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UmUmAcidente De
Acidente De Trabalho
Trabalho
Um Acidente De Trabalho
Dono de metade das indústrias que compunham o pequeno pólo químico que
dera origem à cidade – e acionista de todas as outras – Tomaz podia ser
definido por duas palavras: truculento e tacanho.
Seu Totonho, apelido que Seu Antônio ganhara quando entrou na empresa
ainda jovem, agora estava às vésperas de sua aposentadoria. Contornara
todas as dificuldades até ali, nunca se recusara a nenhum trabalho, mas o
que estavam lhe pedindo era suicídio.
- Faltando três meses pra aposentadoria, o senhor não devia perder tempo
com bobagem, né Seu Totonho? – deu um sorrisinho cínico – Daqui a pouco
isso nem é mais problema seu...
- Mãe?
- O Pai tava de um jeito que eu nunca vi, Mãe. Fiquei até assustada. O Pai
tava se ardendo de ódio...
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- Alô!
- Mas diga logo o que foi, excomungado! E é bom que seja um bom motivo,
porque eu não to pra brincadeira a uma hora destas.
- Chefe, é coisa grande! Melhor não falar por telefone. Se o Ministério Público
tiver grampeado a linha, vai ser uma desgraça...
Aquilo parecia sério. Tomaz Carvalhal desligou e foi trocar de roupa. Nem
chamou seu motorista, preferiu ele mesmo guiar até a fábrica. Pra problema
de tanta cautela, quanto menos testemunhas, melhor.
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Sérgio Trigueirinho sabia que, se Tomaz Carvalhal chamava, ele tinha de ser
o primeiro a chegar. Baba ovo de confiança do homem, ele cuidava da roupa
suja do todo-poderoso de Portal do Norte. E o homem adorava confusão.
Portanto, não importava se eram três horas da madrugada da noite mais fria
dos últimos vinte e três anos na região: Sérgio Trigueirinho estava lá,
aguardando o chefe, onde ele o mandara esperar.
Estava se borrando de medo. Desde que o falecido Seu Totonho tinha ido
desta pra melhor ali no galpão de resíduos, Trigueirinho evitava aquele lugar
a todo custo. Agora tinha a infelicidade de estar ali no meio da noite. Foi por
isso ficou tão aliviado quando Tomaz Carvalhal chegou.
- Vamos parar de frescura, Trigueirinho. Por que diabos você me fez vir pra
este lugar maldito às três horas da madrugada?
- Mas Seu Tomaz, foi o senhor quem me ligou pra que eu viesse aqui...
Tomaz Carvalhal não era famoso por seu bom humor e aquela brincadeira
imbecil do borra-botas do Trigueirinho estava lhe tirando do sério. Agarrando
o puxa-saco pelo colarinho, esbravejou:
- Escute aqui, filho de uma égua, você perdeu o amor à vida? Se não era
você no telefone, quem era?
- Me valha, Nosso Se... – mas antes que pudesse falar o santo nome de
Nosso Senhor, o garfo da empilhadeira atravessou sua barriga. O sangue
jorrou em grande volume, tingindo o chão e as prateleiras em volta. Com uma
velocidade fora do comum, o garfo subiu até a altura máxima, levantando
consigo o corpo de Sérgio Trigueirinho.
Olhando à sua volta para tentar encontrar uma saída, Tomaz Carvalhal
percebeu um detalhe que fez seu peito gelar: as prateleiras que o cercavam
estavam cheias de tambores vermelhos; as que o separavam da
empilhadeira, cheia de tambores verdes. As substâncias armazenadas neles
tinham nomes mais compridos que o seu braço e a mistura das duas
resultava em duas coisas ainda mais desagradáveis: primeiro, numa
substância com um nome ainda maior e mais impronunciável; a segunda,
uma explosão de proporções catastróficas.
Estranhamente, não foi atingido pela queda das prateleiras nem dos tambores
nelas armazenados. Mas ficou preso, assistindo impotente enquanto os dois
líquidos escorriam lentamente em direção um ao outro.
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- Não, mãe. Dessa vez, não. Ele tava de longe, me acenando, sorrindo.
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