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Ao Arqueólogo do Futuro

Carta de Olgária C. F. Matos


Olgária C. F. Matos*

Caro Arqueólogo do Futuro,

Entre os séculos XIX e XXI não se acreditava mais em Deus. A emancipação do homem seria
obra sua. E Victor Hugo, em Os Miseráveis, sob o império do otimismo científico, dava a
palavra ao estudante Enjolras: “Cidadãos, o século XIX é grande, mas o século XX será
feliz”. Falava-se no término da sociedade organizada em condições dolorosas de trabalho e,
com suas tecnologias, estava apta a passar “do socialismo científico ao socialismo utópico”.
Porém, os resultados anti-humanos da tecnologia – as catástrofes da energia nuclear civil, a
indústria bélica, a exploração produtivista da Natureza, a escassez de recursos morais para
“fazer dela o seu ‘órgão’” –, bem como a decepção diante dos gigantescos desenvolvimentos
da técnica não convirem ao aprofundamento das democracias políticas, questionaram a fé no
progresso. Mas a ele sucedeu a crença no destino – o fetichismo econômico. Com o que essa
época diluiu a questão existencial e metafísica das incertezas da vida e da história pelo elogio
da insegurança e do medo. Muitos consideravam a crise do futuro e sua heurística da
desesperança.

O “mercado” passou a determinar todas as esferas da vida. Sociólogos, antropólogos,


comunicadores faziam suas contas: em alguns países, era preciso mais tempo de trabalho do
que em outros para adquirir o mesmo bem – o que permitia conhecer a geografia das riquezas
e da miséria dos povos. Em 2006, por exemplo, um habitante de Nairobi precisava de 193
minutos de trabalho para consumir um hambúrguer Big Mac, 117 em Caracas, apenas 9 para
um habitante de Chicago ou de Tóquio, 21 em Bruxelas ou Paris. Procuravam a “precisão”
em cifras e números, estatísticas e gráficos; calculava-se tudo – o que resultava,
freqüentemente, em aberrações. Assim, se em um determinado período o crescimento
demográfico registrava um decréscimo do número de nascimentos, dizia-se que as mulheres
tinham 4,3 filhos em média.

Eram os anos 2000. As determinações econômicas aceleravam o tempo através dos


mecanismos de mercado. Fascinados, dirigentes empresariais buscavam o lucro em curto
prazo, tinham obsessão pela performance e pelo desempenho produtivo anfetamínico; este
levava os capitais ao deslocamento ininterrupto, de bolsa de valores em bolsa de valores, de
país em país, onde permaneciam por prazos cada vez mais curtos. O novo espírito do
capitalismo era o do “excesso”: falta de trabalho e desemprego, para muitos; transbordamento
de tarefas, para outros. Por volta dos anos 1980, quando se falava em tempo de trabalho,
diversamente dos anos 2000, era para reduzir suas horas semanais, na seqüência de lutas
históricas dos trabalhadores do mundo todo para conquistar tempo livre. No século XIX,
quando a ocupação nas cidades chegou a 16 horas diárias, seu aumento tanto absoluto quanto
relativo era uma espécie de tortura: “durante um longo período as pessoas tentaram uma
resistência desesperada contra o trabalho noturno ligado à industrialização. Trabalhar antes do
amanhecer ou depois do pôr-do-sol era considerado imoral”, observava Robert Kurz. À
maneira dos mercados financeiros, o homem não devia dormir nunca.

Predominava o sentimento de não mais se ter tempo – percepção paradoxalmente também


encontrada entre os desempregados. Na década de 1990, desaparecia a discussão pública
sobre a redução das horas de trabalho e ingressava o aumento dos anos de trabalho ao longo
da vida. A lógica contábil alegada nessa ocasião era a estabilidade atuarial da previdência
social e eliminou completamente a questão de que, com os ganhos de produtividade pela
automação e informatização, se o trabalhador fazia em uma hora o que antes fazia em duas,
não precisava continuar a trabalhar duas. Ao que parece, a derrota mundial das esquerdas com
a queda das ditaduras comunistas facilitou o esquecimento da questão.

A atividade sem trégua do modo de produção capitalista tornou-a desmedida, não tolerando o
tempo livre, sequer o noturno de repouso, passividade ou contemplação. A economia exigiu a
extensão e a intensificação da atividade até os últimos limites físicos e biológicos dos
indivíduos. Prometia felicidade pelo consumo de bens materiais, mas frustrava a promessa
porque produzia artificialmente a escassez para manter o mercado em funcionamento.

A temporalidade era patológica e se exprimia na ansiedade de “matar o tempo” – porque ele


esvaziava-se de significado – e instituiu-se o stress como ideal. Esse tempo era também o da
exaustão. Diferia a exaustão do cansaço. Se neste os indivíduos ainda eram capazes de
pensamento e imaginação, na exaustão não havia possibilidade de pensar, apenas
hiperatividade vazia e, com freqüência, destrutiva. Abulia e sofreguidão, embora
aparentemente diversos, implicavam, ambas, a “reificação de si”, a percepção de si como vida
sem valor. Não se podia deliberar acerca do trabalho ou dos usos que se poderia fazer do
tempo, as pessoas eram mais agidas que agentes: “a atividade tornara-se uma variante da
passividade e mesmo onde as pessoas se cansam até o limite (…); ela tomou a forma de uma
atividade, mas para nada – isto é, uma inatividade”, anotava Gunther Anders.

O tempo era monótono e preenchido por esportes radicais, obesidade mórbida, anorexias,
bulimia, terrorismos e guerras. Essa “agitação permanente” era a expressão do
desencantamento psíquico e da cultura, da perda de significado da vida – de onde a
“desvalorização de todos os valores”, a incapacidade de criar ou reconhecer valores.

No século XX, nada era realmente proibido e, no entanto, nada era realmente possível porque
não havia laços estáveis em nada e a monotonia era tanto mais terrível quanto menos se
vislumbrava um futuro. Vivia-se pressionado por “urgências”. Por isso, um filósofo escrevera
que “as rugas em nosso rosto são as assinaturas das grandes paixões que nos estavam
destinadas, mas nós, os senhores, não estávamos em casa”. É claro que ninguém estava
obrigado a viver dessa maneira, mas as pessoas se habituaram a obedecer sem mesmo ser
necessário obrigá-las.

Mas, caro Arqueólogo do Futuro, houve momentos disruptivos que prenunciavam o porvir. O
ano de 1968 parisiense cunhou a divisa: “não mude de emprego, mude o emprego de sua
vida”. E ainda: “vivre sans temps morts, jouir sans entraves” (viver sem horas mortas, fruir
sem entraves). Em 2006, novamente, jovens franceses – que haviam descoberto sua força
social, intelectual e política – recusavam uma lei considerada humilhante sobre como
conseguir um “primeiro emprego”. Desfilaram, aos milhares, com toda a população da cidade,
partindo da Praça da Bastilha – onde começara a Revolução Francesa, em 1789 – e dirigiram-
se a Montmartre, onde hoje se encontra o Sacre Coeur. Aí foram fuzilados os communards e
as esperanças revolucionárias em 1871. Lá os estudantes ergueram a faixa com a inscrição:
“1789-2006”. Essa lei, caso tivesse sido aprovada, enterrava, definitivamente, a República
Francesa, sua paixão pela igualdade, pela liberdade, a douceur de vivre e o sentido do bem
comum.

Os jovens preferiram um princípio estético em vez do pragmatismo e da adaptação às


condições impostas pelo mercado mundial. Recusaram o destino. Recusaram o realismo
político e seu gosto pelo status quo. Contra o princípio do desempenho, preferiam o literário.
Diziam: “chega de atos, queremos palavras”. Por seu irrealismo, jovens estudantes
promoveram a crítica radical do presente, quando se perdia o tempo e a vida. A imaginação
foi, nesses anos – 1871, 1968, 2006 –, a verdadeira força produtiva, desalienou o tempo e
reabriu o futuro.

Transformação radical, a “revolução” dos jovens estudantes reuniu poesia e revolução e,


nesse tempo, a “ação foi irmã do sonho”.

* Professora de Filosofia Política do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP e autora, entre outros, de


“Os arcanos do inteiramente outro – A Escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução”.

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