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Agronegócios
Certificação em Agronégocios
Piracicaba, 2007
Programa de Educação
Continuada em Economia Escola Superior de Agricultura
e Gestão de Empresas “Luis de Quieroz”
Organizadores
Prof. Pedro V. Marques
Daniel Y. Sonoda
Professores Autores
Certificação em Agronegócios
no Banco do Brasil
Prof. Dr. Carlos José Caetano Bacha
Prof. Dr. Sílvia Helena Galvão de Miranda
Prof. Dr. Roberto Arruda de Souza Lima
Prof. Dr. Pedro Valentim Marques
Prof. Dr. Davi R. de Moura Costa
Editoração
Maria Eugênia Cabral Martinez
Capa
Leonardo Maziero
Apresentação 07
Pedro V. Marques
Daniel Y. Sonoda
Organizadores
CAPÍTULO 1
EVOLUÇÃO DA AGROPECUÁRIA
E DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL
Carlos José Caetano Bacha
10
Embora reconhecendo o uso como sinônimos desses termos por parte expressiva dos
Capítulo 1
acadêmicos, o presente texto irá preferir o uso do termo agropecuária para denominar o grupo Evolução da
Agropecuária e
de atividades que usam a terra como fator de produção seja para o plantio de culturas, para a do Agronegócio
criação de animais, o plantio de florestas, a aqüicultura, por exemplo. A agropecuária representa no Brasil
Indústrias a Exportação
montante Agropecuária
Mercado
Doméstico
Agroindústrias
11
Capítulo 1 2. Importância da agropecuária e do agronegócio no PIB brasileiro
Evolução da
Agropecuária e
do Agronegócio
no Brasil A importância da agropecuária e do agronegócio na economia brasileira pode ser avaliada
através de sua contribuição a três indicadores econômicos: produto interno bruto (PIB),
emprego e balança comercial.
Os fatores de produção se classificam em capital, trabalho e terra. Ao capital são pagos
juros e lucros; à terra se paga aluguel; e ao trabalho se paga salários. O PIB corresponde ao
valor monetário de bens e serviços finais produzidos em uma economia com capital, trabalho
e terra situados dentro dos limites geográficos do país. Isto equivale à soma das remunerações
pagas aos fatores de produção, ou seja, à soma dos lucros, juros, aluguéis e salários recebidos
dentro de um país em determinado período. Por isso, pode-se dizer que o PIB é a renda
gerada dentro do país em determinado período de tempo.
Parte dessa renda pode ser gerada pela agropecuária, outra pela indústria e a terceira
parte pelo setor serviços.
O Sistema de Contas Nacionais do Brasil nos fornece o produto a custo de fatores (PIBCF)
de cada setor da economia brasileira, ou seja, a renda gerada por cada setor da economia.
Utilizando esses dados, é analisada a participação dos setores na constituição do PIBCF de
toda a economia, dando maior ênfase à posição ocupada pelo setor agropecuário (ver tabela
1 e figura 2).
A tendência da maioria dos países é da participação da agropecuária no PIB diminuir, pois
a demanda de alimentos é inelástica à renda 1 e a maioria dos países privilegia o
desenvolvimento urbano-industrial, o que faz a agropecuária ser tributária desse
desenvolvimento. Isto ocorreu no Brasil de 1947 a 1993, mas de 1994 a 2004 a participação
da agropecuária no PIB aumentou, o que não foi seguido pelos demais países.
Observando a tabela 1 e a figura 2, constata-se que as participações da agropecuária e
do setor serviços no PIBCF diminuíram no período de 1947 a 1986, enquanto a participação da
indústria aumentava. A partir de então, as participações da indústria e da agropecuária caíram
até 1993, enquanto aumentou a participação do setor serviços no PIBCF. De 1994 a 2004, a
situação inversa ocorreu, ou seja, as participações da agropecuária e da indústria na
composição do PIBCF aumentaram, enquanto as participações do setor serviço diminuíram.
Em 2005 ocorreu uma crise da agricultura de grãos, o que levou à redução do PIB da
agropecuária e à diminuição de sua importância no PIB do Brasil.
O que ocorreu de 1947 a 1986 foram fenômenos interligados e se devem ao tipo de desen-
volvimento adotado no Brasil. Isso privilegiou o desenvolvimento urbano-industrial e conduziu
a agropecuária a consumir produtos e serviços elaborados pelo setor urbano-industrial.
A diminuição da participação da agropecuária no PIBCF no período de 1947 a 1986 deu-se
por etapas. No período de 1947 a 1955 essa participação sempre foi superior a 20%. De 1956
a 1968 reduziu-se significativamente. Nos anos de 1968 a 1974 ficou entre 11% e 13%. Forte
flutuação ocorreu entre 1975 e 1986, quando ocorreram anos de crescimento e outros anos
de diminuição da participação da agropecuária no PIBCF. Nos anos de 1987 a 1993, nova
queda ocorreu na participação da agropecuária no PIBCF, seguida de aumento de 1994 a
2004. A recuperação de importância relativa da agropecuária no PIBCF nesses 11 anos é
atribuída a quatro fatores: grande crescimento da produção agropecuária (devido,
1. Uma elevação de 1 ponto percentual na renda provoca uma elevação inferior a 1% na quantidade de alimento consumida.
12
principalmente, ao crescimento da produtividade), melhora da relação de preços agrícolas/
Capítulo 1
industriais, aumento da relação preços recebidos/preços pagos na agropecuária e pequena Evolução da
Agropecuária e
performance da produtividade da indústria (ver Brugnaro & Bacha, 2006). do Agronegócio
no Brasil
Tabela 1 – Participação dos setores no PIBCF (valores em percentagens)
Ano Agropecuária Indústria Serviços (total) Instituições Fin. Adm. públicas Outros Serviços
1947 20,7 25,2 54,1 3,2 6,1 44 ,8
1948 22,8 24,2 53,0 3,3 6,3 43,4
1949 23,6 24,7 51,7 3,2 6,5 42,0
1950 24,3 24,1 51,6 3,6 6,6 41,4
1951 23,8 25,1 51,1 3,3 6,3 41,5
1952 25,0 24,2 50,8 3,3 6,2 41,3
1953 23,6 25,4 51,0 3,3 6,6 41,1
1954 24,1 25,8 50,1 3,5 5,4 41,2
1955 23,5 25,6 50,9 3,4 6,1 41,4
1956 21,1 27,3 51,6 3,3 7,5 40,8
1957 20,4 27,8 51,8 3,6 7,2 41,0
1958 18,4 31,1 50,5 3,0 6,8 40,7
1959 17,2 33,0 49,8 2,8 6,6 40,4
1960 17,8 32,2 50,0 2,7 6,3 41,0
1961 17,0 32,5 50,5 2,7 7,1 40,7
1962 17,5 32,5 50,0 2,9 7,3 39,8
1963 15,9 33,1 51,0 3,0 8,0 40,0
1964 16,3 32,5 51,2 3,0 7,9 40,3
1965 15,9 32,0 52,1 3,4 8,0 40,7
1966 14,1 32,8 53,1 3,7 8,2 41,2
1967 13,7 32,0 54,3 3,8 8,9 41,6
1968 11,8 34,8 53,4 4,1 8,6 40,7
1969 11,4 35,2 53,4 4,4 8,5 40,5
1970 11,6 35,8 52,6 6,0 9,2 37,4
1971 12,2 36,2 51,6 6,1 9,1 36,4
1972 12,3 37,0 50,7 6,0 8,7 36,0
1973 11,9 39,6 48,5 5,4 7,6 35,5
1974 11,4 40,5 48,1 5,8 7,0 35,3
1975 10,7 40,4 48,9 6,5 7,5 34,9
1976 10,9 39,9 49,2 7,3 7,5 34,4
1977 12,6 38,6 48,8 7,5 6,9 34,4
1978 10,3 39,5 50,2 8,6 7,2 34,4
1979 9,9 40,1 50,0 8,4 7,2 34,4
1980 10,1 40,9 49,0 7,7 6,4 34,9
1981 10,1 40,0 49,9 10,0 6,7 33,2
1982 8,7 41,2 50,1 10,1 7,4 32,6
1983 11,0 38,9 50,1 12,1 7,0 31,0
1984 12,2 40,7 47,1 11,6 6,2 29,3
1985 11,1 42,3 46,6 11,6 7,1 27,9
1986 11,2 43,7 45,1 7,8 8,0 29,3
1987 9,3 41,0 49,7 14,0 7,8 27,9
1988 9,8 40,1 50,1 14,3 8,0 27,8
1989 7,7 36,6 55,7 20,9 9,2 25,6
1990 6,9 33,0 60,1 15,1 15,9 29,0
1991 6,9 32,0 61,1 12,4 13,6 35,1
1992 6,2 31,2 62,5 20,6 11,7 30,3
1993 5,8 31,8 62,5 25,0 11,1 26,4
1994 8,6 35,1 56,3 13,9 13,3 29,1
1995 8,5 34,5 57,1 7,5 15,4 34,2
1996 7,9 32,9 59,2 6,6 15,2 37,5
1997 7,6 33,5 58,9 6,1 14,6 38,1
1998 7,8 32,9 59,2 6,2 15,3 37,7
1999 7,9 34,0 58,1 6,0 15,4 36,7
2000 7,7 36,1 56,2 5,2 15,7 35,3
2001 8,0 35,9 56,1 6,3 15,5 34,3
2002 8,2 36,1 55,7 7,2 15,3 33,2
2003 9,4 36,8 53,8 6,6 15,0 32,2
2004 9,7 37,2 53,1 6,3 15,4 31,4
2005 8,0 37,9 54,1
FONTE: Estatísticas Históricas do Brasil, IBGE - 1990, para os anos 1947 a 1979; Anuário Estatístico do Brasil
para os anos 1980 a 1989; os dados de 1990 a 2000 são das Contas Nacionais. Os dados de 2001e 2005 são
estimativas
NOTA: As participações dos setores foram calculadas retirando as imputações dos serviços de intermediação
financeira, que foram distribuídas proporcionalmente entre os setores.
13
Capítulo 1
Evolução da
Agropecuária e
do Agronegócio
no Brasil
14
As instituições financeiras tiveram aumento de participação no PIBCF a partir de 1965
Capítulo 1
(ano em que foi implantada a reforma do Sistema Financeiro do Brasil). O aumento da Evolução da
participação das instituições financeiras no PIBCF foi grande em anos de inflação elevada, Agropecuária e
do Agronegócio
tendo tal participação declinado significativamente nos anos em que houve queda acentuada no Brasil
da taxa de inflação (observe as participações das instituições financeiras no PIBCF em 1986 e
em 1990 e as compare com o dado similar do ano imediatamente anterior).
Em 1993, ano caracterizado por elevada taxa de inflação e por grande especulação
financeira, a participação das instituições financeiras no PIBCF foi de 25%, enquanto a
participação da agropecuária noPIBCF foi de 5,8% (ver Tabela 1).
A grande participação das instituições financeiras no PIBCF em certos anos está associada
aos efeitos distributivos causados pela inflação no Brasil. Com a redução persistente da inflação
a partir de 1994, a participação das instituições financeiras no PIBCF também diminuiu.
A categoria “outros serviços” - que engloba comércio, transportes, comunicações, aluguéis
e outras atividades terciárias - perdeu importância relativa no PIBCF até 1989, elevando essa
participação a partir de 1990. Isso se explica pelo acelerado processo de terceirização que
ocorreu na economia brasileira a partir de então e pelo crescimento do setor informal.
O ano de 2005 foi caracterizado por uma crise na agricultura de grãos, causada pela
queda dos preços desses produtos em reais, atribuída à valorização cambial (perdas
climáticas, pragas/ferrugem asiática também incluíram significativamente) Em 2004, o PIBCF
da agropecuária foi de R$ 159.643 milhões e caiu para R$ 145.829 milhões em 2005. Ao
mesmo tempo, o PIBCF da indústria e do setor serviços aumentaram. Devido a isso, a
participação da agropecuária no PIBCF passou de 9,7% em 2004, para 8% em 2005.
Percentagem
do Agronegócio
no Brasil 40
30
20
10
0 1959
1970
1975
1980
1985
1990
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Figura 4 – Participação do agronegócio no PIB brasileiro
Fonte: Montoya e Guilhoto (1999), Furuoso e Guilhoto (2001) e CEPEA.
16
Tabela 2 – Participação da agropecuária e do agronegócio no PIB de alguns países em anos selecionados
(valores em percentagem) Capítulo 1
Evolução da
País Participação da Participação do Ano de Agropecuária e
agropecuária no PIB agronegócio no PIB referência do Agronegócio
Alemanha 1,30 5,10 1995 no Brasil
Argentina 5,60 32,20 1997
Áustria 2,50 5,70 1995
Bélgica-Luxemburgo 1,60 5,80 1995
Brasil 7,90 28,07 1999
Canadá 2,60 15,30 1995
Chile 8,50 32,10 1997
Colômbia 14,30 32,10 1997
Costa Rica 12,80 32,50 1997
Dinamarca 2,90 11,10 1995
Espanha 4,40 10,60 1995
Estados Unidos 1,60 8,10 1997
Finlândia 3,60 10,70 1995
França 3,20 8,50 1995
Grécia 8,50 19,90 1995
Holanda 3,20 8,70 1997
Irlanda 4,90 16,20 1995
Itália 3,10 7,00 1995
México 5,20 24,50 1997
Peru 9,00 31,80 1995
Portugal 4,10 13,80 1995
Reino Unido 1,30 7,10 1995
Suécia 2,30 5,50 1995
Uruguai 7,00 34,80 1995
Venezuela 5,10 20,50 1997
Fonte: Guilhoto (2004, p. 9).
28%
26%
Participação
24%
22%
20%
18%
16%
1990
1992
1994
1996
1998
2002
2000
18
Capítulo 1
Evolução da
Agropecuária e
35.000 do Agronegócio
30.000 no Brasil
Milhões de US$
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
1961
1963
1965
1967
1969
1971
2001
2003
exportação importação
Figura 6 – Evolução das exportações e importações de produtos de base pecuária de 1961 a 2004
Fonte: FAO e IPEA
40000
30000
Milhões de US$
20000
10000
0
1961
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
197
-10000
-20000
agropecuária não- agrícola total
Tabela 4 – participação de alguns produtos no total exportado pelo Brasil – anos selecionados (valores
em percentagens)
Produtos 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2004
Açúcar 3,55 4,62 12,68 6,40 1,44 1,67 4,13 2,18 3,22
Algodão 5,99 5,64 1,13 0,06 0,30 0,41 0,20 0,06 0,04
Cacau 1,73 2,84 2,54 1,45 1,41 0,41 0,06 0,00 0,33
Café em grãos 44,27 34,29 9,86 12,35 9,24 3,52 4,24 2,83 2,13
Soja em grãos 0,46 0,99 7,90 1,96 2,97 2,90 1,66 3,97 5,59
Celulose 0,40 0,21 0,35 1,81 1,08 1,91 2,24 2,79 1,97
Papel 0,00 0,10 0,24 0,85 1,42 1,94 1,47 0,98 1,38
Suco de laranja 0,12 0,54 0,95 1,68 2,92 4,67 2,38 1,85 0,90
Produtos in natura 81,9 75,2 57,8 50,6 39,9 32,6 35,6 29,0 25,6
e processados da
agropecuária
19
Capítulo 1
Evolução da
5. Caracterização das principais commodities do agronegócio brasileiro
Agropecuária e
do Agronegócio
no Brasil 5.1 Açúcar e Álcool
2. Este item contou com a colaboração de Daniel Y. Sonoda, doutorando em Economia Aplicada – ESALQ/USP e Vitor Luiz Vieira
de Freitas, economista – ESALQ/USP
20
5.2 Complexo Soja
Capítulo 1
Evolução da
No início da década de 2000 o setor viveu uma época aura devido ao câmbio desvalorizado Agropecuária e
do Agronegócio
e ao preço elevado da soja no mercado internacional em decorrência das quebras de safra no Brasil
americana e da crescente demanda da China. Atualmente, o complexo soja vive um momento
de crise em virtude da apreciação do real (diminuição da receita com as exportações e
conseqüente perda de competitividade no mercado internacional), o aumento dos estoques
internacionais de soja com diminuição da cotação desse grão no mercado externo, condições
climáticas (estiagem) e fitosanitárias (ferrugem asiática) adversas nas últimas safras, os
vencimentos do MODERFROTA, a alta nos valores do frete e o risco de redução da demanda
(gripe aviária) foram os principais agravantes da crise da soja no país.
No Brasil, verifica-se o crescimento da área cultivada com soja superior a 120% entre as
safras de 1990/91 e 2004/05 alcançando 24 milhões ha. A região Centro-Oeste foi responsável
por boa parte deste aumento, porém, na safra 2005/2006 houve uma redução da área de soja
de 23 milhões ha em decorrência da atual conjuntura. A participação da região Nordeste na
área plantada, apesar de pequena, aumentou significativamente entre 1990 e 2006,
especialmente nas regiões de Balsas/MA e Barreiras/BA (MAPA, 2006).
Na safra 2006/07 os Estados Unidos destacam-se por serem os maiores exportadores de
soja em grão (29,7 milhões t), farelo (7 milhões t) e óleo (0,5 milhões t) de soja, e também são
os principais produtores dos mesmos (79,7 milhões t). O Brasil ocupa a segunda posição
entre os principais exportadores de soja em grão (25,4 milhões t) e é o segundo maior produtor
mundial (56 milhões t). No ranking dos produtores de farelo (21,7 milhões t) e óleo (5,2 milhões
t) de soja o país ocupa a quarta colocação. O Brasil é um exportador de soja em grão, produto
com o menor valor agregado. A Argentina, por outro lado, privilegia a exportação do farelo e do
óleo de soja (25,7 milhões t e 5,8 milhões t, respectivamente) de soja, produtos de maior valor
agregado e que também contribuem para o desenvolvimento e modernização do parque
agroindustrial e a geração de mais empregos e divisas (USDA, 2006).
A China é a maior importadora de soja em grão (31,5 milhões t) e de óleo de soja (1,7
milhões t), embora seja o quarto maior produtor de soja (16,7 milhões t). A União Européia é a
maior importadora de farelo de soja que é destinado principalmente ao consumo animal (USDA,
2006).
Santos (2000) mostra a partir de dados do último censo agropecuário (1996) que no Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo a participação das cooperativas no
processo de comercialização é muito importante e representou respectivamente, 55,7%,
61,5%, 66,2% e 39,8% da soja comercializada em 1995. As cooperativas nas novas regiões
produtoras tiveram uma participação menor na comercialização da soja: 5,2% no Mato Grosso,
13,4% no Mato Grosso do Sul, 12,5% em Goiás, 14,8% em Minas Gerais, 5,3% na Bahia e
27,8% no Maranhão.
As indústrias processadoras foram o principal meio de comercialização de soja nas no-
vas regiões produtoras. Em 1995, os Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás,
Minas Gerais, Bahia e Maranhão entregaram respectivamente, 40,2%, 34,7%, 50,9%, 47,1%,
71,1% e 28,6% da produção de soja às indústrias processadoras (SANTOS, 2000).
Os intermediários, tiveram uma participação relevante no processo de comercialização
nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Maranhão, represen-
tando, respectivamente, 51,1%, 47,7%, 33,8%, 31,8% e 41,4%. No Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Paraná, São Paulo e a Bahia, a participação dos intermediários ficou ao redor de
20% (SANTOS, 2000).
5.3 Milho
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial (41 milhões t - safra 2005/06). Os Estados de
Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul representam 45% da área total cultivada com
milho no país.
21
O milho destaca-se por ser um produto consumido e cultivado na maioria das propriedades
Capítulo 1
Evolução da
rurais no Brasil. Isso ocorre em virtude de praticamente em todas as pequenas, médias ou
Agropecuária e grandes propriedades rurais existirem alguma atividade de criação de animais, sendo, portanto,
do Agronegócio
no Brasil o milho uma fonte importante de alimentação aos mesmos. Dados da Associação Brasileira
de Milho reforçam essa afirmação ao mostrarem que mais de 60% da produção nacional de
milho destina-se ao consumo animal, enquanto o consumo humano representa pouco mais
de 3% da produção total de milho. Nesse sentido, nota-se que a cultura do milho exerce uma
função fundamental para o desempenho da agropecuária brasileira.
Deve-se salientar, todavia, que embora se encontre a produção de milho em quase todo o
território nacional, a mesma divide-se em dois tipos, a saber: aquela realizada em pequenas e
médias propriedades e voltada para produzir alimento ao rebanho e a produção em larga
escala, encontrada principalmente no Centro-Oeste, executada em grandes propriedades,
com uso intenso de tecnologia, sementes melhoradas e alta produtividade. Vale ressaltar que
a cultura do milho, ao contrário da soja, ainda conta com grandes possibilidades de aumento
de produção via crescimento de produtividade.
Atualmente a maior parte do crescimento da demanda mundial por milho e derivados deve-
se ao aumento de renda e, portanto, de padrão de consumo (maior consumo de proteínas)
dos países asiáticos, em especial dos Tigres e da China. A taxa de crescimento do consumo
mundial foi de 2,3% ao ano nos últimos dez anos. Nos Estados Unidos essa taxa foi de 3,1%,
enquanto na China o consumo cresceu a uma taxa de 4,5%, puxado principalmente por carnes
de frango e suínos, grandes consumidores de milho na sua produção. Outro fator que deve
impulsionar a cultura do milho ao longo dos próximos anos será a sua utilização na produção
de álcool combustível, especialmente nos Estados Unidos (USDA, 2006).
Os Estados Unidos conseguem produzir uma safra aproximadamente sete vezes supe-
rior à brasileira com uma área 130% maior, devido a alta produtividade das lavouras de milho
americanas, nas quais obtêm-se cerca de 10 t/ha (USDA, 2006).
As exportações de milho nos Estados Unidos representam 70% do mercado mundial. Em
segundo lugar está a Argentina com 14% e em terceiro a China com 5% das exportações. O
Japão representa cerca de 20% das importações mundiais de milho.
Apesar do Brasil ser o terceiro maior produtor de milho, atrás apenas dos EUA e da China,
seu consumo interno do grão é extremamente elevado, de modo que os fluxos de comércio
externo não são expressivos. Para a safra 2006/2007, estima-se que as importações serão
de cerca de 850 mil toneladas.
Semelhante à soja, ainda há diversas questões a serem solucionadas na produção nacional
de milho como: sua padronização, corrigir as deficiências de infra-estrutura e armazenagem,
a valorização cambial, o aumento nos custos de produção versus redução no preço, os
vencimentos do MODERFROTA, a elevação dos valores do frete e a gripe aviária.
5.4 Algodão.
5.5 Café
O Brasil é o maior produtor mundial de café (2,2 milhões de t na safra 2006) e o segundo
maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos (FAO, 2006). Em relação à produção
estadual, o estado de Minas Gerais destaca-se como o maior produtor nacional (1,2 milhões
t), representando metade da quantidade de café produzida no país. Em segundo lugar o Espírito
Santo (20% da produção nacional), e em terceiro e quarto lugar, os estados de São Paulo e
Paraná, respectivamente. Esses quatro estados respondem por 88% do café produzido no
país. Contudo nos últimos anos, outros estados, como o Acre, Rondônia e a Bahia têm crescido
na produção de café, através da implantação de uma cafeicultura moderna e com alta
produtividade (MAPA, 2006).
23
Os brasileiros apresentam um consumo per capita semelhante ao dos americanos, contudo
Capítulo 1
Evolução da abaixo do observado nos países nórdicos e nos consumidores europeus mais tradicionais. O
Agropecuária e consumo doméstico aumentou significativamente entre 1990 e 2005, representando um
do Agronegócio
no Brasil crescimento de 90% ao longo desse período. Quanto ao crescimento do consumo per capita
de café em pó torrado/moído, o mesmo evoluiu 51% durante os quinze anos analisados,
passando de 2,71 kg/hab./ano para 4,11 kg/hab./ano (ABIC, 2006). O aumento do consumo
de café explica-se por uma mudança no comportamento do consumidor em relação a essa
bebida, no sentido de demandar características diferentes e novas formas de preparo do
tradicional cafezinho. Identifica-se uma modernização do setor com maior cuidado no cultivo,
crescimento dos cafés orgânicos, o lançamento de novos produtos (capuccino, descafeinado,
doces, sorvetes) e de novos blends, além de um grande aumento da quantidade de cafeterias
(café gourmet) no país (FONTES, 2001). O conceito de café especial envolve diversas
características, desde físicas até ambientais e sociais, dessa forma, não há um padrão
internacional de classificação desses cafés, dado que em cada local ele adquire características
próprias e peculiares da região de onde é proveniente. A rastreabilidade e a incorporação de
serviços são fatores de diferenciação que também agregaram valor ao produto.
Os maiores produtores mundiais de café em 2004, depois do Brasil são respectivamente:
o Vietnã (1 milhão t) e a Indonésia (0,7 milhões t). Cabe destacar o grande crescimento da
produção vietnamita entre o fim da década de 1980 e 2005. Os maiores exportadores são:
Brasil (1,6 milhões t), Vietnã (0.9 milhões t) e Colômbia (0,6 milhões t); e os maiores
importadores são Estados Unidos (1,4 milhões t), Alemanha (1,1 milhões t) e o Japão (0,4
milhões t) (FAO, 2006).
Quanto ao processo de comercialização do café, o mesmo ocorre ainda
predominantemente entre os produtores agrícolas e as indústrias, exportadores ou
cooperativas, que em geral agem como intermediárias. Todavia, o café destaca-se entre as
demais atividades agrícolas nacionais na utilização de instrumentos financeiros como os
mercados futuros e a CPR (Cédula do Produto Rural).
5.6 Laranja
5.9 Avicultura
5.10 Trigo
6. Consideraçöes Finais
7. Bibliografia
ABEF. Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frango. Disponível em: <http://
www.abef.com.br>. Acesso em setembro de 2006.
ABIC. Associação Brasileira das Indústrias de Café. Disponível em: <http://www.abic.com.br>. Acesso
em setembro de 2006.
ABIEC Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. Disponível em: <http://
www.abiec.com.br/estatisticas.asp>. Acesso em setembro de 2006.
27
ABIPECS. Associação Brasileira Ind Prod Exp Carne Suína. Disponível em:<http://www.abipecs.org.br/>.
Capítulo 1
Evolução da
Acesso em setembro de 2006.
Agropecuária e
do Agronegócio
ABITRIGO. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DO TRIGO. Disponível no URL:
no Brasil <www.abitrigo.com.br>. Acesso em 22 de setembro de 2006.
ANFAVEA. Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Disponível em:
<http://www.anfavea.com.br>. Acesso em setembro de 2006.
BACHA, C. J. C. Economia e Política Agrícola no Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 226p. 2004.
BACHA, Carlos José Caetano. Macroeconomia Aplicada à Análise da Economia Brasileira. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 264p. 2004.
BACHA, C.J.C. Economia e Política Agrícola no Brasil. São Paulo: Atlas, 2004.
BRUGNARO, R.; BACHA, C.J.C. “Analysis of Increased Participation of Agriculture in the Brazilian
GDP from 1994 to 2004”, In Anais do 46th Congress of European Regional Science Association,
Volos, Grécia, 2006.
FIGUEIRA, S.R. Os Programas de Álcool Combustível nos EUA, no Japão e na União Européia e
as possibilidades de exportação do Brasil. 246p. Tese (Doutorado em Ciências) – Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2005.
UNICA. União das Indústrias Canavieiras do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://
www.portalunica.com.br>. Acesso em setembro de 2006.
Questões de Revisão
10) A agropecuária e a agroindústria têm gerado saldo comercial positivo para o Brasil.
1) V; 2) V; 3) F; 4) F; 5) F; 6) V; 7) F; 8) F; 9) V; 10) V Gabarito:
29
CAPÍTULO 2
COMÉRCIO INTERNACIONAL
Silvia Helena Galvão de Miranda1
Ricardo de Queiroz Machado2
No âmbito nacional muitas mudanças vêm ocorrendo desde meados da década de 80.
Associadas ao contexto internacional, exposto no item acima, são determinantes do ambiente
competitivo enfrentado pelo setor exportador e importador brasileiro.
Primeiramente, é importante mencionar que a partir do governo Sarney, o Brasil iniciou um
processo de abertura comercial, reduzindo suas tarifas e outras restrições à entrada de
produtos estrangeiros bem como também o controle das exportações, caracterizado por quotas
de produção e exportação sobre alguns setores (exemplo do sucroalcooleiro). O marco prin-
cipal, contudo, desse processo de abertura foram as medidas liberalizantes do governo Collor
de Mello no início dos anos 90. A busca da integração regional, não só no Hemisfério Sul-
americano, mas também em outros continentes e uma postura mais pró-ativa nas negociações
internacionais, em particular com liderança nas questões agrícolas, também fazem parte do
contexto recente do setor.
É evidente a importância dos resultados desse setor para a redução dos déficits comerciais
nacionais na segunda metade da década de 90. Nota-se, também, o crescimento sustentado
e significativo das exportações a partir de 1999, quando se alterou o regime cambial brasileiro,
deixando de ser um regime fixo para um regime flexível (de flutuação “suja”)1.
Apesar do crescimento significativo do comércio brasileiro com o exterior nos últimos
anos, sua participação no mercado mundial ainda é pequena, tanto no geral quanto nos produtos
do agronegócio, tendo ficado na casa dos 4,0% em 2003 para o agronegócio. Em 1990, era
de 2,7%.
Além do market-share pouco expressivo no mercado internacional, outras características
marcantes do comércio brasileiro devem ser mencionadas. Primeiramente, há a concentração
da pauta comercial do agronegócio em um pequeno grupo de produtos. Em 2004, quatro
complexos agroindustriais responderam por cerca de 56,8% de toda a exportação.
A Tabela 1 mostra para o ano de 2005, os principais produtos do agronegócio exportados
pelo Brasil. Couro, peles e calçados, papel e celulose, madeira e suas obras vêm se alternando
no ranking dos 6 maiores complexos agroindustriais exportadores nos últimos anos.
Considerando-se dados da publicação Balança Comercial Brasileira de 2005, apresentada
pelo MDIC (2005) para os principais produtos brasileiros exportados, observa-se que o complexo
1. Flutuação “Suja” é considerada uma variante dentro do regime cambial flexível, no qual o governo permite uma flutuação livre
no mercado de câmbio dentro de um determinado intervalo, intervindo apenas quando necessário para manter a taxa abaixo de
um limite máximo ou acima de um mínimo.Ambos, limites informais.
32
soja é o terceiro em valor, antecedido por material de transporte e produtos metalúrgicos. As
carnes, o açúcar, calçados e couro e papel e celulose também são destaques. O setor Capítulo 2
Comércio
sucroalcooleiro deve superar as exportações da soja e carnes em 2006, segundo as últimas Internacional
estatísticas oficiais.
Exportações Exportações do
Capítulos
(milhões US$) agronegócio
Carnes, miudezas e comestíveis 7.179 16,46%
Sementes e frutos oleaginosos 5.425 12,44%
Açúcares e produtos de confeitaria 4.102 9,41%
Madeira, carvão vegetal e obras de madeira 3.031 6,95%
Resíduos e desperdícios das indústrias
alimentares 2.998 6,88%
Café, chá, mate e especiarias 2.669 6,12%
Pastas celulósicas 2.034 4,66%
Fumo (tabaco) e seus sucedâneos
manufaturados 1.707 3,91%
Calçados, polainas e artefatos de couro 1.512 3,47%
Gorduras e óleos animais ou vegetais 1.486 3,41%
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento - Secretaria de Produção e Comercialização.
2. A falta de coordenação da cadeia traduz-se pela dificuldade de articulação entre os segmentos das cadeias agroindustriais,
devido a diversos fatores, dentre os quais citam-se os interesses divergentes entre segmentos e a dificuldade de abdicar de
alguns ganhos para uma ação mais cooperativa em prol de interesses convergentes; a assimetria de informações entre
segmentos distintos e a diferença de poder de mercado entre segmentos; a pulverização dos agentes que compõem alguns
segmentos; dentre outros fatores que levam à dificuldade de unir segmentos e cadeias em ações que poderiam trazer
benefícios globais. O Custo Brasil designa o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem
o investimento no Brasil e as atividades econômicas em geral. A afirmativa no texto traz implícita a idéia de que a falta de
coordenação entre agentes e segmentos das cadeias do agronegócio compõem o universo de dificuldades que contribuem
para gerar ineficiências e elevar os custos das atividades econômicas.
33
Capítulo 2 2. Conceitos gerais e nomenclatura para comércio internacional
Comércio
Internacional
No comércio internacional, um dos temas básicos poucas vezes tratado em sala de aula,
ou mesmo pelos livros-texto, é a nomenclatura para comércio exterior. Contudo, quando se
necessita utilizar estatísticas de comércio externo, um dos primeiros desafios é exatamente
identificar os produtos e suas classificações para que se possa realizar a agregação necessária
em grupos de produtos ou setores, ou mesmo quando se discute a incidência de tarifas e
outras políticas comerciais. Assim, as nomenclaturas são instrumentos úteis para facilitar as
transações entre países e agentes econômicos.
Considerando que o Brasil é membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), aqui
se apresenta o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, ou
simplesmente Sistema Harmonizado (SH) ou Harmonized System (HS), um método
internacional de classificação de mercadorias. É composto por códigos com seis dígitos, que
especificam os produtos (origem, matéria constitutiva e aplicação), apresentando um
ordenamento numérico lógico, crescente e de acordo com o nível de sofisticação das
mercadorias. Compreende 21 seções, compostas por 96 capítulos, além das Notas de Seção,
de Capítulo e de Subposição.
O SH é a base do sistema de nomenclatura utilizado pelo Brasil, a Nomenclatura Comum
do Mercosul (NCM), adotado conjuntamente pela Argentina, Uruguai e Paraguai, desde janeiro
de 1996. A NCM é composta por um código com oito dígitos: os seis primeiros formados pelo
SH, e os demais a desdobramentos específicos atribuídos no âmbito do Mercosul. Um exemplo
da NCM é apresentado na figura 1.
A União Européia adota um sistema com 10 dígitos e os Estados Unidos com 6 dígitos do
Sistema Harmonizado, acrescidos de mais 4 dígitos referentes a sua própria classificação
(Schedule B). Portanto, a harmonização que se busca com a adoção do SH acaba não sendo
plena, uma vez que os países têm tido necessidade de discriminar mais do que seis dígitos
para fins de suas políticas comerciais e controles tributários.
3. Para maiores informações sobre a classificação de produtos, acessar à página da OMC, em:
http://stat.wto.org/CountryProfile/WSDBCountryPFTechNotes.aspx?Language=E e no Anexo I do Acordo sobre Agricultura,
disponível em: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/14-ag.doc
34
3. Panorama geral do comércio internacional do agronegócio Capítulo 2
Comércio
Internacional
12000
10000
8000
US$ bilhões - FOB
6000
4000
2000
0
2000
2004
1950
1954
1956
1958
1960
1964
1966
1968
1970
1974
1976
1978
1980
1984
1986
1988
1990
1994
1996
1998
2002
1952
1962
1972
1982
1992
No final da 2a. Grande Guerra Mundial, em 1944, o Acordo de Bretton Woods, firmado nos
EUA, visando maior cooperação na área de economia internacional, fundamentou-se na propos-
ta de formação de três novas instituições: o FMI; o Banco Mundial ou Banco Internacional para
a Reconstrução e o Desenvolvimento e a Organização Internacional do Comércio - OIC. As
duas primeiras foram formadas, mas a terceira falhou pois a Carta de Havana, que definia
seus objetivos, não foi ratificada pelo Congresso norte-americano. Um acordo provisório foi
negociado em 1947, entre 23 países, adotando apenas uma parte da Carta de Havana, referente
às negociações de tarifas e regras sobre o comércio. Este Acordo foi chamado de General Agree-
ment on Tariffs and Trade – GATT. Na prática, passou a funcionar como um órgão internacional.
O sistema de regras do comércio internacional foi estabelecido ao longo de anos, a partir
dessa data, por meio da realização de nove rodadas de negociações internacionais, as seis
primeiras com objetivo de diminuir os direitos aduaneiros, por meio de concessões tarifárias
recíprocas; e as três últimas, mais amplas. Apenas como ilustração, em 1947 a média das
tarifas dos países-membros, aplicadas para importações de bens e mercadorias, era de 40%
e, em 1994, com a Rodada Uruguai passou a 5%.
As questões aduaneiras foram priorizadas nas negociações multilaterais, sendo que na
Rodada Tóquio foram elaborados acordos visando reduzir também a incidência de barreiras
não-tarifárias. Contudo, a questão agropecuária só foi tratada definitivamente a partir da Rodada
Uruguai, iniciada em 1986, e encerrada com a assinatura, em 1994, do Acordo de Marraqueche.
Nesta, os Acordos que compunham o GATT foram incorporados pela recém-formada
Organização Mundial de Comércio (OMC).
36
A OMC defende alguns princípios básicos para o comércio internacional, incorporados do
Acordo Geral do GATT-1947: Tratamento Geral de Nação Mais Favorecida (MFN) baseada na Capítulo 2
“Regra da Não-discriminação entre as Nações”; Tratamento Nacional; e Transparência. O Comércio
Internacional
GATT foi modificado, em 1968, para incluir princípios gerais para o comércio dos países em
desenvolvimento e permitir assim seu crescimento econômico segundo recomendações da
UNCTAD – “Tratamento Especial e Diferenciado”, associando comércio e desenvolvimento.
A Rodada Uruguai de Negociações Multilaterais, foi marcada por duas visões bastante
distintas, a dos países desenvolvidos, defendendo a introdução de serviços e propriedade
intelectual no Acordo e a dos países em desenvolvimento interessados na inclusão de
negociações em agricultura e têxteis. Em dezembro de 1990, prazo para encerramento da
Rodada, houve um impasse em Bruxelas, na agricultura, bloqueando a Rodada, o que somente
foi resolvido, no final de 1992, quando EUA e União Européia entraram em um acordo sobre o
tema agrícola, no Acordo chamado de Blair House. Nessa Rodada surgiram o Acordo sobre
Agrícola (AsA), bem como o Acordo para aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
(SPS) e o Acordo sobre Barreiras Técnicas (TBT), que serão tratados com detalhes.
A Organização Mundial do Comércio traz em seus objetivos e estrutura, avanços para a
condução do comércio internacional. Estabeleceu-se na Rodada Uruguai que só poderiam
ser integrantes os países que aceitassem todos os acordos como um conjunto não dissociável
(single undertaking). Constituiu-se em foro também para discutir temas ligados ao comércio
como meio ambiente, investimentos, concorrência, facilitação de comércio, comércio eletrônico
e cláusulas sociais.
Em novembro de 2001, os 144 membros da OMC, lançaram a nova rodada de comércio
global, em Doha, no Catar, prevista para encerrar-se até janeiro de 2005, chamada Rodada
do Desenvolvimento. Algumas das principais propostas contidas no documento interministerial
referem-se ao compromisso com o desenvolvimento sustentável. Particularmente na
agricultura, a Declaração reconheceu os trabalhos realizados nas negociações do Acordo
Agrícola, que se iniciaram no início de 2000.
Na 5a. Conferência Ministerial realizada em Cancún, em setembro de 2003, reunindo 148
países, pouco se avançou sobre os compromissos lançados em Doha. A UE insistindo em
iniciar a discussão sobre os temas de Cingapura (investimentos, concorrência, transparência
nas compras governamentais e facilitação do comércio) na OMC, manteve ainda, com o
apoio dos EUA, a posição de defesa da proteção à agricultura. Segundo Jank (2003), a falta
de acordo nos temas de Cingapura foi a principal razão do fracasso no avanço dessas
negociações.
Contudo, segundo ainda esse autor, um resultado favorável foi que o Brasil conseguiu
coordenar com sucesso um grupo muito heterogêneo de países em desenvolvimento. Estes
países constituíram o chamado Grupo dos Países em Desenvolvimento (G-22), deixando o
Grupo de Cairns em segundo plano, e representando ao final da Conferência cerca de 57%
da população mundial, 70% da população agrícola e 28% das exportações agrícolas (Jank,
2003).
Embora os países membros da organização já tenham se disposto a retomar as
negociações, que tinham como previsão de termino o final de 2004, a questão agrícola ainda
emperra nas negociações.
25 250
20 200
15 150
10 100
5 50
0 0
1958
1960
1961
1964
1968
1969
1971
1973
1974
1975
1976
1977
1980
1981
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Número de acordos por ano Total de acordos vigentes
Fonte: International Trade Statistics. 2005 e 2004. World Trade Organization (WTO)
4. Nafta – Acordo de Livre Comércio Norte Americano: Estados Unidos, Canadá e México.
Mercosul – Mercado Comum do Sul: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Comunidade Andina – Comunidade Andina de Nações: Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
UE - União Européia: Composta por 25 países - Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha,
Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal,
Reino Unido, República Tcheca e Suécia.
ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático: Maymar, Laos, Tailândia, Camboja, Vietnã, Filipinas, Malásia, Brunei,
Singapura, Indonésia.
39
Já os Acordos Norte-Sul, do ponto de vista dos países em desenvolvimento (PED), não
Capítulo 2 se diferenciam de um acordo de liberalização comercial multilateral. A eliminação das barreiras
Comércio gera incentivos para que empresas transnacionais se localizem no país relativamente mais
Internacional
pobre. O menor custo de insumos importados do Norte e a ampliação do mercado interno
criam condições para explorar vantagens competitivas e economias de escala. Contudo, por
outro lado, esses acordos passam a ser um fator de pressão sobre reformas econômicas.
As Barreiras não-Tarifárias (BNTs) têm sido objeto de discussão nos fóruns internacionais
há décadas. Na Rodada Uruguai do GATT, ocorreu o processo de tarificação das BNTs, com
atenção especial para as quotas. Outros instrumentos usados para restringir ou dificultar as
exportações de países em desenvolvimento e também considerados barreiras não-tarifárias
são as restrições técnicas e sanitárias. Elas envolvem aspectos relacionados à qualidade de
produtos, saúde da população, trabalho infantil, regras sobre concorrência, proteção ao
consumidor, política de corporações, políticas sociais e ambientais.
Os subsídios domésticos e às exportações, embora não consistam em barreiras
comerciais propriamente, têm sido tratados também neste capítulo da política comercial e
por esta razão serão apresentados como subitem das barreiras não-tarifárias.
a) Quotas-tarifárias
Uma política que, pelos seus efeitos significativos sobre o comércio e bem-estar dos
países, é muito prejudicial consiste na quota pura. É uma restrição quantitativa explícita e/ou
associada a tarifas (quota-tarifária). A quota pura é usada quando o governo, ao invés da
tarifa, opta por uma restrição do volume de importações autorizadas para um determinado
nível máximo. O limite absoluto é chamado de quota de importação. Durante a Rodada Uruguai,
as quotas passaram pelo processo de tarificação, uma vez que foram consideradas como
práticas desleais e proibidas. Esse processo visando eliminar as barreiras não-tarifárias,
particularmente, as de natureza quantitativa como as quotas, acabou resultando nos atuais
picos tarifários e quotas tarifárias.
Para administrar a política de quotas o governo tem de intervir muito na economia. Tem de
estabelecer um regime de licenças de importação. Pouca transparência é um dos problemas
desse mecanismo. O comércio de produtos industriais está praticamente livre desse
instrumento. Contudo, o comércio de produtos agrícolas mostra um quadro muito diferente.
Quase todos os países industrializados colocam uma variedade de restrições quantitativas
às importações de produtos agrícolas, que atualmente se transformaram nas quotas tarifárias.
A quota tarifária é um mecanismo que associa um acordo de acesso a mercados (acesso
mínimo ou acesso corrente) a duas tarifas, uma tarifa intraquota e uma tarifa extraquota. Um
terceiro elemento das quotas tarifárias é o mecanismo de distribuição das licenças de
importação dessas quotas. Considera-se que um dos maiores problemas com este
instrumento de política comercial, e que seria uma das causas de seus impactos negativos é
a falta de transparência e a complexidade dos mecanismos de distribuição.
Este sistema, segundo levantamento das notificações5 na OMC, é adotado em 43 países.
Segundo Cunha Filho (2003), havia um total de 1425 quotas-tarifárias aplicadas por estes
países e cerca de 924 não foram preenchidas no ano de 2002. Os derivados de plantas
5. Notificações são instrumentos de transparência criados pela OMC. Consistem na exigência de que os países comuniquem
à OMC (por meio dos Comitês Técnicos dos Acordos) todas as mudanças que sejam estabelecidas em suas políticas
agrícolas, sanitárias, técnicas, de subsídios, tarifas anti-dumping, etc domesticamente e, principalmente, aquelas que possam
afetar o comércio entre países.
42
oleaginosas, o açúcar e seus derivados, as carnes e seus derivados, as frutas e vegetais, o
tabaco, as fibras vegetais e o café, são exemplos de produtos para os quais o Brasil enfrenta Capítulo 2
a proteção das quotas tarifárias no mercado internacional. Países desenvolvidos e em Comércio
Internacional
desenvolvimento adotam tal restrição.
Existem outros instrumentos de proteção comercial, como a Restrição Voluntária de
Exportação, Controles Cambiais, Proibição de Importação, Monopólio Estatal, Leis de Compra
de Produtos Nacionais, Depósito Prévio à Importação, Necessidade de Requisitos Locais,
Subsídios de Crédito à Exportação, e as Barreiras não-tarifárias técnicas e sanitárias, que
serão discutidas adiante.
Países Paises em
Compromissos Assumidos Desenvolvidos Desenvolvimento
(95-00) (95-04)
Tarifas:
Corte médio para todos os produtos -36% -24%
Corte mímimo por produto -15% -10%
Apoio interno (base 86-88):
Corte da MAS por setor -20% -13%
Subsídio à exportação (base 86-90):
Corte no valor do subsídio -36% -24%
Corte no valor subsidiado -21% -14%
Fonte: OMC (1998)
Uma outra categoria mais recente vem sendo utilizada por diversos autores na classificação
de subsídios. Trata-se da Special & Diferencial Box, que inclui subsídios com tratamento es-
pecial e diferenciado para países em desenvolvimento.
Na Tabela 5 é possível observar como é lenta a redução nos subsídios concedidos pelos
países ricos aos seus agricultores, apesar de compromissos que foram assumidos pelo Acordo
Agrícola, em 1994. Os valores são computados em milhões de dólares tendo se utilizado o
Subsídio Equivalente ao Produtor (PSE) para medir as políticas de apoio à agricultura. O PSE
44
consiste em uma medida para calcular os subsídios que são concedidos aos produtores
rurais pelos governos dos países. Em porcentagem, indica a parcela que tais subsídios Capítulo 2
domésticos representam na renda do agricultor desses países. Comércio
Internacional
Em 2001, por exemplo, no Japão os subsídios responderam por 59% da renda do produtor
(PSE%), enquanto nos EUA e UE, esse montante foi de, respectivamente, 21% e 35%. Esses
dados são calculados e divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Recentemente, foram calculados para o Brasil, utilizando a mesma
metodologia, obtendo-se que, no agregado, o nível de PSE no país para a agricultura foi, na
média, de 3% do valor bruto das receitas dos produtores rurais para o período de 2002-04,
enquanto a média para os paises da OCDE no mesmo período foi 30% (OCDE, 2005).
Tabela 5- Estimativa total do suporte à agricultura, dado em Subsídio Equivalente ao Produtor (PSE)
para alguns países da OCDE.
US$ Milhões
País
1986-88 1990 1995 2000 2005
Estados Unidos 41.839 51.256 55.433 49.333 49001
UE 93.719 99.343 115.330 89.617 93.083
Japão 49.498 51.980 53.809 54.888 47.242
Coréia 12.120 18.170 18.335 19.337 16.838
1200000
1000000
800000
toneladas
600000
400000
200000
0
g
no
ra
ul
dá
r ia
na
o
15
ia
ta
Irã
a
ul
a
le
UA
ni
pã
íc
si
si
ér
S
di
pu
ic
hi
S
hi
na
ba
Ko
gá
Su
ús
á
UE
éx
E
C
Ja
lg
au
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Inicialmente, é preciso diferenciar dois conceitos que vêm sendo confundidos na mídia e
mesmo na literatura técnica: Food Safety ou Segurança do Alimento e Food Security. Food
Safety trata da garantia de um alimento com atributos de qualidade e inocuidade, ou seja, está
relacionado à segurança e saúde do consumidor; enquanto Food Security ou segurança
alimentar é a garantia de abastecimento de uma população com alimentos, em que se pode
pressupor que sejam alimentos de qualidade e seguros.
Outras definições importantes tratam das designações de norma e regulamento. A Norma
é um documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que
fornece, para um uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou características para atividades
ou seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto.
O Regulamento é um documento que contém regras de caráter obrigatório e que é adotado
por uma autoridade. O regulamento técnico, portanto, é aquele que estabelece requisitos
técnicos, seja diretamente, seja pela referência ou incorporação do conteúdo de uma norma,
de uma especificação técnica ou de um código de prática.
Como organismos regulamentadores no Brasil, podem-se citar o INMETRO (MDIC), a
ANVISA (MS), a ANP e a ANEEL (MME) e as diversas secretarias específicas do Ministério da
Agricultura. A Figura 5, por sua vez, exemplifica os diferentes níveis (âmbitos) de normalização
técnica, desde a empresa até o nível internacional
No Acordo de Barreiras
Técnicas (TBT), embora os
ISO Internacional países só tenham competência
IEC para discutir e resolver sobre
regulamentos técnicos, ou seja,
Normas Regional na alçada de governos, alguns
Regionais
Mercosul CEN organismos de normalização
Nacional atendem às reuniões do Comitê
Normas Nacionais Técnico, participando das
ABNT BSI AFNOR DIN
Associação discussões, mas sem poder de
Normas de Associação voto. Mais além, é importante
SAE ASME ASTM mencionar que o Acordo TBT
Empresa preconiza que haja um esforço
Normas de Empresa em busca da harmonização das
normas, embora não tenha poder
para atuar sobre tal atividade, já
Figura 5 – Níveis de normalização e exemplos de que as normas são de adoção
organismos normalizadores. voluntária.
Fonte: Instituto de Tecnologia do Paraná – TECPAR (palestra
de Júlio Félix, set/2004 – Conferência da Rastreabilidade).
48
Cabe, ainda, definir do que trata a qualidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS,
2003) atenta para a diferença entre segurança do alimento e qualidade do alimento: “A qualidade Capítulo 2
inclui todos os outros atributos que influenciam no valor de um produto para o consumidor. Comércio
Internacional
Isto inclui atributos negativos como, deterioração, contaminação, descoloração, odores
desagradáveis, e atributos positivos como denominação de origem, cor, sabor, textura e método
de processamento do alimento” .
Há diversas definições de qualidade, cada vez mais relacionadas à satisfação das
preferências do consumidor, ao contrário da idéia de “perfeição técnica” antes prevalecente
para os produtos agroindustriais
A certificação, por sua vez, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
tem por objetivo atestar publicamente e, por escrito, que um produto, processo, serviço ou
sistema está em conformidade com requisitos específicos, normas ou regulamentos técnicos.
Esses certificados têm prazo de validade, revalidado ou suspenso através de auditorias.
As certificações têm caráter voluntário, sendo utilizadas muitas vezes pelas empresas
como uma forma de diferenciação em seus mercados. Contudo, podem gerar custos
adicionais, diferenciados entre as empresas, já que dependem de seu grau de ajustamento
aos requisitos específicos relacionados à certificação.
Os produtos com diferencial de qualidade devem, obrigatoriamente, assegurar a
comprovação e a confiança do consumidor e isto pode ser obtido através de sistemas
estruturados contemplando procedimentos de certificação, identificação de origem e
rastreabilidade de processos produtivos adotados. Cabe, contudo, enfatizar que Rastreabilidade
não é sinônimo de qualidade!
Há três tipos básicos de certificação, segundo a ABNT:
Certificação de 1ª parte: quando os auditores internos registram a auditoria de
1ª parte, por meio de um relatório;
Certificação de 2ª parte: os auditores dos clientes, na auditoria de 2ª parte,
fornecem um relatório e na aprovação, fornecem, também, um Certificado de
Qualificação do Fornecedor;
Certificação de 3ª parte: as certificadoras independentes, na auditoria de
3ª parte fornecem um Certificado, acreditado nacional e internacionalmente.
A PIF (Produção Integrada de Frutas) é um exemplo de programa para certificação no
setor do agronegócio. A Produção Integrada “É um sistema de produção baseado na
sustentabilidade, aplicação de recursos naturais e regulação de mecanismos para a
substituição de insumos poluentes, utilizando instrumentos adequados de monitoramento dos
procedimentos e de rastreabilidade de todo o processo, tornando-o economicamente viável,
ambientalmente correto e socialmente justo.” Isto garante que o produto esteja em conformidade
com normas técnicas específicas; a higiene e segurança dos alimentos; a preservação
ambiental; uso racional de defensivos químicos e respeito aos limites máximos de resíduos
(LMR), segundo Andriguetto & Kososki (2004).
No caso da PIF, na fruticultura, o sistema baseia-se em quatro elementos básicos: a
qualidade no trabalho, pós-colheita, a cultura propriamente e o enfoque ambiental. No caso,
por exemplo, a qualidade do trabalho envolve aspectos de qualificação pessoal, segurança do
trabalho e segurança higiênico-sanitária; enquanto se podem destacar alguns aspectos
relevantes na qualidade da cultura, envolvendo controle de pesticidas de herbicidas, controles
de nutrientes, processos de plantio e cultivo e processo de colheita.
A PIF, contudo, fundamentou-se no EUREPGAP. Tecnicamente o EUREPGAP é um conjunto
de documentos normativos apropriados para serem acreditados a critérios de certificação
reconhecidos internacionalmente tais como a ISO Guia 656. Representantes do mundo todo e
de todos os estágios da cadeia de alimentos se envolveram no desenvolvimento desses
6. A ISO Guia 65 é uma norma internacional que apresenta os requisitos a serem atendidos por qualquer empresa que deseja
certificar produtos.
49
documentos. Este processo gerou um protocolo que os produtores do mundo todo podem
Capítulo 2
utilizar para demonstrar que estão de acordo com as Boas Práticas Agrícolas – BPA
Comércio (EUREPGAP, 2006).
Internacional Surgiu em 1997, quando uma associação de grandes varejistas europeus, a Euro Retailer
Produce Working Group (Eurep), decidiu criar um programa que garantisse padrão de qualidade
aos alimentos. Evoluiu para uma parceria entre produtores e varejistas e tendo como base
desenvolver os padrões e procedimentos para uma certificação global das BPA (ou Good
Agricultural Pratice - Gap), de onde se originou a designação Eurepgap.
Atualmente quase todas as fazendas brasileiras que exportam frutas e vegetais para o
mercado europeu seguem rigorosamente essa norma. Segundo Franco (2004), citado por
Lacorte (2006) recentemente, o sistema alcançou a pecuária. A versão IFA (Integrated Farm
Assurance – Segurança Integrada na Fazenda) foi criada especialmente para as propriedades
com produção animal, e o interesse de pecuaristas e frigoríficos exportadores pelo sistema
justifica-se pela estimativa de bonificação para a carne bovina com tal certificado (de 15% a
20%).
O sistema é composto pelas seguintes exigências:
Estabelecimento de uma Gestão Ambiental que garanta a minimização dos
seus impactos ambientais, incluindo o aproveitamento racional dos recursos
naturais.
Garantia do Uso e Manuseio adequados de defensivos agrícolas.
Estabelecimento de uma Gestão Ocupacional, visando redução e controle dos
perigos e riscos aos quais os trabalhadores rurais estão sujeitos.
Estabelecimento de uma Gestão de Qualidade do processo produtivo,
garantindo a segurança dos alimentos produzidos.
O “GAP” incorpora práticas do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e o Manejo Integrado da
Cultura (MIC), essenciais segundo os membros do EUREP, para a melhoria contínua e a
produção agrícola sustentável. O protocolo também encoraja, para o caso de frutas e hortaliças,
o uso do Hazard Analysis and Critical Control Points (HACCP), estabelecendo diretrizes para:
armazenamento de registros, variedades e porta-enxertos, histórico do local e gerenciamento
local, manejo de solo e substrato, uso de fertilizantes, irrigação, proteção da cultura, colheita,
tratamentos pós-colheita, manejo de lixo e poluição, reciclagem e reuso, saúde dos
trabalhadores, segurança e bem-estar, temas ambientais e formulário de acompanhamento
(Oliveira, 2005).
O processo de certificação do programa EurepGap consolida-se através da auditoria e
certificação independente, a chamada de terceira parte.
A rastreabilidade é definida pela ISO (definir em nota de rodapé) como : “A capacidade de
traçar o histórico, a aplicação ou a localização de um item através de informações previamente
registradas” (ISO 8402). Trata-se de um elemento essencial no escopo maior da qualidade
total, sendo base para todo processo de certificação, mas não se deve confundi-lo com
qualidade ou com segurança do alimento!
Já Sarto et al. (2002) apresenta a definição de rastreabilidade de acordo com a EAN Inter-
national – organização gestora de um sistema global de identificação e comunicação para
produtos, serviços e locais, criada em 1977, para servir à Comunidade Européia – que diferencia
os termos tracking (acompanhamento) e tracing (rastreamento): acompanhamento do Produto
(tracking) é seguir o trajeto deste ao longo da cadeia de produção enquanto ele é transferido
entre organizações; e rastreamento do Produto (tracing) é identificar a origem de uma unidade
ou lote de produto específico.
A rastreabilidade é elemento indispensável para a diferenciação dos produtos, visto que
alguns destes podem conter substâncias, ou passar por processos, ou ainda fazer parte de
projetos sócio-ambientais que valorizam e diferenciam as firmas produtoras, que o consumidor
desconhece e não consegue perceber facilmente (Golan et al., 2004). O modo de verificar a
existências desses atributos é através dos registros que a rastreabilidade gera (Marins, 2006).
50
Golan et al. (2004) caracterizam o sistema de rastreabilidade pela sua extensão,
profundidade e precisão. A extensão é a quantidade de informação gravada no sistema, Capítulo 2
profundidade como “de que ponto à que ponto”, é a abrangência da rastreabilidade, o quanto Comércio
Internacional
para trás e o quanto para frente deve ser rastreado. Esta característica está intimamente
ligada com a extensão, pois ao definir que atributos vão ser rastreados, fica definida a
profundidade do sistema. A precisão é definida como a habilidade do sistema de localizar a
fonte original do problema, é determinada pela unidade analisada no sistema e pela taxa de
erro aceitável. Assim, se o sistema em que a unidade rastreável for um lote de ração ou um
grupo de animais, ou com taxas de erro grandes, apresentará uma precisão ruim. Contudo, a
definição do requisito de uma precisão acurada ou não, é dada pelo objetivo do sistema.
Segundo Marins (2006), no modelo voluntário o Estado se afasta do mercado, e fica por
conta das firmas regularem o setor em que atuam, definindo, cada uma ou em conjunto,
normas e mecanismos para a aplicação e manutenção de um sistema de rastreabilidade. A
fiscalização pode ser feita pela própria firma, por terceiros ou pelo governo. As firmas têm
incentivos para usar sistemas de rastreabilidade que gerem diferenciação dos seus produtos,
o que pode ser considerado um atributo positivo. Contudo, os sistemas de rastreabilidade não
informam ou o fazem sem ênfase quando geram atributos negativos.
O mesmo autor explica sobre o modelo mandatório, no qual o Estado tem papel funda-
mental como agente regulador do setor, impondo um sistema de rastreabilidade desenvolvido
por ele ou em conjunto com os agentes do setor. Nesse caso, todos devem acatar o modelo
ou são punidos com multas. A fiscalização é feita pelo próprio Estado.
No Brasil, a experiência mais antiga é a do SISBOV, como sistema de rastreabilidade,
embora se possa identificar que a PIF na fruticultura também contém o componente de
rastreabilidade. Marins (2006) avalia que o SISBOV apresenta algumas limitações, já que o
sistema não abrange a rotulagem como nos modelos europeus, não exigindo nem as
informações compulsórias e nem as informações voluntárias, para a diferenciação do produto.
Em termos de base legal, a Instrução Normativa nº 1, publicada pelo MAPA em 9 de janeiro
de 2002, levou à criação do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem
Bovina e Bubalina - SISBOV, o qual estabelece os parâmetros e prazos para implementação
da rastreabilidade no Brasil. Desde então, uma série de medidas foi promulgada pelo MAPA,
alterando não só os prazos de ajustamento previstos para o setor privado, nas diferentes
regiões do país, mas também alterando mesmo alguns mecanismos importantes do seu
funcionamento (Tabela 6, próx. página).
A última mudança no SISBOV, uma reforma da estrutura operacional do sistema, foi editada
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) pela Instrução Normativa n.
17 (13/7/2006), que estabelece a Norma Operacional do Serviço de Rastreabilidade da Cadeia
Produtiva de Bovinos e Bubalinos (SISBOV).
O novo sistema institui o conceito de Estabelecimento Rural Aprovado no SISBOV e tem
como principais requisitos a obrigatoriedade de identificação individual de 100% dos bovinos e
bubalinos da propriedade, o controle sobre a movimentação de animais, de eventos sanitários
e dos insumos utilizados na produção e a realização de vistoria de inspeção na propriedade a
cada 180 dias no máximo. A Instrução n. 17 estabelece ainda que a partir de janeiro de 2009 a
movimentação dos animais rastreados estará restrita a estabelecimentos aprovados. Os
pecuaristas têm até 31 de dezembro de 2007 para se adaptarem às novas regras do SISBOV,
data em que as normas do sistema antigo serão revogadas (CARTILHA DO, 2006).
O sistema é de adesão voluntária, permanecendo a obrigatoriedade dos frigoríficos
comprarem animais de Estabelecimentos Rurais Aprovados no SISBOV, nos casos de
comercialização para mercados que exijam rastreabilidade, como a União Européia, Chile e
Reino Unido.
O novo modelo tem como principal avanço o conceito de propriedade certificada. Ou seja,
a partir de janeiro de 2007, empresas que produzem carne bovina para exportação têm que
credenciar a sua propriedade junto ao MAPA e contratar uma certificadora para validar
todo oprocesso. No modelo atual, é permitida a convivência de animais identificados e não-
51
identificados dentro da mesma propriedade. O intuito é de que as propriedades comecem a
Capítulo 2 se especializar em produzir carne rastreada tanto para o mercado externo como para o
Comércio mercado interno (Marins, 2006).
Internacional
Segundo a Carneiro Sobrinho (2006), uma vantagem adicional do novo sistema está na
gestão da propriedade, já que dentre as exigências a serem cumpridas, a fazenda aprovada
deve apresentar à certificadora um plano de gestão, atentando para a qualidade da produção,
manejos sanitário e alimentar e controle de informações referentes ao bem-estar animal.
Tabela 6 – Evolução da regulamentação da rastreabilidade bovina e bubalina no Brasil
Data
Tipo Ementa
Publicação
Estabelece a Norma Operacional do Serviço de Rastreabilidade da
Instrução
Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), aplicável a todas as
Normativa n. 14/07/2006
fases da produção, transformação, distribuição e dos serviços
17
agropecuários.
Instrução Altera, de 1º de agosto de 2004 para 1º de fevereiro de 2005, o prazo
Normativa n. 13/07/2004 previsto no art. 15, do Anexo da Instrução Normativa nº 21, de 2 de abril
52 de 2004.
Instrução Altera o calendário de ingresso e permanência de animais na Base
Normativa n. 21/06/2004 Nacional de Dados (BND) - SISBOV, aprovado pela Instrução Normativa
48 nº 88, suprimindo a letra “a” do item 1, e a letra “b” do item 2.
Instrução
Normativa 06/04/2004 Aprova as Normas Operacionais do SISBOV e respectivos anexos.
n.21
Procedimentos a serem adotados pelos SIFs junto aos matadouros de
Circular n.3 17/03/2004 bovinos exportadores de carne e derivados com base na legislação do
SISBOV.
Instrução
Aprovar o calendário de ingresso e permanência de animais na Base
Normativa 15/12/2003
Nacional de Dados – SISBOV.
n.88
Instrução Dispõe que os bovinos ou bubalinos importados para as finalidades de
Normativa n. 05/08/2003 reprodução, cria, recria ou engorda serão obrigatoriamente incluídos no
59 SISBOV.
Instrução
Normativa 11/06/2003 Aprova o Manual de Auditoria SISBOV.
n.47
Portaria
26/03/2003 Instituir o Comitê Técnico Consultivo do SISBOV.
n.23
Aprova as instruções complementares para regulamentação,
Instrução
implementação, promoção e supervisão da execução do controle
Normativa 07/08/2002
operacional de entidades certificadoras credenciadas no âmbito do
n.47
SISBOV.
Portaria Institui no âmbito do SISBOV, a Coordenação Interdepartamental de
19/04/2002
n.18 Credenciamento - CIDC
Instrução
Estabelece as diretrizes, os requisitos, os critérios e os parâmetros para o
Normativa 27/02/2002
credenciamento de entidades certificadoras junto ao SISBOV.
n.21
Instrução
Institui o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem
Normativa 10/01/2002
Bovina e Bubalina - SISBOV
n.1
6. Considerações finais
Embora muito se fale nos desafios das negociações internacionais em agronegócio, nas
suas diversas esferas, bilateral, regional e multilateral, os maiores gargalos para o setor nacional
são os domésticos. Estes podem vir a comprometer a competitividade brasileira nos próximos
anos e já vêm, de alguma forma, afetando as exportações. Não só as questões tributárias e
logísticas, que compõem o chamado “Custo Brasil”, mas também aquelas que se referem à
qualificação dos produtos e agentes das cadeias agroindustriais no país. A qualificação
52
relacionada ao estabelecimento de padrões de classificação, de embalagem, ambientais,
trabalhistas entre outros, que são a base dos sistemas de certificação, que, por sua vez, Capítulo 2
garantem ao consumidor os atributos desejados, como a segurança, qualidade e regularidade. Comércio
Diante disto, certamente a maior tarefa que o setor privado e o setor público deverão Internacional
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Anexo
Capítulos do
Sistema
Harmonizado
1e2
4 a 24
29
33
35
Questões de Revisão
Gabarito: 1 (c); 2 (d); 3 (c); 4 (b); 5 (c); 6 (b); 7 (d); 8 (c); 9 (c); 10 (d)
56
CAPÍTULO 3
CUSTOS DE PRODUÇÃO,
ORÇAMENTAÇÃO E MEDIDAS
DE RESULTADO FINANCEIRO
Roberto Arruda de Souza Lima
1. Os cinco capitais
Todo projeto envolve o uso de cinco tipos de capitais: humano, social, natural, físico e
financeiro. A atividade geradora de renda é uma combinação na utilização do estoque desses
capitais. Assim, a análise de uma empresa ou projeto inicia-se com o diagnóstico –
levantamento de pontos fortes e fracos – da situação de cada um dos capitais.
O capital humano é representado pelas pessoas envolvidas no projeto, considerando suas
habilidades, atitudes, capacidades físicas e intelectuais. O treinamento, saúde e educação e
experiência definem a qualidade desse capital. O capital social refere-se aos vínculos e relações
entre os indivíduos, sendo o produto da confiança entre as pessoas. A distinção entre capitais
humano e social pode ser representada pela figura de um polígono, em que capital humano
seria representado pelos vértices e o capital social pelas linhas que conectam estes vértices.
Capital social e capital humano freqüentemente são complementares.
O capital natural é formado pelo solo, ar, água, fauna e flora. A grande diversidade do
capital natural implica na necessidade de detalhado diagnóstico tanto para o planejamento do
projeto quanto na definição de potenciais alternativas de investimento. Muitos riscos estão
associados às variáveis do capital natural, como, por exemplo, ocorrência de seca ou de
geadas. Este aspecto (risco) será discutido mais adiante neste texto. O potencial turístico,
característica de alguns projetos, e o impacto ambiental também fazem parte da análise do
capital natural.
O capital físico está relacionado à infra-estrutura da empresa: benfeitorias, máquinas e
equipamentos, veículos, animais de produção e de trabalho, etc. A vida útil e o estado de conservação
são aspectos importantes na avaliação do capital físico. A proporção de uso, a fração de tempo
alocado ao projeto, e o valor residual (isto é, ao final do projeto) devem ser adequadamente
dimensionados para a correta mensuração de resultados econômico-financeiros.
O capital financeiro é o foco deste texto. Refere-se ao caixa, às aplicações financeiras,
estoques líquidos, contas a receber, contas a pagar, empréstimos e créditos de fornecedores.
O momento em que ocorre a efetiva entrada de caixa ou desembolso é um aspecto muito
importante do capital financeiro, conforme será visto, adiante, na discussão sobre fluxo de caixa.
2. Rentabilidade
1. O preço de títulos, ações, moedas estrangeiras e de mercadorias transacionadas em bolsas recebe a denominação de
cotação (Sandroni, 2001).
58
aquisição de matéria-prima e nos salários dos trabalhadores envolvidos diretamente na Capítulo 3
Custos de
produção. Despesas são os gastos que não estão diretamente associados ao processo Produção,
Orçamentação
produtivo, como, por exemplo, comissões de vendedores e aluguel de escritório. e Medidas de
A Receita Líquida é obtida subtraindo os impostos sobre vendas (ICMS, IPI, ISS) e outras Resultado
Financeiro
deduções como vendas canceladas, abatimentos e descontos comerciais da Renda (Receita)
Bruta. Subtraindo, no caso de produtores (indústrias), o custo dos produtos vendidos (ou os
custos das mercadorias vendidas, no caso de empresa comercial) da Renda (Receita) Líquida,
obtém-se o Lucro Bruto (Quadro 1). Neste momento, já é possível definir um indicador de
rentabilidade, a Margem de Lucro Bruto:
Lucro Bruto
Margem de Lucro Bruto = × 100
Receita Líquida
Lucro Operacional
Margem de Lucro Operacional = × 100
Renda Líquida
Lucro Líquido
Margem de Lucro Líquido = × 100
Renda Líquida
RECEITA BRUTA
(–) DEDUÇÕES
IPI
ICMS
Abatimentos
(=) RECEITA LÍQUIDA
(–) CUSTOS DOS PRODUTOS VENDIDOS
(=) LUCRO BRUTO
(–) DESPESAS OPERACIONAIS
De Vendas
Administrativas
Financeira (–) Receita
(=) LUCRO OPERACIONAL
(±) DESPESAS/RECEITAS NÃO OPERCIONAIS
Ganhos/Perdas Extraordinários
(–) Provisão para o Imposto de Renda
Participações de Debêntures, Empregados e/ ou Adm., Partes Beneficiárias,
Contribuições e Doações
(=) LUCRO LÍQUIDO (OU PREJUÍZO)
59
Capítulo 3
Custos de 3. Engenharia de projetos
Produção,
Orçamentação
e Medidas de
Resultado
Financeiro Denomina-se engenharia do projeto o dimensionamento das operações (preparo do solo,
ordenha, plantio, colheita, etc) associadas às atividades (milho, soja, produção de leite etc)
previstas no projeto. A execução das operações exige a utilização dos cinco capitais
anteriormente descritos. Para elaboração de orçamentos (e fluxos de caixa) é importante
conhecer o tipo e quantidade utilizada de cada recurso, ou seja, é necessário conhecer os
coeficientes técnicos.
Usualmente, os coeficientes técnicos indicam as quantidades usadas de um insumo ou
produto por unidade de área (por exemplo, 25 kg de sementes/ha). No entanto, o coeficiente
técnico pode ser expresso em outras unidades, como, por exemplo, em quantidades por
animal (exemplo: 5 kg ração/animal).
Como serão discutidas adiante, as atividades envolvidas no projeto em analise devem
ser bem caracterizadas, com conhecimento das especificações técnicas dos insumos e
produtos, de modo a obter coeficientes técnicos corretos e adequados ao entendimento do
projeto.
Recomenda-se usar, sempre que possível, os coeficientes técnicos obtidos no controle
operacional da empresa ou de empresas com características semelhantes. Quando os
coeficientes técnicos não estão disponíveis (por exemplo: no caso de uma atividade nova na
empresa), pode-se usar as informações de publicações técnicas ou de instituições
especializadas2.
4. Orçamentação.
2. No caso do agronegócio, destacam-se como fontes: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); CATI;
institutos de pesquisa (Instituto Agronômico de Campinas-IAC, Instituto de Zootecnia, Instituto Florestal e Instituto de
Tecnologia de Alimentos); as universidades públicas (ESALQ/USP e UNESP); o SENAR e as cooperativas.
60
Figura 1 – Informações básicas necessárias a orçamentação. Capítulo 3
Custos de
Produção,
quantidade e preços de produtos Orçamentação
quantidade e preços de insumos
e Medidas de
Resultado
Financeiro
R$ 11.000,00
= R$ 550,00/h
200 horas
5. Fluxo de Caixa.
Sem dúvida, o Orçamento é um instrumento importante, mas ele não considera uma
variável importante nas decisões: o tempo.
A análise do momento em que ocorrerão as despesas e as receitas permite que o
empresário se antecipe aos movimentos de caixa3 nos negócios, de modo que os problemas
sejam detectados com antecedência para que sejam realizadas as devidas ações preventivas.
Desta forma, pode-se determinar o momento certo de contrair uma dívida e por qual prazo
(qual o melhor momento para que ocorra o pagamento da dívida). Da mesma forma, e de
especial importância em épocas de inflação, pode-se identificar quando (e por qual prazo) se
deve realizar aplicações financeiras com o eventual excesso de caixa.
3. Movimentos de caixa referem-se às entradas e saídas de dinheiro (cédulas, moedas e depósitos bancários em conta-
corrente) da empresa.
61
Capítulo 3 O demonstrativo que permite verificar estas informações, e muitas outras, é o Fluxo de
Custos de
Produção, Caixa. Nele são apresentadas, sinteticamente e por períodos (em geral, mês ou ano), as
Orçamentação
e Medidas de
entradas e saídas de caixa. Ou seja, mostra a origem de todo dinheiro que entrou no caixa e,
Resultado também, onde foi aplicado todo dinheiro que saiu do caixa. Assim, se as receitas ocorrerem
Financeiro
somente no final do período do projeto, será necessário buscar recursos (próprios ou de
terceiros) para viabilizar o empreendimento. Quanto antes ocorrerem as receitas, menor será
a necessidade de buscar fontes de financiamento. Note que a análise do Fluxo de Caixa
permite verificar a capacidade da empresa em pagar suas obrigações corretamente.
Os fluxos das receitas (entradas) e os fluxos das saídas de recursos fazem parte dos
fluxos de caixa, sendo que a diferença entre estes fluxos é denominada receita líquida esperada.
As entradas no fluxo de caixa são compostas pelas receitas originadas no projeto, obtidas
através da multiplicação do preço ou cotação de cada item pela respectiva quantidade física
referente à:
Vendas de produtos agrícolas
Vendas de produtos animais
Arrendamentos
Outras receitas
Finalmente, considerados os valores das entradas e das saídas, pode-se elaborar o Fluxo
de Caixa do projeto. Muitas outras informações extraídas do Fluxo de Caixa são importantes
para a boa condução de um empreendimento, para análise econômico-financeira e para
tomada de decisão. Na Tabela 2 é apresentado um modelo genérico como exemplo de planilha
para elaboração do Fluxo de Caixa.
Adicionalmente, deve-se estar atento a dois aspectos na elaboração do Fluxo de Caixa: os
efeitos da inflação e o horizonte temporal do projeto.
62
Tabela 2 – Modelo de Fluxo de Caixa. Capítulo 3
Custos de
Produção,
Ano 0 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Orçamentação
ENTRADAS e Medidas de
Vendas – Produtos agrícolas Resultado
Vendas – Produtos animais Financeiro
Arrendamentos
Outras receitas
SAÍDAS
Investimentos
Terra
Construções
Equipamentos
Máquinas
Corretivos de solos
Mudas e sementes
Animais
Outros investimentos
Gastos operacionais
Mão-de-obra
Defensivos
Fertilizantes
Combustíveis e lubrificantes
Vacinas e medicamentos
Animais – recria/engorda
Rações e sêmen
Ensilagem
Impostos e contribuições
Outros gastos operacionais
RECEITA LÍQUIDA
Resultado Acumulado
A inflação, por definição, altera os preços dos insumos e dos produtos que são utilizados
nos cálculos de entradas e saídas (receitas, custos e despesas). No entanto, é muito grande
a dificuldade de estimar tanto o nível de inflação quanto a variação de preço de cada item
(lembrando que a taxa de inflação é uma média, sendo que cada produto apresenta uma
variação de preços diferente de outro, ou seja, há variação nos preços relativos). Na elaboração
de fluxos de caixa é realizada uma simplificação: considera-se que os preços relativos não se
alteram. Desta forma, deve-se estar atento no sentido que os preços correntes (aqueles que
são praticados no dia-a-dia do mercado) poderão se alterar, o que pode implicar na necessidade
de rever projeções e análises de fluxos de caixa.
A definição do horizonte temporal do projeto é outro aspecto importante. Os
empreendimentos rurais caracterizam-se por apresentar atividades de longo prazo. Assim, o
fluxo de caixa deve compreender todo ciclo de produção. Projetos com horizonte de tempo
longo, comuns no agronegócio, têm o inconveniente do período total ser divido em subperíodos
não muito curtos (por exemplo, um ano). Por exemplo, pode-se considerar entradas e saídas
anuais. No entanto, no mundo real, as entradas e saídas não são simultâneas. Uma atividade
que apresente saída de caixa em janeiro e entrada de caixa em dezembro e outra, exatamente
oposta, com entrada de caixa em janeiro e saída de caixa em dezembro apresentarão
exatamente os mesmos resultados nos Fluxos de Caixa realizados considerando o saldo
anual. No entanto, os reflexos para administração do empreendimento, no chamado capital de
giro, serão bem diferentes! Portanto, este aspecto deve ser considerado, realizando os
eventuais ajustes que reflitam a necessidade de capital de giro do empreendimento.
No item anterior, foi comentado que quando é elaborado o Fluxo de Caixa considera-se
apenas as alterações nos desembolsos e nas receitas, obtendo as diferenças entre adotar o
projeto ou não adotá-lo. Embora pareça simples verificar as alterações, na prática muitas
vezes são cometidos enganos e erros. Muitas vezes, as causas destes erros estão relacionadas
com dois fatores: custos de oportunidade e efeitos colaterais.
63
Capítulo 3 Custos de oportunidade representam os benefícios que estamos abrindo mão em função
Custos de
Produção, da utilização de um fator de produção. Por exemplo, um produtor que possui uma gleba ociosa
Orçamentação poderia imaginar que não teria nenhum custo referente à utilização daquela área para plantar,
e Medidas de
Resultado por exemplo, milho. Na realidade, a área que está ociosa poderia ter outros usos alternativos,
Financeiro como, por exemplo, ser arrendada. A receita que o produtor está deixando de receber por não
ter arrendado representa o custo de oportunidade pela utilização da gleba.
Os efeitos colaterais (ou secundários), que podem ser positivos ou negativos, são comuns
na maioria dos projetos. Por exemplo, ao decidir plantar milho, o produtor estará reduzindo a
disponibilidade de horas-máquina, horas-homem e até mesmo de terra, que poderiam estar
sendo utilizadas em outras atividades. Assim, estas outras atividades serão impactadas (efeito
colateral) pela decisão de plantar milho.
Assim, muitas vezes é interessante compararmos o Fluxo de Caixa de toda empresa
(considerando todas as atividades) em duas situações: com o projeto em análise e sem o
projeto. A partir da comparação entre estes dois cenários, a análise (seleção de projetos)
poderá ser feita com maior segurança.
7. Análise de projetos
Há diversos métodos para análise econômica de projetos. Estes métodos podem ser
classificados em diferentes categorias. É possível separá-los entre os métodos que consideram
o valor do dinheiro no tempo e os que não consideram esta dimensão tempo. Não considerar
o tempo é uma simplificação muito forte da realidade, mas que torna o processo de avaliação
mais rápido. Assim, métodos que não incorporam o valor do dinheiro no tempo devem se
restringir a projetos marginais, de baixo impacto financeiro na empresa ou como um indicador
inicial para análises mais detalhadas. Esses métodos, independente de considerarem a
dimensão tempo, dividem-se em deterministas e análises em condições de risco (mais
realistas, incorporando incertezas no comportamento das variáveis estudadas).
No presente texto, serão discutidos três critérios para análise de projetos. Em todos eles
serão considerados fluxos hipotéticos denominados Projeto A, Projeto B e Projeto C, conforme
tabela 3.
8. Payback
No caso do Projeto A, observa-se que passados três anos (isto é, no ano 3), o investimento
não é recuperado, mas o saldo do ano 4 (R$ 20) é superior aos R$ 5 negativos acumulados
ao final do ano 3, o tornou o saldo acumulado do ano 4 positivo (R$ 15). Considerando que o
fluxo distribua-se uniformemente ao longo do ano, verifica-se que o saldo que é acumulado
mensalmente no ano 4 corresponde a R$ 1,67 (isto é, 2012 ≅ 1,67 ). Ou seja, são necessários
três meses para zerar o saldo negativo acumulado até ano 3 (isto é,
5 = 3). Assim, o
1,67
payback do Projeto A é de 3 anos e 3 meses.
No caso do Projeto B, observa-se que passados cinco anos (isto é, no ano 5), o
investimento não é recuperado, mas o saldo do ano 6 (R$ 250) é superior aos R$ 50 negativos
acumulados ao final do ano 5, o tornou o saldo acumulado do ano 6 positivo (R$ 200).
Considerando que o fluxo distribua-se uniformemente ao longo do ano, verifica-se que o saldo
que é acumulado mensalmente no ano 6 corresponde a R$ 20,83 (isto é, 250 12 ≅ 20,83 ).
Ou seja, são necessários 2,4 meses para zerar o saldo negativo acumulado até ano 5 (isto é,
50 = 2,4 ). Assim, o payback do Projeto A é de 5 anos, 2 meses 2 e 12 dias.
20,83
Já o Projeto C tem o saldo acumulado zerado exatamente no ano 2. Portanto, o payback
do Projeto C é de 2 anos.
A decisão de aceitar ou descartar um projeto com base no payback é subjetiva: elege-se
um período máximo para que ocorra a recuperação do investimento. Projetos que
apresentarem payback inferior a este período máximo são aceitos, caso contrário, são
descartados.
O payback é um indicador que apresenta a vantagem de ser relativamente fácil de entender4
e, ao favorecer a liquidez, representa maior proteção com relação aos fluxos futuros, que
tendem a ser mais incertos quanto mais distantes forem. Por outro lado, apresenta a
desvantagem de desprezar fluxos posteriores à data da recuperação do investimento, que
podem ser relevantes. Também apresenta a desvantagem de não considerar valor do dinheiro
no tempo, ao contrário do que será apresentado nos próximos indicadores (Valor Presente
Líquido e Taxa Interna de Retorno).
Inicialmente é necessário definir valor presente e valor futuro, o que permitirá verificar a
variação do valor do dinheiro no tempo. Há uma diferença muito grande entre dispor de um
valor monetário hoje e só poder dispor deste valor no futuro.
Se um indivíduo desejar utilizar hoje um valor monetário que só estará disponível no futuro
(por exemplo, o valor da produção de uma safra que ainda não foi colhida), deverá recorrer a
um empréstimo, o que implicará em custos (encargos financeiros), que será liquidado quando
4. Comparado com os indicadores que serão discutidos a seguir: valor presente líquido e taxa interna de retorno.
65
Capítulo 3 a safra for comercializada e recebida. De forma semelhante, um indivíduo poupador adia seu
Custos de
Produção,
consumo atual para consumir maior quantidade no futuro, pois espera que sua poupança
Orçamentação (aplicação financeira) seja remunerada com juros positivos. Observa-se que há necessidade
e Medidas de
Resultado
de relacionar um valor atual e um valor futuro, o que é feito através de uma taxa de juros. A
Financeiro aplicação dos juros permite a obtenção de uma equivalência de valores disponíveis em datas
diferentes (presente e futuro). Por exemplo, para um poupador que aplica seus recursos com
juros de 10% ao ano, é indiferente entre possuir R$ 100,00 hoje ou R$ 110,00 daqui a um ano.
Considerando a metodologia de cálculo dos juros compostos, tem-se:
FV
FV = VP × (1 + i ) VP =
(1 + i )n
n
ou, em que,
FV = valor futuro
VP = valor atual
i = taxa de juros por período, na forma unitária
n = número de períodos
Na análise de projetos, utiliza-se a taxa de juros real5, isto é, retira-se a taxa de inflação
que está embutida na taxa de juros nominal:
i=
(1 + j) − 1
(1 + π) em que,
O Valor Presente Líquido (VPL) nada mais é do que a soma do valor presente de todos os
fluxos de caixa do projeto:
N
VPL(r ) = ∑
Ft
t =0 (1 + r )
t em que,
Muita atenção deve ser dispensada na definição de qual é a taxa de juros relevante para
empresa (r), ou seja, seu custo de oportunidade. Empresas tomadoras de recursos devem
considerar seu custo de captação de recursos como sendo sua taxa de juros relevante,
enquanto empresas capitalizadas, aplicadoras de recursos, devem considerar a mais alta
taxa de retorno entre as alternativas disponíveis para suas aplicações como sendo a taxa de
juros relevante.
A decisão de aceitar ou descartar um projeto com base no Valor Presente Líquido consiste
em verificar o seu sinal. Valor Presente Líquido positivo significa que o projeto irá acrescentar
lucro para empresa e, portanto, deverá ser aceito. Valor Presente Líquido negativo significa
que o projeto acarretará prejuízo para empresa e, portanto, deverá ser descartado.
Para os projetos apresentados na tabela 3 e considerando que a taxa de juros relevante
para empresa seja 10% a.a., tem-se:
5. Considerando que os valores utilizados nos fluxos de caixa são reais, não incluindo projeções de inflação nos períodos
futuros.
66
Tabela 5 – Cálculo do Valor Presente Líquido dos Projetos A, B e C. Capítulo 3
Custos de
Produção,
Projeto A Projeto B Projeto C Orçamentação
e Medidas de
Valor presente do Fluxo do Ano 0 -50,00 -1.000,00 -1.000,00 Resultado
Valor presente do Fluxo do Ano 1 9,09 0,00 454,55 Financeiro
Valor presente do Fluxo do Ano 2 12,40 165,29 413,22
Valor presente do Fluxo do Ano 3 15,03 150,26 225,39
Valor presente do Fluxo do Ano 4 13,66 204,90 204,90
Valor presente do Fluxo do Ano 5 12,42 155,23 124,18
Valor presente do Fluxo do Ano 6 11,29 141,12 112,89
Valor presente do Fluxo do Ano 7 10,26 256,58 102,63
VPL(10) 34,15 73,38 637,78
No exemplo acima, todos os projetos são viáveis, sendo que o Projeto C é, em comparação
com os Projetos A e B, o que apresenta maior contribuição. Ou seja, se não fosse possível
implementar todos os projetos, a prioridade seria o Projeto C. Como exercício, o leitor poderá
verificar6 que se a taxa de juros relevante para empresa fosse 30% a.a., apenas o Projeto C
seria aceito7.
Observe que quanto maior for a taxa de juros, menor será o Valor Presente Líquido. Assim,
à medida que se eleva a taxa de juros, projetos, antes viáveis, são descartados. Esta relação
tem implicações macroeconômicas importantes. A elevação da taxa de juros da economia
reduz os investimentos privados, ou seja, a demanda agregada.
Nota-se que todos os fluxos de caixa do projeto são utilizados no cálculo do Valor Presente
Líquido (o que não ocorre no cálculo do payback). E, ao descontar (calcular o valor presente)
dos fluxos de caixa, o Valor Presente Líquido considera o valor do dinheiro no tempo.
Conforme visto no item anterior, os projetos são aceitos quando o Valor Presente Líquido
é positivo, o que ocorre com taxas de juros relativamente baixas. À medida que a taxa de juros
se eleva, o VPL reduz-se, sendo que se torna negativo com taxas de juros elevadas. Pode
supor, então, que há uma taxa de juros em que o VPL é igual a zero. Ou seja, uma taxa r* tal que:
N
VPL(r *) = ∑
Ft
=0
t =0 (1 + r *)
t em que,
Para o cálculo da Taxa Interna de Retorno não há uma fórmula matemática que conduza
a solução. Ë necessário realizar diversas tentativas e aproximações para descobrir a TIR. A
alternativa para aqueles que não dispõem de tempo (e paciência) está na utilização de planilhas
eletrônicas e calculadoras financeiras8. Para os projetos apresentados na tabela 3, tem-se:
6. Roteiros para o cálculo utilizando planilha eletrônica e calculadora financeira estão apresentados no anexo ao final deste
capítulo.
7. Para o Projeto A, tem-se VPL(30) = -4,61; para o Projeto B, tem-se VPL(30) = -486,78; e, para o Projeto C, tem-se VPL(30)
= 49,24.
8. Vide roteiros para o cálculo utilizando planilha eletrônica e calculadora financeira apresentados no anexo ao final deste
capítulo.
67
Capítulo 3 Tabela 6 – Taxa Interna de Retorno dos Projetos A, B e C.
Custos de
Produção,
Orçamentação Projeto A Projeto B Projeto C
e Medidas de
Resultado Taxa Interna de Retorno 26,4% 11,7% 32,6%
Financeiro
Alguns cuidados devem ser tomados ao utilizar a TIR. Primeiro, a TIR não representa a
taxa de retorno sobre o capital inicialmente investido (F0). A TIR representa a taxa de retorno
do conjunto de entradas e saídas, de todos os fluxos de caixa do projeto. Adicionalmente,
quando há alternância de sinais dos fluxos de caixa – isto é, períodos com fluxo de caixa
positivo (negativo) intercalados com fluxos de caixa negativos (positivos) – pode haver mais
de uma TIR. Por exemplo, considere um projeto que necessita de R$ 33 milhões de
investimento inicial e que gera R$ 115 milhões de caixa no ano 1. No entanto, causa sérios
impactos ambientais, que implicam no desembolso de R$ 100 milhões no ano 2 para
recuperação da área e pagamentos de penalidades. Tal projeto apresenta dois valores de
TIR: 66,67% e 81,82%. Para taxas de juros inferiores a 66,67% o VPL é negativo e para taxas
de juros superiores a 81,82% o VPL também é negativo. No intervalo destas taxas, entre
66,67% e 81,82%, o VPL é positivo. Note como a tomada de decisão torna-se mais complexa
com múltiplas TIR.
Muitas vezes nos deparamos com restrições que impedem o aceite de dois projetos ao
mesmo tempo. As causas desta restrição podem ser financeira (não há recursos suficientes
para soma dos projetos), espaço físico, entre outras. Neste caso, aceitar um projeto significa
desistir do outro. A questão é: qual projeto deve ser escolhido? Conforme o indicador, VPL ou
TIR, a resposta pode diferir!
Neste caso, o mais eficiente é trabalhar com o fluxo incremental. Ao invés de analisar dois
fluxos de caixa (um para cada projeto), é elaborado um novo fluxo, gerado pela diferença
entre os fluxos, conforme ilustrado a seguir:
68
Observe que o Projeto D apresenta maior TIR, mas o VPL, considerando taxa de juros de Capítulo 3
Custos de
10%, é menor do que no Projeto E. A análise do fluxo incremental (valores do Projeto E menos Produção,
os valores do Projeto D) mostra VPL positivo e TIR superior à taxa considerada (10%), indicando Orçamentação
e Medidas de
que é interessante passar do Projeto D para o Projeto E (incremento). Assim, se os projetos Resultado
Financeiro
forem mutuamente excludentes, o escolhido seria o Projeto E.
Supondo a situação em que tendo sido avaliado um projeto e verificado que ele deve ser
aceito, de acordo com os resultados obtidos nos cálculos do VPL e da TIR. Será que isto
significa que o trabalho está encerrado e que se pode passar para avaliação de outros projetos?
A resposta correta é: ainda não. Duas etapas importantes ainda devem ser realizadas. Primeiro,
verificar (checar) se todos os dados e premissas do projeto estão realmente corretos. Em
muitos casos, a estimativa é imprecisa por falhas nesta etapa. Este é o chamado risco de
previsão, associado ao popular “ELSL” (“entra lixo, sai lixo”). Ou seja, erros nas premissas ou
nos dados implica em resultados falsos. A confiabilidade de dados técnicos e preços são
fundamentais para obtenção de boas estimativas e indicadores que permitam a correta tomada
de decisão. A outra etapa refere-se a outros tipos de riscos.
Os projetos do agronegócio possuem características particulares, principalmente por estar
relacionado a atividades que se desenvolvem a céu aberto. Ocorrências de pragas e doenças,
variáveis climáticas (como, por exemplo, temperatura e precipitação pluviométrica), entre outros
eventos, implicam em dificuldades adicionais para estimativa das variáveis do projeto, tais
como, entre outras, produção física nos próximos anos, níveis de preços. Assim, é importante
que a análise incorpore os riscos.
Tradicionalmente, o risco pode ser dimensionado através de estatísticas, tanto relacionadas
a séries históricas quanto a projeções. As estatísticas mais utilizadas são média, desvio-
padrão, valores máximo e mínimo, destacando que é importante conhecer a distribuição (nor-
mal, Poisson, discreta, etc.) da variável.
Para análise de sensibilidade, deve-se selecionar as variáveis que se apresentam como
as principais fontes de risco do projeto. Em geral, estas variáveis são a produtividade e os
preços dos produtos e dos insumos. O procedimento consiste em alterar, uma variável de
cada vez9, substituindo-a, por exemplo, pelo seu valor médio acrescido ou deduzido de um
desvio-padrão. A variação nos indicadores (VPL ou TIR) após esta alteração permitirá uma
quantificação do risco do projeto.
Adicionalmente, pode-se traçar diferentes cenários e verificar como os indicadores (VPL e
TIR) se comportam em cada um deles. Um cenário pessimista pode ser elaborado
considerando os custos pelo seu valor máximo e a produtividade e preços (faturamento) pelo
seu valor mínimo. Um cenário otimista, por outro lado, pode ser elaborado considerando os
custos pelo seu valor mínimo e a produtividade e preços (faturamento) pelo seu valor máximo.
O cenário realista seria traçado utilizando os valores médios.
A empresa Omega Ltda está analisando dois projetos alternativos, mutuamente exclusivos.
Esta empresa exige, no mínimo, retorno de 12% em seus investimentos e está enquadrada
em alíquota do imposto de renda é 27%.
O Projeto Alfa necessita de um investimento inicial de R$ 200.000, tem uma vida estimada
de cinco anos e não possui valor residual. A depreciação do investimento inicial é linear, até
zero (ou seja, não há valor residual).
9. Esta é a chamada condição ceteris paribus, ou seja, considerando todo resto constante.
69
Capítulo 3 O Projeto Beta necessita de um investimento inicial de R$ 250.000, tem uma vida estimada
Custos de
Produção, de cinco anos e não possui valor residual. A depreciação do investimento inicial é linear, até
Orçamentação zero (ou seja, não há valor residual).
e Medidas de
Resultado Além disso, foram coletadas as seguintes informações:
Financeiro
Preço unitário 80 75 85
Custo variável unitário 60 58 62
Custos fixos anuais 50.000 45.000 55.000
Vendas em unidades 5.000 4.800 5.200
Projeto
Beta
Pode-se criar três cenários combinando os dados do quadro 2: (i) realista, considerando
os valores médios; (ii) pessimista, considerando os valores mínimos de unidades vendidas e
de preços unitários e os valores máximos de custos variáveis unitários e de custos fixos
anuais; e, (iii) realista, considerando os valores máximos de unidades vendidas e de preços
unitários e os valores mínimos de custos variáveis unitários e de custos fixos anuais.
Preço unitário 75 80 85
Receita 412.500 480.000 552.500
Custo variável unitário 62 60 58
Custo variável total 341.000 360.000 377.000
Custos fixos anuais 55.000 50.000 45.000
Vendas em unidades 4.800 5.000 5.200
Preço unitário 90 100 110
Projeto Beta
Inicialmente, calcula-se o lucro líquido e fluxo de caixa de cada período dos projetos,
considerando cada um dos cenários. Em seguida, calcula-se o Valor Presente Líquido e a
Taxa Interna de Retorno para cada fluxo:
70
Tabela 10 – Projeto Alfa: cenário realista. Capítulo 3
Custos de
Ano 0 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Produção,
Orçamentação
Vendas 480.000 480.000 480.000 480.000 480.000 e Medidas de
Resultado
Custos variáveis -360.000 -360.000 -360.000 -360.000 -360.000 Financeiro
Custos fixos -50.000 -50.000 -50.000 -50.000 -50.000
Depreciação -40.000 -40.000 -40.000 -40.000 -40.000
Lucro Antes do IR 30.000 30.000 30.000 30.000 30.000
Imposto de Renda -8.100 -8.100 -8.100 -8.100 -8.100
Lucro Líquido 21.900 21.900 21.900 21.900 21.900
Fluxo de Caixa -200.000 61.900 61.900 61.900 61.900 61.900
VPL(12) 23.136
TIR 16,6%
71
Capítulo 3 Tabela 14 – Projeto Beta: cenário otimista.
Custos de
Produção, Ano 0 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5
Orçamentação
e Medidas de Vendas 572.000 572.000 572.000 572.000 572.000
Resultado
Financeiro Custos variáveis -348.400 -348.400 -348.400 -348.400 -348.400
Custos fixos -35.000 -35.000 -35.000 -35.000 -35.000
Depreciação -50.000 -50.000 -50.000 -50.000 -50.000
Lucro Antes do IR 138.600 138.600 138.600 138.600 138.600
Imposto de Renda -37.422 -37.422 -37.422 -37.422 -37.422
Lucro Líquido 101.178 101.178 101.178 101.178 101.178
Fluxo de Caixa -250.000 151.178 151.178 151.178 151.178 151.178
VPL(12) 294.963
TIR 53,3%
Resumindo os resultados obtidos (tabela 15), observa-se que o Projeto Beta é o mais
interessante, inclusive com menor perda no cenário pessimista.
10. Este item contou com a colaboração de Daniel Y. Sonoda doutorando - ESALQ/USP.
72
é a quantidade do insumo. Considere que a planta foi projetada para uma produção anual de Capítulo 3
Custos de
1.000 unidades de produto e, para tanto, consumo de 2.000 unidades de insumo. Seguindo os Produção,
mesmos passos da metodologia acima: Orçamentação
e Medidas de
Resultado
Financeiro
a) As variáveis mais relevantes para o processo de simulação para este caso são os
preços do insumo e produto. Através de uma pesquisa de mercado descobriu-se que
a distribuição de probabilidade do preço do produto (p) e do preço do insumo (w) variam
segundo a tabela abaixo:
Observa-se que o preço do produto mais comum é 9 com uma freqüência de 0,3 e o
preço do insumo mais comum é 3 também com freqüência 0,3. Estes seriam os preços
utilizados para o cálculo do VPL e TIR para uma situação genérica. Observe que a soma de
cada uma das freqüências é 1.
c) A cada 10 anos foi calculado o VPL (taxa de desconto de 10%) e a TIR, sempre
considerando no ano 0, I=-10.000. Foram obtidos 100 valores de VPL e TIR e os
resultados obtidos foram:
30
25
20
%
15
10
0
25
50
75
10
>1
<0
0-
25
00
00
00
00
25
00
0-
0
-5
-7
-1
0
00
50
00
12
0
00
50
0
45
40
35
30
25
%
20
15
10
5
0
<0
10
20
30
>4
0-
10
-2
-3
-4
0%
0%
0%
0
%
%
Figura 3 – Histograma dos valores de TIR obtidos na simulação.
A distribuição da TIR indica que existe uma probabilidade de 1% do projeto obter TIR
negativa, 42% de probabilidade do projeto obter uma TIR entre 20% e 30% e 5% de probabilidade
de se alcançar uma TIR superior a 40%.
d) Por se tratar de um exemplo, não foram feitas mais repetições, porém este mesmo
modelo poderia ser replicado 5.000 ou 10.000 para se obter uma distribuição de
freqüência de VPL e TIR mais acurada.
A árvore de decisão pode ser utilizada para avaliar a vantagem de passar do Projeto Alfa
para o Projeto Beta, sendo que o critério de decisão é o Valor Presente Líquido. Considere
que adotar o Projeto Alfa é a alternativa 1 e adotar o Projeto Beta é a alternativa 2.
74
Tabela 18 – Valor Presente Líquido dos projetos Alfa e Beta com diferentes cenários e respectivas Capítulo 3
Custos de
probabilidades. Produção,
Orçamentação
Cenário Pessimista Cenário Realista Cenário Otimista e Medidas de
Resultado
Projeto Alfa VPL(12) -140.521 ´ 5% = -7.026 23.136´ 80% = 18.509 182.341´ 15% = 27.351 Financeiro
Projeto Beta VPL(12) -118.065´ 15% = -17.710 88.128´ 75% = 66.096 294.963´ 10% = 29.496
A melhor alternativa é aquela cuja soma dos Valores Presentes Líquidos nos diferentes
cenários é maior, que é o caso da alternativa 2. A árvore de decisão correspondente a este
problema é apresentada na Figura 4.
Por este critério, o investimento no Projeto Beta é a melhor alternativa, pois a soma dos
Valores Presentes Líquidos, igual a R$ 77.883, é maior do que a soma dos Valores Presentes
Líquidos do Projeto Alfa (R$ 38.834).
17. Bibliografia
ASSAF NETO, A. Finanças corporativas e valor. São Paulo: Atlas, 2003. 609p.
BOEHLJE, M.D; EIDMAN, V.R. Farm management. New York: Wiley, 1984. 806p.
MARION, J.C. Contabilidade empresarial. São Paulo: Atlas, 2003. 502p.
NORONHA, J.F. Orçamentos e fluxo de caixa. In: Peres, F.C.; Canziani, J.R.; Guimarães, V.A.;
Torres, P.L. (Org.) O programa empreendedor rural. Curitiba: SENAR-PR, 2003. p.327-359.
NORONHA, J.F.; DUARTE, L.P. Avaliação de projetos de investimento em empresa agropecuária.
In: Kfouri, A.C. (Org.) Administração rural. São Paulo: Paulicéia, 1995. p.213-251.
SANDRONI, P. Novíssimo dicionário de economia.São Paulo: Best Seller, 2001.
75
Capítulo 3
Custos de
Produção, Anexo
Orçamentação
e Medidas de
Resultado
Financeiro Cálculo do Valor Presente Líquido utilizando o aplicativo Microsoft Excel:
• Basta digitar a taxa de juros (ou indicar a célula onde está digitada), na forma unitária,
e os valores futuros (a partir no ano 1, inclusive) nos respectivos campos. Atenção para
não incluir o valor do fluxo no momento 0 (que, por definição, já é um valor presente). A
seguir, deve-se somar o valor do fluxo no momento 0 ao resultado calculado pela função
do Excel.
• Alternativamente, pode-se digitar diretamente a fórmula: =VPL(r;F1:FN)+F0.
76
Capítulo 3
Custos de
Produção,
Orçamentação
e Medidas de
Resultado
Financeiro
Questões de Revisão
7) Um trator de 75 CV que vale R$ 30.000,00 no mercado e que possui uma vida útil de 10
anos, valerá R$ 3.000,00 ao final de sua utilização (valor residual). Esse trator consome,
por ano, R$ 1.200,00 em óleo diesel, R$ 300,00 de óleo lubrificante e graxa, R$ 550,00 em
peças de reposição e R$ 350,00 de gastos na oficina. Considerando que o trator seja
utilizado em 216 horas durante todo ano, qual é o custo da hora máquina de operação
desse trator?
a) R$ 2,34.
b) R$ 14,65.
c) R$ 20,88.
d) R$ 28,71.
e) nenhuma das alternativas anteriores.
8) Custos de oportunidade:
a) representam os benefícios que estamos abrindo mão em função da utilização de um
fator de produção e devem ser considerados nas análises de investimentos.
b) representam os benefícios que estamos abrindo mão em função da utilização de um
fator de produção e não devem ser considerados nas análises de investimentos.
c) representam os custos diretos que estamos incorrendo na utilização de um fator de
produção e devem ser considerados nas análises de investimentos.
d) representam os custos diretos que estamos incorrendo na utilização de um fator de
produção e não devem ser considerados nas análises de investimentos.
e) nenhuma das alternativas anteriores.
10)O Valor Presente Líquido, considerando taxa de juros de 10%, e a Taxa Interna de
Retorno são, respectivamente:
a) R$ 135,99 e 10,0%
b) R$ 118,55 e 16,7%
c) R$ 125,00 e 13,5%
d) R$ 118,55 e 10,0%
e) R$ 135,99 e 16,7%
78
Gabarito: 1- b) 2- a); 3 d) 4- a); 5- c); 6- b); 7- e); 8- a); 9- d); 10- e)
CAPÍTULO 4
ESTRUTURA E
FUNCIONAMENTO DOS
MERCADOS FUTUROS
AGROPECUÁRIOS
Pedro Valentim Marques
1. A volatilidade é a medida da oscilação dos preços futuros com o passar do tempo. Ela é uma medida de risco; quanto maior
a incerteza sobre o comportamento dos preços futuros do ativo objeto da negociação, maior o risco. Em geral, a volatilidade é
medida estatisticamente como o desvio padrão de uma série histórica expressa em bases percentuais.
80
incorrendo-se em custos de transação que encarecerão o contrato e inviabilizarão
Capítulo 4
sua negociação. Estrutura e
Funcionamento dos
Finalmente, a evolução dos contratos futuros é uma conseqüência da organização Mercados Futuros
e aprimoramento dos mercados físicos. Enquanto neste perdurarem questões de Agropecuários
A Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), em São Paulo (SP), é a única Bolsa onde são
realizados negócios com futuros agropecuários no Brasil e por esta razão, nos deteremos
mais detalhadamente nela. A história da BM&F tem origem na Bolsa de Mercadorias de São
Paulo (BMSP), primeira bolsa de commodities agropecuárias brasileira, fundada em 1917.
Embora no início houvesse uma preocupação com os aspectos de produção, classificação,
etc., no ano seguinte ela iniciou operações futuras de algodão. Nas décadas de 1970 e 1980,
a BMSP lançou vários contratos agropecuários para negociação. Em 1986, constitui-se a
Bolsa Mercantil & de Futuros (BM&F) que em maio de 1991 uniu-se à Bolsa de Mercadorias
de São Paulo, dando origem à Bolsa de Mercadorias & Futuros (também com a mesma sigla
BM&F). Em volume de contratos negociados, a BM&F classifica-se atualmente entre as dez
maiores do mundo embora os contratos agropecuários participem atualmente com menos
de 1,0% do total de contratos negociados.
Os contratos agropecuários atualmente negociados na BM&F, suas medidas e datas de
vencimento são mostrados na tabela 1.
81
Tabela 1. Contratos futuros atualmente negociados na BM&F, novembro de 2006 -
Capítulo 4
Estrutura e Mercadorias/abreviaturas Tamanho do Cotação Meses de Local de
Funcionamento dos Contrato vencimento entrega
Mercados Futuros
Agropecuários
Café Arábica (ICF) 100 sc de 60 kg US$/sc 3, 5, 7, 9, 12 Município de São
cada Paulo (SP)
Café Conillon (CNL) 250 sc de 60 kg US$/sc 1, 3, 5, 7, 9, Região
11 metropolitana de
Vitória (ES)
Boi Gordo (BGI) 330@ (@ de R$/@ Todos os Araçatuba (SP)
15 kg) meses
Bezerro (BZE) 33 animais R$/animal 2, 3, 4, 5, 6, Campo Grande,
(bezerro 7, 8, 9, 10 Três Lagoas,
desmamado, Dourados e
macho, nelore Coxim (MS)
ou anelorado,
mínimo 170 kg)
Açúcar Cristal (ISU) 270 sc de 50 kg US$/sc 2, 4, 7, 9, 11 Estabelecimentos
depositários
credenciados no
Estado de São
Paulo
Álcool Anidro (ALA) 30 m3 R$/m3 Todos os Paulínia (SP)
meses
Milho (CNI) 450 sc de 60 kg R$/sc 1, 3, 5, 7, 8, Campinas (SP)
9, 11
Soja em grão a granel 450 sc de 60 kg US$/tonelada 3, 4, 5, 6, 7, Porto de
(SOJ) (27 ton métrica 8, 9, 11 Paranaguá (PR)
métricas)
Algodão (COT) 12,5 ton Cents de 3, 5, 7, 10, Estabelecimentos
métricas = dólar por 12 depositários
27.557,50 libra peso localizados em
libras-peso São Paulo (SP)
Fonte: Site da BM&F, setembro de 2006. Os contratos mini não foram incluídos nesta lista.
11. Ajuste diário: ao contrário dos contratos a termo, onde os ajustes financeiros são
efetuados ao final do contrato, nos contratos futuros agropecuários atuais, os ajustes
são feitos diariamente de acordo com as fórmulas (1) e (2) do contrato:
82
Onde n diz respeito ao número de contratos negociados, PAt é o preço de ajuste do dia,
Capítulo 4
PO é o preço da operação (compra ou venda futura em tinicial e inversão da posição em Estrutura e
tfinal) e PAt-1 o preço de ajuste do dia anterior. Estas fórmulas são usadas para operações Funcionamento dos
Mercados Futuros
de compra e venda e devemos lembrar que se a operação for de venda, o sinal da Agropecuários
função será negativo; se for operação de compra, o sinal será positivo.2
12. Ponto de entrega: quando se negociam contratos numa bolsa, os preços referem-
se a um determinado ponto, chamado local de entrega. No caso da soja BM&F, este
ponto de entrega é o Porto de Paranaguá, no Paraná.
15. Hedgers: a bolsa considera hedgers produtores rurais, cooperativas, bem como
fornecedores de insumos.
16. Margem de garantia: para garantir as operações, a bolsa exige que os participantes
depositem um valor que será utilizado caso uma das partes não cumpra suas obrigações.
Se tudo correr bem, ao final da operação este valor é devolvido integralmente. Aceita-se
como margem: dinheiro, cotas de fundos de investimentos, etc. As Margens de Garantia
podem variar de acordo com a volatilidade do mercado, isto é, quanto mais o mercado
estiver oscilando, maiores podem ser as margens necessárias para manter a segurança
do sistema e garantir todos os recebimentos. Por exemplo, no dia 21 de novembro de
2006 a Margem de Garantia de uma operação de hedge no contrato futuro de soja com
vencimento em maio de 2007 era de R$ 436,48 por contrato.
17. Os custos de se operar variam de bolsa para bolsa, sendo que no caso específico
da BMF existem três componentes de custos, pagos no início e no fim da operação por
ambos, vendedores e compradores, os quais no total representam cerca de 0,64% do
valor total da operação (preço médio x volume do contrato):
• Taxa Operacional Básica (TOB) ou comissão do corretor, é calculada por 0,3% do
preço de ajuste do dia anterior do segundo vencimento em aberto. Trocando em miúdos,
este é o valor pago para seu corretor assumir as funções de orientador e negociar na bolsa.
• Emolumentos: 6,32% da TOB são as taxas recolhidas para pagar a estrutura da
bolsa.
• Taxa de Registro, calculada por 20% dos Emolumentos, são as taxas recolhidas
para o governo.
Nos mercados futuros de commodities agropecuárias existe uma série de agentes atuantes
como os compradores, os vendedores, os especuladores, os corretores e os operadores. De
forma didática, estes agentes estão mostrados na Figura 1. Os vendedores (1) geralmente
são aqueles que têm o produto físico, como por exemplo, os produtores rurais e suas
cooperativas. Como eles estão procurando um seguro contra uma eventual baixa de preços
em uma data predeterminada no futuro (data da comercialização da safra agrícola) são
chamados de hedgers. Estes hedgers entram no mercado vendendo contratos futuros
referentes a uma quantidade de produtos agropecuários e mantêm uma posição de mercado
chamada de posição vendida (Short).
2. O mecanismo de ajuste diário permite que as posições sejam ajustadas diariamente e não apenas no vencimento quando
grandes diferenças poderiam colocar o sistema em risco devido à possibilidade de inadimplência. O ajuste diário sempre é
liquidado em dinheiro no dia útil seguinte.
83
Os compradores (2) geralmente são aqueles que necessitarão do produto físico em algum
Capítulo 4
Estrutura e momento no futuro, como por exemplo, exportadoras. Estas, como estão procurando uma
Funcionamento dos proteção ou seguro contra uma eventual alta de preços em uma data predeterminada no
Mercados Futuros
Agropecuários futuro (data de vencimento dos contratos de entrega e/ou exportação) também são chamados
de hedgers. Estes hedgers entram no mercado comprando contratos futuros referentes a
uma quantidade de produtos agropecuários e mantêm uma posição de mercado chamada de
posição comprada (Long).
Para efetuar uma operação no mercado futuro de commodities agropecuárias, tanto o
vendedor, como o comprador, devem operacionalizar as suas intenções através de uma
Corretora de Mercadorias (4) que seja membro da Bolsa de Futuros. Estas Corretoras são
credenciadas a participar do Pregão da Bolsa através de seus operadores de pregão e além
de executar as ordens de seus clientes acompanham também as suas contas e a sua posição
junto à Câmara de Compensação da Bolsa (Clearing House). Operadores de pregão são
aqueles que ficam dentro do pregão (3) e executam as ordens de compra e venda que vêm
das Corretoras por ordem dos seus clientes. Neste mercado ainda existe um agente de fun-
damental importância estratégica para a liquidez dos negócios, que é o especulador (5). Este
não deve ser entendido no sentido pejorativo, como “explorador” nas transações comerciais;
na realidade, ele está interessado em auferir ganhos com a compra ou venda de contratos,
não se interessando diretamente pela mercadoria física. O especulador tem o papel importante
de equalizar oferta e demanda pois nem sempre o volume de hedgers procurando proteção
contra queda de preços igual ao volume de hedgers procurando proteção contra alta de preços.
Eles são atraídos pela oportunidade de realizar lucros se conseguem antecipar acertadamente
a velocidade e direção das mudanças de preços.
A primeira coluna mostra os meses para os quais existem vencimentos em aberto; assim,
por exemplo, mai6 significa contrato futuro com vencimento em maio de 2006. A segunda
coluna mostra o número de contratos em aberto na abertura do pregão que era 936 para maio
enquanto a terceira mostra o número de contratos em aberto no fechamento do pregão daquele
mesmo dia, 951 contratos, ou seja, houve um aumento de 16 contratos em aberto durante
aquele dia (coluna 5). A quarta coluna mostra que estes 16 contratos foram negociados em 3
negócios.3 Finalmente, a sexta e última coluna mostra quanto representavam os contratos
negociados em reais.
Contratos em aberto são contratos que foram negociados (vendidos e comprados) e não
foram ainda encerrados. O número de contratos em aberto é um indicador da liquidez do
mercado ou da capacidade de se entrar e/ou sair do mesmo sem abalar significativamente os
preços correntes. Nos EUA, a literatura considera que um mercado está líquido quando existem
ao redor de 5.000 contratos em aberto e são negociados ao redor de 1.000 contratos
diariamente.
3. Vencimento em aberto é um termo utilizado para denominar meses em que já há contratos sendo negociados. No site da
BM&F, encontram-se o mês e o ano (Mai06 quer dizer maio de 2006, por exemplo), mas, internacionalmente, usa-se outra
nomenclatura: Janeiro=F; Fevereiro=G; Março=H; Maio=K; Junho=M; Julho=N; Agosto=Q; Setembro=U; Outubro=V; Novembro=X;
Dezembro=Z. Na CBOT, por exemplo, soja para maio de 2006 seria representada por SYK6 (Soybean, maio, 2006).
85
A tabela 3 é uma continuação da tabela 2 obtida para o mesmo dia 04/10/2005. A primeira
Capítulo 4
Estrutura e coluna mostra o preço na abertura do pregão, a segunda o preço mínimo daquele dia, a
Funcionamento dos terceira coluna mostra o preço máximo, a quarta o preço médio, a quinta o último preço, a
Mercados Futuros
Agropecuários sexta mostra o preço de ajuste4. A sétima coluna mostra a variação do preço de ajuste em
relação ao dia anterior, a oitava mostra a última oferta de compra e a nona coluna, mostra a
última oferta de venda no mesmo dia.
Tabela 4 – Simulação de fluxo de caixa para posição vendida futuro de soja, em US$.
Data Operação Preço Preço Ajuste Ajuste Total Fluxo
(1) (2) Operaçã PA (4) (5) Caixa
o PO (3) (6)
04/10 V10Mai06 13,00 12,95 AD = -(PAt - PO) x 450 x n = 225,00
0,05 x 450 x 10 = 225,00
05/10 12,95 AD = - (PAt - PAt-1) x 450 x 10 = 0 225,00
06/10 13,00 -225,00 0
...
05/04 12,75 1125,00
06/04 C10Mai06 12,85 12,84 AD = (PAt-1-PO) x 450 x n = - 675,00
450,00
Fonte: site da BM&F em 21/11/06
Na primeira linha mostra-se que o produtor deu a ordem de vender a futuro para Maio de
2006 e seu corretor conseguiu US$ 13,00/sc (PO na coluna 3). No final do dia, houve a apuração
do preço de ajuste e o mesmo foi US$ 12,95/sc, resultando num ajuste total nos contratos
negociados calculado pela equação (1) do contrato: – (PAt – PO) x 450 x n = US$ 0,05 x 450
x 10 = US$ 225,00 originando um fluxo de caixa de R$ 225,00 positivo.5 Desta forma o vendido
irá receber US$ 225,00 de ajuste o que faz sentido porque seu produto agora está valendo
menos do que o originalmente contratado. Esta operação de acerto diário permite a todos os
envolvidos no mercado zerarem diariamente suas posições.
No dia 05 de outubro (segunda linha), o produtor continuava posicionado nos mercados
futuros não mudando sua posição. O preço de ajuste para aquele dia, foi de US$12,95 o que
resultou em zero de ajuste diário de acordo com a equação (2) AD = - (PAt-PAt-1) x 450 x 10 =
-(12,95-12,95) x 450 x 10 = 0,00.
4. Durante um pregão típico, os preços negociados variam e a Bolsa precisa de um número que sirva de parâmetro para os
acertos financeiros ao final do dia, nas contas correntes dos participantes, daí calcular-se o chamado preço de ajuste. O
cálculo do preço de ajuste varia de bolsa para bolsa e também entre contratos mas de forma geral, pode-se considerar como
uma média do que ocorreu no dia, sendo calculado como a média ponderada das cotações dos negócios realizados nos
últimos 15 minutos do pregão.
5. O sinal negativo foi incluído na equação (1) do contrato porque esta é uma operação de venda. Se fosse de compra, a
equação seria mantida no seu formato original.
86
No dia seguinte, 06 de outubro, o preço de ajuste foi de R$ 13,00, utilizando-se, ainda a
Capítulo 4
equação (2) do contrato, obtém-se ajuste dado por AD = - (PAt-PAt-1) x 450 x 10 = -(13,00- Estrutura e
12,95) x 450 x 10 = -0,05x450x10 = -225,00, negativo porque o produto agora está valendo Funcionamento dos
Mercados Futuros
mais. Ou seja, no final daquele dia, o produtor pagaria US$ 225,00 o que, descontando-se do Agropecuários
ajuste já recebido anteriormente, resultaria num resultado líquido de 0,00.
Note que os resultados estão coerentes com a proposta de garantir um preço para o
produtor de US$ 12,95/saca. Isto porque, naquele dia, o mercado estava acreditando que a
soja, no final do contrato, estaria valendo US$ 12,95/sc, ou seja, o mesmo valor que o produtor
queria garantir.
No dia 05 de abril, o preço de ajuste do dia foi US$ 12,75. Suponhamos que no dia 06 de
abril o produtor vendeu o produto no mercado físico na sua cidade por US$ 12,85 e mandou o
corretor encerrar sua posição na bolsa conseguindo recomprar os 10 contratos pelos mesmos
US$ 12,85. Neste caso, o produtor sofreria um último ajuste diário dado por AD = (PAt-1-PO) =
325,00, os quais, somados aos ajustes anteriores, resultaria num recebimento total na bolsa
(ou através da Bolsa se preferirem) de US$ 675,00.6
Observando a coluna (7), pode-se verificar que o produtor recebeu, no total, US$ 675,00,
que, divididos pelo número de sacas hedgeadas (450 x 10) resulta em US$ 0,15 por saca, os
quais, somados aos US$ 12,85 obtidos na venda do produto, fornece exatamente US$ 13,00,
que é igual ao valor que o produtor queria garantir no início da operação. Esta é uma forma
muito simples de conferir o raciocínio e as contas: pegue então o valor final da coluna (7),
divida pelo número de sacas totais e some ao valor de encerramento da operação. Esse é
um exemplo simples, mas que não leva em conta alguns componentes que devem ser
considerados numa proteção, como é o caso do diferencial de base.
Um dos aspectos interessantes dos contratos futuros é que não se precisa esperar pelo
vencimento da operação para encerrar a operação. Existem três formas de encerramento
dos contratos: a primeira e mais comum é pela reversão da posição, isto é, se está vendido,
faz-se uma operação de compra, se está comprado, faz-se uma operação de venda; a segunda
forma que ocorre em menos de 2% das operações é pela entrega e recebimento efetivo da
mercadoria; a terceira forma, utilizada em alguns contratos, é a chamada de encerramento
pelo indicador de preços a qual basicamente consiste em inverter-se a posição como na
primeira forma de encerramento apenas que os envolvidos não têm opção de escolher o
preço pretendido e o encerramento é feito com o uso dos chamados “Indicadores de Preços”.7
A base possui três dimensões: tempo, espaço e qualidade, ou seja, ela pode ser explicada
pelo custo de carregamento de um mês para outro, transportar o produto da cidade onde se
localiza para o ponto de entrega, impostos, qualidade do produto, demanda local, barreiras
sanitárias, etc. Nas nossas discussões não nos preocuparemos em explicar os componentes
da base, mas em reconhecer sua existência e mostrar como a mesma pode influenciar os
resultados das operações com contratos futuros.
6. Note que, no encerramento da operação e utilizando-se as equações (1) e (2), se deveria fazer o ajuste de um dia para o
outro e depois, dentro do mesmo dia. Entretanto, não é preciso esperar o anúncio do preço de ajuste do dia e prova-se que é
possível fazer o ajuste final no caso da posição vendida utilizando-se a expressão (PO - PAt-1.)
7. Maiores explicações sobre indicadores de preços podem ser encontradas no site do CEPEA (Centro de Estudos Avançados
em Economia Aplicada da Esalq/USP). http//www.cepea.esalq.usp.br
87
A base pode ser positiva, significando que o preço na cidade é maior do que o preço da
Capítulo 4
Estrutura e
bolsa. Por exemplo, se no Porto de Paranaguá houver uma demanda por soja para completar
Funcionamento dos um navio rumo à Europa, os exportadores estariam dispostos a pagar um preço local acima
Mercados Futuros
Agropecuários do ofertado na bolsa, para evitarem custos com espera do navio no porto. O caso mais comum
é quando a base está negativa, significando que o preço local é inferior ao da Bolsa.
A base pode ser calculada para a safra, entressafra, etc. Ela também não é um valor
constante, por ser uma média de preços, e deve ser analisada juntamente com o desvio-
padrão. Costuma-se dizer que a base enfraquece quando torna-se mais negativa e que fortalece
quando se torna mais positiva. A Figura 2 sistematiza estas informações.
ENFRAQUECIMENTO DE
-2 -1 0 1 2
FORTALECIMENTO DE
A Chicago Board of Trade (CBOT) reúne hoje o maior volume de operações com soja no
mundo, chegando a movimentar 14 vezes a produção mundial de soja. O contrato de soja
com base em Chicago é o mais negociado no mundo, devendo-se destacar que a soja negociada
é a número 2 amarela para entrega em Chicago. A cotação é em cents de bushel por libra
peso e a unidade de negociação dos contratos é de 5.000 bushels. É importante lembrar que
as cotações de soja na CBOT são válidas para o porto de Chicago e para serem comparadas
com as cotações brasileiras, devem ser internalizadas, originando uma base geralmente
negativa, ou seja, o preço equivalente ao da soja CBOT em qualquer cidade do Brasil deve ser
menor do que aquele cotado em Chicago.
A Tabela 5 apresenta um resumo da tabela do site da CBOT que mostra os preços praticados
durante o dia 28 de novembro de 2006 e por falta de espaço, nos deteremos apenas na
análise das cotações referentes ao vencimento maio de 2007 (07May).
1 bu —— 27,214 kg
x —— 60 kg (1 saca)
4.1 Definições
8. Esta denominação não significa que estas ações somente são negociadas na Europa ou nos Estados Unidos. Muitas opções
européias são negociadas nos Estados Unidos e muitas opções americanas são negociadas na Europa ou outros países.
89
Define-se como titular, geralmente produtor rural, cooperativa, trading, agroindústria, o
Capítulo 4
Estrutura e comprador da opção, aquele que tem o direito de exercício se lhe interessar. Já o lançador,
Funcionamento dos geralmente um Banco ou uma Corretora, é o vendedor da opção, tem a obrigação de cumprir o
Mercados Futuros
Agropecuários contrato caso ele seja exercido. O lançador pode lançar opções de compra ou opções de venda.
Quem compra a opção paga um valor (prêmio) para “ter”, adquirir o direito ou a garantia de
vender ou comprar a um determinado preço no futuro (preço de exercício ou strike price). Já
o lançador recebe um valor (prêmio), para “dar, ceder” este direito e assume o compromisso
de comprar ou vender a certo preço no futuro. Note que o preço de exercício é escolhido pelo
comprador dentro de certos parâmetros (custo de produção, margem de lucro, diferencial de
base, etc) dentre uma série de preços de exercício disponibilizados pela Bolsa. O prêmio é
negociado entre as partes no pregão ao vivo ou eletrônico. O prêmio da opção no seu lançamento
é calculado utilizando-se o modelo de Black & Schole (Hull, 2003) sendo cinco as variáveis
básicas que influenciam o valor pelo qual as mesmas são negociadas: preço futuro; preço de
exercício; tempo para o vencimento; volatilidade do preço futuro (variações, geralmente medido
pela variância dos preços); taxa de juros. Quanto às margens, apenas os lançadores têm que
se preocupar com isto.
Resumindo, uma vez escolhido o nível de preço ao qual se quer assegurar a venda ou
compra do produto, dá-se a ordem para o corretor apregoar a compra daquela opção naquele
preço de exercício e no vencimento desejado. Ao mesmo tempo, alguém (o lançador da opção),
faz seus cálculos utilizando suas habilidades de negociação (com cada vez maior uso de
modelos matemáticos e estatísticos) e dá ordem para seu corretor apregoar no pregão a
disponibilidade daquela garantia àquele preço. O preço será negociado e, havendo comprador
do contrato, o negócio será registrado na bolsa.
Opções dentro do dinheiro (aqueles que resultam num fluxo positivo de rendimentos para
seu detentor) no último dia de negociação são automaticamente exercidas. Na CBOT, as
opções dificilmente são exercidas porque o prêmio que se consegue ao revendê-las no mercado
é maior do que ela renderia ao seu portador se exercida. Isto é devido à possibilidade da
mesma sofrer uma eventual valorização entre o momento do negócio e seu vencimento.
Assim, os titulares não apresentam margem de garantia, sendo o grande diferencial ante
operar em mercados futuros. Contudo, o custo do prêmio (de 3% a 9% do valor protegido) em
geral fica muito mais caro do que operar em futuros (0,64% do valor protegido)
90
Tabela 7 – Cotações no Open Auction (leilão viva voz) para contratos de opção de soja na CBOT, 13 de
Capítulo 4
setembro de 2005. Estrutura e
06Mar Underlying Contract Price:602’2 (06Mar Future) Funcionamento dos
Mercados Futuros
Type Strike Last Net Chg Open High Low Close Settle Prev Settle Hi/Lo Limit Agropecuários
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11)
Put 580'0 26'4 +1'0 27'0 27'0 26'4 25'4 75'4
9:43 9:43 10:55
Put 640'0 62'0 -0'4 62'0 62'0 62'0 62'4 112'4
11:06 11:06 11:06 12'4
Call 600'0 35'0 -2'4 33'0 35'0 32'0 37'4 87'4
9:47 12:47 10:10
Call 620'0 27'0 Unch 30'0 80'0
Table generated September 13, 2005 13:00 CDT
A Tabela 7 mostra vários preços de exercício para Puts e Calls. Por simplificação, são
apresentados apenas alguns preços de exercício, no entanto, o site apresenta outros mais
que também podem ser negociados. O termo Open Auction significa que estas opções são
negociadas no leilão ao vivo e não no eletrônico. Na linha seguinte verificamos que esta
opção vence em março 2006 (06Mar) e que o contrato futuro de março de 2006 é a referência
para a mesma (underlying contract price). A cotação do contrato futuro de referência a esta
opção era naquele momento a 602´2 cents/bushel ou 602,25 cents/bushel ou ainda, US$
13,28 /sc.
A primeira coluna mostra o tipo de opção, Put ou Call. A segunda coluna mostra os diferentes
preços de exercício disponíveis (580´0, 640´0, etc). Conforme já explicado anteriormente,
estes valores são escolhidos em função de variações históricas e colocados no sistema.
Caberá aos interessados escolherem o nível de preço ao qual querem trabalhar e negociar o
prêmio.
A coluna 3 mostra o prêmio do último negócio realizado. Por exemplo, foram negociadas
Puts com preço de exercício de 580´0 cents/bu ao prêmio de 26´4 cents/bu ou seja, comprar
uma Put de preço de exercício US$ 12,789 por saca, custou naquele momento US$ 0,58433
por saca.
A quarta coluna mostra se houve mudança no último negócio em relação ao preço de
ajuste do dia anterior mostrado na 10ª. Coluna, sendo que, neste caso, houve um acréscimo
de 1’0. A quinta coluna mostra a cotação na abertura e o horário em que houve apregoamento.
A sexta coluna mostra o preço mais alto até o momento; a sétima mostra o preço mais baixo;
a oitava, o preço no fechamento; a nona, o preço de ajuste (importante para os lançadores); e
a décima coluna mostra o preço de ajuste do dia anterior (o que define se os lançadores
pagarão ajuste ou não). Finalmente, a coluna onze mostra o valor mais alto/mais baixo pelo
qual a opção poderia ser negociada naquele dia.
Sendo Pf o preço futuro do contrato correspondente e Pe o preço de exercício da opção,
diz-se que a Put está dentro do dinheiro e será exercida se Pf<Pe. Neste caso, ela gerará um
fluxo monetário positivo para seu detentor denominado Valor Intrínseco medido por Vi = Pe-Pf;
se Pf>Pe, o Valor Intrínseco será zero e se esta situação persistir até seu vencimento, diz-se
que a opção “virou pó”. No exemplo citado, Vi = 0 porque Pf>Pe para a Put de Pe=580’0. De
outro lado, para a Put de Pe=640’0, Vi=Pe-Pf porque Pf<Pe e Vi=37’7 ou Vi=0,83/sc.
Da mesma forma diz-se que a opção Call está dentro do dinheiro se Pf>Pe e o Valor
Intrínseco será dado por Vi = Pf-Pe. Caso Pf<Pe, Vi = 0 e se esta situação persistir até o
vencimento da opção, diz-se que a mesma “virou pó”. Tomando-se como exemplo a Call de
Pe=620’0, Vi=0 porque Pf,Pe.
O leitor deve estar se perguntando porque alguém pagaria para comprar algo que não tem
valor imediato, ou seja, cujo Vi=0. A fórmula do Valor da Opção = Vi + VT onde VT = valor de
tempo pode explicar isso. Assim, no caso da Put de Pe = 580’0 negociada ao Prêmio (VO=Valor
da Opção) de 26’4 tem-se VO = Vi + VT ou seja, 26,5 = 0 + VT, isto é, as pessoas estariam
91
dispostas a pagar 26,5 cents/bushel ou 0,58 cents por saca numa opção que no momento
Capítulo 4
Estrutura e não conduz a nenhum resultado positivo (Vi=0), na expectativa que com o transcorrer do
Funcionamento dos tempo (de 02 de setembro de 2005 até o vencimento da opção em março de 2006), o preço
Mercados Futuros
Agropecuários da soja caia e esta opção se valorize e passe a render algo ao seu detentor.
As opções são de muito mais fácil entendimento e operacionalização pelo produtor porque
uma vez pago o prêmio, não há mais com que se preocupar além de proporcionarem inúmeras
possibilidades em termos de negócios. Entretanto, para que o mercado de opções se
desenvolva, é preciso um mercado futuro com razoável volume de negócios, séries históricas
confiáveis e principalmente, agentes de mercados dispostos a assumirem riscos com o
lançamento das opções a preços (prêmios) razoáveis. As opções sobre futuros agropecuárias
são negociadas na BM&F porém alcançando historicamente um valor razoável apenas no
mercado de café Arábica.
As operações ex-pit ainda não apresentam grande volume de operações na BM&F, mas
com elas procura-se utilizar o mercado futuro para sanar as deficiências do contrato a termo
tradicional no processo de precificação, no que se refere à rigidez do momento, visibilidade,
transparência e hedge. Enquanto no modelo do contrato a termo tradicional os vendedores e
94
compradores não têm liberdade para determinarem o melhor momento de precificação, no
Capítulo 4
ex-pit cada um, respectivamente, fixa seu preço de venda e de compra de forma independente Estrutura e
e no momento que cada um achar mais interessante. Funcionamento dos
Mercados Futuros
Um dos pontos mais importantes desse modelo é que a reversão da operação de futuro é Agropecuários
realizada através de uma operação direta sem a interferência do mercado, fora do pit de
negociação 9, garantindo assim que ambos saiam de suas posições de hedge, não
necessitando de liquidez na bolsa para a liquidação da operação. Daí que vem o nome de ex-
pit. O grande diferencial das operações ex-pit é que não existe o chamado risco de base, pois
o diferencial de base é negociado preliminarmente entre as partes e consta do contrato a
termo que será registrado na Bolsa. Também a fixação de preços (hedge) é obrigatória para
ambas as partes, embora possa ocorrer em momentos distintos.
As operações expit podem ser realizadas de três maneiras: fixação pelo vendedor; fixação
pelo comprador; fixação por ambos, sendo que nos deteremos no exemplo de ex-pit fixado
pelo vendedor. Suponha a negociação de um contrato a termo em julho de 2005 entre uma
Cooperativa de produtores de milho de Campinas e uma indústria processadora de milho de
São Paulo, com preço a fixar na BM&F segundo o preço futuro do dia do contrato com
vencimento em março.
O tempo passa e em 15/01/2006 o preço do vencimento março alcança R$ 25,00/sc e a
Cooperativa resolve fixar esse valor. Ela dá ordem e o corretor vende 10 contratos futuros de
milho para o vencimento março de 2006 ao preço de R$ 25,00/sc, fixando as 270 toneladas,
notificando a BM&F que se trata de uma operação ex-pit. No mesmo dia, ao final do pregão, a
corretora comunica à BM&F que deseja passar uma operação ex-pit com as seguintes
características: compra de 10 contratos do vencimento março de 2006 pela cooperativa e
venda da mesma quantidade e mesmo mês de vencimento pela Indústria, ao preço de R$
25,00/sc . Com isto, a posição de futuro passa da cooperativa para a indústria, deixa-a vendida
no vencimento março de 2006.
No dia 23/02/2006 o preço do vencimento março de 2005 atingiu R$ 18,00/sc e a Indústria
considera que tal nível está satisfatório para a fixação. A corretora dá ordem de compra de 10
contratos de milho para o vencimento março de 2006 ao preço de R$ 18,00/sc. A cooperativa
fixou o contrato a termo a R$ 25,00/sc e a indústria a R$ 18,00/sc. Resultados:
• Indústria: Pagou R$ 25,00/sc à cooperativa e recebeu R$ 7,00/sc em ajustes diários,
totalizando os R$ 18,00/sc que havia fixado.
• Cooperativa: vendeu o milho por R$ 25,00/sc.
Neste exemplo a cooperativa fixou o preço de venda no momento que julgou mais
apropriado, independente da indústria. Ela realizou uma operação de hedge e não ficou sujeita
aos ajustes diários, pois o processador assumiu esses ajustes. Nessa operação a
responsabilidade da Bolsa é a de exigir o contrato a termo e garantir a reversão da posição
futura através de uma operação ex- pit. A liquidação do contrato a termo é de responsabilidade
das partes.
Boa parte da produção brasileira de soja tem seu preço firmado em Bolsas de Futuros
ainda no período de plantio. Ao se utilizarem das diferentes negociação nas formas a fixar,
soja verde, troca-troca, CPR, o comprador basicamente olha o preço futuro esperado para a
época da entrega do produto e o internaliza até a região onde está sendo feita a negociação,
resultando no preço da soja na região de produção. A Tabela 8 apresenta um exemplo deste
processo de formação de preço na época do plantio da soja brasileira (outubro de 2005) com
soja a ser entregue em março de 2006 utilizando-se dados da CBOT.
9. Pit de negociação: local destinado aos negócios do pregão viva voz de bolsas de mercadorias.
95
Tabela 8 – Internalização do preço da soja, CBOT Rondonópolis, soja Março 2006
Capítulo 4
Estrutura e
Funcionamento dos Operação Unidade Valor
Mercados Futuros
Agropecuários
(1) Cotação futuro CBOT 05/10/05 US$c/bu 584,00
(2) Prêm io US$c/bu US$c/bu -20,00
(3) Subtotal (1+2) 564,00
(4) Conversão para tonelada Fator 0,367454
(5) FOB porto US$/ton (3*4) 207,24
(6) Comissão corretor físico US$/ton 0,50
(7) Receita bruta US$/ton (5-6) 206,74
(8) Corretagem de câmbio 0,00 0,00
(9) Despesas portuárias US$/ton 13,11
(10) Quebra de transporte 0,00 0,52
(11) Tributos (PIS, COFINS, etc) Isentos 0,00
(12) Frete para o porto US$/ton 71,58
(13) Paridade Rondonópolis US$/ton (7-8-9-10-11-12) 121,54
(14) Paridade Rondonópolis US$/sc ( 13/1000) * 60 7,29
(15) Cotação CBOT US$/sc ((1/100) * 12,88
2,20626)
(16) Desconto em relação CBOT(base) US$/sc (14-15) -5,59
Observações:
2. Prêmio do porto que pode variar segundo o interesse momentâneo do importador e a efetividade
do porto
4. Utilizou-se fator de conversão ANEC
13. Neste resultado não estão incluídos ganhos de performance
16. A Base pode variar de acordo com oferta e demanda na região, custos de transporte, etc.
Fonte: elaborado pelos autores a partir de informações de tradings.
30/11/2006
Compra Física - 1350 sacas R$ 24,44 (R$ 32.994,00)
(Campinas)
RESULTADO BM&F + Compra Física R$ 25.839,00
Como resultado da operação, a granja pagará R$ 19,14 por saca de milho bem menos do
que os R$ 24,44/saca pagos pelos demais compradores que não efetuaram a operação na
Bolsa.
Um problema que freqüentemente ocorre com a venda antecipada de soja ou troca insumo
x produto, é o produtor não querer entregar caso o preço da soja suba. Vamos neste exercício
mostrar uma operação que pode ser realizada para permitir ao produtor ganhar mesmo que o
produto já não lhe pertença ou por tê-lo vendido antecipadamente ou por ter feito uma operação
de troca insumo x produto. Por facilidade, vamos imaginar que o produtor vendeu a soja
antecipadamente a US$ 9,85 /sc (US$ 13,28/sc em Chicago) e para se proteger, comprou
uma Call Pe = 620 cents/bu = 13,67/sc pagando 0,60/sc. Na tabela 10 estão colocados alguns
cenários possíveis no vencimento da opção.
97
Tabela 10 – Cenários possíveis no vencimento da opção
Capítulo 4
Estrutura e
Preço CBOT março 2006 US$/sc
Funcionamento dos 12,78 13,28* 13,67** 14,11 14,99
Mercados Futuros Preço venda antecipada 9,85 9,85 9,85 9,85 9,85
Agropecuários
Prêmio pago Call -0,60 -0,60 -0,60 -0,60 -0,60
Ganho no exercício da Call 0 0 0 0,44 1,32
Resultado líquido 9,25 9,25 9,25 9,69 10,57
7. Considerações finais
8. Bibliografia
FUTURES INDUSTRY INSTITUTE Curso de Futuros e Opções. São Paulo: Bolsa de Mercadorias &
Futuros,1995. 258p, Tradução 1998.
HULL, J.C. Options, futures and other derivatives. New Jersey, Prentice Hall, 5th edition, 2003.
LEUTHOLD, R.M.; JUNKUS, J.C.; CORDIER, J.E.. The theory and practice of futures markets. Lex-
ington Books, 1989.
MARQUES, P.V.; MELLO, P.C.; MARTINES FO, J.G. Mercados Futuros e de Opções Agropecuárias.
Piracicaba, S.P., Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP, 2006, Série
Didática nº D-129.
SCHOUCHANA, F.; MICELI, W.M. Introdução aos mercados futuros e de opções agropecuários no
Brasil. São Paulo, BM&F, 3ª. ed. ver, 2004.
98
Questões de Revisão Capítulo 4
Estrutura e
Funcionamento dos
Mercados Futuros
Agropecuários
1. Nos mercados futuros agropecuários
a) são negociados contratos padronizados para entrega e recebimento futuro;
b) são negociados contratos particulares entre compradores e vendedores para pronto
pagamento e entrega;
c) são negociados contratos do governo;
d) são negociados contratos de troca de mercadorias por insumos.
Uma fábrica de óleo de soja localizada em Primavera do Leste fez uma operação de
hedge de compra de 10 contratos de soja na BM&F com vencimento Maio a US$ 12,80/sc
dia 11/04/06 enquanto aguardava compra de matéria prima para processamento
considerando que a base histórica local era de US$ 2,00 abaixo. Dia 17/04/06 a empresa
comprou soja localmente a US$ 10,34 e encerrou a operação na BM&F a US$ 12,50/sc.
9. porque:
a) a base fortaleceu
b) a base enfraqueceu
c) a operação de hedge estava errada
d) todas erradas
Gabarito: 1(a); 2 (b); 3 (c); 4 (b); 5 (b); 6 (c); 7 (d); 8 (a); 9 (b); 10 (d)
100
CAPÍTULO 5
POLÍTICA DE CRÉDITO RURAL
E NOVOS INSTRUMENTOS
DE FINANCIAMENTO E
COMERCIALIZAÇÃO
Carlos José Caetano Bacha
1.1 Origem
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi criado em 1965, através da Lei no 4.829.
Antes desse ano, a concessão de crédito rural já era feita pelo Banco do Brasil. Essa instituição
criou, em 1935, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI), que começou a operar em
1937.
Contudo, foi a partir da segunda metade da década de 60 que o volume de crédito rural
ampliou-se significativamente.
Temos, basicamente, três tipos de crédito rural, a saber: crédito de custeio, crédito de
investimento e crédito de comercialização (vide quadro em anexo). O crédito de custeio se
relaciona à necessidade de capital de giro para as atividades agropecuárias. O crédito de
investimento refere-se aos recursos necessários para a construção de instalações e compra
de equipamentos. E o crédito de comercialização está relacionado à política de preços mínimos,
e às diversas linhas de apoio (LEC, Estocagem, Crédito Agroindustrial, Desconto de NPR,
etc). Que serão abordadas na terceira parte deste texto.
102
Os recursos captados com custos financeiros normais são os oriundos da caderneta de Capítulo 5
poupança rural (poupança ouro do Banco do Brasil), os recursos do Fundo de Amparo ao Política de Crédito
Trabalhador (FAT), do Programa de Geração de Emprego Rural (PROGER-RURAL), os Rural e Novos
Instrumentos de
recursos captados no exterior e os recursos livres captados pelo sistema bancário (através, Financiamento e
por exemplo, de Certificados de Depósito Bancário e Recibo de Depósito Bancário). Como Comercialização
esses recursos têm custo normal de captação (igual aos juros que o sistema bancário deve
pagar aos proprietários desses recursos), eles só podem ser emprestados a uma taxa de
juros igual à taxa de juros de captação acrescida de um spread (que cubra os custos
administrativos e dê lucro aos bancos). Por exemplo, se os custos de captação são de 20%
ao ano e o spread é de 8%, os empréstimos agropecuários serão feitos a 29,6% ao ano. De
outro lado, se não houvesse custo de captação, os empréstimos poderiam ser feitos a taxa
de 8% ao ano.
É possível ao Governo Federal fazer a equalização da taxa de juros, a qual implica o
governo pagar ao banco uma parte da taxa de juros que o banco cobraria do produtor rural.
Considere, por exemplo, um banco que capte recursos da caderneta de poupança e deseja
emprestar o recurso a 11,97% ao ano. No entanto, o Governo Federal propõe ao banco que
ele empreste o recurso ao produtor rural a 8,75% a.a. e o governo paga ao banco os 3,22
pontos percentuais restantes (ver o exemplo de Morais, 2005, p.29). Essa política de
equalização da taxa de juros tem feito com que os pagos aumentem as linhas de financiamento
ao produtor rural, com consequente maior gasto do Governo Federal. Em 2004, o Governo
Federal pagou R$ 1 bilhão de equalização da taxa de juros, mais do que o dobro do pago em
2000 (ver Morais, 2005, p. 32).
Na experiência brasileira de crédito rural, tem-se presenciado dois tipos de critérios para
a fixação da taxa de juros nominal: taxa de juros pré-fixada e taxa de juros pós-fixada.
A taxa de juros nominal pré-fixada é aquela que o tomador do empréstimo fica sabendo no
ato de tomada do empréstimo, e que não se altera até o pagamento final do empréstimo. Já
a taxa de juros nominal pós-fixada é aquela em que há uma parcela atribuída a título de
correção monetária acrescida de uma outra parcela a título de spread bancário.
Por exemplo, em 1997, o crédito concedido, via o SNCR, ao micro e pequeno produtor
rural era à taxa de juros de 6,5% ao ano; e, aos demais produtores rurais a taxa de juros
cobrada era de 9,5% ao ano. Eram, portanto, taxas de juros nominais pré-fixadas. Contudo,
critério diferente podia ocorrer com empréstimos fora do SNCR, nos quais se cobrava a
correção da TR (Taxa Referencial) acrescida de algum spread.
Em situações nas quais a taxa de inflação é bastante estável, o sistema bancário pode
operar com taxa de juros nominal pré-fixada. Contudo, em situações nas quais a taxa de
inflação comporta-se de modo bastante instável, o sistema bancário tem optado por trabalhar
com taxa de juros nominal pós-fixada, como ocorreu na segunda metade dos anos 90 e nos
quatro primeiros anos do século atual.
39.205 × 330,835
= R$ 129.704 milhões
100
Tabela 1 - Crédito Rural Contratado segundo sua finalidade - 1970 a 2003 (valores em milhões de reais de
agosto de 1994)
Taxa de juros real
Ano Custeio Investimento Comercialização Total
(em %)
1970 4.138 2.518 2.621 9.277 -1,85
1971 4.669 3.165 2.895 10.729 -2,34
1972 5.524 4.389 3.356 13.269 -0,43
1973 8.012 6.208 4.543 18.762 -0,61
1974 10.447 7.023 5.732 23.203 -14,5
1975 14.826 10.571 8.429 33.827 -11,13
1976 14.634 11.242 8.802 34.678 -21,34
1977 14.632 7.507 8.805 30.944 -14,99
1978 15.002 7.856 8.599 31.457 -16,19
1979 19.719 9.794 9.692 39.205 -31,72
1980 21.214 7.033 9.245 37.492 -34,38
1981 19.072 5.026 8.422 32.519 -25,72
1982 20.256 4.130 7.104 31.490 -27,39
1983 14.795 3.972 5.026 23.793 -30,13
1984 10.234 1.787 2.498 14.520 0,93
1985 14.722 2.683 3.299 20.704 -1,32
1986 17.272 9.894 3.709 30.875 -29,72
1987 17.076 4.162 3.102 24.339 -19,38
1988 11.682 2.751 2.741 17.174 -6,2
1989 12.545 1.648 1.491 15.684 24,18
1990 6.707 982 1.270 8.959 -10,69
1991 7.600 786 859 9.245 -21,39
1992 6.458 1.225 2.567 10.250 11,87
1993 4.893 1.809 2.099 8.801 21,05
1994 6.667 2.328 3.721 12.716 1,7
1995 3.418 1.196 902 5.516 27,54
1996 3.368 1.156 297 4.821 10,31
1997 4.930 1.424 631 6.985 6,06
1998 5.098 1.472 1.038 7.608 16,16
1999 4.905 1.243 1.087 7.235 0,2
2000 4.812 1.260 1.363 7.435 2,87
2001 5.181 1.814 1.778 8.772 1,88
2002 5.847 2.089 1.731 9.667 -7,93
2003 6.629 2.457 1.766 10.852 14,05
2004 7.459 2.870 2.640 12.969 22,72E
Fonte: ALMEIDA(1994, p. 128) e Bacha et al (2005, p.9).
Nota: E valor sujeito a revisão.
Durante a década de 70, a maior parte dos recursos do crédito rural era proveniente de
fontes com baixos custos de captação. Isto permitia a concessão de empréstimos à taxa de
juros nominal inferior à taxa de inflação, implicando taxa de juros real negativa. Esta última
implica uma transferência de renda a favor do setor agropecuário.
A equivalência entre taxas de juros real e nominal e a taxa de inflação obtém-se através da
seguinte equação:
(1 + r ) Rural e Novos
r* = −1 Instrumentos de
(1 + ∏) (2) Financiamento e
Comercialização
(1 + 0,45)
r* = − 1 = −0,275 = −27 ,5%
(1 + 1)
Uma taxa de juros real negativa significa um subsídio ao produtor rural, sendo que ocorre
uma transferência de renda do agente que concede o crédito ao tomador de crédito.
No exemplo acima, observe que o tomador de empréstimo deveria devolver, no mínimo,
para cada R$ 1,00 tomado o valor de R$ 2,00 (correção de 100% devido à inflação). Porém, o
tomador de empréstimo devolveu para cada R$ 1,00 apenas R$ 1,45. Assim, dos R$ 2,00,
apenas R$ 1,45 foi devolvido, havendo a transferência de R$ 0,55 (para cada R$1,00 de
empréstimo) do emprestador para o tomador de crédito.
105
Capítulo 5 1.7 Efeitos possíveis do crédito rural
Política de Crédito
Rural e Novos
Instrumentos de A idéia básica do crédito rural é a de dar à agropecuária recursos a custos inferiores aos
Financiamento e
Comercialização que teriam de ser pagos no mercado livre. Isto ocorre com base na argumentação de que os
agricultores não fixam o preço de seus produtos, mas apenas tomam o preço de mercado.
Isto é, a curva de demanda pelo produto de um agricultor é uma reta horizontal, ao preço
fixado no mercado. A esse nível de preço, o produtor apenas decide o quanto quer vender.
Assim sendo, custos financeiros elevados não podem ser repassados aos preços de
produtos agrícolas, como é mais factível no caso de produtos industriais. Por isso, procura-se
manter linhas de crédito à agropecuária a taxas de juros reais menores.
Mas, o exposto acima não implica em subsídio real à agropecuária, como de fato ocorreu
em vários anos das décadas de 70 e 80, como vimos pelos dados da Tabela 1.
Esses subsídios ocorreram com o intuito de gerar grande expansão da produção
agropecuária. A partir da década de 90, o crédito rural tem sido mais seletivo, havendo maior
subsídio apenas para algumas categorias de produtores (como os pequenos agricultores,
beneficiados pelo PRONAF). A tendência tem sido de se incentivar o setor privado a criar
instrumentos de financiamento da agropecuária, cobrando juros reais positivos. Isto tem feito
a taxa de juros real subir, tal como se observa na última coluna da tabela 5.
O financiamento privado da agropecuária ocorre a longa data no Brasil, com a figura dos
exportadores e atacadistas financiando o produtor e recebendo o empréstimo através de
produto. No entanto, a formalização desse crédito ocorreu no Brasil em 1994 através da criação
da cédula de produto rural (CPR), através do qual o sistema bancário pode atuar como avalista.
No caso da CPR-Física, o produtor rural recebe de outro agente (exportador, agroindústria ou
comerciante) os recursos monetários com o compromisso de entregar uma determinada
quantidade de certo produto agropecuário, dentro de certa especificação, em data futura
preestabelecida. O sistema bancário atua como avalista do devedor e garante ao credor o
recebimento do produto no caso do produtor rural não honrar a CPR.
Em 2000, foi criada a modalidade CPR-Financeira, através da qual o produtor rural recebe
a vista e assume o compromisso de liquidar a CPR por um preço de resgate previamente
negociado (fixo ou índice). Essa nova modalidade de CPR fez com que os bancos passassem
a atuar como compradores de CPR e não apenas como avalistas das mesmas.
A Lei no 11.076, de 30 de dezembro de 2004, instituiu os novos títulos de financiamento do
agronegócio, os quais são: Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), Warrant Agropecuário
(WA), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do
Agronegócio (LCA) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). O quadro 1 apresenta
um resumo das características desses títulos, bem como sobre a CPR, nas formas física e
financeira.
Os principais objetivos dos títulos expostos no quadro 1 são: a) aumentar a participação
do setor privado no financiamento do agronegócio; b) aumentar a disponibilidade de capital
para o setor; c) proporcionar um maior capital de giro dentro do próprio sistema; e d) aliviar os
cofres públicos que não possuem recursos suficientes para atender toda a demanda por
crédito rural.
106
Quadro 1 – Comparação entre os instrumentos privados de financiamento da agropecuária.
107
Rural e Novos
Comercialização
Instrumentos de
Financiamento e
Política de Crédito
Capítulo 5
O primeiro ponto importante a se destacar sobre os novos títulos (criados pela lei no 11.076/
Política de Crédito 04) é que suas abrangências deixaram de ser apenas a agropecuária, passando a envolver o
Rural e Novos
Instrumentos de
agronegócio como um todo. Antes da mencionada lei, apenas os produtores rurais,
Financiamento e cooperativas e associações, ou seja, os agentes que possuíssem o produto agropecuário é
Comercialização
que poderiam se financiar tendo por base a produção agropecuária. Com a criação do CDCA,
da LCA e do CRA, todos os agentes do sistema agroindustrial podem se financiar com a
emissão destes instrumentos que se baseiam na produção agropecuária.
De acordo com a lei no 11.076/04, o CDA é definido como um título de crédito que representa
a promessa de entrega do produto agropecuário, enquanto o WA é um título de crédito que
confere o direito de penhor sob o produto representado pelo CDA. Ambos, o CDA e o WA, são
emitidos simultaneamente de acordo com a solicitação do depositante dos produtos
agropecuários em armazéns que atendam às exigências da nova lei de armazenagem (Lei no
9.973/00) ou dos requisitos mínimos estabelecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) - instrução normativa no 32, de 12 de novembro de 2004 do MAPA -
ficando dispensado a emissão do recibo de depósito. Existem três formas de comercialização
do CDA e do WA: 1) negociar o CDA juntamente com o WA, com o valor da mercadoria
lastreada; 2) negociar apenas o WA, no qual é definido seu valor e a respectiva taxa de juros
(devendo corresponder a uma porcentagem do valor da mercadoria depositada); e 3) negociar
apenas o CDA, com o valor da mercadoria lastreada menos o valor do WA negociado. É
importante ressaltar que no CDA não consta o valor da mercadoria depositada e sim a descrição
e especificação do produto e o seu peso bruto e líquido.
Estes títulos têm o potencial de proporcionar uma nova dinâmica à comercialização
agropecuária, uma vez que eles permitem que os produtos agrícolas sejam negociados sem
a transferência da mercadoria para o comprador. Em outras palavras, o armazém irá emitir
um título lastreado no produto colhido e depositado e este título será comercializado com os
investidores institucionais, que poderá negociá-lo no mercado secundário (negociações
posteriores à primeira, com investidores em geral, via bolsa ou balcão), sem que ocorra a
transferência física da mercadoria e a incidência de ICMS.
A liquidação do CDA e WA e a retirada da mercadoria do armazém, que pode ser feita
antes do vencimento dos títulos, só poderão ocorrer mediante a apresentação do CDA
juntamente com o WA em nome do mesmo credor ou na situação em que o credor do CDA
tenha depositado o valor do WA no respectivo custodiante. Aquele que possuir apenas o WA
fica como credor do empréstimo assumido pelo dono do CDA e não poderá exercer o direito
de ficar com a mercadoria uma vez que ele só possui o direito de penhor sobre a mesma.
Em síntese, a liquidação do WA é feita através do pagamento, em dinheiro, do valor
determinado no próprio título e no caso do CDA, sua liquidação se dá através da retirada do
produto descrito no próprio título do armazém que o emitiu. O prazo de depósito com a emissão
do CDA e do WA é de no máximo um ano, podendo ser prorrogado por mais um ano a pedido
do respectivo credor.
São obrigações do depositário: guardar, conservar e manter a qualidade e quantidade do
produto, bem como entregá-lo na quantidade e qualidade descritas no CDA e no WA ao
respectivo credor. Conclui-se, portanto, que a garantia do CDA é a confiabilidade no armazém
emissor do título, ou seja, que não ocorra fraudes ou alterações na mercadoria definida como
lastro do CDA. Já o WA, como representa uma dívida sobre o CDA, também possui como
garantia a confiabilidade do emissor, uma vez que sua garantia é o CDA. A legislação permite
que sejam concedidas garantias adicionais aos títulos emitidos, porém, estas garantias
adicionais devem ser citadas no próprio título.
Espera-se que CDA e WA devam atrair todos os tipos de investidores interessados, desde
pessoa física à jurídica, em especial os fundos de investimento. A principal idéia destes títulos
é trazer o capital destes investidores para os setores que compõem o agronegócio. Em espe-
cial, tanto o CDA como o WA, também deverão atrair as agroindústrias e demais investidores
que necessitam do produto agropecuário.
Os CDCA, LCA e CRA foram criados com o objetivo de envolver como emissores outros
agentes do agronegócio que não os produtores rurais e, com isso, têm o potencial de ampliar
108
os recursos para o financiamento do agronegócio. Esses títulos possuem a mesma função, Capítulo 5
porém, com emissores diferenciados. O CDCA é de emissão exclusiva de cooperativas de Política de Crédito
Rural e Novos
produtores rurais ou pessoas jurídicas que exerçam a atividade de comercialização, Instrumentos de
beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e Financiamento e
Comercialização
implementos utilizados na produção agropecuária. A LCA é de emissão exclusiva de instituições
financeiras públicas ou privadas. E o CRA é de emissão exclusiva das companhias
securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio.
Com relação ao CRA, as companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio
são classificadas como instituições não-financeiras que possuem o objetivo de adquirir e
securitizar os respectivos recebíveis do agronegócio. Assim, estas companhias podem emitir
e disponibilizar títulos de créditos lastreados nestes recebíveis a todos os investidores do
mercado financeiro e de capitais.
CDCA, LCA e CRA são títulos lastreados em recebíveis originados de negociação entre
os agentes do agronegócio, sendo que cada título poderá ser vinculado aos direitos creditórios
que o seu respectivo emissor possua, ou seja, é uma espécie de repasse destes recebíveis
aos investidores privados antes dos seus vencimentos. De acordo com a lei que os criou,
estes recebíveis foram denominados de Direitos Creditórios do Agronegócio (DCA). Dentre
os possíveis recebíveis pode-se citar: Notas Promissórias Rurais (NPR), Duplicatas Rurais
(DR), Cédula de Produto Rural (CPR), Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e o War-
rant Agropecuário (WA), contratos de fornecimento futuro e outros títulos que a legislação
permite que estas pessoas jurídicas emitam em suas operações comerciais.
Os CDCA, LCA e CRA representam pagamento futuro em dinheiro ao respectivo credor,
de livre negociação, lastreados nos respectivos DCAs. Nas suas liquidações ocorre o
pagamento do valor de face do título, sendo que as garantias são os créditos do próprio
emissor que, ao emitirem estes títulos, passaram a assumir o vencimento dos DCAs, ou
seja, ao comprar estes títulos o investidor passou a comprar um DCA com risco do emissor
do CDCA, LCA ou do CRA. A própria legislação, como no caso do CDA/WA, também permite
que outras garantias sejam dadas aos respectivos títulos emitidos desde que descritas nos
mesmos. Nesse ponto surge a vantagem da LCA, pois ela pode ter como garantia uma
instituição financeira de porte e renome nacional, dando a ela maior atratividade ao comprador.
O principal objetivo destes títulos é aumentar a disponibilidade de capital para os agentes
do agronegócio que financiam e disponibilizam crédito para o produtor rural e as respectivas
cooperativas. A emissão e negociação destes três títulos de crédito deverão constituir e
concretizar um mercado secundário dos direitos creditórios do agronegócio, tendo o investidor
institucional privado, pessoa física ou jurídica, como principal fonte de recurso deste mercado.
Uma vez que os três novos títulos (CDCA, LCA e CRA) são lastreados por outros títulos
de crédito e não mais pelo produto agropecuário - como no caso da CPR, do CDA/WA e dos
outros DCAs - estes três novos títulos assumem um caráter derivativo, proporcionando uma
maior facilidade e aproximação do setor financeiro com o setor agropecuário.
Em síntese, pode-se dizer que os CDCA, LCA e CRA inovaram os títulos utilizados pelo
setor em dois aspectos: (a) ampliou sua abrangência do setor rural produtivo para o agronegócio
como um todo; e (b) estes títulos assumem um caráter derivativo.
CDA, WA, CDCA, LCA e CRA podem ser negociados como ativos financeiros em bolsas
de valores e de mercadorias e futuros ou em mercados de balcão autorizados pela CVM
(Comissão de Valores Mobiliários). Os títulos podem ser renegociados até o seu vencimento
com outros investidores no mercado secundário.
Não existe levantamento sistemático e oficial dos volumes negociados dos títulos
resumidos no quadro 1. No caso da CPR, há registro das que são negociadas via instituições
financeiras. No entanto, existem CPR negociadas diretamente entre produtores rurais e
agroindústrias, entre produtores rurais e exportadores e entre produtores rurais e empresas
de venda de insumos. Essas CPR não são, normalmente, registradas em cartório e são
conhecidas como CPR de gaveta. As CPR que têm o aval do sistema financeiro são registradas
em cartório de notas, sendo o Banco do Brasil a instituição financeira que mais opera esse
instrumento.
A figura 1 apresenta a evolução anual do número e do valor das CPR negociadas pelo
Banco do Brasil desde 1994. É visível que o grande crescimento do volume de CPR aconteceu
a partir de 2000 e se deveu à criação das CPR financeiras. Em 1999, foram negociadas 2.363
CPRs pelo Banco do Brasil no valor total de R$ 297,51 milhões (a poder de compra de dezembro
de 2004). No ano seguinte, foram negociadas 13.293 CPRs ao valor total de R$ 1,070 bilhão
(também a poder de compra de dezembro de 2004). Do valor negociado de CPR em 2000,
73,7% foi de CPR financeira. Em 2004, o valor total de CPR negociadas foi de R$ 4,7 bilhões
(a preços de dezembro de 2004), das quais 90% foram de CPR financeiras. Pode-se concluir
que o grande crescimento da emissão e compra de CPRs a partir de 2000 deveu-se à criação
e negociação da CPR financeira. Esse título nada mais é que um empréstimo ao produtor
rural, pois o comprador da CPR financeira recebe o valor emprestado em dinheiro. A vantagem
para o produtor rural está em poder indexar o valor a ser pago na evolução do preço do produto
que elabora, caso emita uma CPR com essa característica.
70.000 5.000,00
4.500,00
60.000
4.000,00
dezembro de 2004
milhões de R$ de
50.000 3.500,00
3.000,00
número
40.000
2.500,00
30.000 2.000,00
20.000 1.500,00
1.000,00
10.000
500,00
0 0,00
1994
1996
1998
1995
1997
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Setembro/04 448,98 - -
Outubro/04 465,59 - -
Novembro/04 608,80 - -
Dezembro/04 607,95 - -
Janeiro/05 315,29 - -
Fevereiro/05 337,28 27,53 -
Março/05 437,60 34,92 -
Abril/05 488,46 22,47 -
Maio/05 562,93 16,17 5,0
Junho/05 409,80 52,82 -
111
Capítulo 5
Política de Crédito 3 - Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM)
Rural e Novos
Instrumentos de
Financiamento e
Comercialização Trata-se de um mecanismo específico de política de rendas para a agropecuária, que visa
minimizar as flutuações de preços recebidas pelos produtores rurais.
3.1 Origem
3.2 Amplitude
3.3 Sistemática
P P P S2
So So So
G
S1 P2
E E E
P P P
F
P1
D D D
Qo Q Q Q1 Q Q2 Qo Q
Figura 3 - equilíbrio na safra. A Figura 4 - equilíbrio na
Figura 2 - equilíbrio inicial
curva de oferta se desloca para a entressafra. A curva de oferta se
direita. desloca para a esquerda.
1. Os produtos com preços mínimos fixados para a safra 2001/02 foram: algodão em caroço, algodão em pluma, caroço de
algodão, alho nobre, amendoim comum, arroz em casca tipo longo-fino, arroz em casca longo, aveia, canola, castanha do Pará
com casca, castanha do Pará beneficiada, castanha de caju, cevada cervejeira, cera de carnaúba, feijão anão, feijão
macaçar, girassol, guaraná em grão, julta/malva embonecada, julta/malva prensada, mamona em baga, mandioca em raiz,
farinha de mandioca, fécula de mandioca, goma/povilho de mandioca, milho bruto, milho de pipoca, sisal bruto, sisal beneficiado,
soja, sorgo, trigo, triticale e uva. As sementes com preços mínimos fixados na safra 2001/02 foram de algodão, amendoim,
arroz longo-fino, arroz longo, cevada, feijão anão, feijão macaçar, girassol, julta/malva, milho híbrido, milho variedade, soja,
sorgo híbrido, sorgo variedade, trigo e triticale.
112
Além disso, como há um grande número de produtores, não se consegue planejar a Capítulo 5
produção global de uma cultura. Por exemplo, se o preço atual de um produto está em nível Política de Crédito
Rural e Novos
bom, há aumento da área plantada daquele produto, aumentando a produção na próxima Instrumentos de
safra. Com isto, o preço do produto cairá na próxima safra. Financiamento e
Comercialização
Se o preço atual de um produto está em nível baixo, há diminuição da área plantada daquele
produto, diminuindo a produção na próxima safra. Com isto, o preço do produto aumentará na
próxima safra.
Visando diminuir as flutuações da renda da agropecuária (advindas da instabilidade de
preços), ao longo de um ano-safra e ao longo dos anos-safras, foi criada a Política de Garantia
de Preços Mínimos. A idéia é fixar antes do plantio um preço mínimo para cada produto, sendo
que o Governo Federal se compromete a adquirir o produto, na época da colheita, a este
preço mínimo se o preço de mercado ficar abaixo do preço mínimo. Essa é a versão AGF
(Aquisição do Governo Federal) da Política de Garantia de Preços Mínimos.
Para evitar do Governo Federal formar altos estoques, há a versão EGF (Empréstimo do
Governo Federal). Nesse caso, o Governo Federal, na época da safra, viabiliza empréstimos
aos produtores rurais para eles estocarem os produtos e vendê-los na época da entressafra.
Havia duas modalidades de EGF: com opção de venda e sem opção de venda ao Governo
Federal. O EGF/SOV é o Empréstimo do Governo Federal sem opção de venda ao Governo
Federal. Nesse caso, vencido o empréstimo o produtor deve pagá-lo ao agente financeiro,
não podendo vender o produto ao Governo Federal ao preço mínimo vigente. No caso do
EGF/COV (Empréstimo do Governo Federal com opção de venda ao Governo Federal), vencido
o empréstimo, o produtor poderia vender o produto ao Governo Federal ao preço mínimo
vigente, se o preço de mercado fosse inferior ao preço mínimo (essa última modalidade não mais
existe).
Durante boa parte da década de 80, com a aceleração inflacionária, houve a dificuldade de
se fixar preços mínimos antes do plantio para vigorar na época da colheita. Os valores nominais
calculados supondo uma inflação projetada ficavam defasados caso a inflação efetiva fosse
maior do que a inflação projetada (o que de fato ocorreu em alguns anos).
113
Capítulo 5
Para tanto, utilizaram-se, em alguns anos, mecanismos de indexação do preço mínimo.
Política de Crédito Ou seja, fixava-se no período de plantio o preço mínimo base e esse era corrigido por um
Rural e Novos
Instrumentos de índice de preços na época da colheita. O problema residia em: qual é o indexador melhor a
Financiamento e ser utilizado? Tentou-se um indicador geral de inflação e um indicador de evolução dos preços
Comercialização
dos insumos agrícolas. A partir da segunda metade da década de 90 isto não tem sido mais
um problema.
preço
quantidade
Figura 5 - Sistema de Preços Mínimos
Mas, como fixar o preço de intervenção? Uma experiência adotada em 1987 e 1988 ilustra
uma das alternativas. Foram considerados o arroz, feijão e milho, calculando como preço de
intervenção para esses produtos o valor equivalente ao preço médio de atacado nos últimos
60 meses acrescido de 12% no caso de arroz e milho e de 17% no caso do feijão, a título de
custo de estocagem (Goldin & Rezende, 1993, p. 27).
Pode-se, para cada produto, variar qual é o valor equivalente ao preço médio de mercado
(média de qual período?), bem como variar a taxa atribuída à cobertura do custo de estocagem.
A realização do AGF implica liberação de recursos por parte do Tesouro Nacional. Não
havendo a liberação desses recursos, não se executa o AGF. Mas, ao executar o AGF, o
Governo Federal passa a dispor de estoques de produtos, com custo de armazenagem,
transporte e os encargos financeiros de se ter um produto estocado.
Em 1997, o Governo Federal iniciou dois outros programas de garantia de preços com
características seletivas. Eles são o Contrato de Opções de Vendas de Produtos Agrícolas
(COVPA) e o Prêmio para Escoamento de Produto (PEP). Diferentemente das opções de
bolsa ou de balcão (liquidação financeira), esses mecanismos envolvem entregas físicas de
produto, quando exercidos.
O Contrato de Opções de Venda de Produtos Agrícolas (COVPA) é um seguro contra a
queda de preços, sendo que o produtor rural paga por este seguro. O Governo Federal, através
da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), leiloa contratos que prevêm a aquisição
de um produto específico2, a ser feita em uma certa data, para produtos depositados em lugar
específico e com preço predeterminado. O produtor rural (ou sua cooperativa) compra este
contrato pagando um prêmio ao Governo Federal.
Atualmente, cada Contrato de Opção de Venda envolve 27 toneladas dos seguintes produtos:
arroz, milho, algodão e trigo.
Normalmente, a venda de COVPA é feita no período de colheita, com vencimento agendado
para o período de entressafra. Se no momento do vencimento do contrato o preço de mercado
é maior do que o preço de exercício do COVPA, o produtor vende o produto no mercado e
perde o prêmio pago por ocasião da compra do COVPA. Se, pelo contrário, o preço de mercado
é menor do que o preço de exercício do COVPA, o produtor exerce o seu direito de vender à Conab.
A partir de 1997, o Governo Federal também implementou o Prêmio para Escoamento de
Produto (PEP). Nesse programa, o Governo Federal se compromete a comprar um produto
agrícola a seu preço mínimo (via, por exemplo, AGF ou Contratos de Opção de Venda), mas
evita de estocá-lo. Para tanto, o Governo Federal faz um leilão de prêmios para um arrematante
adquirir o produto diretamente do produtor.
Para entender o PEP, considere três agentes econômicos: Governo Federal, produtores
(que podem ser representados pelas cooperativas) e arrematantes (comerciantes ou
indústrias). O Governo Federal garante ao produtor a compra de um produto ao preço mínimo
de x reais por unidade. Se o preço de mercado for menor do que este valor, o produtor deseja
vender o produto ao Governo Federal. Para evitar a aquisição, o Governo Federal faz um
leilão, entre os arrematantes, do menor prêmio que eles desejam receber do governo para
adquirir o produto dos produtores ao preço de x reais por unidade. O governo seleciona a oferta
com o menor deságio.
A vantagem do PEP está no Governo Federal realizar a operação de garantia de preços
mínimos, mas não incorrendo nas despesas de estocagem e transporte do produto.
A tabela 4 apresenta o quanto foi adquirido via AGF, EGF, PEP e COVPA em relação à
produção dos principais produtos agrícolas no Brasil. É nítido que AGF e EGF foram muito
importantes no quinquênio 1985 a 1989, diminuindo sua importância nos anos seguintes. No
período de 1997 a 2004, COVPA e PEP passam a ser importantes para a comercialização de
certos produtos.
2. O COVPA iniciou-se com operações para milho. Em 1999, já estavam sendo negociados COVPA para milho, arroz e algodão.
Para a safra 2001/02, os produtos sujeitos a COVPA eram arroz, milho, algodão e trigo. Na safra 2002/03 ocorreram grandes
operações de COVPA para café.
115
Tabela 4 – importância dos instrumentos de PGPM sobre a produção de culturas selecionadas – Brasil
Capítulo 5
Política de Crédito (valores em percentagens)
Rural e Novos
Instrumentos de Produto Período de 1985 a 1989 Período de 1990 a 1996 Período de 1997 a 2004
Financiamento e
Comercialização AGF EGF AGF EGF AGF EGF PEP COVPA
Algodão 6,3 47,6 n.d. n.d. 0,76 0 7,33 1,52
Arroz 17,8 26,6 4,66 14,82 2,02 0 0 2,22
Café n.d. n.d. n.d. n.d. 0 0 0 1,46
Feijão 6,9 4,7 n.d. n.d. 0,87 0 0 0
Milho 13,9 10,5 2,1 9,47 2,29 0 0,41 2,53
Soja 5,1 16,4 0 4,98 0 0 0 0
Trigo n.d. n.d. n.d. n.d. 6,22 0 10,3 3,6
Fonte: Os dados de 1985 a 1989 são de Goldin e Rezende (1993, p. 56), os dados de 1990 a 1996 são de
Rezende (2002) e os dados de 1997 a 2004 são da Conab.
Nota: Calculou-se a média das percentagens anuais. Os dados de 2004 são até 12/11/2004.
Baseado na idéia da subvenção a ser paga pelo governo ao setor privado no PEP e no
lançamento de opções de venda criado pelo COVPA, o Governo Federal criou, em 2004 e
2006, novos instrumentos de subvenção ao setor privado para ele assumir o papel de garantia
de preços. Eles são:
Contratos Privados de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção Privada
(PROP)
Prêmio Equalizador pago ao produtor (PEPRO)
Prêmio para Equalização de valor de referência da soja em grãos (PESOJA)
Esses dois instrumentos foram criados em 31/12/2004 através da Lei no 11.076. O objetivo
é estimular agroindústrias, exportadores e cooperativas a lançarem opção de venda física de
produtos agropecuários.
Esse novo mecanismo prevê a ocorrência de dois leilões.
No 1o leilão há a ocorrência das seguintes etapas:
1) A agroindústria, a cooperativa ou o exportador credencia-se a receber uma
subvenção do Governo Federal (por exemplo, R$ 3,00 por saca) para lançar uma
opção privada de venda.
2) É feito um leilão do Prêmio de Risco para Aquisição de Produto Agrícola Oriundo de
Contrato Privado de Opção de Venda (PROP).
3) Nesse leilão o arrematante não paga nada ao Governo (representado pela CONAB),
mas apenas a corretagem do corretor e oferece um deságio em relação à subvenção.
Ou seja, o arrematante oferece uma percentagem em relação à subvenção, por
exemplo, 100% ou 95%, o que implica desejar receber 100% ou 95% do valor da
subvenção. A Conab seleciona o arrematante que ofertar menor percentagem de
deságio.
4) A agroindústria, cooperativa ou exportador selecionado a receber o PROP é obrigado
a lançar uma opção privada de venda de produto agropecuário.
116
No 2o leilão ocorre: Capítulo 5
Política de Crédito
1) a agroindústria, cooperativa ou exportador lança uma opção privada de venda, ou Rural e Novos
seja, um direito ao produtor de vender um produto específico a aqueles agentes. Para Instrumentos de
Financiamento e
tanto, o produtor paga um prêmio ao lançador da opção. Comercialização
É possível às cooperativas ter um papel maior na garantia de preços através dos Contratos
Privados de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção Privada – PROP. As cooperativas
podem participar dos dois leilões. Elas podem tanto se habilitar a obter o PROP (no 1o leilão)
como a lançarem opções de venda a seus associados (no 2o leilão).
Tanto no caso do PEP quanto do PROP, a subvenção é dada ao arrematante, que pode
ser uma agroindústria, exportador ou até cooperativa. No caso do PEPRO, lançado em 21/06/
2006, a subvenção econômica é dada ao produtor ou a sua cooperativa, para que ele venda a
sua mercadoria ao preço de garantia fixado pelo governo menos o valor da subvenção.
Segundo a CONAB, o PEPRO “é uma subvenção econômica (prêmio) concedida ao
produtor rural e/ou sua cooperativa que se disponha a vender seu produto pela diferença entre
o Valor de Referência estabelecido pelo Governo Federal e o valor do Prêmio Equalizador
arrematado em leilão, obedecida a legislação do ICMS vigente em cada Estado da Federação.
Para obter o PEPRO, o produtor tem que se cadastrar no Serviço Eletrônico de
Comercialização (SEC) da Conab e ser representado por corretor.”
O valor do PEPRO é fixo, e o produtor rural nada paga para obtê-lo, exceto a comissão do
corretor que o representa no SEC.
Obtido o PEPRO (por exemplo, R$ 3,00 por saca) o produtor se obriga a vender o produto
pela diferença entre o preço de garantia do produto (por exemplo, R$ 20,00 por saca) e o valor
do PEPRO.
Assim, no exemplo acima, o preço comprovado em nota fiscal passa a ser R$ 17,00 por
saca. Esse valor o produtor recebe do comprador e mais R$ 3,00 por saca do PEPRO,
totalizando o preço de garantia (R$ 20,00 por saca).
Bibliografia
BACHA, C.J.C. Economia e Política Agrícola no Brasil. São Paulo: Atlas, 2004.
BACHA, C.J.C.; SILVA, G.S. “Crédito rural: mudanças no modelo”. In Agroanalysis, vol. 25, n. 9, p.
34-35, setembro de 2005.
BACHA, C.J.C.; SILVA, G.S. “Crédito rural: o desempenho dos instrumentos privados”. In Agroanalysis,
vol. 25, n. 10, p. 44-45, outubro de 2005.
GOLDIN, I. & REZENDE, G.C. A agricultura brasileira na década de 80: crescimento numa economia
em crise. Rio de Janeiro, IPEA (série 138), 1993.
MORAIS, E.J. Análise da sistemática da equalização da taxa de juros do crédito rural no Brasil.
Monografia de conclusão do curso de especialização em MBA-Agronegócio, da ESALQ/USP e Banco
do Brasil, Piracicaba, 2005.
Anexo3
3. Este item contou com a colaboração de Daniel Y. Sonoda, doutorando em Economia Aplicada – ESALQ/USP e Érica Regina
Rodella Donatte, graduanda em Economia da UNIMEP.
118
Quadro 2 – Principais características do crédito custeio (2003)
Fonte: http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/PRINCIPAL/MENU_LATERAL_PRINCIPAL/TEXTOCREDITO.PDF
Capítulo 5
119
Rural e Novos
Comercialização
Instrumentos de
Financiamento e
Política de Crédito
120
Capítulo 5
Rural e Novos
Comercialização
Instrumentos de
Financiamento e
Quadro 3 – Principais c aracterísticas do crédito investimento (2003) Política de Crédito
Beneficiários Juros Prazo Limite de Crédito (R$) Garantia
Crédito de Produtores rurais (pessoas físicas ou • 8,75% ao ano • Mínimo de 2 anos • 60 mil por beneficiário ao ano civil As admitidas no
Investimento jurídicas), diretamente ou por intermédio de crédito rural
(linhas gerais) operações de repasse de suas cooperativas
BNDES/ Do crédito rural, admitindo-se empresas do • 13,95% ao ano • Até 5 anos. Aquisição, manutenção ou recuperação de máquinas; tratores;
FINAME setor de armazenagens para a aquisição de • Amortizações colheitadeiras; equipamentos e implementos agrícolas; sistemas
Agrícola equipamentos para armazenagem agrícola. semestrais ou de irrigação; ordenhadeiras mecânicas; tanques de resfriamento
Especial anuais. e homogeinixação de leite; máquinas e implementos para
avicultura; armazéns agrícolas; beneficiamento de algodão,
CMN/BACEN frutas e produtos apícolas; unidades de beneficiamento de
Nº 3.075, de sementes e de pescados oriundos da aqüicultura; implantação
24/04/2003 ou modernização de frigoríficos com âmbito municipal ou
estadual.
BNDES Produtores rurais e cooperativas • Spread básico: • Definidos pelo Nível de participação do financiamento: Ao critério do
Automático nível especial de agente financeiro • Máquinas e equipamentos: 80% agente financeiro,
1% e nível padrão • Micro e pequenas empresas e programas regionais: 90% observada as
DEPOC/FIN de 2,5% ao ano; • Demais itens de investimento: 60% normas do Banco
AME 1/97, de • Spread de risco: Central.
05/08/97 máximo de 4% ao
ano
Moderfrota Produtores rurais e suas cooperativas • 9,75% ao ano, • Tratores, • 100% do valor do bem a ser adquirido por produtores com As admitidas no
para produtores implementos e renda agropecuária bruta anual inferior a 150 mil; crédito rural
CMN/BACEN com renda bruta equipamentos para • 80% do valor do bem a ser adquirido por produtores com
nº 3.086, de anual inferior a preparo, secagem renda agropecuária bruta anual igual ou maior 150 mil
25/06/2003 150 mil; e beneficiamento
• 12,75% ao ano de café: até 5
para produtores anos;
com renda anual • Colheitadeira: até
bruta superior a 6 anos
150 mil
Moderinfra Crédito rural • 8,75% ao ano • Até 8 anos • 400 mil por beneficiário para implantação, renovação ou As admitidas no
reconversão de sistemas de irrigação ou implantação, crédito rural
CMN/BACEN recuperação, adequação ou modernização de unidades
Nº 3.092, de armazenadoras.
25/06/2003
Prodeccop Cooperativas de produção agropecuária e • 10,75% ao ano • Até 12 anos, • 20 milhões por cooperativa, observados os seguintes tetos, As admitidas no
cooperados para: incluídos até 3 tomados com base no faturamento bruto anual verificado no Crédito rural
CMN/BACEN Implantação de industrias de processamento anos de carência. ultimo exercício: até 70% do valor do projeto, quando se
Nº 3.087, de de ovos, de frutas legumes e hortaliças, • Amortizações tratar de cooperativa com faturamento superior a 100
25/06/2003 lácteos, moagem de cereais, fábricas de semestrais ou milhões; Até 80% do valor do projeto, quando se tratar de
ração, cacau, chás e mates, maltearias, cafés anuais. cooperativa com faturamento acima de 50 milhões e até 100
de bebida superior, unidades milhões. Até 90% do valor do projeto, quando se tratar de
armazenadoras; algodão, fiação, tecelagem cooperativa com faturamento de até 50 milhões.
e estamparia de algodão, geração e co-
geração de energia, tratamento de efluentes
agropecuários, incubatórios de ovos para
Moderagro Crédito Rural para: aquisição, transporte e • 8,75% ao ano • Até 5 anos. • Até R$ 200 mil por produtor, independentemente de outros As admitidas no
aplicação de corretivos de solo; gastos com • 2 anos de empréstimos concedidos ao amparo de recursos controlados crédito rural,
CMN/BACEN adubação verde; conservação de solos; carência. do crédito rural. mediante
Nº 3.093, de recuperação de pastagens degradadas; • Amortizações • No caso de financiamento de aquisição de corretivos por apresentação da
25/06/2003 sistematização de várzeas semestrais ou cooperativas, para fornecimento a cooperados, deve ser análise de solo e
anuais. observado o limite individual, por beneficiário associado, de recomendação
R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). agronômica.
Prodefruta Crédito Rural para: investimentos fixos e • 8,75% ao ano • Até 8 anos. • 200 mil por produtor As admitidas no
semi-fixos para implantação ou • 3 anos de crédito rural
CMN/ melhoramento de espécies de frutas, carência.
BACEN nº operações com cajueiros, com vinhedos, • Amortizações
3.095, de infra-estrutura de beneficiamento de caju. semestrais ou
25/06/2003 anuais.
Prodeagro Crédito Rural para: implantação ou • 8,75% ao ano • Até 5 anos. • 150 mil por beneficiário As admitidas no
melhoramento de culturas de flores; • Até 2 anos de crédito rural
CMN/BACEN construção e modernização de benfeitorias carência.
Nº 3.094, de para criação de ovinos caprinos, suínos, • Amortizações
25/06/2003 sericicultura, apicultura e aqüicultura.. semestrais ou
anuais.
Proleite Produtores de leite • 8,75% ao ano • Até 5 anos. • 80 mil por beneficiário As admitidas no
• Até 2 anos de crédito rural
CMN/BACEN carência.
Nº 3.088, de • Amortizações
25/06/2003 semestrais ou
anuais.
Propflora Produtores rurais, pessoas físicas ou • 8,75% ao ano • Até 12 anos • 150 mil por beneficiário As admitidas no
jurídicas, associações e cooperativas de • Carência até a data crédito rural
CMN/BACEN produtores rurais para a implantação e do primeiro corte
Nº 3.089, de manutenção de florestas destinadas aos uso acrescida de 6
25/06/2003 indistrial meses limitada a 8
anos
Fonte: http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/PRINCIPAL/MENU_LATERAL_PRINCIPAL/TEXTOCREDITO.PDF
Capítulo 5
121
Rural e Novos
Comercialização
Instrumentos de
Financiamento e
Política de Crédito
122
Capítulo 5
Rural e Novos
Comercialização
Instrumentos de
Financiamento e
Política de Crédito
CMN/BACEN
Nºs 3.090 e
3.091, de
25/06/2003,
Fonte: http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/PRINCIPAL/MENU_LATERAL_PRINCIPAL/TEXTOCREDITO.PDF
Capítulo 5
Questões de Revisão Política de Crédito
Rural e Novos
Instrumentos de
Financiamento e
Comercialização
Classifique cada afirmativa abaixo como sendo verdadeira ou falsa.
1) Crédito rural no Brasil só existe a partir de 1965. Antes dessa data, não se concedia
crédito à agropecuária.
2) Os recursos para concessão do crédito rural têm diferentes origens, mas podem ser
classificados em dois grupos: recursos oriundos de baixo custo de captação e recursos
oriundos de fontes com custos normais de captação.
3) Se a taxa de inflação for de 5% ao ano e a taxa de juros real for de 6% ao ano, a taxa
de juros nominal será exatamente de 11% ao ano.
4) Entre 1970 e 2004 o ano de maior volume de crédito rural concedido no Brasil foi o de
1979, mas o ano de menor taxa de juros real foi o de 1980.
10) A subvenção paga pelo governo no PEP vai ao produtor e no caso do PEPRO vai
para o arrematante.
1) F 2) V 3) F 4) V 5) F 6) F 7) V 8) F 9) F 10) F Gabarito:
123
CAPÍTULO 6
COOPERATIVISMO
E ASSOCIATIVISMO
Davi R. de Moura Costa
1. Cooperação
No dicionário a palavra cooperação está definida como ato de operar ou agir conjuntamente.
Conseqüentemente é possível afirmar que a cooperação apresenta uma relação entre dois,
ou mais, agentes econômicos ou seres vivos.
No que se refere à definição econômica da cooperação, Menard (2005) aponta que se
trata de uma voluntariedade entre os agentes econômicos para unir seus recursos próprios
quando existirem benefícios para todos os envolvidos a partir dessa união. Diante dessa
definição recorre-se a 03 importantes correntes teóricas da economia para explicar o
surgimento da cooperação.
A primeira delas é a microeconomia neoclássica que estuda o comportamento do
consumidor e assume que esse tem racionalidade na sua escolha. Portanto, irá sempre querer
maximizar seu nível de satisfação, representado por uma função utilidade1.
Assim, quando se considera o ato de cooperar como um bem, o consumidor irá optar em
cooperar, se e somente se este bem lhe trouxer um maior nível de utilidade, quando comparado
com outro bem – não cooperação.
Portanto, o agente econômico irá cooperar se obtiver maior utilidade na cooperação. Pois,
essa ação permitirá que compartilhe parte do capital envolvido no processo de produção
implicando em alterações na sua função de produção permitindo-lhe uma expansão no seu
nível de renda. A partir daí poderá atingir um nível de satisfação via consumo maior.
Nessa mesma linha de definição Bialoskorski Neto (1994), citando Eschenburg (1983), diz
que na formação da cooperação o indivíduo toma uma decisão só quando a cooperação
possibilita uma maior satisfação de suas necessidades, comparando sempre a cooperação
com outras possibilidades de ação que seria a não cooperação.
Uma segunda linha teórica que explica a cooperação utiliza o ferramental matemático da
teoria dos jogos. Primeiramente é preciso entender de uma forma bastante simplificada a
“idéia” da teoria dos jogos, uma vez que sua formalização algébrica é um pouco mais
complicada.
Uma forma interessante de entender o conceito é o leitor, nesse momento, imaginar que
está jogando o “jogo da velha” ou uma partida de xadrez. Note que para decidir qual movimento
(decisão) deverá ser realizado, o passo inicial do jogador é considerar qual será a possível
reação do oponente à sua jogada e da mesma forma seu oponente estará refletindo.
1. Para um aprofundamento consultar PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall,
2002. 711p
126
Essa teoria divide os jogos em dois tipos: os não cooperativos e os cooperativos. O primeiro
ocorre quando não é possível a negociação entre os participantes, enquanto que o segundo é Capítulo 6
Cooperativismo
caracterizado quando os agentes econômicos negociam entre si, ou seja combinam suas e
Associativismo
jogadas.
O jogo de xadrez é um exemplo de jogo não cooperativo pois os jogadores não conseguem
estabelecer qual será o lance mais adequado para todos, pois um deles sempre perde.
As cooperativas, associações, inclusive cartéis, podem ser exemplos de jogos
cooperativos, pois a premissa é que os “jogadores” conseguem combinar a melhor jogada.
O exemplo clássico da cooperação surge na teoria dos jogos, quando Axelrod (1990)
apresenta a estratégia “tit for tat” mais adequada para o dilema dos prisioneiros2 e demonstra
que haveria um equilíbrio melhor para todos os envolvidos quando a decisão de cooperar
fosse a decisão tomada.
Com base no conceito da cooperação via dilema do prisioneiro, Bialoskorski Neto (1998)
aponta o “dilema do cooperante”, mas que para fins didáticos pode ser denominado como o
dilema do produtor.
Utilizando os mesmos conceitos é possível imaginar que os produtores rurais estando
num mercado com imperfeições seriam levados a uma condição de decidir se deveriam
cooperar ou não cooperar com os demais produtores, criando assim interdependência mútua
das suas ações e com isso ficando definida uma matriz de retornos3.
Então, se espera que os produtores visualizem o melhor resultado na cooperação, haja
vista ser esta a estratégia mais adequada para ambos envolvidos.
A figura 1 apresenta o produtor diante das duas situações: ele precisa decidir entre cooperar
ou não cooperar.
Produto A
Cooperar Não Cooperar
Cooperar (3) , (3) (0) , (5)
Produtor B
Figura 1 - Matriz de retorno advindos de uma decisão tomada pelo produtor entre cooperar ou não
cooperar.
Fonte: adaptado de Bialoskorski Neto (1998)
2. Para maiores informações consultar Axelrod, R. The evolution of co-operation, Londom, Penguim Books. 1990. 223p.
3. Matriz de retorno é uma apresentação sintética usada na teoria dos jogos dos possíveis resultados a serem alcançados
pelos agentes econômicos estudados à medida que adota determinada decisão.
4. A economia dos custos de transação (ECT) tem como enfoque de análise as empresas e as define como “nexo de
contratos”, ficando caracterizadas como uma estrutura de governança e não uma função de produção como definia a teoria
neoclássica. Os economistas que seguem a linha da ECT definem custos de transação como os custos de funcionamento
de um sistema econômico.
127
Utilizando os conceitos teóricos apresentados acima é preciso entender em que ambiente
Capítulo 6 a cooperação surge. Nesse sentido os trabalhos de Cook (1995) apontam que a cooperação
Cooperativismo
e surge na agropecuária sempre que existir excessos de oferta que provocam a depressão dos
Associativismo
preços ou falhas de mercado5, pois essas situações caracterizam um ambiente onde os
agentes visualizam os benefícios de agirem de forma coletiva.
De acordo com Williamson (1993), a cooperação pode gerar algumas vantagens para os
envolvidos, dentre elas: economia de escala na aquisição da informação, mitigação da seleção
adversa e risco moral e aumento da produtividade, devido ao senso de responsabilidade.
A economia de escala na aquisição da informação ocorrerá sempre que o custo médio de
longo prazo dos agentes econômicos envolvidos na transação se reduzirem à medida que
aumenta a quantidade de informação levantada.
Uma clarificação desse conceito pode ser dada apresentando o seguinte exemplo: suponha
que existam diversos produtores de soja e que cada um deles precisa acessar a Internet para
obter informações a respeito do comportamento do preço do produto na Bolsa de Chicago.
Assim, cada produtor deverá ter um computador com acesso a Internet ou contratar um
serviço de informações econômicas para saber o preço do produto. Então haverá um custo
de obtenção dessa informação. Portanto, se eles cooperarem seus meios de comunicação,
por exemplo o computador e a linha de acesso, haverá uma redução nos seus custos médios
à medida que se aumente a quantidade de informação a ser obtida.
A mitigação da seleção adversa e risco moral irá ocorrer à medida que a cooperação
diminui a assimetria de informação entre os agentes econômicos participantes de um contrato.
Retomando o exemplo dos produtores de soja, é provável que entre eles exista um nível
de informação diferente sobre os preços. Assim, a partir do momento que passam a buscar
conjuntamente a informação via cooperação, ocorre uma diminuição dessa assimetria
informacional; com isso reduzindo a possibilidade da ocorrência de seleção adversa e risco
moral6.
Segundo o autor, da união desses agentes pode ocorrer o surgimento de diferentes arranjos
contratuais, como, por exemplo, aliança estratégica entre firmas e organizações cooperativas.
Em termos teóricos é possível, com base nas definições sobre empresas híbridas7
apresentadas por Menard (2002), classificar as relações de cooperação entre as organizações
em: redes de relacionamento (networks) entre os agentes econômicos e integração vertical
de distintos processos produtivos, etc.
Para RIBAULT et al. (1995) uma rede de empresas é um modo de agrupamento de
empresas destinado a favorecer a atividade de cada uma delas sem que estas tenham
necessariamente laços financeiros entre si. Portanto, pode ser caracterizado como um modo
de cooperação por afinidade de natureza informal e torna cada empresa envolvida responsável
pelo seu próprio desenvolvimento.
As redes de relacionamento (networks) ocorrem na agropecuária brasileira em situações
quase cotidianas, indo desde empréstimos de uma máquina, implemento, troca de dias de
serviços entre os produtores, até a criação de canais de distribuição, desenvolvimento de
produtos.
A integração vertical é caracterizada como uma estratégia de cooperação que visa reduzir
os custos de transação e garantir a oferta de insumos ou produtos. Nesse processo, ambos
agentes acordam entre si todo o processo a ser realizado, bem como as penalidades caso os
contratos não sejam seguidos.
5. Falhas de mercado que podem ocorrer na agropecuária são monopsônios, oligopólios, assimetria de informação e
externalidades. Caso o leitor deseja obter mais conhecimento sobre o assunto é necessário consultar a literatura especializada
de microeconomia e organização industrial.
6.Seleção adversa e risco moral são classificações dadas aos comportamentos dos agentes devido à existência de assimetria
de informação. A seleção adversa ocorre quando a assimetria existe antes do contrato enquanto que o risco moral ocorre
quando a assimetria passa a ocorrer posterior a realização do contrato.
7. Empresas híbridas são empresas que possuem uma estrutura de governança que está entre a forma hierárquica e a forma
mercado, sendo definida com base na especificidade do ativo, nível de incerteza e frequência das transações. Para maiores
detalhes consultar Willianson, O.E. Transaction cost economics and organization theory. Berkeley: University of California,
Berkeley. 1993. 58p.
128
O sistema de integração como mecanismo de cooperação na agropecuária ficou famoso
Capítulo 6
pelos exemplos do frango e do fumo, mas que também existem em outras atividades.
Cooperativismo
Juntando esses dois conceitos de cooperação e analisando as vertentes teóricas do estudo e
Associativismo
de cooperativas apresentadas por Cook et al. (2004) é possível considerar cooperativa tanto
como uma forma de network, quanto de integração vertical.
Portanto, considerando que a cooperação na agropecuária ocorre se e somente se
beneficiam todos os envolvidos, e que cooperativa é uma forma de cooperação, faz-se um
convite ao leitor para refletir sobre a seguinte indagação: - o que levaria os agentes econômicos
a se unirem para constituírem uma cooperativa?
Cook (1993) elabora uma pesquisa junto aos produtores americanos e averigua que as
cooperativas surgem para evitar as conseqüências negativas do poder de mercado das
grandes empresas atuantes na agropecuária, buscar economia de escala na produção e
comercialização de seus produtos, reduzir seus níveis de riscos, obtenção de serviços não
fornecidos pelo governo e aumentar os ganhos marginais sobre os seus produtos.
2. Doutrina Cooperativista
8. Pinho (2001) procura esclarecer que mesmo o nome sendo pleonástico ele vem de uma tradução de termos alemães que
geram o real significado.
9. Schneider (2001) aponta que esse termo é dado às cooperativas que surgem seguindo os valores e princípios adotados pela
Aliança Cooperativa Internacional (ACI), que foram criados com base nas experiências frutíferas da Cooperativa dos Pioneiros
de Rochdale.
10. Esse conceito será mais explorado quando for abordada a parte teórica da cooperação cooperativa.
129
A partir dos ideários dos socialistas utópicos, Pinho (2001) conclui que foram deles as
Capítulo 6
principais características que nortearam os princípios que regeriam o movimento cooperativista.
Cooperativismo
e Segundo Amodeo (1999), Bialoskorski Neto (1994), e Pinho (2001) os mais importantes
Associativismo
pensadores que contribuíram para o surgimento do cooperativismo foram: Robert Owen;
François Marie Charles Fourier; William King; Philippe Joseph Benjamin Buchez; e Louis
Blanc11.
Diante do êxito da cooperativa de Rochdale e das idéias difundidas pelos socialistas
utópicos, outras cooperativas começam a surgir e crescer culminando num movimento
internacional de cooperativas que se consolida, em 1895, com a criação da Aliança Cooperativa
Internacional (ACI) para representar todas as entidades cooperativas do mundo.
A ACI define que “cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem,
voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais
comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e gerida democraticamente”.
A definição deixa claro que uma cooperativa é um instrumento de cooperação utilizado
pelos agentes econômicos para poder realizar atividades que venham de encontro à suas
necessidades econômicas e sociais, estabelecendo a partir daí um caráter doutrinário
econômico ao movimento cooperativista, com base nos êxito dos pioneiros de Rochdale.
A doutrina econômica, como proposta de reforma social, contém um projeto utópico,
imaginário, de transformação da ordem social existente e de construção de uma sociedade
considerada perfeita para seus realizadores (Pinho 2001)
Com base nesta definição a autora escreve que, de modo geral, a doutrina cooperativista
é uma proposta de mudança do meio econômico e social, que se concretizaria de modo
pacífico e gradativo, por meio de cooperativas de múltiplos tipos e que se caracterizaria pela
prestação de serviços sem fins lucrativos; eliminação dos assalariados, que passam a ser
associados cooperativistas; substituição da competição pela cooperação, etc.
Portanto, do novo desenho organizacional das relações econômicas entre os agentes e
os meios de produção e de uma demasiada utopia surgiria o caminho para promover a reforma
social e, portanto o cooperativismo como doutrina econômica.
Para garantir a validade da sua definição e reforçar a ótica doutrinária do cooperativismo a
ACI estabelece que todas as cooperativas de vertente Rochdaleana devem ser geridas com
base em valores e princípios relacionados à cooperação, que foram redigidos com base no
estatuto da cooperativa de Rochdale.
Os valores fraternidade, igualdade, liberdade e solidariedade, têm como principal objetivo
nortear as políticas de relacionamento entre os cooperados e desses com a cooperativa.
Atualmente os princípios12 que devem ser seguidos por todas as cooperativas filiadas
movimento cooperativista vinculado a ACI são:
I. Adesão livre e voluntária;
II. Controle democrático pelos cooperados;
III. Participação econômica dos sócios;
IV. Independência e autonomia das cooperativas;
V. Educação, treinamento e formação;
VI. Cooperação entre cooperativas; e
VII. Preocupação com a comunidade.
11. Maiores informações sobre esses pensadores podem ser encontradas no site da Aliança Cooperativa Internacional – ACI
(www.coop.org) e em livros especializados em história do cooperativismo.
12. Os princípios e sua aplicação podem ser visualizado no site da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
(www.ocb.org.br)
130
3. Cooperativas no agronegócio brasileiro Capítulo 6
Cooperativismo
e
Para melhor visualização do cooperativismo no Brasil serão apresentados os números do Associativismo
ACI
OCA
OCB
OCE´s = 27
Confederações = 13
Federações = 76
Cooperativas Centrais = 81
131
Tabela 1 – Ramos do cooperativismo brasileiro em 2005.
Capítulo 6
Cooperativismo
Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados
e
Associativismo Agropecuário 1.514 879.918 123.368
Consumo 147 2.181.112 6.938
Crédito 1.101 2.164,499 20.555
Educacional 319 73.951 3.144
Especial 10 529 -
Habitacional 355 91.299 1.562
Infra-estrutura 160 600.399 5.213
Mineral 44 15.212 52
Produção 173 17.569 323
Saúde 899 297.868 28.599
Trabalho 1.994 425.181 6.506
Transporte 783 50.600 3.411
Turismo e Laser 19 2.917 9
Totais 7.518 6.791.054 199.680
Fonte: Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) (2006)
Sul
Nordeste 19%
23%
Norte
9%
Sudeste
Centro-
39%
Oeste
10%
132
É possível notar que 10% das cooperativas estavam na região centro-oeste, 22% no
nordeste, 9% no norte, 39% no sudeste e 19% na região sul. Capítulo 6
Cooperativismo
De acordo com Bialoskorski Neto (2004) as cooperativas agropecuárias apresentam e
funções consideradas importantes aos produtores cooperados, entre elas: barganha por Associativismo
Instrumento
Ano Fato Marcante
Jurídico
Decretos 796, 869 e
1890 Permitiu a criação das sociedades ou companhias cooperativas.
1.429
1903 Decreto 979 Primeira referência às cooperativas de produção.
Dá o disciplinamento jurídico para o funcionamento das
1907 Lei 1.637
cooperativas brasileiras.
Permite às cooperativas poderem ser constituídas
1932 Decreto 22.239 independentes de autorização governamental, bastando apenas
se registrar na Junta Comercial.
Decreto 581 Promove a reedição do Decreto 22.239/32.
Estabelece que as cooperativas passem a ser fiscalizadas, e o
1938 Decreto 22.239
registro no Ministério da Agricultura, além da Junta Comercial,
(reeditado)
passa a ser obrigatório.
Regulamenta a forma como deveria ocorrer a fiscalização das
1941 Decreto 6.980
cooperativas.
Estabelece o processo de intervenção nas sociedades
1942 Lei 5.154
cooperativas.
1943 Decreto-lei 5893 Cria a Caixa de Crédito Cooperativo
Transforma a Caixa de Crédito Cooperativo no Banco Nacional
1951 Lei 1412
de Crédito Cooperativo
1966 Decreto lei 59 Cria o Conselho Nacional de Cooperativismo.
Criação da atual lei que regulamenta o funcionamento das
Lei 5.764
cooperativas.
1971
Divide a fiscalização das cooperativas entre INCRA, BACEN e
Decreto 68.153
BNH.
Ocorrência dos projetos pilotos de Autocontrole, entre INCRA e
1983 -
OCEPAR ou OCERGS.
Transferência das atividades de controle, fiscalização e
1984 Decreto 90.393 intervenção das cooperativas agropecuárias do INCRA para o
SENACOOP.
Ocorrência do X CBC, que estabelece como prioridade a busca
-
pela autogestão do sistema cooperativista.
1988
Constituição Federal A Constituição Federal estabelece que fica o Estado impedido de
de 1988 interferir no funcionamento das cooperativas.
134
É importante, com base no quadro 1, destacar a Lei 5764 criada em 1971 e que
regulamenta até hoje o funcionamento das cooperativas brasileiras, mas que a partir da Capítulo 6
Cooperativismo
promulgação da Constituição Federal de 1988 passa a ter algumas “lacunas jurídicas”, pois e
não se tem mais definido algumas questões relativas à fiscalização das atividades Associativismo
13. O Plano Collor I foi o plano de governo do presidente Fernando Collor de Mello, editado no ano de 1991.
135
Capítulo 6 4. Considerações finais
Cooperativismo
e
Associativismo
5. Bibliografia
136
OCB, Organização das Cooperativas Brasileiras (2006) Estatísticas Dez/2003. Disponível em
www.ocb.org.br, dezembro, 2006 Capítulo 6
Cooperativismo
PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. 711p e
Associativismo
PINHO, D. B. Tendência da educação cooperativa no início do século XXI. In: NUNES, C.; COSTA, D.
R. M.; PINHO, D. B.; SCHNEIDER, J. O.; et al. Coleção estudo e pesquisa: educação cooperativista.
São Paulo, n. 3, 2001. cap.4, p.72-102.
RIBAULT, M.; MARTINET, B. & LEBIDOIS, D.: A gestão das tecnologias. Coleção gestão & inovação.
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1995.
SCHNEIDER, J. O. As origens do cooperativismo moderno a cooperação e o cooperativismo In:
NUNES, C.; COSTA, D. R. M.; PINHO, D. B.; SCHNEIDER, J. O.; et al. Coleção estudo e pesquisa:
educação cooperativista. São Paulo, n. 3, 2001. cap.5, p.103-116.
SPEAR, R. The co-operative advantage. Annals of Public and Cooperative Economics. 2000, v 71:4,
p. 507-523.
WILLIAMSON, O.E. Transaction cost economics and organization theory. Berkeley: University
of California, Berkeley. 1993. 58p.
Questões de Revisão
137
5) Formas como as cooperativas são vistas na teoria econômica:
Capítulo 6 a) Cooperativas como firmas, Cooperativas como coalização entre agentes econômicos,
Cooperativismo cooperativas como empresa estatal.
e
Associativismo b) Cooperativas como empresas com objetivo de lucro, Cooperativas como coalização
entre agentes econômicos, cooperativas nexo de contratos.
c) Cooperativas como firmas, Cooperativas como coalização entre agentes econômicos,
cooperativas como nexo de contratos.
d) Cooperativas como firmas, Cooperativas como agentes econômicos independente do
cooperado, cooperativas como empresa estatal.
Gabarito: 1 (d); 2 (a); 3 (c); 4 (b); 5 (c); 6 (d); 7 (a); 8 (b); 9 (c); 10 (d)
138
CAPÍTULO 7
SUSTENTABILIDADE E
DESENVOLVIMENTO RURAL –
OPORTUNDADES E AMEAÇAS
Prof. Dr. Ricardo Shirota
1. A origem do problema
1. Estima-se que o homem moderno (Homo sapiens) tenha surgido há cerca de 100.000 anos.
2. O crescimento econômico ocorreu de maneira geral, em todo o Mundo, resultando no aumento da renda média per capita da
população. Entretanto, é preciso reconhecer que algumas regiões e paises apresentaram desempenhos muito superiores a
outros. Dentro dos países – mesmo aqueles menos desenvolvidos – alguns segmentos da sociedade conseguiram conquistar
ganhos mais significativos.
140
Entretanto, em razão dos diversos impactos negativos que isso tem causado, estão Capítulo 7
surgindo diversos questionamentos em relação à possibilidade que esse processo seja Sustentabilidade e
Desenvolvimento
continuado e expandido para atender maior contingente de pessoas. Isto é, coloca-se em Rural –
dúvida se é possível continuar o padrão de crescimento econômico no futuro. Em outras Oportunidades e
Ameaças
palavras, questiona-se a sua sustentabilidade.
Esse tipo de inquietação fez com que – a partir de meados do Séc. XX – houvesse um
aumento das discussões sobre as conseqüências de longo prazo do padrão de evolução da
humanidade. Um dos pontos centrais das preocupações é a possibilidade de continuar (ou
não) o processo de crescimento observado até agora.
Desde então, a palavra sustentabilidade3 passou a ser largamente utilizada, em diferentes
situações e com significados diversos. Em geral, esse termo é empregado para representar
a noção da possibilidade de continuar – ou melhorar – um determinado padrão de consumo
humano (ou produção) com a simultânea manutenção de um meio-ambiente equilibrado e
saudável.
O problema central da ausência de sustentabilidade é que ela implica que o padrão de
desenvolvimento atual não pode ser mantido, indefinidamente, no futuro.
Este conceito tem um grande apelo para as pessoas na medida em que está, implícita ou
explicitamente, relacionada com a noção de preservação da própria espécie humana. Um
padrão de desenvolvimento “não-sustentável” sugere que, cedo ou tarde, haverá um limite ao
processo e queda no padrão de vida das pessoas. No limite extremo, a ausência de
sustentabilidade pode, mesmo, colocar em risco a preservação da espécie humana.
Em razão disso, nos dias atuais, a absoluta maioria das pessoas tem uma postura favorável
a sustentabilidade (Jain, 2003, 2005). E, em parte como conseqüência disso, esse conceito
tem sido largamente utilizado em muitos contextos. Infelizmente, em grande parte dos usos,
ela tem sido empregada de maneira errônea ou equivocada.
Uma das razões para o mau uso do termo sustentabilidade, é a falta de uma definição
precisa do seu conceito. As definições freqüentemente utilizadas na literatura têm natureza
mais qualitativa e apresentam grande apelo intuitivo4. Elas embutem, também, princípios de
comportamento – tanto dos consumidores como dos produtores – que contribuiriam para
atingir a sustentabilidade. Entretanto, em razão da ausência de uma conotação mais precisa,
na prática, elas não permitem análise ou mensuração quantitativa.
Como conseqüência, objetivamente, a maioria dessas definições tem pouco valor. Isto é,
não podem ser utilizados para construir indicadores de sustentabilidade visando o uso prático.
Por exemplo, a pioneira e largamente utilizada definição apresentada pela Comissão
Bruntland diz que:
Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades dos presentes sem
comprometer a habilidade das futuras gerações em atender as suas próprias necessidades 5
Apesar de seu apelo intuitivo, essa definição não contribui para a resolução da questão na
medida em que as determinações quantitativas das necessidades, presentes e futuras,
apresentam uma série de dificuldades e problemas. Além disso, muitas outras questões –
fundamentais para a sustentabilidade – não são nem mencionadas nessa definição. Entre
outras, a velocidade do avanço tecnológico no futuro, o problema da distribuição de bem-estar
entre a geração presente e as gerações do futuro, o problema dessa distribuição no presente
etc., são algumas delas.
3. Além desse termo, são também muito utilizadas as idéias derivadas dele, tais como: capacidade de carregamento, capacidade
de suporte; desenvolvimento sustentável; crescimento sustentável; consumo sustentável etc.
4. Talvez isso tenha sido feito propositalmente, visando aceitação mais ampla junto ao público.
5. World Commission on Environment and Development (1987).
141
Capítulo 7
Em princípio, deve ser ressaltado que – do ponto de vista prático – a noção de
Sustentabilidade e sustentabilidade não é estática, absoluta e muito menos infinita. Ela não é estática por que
Desenvolvimento
Rural – depende da evolução da população, do seu padrão médio de consumo e da velocidade com
Oportunidades e que a tecnologia vai avançar no futuro. Ela, em geral, não é absoluta no sentido em que o
Ameaças
atual padrão de desenvolvimento pode ter sustentabilidade em alguns aspectos, mas não em
outros. Finalmente, não é infinito no sentido em que a previsão sobre o futuro distante tem
muitas variáveis desconhecidas, de difícil estimativa num prazo médio ou longo.
Apesar de, no passado, muitas civilizações terem sofrido problemas variados de escassez
de recursos6, a preocupação com a sustentabilidade – nos níveis atuais – é um fenômeno
relativamente recente. No passado, durante boa parte da evolução da humanidade, a população
era relativamente pequena e a capacidade de intervenção do homem no meio era restringida
pela sua limitada força física.
O início do fenômeno da explosão populacional, em fins do Séc. XVIII e começo do Séc.
XIX, despertou a preocupação de muitos estudiosos7. Foi nessa época que Thomas Malthus
desenvolveu a sua famosa teoria8. Na Inglaterra desse período, em que o aumento da produção
de alimentos dependia basicamente da expansão da área de cultivo (que era limitada) havia
uma real possibilidade de que a agricultura não seria capaz de atender à crescente demanda
de alimentos e outras matérias primas. O resultado desse processo era claro para Malthus:
fatores externos como fome, miséria, catástrofes, doenças, guerras etc. exerceriam um
controle sobre a população e forçariam uma volta a um estágio de produção e consumo de
subsistência.
Mas, em grande parte, o pessimismo de Malthus não se verificou na prática. O acelerado
avanço das descobertas científicas e os progressos tecnológicos em diferentes áreas do
conhecimento9 permitiram a ocorrência da Revolução Industrial, iniciado no final do Séc. XVII
e começo do Séc. XIX. Desde então, durante uma parte do Séc. XX, o rápido avanço das
ciências e da tecnologia possibilitou o fortalecimento do sentimento de que a capacidade
inventiva homem poderia suplantar as limitações impostas pelo meio. E, de fato, o crescente
uso de máquinas, equipamentos e novos insumos permitiu que, cada vez mais, a humanidade
conseguisse suplantar a escassez de recursos existentes anteriormente10.
Nesse ambiente econômico e institucional, não havia muita razão para preocupação com
a perspectiva de esgotamento de recursos e os impactos do processo sobre o meio. Na
época, uma grande parte da Terra era ainda inexplorada e os ganhos de produtividade
resultaram em crescimento econômico sem precedente na história da humanidade.
Como resultado, apesar do rápido crescimento da população humana, que acelerou a
partir do Séc. XIX11, um grande número de pessoas foi beneficiado pelo progresso obtido
(Kennedy, 1989; Barzum, 2001; Landes, 2005). Alimentação, vestuário, saúde e nível de
conforto e lazer melhoraram significativamente em muitas regiões.
Por outro lado, a partir da primeira metade do Séc. XX, três grandes grupos de problemas
começaram a ameaçar o padrão de crescimento observado até então.
De um lado, a expansão da população continuava em uma tendência exponencial. Cada
uma dessas pessoas demanda alimento, vestuário, abrigo, energia, transporte, educação,
lazer etc. E, a oferta necessária ao atendimento da demanda desses bens e serviços depende
6. Diamond (2005) descreve alguns casos ilustrativos em que crises de grave escassez de recursos provocaram o declínio e
desaparecimento de povos, no passado.
Define-se como setor rural aquele que engloba todas as atividades desenvolvidas além
dos limites das áreas urbanas17. A principal atividade deste setor é o cultivo da terra para a
produção vegetal e animal.
A produção desse setor é, tradicionalmente, voltada para atender a demanda de alimentos
pelos consumidores e algumas matérias primas de uso industrial18. Esta é a noção tradicional
de agropecuária.
Porém, atualmente, a produção agropecuária cobre uma ampla gama de produtos que
extrapolam este conceito. A partir da segunda metade do Séc. XX, com o encarecimento das
fontes tradicionais de energia, a agricultura passou a produzir energias alternativas.
Mais recentemente, o efeito combinado do aumento da demanda por serviços relacionados
ao lazer, a escassez de amenidades associadas com a natureza e o agravamento dos
problemas ambientais, faz com que novas oportunidades de mercado estejam surgindo para
o setor rural na área da produção de serviços ambientais19.
12. O problema é agravado pelo aumento do consumo per capita, observado em muitas partes do mundo. Isso ocorre graças
ao aumento da renda daquelas pessoas beneficiadas pelo processo de acelerado crescimento econômico.
13. Recursos exauríveis são aqueles existentes da natureza em determinada quantidade, em determinado lugar e o seu
estoque não pode ser alterado pelo homem (Randall, 1987). Energia fóssil (petróleo, carvão, gás natural etc.), minérios e
fertilidade natural dos solos são alguns exemplos ilustrativos.
14.“Futuro Mad Max” é uma visão bastante pessimista da capacidade da humanidade em resolver os seus problemas no
futuro. Nesta perspectiva, os conflitos relacionados com a escassez de recursos provocarão falência das instituições e
rompimento das regras de convivências entre os humanos. As relações humanas retornariam ao nível do que deve ter
prevalecido nos estágios iniciais da civilização em que a “regra do mais forte” determinava as relações humanas. O oposto
dessa visão é um futuro “Jornadas nas Estrelas”. Trata-se de uma perspectiva muito mais otimista, em que a maior parte dos
problemas relacionados com pobreza, fome e falta de recursos não são mais preocupações imediatas.
15.Tipicamente, esse é o caso da poluição da água de rios e lagos, da erosão de solos e os impactos causados
pelas atividades de mineração.
16. Nesse grupo estão incluídos os problemas como o buraco na camada de ozônio e o aquecimento global (que
pode causar as mudanças climáticas).
17. Esta separação entre rural e urbano é baseado em critérios geográficos.
18. Por exemplo: algodão para a indústria têxtil; madeira para as produções de papel, móveis, construção civil etc.;
óleos essenciais e resinas vegetais para as indústrias farmacêuticas e químicas; etc.
19. Entre outras, as seguintes atividades estão se tornando economicamente importantes: lazer rural e ambiental;
preservação de recursos hídricos e da biodiversidade; seqüestro de carbono; etc.
143
Capítulo 7 Apesar da agropecuária ser geograficamente delimitada, este setor não é estanque e
Sustentabilidade e separado das demais atividades da economia. Por exemplo, muitas atividades “não-
Desenvolvimento
Rural – agropecuárias” são desenvolvidas no setor rural. Diversos tipos de processamento dos
Oportunidades e produtos – tipicamente realizadas fora do setor – podem ser feitos na própria propriedade.
Ameaças
Além disso, alguns membros da família podem desenvolver atividades “não-agropecuárias”
no meio rural (e.g., trabalhos manuais e artesanatos). Finalmente, em algumas regiões,
muitos residentes na área rural obtêm parte significativa de sua renda em atividades
desenvolvidas no setor urbano.
Da mesma forma, muitas atividades urbano-industriais dependem fortemente do setor
rural. No segmento chamado de “antes da porteira”, toda a indústria de insumos modernos
(sementes, fertilizantes, agroquímicos etc.), máquinas e equipamentos, rações, medicamentos
veterinários etc., tem sua produção voltada para as atividades desenvolvidas no setor rural.
Do outro lado, no segmento chamado de “depois da porteira”, os setores de transporte e
armazenagem de produtos agropecuários, processamento, mercados financeiros, exportação
etc., também têm parte significativa de suas atividades voltadas – em maior ou menor grau –
para o setor agropecuário.
Atualmente, a agropecuária moderna é um complexo setor econômico20. A sua atividade
produtiva envolve a utilização de variados insumos, mão-de-obra e diversos recursos naturais
como fatores de produção. De outro lado, os alimentos, fibras e outras matérias primas (e.g.,
madeira, resinas etc.) e energia produzidos entram em uma sofisticada cadeia produtiva
cujos bens finais são consumidos tanto no mercado doméstico como exportados para o
mercado internacional.
A produção agropecuária primária compreende o setor responsável pelo cultivo do solo
para a produção de plantas de interesse econômico. Pela sua própria natureza, a maior parte
das atividades desenvolvidas nesse setor altera a cobertura do solo, transformando um
determinado ecossistema natural em um outro, voltado para a produção econômica de
alimentos, fibras e energia, entre outros (Malavolta, 1997; Paterniani, 2001).
O desenvolvimento da agropecuária foi muito importante para permitir o aumento
populacional humano, atendendo à demanda crescente de alimentos e outros produtos.
Graças aos ganhos tecnológicos obtidos ao longo do tempo, as produtividades da terra e da
mão-de-obra aumentaram muitas vezes em relação ao observado há cerca de 10.000 anos,
antes de seu aparecimento.
Na época em que o homem nômade vivia da coleta e da caça, estima-se que a capacidade
de suporte do meio para suprir alimentos era de cerca de 8 pessoas por 5.000 km2 (Eves,
2005). A invenção da agropecuária – ainda que primitiva – permitiu um grande salto na
capacidade de suporte do meio em cerca de 100 vezes, atingindo a marca significativa de
800 pessoas por 5.000 km2. De certa forma, esse fenômeno marca a ocorrência da primeira
revolução na maneira como o homem passou a garantir uma oferta estável de alimentos.
Na Idade Média, estima-se que a agropecuária demandava de 4 a 5 pessoas em dedicação
exclusiva para produzir alimentos para si e um excedente suficiente para apenas mais uma
pessoa.
Atualmente, na agropecuária moderna21, essa relação é de cerca de uma pessoa na
agricultura produzindo o suficiente para si e para mais de 100 outras pessoas.
No caso da mão-de-obra e do número de horas de trabalho necessárias para garantir o
suprimento de alimentos, a evolução é igualmente impressionante. Antes da agropecuária, a
vida do homem era uma luta incessante em busca de comida. A grande maioria das pessoas
20. Não confundir agricultura com o conceito mais amplo do chamando “agribusiness”. Este último, mais amplo, contém a
agricultura como uma de suas partes. Ele abrange o conjunto das atividades que vai do setor de insumos, passando pela
produção agrícola propriamente dita e estendendo até os segmentos de transporte, armazenamento, processamento e
comercialização dos produtos finais.
21. Aquela com alta produtividade, que usa insumos modernos e adota, intensivamente, máquina e equipamentos. Tipicamente,
esta é a agricultura praticada em partes dos EUA, Brasil, Argentina e Canadá, entre outros.
144
gastava quase todo o seu tempo em busca de alimentos e quase não restava tempo para Capítulo 7
desenvolver outras atividades produtivas e de lazer. Mesmo assim, muito possivelmente, a Sustentabilidade e
Desenvolvimento
maioria dos indivíduos consumia calorias e outros nutrientes em quantidades bastante Rural –
limitadas, muito próximas das necessidades mínimas de sobrevivência. Oportunidades e
Ameaças
4.1 Desafios
22. É necessário enfatizar que, ao contrário do que é muitas vezes apresentado, os agricultores são agentes econômicos
racionais e essa alteração não visa a destruição per se da natureza. Pelo contrário, trata-se de um comportamento racional que
visa maximizar a produção e minimizar os custos.
23. Para uma visão ilustrativa do processo de ocupação do interior do Estado de São Paulo e, em particular, a expansão da sua
cafeicultura, ver Monbeig (1984).
145
Capítulo 7
mão de explorar, economicamente, um determinado percentual de sua terra para produzir
Sustentabilidade e um “bem-público” que beneficia toda a sociedade24. Isto é, ele arca com todos os custos da
Desenvolvimento
Rural – preservação enquanto toda a sociedade recebe os resultados positivos25.
Oportunidades e Além disso, os avanços tecnológicos na produção agropecuária têm aumentado o uso de
Ameaças
diferentes produtos químicos. Grande parte do aumento da produtividade tem sido obtida
graças ao uso intensivo de fertilizantes, inseticidas, fungicidas e herbicidas. A aplicação em
excesso desses produtos tem causado uma série de danos ambientais como poluição do
solo, da água e da biota26.
Da mesma forma, o uso intensivo de máquinas e equipamentos tem possibilitado o aumento
da produtividade da mão-de-obra. Mas, o seu uso inadequado e em excesso tem causado
sérios problemas de degradação dos solos. Os implementos utilizados para o preparo do
solo no plantio convencional e para o cultivo das plantações têm causado sérios danos à sua
estrutura física. Combinado com isso, a exposição do solo aos elementos – principalmente,
chuva e vento – tem provocado o fenômeno da erosão que destrói a camada mais superficial
e fértil da terra. Em casos extremos, as erosões por sulco e as voçorocas podem prejudicar
– ou mesmo impedir – a própria atividade agrícola.
A erosão provoca dois tipos de impactos, conhecidos na literatura pelo seu nome em
inglês: efeitos “on site” e “off site”. Os danos “on site” são aqueles relacionados com os
efeitos negativos sobre a produtividade agrícola e os custos de produção. Mas, além de
destruir a capacidade futura de produção, a erosão é danosa por causar conseqüências
negativas “rio abaixo” (danos “off site”).
Os sólidos em suspensão na água, afetam a sua qualidade. O seu uso para o
abastecimento urbano27 e industrial pode ficar seriamente prejudicado. As partículas sólidas
maiores são carregadas pelas enxurradas e depositadas nos leitos dos rios, causando danos
diversos. Ambientalmente, o acúmulo de sedimentos pode alterar o ecossistema aquático,
prejudicando a sua fauna e a flora. Do ponto de vista estritamente econômico, esses
sedimentos podem diminuir a profundidade dos rios, prejudicando a navegação e os esportes
aquáticos.
As partículas menores ficam em suspensão durante mais tempo e podem, igualmente,
causar prejuízos ao meio-ambiente e aos diversos usos da água, tanto para fins de
abastecimento humano como para usos industriais. Por exemplo, elas podem causar
desgastes prematuros nas bombas e nas tubulações de água.
Além dos materiais particulados, a erosão carrega nutrientes e outros compostos químicos
dissolvidos na água. Os nutrientes, principalmente nitrogenados e fosfatos, podem causar a
eutrofização dos corpos d’água. Esse processo provoca um desequilíbrio no ecossistema
aquático, resultando em crescimento excessivo de determinados organismos em detrimento
de outros.
A técnica de plantio direto utilizada na agricultura moderna minimiza os efeitos nocivos da
erosão do solo e tem se mostrado também bastante vantajosa na redução de custos da
lavoura, uma vez que muitas das operações do plantio convencional como aração e gradagem
são utilizadas com uma intensidade muito inferior.
O problema dos agrotóxicos é ainda mais grave. Eles podem ser absorvidos pelas plantas
e microorganismos aquáticos que estão na base da pirâmide alimentar. O consumo deles
24. É importante lembrar que esse segmento é o menor entre os três setores da economia, gerando menos de 10% do PIB do
País.
25. No âmbito do Estado de São Paulo, existe atualmente, um estudo – financiado pelo Banco Mundial – que visa mensurar o
valor dos benefícios ambientais gerados pela preservação da cobertura vegetal. A idéia é analisar a possibilidade de
remunerar o proprietário pelos serviços ambientais produzidos pelo seu esforço.
26.O fenômeno da contaminação da biota atingiu não somente as plantas, microorganismos e animais silvestres, mas também
a própria espécie humana. Casos de intoxicação aguda, apesar de relativamente raros, têm ocorrido. O problema da
intoxicação crônica – tanto de trabalhadores rurais quanto de consumidores de produtos contaminados – é menos visível mas,
possivelmente, muito mais freqüente, devendo atingir também um grande número de pessoas. Para um exemplo ilustrativo, ver
Duncan (2006).
27.A presença de partículas em suspensão na água encarece o processo de seu tratamento. Ele aumenta o tempo de
retenção da água na estação de tratamento da mesma forma que exige a adição de maiores quantidades de produtos
químicos. Como conseqüência, apesar de potável, a água tratada acaba ficando com cheiro e gosto desagradáveis.
146
por outros organismos, transfere a contaminação ao longo de toda a cadeia alimentar, podendo Capítulo 7
prejudicar até mesmo espécies que não tiveram qualquer contato com a agricultura. Esse Sustentabilidade e
Desenvolvimento
problema é agravado nos casos em que existe acúmulo do princípio ativo no organismo28. Rural –
Adicionalmente ao problema toxicológico, o uso de pesticidas na agricultura gera um efeito Oportunidades e
Ameaças
secundário associado às embalagens vazias. Infelizmente, por uma série de razões, o descarte
da maior parte dessas embalagens era feita de maneira inapropriada, causando diversos
riscos ambientais29.
Mais recentemente, o desenvolvimento da genética molecular permitiu a criação dos
chamados Organismos Geneticamente Modificados – OGM30. Trata-se de plantas e animais
que sofreram manipulação em sua estrutura genética, visando obter determinadas
características de interesse agronômico e/ou econômico.
Potencialmente, os benefícios dos OGMs são consideráveis. Existe, por exemplo, uma
semente de milho que não sofre ataque de uma determinada lagarta. Isso facilita a vida do
produtor, que não tem que se preocupar com essa praga. Um outro aspecto positivo dessa
semente é a eliminação do uso de inseticida para controle desse inseto. Uma soja transgênica
com grande aceitação por parte dos agricultores é aquela resistente a um determinado tipo
de herbicida chamado de glifosato. O uso combinado dessa soja com o glifosato faz com
que o controle das ervas daninhas seja mais fácil e mais barato.
Entretanto, existe muita pressão contra os OGMs, vinda de diversos grupos organizados
da sociedade. De um lado, existem aqueles contrários com base em argumentos relacionados
com a segurança alimentar. Na medida em que são organismos resultantes de manipulação
genética, existe um risco potencial de que as alterações na estrutura do DNA possam produzir
substâncias químicas prejudiciais ao organismo humano31.
Um outro tipo de preocupação em relação aos OGMs é o risco de que as alterações
criadas artificialmente, venham a contaminar o banco natural de genes. Isto é, garantir que,
uma vez liberado, não haja risco de que o processo de cruzamento natural32 transfira as
características artificialmente criadas para a população nativa.
As críticas em relação aos impactos da produção animal sobre o ambiente não são menos
contundentes. Estudo recente da FAO indica que a criação de animais é uma das três mais
importantes causa dos maiores problemas ambientais (Steinfeld et al., 2006). Ocupação e
degradação dos solos, perda de biodiversidade, mudanças climáticas, poluição do ar e
escassez e poluição da água são alguns dos maiores problemas em que a criação de animais
está diretamente envolvida33.
Um desafio adicional da pecuária moderna são os grupos de defesa do “bem-estar” e os
grupos que defendem os “direitos” dos animais. Trata-se de grupos extremamente bem
organizados, engajados politicamente, com poder econômico e grande penetração nos meios
de comunicação. As campanhas de defesa dos animais são muito bem feitas, visando
despertar simpatia entre a população, em geral34.
Os primeiros, que defendem o “bem-estar” dos animais são mais moderados. Em princípio,
aceitam a idéia de criação e uso de animais para atender as necessidades humanas. Porém,
eles buscam combater sistemas de criação e de manejo que provocam sofrimentos
“desnecessários”35 às criações. Em geral, as suas causas procuram seguir princípios
científicos e/ou práticas de manejo animal consideradas “humanas”.
28. Esse é o caso dos organoclorados. Altamente tóxicos e largamente utilizados no passado como inseticida, atualmente, o
seu uso é proibido em muitos países em razão dos problemas que ele causa.
29.No Brasil, existe atualmente legislação específica que regulamenta o retorno das embalagens vazias a postos de coleta
localizados em centros urbanos.
30. Esses organismos são chamados, também, de transgênicos.
31. Apesar de, em princípio, esses riscos existirem, alguns transgênicos já foram liberados pelos órgãos responsáveis pelo
seu controle em diversos países. Para garantir a sua segurança, basicamente, é necessário que se estabeleça regulamentação
que verifique os impactos desses organismos antes de sua liberação para produção comercial. Até o momento, não se tem
notícia de problemas causados pelos transgênicos à saúde humana.
32. Por exemplo, através da fertilização de uma planta nativa por pólen advindo de uma planta geneticamente modificada.
33. O estudo estima que a contribuição dos mais de 1,5 bilhão de bovinos para o aquecimento global é maior do que as emissões
de toda a frota de automóveis.
34. Um exemplo muito criativo e ilustrativo pode ser encontrado em: http://www.meatrix.com
35. A definição precisa deste termo é assunto de controvérsias.
147
Capítulo 7
O segundo grupo, que luta pelos “direitos” dos animais é mais radical e até violento. O
Sustentabilidade e principio que rege o movimento é a de que o uso de animais para atender as necessidades
Desenvolvimento
Rural –
humanas é inaceitável. Este grupo é constituído por vegetarianos que combatem a criação
Oportunidades e de animais voltados à produção de carnes e leite para alimentação, couro, etc.
Ameaças
4.2 Oportunidades
36. Existem diversas modalidades de produção orgânica. Algumas são mais radicais e não permitem o uso de nenhum insumo
químico industrial. Outras, permitem determinados produtos menos tóxicos e com menor nível de processamento, enquanto
proíbem os fertilizantes químicos altamente solúveis e os pesticidas em geral.
37. Maiores informações nos sites: http://www.naturalrural.com.br/conteudo/agricultura_organica.pdf e http://www.ibd.com.br
38. Adicionalmente, deve-se mencionar também, que o produto orgânico – muitas vezes – não tem características visuais
“atrativas” para o consumidor acostumado com o produto não-orgânico. Menor tamanho, irregularidades no produto,
desuniformidade, cor, ferimentos e cicatrizes etc., são algumas características encontradas nesses produtos.
39. Outros consumidores justificam a compra desse tipo de produto por causa da suposta preocupação dos produtores
orgânicos com a preservação ambiental. Outros argumentam que o produto orgânico tem melhor qualidade organoléptica.
40. Para maiores informações sobre o fenômeno do aquecimento global e os problemas potenciais sobre o clima, ver: http://
www.ipcc.ch/
148
O Protocolo de Quioto41 é um acordo entre um grande número de países que busca reduzir Capítulo 7
a emissão dos gases de Efeito Estufa. Numa primeira fase, os países do “Anexo I” assumiram Sustentabilidade e
Desenvolvimento
o compromisso de reduzirem, no período entre 2008 e 2012, as suas emissões em 5% abaixo Rural –
das quantidades observadas em 1990. Oportunidades e
Ameaças
Para a agricultura dos países em desenvolvimento, o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo) é uma oportunidade de gerar renda adicional, utilizando os “certificados de seqüestro
de carbono”. Em princípio, todo vegetal em crescimento absorve o gás carbônico – CO2 – da
atmosfera para produzir carboidratos. Assim, o cultivo de plantas pode contribuir para o esforço
de retirar da atmosfera esse gás que é um dos mais importantes para o Efeito Estufa.
Os projetos de MDL podem ser de três tipos:
a) fontes renováveis e alternativos de energia;
b) eficiência e conservação de energia; e,
c) reflorestamento e estabelecimento de novas florestas.
Apesar do recente sucesso do setor agrícola no Brasil, em termos agregados, ele res-
ponde pela geração de menos de 10% do Produto Interno Bruto – PIB, enquanto mais de 20%
da População Economicamente Ativa – PEA do País depende dele para o seu sustento.
Conseqüentemente, em termos médios, a renda per capita do setor agrícola é menos da
metade da média do Brasil. É nesse setor, também, que se concentra um contingente
significativo dos mais pobres.
Isto significa que a agricultura brasileira é caracterizada por uma dualidade. Neste setor,
convivem dois segmentos com características agronômicas, tecnológicas e econômicas
opostas.
Por um lado, podem ser identificados segmentos dinâmicos e modernos que adotam
práticas agronômicas e administrativas avançadas. Esta parte da agricultura está inserida no
mercado, os seus produtores têm grande capacidade de investimento, são capazes de obter
altas produtividades, têm baixos custos e são competitivos tanto no mercado doméstico quanto
internacionalmente.
Neles, os produtores atuam como uma moderna empresa e conseguem obter altos retornos
aos investimentos e gerar rendas consideráveis.
Por outro lado, coexiste neste setor, um grande contingente de pessoas à margem desse
progresso. Na maioria, são pequenos agricultores (com ou sem terras) caracterizados por
uma ou mais das seguintes peculiaridades: baixo nível de educação; baixa qualificação da
mão-de-obra; pequena escala de produção; nível tecnológico relativamente atrasado; baixa
produtividade; produção voltada – principalmente – para a subsistência45; e, incapacidade de
gerar renda significativa na atividade rural.
Este segmento é economicamente desorganizado, não tem poder de barganha no mercado
e, em geral, sobrevive na informalidade. Eles não são capazes de manter uma oferta regular
e a qualidade de seus produtos nem sempre atende o mercado consumidor mais exigente,
que paga preços mais altos. Em razão disso, ficam a mercê de intermediários com maior
poder de mercado, agravando ainda mais a sua precária situação econômica.
Esse contingente significativo de pessoas fica econômica e socialmente marginalizado,
em uma posição de extrema vulnerabilidade e dependência. Como conseqüência,
freqüentemente, são vítimas de exploração econômica e política46.
Neste contexto, a sustentabilidade social está relacionada com esforços47 na direção de
tornar essas pessoas economicamente auto-suficientes, diminuindo a sua vulnerabilidade.
Em última análise, na base desse movimento está a noção de que os agentes econômicos
(consumidores, firmas, organizações etc.) têm responsabilidades perante a sociedade48
(Berman, 1997). E, no processo de tomada de decisão, devem agir levando em consideração
não apenas os interesses imediatos próprios, mas as conseqüências de suas ações sobre a
sociedade como um todo.
Em um mercado de competição pura, esse tipo de preocupação é absolutamente
desnecessário49. Se os mercados fossem competitivos, a Teoria da Mão-invisível de Adam
5.2 Oportunidades
50. Entre outras imperfeições de mercado, destacam-se: oligopólios, oligopsônios, economias de escala e informações imperfeitas
(para maiores detalhes, ver Stiglitz e Walsh, 2003).
51. Por exemplo, deixar de comprar produtos que, sabidamente, são falsificados, não respeitam direitos autorais, prejudicam
o meio-ambiente, sonegam impostos ou que são produzidos com a exploração da mão-de-obra. Neste último caso, exploração
da mão-de-obra pode ser, por exemplo, condições insalubres de trabalho, exploração da mão-de-obra infantil, desrespeito à
legislação trabalhista etc.
52. Neste caso, espera-se que os consumidores e produtores façam ações que contribuam para o aprimoramento do convívio
social, mesmo que isso implique em maiores custos e/ou despesas.
53. Para maiores informações sobre esse movimento, ver, por exemplo: http://www.fairtrade.net/home.html
54. Dados extraídos de: http://www.fairtrade.net/faq_links.html
151
Capítulo 7 Até o presente, o movimento está mais ativo no comércio entre países em desenvolvimento
Sustentabilidade e – que atuam como produtores – e os países desenvolvidos – que compram os produtos
Desenvolvimento
Rural – certificados. Para os consumidores, este tipo de certificação procura garantir o suprimento
Oportunidades e de bens que atendam as expectativas em termos de seus valores pessoais (princípios, ética,
Ameaças
moral etc.) e qualidade dos produtos. Em países ricos, em que grande parcela da população
tem alto poder aquisitivo, os consumidores buscam bens e serviços que embutem qualidades
que extrapolam as características físicas e químicas55.
Esse tipo de comportamento pode abrir oportunidades para muitos agricultores e pequenos
empresários de países em desenvolvimento. Entretanto, é necessário enfatizar que se trata
de um mercado altamente exigente em termos de qualidade, garantia e constância de
suprimento, etc. Além disso, existe todo o custo referente ao processo de certificação que,
em muitos casos, não é desprezível.
6.1 Desafios
55. Tais como: proteção do ambiente na produção do bem ou serviço, não exploração da mão-de-obra na sua produção etc.
152
No mercado internacional, existem desafios econômicos igualmente complicados. Apesar Capítulo 7
do recente dinamismo no comércio de produtos agrícolas, existem diversos problemas ainda Sustentabilidade e
Desenvolvimento
não resolvidos. Os subsídios recebidos pelos produtores dos países desenvolvidos e os Rural –
diferentes tipos de barreiras ao livre comércio são dois dos mais sérios desafios para a Oportunidades e
Ameaças
agricultura brasileira.
6.2 Oportunidades
A população humana continua crescendo a uma taxa muito alta – cerca de 1,0 bilhão de
pessoas adicionais a cada 13 anos – e estima-se que o crescimento continue, pelo menos,
nos próximos 50 anos. Além disso, observa-se um processo de rápido crescimento econômico
em muitos países menos desenvolvidos. A combinação desses dois fenômenos faz com que
haja forte pressão de demanda no mercado mundial de commodities agrícolas56.
Graças à sua grande extensão territorial, o Brasil é hoje um dos poucos países do mundo
com significativa fronteira agrícola ainda inexplorada. Estima-se que o total de terras exploradas
com agricultura seja de aproximadamente 60 milhões de hectares. Além disso, cerca de 220
milhões de hectares estão ocupados com pastagens. Desses, 90 milhões de hectares podem
ser convertidos para a agricultura (Brito, 2006).
Essas áreas estão localizadas, na sua maior parte, na região Centro-Sul do País e possuem
condições de solo e de clima relativamente favoráveis para a agricultura. As chuvas são em
quantidades significativas, durante um verão úmido e quente. O inverno subtropical ameno
não apresenta temperaturas muito baixas. Apesar das chuvas ocorrerem em menor volume
nesta época, em boa parte, é possível desenvolver uma segunda safra na mesma área da
safra de verão57.
Finalmente, as diversas restrições climáticas e de solos foram suplantadas através do
desenvolvimento de dois tipos de tecnologias que se complementam. De um lado, através da
criação de sementes melhoradas e adaptadas às diferentes condições locais. De outro, o
desenvolvimento de sistemas alternativos de manejo (de solo, pragas, doenças etc.) que –
associados ao uso de insumos modernos e máquinas – permitiram ganhos de produtividade,
redução de custos e, conseqüentemente, expansão da produção (Araújo et al., 2003).
O conjunto desses fatores faz com que as perspectivas para o crescimento da agricultura
brasileira seja bastante promissoras.
7. Considerações finais
56. Uma indicação dessa pressão é a recente alta nos preços médios das commodities agrícolas e o dinamismo do comércio
mundial de alimentos e matérias primas de origem na agricultura.
57. Esta tecnologia, chamada de “safrinha”, gera retornos econômicos positivos para os agricultores na medida em que
permite amortizar mais rapidamente, os investimentos em terra, máquinas e equipamentos etc.
153
Capítulo 7
Sustentabilidade e 8. Bibliografia
Desenvolvimento
Rural –
Oportunidades e
ARAÚJO, P.F.C.; SCHUH, G.E.; BARROS, A.L.M.; SHIROTA, R; NICOLELLA, A.C. O crescimento
Ameaças
da agricultura paulista e as instituições de ensino, pesquisa e extensão numa perspectiva
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World Commission on Environment and Development, Our common future. Oxford : Oxford Univer-
sity Press, 320 p., 1987
154
Capítulo 7
Questões de Revisão Sustentabilidade e
Desenvolvimento
Rural –
Oportunidades e
Ameaças
1. Quais são os fenômenos notáveis no processo de evolução da civilização humana?
a. Rápido crescimento populacional
b. Avanço dos conhecimentos
c. Crescimento econômico
d. (a) e (c)
e. (a), (b) e (c)
155
Capítulo 7
Marque V ou F nas questões abaixo
Sustentabilidade e
Desenvolvimento
Rural –
7. ( ) O desenvolvimento econômico observado nos últimos 500 anos gerou muitos
Oportunidades e benefícios para um grande número de pessoas.
Ameaças
8- V 9- V 10- F
1- e) 2- d) 3- e) 4- e) 5- d) 6- e) 7- V (apesar de existir um sério problema de desigualdade na distribuição) Garabito:
156
Pecege
Programa de Educação
Continuada em Economia
e Gestão de Empresas