A formação das Ciências Sociais e a contextualidade histórica do aparecimento da
Sociologia.
Ao promover um retrocesso histórico, podemos notar que o homem na sua
capacidade cultural de criação sempre processou formas de compreender ou interpretar sua forma de “estar no mundo”. É claro que as várias interpretações e explicações sobre ele mesmo, homem, nem sempre foram pautadas numa atividade racional e científica, ela foi utópica na Idade Antiga, espiritual na Idade Média, e posteriormente racional com os Iluministas e Enciclopedistas que tratavam os temas medievais com tal claridade racional, que transformaram a epistemologia e o trato metodológico das Ciências Sociais num corpo estruturado sobre a razão, a razão dos modernos, assentada num conhecimento experimental e no cientificismo das ciências naturais e exatas. É assim que surge a Sociologia, não só do apoio filosófico do “raciocínio das luzes” é o responsável pela elevação dessa nova ciência, existe um envolvimento histórico que a modernidade cria, demandando formas interpretativas a respeito daquela nova ordem social nascente, totalmente distinta do passado medieval e antigo, portanto a Sociologia surge de uma combinação histórica e temporal entre os problemas e pontos críticos da modernidade, e a formação de um corpo teórico e metodológico estruturado numa forma de conhecer a realidade de modo racional e experimental, herança transplantada das ciências físicas e naturais para as ciências naturais.
b) Objetos centrais da análise sociológica no seu período de formação histórica.
Existe um período de pré-produção sociológica, onde a sociologia ainda não se
autonomizou da filosofia social, por exemplo, as reflexões intelectuais de Saint- Simon e Comte são acusadas de análises filosóficas, utópicas e moralistas, bem distante de ser uma ciência fundada numa análise sociológica. Então, ao afirmar e descrever os objetos centrais que marca a inauguração da ciência sociológica, partimos do pressuposto que a Sociologia como uma ciência moderna, nasce das reflexões dos pensadores clássicos que captaram de forma mais objetiva e racional os problemas e dilemas da modernidade. Ao caminhar de forma sintética, no interior da consagrada tríade formadora da Sociologia, Durkheim-Weber-Marx, podemos notar que a modernidade como uma nova forma societal, inaugura paradigmas e sintomas que estão rapidamente expostos abaixo:
Crescimento das desigualdades e contrastes sociais implementados pela
consolidação do capitalismo industrial, inaugurando a problemática e o tema da “questão social”, que é apresentado nos aglomerados urbanos como Londres e Paris no século XIX. Formação de um modo-de-produção (capitalismo) que subsiste através de uma relação contrastiva entre as classes, marcada pela expropriação “legítima” da força de trabalho do proletariado, ocasionando crises de pré-rompimento na relação capital x trabalho. Rompimento com os modos de vida tradicionais e com as instituições morais pertencentes à tradição, eliminação gradual das relações cooperativas e comunitárias e inauguração de relações sociais dissociativas, intensificando a diferenciação dos indivíduos e provocando um processo de individualização. Racionalização estrutural das sociedades economicamente avançadas, na esfera econômica; inauguração de relações despojadas de valores afetivos e particularismos, na esfera política; burocratização do aparelho estatal, na esfera filosófica; laicização e secularização das instituições e condutas.
A Modernidade e a Sociologia.
Segundo Octávio Ianni, a “sociologia é filha da modernidade” , isto é, ela nasce
como um produto consequente da consolidação do mundo moderno, entendemos aqui, é claro, a modernidade como um processo constitutivo que inicia sua formação através de quatro grandes movimentos históricos por volta dos séculos XV-XVI: no plano econômico, o capitalismo comercial impulsionado pelas grandes descobertas territoriais; no plano político, o absolutismo, nascido de uma necessidade de centralização política e unificação territorial do Estado; no plano religioso, a reforma protestante, preparando o comportamento religioso do homem moderno e no plano filosófico, o racionalismo moderno, abrindo campo para interpretações de caráter objetivista e cientificista. Por certo, a formação da Sociologia é o resultado histórico de uma necessidade urgente de dar respostas racionais aos problemas sociais inaugurados pela estrutura social moderna, consolidada através da dupla revolução liberal-burguesa, e é essa situação histórica que a Sociologia enfrenta no seu trajeto de formação.
A formação das Ciências Sociais e os elementos histórico-sociais de contribuição na
sua constituição.
As Ciências Sociais como um agregado teórico composto pela Sociologia,
Antropologia e Ciência Política, é o resultado de um processo múltiplo de formulações teóricas que transitam por temas e objetos diferenciados, por exemplo, a Sociologia é uma ciência voltada para a compreensão da gênese e dos processos de funcionamento das estruturas sociais, enquanto a Antropologia é uma ciência do reconhecimento cultural do “outro” como sujeito histórico e cultural distinto, já a Ciência Política, é iniciada pela ruptura maquiavélica nas formas de compreender a política como um processo decisório instrumentalizado por instiuições e “príncipes”, ou seja, sujeitos políticos. É claro que o aparecimento das Ciências Sociais não se dá de forma conjugada historicamente, o aparecimento da Sociologia depende da constituição de um corpo teórico e metodológico que só estrutura-se através do desenvolvimento e disseminação do racionalismo moderno e da filosofia da ilustração do século XVIII, além de depender é claro, de fatores históricos especiais, como a consolidação histórica do modo-de-produção capitalista, o nascimento da Antropologia depende historicamente do aparecimento do “outro” como um sujeito da alteridade, distinto e diferente, e isso so se dá no momento pós-grandes navegações, e por fim a Ciência Política nasce de uma necessidade histórica de compreensão dos processos de centralização política do Estado Moderno, tentando compreender a política como atividade instrumental de conquista e manutenção do poder. Portanto, a nascença das Ciências Sociais depende de situações históricas divergentes mas que possuem uma esteira histórica comum, a modernidade, e passamos então a perceber as primeiras manifestações intelectuais por meio do positivismo, historicismo, marxismo, funcionalismo, comparativismo, o estruturalismo e outras manifestações do pensamento social.
E) Secularização e Racionalização e “desencantamento” nas sociedades modernas.
Um dos pontos de impulsão do processo constitutivo da ciência sociológica,
certamente, é o desenvolvimento da ciência como ponto explicativo centrado em bases empíricas e racionais, bases estruturadas sobre a capacidade humana de compreender a realidade através da atividade racional, o que provocou um rompimento com os modos de pensar das instituições eclesiásticas, formando um período de conflitos filosóficos e ideológicos, e aos poucos foi de delineando uma abertura e expansão da ciência sobre o fenômeno religioso, esse processo foi denominado por alguns teóricos, como Weber, por “secularização”. O termo “secularização” é utilizado nas guerras ideológicas entre a religião e a ciência, indica um processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos, a “secularização” manifesta-se na retirada das Igrejas cristãs de áreas que antes estavam sob o seu controle ou influência: separação da Igreja e do Estado, expropriação das terras da igreja e emancipação da educação frente o poder religioso. Assim, como há uma secularização das instituições sociais e da cultura, as consciências passam também por esse processo de libertação das concepções mágicas de mundo, correndo um processo de racionalização da mentalidade do homem moderno, causando um rompimento com as concepções abstratas e sobrenaturais, produzindo uma abertura do ponto de vista filosófico, onde surge o racionalismo e a ciência, como componentes essenciais do mundo moderno, esse processo onde o religioso é “dessacralizado”, e o científico se “sacraliza”, ou se centraliza como esteio de referência da realidade humana, é chamado por Weber de : o “desencantamento do mundo”, onde Weber afirma a marca central da modernidade que é a tendência à eliminação do sobrenatural e do mágico como instrumentos de compreender a realidade social.
F) As revoluções liberais-burguesas e a fixação histórica das desigualdades,
diferenças sócio-econômicas, diferenciação e desintegração social como categorias inaugurais e formadoras da Sociologia.
A consolidação do modo de produção capitalista por meio das revoluções liberais,
que adotaram o eixo do laisse-faire no relacionamento entre o Estado e o mercado, possibilitou uma transformação estrutural nas formas de produção, distribuição e consumo nunca antes vista, inaugurando relações de comércio mais extensivas e agravando a polarização progressiva entre as classes, intensificando as desigualdades e os contrastes sociais, a marca histórica desse problema é visível na formação dos grandes aglomerados urbanos como Londres, Paris, Glasgow e Liverpool, que sofrem de um acréscimo exagerado de contigentes populacionais iniciados por meio da expulsão dos camponeses no processo dos “cercamentos” de terra, por consequência desses processos variados, cria-se de forma inovadora uma devida sensação de caos instituído, o que Marx categorizou como a “anarquia da produção” instituída pela lógica do capitalismo que é voraz na sua necessidade de expansão e circulação. O olhar de Marx, não é de forma alguma o único da modernidade, até porque o mundo moderno processa outras transformações na estrura social, afetando as relações familiares e a firmeza das instituições morais, é o que percebe Durkheim, a modernidade de Durkheim significa a destruição das relações comunitárias devido a complexificação da divisão do trabalho, que originou um grau extenso de diferenciação e desintegração na esfera das relações sociais, inaugurando uma nova forma de solidariedade e contato sociais. No seu surgimento, a Sociologia está referenciada como uma ciência historicamente guiada e propulsionada pelos problemas não apenas materiais da modernidade, mas também morais, culturais e institucionais.
G) Positivismo: uma primeira forma de pensamento social.
Dentre as correntes sociológicas clássicas, o positivismo é a pioneira, isto é, o
positivismo representa a primeira forma de produção de conceitos e estabelecimento de métodos sistemáticos a respeito da realidade social, é lógico que ao surgir, no século XIX, o positivismo já demonstrava suas preocupações em relação a uma nova ordem social instaurada pelas revoluções burguesas, uma ordem ainda precoce, marcada por falhas e inquietações sociais depois efetivadas pela classe que vive do trabalho, como ocorre no Ludismo e no Cartismo, movimentos sociais que expressam o descontentamento histórico da classe trabalhadora. O momento histórico norteador do pensamento positivista é esse, inauguração de uma ordem social descompensada institucionalmente, a desreferenciação institucional ocorrida pela transição medievalidade-modernidade e o aparecimento de possíveis articulações no interior do operariado inquieto com a sua submissão histórica. É esse o panorama histórico da formação do Positivismo, que desde seu nascimento histórico já demonstrava o seu caráter ideológico burguês, quando prega a necessidade da manutenção da ordem, incompatível com a revolução violenta vislumbrada sob a forma do caos absoluto.
H) Positivismo: uma abordagem teórico-metodológica.
O termo positivismo é extraído do sistema filosófico de Auguste Comte (1789-1857)
pensador francês que cria na possibilidade de uma ciência que pudesse explicar e controlar os fenômenos sociais de forma positiva, isto é, de forma prática, a noção de ciência em Comte é um tanto instrumental, pois a mesma está voltada para a função da higienização e harmonização do social. O pensamento de Comte, pode ser dividido em três etapas, que aqui serão discutidas e apresentadas, respectivamente:
-Primeira etapa (1820-1824)
-Segunda etapa (1831-1842) -Terceira etapa (1851-1854) Primeira etapa (1820-1824)
-Obras: *Opúsculos de filosofia social: uma apreciação sumária sobre o passado
moderno. *Prospectos científicos necessários para a reordenação do social.
-Temas centrais: - a fragmentação das instituições morais.
- a desordem social inaugurada pela modernidade.
-Comentários: nesse período de formação intelectual, Comte demonstra a profunda
influência das ciências naturais na sua formação estudantil, tanto é que os temas iniciais são tratados de forma naturalista e organicista, Comte em 1838 troca o título “física social” por sociologia, que á a ciência do coroamento evolutivo no mundo moderno, Já que Comte trabalha com conceitos tomados por empréstimo da física newtoniana e do evolucionismo darwinista, essa marca metodológica está presente na tríade conceitual positivista, sob a forma do organicismo, evolucioniosmo e darwinismo social.
Segunda Etapa (1830-1842)
-Obras: *Curso de filosofia positiva (sete volumes)
-Temas centrais: -a afirmação da superioridade orgânica das sociedades européias.
-a afirmação da progressividade da história das sociedades. -a apresentação da leidos três estados.
-Comentários: nessa outra etapa do pensamento de Comte, podemos notar a
evolução e o desdobramento dos conceitos colocados na primeira etapa, aqui Comte desenvolve sua visão evolucionista da história, ao confirmar que a história das sociedades segue uma lei imutável rumo ao fim da sua própria história, marcado pelo coroamento intelectual dos homens no estado positivo, aqui ocorre a apresentação do processo de evolução, atravessando o estado teológico-fictício, metafísico-abstrato e chegando ao topo, no estado positivo-científico.
Terceira etapa (1851-1854)
-Obras: *Curso de política positiva necessário para a instauração da religião da
humanidade.
-Temas centrais: -a necessidade de uma reforma moral e intelectual dos homens
nas sociedades modernas. -a reforma institucional e a nova instituição das Providências (material, moral e intelectual). -a divisão da Sociologia em duas partes: estática e dinâmica sociais. -Comentários: a última etapa do pensamento de Comte é marcada por uma vontade quase espiritualizada de transformar de forma messiânica, os novos rumos da sociedade industrial que merece reparos institucionais, por isso a criação de um “consenso moral” e de um “acordo de espíritos” é necessário para a retomada saudável da evolução, mas é claro a evolução só se justifica pela presença de uma estática social, ou seja, uma ordem orgânica interna.
MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica. Tradução de Waltensir Dutra. 2 Edição. Rio de Janeiro: Zahar, ? Apêndice. Do Artesanato Intelectual. (Ficha)