Aconteceu de novo. Tudo o que não queria que voltasse a acontecer
inesperadamente sai do meu controle e se repete como se tivesse vontade própria, acontece como se não dependesse de mim. Autonomia de um destino indomável. As minhas estórias foram todas assim. Parto sempre do princípio que todo o princípio é minha última vez. O ponto sem retorno do começo do resto de uma vida. Acontece de ser primavera no meu peito de um verão tardio, e aí quando me dou conta do inverno lá fora, ele já me dominou por completo e só quero ficar só. Mas não duvide leitor: amei todas as primaveras. E se você acha que não, é melhor nem terminar de ler essa confissão. O meu objetivo de agora por diante é provar que existe amor na multiplicidade e você será meu rato de laboratório. Você tem de abrir sua mente. A crença do único amor tem sido defendida por mim durante quase toda minha existência. Cansei. Não, não me desiludi. Espera aí, me decepcionei sim. Não com o amor, mas com as pessoas. Entregar o que se tem de melhor e pior, ser dissecado mais profundo que a carne, me expôs de tal modo, que hoje já não sinto dor de mim. O que dói em mim é o que dôo nos outros. E foi isso que aconteceu de novo. Eu doí no outro novamente. Mas eu simplesmente não posso. Não sei como lidar com essa fatalidade que é o me entregar de todo. Kamikase do coração, inevitavelmente arrasto outros comigo, num egoísmo que está fora de mim e que eu condeno. Por isso leitor, você também será a minha vítima e agora transfiro a você a responsabilidade de me perdoar. Eu ainda não consegui. Talvez você me encoraje. Mas será precipitado esse perdão agora. Ouça, quer dizer, leia mais. Você ainda tem que doer do meu amor. Você tem que ser o outro. Te amei com tudo que há de melhor em mim. Te amei de espontaneidade. Te quis de desejo incontrolável. Me casei com tua mente. Também te amei devagar, te poupando. Mas não te amei de déja vu. Te amei avant premiére, com estréia só para crítica especializada. Te amei poesia. Na minha, tosca, e na dos outros, eloqüentes, que tomei emprestado para te amar. Não poupei meu amor, que te causou ferida, como câncer avassalador. Agora estou supondo, exagerando talvez, espero que me entendas. Não sei a dimensão da mágoa que meu amor inconseqüente te causou. Paixão?! Paixão é encontro de corpos. Paixão não é casamento de mentes. Paixão não termina a frase do outro. Amar é ... te amei. Até porque isso exige algo que sai de mim e te atinge. É para você; você está incluso em << te amei >>. Me apaixonei é diferente. É coisa que fica dentro, não sai. Pode nunca te causar nada. É de mim para comigo mesmo. Aí veio o medo e a chance. A chance de minimizar o que o meu medo estava prevendo. Ia acontecer de novo. Peguei a chance. Apostei na chance. Achei que me agarrando a ela teria pela primeira vez o controle da situação. Ela era tudo o que eu queria: que não acontecesse de novo. Aconteceu de novo? Se você está achando que não, se você etá agora com vontade de me perdoar, de dizer que << não foi bem assim >>, então eu consegui. Te provei que existe amor na multiplicidade, te amei também. E agora posso me perdoar. Mas, se não...a dor do outro doerá de novo e terei de viver com isso. Mais uma cova no cemitério das lembranças.