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UNDAMENT OS DA
AMENTOS
PSICOPEDAGOGIA
SICOPEDA
1
O termo psicopedagogia apresenta-se, hoje, com uma característica especial.
Quanto mais tentamos elucidá-lo, menos claro ele nos parece. Essa dificuldade é
uma das razões e finalidade do presente ensaio, isto é, procuro deixar claro que a
ambigüidade reside tanto na palavra quanto na coisa que ela reporta. À primeira
vista, o termo sugere tratar-se de uma aplicação da psicologia à pedagogia, porém
tal definição não reflete o significado que esse termo assume em razão do seu nasci-
mento. Como diz Lino de Macedo (1992), “o termo já foi inventado e assinala de
forma simples e direta uma das mais profundas e importantes razões da produção de
um conhecimento científico: o de ser meio, o de ser instrumento, para um outro,
tanto em uma perspectiva teórica ou aplicada”. Neste sentido, enquanto produção
de conhecimento científico, a psicopedagogia, que nasceu da necessidade de uma
melhor compreensão do processo de aprendizagem, não se basta como aplicação da
psicologia à pedagogia. Macedo (1992, p. VII) lembra-nos, ainda, que no Novo
dicionário Aurélio da língua portuguesa o termo psicopedagogia é definido como
“aplicação da psicologia experimental à pedagogia”.
Os diversos autores que tratam da Psicopedagogia enfatizam o seu caráter
interdisciplinar.1 Reconhecer tal caráter significa admitir a sua especificidade en-
quanto área de estudos, uma vez que, buscando conhecimentos em outros campos,
cria o seu próprio objeto, condição essencial da interdisciplinaridade. Ao admitir
essa interseção, não nos resta outra alternativa senão abandonarmos a idéia de tratar
a psicopedagogia apenas como aplicação da psicologia à pedagogia, pois, ainda que
se tratasse de recorrer apenas a estas duas disciplinas (o que não creio) na solução da
problemática que lhe deu origem – os problemas de aprendizagem –, não seria como
mera aplicação de uma à outra, mas sim como constituição de uma nova área que,
recorrendo aos conhecimentos dessas duas, pensa o seu objeto de estudo a partir de
um corpo teórico próprio, ou melhor, que busca se formar.
Penso que a psicopedagogia, como área de aplicação, antecede o status de
área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, defi-
20 Nadia A. Bossa
nir o seu objeto de estudo, delimitar o seu campo de atuação; para isso, recorre à
psicologia, psicanálise, lingüística, fonoaudiologia, medicina e pedagogia. Pode-
mos citar alguns profissionais brasileiros que objetivam dar a sua contribuição na
formação desse corpo teórico, começando por tentar definir a psicopedagogia.
Para Maria M. Neves (1992, p. 10):
[o] objeto de estudo da psicopedagogia deve ser entendido a partir de dois enfoques:
preventivo e terapêutico. O enfoque preventivo considera o objeto de estudo da psicope-
dagogia o ser humano em desenvolvimento, enquanto educável. Seu objeto de estudo é
a pessoa a ser educada, seus processos de desenvolvimento e as alterações de tais proces-
sos. Focaliza as possibilidades do aprender, num sentido amplo. Não deve se restringir a
uma só agência como a escola, mas ir também à família e à comunidade. Poderá esclare-
cer, de forma mais ou menos sistemática, a professores, pais e administradores sobre as
características das diferentes etapas do desenvolvimento, sobre o progresso nos proces-
sos de aprendizagem, sobre as condições psicodinâmicas da aprendizagem, sobre as
condições determinantes de dificuldades de aprendizagem. O enfoque terapêutico consi-
dera o objeto de estudo da psicopedagogia a identificação, análise, elaboração de uma
metodologia de diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.
ela considera o sintoma histérico a plataforma de lançamento para que Freud pudesse
formular a teoria e a técnica da psicanálise, dando conta dos fenômenos inconscien-
tes, o problema da aprendizagem é nossa plataforma de lançamento para construir
uma teoria psicopedagógica .
Mas ainda não podemos construir uma teoria acerca de nossa prática específica, na pato-
logia da aprendizagem. Recorremos à teoria da inteligência de Piaget, que nos aporta um
modelo da inteligência, mas não uma teoria sobre as fraturas no aprender, acerca do sujei-
to que não aprende. Recorremos também à psicanálise, que nos permite, entre tantas ou-
tras coisas, realizar uma leitura do inconsciente e nos possibilita um marco psicopatológico
a que remetemos para compreender a estrutura de personalidade de nossos pacientes. Mas
carecemos de uma psicopatologia acerca da aprendizagem. Estamos tentando construir
nossa própria teoria, nosso específico enquadramento, os rasgos diferenciadores de nossa
técnica e nosso lugar como especialistas em problemas de aprendizagem.
Segundo Jorge Visca (1987), a psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação
subsidiária da medicina e da psicologia, perfilou-se como um conhecimento inde-
pendente e complementar, possuidora de um objeto de estudo – o processo de
aprendizagem – e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios.
Para Marina Müller, ao refletir-se sobre o objeto de estudo específico da psico-
pedagogia, deve-se tomar em conta o lugar em que se situa este campo de atividade.
Müller (1984, p. 7 e 8) diz que é função da psicologia pensar
Ainda de acordo com Alicia Fernández (1991), todo sujeito tem a sua modalidade
de aprendizagem, ou seja, meios, condições e limites para conhecer. Modalidade de
aprendizagem significa uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e
constituir o saber. Tal modalidade constrói-se desde o nascimento, é como uma matriz,
um molde, um esquema de operar que utilizamos nas situações de aprendizagem.
Essa modalidade é fruto do seu inconsciente simbólico constituído na sua inter-relação
com o outro e de sua atividade estruturante de um universo estável: relação causa-
efeito, espaço-temporal, objetividade. Assim, organizam-se as operações lógicas de
classificação e de relação que de um nível de elaboração simples passam a outro cada
vez mais complexo. Esse sujeito envolve, em um único personagem, o sujeito
epistêmico e o sujeito do desejo. Isso significa que a possibilidade de aprender está
situada no nível inconsciente, no desejo de conhecer,5 conforme observa outro autor:
“Este desejo de conhecer (epistemofilia) está ligado, em movimento dialético, à busca
de sua própria verdade (conhecer quem é, e quem é para os outros), e à busca do
mundo cognitivo cultural, compartilhado socialmente” (Müller, 1984, p. 8).
A psicopedagogia no Brasil 27
res? Evidencia-se, neste caso, que alguns princípios da neurologia são de funda-
mental importância ao profissional da psicopedagogia, desde o encaminhamento
a outros profissionais até a definição da forma de tratamento.
Podemos ainda nos deparar com uma ocorrência em que a dificuldade advenha
de diferenças culturais e de linguagem. A estranheza dos significantes do profes-
sor para o aluno, e vice-versa, gera problemas na própria comunicação, compro-
metendo deste modo a leitura e a escrita, já que essas se configuram em um ato de
comunicação. A lingüística, nesta situação exemplar, pode oferecer um aparato
conceitual que venha a operar no sentido de explicitar ao psicopedagogo a causa
da problemática e, quem sabe, permitir-lhe uma eficiente intervenção.
De sua parte, a psicologia social ilumina a natureza do grupo a que pertence o
sujeito da aprendizagem e as interferências socioculturais desse grupo nesse sujeito.
Enfim, esse e os demais exemplos aqui apresentados atestam situações em que,
requerendo elementos conceituais de outros corpos teóricos, a psicopedagogia pen-
sa o seu objeto de estudo, exemplos em que se registra essa cooperação, esse operar
com outros sobre um problema, uma anomalia.
Os profissionais da psicopedagogia, como quaisquer outros profissionais, sus-
tentam a sua prática em pressupostos teóricos muitas vezes distintos, conforme já
referido antes. Isso implica diversificados enquadres, conseqüências da identifi-
cação do profissional com determinada corrente teórica. O psicopedagogo pode,
por exemplo, dentro das teorias da personalidade, escolher a psicanálise com o
objetivo de comprender o sentido inconsciente das dificuldades de aprendizagem.
Tal escolha estaria alicerçada na condição pessoal de psicopedagogo, a qual é
oriunda da sua experiência de análise e das condições da sua formação.
Essa opção implica determinado procedimento prático, no qual o trabalho
psicopedagógico consistiria em propor à criança a realização de determinadas tare-
fas e acompanhá-la na sua execução. O foco de atenção do psicopedagogo, porém,
é a reação da criança diante da tarefa, considerando resistências, bloqueios, lapsos,
hesitações, repetições, sentimentos e angústias frente a certas situações. Além de
outros procedimentos, o psicopedagogo faz as intervenções, que visam permitir à
criança entrar em contato com o sentido inconsciente das suas dificuldades.
Menos como uma digressão do que como um breve lembrete, poderíamos subli-
nhar que Freud já previu a possibilidade de se recorrer à psicanálise na compreensão
dos diversos sintomas (remetamo-nos ao uso psicanalítico do termo sintoma). O pro-
blema de aprendizagem enquanto sintoma pode ser comparado, na sua dinâmica,
com o sintoma conversivo. Frente a enfermidades que apareciam no corpo e que não
podiam ser explicadas pela medicina, Freud chega à noção de inconsciente e entende
que o que ocorria era uma conversão simbólica do inconsciente para o corpo. A partir
daí começa a pensar nas formações do inconsciente, entre elas o sintoma. Segundo o
criador da psicanálise, o inconsciente não se manifesta de forma direta, nem se pode
circunscrevê-lo ou delimitá-lo, mas aparece através das fraturas: o chiste, o lapso, o
ato falho, o sonho e o sintoma. “O futuro provavelmente atribuirá muito maior impor-
A psicopedagogia no Brasil 31
ainda mais do que com o adulto, é com a criança que encontramos dúvidas nosográficas.
Sujeito em evolução, a criança é móvel em suas estruturas e maleável em suas mani-
festações; o mesmo acontece em patologia.
va, é adotar uma postura crítica frente ao fracasso escolar, em uma concepção
mais totalizante, visando propor novas alternativas de ação voltadas para a melhoria
da prática pedagógica nas escolas.
Segundo Lino de Macedo (1990), o psicopedagogo, no Brasil, ocupa-se das
seguintes atividades:
O psicopedagogo, ainda segundo Janine Mery (1985), respeita a escola tal como
é, apesar de suas imperfeições, porque é através da escola que o aluno se situará em
relação aos seus semelhantes, optará por uma profissão, participará da construção
coletiva da sociedade à qual pertence. Isso não impedirá que o psicopedagogo cola-
bore para a melhoria das condições de trabalho numa determinada escola ou na con-
quista de seus objetivos. Em seu trabalho, ele deverá fazer com que a criança enfrente
a escola de hoje, e não a de amanhã. Esse enfrentamento, no entanto, não significaria
impor à criança normas arbitrárias ou sufocar-lhe a individualidade. Busca-se sempre
desenvolver e expandir a personalidade do indivíduo, favorecendo as suas iniciativas
pessoais, suscitando os seus interesses, respeitando os seus gostos, propondo e não
impondo atividades, procurando sugerir pelo menos duas vias para a escolha do rumo
a ser tomado, permitindo a opção. Assim, tanto no seu exercício na área educativa
como na da saúde, pode-se considerar que o psicopedagogo tem uma atitude clínica
frente ao seu objeto de estudo. Isso não implica que o lugar de trabalho seja a clínica,
mas se refere às atitudes do profissional ao longo da sua atuação.
A seguir, procuramos mostrar como a prática e a teoria psicopedagógicas
vêm ocorrendo – dentro desse território epistemologicamente problemático, visto
ser a psicopedagogia uma espécie de saber híbrido, se assim podemos dizer, en-
quanto derivado de outras vertentes ou afluentes, a psicologia e a pedagogia – nas
experiências específicas e inter-relacionadas do Brasil e da Argentina. Apesar dessa
hibridez, notaremos que se trata de um saber já algo configurado em certa autono-
mia, certa autenticidade: faz-se sua identidade enquanto uma jovem episteme.
NOTAS
1. Barthes (1988, p. 99), em O rumor da língua, apresenta uma definição que
merece ser citada, pois traduz perfeitamente o significado da psicopedagogia:
O interdisciplinar, de que tanto se fala, não está em confrontar disciplinas já
constituídas das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se. Para
se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um “assunto” (um tema) e con-
vocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar
um objeto novo que não pertença a ninguém.
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