONSCIENTE RELIGIOSO .......................................................................... 36

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 39

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 44

ANEXO ...................................................................................................................... 47
Agradeço a minha orientadora Karin Wondracek pela pessoa especial que é...

Ajudando-me a tomar novos rumos, mudando minha trajetória de vida.

Gostaria também de manifestar minha gratidão, em especial ao meu marido Ivo

e aos meus filhos: Sophia, Caroline e Junior, pelo apoio neste período.
INTRODUÇÃO

Eu sempre acreditei que viver é algo mais do que respirar, ter saúde e/ou ter bens

materiais. Hoje, e cada vez mais, vejo-me num plano diferente, onde consigo encontrar um

sentido para as minhas perdas e sofrimentos. Acredito na “sabedoria divina”, que nos

coloca no momento certo e na hora certa em cada acontecimento de nossas vidas. E é esse

saber que me capacita a entender os valores que a vida me atribui, e que tenho como

responsabilidade executá-los com muita determinação, indo ao encontro do verdadeiro

sentido da minha existência.

Este é o “fio condutor” desta monografia, que mostra o caminho da essência do

ser humano, que é viver incondicionalmente, agradecendo a cada segundo, minuto... O

estar aqui!

Ao aprofundar-me neste tema do “sentido da vida”, consegui entender a dinâmica

da vida e as suas complexidades, que permeiam o dia-a-dia de todo ser humano.

Esse assunto, hoje, é de vital importância para edificar o nosso viver bem,

buscando o sentido da vida numa visão mais holística, espiritual e transcendente do ser

humano (mente, corpo e espírito).


6

Minha proposta é ir ao encontro do espiritual e conseguir tocar no sagrado, tarefa

que não é fácil, devido aos obstáculos da nossa rotina, que muitas vezes é de “desacerto” e

“desencanto”, onde acabamos entrando no processo do “piloto automático”1.

O guia para não entrar neste “piloto automático” é buscar o desejo puro da alma,

que uma vez compreendido, guia o homem nos seus anseios e frustrações.

Esse caminhar pelo transcendente leva ao entendimento da raiz do problema do

ser humano, com relação à espiritualidade, existência, sofrimento (perda) e sentido da vida,

que é uma das vias mais questionadas, principalmente pelos jovens.

1
Termo usado no livro de WONDRACEK, Karin; HERNÁNDEZ, Carlos. Aprendendo a lidar com crises.
São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 13.
CAPÍTULO I

VIDA E OBRA DE VIKTOR EMIL FRANKL

“Contudo, na vida não se trata de uma atribuição de sentido,


senão um achado de sentido, o que faz não dar um sentido, mas
encontrá-lo; encontrar, diremos, e não inventar, já que o sentido
da vida não pode ser inventado, antes tem que ser descoberto.”

VIKTOR FRANKL

Viktor Emil Frankl foi um homem que fez diferença. Viveu até os seus 90 anos

com toda energia e vitalidade de uma pessoa especial; escalou montanhas, pilotou avião na

Califórnia; viajou aos cinco continentes deixando rastros da sua mensagem profundamente

humana, esperançosa e confortante. Na sua passagem pela América Latina - Argentina,

onde se concentra um maior número de adeptos a “Logoterapia”; Frankl sempre falava que

em nenhum país ele foi recebido e acolhido como na Argentina.

Já no Brasil, Izar Aparecida de Moraes Xausa2, de Porto Alegre (RS), fez a

primeira tese de doutorado e é a primeira brasileira seguidora da sua “teoria psicoterápica”

2
Especialista em Psicologia Escolar e mestre em Psicologia Clínica, é um dos marcos da eclosão do
movimento de Logoterapia na América Latina. Xausa é fundadora das Sociedades Latino-Americana e
Brasileira de Logoterapia, tendo sido a primeira presidente daquela entidade. Presentemente, coordena o
Centro “Viktor Emil Frankl” de Logoterapia e leciona no Curso de Logoterapia, em nível de pós-graduação
na PUC/RS.
8

– Logoterapia. Foi responsável pela vinda de Frankl ao Brasil em abril de 1984, para

presidir o I Encontro Latino Americano Humanístico-Existencial: LOGOTERAPIA,

realizado em Porto Alegre na PUC/RS. Nesse encontro Frankl recebeu o título de Doutor

Honoris pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.3

Do Presidente da França, recebeu a Medalha de Honra ao Mérito pelos serviços

prestados à Paz Mundial, juntamente com a Madre Tereza de Calcutá. Aos 85 anos, foi

condecorado pelo Presidente da Áustria como Herói, Cientista e maior Humanista do final

do século.4 Nos Estados Unidos, numa conferência, que foi proferida em língua inglesa, na

“American Psychiatric Association”, em Dallas, Texas, no ano de 1985, sob o título de

“Man in Search of Ultimate Meaning”5, Frankl recebeu o prêmio Oskar Pfister.

O destemor de Frankl para com a vida, com toda a sua história vivida nos campos

de concentração, nos faz acreditar que a vida é uma “caixinha de surpresas”, e que faz

sentido encontrarmos o nosso caminho como seres humanos, mesmo com sofrimento.

1.1 A VIDA DE VIKTOR E. FRANKL

O autor Viktor E. Frankl (Foto 1 no Anexo) é fundador da Logoterapia, M.D.,

Ph.D, nasceu em Viena (26.03.1905 – 02.09.1997). Foi educado dentro da tradição judaica,

em sua cidade natal. Seus pais, Gabriel e Elisa, eram da Tchecoslováquia; nasceram em

3
Frankl recebeu no total vinte e sete títulos de Doutor Honoris: Contam-se, entre eles, das Universidades de
Viena, Harvard, Yale, Sorbone, bem como as Universidades da Argentina, Venezuela, México, Japão, Itália,
Rússia e outras. (SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL. Curso de Formação em
Logoterapia.Curitiba, 2000, p. 5).
4
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, idem, p. 5.
5
FRANKL, Viktor E. A presença ignorada de Deus. Trad. de Walter O.Schlupp e Helga H. Reinhold. São
Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1992, p. 91.
9

Praga. Foi professor de Neurologia e Psiquiatria de Viena6 e também professor de

Logoterapia na Universidade Internacional da Califórnia. Lecionou também nas

universidades de Harvard, Stanford, Dallas e Pittsburg.

O pensamento de Viktor Emil Frankl foi profundamente marcado pelas suas

vivências durante a “II Guerra Mundial”.7 Ficou prisioneiro por um longo tempo (trinta e

oito meses) em campos de concentração, onde seres humanos eram tratados com crueldade

e desumanidade (nua e cruamente). Sua família (pai, mãe, irmão e esposa) – , morreram no

campo de concentração nos crematórios; somente sua irmã Estela conseguiu emigrar para a

Austrália; seu irmão tentou ir para a Itália, mas foi capturado pelos soldados da SS. Na

opinião de Gordon W.Allport:

“Frankl ao contrário de muitos existencialistas europeus, não é pessimista


e nem anti-religioso”. Ele enfrenta com muita sabedoria todas as
dificuldades no campo de concentração, buscando surpreender a sua
capacidade de transcender todo o seu sofrimento e descobrir uma
adequada verdade orientadora.8

Foi no campo de concentração que Frankl percebeu que o ser humano suporta

qualquer sofrimento, quando o mesmo tem um sentido para a sua vida (pode ser uma tarefa

pendente ou algo que, irremediavelmente tem que ser executado). Frankl cita uma frase de

Nietzsche: “Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”.9 O que

manteve Frankl vivo no campo de concentração foi a sua determinação em manter e

6
Em 1930 Frankl graduou-se em medicina. Em 1933 especializou-se em Neuropsiquiatria. (SOCIEDADE
DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit.,. p. 3).
7
No final de 1942 a Gestapo prendeu a família de Frankl e cada membro dela foi levado para um lugar
diferente. Frankl e Tilly fizeram um pacto de se encontrar depois da prisão; e esta promessa de encontro fez
com que Frankl lutasse com todas as suas forças para continuar vivo. (SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA
VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 3).
8
Gordon W. Allpor, ex-professor de Psicologia da Universidade de Harvard, é um dos maiores escritores e
professores nesta área no hemisfério norte. Publicou numerosos livros sobre Psicologia e foi o editor do
Journal of Abnormal and Social Psychology. Foi principalmente através do trabalho pioneiro de Prof. Allport
que a importante teoria de Frankl foi introduzida nos Estados Unidos. Além disso, é em grande parte graças a
ele que o interesse em torno da logoterapia tem crescido exponencialmente neste país. (FRANKL, op.cit., p
9).
9
XAUSA, Izar Aparecida de Moraes. A psicologia do sentido da vida. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 140.
10

conservar a integridade de sua alma, a sua fé, sua vocação e a incansável esperança de

reencontrar-se com a sua esposa (que estava grávida). Só ficou sabendo da morte de sua

esposa e filho, depois que saiu do campo de concentração.

Conheceu Elleonore Katharina (Foto 4 no Anexo), após a sua libertação, casou-se

em 18 de julho de 1947, e foi abençoado pelo nascimento de dois filhos.10

1.2 O DESPERTAR DE VIKTOR E. FRANKL NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO

PARA O RELIGIOSO/TRANSCENDENTE

Com o seu sofrimento no campo de concentração, Frankl fortificou a sua crença

na existência de Deus em meio à dor mais atroz. Escreveu o livro “Em busca do sentido –

um psicólogo no campo de concentração”.11 Seu maior objetivo, não era tornar-se um

grande escritor e sim, mostrar às pessoas que “[...] a vida tem um sentido potencial sob

quaisquer circunstâncias, mesmos as mais miseráveis”.12 Frankl fala da essência da

liberdade como:

A experiência da vida no campo de concentração mostrou-nos que a


pessoa pode muito bem agir “fora do esquema”. Haveria suficientes
exemplos, muitos deles heróicos, como: figuras humanas que
caminhavam pela área de formatura dos prisioneiros, ou de barracão em
barracão, dando aqui uma palavra de carinho, entregando ali a última
lasca de pão? E mesmo que tenham sido poucos, não deixou de constituir
prova de que no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo,
menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às
condições dadas.13

10
XAUSA, op. cit., p. 25.
11
FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
12
Ibidem, p. 10.
13
Idem, p. 66.
11

Essa liberdade de alguns prisioneiros fez Frankl acreditar que mesmo nas

situações mais miseráveis, o ser humano ainda é digno de sua liberdade interior.

Frankl foi preso em 1942, viveu em campos de concentração por um bom tempo

(Auschwitz, Theresienstadt e Dachau). Cada um dos prisioneiros representava uma cifra,

onde consta pura e simplesmente o número do prisioneiro (Frankl era o prisioneiro nº

119.104). No período em que Frankl passou no campo de concentração, ficou a maior parte

do tempo efetuando escavações e atuando na construção de ferrovias. Alguns de seus

amigos médicos tiveram o privilégio de ficar aplicando ataduras improvisadas com papel

de lixo em postos de emergência, com calefação.

Através da observação do comportamento dos outros prisioneiros, Frankl tecia

conclusões sobre a natureza humana face ao sofrimento, citando o exemplo de que somente

aqueles que desistiam de viver, desfrutavam de seus últimos cigarros. Este era o sinal de

quem não tinha mais força para lutar.14

Alguns prisioneiros conseguiram vencer dificuldades que, numa situação normal,

jamais superariam, como:

Na primeira noite em Auschwitz, dormi em beliches de três andares, e em


cada andar (medindo mais ou menos 2 x 2,5 m) dormiram nove pessoas,
em cima de tábua nua; e para cobrir-se havia dois cobertores para cada
andar, isto é, para nove pessoas.15

Frankl concluiu que nessas situações, alguns prisioneiros esqueciam de suas

necessidades básicas, poupando energia para a preservação de suas vidas.

Era normal, vivendo naquela situação, que todos pensassem em suicídio, mesmo

que por alguns segundos. Na primeira noite, Frankl fez uma promessa, uma mão apertando

14
FRANKL, Em busca de..., p. 18.
15
FRANKL, Em busca de..., p. 26.
12

a outra, de não ir para o fio16, essa expressão significa - tentar o suicídio (tocar no arame

farpado do campo de concentração). Frankl também procurou preservar a vida, cuidando

de pequenos detalhes: para não ir à câmara de gás era preciso manter a postura e procurar

fazer a barba todos os dias, mesmo que se tenha que sacrificar um pedaço de pão em troca.

Basta alguém mostrar um ferimento qualquer, ou estar mancando, que no dia seguinte ele é

encaminhado para a câmara de gás.

Frankl observou que no campo de concentração, após passar pelo primeiro choque

(alguns dias da chegada), vem a relativa apatia – a pessoa aos poucos vai morrendo

interiormente.17 Algumas das razões para tal é a saudade da família e o nojo das condições

precárias. Nesta fase, os prisioneiros passam a mortificar os sentimentos que são normais.

Após algumas semanas, o sofrimento é tanto que nada mais os sensibiliza. O autor explica

essa apatia e insensibilidade emocional - o desleixo interior e a indiferença são como uma

couraça sumamente necessária da qual se reveste em tempo a alma dos prisioneiros.18

Era comum a ausência total e absoluta de sentimentos - explica Frankl que esta é

uma forma de proteção para preservar a vida constantemente ameaçada, suscitam uma

depreciação radical de tudo aquilo que não serve a este interesse exclusivo.19

O que mais impressionava Frankl era o sentimento religioso dos prisioneiros,

deixando sensibilizados os recém-chegados no campo de concentração, pela profundidade

e vitalidade da fé dos prisioneiros.

O mais impressionante neste sentido devem ter sido as preces e cultos


improvisados, no canto de algum barracão ou num vagão de gado escuro
e fechado, no qual éramos trazidos de volta após o trabalho em uma obra
mais distante, cansados, famintos e passando frio em nossos trapos
molhados.20

16
Ibidem, p. 27.
17
Ibidem, p. 29.
18
Ibidem, p. 31.
19
Ibidem, p. 39.
20
FRANKL, Em busca de..., p. 40-41.
13

Esse sentimento religioso que Frankl observou, foi o que originou a sua

valorização do transcendente na sua teorização da vida.

Nestas experiências atrozes, Frankl “[...] viveu os desafios do interminável, do

desnudamento progressivo da existência onde questionou o sentido de sua vida de forma

dramática e cruenta, chegando aos limites da possibilidade humana.21

Com esta vivência, Frankl passa a conhecer o ser humano como nenhuma outra

geração antes de nós. Nesse laboratório que foi o campo de concentração, ele viu o ser

humano que criou a câmara de gás, mas também viu o homem, com a sua liberdade

interior, decidir o que ele é, e entrar na câmara de gás ereto, com fé e orando.

1.3 O COMPROMISSO EXISTENCIAL DE FRANKL

Depois da experiência no campo de concentração, surge a Análise Existencial

Frankliana, que tem como princípio a preocupação de compreender com amor e empatia o

ser humano. Frankl, na Análise Existencial, adotou uma metodologia investigatória que

facilita a reflexão sobre o espírito e seus valores na vida e, em contrapartida, alivia as

pessoas que sofrem, fazendo-as entender o verdadeiro significado de sua existência, que é

encontrar o “sentido da vida”. Esse sentido, na Logoterapia, é dinâmico na dimensão

espiritual, na liberdade e responsabilidade de decidir incondicionalmente. A concepção

principal da Análise Existencial no valor do sentido para Frankl é:

21
XAUSA, op. cit., p. 206.
14

Sentido não quer dizer tarefa material, mas aquilo que de imaterial se
coloca na tarefa, nas vivências ou na dor. Uma tarefa pode ser realizada
sem sentido, embora bem feita ou com alto valor produtivo. Essas tarefas,
vivências, sofrimentos se baseiam nos valores, essencialmente. Por isso
que o termo Logoterapia também passou a designar a realização de
valores com sentido, a partir do espírito da pessoa. E também, Análise
Existencial permaneceu designando mais a análise na existência em
direção ao espírito da pessoa.22

Partindo desta premissa, surgiu a Análise Existencial de Frankl, que alivia a dor

da pessoa que sofre por não encontrar o sentido na sua existência.

O Movimento Existencial de Frankl teve a contribuição de uma gama de

existencialistas e filósofos, como: Edmund Hussel (da fenomenologia), Martin Heidegger

(transcendência), Sartre (existência sem sentido), Ludwig Binswanger (maneira de ser do

homem), Gabriel Marcel (existencialismo com esperança), Martin Buber (encontro,

diálogo “eu tu”), Rudolf Allers (humanismo e antropologia filosófica). Em especial, a

contribuição de Karl Jaspers, um dos maiores psiquiatras existenciais da Europa

(introdução fenomenológica através da obra Psicopatologia Geral) foi de fundamental

importância para a realidade dos pacientes psiquiátricos. Sua obra ajudou na valorização da

teoria existencial de Frankl, ao mostrar a extrema dinâmica das situações-limite com que as

pessoas se confrontam em seu dia-a-dia. Foi na obra de Karl Jaspers que Frankl baseou a

sua teoria de tríade trágica, que engloba os três elementos que levam o ser humano à

angústia existencial: culpa, sofrimento e morte. Foi neste pressuposto que Frankl

visualizou o sentido do sofrimento e os valores de atitude – que teve uma enorme

contribuição para fundamentar a base na Logoterapia.23

22
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 10.
23
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 8.
15

O pai do Existencialismo, Kierkegaard, combateu energicamente o pensamento

racionalista de Hegel, que identifica a verdade abstrata com a realidade, vendo o ser

humano como um sujeito que só adquire realidade enquanto ser pensante. Segundo Hegel,

o indivíduo torna-se objeto de controle, não está mais em devir. O termo “existência” vem

do latim ex-sistere, que significa emergir, impor-se, aflorar, sobressair. Essa é a proposta

filosófica e psicológica do Existencialismo, que se rebela contra o aprisionamento da

pessoa em mecanismos, esquemas e pré-conceitos. Defende “o homem emergente,

pulsante”. Seu ritmo é o devir. O “Existencialismo” não nega os fatores biológicos e

sociais, porém coloca o ser humano como responsável e livre para lidar com estes aspectos

que também fazem parte de sua realidade.24

Há outros dois geniais filósofos que contribuíram de forma especial para a

Análise Existencial de Frankl:

Nicolai Hartmann – Afirma que as dimensões do homem são: a camada biológica,

que é constituída pela vida organísmica e vegetativa; a camada psicológica, que representa

o conjunto de reações mentais, emocionais e cognitivas; e a camada espiritual, é a que

representa a dimensão noética (Fig. 1).25

Max Scheler: Foi o pai espiritual de Frankl. Contribuiu para a área de valores,

concebeu o ser humano como camadas concêntricas representando a dimensão psico-

biológica em torno do Núcleo Espiritual e Noético (Fig 2).26 Para Scheler a maior

característica do ser humano não é a sua inteligência e sim o seu espírito.

A visão antropológica de Max Scheler e a ontologia de Hartmann afirmam existir


um centro pessoal ao redor do qual se situam as camadas física, orgânica, psíquica e

24
LESSA, Jadir. Analista Existencial em Psicomaiêutica. O movimento existencialista como quebra de
paradigma, [s.l.] 2 de maio, p. 1-5.
25
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 7.
26
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit.
16

espiritual.27 As figuras abaixo demonstram os esquemas de Hartmann (hierárquico) e de


Scheler (núcleo):28

Esquema de Hartmann Esquema de Scheler

Fig.1 Fig.2FigFf

Na visão de Hartmann, essas dimensões são hierarquicamente estruturadas,

entretanto o ápice pertence ao noético (Fig.1). Essa forma de pensar de Hartmann poderá

conduzir a um pensamento fragmentário do ser humano. Enquanto que, na visão de

Scheler, estas dimensões são concêntricas (Fig.2), ou seja, situam-se ao redor de um núcleo

espiritual.29

Por esse ponto de vista, Frankl aceitou as dimensões múltiplas, como a biológica,

a psico-social e a espiritual. Mas contestou a separação dessas camadas entre si, como

preconizam Scheler e Hartmann. Para Frankl, o homem é uma Unidade na Multiplicidade

Dimensional, ou seja, uma unidade multifacetada no espaço-tempo. Neste sentido, a

palavra indivíduo significa – ser a pessoa indivisível e única, embora diversificada em suas

dimensões.30

27
XAUSA, op. cit., p.118.
28
Idem, p. 119.
29
XAUSA, op. cit., p. 118-119.
30
SOCIEDADE DE LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 7.
17
CAPÍTULO II

O SER HUMANO EM BUSCA DO SENTIDO

“Viva como se já estivesse vivendo pela segunda vez,

e como se na primeira vez você tivesse agido tão errado

como está prestes a agir agora.”

VIKTOR E. FRANKL

Frankl, através de tudo que passou, descobriu que o sentido da vida muda de

pessoa para pessoa, de um dia para outro, de uma hora para outra. O que importa na sua

teoria não é o sentido da vida num modo geral, mas antes o sentido específico da vida num

determinado momento. A pessoa deve reconhecer que é ela quem está sendo questionada

pela vida; e somente ela pode responder à vida respondendo por sua própria vida com

responsabilidade.

Nesse sentido, a logoterapia procura demonstrar, principalmente para os jovens,

que a vida cobra responsabilidade e atitude. A responsabilidade estimula e convida para a

reflexão no amor para com a vida - “[...] que o presente é passado, e que em segundo lugar,

o passado ainda pode ser alterado e corrigido”.31 Esse princípio confronta a finitude da vida

com o fato de que a pessoa é responsável por aquilo que ela faz de sua vida e de si mesma.

31
FRANKL, Em busca de..., p. 99.
19

2.1 SENTIDO ÚLTIMO DO SER HUMANO - SOFRIMENTO

O termo “logos” é uma palavra grega que significa sentido. A logoterapia

concentra-se no sentido da existência humana. Para a logoterapia, a busca do sentido é a

principal força motivadora do ser humano. Com esta afirmação, Frankl veio a contrastar

sua teoria com o que Freud determina como “princípio do prazer” e o que Adler define

como “vontade de poder”.32

Para Frankl, discutir o sentido último da vida sem realizá-lo seria o mesmo que

negá-lo; e uma vez que começamos a realizá-lo, já não será mais preciso discuti-lo, porque

ele se impõe com tal evidência que do contrário seria cinismo. Portanto, a logoterapia é

uma psicoterapia centrada no sentido que busca confrontar as pessoas com o sentido de sua

vida: em sua realidade, em seu sofrimento, em sua existência que muitas vezes está

desprovida de propósito33; reorientando-as, capacitando-as a superar as suas neuroses

noogênicas (espirituais).

Frankl fala do otimismo trágico em que a pessoa, apesar do sofrimento, encontra

um sentido na “tríade trágica” da existência humana, definida como: dor, culpa e morte.

Apesar disso, Frankl pressupõe que a vida, potencialmente, tem um sentido em

quaisquer circunstâncias, mesmo nas mais miseráveis. Acredita na capacidade humana de

transformar criativamente os aspectos negativos da vida em algo positivo e construtivo, ou

32
Frankl se contrapôs a Freud que era determinista, onde excluía a capacidade do homem para mudar seu
destino segundo seu próprio desejo, e que, acreditava que o homem caminha pelo mundo sob a força dos seus
impulsos. Porém, com Adler, sua relação começou a estremecer quando Frankl apresentou suas idéias sobre
o sentido da vida, divergindo de suas propostas, que o homem está no mundo em busca de poder e na
conquista de sua superioridade (conferência proferida em 1926 na Associação Internacional de Psicologia
Individual em Viena). Sendo expulso da sociedade Adleriana, a partir de então. (Informações obtidas através
do texto – Curso de Logoterapia – sobre o Existencialismo de Viktor Emil Frankl de Claisa Maria Mirante,
Ariane Melo).
33
FRANKL, Em busca de..., p. 92.
20

seja, o que importa é tirar o melhor de cada situação dada.34 Potencialmente, acredita que o

ser humano é capaz de transcender o sofrimento, como:35

a) transformar o sofrimento numa conquista e numa realização humana;

b) extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor;

c) fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis.

Frankl define o sentimento da falta de sentido que resulta de uma


frustração das nossas necessidades existenciais – o que, por sua vez, se
transformou num fenômeno universal das nossas sociedades industriais.
O sentimento da falta de sentido cumpre um papel sempre crescente na
etiologia36 da neurose. Como escreve Irvin D. Yalom, da Universidade de
Stanford, Existential Psychotherapy: “De quarenta pacientes
consecutivos procurando terapia numa clínica psiquiátrica de
atendimento externo [...] doze (30 por cento) tinham algum problema de
vulto relacionado com sentido (segundo dados de auto-avaliação,
testemunhos de terapeutas ou julgamentos independentes)”37.

O processo do sofrimento para Frankl significa uma sábia lição de saber agir,

crescer e amadurecer com as situações adversas que a vida nos coloca. Sua teoria somente

será fundamentada se houver fé e amor como pilares de sustentação – não somente na

pessoa que sofre, mas no ser humano que tem compaixão e que também sabe consolar o

sofrimento do outro.38

Essa capacidade de sofrer a existência do destino vem da essência do homem e,

não é adquirida ao nascer, como a capacidade de criar e/ou de amar. Por esta razão, Frankl

afirma que é o mais alto dos valores a se realizar e conquistar.

34
FRANKL, Em busca de..., p. 119.
35
Ibidem.
36
Etiologia: estudo sobre as origens das coisas.
37
FRANKL, idem, p. 120-121.
38
XAUSA, op. cit., p. 165.
21

No livro “Aprendendo a lidar com crises”, Karin Wondracek e Carlos Hernández,

afirmam que “As crises despertam forças surpreendentes em nós – se não fugirmos,

surgirão novos horizontes e solos. Elas nos desafiam a criar uma nova maneira de viver”.39

A coragem de sofrer – característica encontrada em muitos prisioneiros no campo

de concentração, onde havia muito sofrimento esperando para ser resgatado - por um olhar

de frente para avalanches de sofrimentos, apesar do perigo de amolecer e, por deixar fluir o

sofrimento simplesmente chorando. Certa vez Frankl perguntou a um amigo como ele

conseguiu fugir dos edemas da fome, e ele confessou: “Curei-os chorando...”. O

sofrimento deixa de ser sofrimento quando encontramos o sentido para esse sofrimento.

Cita como exemplo, o médico que estava sofrendo há dois anos pela morte de sua esposa e

não conseguia esquecê-la. Buscou confrontá-lo, perguntando se fosse ele que tivesse

morrido primeiro, como sua esposa se sentiria? Então o médico respondeu que ela iria

sofrer muito com sua morte. Frankl o fez pensar que, com a morte da sua esposa, ele a

poupou deste sofrimento. Ademais, você terá que pagar o preço de chorar por ela, mas

continuar a viver com sentido. Neste caso, ele foi-se, e compreendeu o sentido de sua vida,

que como fala Frankl: “Sofrimento, de certo modo, deixa de ser sofrimento no instante em

que encontra um sentido, como um sentido de um sacrifício”.40

Quanto à origem da falta de sentido, de maneira muito simplificada, Frankl

argumenta que principalmente os jovens “[...] têm o suficiente com o que viver, mas não

têm nada por que viver; têm os meios, mas não têm o sentido”.41 Um dos motivos da

síndrome neurótica dos jovens advém do vazio existencial, gerando como característica a

depressão, a agressão e a dependência de drogas.

39
WONDRACEK e HERNÁNDEZ, op. cit., p. 13.
40
FRANKL, Em busca de..., p. 101.
41
Idem, p. 121.
22

Conforme pesquisa feita no Japão, um milhão de jovens japoneses entre 16 e 30

anos (sexo masculino) vivem trancados em seus quartos – entre seus casulos domésticos,

escondendo-se e isolando-se do mundo. Esses jovens não agüentam a pressão imposta pela

sociedade, preferindo o isolamento buscando somente o contato virtual; isso num país em

que a sociedade prega a homogeneidade.42 O homem moderno está acometido por uma

sensação de vazio interior, que é manifestado através do tédio e indiferença. O primeiro é a

manifestação da perda de interesse pelos acontecimentos atuais, enquanto o último é

compreendido como a falta de iniciativa para melhorar ou modificar algo. Por esta razão

que a sensação da falta de sentido assola mais aos jovens.43

Em um raciocínio análogo, Karin Wondracek e Carlos Hernández, comentam que

para crescer, “[...] é preciso tornar-se adulto, assumindo riscos do crescer; é preciso deixar-

se fecundar para que haja multiplicação. É preciso vencer o medo e arriscar as próprias

escolhas”.44

Os casos de suicídio também se enquadram neste parecer, visto que na hora em

que o jovem decide tirar a sua vida, tivesse algo mais que o impulsionasse a superar a crise

(religiosidade ou um sentido único que transcende toda a sua crise existencial), ele não

chegaria à situação limítrofe. Na logoterapia, Frankl denomina os três caminhos para se

chegar a esse “sentido único” da vida:

a) Criar um trabalho e fazer uma ação (trabalho voluntário).

b) Experimentar algo que tenha um valor próprio e/ou encontrar alguém (amigo ou

namorado).

42
KOSTMANN, Ariel. Multidão de solitários. Veja, 17 nov. 2004, p. 124.
43
FRANKL, A presença ignorada..., p. 78-79.
44
WONDRACEK e HERNÄNDEZ, op. cit., p. 22.
23

c) O mais importante, para a logoterapia, é o terceiro, que busca a

transcendência45, mesmo numa situação sem esperança, buscando dentro de si, uma

resposta para um sentido na sua vida e amadurecendo com o sofrimento.

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale,


ficaram impressionados pelo número de ex-prisioneiros da guerra do
Vietnã que afirmavam explicitamente que, embora a sua prisão tivesse
sido uma experiência extraordinária difícil – com torturas, doenças, fome
e confinamento em celas solitárias – eles, não obstante, [...] se haviam
beneficiado com a experiência de crescimento.46

Frankl cita um jovem que sofreu um acidente, ficando paralisado do pescoço para

baixo, deixando-o quadriplégico – tinha dezessete anos. Desenvolveu-se, e atualmente

consegue datilografar em sua máquina de escrever com um pauzinho, participa de cursos

através de um telefone especial, podendo participar das discussões em sala de aula. Depois

da experiência, ele fala: “[...] Vejo minha vida cheia de sentido e de objetivos. A atitude

que adotei naquele dia fatal se transformou no credo da minha vida, eu quebrei meu

pescoço, mas não quebrei o meu ser. Afirma que, sem o sofrimento, o crescimento que

atingiu, teria sido impossível”.47 “O homem só alcança a felicidade quando olha para

dentro de si, buscando metas imanentes para o prazer ou metas externas com um fim que

retorna para si mesmo, mas sim quando se autotranscende”.48 O credo psiquiátrico de

Frankl é:

Para Frankl, não se pode conceber que condicione o ser humano a ponto
de deixá-lo sem a menor liberdade. Por isso, um resíduo de liberdade, por
mais limitado que seja, ainda resta à pessoa em caso de neurose ou
mesmo psicose. Na verdade, o mais íntimo cerne da personalidade de um
paciente nem é tocado pela psicose. Um indivíduo psicótico pode perder
sua utilidade, mas conservar a dignidade de um ser humano. Este é o meu

45
Frankl fala da “voz da transcendência”, que é a área da dimensão espiritual do homem, onde tem lugar um
encontro da pessoa com ela própria, na mais profunda intimidade do seu eu. (SOCIEDADE DE
LOGOTERAPIA VIKTOR EMIL FRANKL, op. cit., p. 14).
46
FRANKL. Em busca de...,p. 125.
47
Idem..
48
XAUSA, op. cit., 132.
24

credo psiquiátrico. Sem ele não valeria a pena ser psiquiatra. Por amor a
quem? Simplesmente por uma máquina cerebral danificada, que pode ser
concertada? Se o paciente não fosse categoricamente algo mais do que
isso, a “eutanásia”49 estaria justificada.50

Na autotranscendência está o que denominamos capacidade genuína do ser

humano em ir além de si mesmo, caminhando com alguém de quem gosta ou pelo bem de

uma causa que o sensibiliza. A autotranscendência é fundamental, porque ela engloba

todas as áreas em que exista sentido, as quais são: autoconhecimento, escolha, unicidade e

responsabilidade.

Outra razão da importância da autotranscendência é que ela fica incorporada às

áreas em que nos sentimos mais fracassados, transformando a derrota em vitória. Aliás,

Frankl contesta a afirmação de que, para se encontrar o sentido, é indispensável o

sofrimento. O que Frankl afirma é que... “somente tem sentido o sofrimento, se for

inevitável, do contrário seria masoquismo”.51 Cita o exemplo do jovem que sofreu o

acidente, encontrando o seu sentido único na vida, e que sem esse acontecimento

inevitável, jamais teria atingido o seu crescimento pessoal e espiritual.

Quando surge o sofrimento inevitável, já que não se pode mudar a situação,

poder-se-ia mudar a nossa atitude perante o acontecimento. Citando novamente o exemplo

acima, Frankl escreve: “o jovem não havia escolhido fraturar seu pescoço, no entanto, ele

decidiu, através de sua atitude, não deixar-se quebrar a si mesmo”.52 Este exemplo ilustra a

contribuição original de Frankl com o conceito de autotranscendência 53 em busca de um

49
Para Frankl , mesmo com sofrimento a vida tem o seu sentido. Todavia a “logoterapia” é categoricamente
contra a “eutanásia”.
50
FRANKL. Em busca de..., p. 113-114.
51
Ibidem, p. 102.
52
Ibidem, p. 125.
53
Autotranscendência – esta abertura à auto-transcendência dá-se através da consciência, que não busca a si
mesma, mas que vai além da pessoa. (XAUSA, op. cit., p. 133).
25

sentido da vida. O lema de Frankl é: “Viva como se você estivesse vivendo pela segunda

vez e como se tivesse agido tão erradamente, na primeira vez, como está por agir agora”.54

As pessoas tendem a esquecer que “no passado nada fica irremediavelmente

perdido, mas ao contrário, tudo é irreversivelmente estocado e entesourado”.55

Enfim, a autotranscendência nos faz conscientes de que somos espíritos e que

podemos suplantar aquilo que temos que é o nosso corpo e mente. Essa consciência é que

nos mostra o verdadeiro sentido único e o caminho da essência da vida.

2.2 PSICOPATOLOGIA SOCIAL DE NOSSA ÉPOCA

“Precisamos aprender a também ensinar às pessoas que,


a rigor, nunca e jamais importa o que ainda temos a esperar da vida,
mas sim, exclusivamente, o que a vida espera de nós.”
VIKTOR E. FRANKL

No âmbito da valorização pessoal, o social não considera o ser (pessoa) na

plenitude de dignidade e caráter. Frankl comenta:

[...] a sociedade de hoje se caracteriza pela orientação do sucesso pessoal


e, conseqüentemente, adora as pessoas bem-sucedidas e felizes. Em
particular, adora os jovens. Praticamente ignora o valor de todos que são
diferentes e, ao fazê-lo, apaga a decisiva diferença entre ter valor no
sentido de dignidade e ter valor no sentido de utilidade.56
54
FRANKL, Em busca de..., p.127.
55
Ibidem.
56
FRANKL, Em busca de..., p. 127.
26

Nesta ciranda de competitividade as pessoas perdem a sua identidade. Embora a

regra diga que da ação resulta a atitude, mas nem sempre resulte necessariamente a ação,

muitas vezes age-se a partir de uma determinada atitude. Esta regra vale também no âmbito

coletivo, conforme denomina Elisabeth Lukas57; portanto, “[...] As ações de um grande

número de indivíduos transformam-se no “espírito da época”, por sua vez, influenciando,

as ações de muitos indivíduos”.58

O espírito da
época é a atitude
Ato Hábito comum de
semelhante de semelhante de muitos
muitos muitos

Figura 3 : “Espírito da época”

Quando um indivíduo obedece ao espírito da época acaba não tendo necessidade

de decidir, entra na decisão do coletivo, ou seja, outros decidem por ele. Citando um

exemplo, muitos jovens compram determinadas marcas por aderirem ao momento, ao que

está em uso por todos. Muitas vezes, a escolha não foi a melhor, em termos de vestir bem,

mas como a maioria opta pela marca, acredita que foi a melhor escolha.

57
Elizabeth Lukas é a grande logoterapeuta, com reconhecimento mundial. Foi a discípula direta de Frankl.
Sempre tiveram uma grande afinidade e suas famílias tinham convívio íntimo e rotineiro. Ela considera
Frankl como seu pai, pois através dele teve nova vida na Logoterapia. Mora na Alemanha – Munique.
Elizabeth está na ativa. Atende (clínica) no centro de aconselhamento social, dá aulas e palestras. Ela nasceu
em 1946. Livros (publicados): Assistência Logoterapêutica; Mentalização e Saúde; Prevenção Psicológica e
Psicologia Espiritual, todos editados pela Vozes. Vários outros livros, mas não estão traduzidos para o
Português (Alemão).
58
LUKAS, Elisabeth. Prevenção psicológica. Trad. de Carlos Almeida Pereira. Petrópolis: Vozes; Sinodal:
São Leopoldo, 1992, p. 99.
27

O indivíduo que consegue resistir ao espírito da época, pode, gradativamente,

contribuir para a mudança desse círculo vicioso que Elizabeth Lukas define como

entrelaçamento individual com o coletivo. Segundo Frankl, a nossa sociedade padece de

uma patologia específica, o coletivismo,59 podendo gerar neuroses e psicopatias. As vítimas

da neurose coletiva não se encontram doentes no sentido clínico, entretanto, podem entrar

no caminho de uma deformação psíquica, pois as neuroses coletivas se desenvolvem

através de quatro sintomas. Frankl define esses sintomas como fuga da responsabilidade,

enumerando os quatros sintomas das neuroses coletivas, conforme abaixo:

a) A atitude provisória diante da vida – Ter uma atitude provisória perante a vida

é o mesmo “[...] que viver sonhando acordado, sem se incomodar com nada, sem planejar,

sem nada preparar com antecedência”.60 Busca-se a satisfação momentânea, sem pensar

nas conseqüências de suas atitudes; conforme Elizabeth Lukas, as pessoas que têm essa

mentalidade do provisório consideram supérfluo e desnecessário ocupar-se com as

conseqüências que possam advir mais tarde para elas próprias e para o próximo. O

provérbio mais usado por essas pessoas que têm a mentalidade do provisório é “[...] por

isso, enquanto é tempo, vou gozar a minha vida, fazendo o mínimo de esforço possível”.61

O risco desta mentalidade é de que, quando as pessoas caírem em si, elas não terão mais

amigos, dinheiro, família, profissão; portanto continuarão a manter essa mentalidade, pois

nada mais lhes resta, e pensam: “[...] de qualquer jeito, agora é tarde para começar uma

vida que tenha sentido”.62

Alguns exemplos citados por Frankl: no período em que esteve no campo de

concentração: prisioneiros que perdiam a sua fé perante o futuro, estavam condenados a

definhar, confirmando a estreita relação do ânimo de uma pessoa com o valor atribuído e
59
Coletivismo é o sistema econômico que visa tornar comuns os meios de produção.
60
LUKAS, op. cit., p. 103.
61
Ibidem.
62
Ibidem.
28

suas esperanças; de forma análoga, grupos que fazem parte nas guerras ou guerrilhas, pois

essas pessoas passam a ignorar o amanhã. Se chegarem à velhice, terão um adoecer e uma

morte mais difícil:

Quem toda a vida viveu sem pensar no futuro, no máximo reunindo


algumas experiências superficiais de prazer, pode-se dizer que na sua
morte não irá restar muita coisa, já que nada buscou e nada alcançou,
nada empreendeu e nada concluiu, nada amou e nada realizou, que tudo
deixou ao acaso e nada pode chamar de seu.63

Enfim, toda a crescente destruição ambiental, que assola a nossa sociedade e se

tornou em preocupação global, deve-se, em parte, à inconseqüente atitude de pessoas que

levam a vida de forma provisória. Muitos jovens vivem com esse lema: “O importante é

que hoje eu esteja bem!”64, não se preocupando com o futuro de seus netos e bisnetos.

Nesse aspecto, a Logoterapia poderá executar um trabalho de conscientização

para esses jovens que mantêm uma atitude provisória da vida, da importância vital de

manter a responsabilidade perante o ambiente em que vivem.

b) A orientação ou mentalidade fatalística perante a vida: Essas pessoas que se

deixam levar pelo totalitarismo, deixam de assumir responsabilidade pessoal, abandonando

a liberdade com medo de assumir o seu caminho; deixam o caminho decidir por si só,

cruzam os braços. Evidentemente, passam a tomar uma decisão ou atitude um tanto quanto

cômoda. Pessoas muito religiosas podem desenvolver esse meio de subsistência, chegando

muitas vezes ao limite da sua atitude, por exemplo, deixam de prestar socorro a um

acidentado por acreditar que a mesma está nas mãos de Deus, ou no popular. “[...] é a

vontade de Deus”. “A pessoa com mentalidade fatalista presta fé num destino todo-

poderoso que se manifesta responsável por tudo. Nega-se a si própria toda possibilidade de

63
LUKAS, op. cit., p. 104.
64
Ibidem.
29

decidir”.65 O questionamento para todos com relação ao destino é um desafio, mas para

essas pessoas a pergunta é o que ela irá fazer do destino. A chave proposta pela logoterapia

é que a resposta não é colocada pelo destino, mas somos nós que a delineamos com as

nossas atitudes. Mesmo uma resignação cega perante as atitudes da vida pode ser uma

resposta, embora não responsável. Desejar “só o que os outros fazem” é um egoísmo

doentio; conforme Elizabeth Lukas, esse sentimento destrói toda a felicidade, através da

ânsia da felicidade.66 Esse sentimento doentio de só fazer o que os outros fazem ou querem,

é uma forma de abnegar o verdadeiro sentido da vida, que deve ser vivida na sua plenitude

total com atitudes, valores e responsabilidades perante o que a vida nos cobra.

c) O pensamento coletivista – Esta atitude leva a uma generalização ou

globalização que impede uma formação adequada de opiniões, gerando um julgamento

precipitado que pode levar a conclusões errôneas.67 Esta forma de agregação possui

adeptos cegos e não um grupo de pessoas que têm opiniões. Essa atitude é manifestada por

pensamentos retratados através de slogans diminutivos, que taxam os homens de judeus,

nazistas, burgueses, alienados, comprometidos ou por chavões populares como “todos os

psicólogos são malucos”, “na televisão nada presta”. Esses julgamentos, conforme

Elizabeth Lukas, aplicam-se a objetos diferentes e atingem cada um de maneira diversa,

mas em cada um se esconde o mesmo clichê pueril de quem não consegue enxergar senão

dentro do esquema do bem e do mal, de quem não quer se esforçar para saber distinguir o

certo do errado.68 Pessoas com mentalidade coletivista tornam-se impessoais, identificam-

se somente com seus grupos e nada mais. Na visão antropológica poder-se-ia definir esses

grupos como grupos etnocêntricos que têm uma visão do mundo onde o próprio grupo é

tomado como centro de tudo. Todos os outros são pensados e sentidos através dos próprios
65
LUKAS, op. cit., p. 104.
66
Ibidem, p. 98.
67
Ibidem, p. 105.
68
LUKAS, op. cit., p. 106.
30

valores, modelos, definições do que seja a existência. No plano intelectual, o pensamento

coletivista pode ser visto como a dificuldade de pensar a diferença; no plano afetivo como

sentimento de estranheza, medo, hostilidade, etc...

Portanto, esses grupos etnocêntricos e coletivistas fazem uma profunda distorção

dos pensamentos, imagens e representações da vida daqueles que são diferentes.69

d) O fanatismo social: O fanatismo70 neutraliza a personalidade do ser; além de

ser uma atitude que explica a idolatria, não só política, mas de todo o tipo que acontece no

meio social. Muitas vezes o grupo coletivista desemboca para o fanatismo. Conforme

Frankl, os fanáticos usam todos os recursos para fazer valer seus ideais; literalmente

passam por cima de todos sem o mínimo de receio ou sentimento de culpa, desconhecem

qualquer misericórdia do perdão. Para eles, pouco importa a opinião dos inocentes que

nada têm a ver com a sua forma de pensar; e quando não conseguem expor suas idéias

perdem o controle sobre si, são escravos do princípio do tudo ou nada.71

Não é o objetivo que importa, mas sim, o estilo da política. Porém,


existem dois estilos de política e duas espécies de políticos: Aqueles para
quem o fim justifica os meios – e aqueles que têm consciência de que
também existem meios que profanam o mais legítimo dos fins.
Efetivamente nem é verdade que os fins justificam os meios; pela simples
razão de que, se para uma pessoa todas as coisas não são senão meio para
o fim, para essa pessoa nem mesmo o fim pode ser justo. Pois para quem
qualquer meio é justo, para este não existe coisa alguma que seja justa.72

Em última análise, entre os sadios e mentalmente não prejudicados, alguns

decidem desistir de sua liberdade e de sua responsabilidade: são os que possuem um

caráter neurótico, que em liberdade decidem-se contra a liberdade.

69
ROCHA, Everaldo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 8-9.
70
O fanatismo é uma atitude que explica a idolatria não só política mas de todo o tipo que acontece no meio
social. (XAUSA, op. cit., p. 138).
71
LUKAS, op. cit., p. 107.
72
LUKAS, op. cit., p. 107.
31

2.3 O CAMINHO PARA UMA VIDA BEM VIVIDA

“O homem busca o significado de sua vida e


nunca cessa de estar em tensão para
alcançá-lo”.

VIKTOR FRANKL

O ser humano precisa de maturidade e de grandeza para lidar com os reveses da

vida. É essa dimensão que ele atinge, quando não se deixa vencer pelo destino,

desenvolvendo a capacidade de enfrentar e assumir o seu sofrimento como um processo de

amadurecimento; onde esperança, serenidade e força são os caminhos encontrados. Este é

o legado deixado por pessoas que passaram por muitas situações difíceis e conseguiram

transcender este sofrimento.

O sentido, além de nos mostrar o valor vital, também se revela como um valor de

sobrevivência. Pessoas que, por razões desconhecidas, tentam o suicídio, não conseguem

ver possibilidades viáveis para sua vida; encontram-se numa total falta de sentido, sem

amparo e não sabem onde se apoiar ou a quem recorrer. Essa é a forma impaciente de ver

a sua vida. Mas a vida dá a essas pessoas a possibilidade de resgatar o verdadeiro sentido.

Na França realizou-se uma pesquisa de opinião pública, que constatou


que 89% das pessoas consultadas admitiram que o indivíduo precisa de
“algo” em função do qual viver. E 61% admitiram haver algo ou alguém
em suas próprias vidas pelo qual estariam até prontas a morrer. Numa
outra pesquisa feita por cientistas da Universidade John Hopkins (com
7.948 alunos em 48 Universidades), constatou que ao perguntarem sobre
o que consideravam “muito importante” para eles naquele momento 16%
dos estudantes responderam “ganhar muito dinheiro”, 78% afirmaram
32

que o seu principal objetivo era “encontrar um propósito e sentido para


minha vida”73

Frankl é considerado o pai dos estudos sobre “resiliência”, sinônimo de

flexibilidade, que é a capacidade presente em algumas pessoas de transcender às

dificuldades que a vida lhes impõe, resistindo e contornando situações difíceis e anormais.

Na atualidade, esta capacidade é muito valorizada nas grandes empresas, por ser

um atributo fundamental para quem deseja e ambiciona um cargo de liderança. Para

Carolyn Larkin, uma das mais gabaritadas pesquisadoras da área de recursos humanos, a

resiliência é classificada como o terceiro aspecto mais importante de um líder. Para Larkin,

a resiliência, antes da inteligência emocional, é que vai determinar a felicidade e a

longevidade de um relacionamento, de uma carreira e de uma vida. 74 Uma das

características mais fortes da personalidade de uma pessoa resiliente é a tolerância a

mudanças, expressada em ditos como – “o fundo do poço não tem ralo, tem mola”75. Este

tipo de personalidade consegue entender os imprevistos como algo que faz parte do

processo de crescimento, e com esta atitude, mantém a calma e a serenidade nos momentos

de turbulência. Outra característica de um resiliente é manter-se sempre com os pés no

chão, ou seja, sem otimismo exagerado ou discurso fatalista; mas com bom humor,

improvisando situações e amenizando os percalços.

A capacidade de resiliência também se mostra em determinadas crianças, que

sofrem traumas na infância, como abuso sexual e maus tratos, e se transformam em

adultos saudáveis e equilibrados, conseguindo se sobrepor nas situações limítrofes de

sofrimentos e perdas em suas vidas.

73
FRANKL, Em busca de..., p. 92-93.
74
LISBOA, Sílvia. Resiliência, o segredo dos heróis. Amanhã, jan./fev. 2004, n.. 195, p. 27-30.
75
Ibidem, p. 28.
33

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a resiliência como


um dos principais mecanismos de combate ao estresse e a doenças
psicossomáticas em jovens e adultos. Partindo do pressuposto de que não
é possível evitar uma situação estressante, e, por isso, é mais fácil ensinar
as pessoas a reagir melhor e mais rapidamente.76

Para Frankl, a chave para o desenvolvimento dessas crianças resilientes é acreditar

que a vida, mesmo com sofrimento e maus–tratos, tem um sentido único; para sobreviver,

conseguem transcender, encontrando algo que está fora delas próprias. As instituições

especializadas darão o apoio psicológico necessário, principalmente o amor.

76
LISBOA, op. cit., p. 28.
CAPÍTULO III

A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE

“No fundo do nosso ser há um desejo tão insaciável

que não pode referir-se a outra coisa senão a Deus.”

VIKTOR FRANKL

Com a descoberta de Frankl em encontrar o sentido último da vida humana, na

relação com a revelação que está acima de tudo que é Deus, significa que todo ser humano

estende as mãos em busca de um refúgio ao divino, uma harmonia transcendente,

inquebrantável de todos os sentidos.77

Nessa harmonia que transcende o espiritual do ser humano, existe uma

religiosidade latente ou uma fé inconsciente, muitas vezes, revelada somente através de

análises de sonhos, mesmo nos que não têm religiosidade.

Frankl valoriza a religião, a ser considerada pela psicologia, afinando-se com o

pensamento de Jung, James, Bergson, Otto, Scheler e outros. Porquanto, a pessoa quando

encontra o sentido último da vida em Deus, sente-se ancorada e protegida:

Assim, ultrapassando a visão do homem máquina e do homo natura,


Frankl encontra o Homo Humanus, que usa o cinzel para eternizar na
pedra um sentimento, que usa o canto ou a prece para comunicar o belo
77
LUKAS, op. cit., p. 43.
35

ou o santo. É também aquele que anseia pelo espiritual e vai além do


impulso para eternizar uma idéia, uma obra ou alcançar o Eterno, o
Supra-sentido, no seio do próprio Deus.78

Segundo Frankl, a voz da consciência é a voz da transcendência, é um fenômeno

que transcende o plano espiritual; é esta consciência que indica um sentido básico para a

vida. Buscar ser e o ter responsabilidade é a base para o equilíbrio do homem como ser

espiritual e religioso.

O psicólogo Reinhard Tausch (professor da Universidade de Hamburgo), na sua

pesquisa, confirma a posição de Frankl, concluindo:

Uma análise de mais de 200 pesquisas, na maioria norte-americanas, leva


à conclusão de que pessoas que têm a idéia de um Deus que as ama e
ampara, com uma fé interiorizada, e pessoas com uma clara concepção
espiritual da vida: Vêem mais sentido na vida, estão mais satisfeitas com
a vida, têm mais esperanças e experimentam menos desmoralização;
estão mais dispostas a ajudar os outros, participam mais de campanhas de
ajuda, têm menos preconceitos; são psiquicamente mais sadias, dominam
melhor as crise, usam menos nicotina, álcool e drogas; têm menos
relações sexuais pré e extra-matrimoniais, são mais agradecidas e
perdoam mais facilmente e, por último, tornam-se criminosas com menos
freqüência que pessoas sem convicções religiosas.79

Essas pessoas conseguem dar um sentido em suas vidas, porque acreditam na mão

divina que ampara nos momento de inquietude, desespero e sofrimento.

78
FRANKL, A presença ignorada..., p. 9.
79
LUKAS, op. cit., p. 44-45.
36

3.1 INCONSCIENTE ESPIRITUAL

Ao falar do inconsciente, Frankl explicita que não se refere ao inconsciente

instintivo e sim, ao inconsciente espiritual. Desta forma, amplia e diferencia o conteúdo do

inconsciente, para instintividade inconsciente e espiritualidade inconsciente.80 A psicologia

preocupou-se em estudar a pessoa nas profundezas inconscientes de seus instintos, mas

esqueceu de buscar na profundeza do seu inconsciente o ser espiritual. Para Freud no

inconsciente estava armazenada somente a pulsão instintiva reprimida, enquanto que para

Frankl, o próprio espiritual também é inconsciente; como a existência é sempre irrefletida,

simplesmente porque não pode ser objeto de reflexão.81 Na sua origem, o espírito é

inconsciente, e ao reconhecermos isso, afastamos toda a intelectualização e racionalização

sobre a essência do homem, deixando de vê-lo a partir da razão.

O ser humano, verdadeiramente, é ele próprio, não quando é impulsionado, e sim,

quando responsável. A psicoterapia mostra a existência do ser espiritual como um ser que

tem o livre arbítrio, tem a sua responsabilidade livre; desta forma, Frankl contesta a

hipótese de que o ser está condicionado a aceitar os acontecimentos de sua vida como

destino. Quando Frankl fala da totalidade do ser humano, como um ser integrado no seu

bio-psico-espiritual (mente, corpo e espírito), quer explicar que com essa tríade se forma o

ser humano na sua íntegra. Como ser de corpo e mente – conceito da psicofísica, jamais

seria um ser na totalidade humana.

80
FRANKL, A presença ignorada..., p. 18.
81
Ibidem.
37

3.2 INCONSCIENTE RELIGIOSO

A logoterapia é a única teoria psicoterapêutica que reflete sobre o espiritual a

partir do psicológico, ou seja, é uma psicoterapia a partir do espiritual.82 Frank relata uma

experiência nos Estados Unidos: numa de suas conferências, deixou aberto ao público

fazer perguntas por escrito. Um teólogo que presidia o evento recusou-se a passar para

Frankl uma das perguntas, achando que era uma brincadeira, no entanto, Frankl fez questão

de ouvir e depois ler a pergunta, e o teólogo traduziu a pergunta, como: “Como se define

600 em sua teoria?”. Frankl leu a pergunta e entendeu que não se tratava de uma bobagem

e sim um erro de interpretação, porque a pessoa escreveu em letras maiúsculas, e em

inglês, não sendo difícil para Frankl traduzir o verdadeiro sentido da pergunta, que era

GOD (Deus). Esta experiência para Frankl foi tão marcante, que quando chegou em Viena,

reuniu seus alunos e fez a mesma pergunta, utilizando como método projetivo, que resultou

em: “Nove deles leram o número 600, outros leram GOD (Deus), e quatro não souberam

responder”. Desta experiência Frankl conclui que: “A pessoa que não mais consegue

encontrar sentido em sua vida, nem tampouco consegue inventá-lo, tenta fugir do seu

sentimento cada vez mais forte de falta de sentido e produz ou algo absurdo ou um sentido

subjetivo”.83 Refere-se a 1 Samuel 3.2-9 onde o profeta, ainda adolescente, não reconhece

que o chamado que ele recebe é de Deus e pergunta:

Como poderia então uma pessoa comum ser capaz de reconhecer sem
dificuldade o caráter transcendente desta voz com que lhe fala sua
consciência? E por que razão haveríamos de nos surpreender se ele
normalmente tomar esta voz com que lhe fala a consciência como algo
fundamentado em seu próprio ser? Mais adiante afirma: Pois assim como
se necessita de um pouco de coragem para declarar-se partidário daquilo
que se reconheceu, é preciso ter um pouco de humildade para designá-lo
82
LEÓN, Jorge A. Introdução à psicologia pastoral. Trad. de Ruth Maria Maestre. São Leopoldo: Sinodal,
1996, p. 22-23.
83
Ibidem, p 25.
38

com aquela palavra que as pessoas vêm usando há milênios: a simples


palavra Deus.84

Frankl conseguiu ver em Deus a fonte moral na vida do ser humano, ou seja, a

mão divina amparando e acolhendo todos os que crêem. E define que:

Nenhum superego, nenhum ego-ideal poderia ser eficaz se procedesse


simplesmente de mim mesmo, se fosse apenas um modelo criado por
mim, e não, de alguma forma, algo dado, preexistente; jamais poderia ser
eficaz se se tratasse unicamente de minha própria invenção.85

Colocando de forma hierárquica, Frankl vê o pai como ontogenético, biológico e

biográfico, e do ponto de vista ontológico, Deus está em primeiro lugar. Além dessa

descoberta da espiritualidade inconsciente como sendo uma religiosidade inconsciente no

sentido de um relacionamento com Deus, de algo transcendente ao homem; descobriu-se a

fé inconsciente e transcendente, e que o espiritual pode ser tanto consciente ou

inconsciente.

Ao utilizar o método freudiano de interpretação dos sonhos sobre o inconsciente,

Frankl diz: “[...] devemos esperar que os sonhos, aquelas produções autênticas do

inconsciente, sejam constituídos não só de elementos do inconsciente instintivo, mas

também daqueles do inconsciente espiritual.86 Além de denominar o “inconsciente

espiritual” como transcendente e existente, caracteriza o inconsciente espiritual como

espontâneo: À religiosidade verdadeira, para que seja existencial, deve ser dado o tempo

necessário para que possa brotar espontaneamente. Nunca podemos apressar a pessoa neste

caminho”.87 Em outro momento, acrescenta:

84
LEÓN, op. cit., p. 25.
85
Ibidem.
86
Idem, p.26.
87
LEÓN, op. cit., p.28.
39

Nossa geração é realista porque chegamos a conhecer o ser humano como


ele de fato é. Afinal, ele é aquele ser que inventou as câmaras de gás de
Auschwitz; mas ele é também aquele ser que entrou naquelas câmaras de
gás de cabeça erguida, tendo nos lábios o Pai-Nosso.88

As pessoas que não têm fé são consideradas adormecidas, precisam de seu tempo

de despertar, pois sua fé latente pode voltar numa situação limítrofe.

88
FRANKL, Em busca de..., p. 114.
CONCLUSÃO

Ao chegar ao final deste trabalho, acredito que a logoterapia possa fundamentar o

trabalho de Aconselhamento e Psicologia Pastoral, capacitando as pessoas a entenderem

que a vida cobra atitudes e responsabilidades. Que as pessoas não são vítimas do acaso.

Que a vida, com a sua sabedoria divina, coloca o ser humano em determinadas situações

para que possa transcendê-las, buscando um sentido último para crescer como seres

humanos e ter uma visão otimista da vida, para estar abertos espiritualmente e para

reescrever a história.

Wondracek e Hernandez fazem um comentário no seu livro “Aprendendo a lidar

com crises”, no qual afirmam: “Quando perdemos a capacidade de olhar o que se passa,

somos invadidos pelas fantasias”89, e nessa mesma visão Rollo May no seu livro “O

homem à procura de si mesmo”, fala do homem fecundo – quando a pessoa se sente como

agente, quando faz o processo de auto-percepção e toma para si a consciência. Essa tomada

de consciência às vezes é difícil, porque a pessoa passa por um processo de desnudamento,

ou seja, por um grau de consciência do eu que sente. Para May90 quanto menos consciente

de si mesma, mais cerceada e automática a pessoa estará no presente imediato. Como

exemplo deste processo de fuga, May fala da pessoa que evita o tédio num trabalho de

rotina – “piloto automático”91 que é o mesmo que estar ausente a milhares de quilômetros –

89
WONDRACEK e HERNANDÉZ, op. cit., p. 95.
90
MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. 17 ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 221.
91
Termo usado por Wondracek e Hernandéz em seu livro (op. cit.).
41

como num sonho, como se houvesse um obstáculo entre a pessoa e o presente. 92 A razão da

pessoa fugir desse contato com o seu eu, é que o eu a deixa ansiosa, com uma sensação de

estar nu ou de encontrar-se numa realidade da qual não pode fugir, recuar ou se esconder.

Este é o ponto abordado por Frankl na questão da atitude e da responsabilidade na Análise

Existencial – Logoterapia. Concluindo, Rollo May fala: “O passado tem significado

quando o ilumina, e o futuro quando o torna mais rico e mais profundo”93. Enfim o

saudável é viver o presente, sem medo, receio e angústia, procurando sempre o estar aqui,

com fé na divina sabedoria que é Deus.

É nesta acepção que a Logoterapia concerne à questão do sentido da vida,

tornando-se vital na ajuda a pessoas que buscam respostas ao vazio existencial, que se

expressa (o vazio) como ausência de sentido na vida. Para Frankl o sentido da vida não

pode ser inventado, tem de ser descoberto. O pai do existencialismo – Kierkegaard define

como “Existência” a descoberta de um emergir, impor-se, aflorar e sobressair. É o

emergir do sopro do espírito para a imensidão de dádivas que a vida nos coloca. Comenta

Kierkegaard:

“Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo... E

aventurar-se no sentido mais elevado é precisamente tomar consciência de si próprio.”94

Entrando na importância da descoberta do sentido da vida, vejo um caminho

fecundo no abrir-se à vida na comunhão com a religião. Nesse sentido, num diálogo

análogo, Karin Wondracek, no seu livro “O futuro e a ilusão”, conversa sobre a

importância da religião na vida das pessoas com Abrão Slavutzky,95 que comenta:

92
MAY, op. cit., p. 221-222.
93
Ibidem, p. 220.
94
Idem.
95
Abrão Slavutzky é psicanalista em Porto Alegre.
42

[...] a religião também está a serviço de uma solidariedade. As pessoas se


sentem fraternas, elas se aproximam, elas se unem, elas criam situações
onde ficam amparadas. Penso que a religião é criativa na medida em que
possibilita que as pessoas não se sintam tão sozinhas. A religião é um
antidepressivo importante, do meu ponto de vista. Eu brinco com pessoas
que têm religião quando estão meio deprimidas, dizendo que está
faltando fé. A pessoa deprimida tem qualquer coisa, menos fé. Porque há
uma carência de fé. Fé em si, fé na vida, depressão seria uma dimensão
disso. Então, a religião é um poderoso antidepressivo.96

No mesmo embate com Wondracek, Enio A. Mueller comenta:

Quando o ser humano adere a uma religião, de certa forma experimenta


uma significativa ampliação de seu espaço-tempo. Essa referencialidade
que transcende os limites do indivíduo lhe traz, ou lhe amplia, o senso de
humanidade e de identidade.97

Na sua concepção, Müeller define identidade como “[...] não é algo que se possui
na existência, mas é algo que vai sendo construído aos poucos”.98

Nesse trabalho procurei mostrar como isso se deu na vida de Frankl. Foi esse

emergir pela transcendência que o salvou no campo de concentração. Foi a sua liberdade

interior, que o fez capaz de suportar todo o holocausto e sofrimento. Sobreviveu por sua

determinação de manter sua esposa viva na memória e por sua promessa de reencontrá-la.

Esse é o credo de Frankl que o levou a sistematizar a logoterapia, e esse é o caminho para

auxiliarmos as pessoas através do Aconselhamento e Psicologia Pastoral.

Esta aplicação passa por, primeiramente, auxiliar-nos a acreditar que há um

propósito de Deus em nossa vida, que a fé ajuda a edificar e capacita a transcender as

adversidades, reencontrando os valores perdidos pelos sofrimentos e desacertos em que a

vida nos coloca.

96
WONDRACECK, Karin Hellen Kepler. (Org.). O futuro e a ilusão: um embate com Freud sobre
psicanálise e religião. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 246-47.
97
WONDRACECK, op. cit., p. 248.
98
Idem.
43

Vejo a logoterapia como uma ferramenta muito importante para trabalhar com os

moribundos que, sem esperança, preferem a eutanásia para se libertarem do sofrimento.

Na logoterapia o princípio ativo é que a vida, independente das circunstâncias (sofrimento,

dor e morte) deve ser vivida. O desafio como aconselhador está em conseguir trabalhar o

espiritual deste moribundo, o seu discernimento com relação à vida, fazendo-o entender

que, apesar de seu sofrimento, tem a capacidade de transcender essa situação e jamais

renunciar a seu sentido na vida, procurando testemunhar sua fé em Deus – citando

Nietzsche: “Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”.99 Nesse sentido,

Frankl fala do processo do sofrimento como uma sábia lição de saber agir, crescer e

amadurecer com as situações adversas que a vida coloca. Edificando suas conquistas e

capacitando-o a entender que valeu a pena viver! No aconselhamento, o logoterapeuta o

ajudará a perceber que Deus sempre estará presente na sua dor e no seu sofrimento.

Aceitar a finitude da vida, e entregar-se a Deus, é o caminho para sua paz espiritual. Frankl

cita sobre a experiência da vida na transitoriedade, como:

Aquilo que viveste, nenhum poder do mundo tirará. Aquilo que


realizamos na plenitude da nossa vida passada, na abundância de suas
experiências, essa riqueza interior nada nem ninguém nos podem tirar.
Mas só o que vivenciamos; também aquilo que fizemos, aquilo que de
grandioso pensamos, e o que padecemos, tudo isso salvamos para a
realidade, de uma vez por todas.100

Com o término deste trabalho, vejo uma necessidade emergente de resgatar a

espiritualidade, principalmente dos jovens que sofrem pelas perdas de valores e

consciência, gerando um vazio existencial, que os leva às drogas, à prostituição e à

99
XAUSA, op. cit., p. 140.
100
FRANKL, Em busca de..., p. 80.
44

delinqüência, A proposta de Rollo May101 na visão Existencial “é de buscar a verdade por

pior que seja, pois a verdade sempre deixa o sujeito mais sólido e íntegro”.102

Para Frankl sentido não só precisa, mas também pode ser encontrado, e
na busca pelo mesmo é a consciência que orienta a pessoa. Em síntese, a
consciência é um órgão do sentido. Ela poderia ser definida como a
capacidade de procurar e descobrir o sentido único e excluído oculto em
cada situação.103

Esse será o meu credo no “Aconselhamento e Psicologia Pastoral” – acreditar no

ser humano dentro da sua percepção, ajudando-o a entender a vida como uma dádiva que

deve ser vivida na sua intensidade e plenitude total.

101
Teólogo e psicanalista, Rollo May nasceu em Ohio, Estados Unidos em 1909. Formado pelo Orbelin
College em 1930, doutor pela Universidade de Columbia, professor das Universidades de Harvard, Princeton
e Yale, May tem uma vasta obra publicada em todo o mundo. Nela se incluem, entre outros, A coragem de
criar, O homem à procura de si mesmo, Psicologia e dilema humano, Poder e inocência e Liberdade e
Destino, também lançado pela Rocco. Rollo May é um dos principais representantes do Humanismo
americano.
102
LESSA, op. cit., p. 2-5.
103
FRANKL, A presença ignorada..., p. 68.
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Leopoldo: Sinodal, 2004.

_____ (Org.). O futuro e a ilusão: um embate com Freud sobre psicanálise e religião.

Petrópolis: Vozes, 2003.


ANEXO (FOTOS)
.

Foto 1. Frankl em 1946

Foto 2. Frankl na infância com seus irmãos


50

Foto 3. Frankl com Tilly Foto 4. Elli em 1947


51

Foto 5. Frankl com Karl Jaspers

Foto 6. Frankl com Heidegger

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