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Rio de Janeiro
Agosto de 2006
ii
Rio de Janeiro
Agosto de 2006
iii
Aprovada por:
Rio de Janeiro
14 de agosto de 2006
iv
Para Claudio,
Porto onde queimei minhas velas...
vi
Agradecimentos
A Maria Lígia Barbosa, que com doçura e mão firme acreditou, apostou,
incentivou e corrigiu os rumos de cada etapa do trabalho. Mais que orientadora,
tornou-se amiga.
A Claudio Porto, que acompanhou a gênese, leu várias vezes cada página,
escutou e discutiu as dúvidas, criou todos os ambientes favoráveis à reflexão e
impediu que a inibição metodológica me dominasse. Minha gratidão, admiração
e amor são incomensuráveis. Sem sua presença nada disso teria sido possível,
e meu mundo, por certo, seria em tons de cinza.
vii
Resumo
Abstract
Sumário
Introdução ................................................................................................................. 13
Parte 1 – Os fundamentos........................................................................................ 28
Anexos..................................................................................................................... 319
xi
Lista de Figuras
Pág.
1. Razões de médias de rendimentos por escolaridade 69
2. Efeitos da interação O-E-D 81
3. Posse de celulares, computadores e acesso à Internet – Brasil – 1990-2005 144
4. Anúncio de vagas para Trainees (n. 1) 194
5. Anúncio de vagas para Trainees (n. 2) 195
6. Anúncio de vagas para Trainees (n. 3) 215
7. Matriz de exigências nos anúncios 238
Lista de Quadros
Pág.
1. Fontes de recrutamento segundo canais utilizados 91
2. Amostra de anúncios coletados em Jornais 148
3. Amostra de anúncios coletados em ‘sites’ de emprego 155
4. Currículos que apresentam descritores de experiência internacional (banco de 216
currículos Saad Fellipelli)
5. Currículos que apresentam descritores de experiência internacional (banco de 218
currículos Grupo Prime)
6. Correspondência entre atributos relativos ao Mérito - Estreito e Estendido 263
7. Correspondência entre atributos relativos ao Não Mérito 263
Lista de Gráficos
Pág.
1. Anúncios do tipo ‘aberto’ 180
2. Informações sobre a empresa recrutante: setor, porte e nacionalidade 182
3. Informações sobre o posto de trabalho ofertado 188
4. Demanda por características adscritas e posse de bens 200
5. Demanda por experiência 207
6. Demanda por experiência de domínio preciso 210
7. Demanda por formação acadêmica 222
8. Demanda por conhecimentos genéricos de informática 227
9. Demanda por domínio de idiomas 228
10. Quantidade de idiomas demandados 229
11. Demanda por conhecimentos técnicos 234
12. Demanda por formação acadêmica E outras qualificações 235
13. Demanda por competências/capacidades (segundo grandes categorias) 240
14. Demanda por mobilidade e disponibilidade de horário 244
15. Demanda por capacidades de comunicação e relacionais 245
16. Demanda por capacidades empresariais e de gestão 251
17. Demanda por capacidades de gestão – detalhamento 253
18. Demanda por capacidades de desenvolvimento e implicação com o trabalho 257
19. Demanda por capacidades pessoais, comportamentais e sociais 260
20. Densidade das solicitações por atributos de mérito estreito 271
21. Densidade das solicitações por atributos de mérito estendido 272
22. Densidade das solicitações por atributos de mérito geral 273
23. Densidade das solicitações por atributos de não mérito 274
24. Quantidade de atributos demandados por categoria - mérito geral e não mérito 275
25. Grau de exigência dos anúncios 278
26. Demanda por formação acadêmica e outras qualificações segundo o anunciante 289
responsável
27. Demanda por nível de formação acadêmica segundo anunciante responsável 289
28. Distribuição do grau de exigência entre anúncios de intermediários e das 290
empresas
29. Quantidade de atributos demandados de mérito geral e não mérito segundo 291
responsável pelo anúncio
xii
Lista de Tabelas
Pág.
1. Meios utilizados para a contratação de executivos 93
2. Anúncios para presidentes e diretores com filtros para currículos 116
3. Principais fatores considerados na contratação de executivos - 2005 117
4. Pessoas de 10 anos ou mais de idade por grupamentos ocupacionais do trabalho 123
principal
5. Anúncios que apresentam informações sobre porte das empresas 183
6. Anúncios que apresentam informações sobre nacionalidade das empresas 183
7. Anúncios com registros de valorização das empresas 185
8. Quantidade de registros de valorização das empresas apresentados nos anúncios 185
9. Anúncios que apresentam pelo menos 1 elemento de valorização do posto 188
10. Anúncios que apresentam informações sobre remuneração 189
11. Anúncios que apresentam informações sobre benefícios 190
12. Anúncios que apresentam informações sobre a descrição das atividades, 191
atribuições, tarefas
13. Fatores que influenciam negativamente na contratação de executivos 202
14. Anúncios que solicitam pelo menos 1 elemento discriminante (sexo, idade, 203
aparência, posse de bens ou local de residência)
15. Anúncios que solicitam experiência de duração precisa 208
16. Anúncios que solicitam experiência de duração precisa E de domínio preciso 209
17. Anúncios que solicitam experiência de domínio preciso 212
18. Anúncios que solicitam formação acadêmica 220
19. Anúncios que solicitam formação acadêmica por nível de formação 221
20. Anúncios que solicitam formação acadêmica (nível técnico e superior) segundo 223
tipo de referência à formação
21. Anúncios que solicitam formação acadêmica (nível pós-graduação) segundo tipo 223
de referência à formação
22. Anúncios que solicitam qualificação / certificação 225
23. Anúncios que solicitam outras qualificações e certificações 226
24. Anúncios que solicitam domínio de idiomas segundo tipo de idioma e natureza da 230
indicação de proficiência
25. Característica dos graduandos segundo o nível de proficiência em línguas 231
estrangeiras
26. Anúncios que solicitam qualificações e/ou certificados 236
27. Anúncios que solicitam capacidades e competências 241
28. Anúncios que solicitam capacidades empresariais e de gestão 252
29. Anúncios que solicitam capacidades de gestão 256
30. Evolução das demandas por atributos de mérito estreito 265
31. Evolução das demandas por atributos de mérito estendido 266
32. Evolução das demandas por atributos de mérito global 266
33. Evolução das demandas por atributos de não mérito 267
34. Distribuição das categorias de classificação nos anúncios 269
35. Densidade dos anúncios que exigem mérito estreito 270
36. Densidade dos anúncios que exigem mérito estendido 271
37. Densidade dos anúncios que exigem mérito geral 272
38. Densidade dos anúncios que exigem não mérito 274
39. Análise fatorial – dados 1990 280
40. Análise fatorial – dados 2005 282
41. Distribuição da amostra segundo o tipo de recrutador 288
13
Introdução
Gerente da Qualidade
Sobre a empresa:
Nosso cliente é uma empresa multinacional de grande porte, de origem alemã, com filiais em
mais de 20 países. Localizada em Belo Horizonte, atua no Brasil há mais de 15 anos e é
reconhecida como líder em seu segmento. Atualmente encontra-se em fase de expansão de
suas linhas de negócios.
Principais atribuições:
Responder pelas atividades do departamento de controle da qualidade, desenvolver e
implantar normas, procedimentos e sistemas de trabalho, coordenação dos processos de
análise dos defeitos identificados, avaliação de auditoria de fornecedores externos.
É um exemplo ‘típico’ que introduz a questão central que me propus abordar ao longo
desta tese, expressa da seguinte forma:
Dado que o mérito é o único critério moralmente aceito para a distribuição das
posições sociais e para o acesso às recompensas derivadas, seria o caso de
investigar em que medida estaríamos nos aproximando ou nos afastando do ‘ideal
meritocrático’, no qual há uma total simetria entre as habilidades possuídas e a
ocupação obtida; e onde o peso das origens sociais não deveria influenciar os
destinos ocupacionais – o que equivale dizer que todas as pessoas têm iguais
chances de se tornarem ‘desiguais’.
Caso estas demandas não se reduzam, estaríamos nos afastando do ideal de justiça
social proposto na meritocracia, com conseqüências na manutenção das restrições em
torno das possibilidades de mobilidade social.
Ocorre que para identificar se estaria ou não havendo uma adequada equiparação
entre as ocupações obtidas e as habilidades possuídas faz-se necessário o
estabelecimento de algum critério capaz de mensurar estas variáveis, colocando-as
em relação. Tradicionalmente, as pesquisas sociológicas e econômicas voltadas à
analise da evolução da mobilidade e/ou do avanço das práticas meritocráticas
atribuem às ‘credenciais escolares’ esse papel; ou seja, nelas o nível educacional
atingido passou a ser a variável de mediação entre as classes de origem e destino,
sendo uma proxi para o mérito.
Porém, como Goldthorpe bem nos lembra, não há uma relação necessária entre a
distribuição das posições na hierarquia social e os diplomas escolares. Estes somente
terão valor se os empregadores os considerarem nas suas decisões (quando tratam
de contratar, promover ou demitir os trabalhadores), nem que seja como um ‘sinal’ que
indica que outras características buscadas podem estar presentes, ou ainda como
princípio de organização da ‘fila’, permitindo baixar os custos com treinamento. Nesse
sentido, a meritocracia baseada na educação seria muito mais um mito do que uma
faceta da realidade. (GOLDTHORPE: 1991; JACKSON E GOLDTHORPE: 2001;
NICHOLAS: 1999)
Mas como foi se construindo esta afinidade eletiva entre mérito e credenciais
escolares? A partir de qual encadeamento lógico esta idéia foi tomando força? E quais
são suas limitações?
Segundo esse princípio seriamos uma ‘sociedade aberta aos talentos’, onde a
meritocracia - compreendida como “um conjunto de valores que postula que a posição
dos indivíduos na sociedade deveria ser conseqüência do mérito de cada um” - opera
como uma ideologia globalizada, parodiando Lívia Barbosa. As desigualdades
decorrentes seriam portanto mais justas e moralmente justificáveis uma vez que não
16
Portanto, para saber se estamos nos aproximando ou afastando deste ideal, seria
preciso criar algum tipo de medida que nos permitisse fazer qualquer tipo de afirmação
a esse respeito. E é neste ponto que surgem as divergências. Em que consiste o
mérito? O que caracteriza um desempenho superior? Será que todos os atores
sociais têm a mesma compreensão acerca dos seus significados?
Ocorre que quanto mais o diploma se torna um bem mais acessível, menos ele atua
como diferenciador, e seu poder de ‘sinalização’ reduz-se, aumentado a incerteza no
julgamento que o empregador possa vir a fazer sobre os futuros empregados, o que os
incita a lançar mão de outros recursos que possam fazer a vez de ‘sinais’.
Dessa forma, quando se tem um cenário que apresenta uma constante ampliação no
número de egressos do sistema escolar, acrescido pela constante diversificação e
diferenciação dos títulos, um dos resultados possíveis é o comprometimento da
‘qualidade’ que outrora se ‘sabia’ estar assegurada por determinado patamar de
educação. Assim, o diploma, que pode ter sido, em épocas pretéritas, a ‘cláusula de
barreira’ mais relevante para determinadas ocupações, ao ser atravessado por
imprecisões, estimula os empregadores a tornar explícitas, em seus processos
seletivos, as referências a capacidades que até então poderiam ser inferidas pela
composição da trajetória escolar.
Tal constatação, no entanto, não impede que nos questionemos sobre a força das
credenciais escolares na obtenção das posições sociais mais elevadas, especialmente
quando acompanhadas por outros atributos ou capacidades que até então restavam
menos visíveis.
A primeira devido ao fato de que, em tese, no campo das hierarquias profissionais eles
ocupam uma posição elevada - ainda que possam se situar, em determinados
contextos ou em relação ao status, abaixo dos profissionais liberais; porém encontram-
se acima dos trabalhadores manuais.
Acresce ainda que vários são os estudos que afirmam que os gerentes se constituem
como uma das categorias que mais têm sofrido os efeitos das transformações
econômicas e organizacionais recentes (Falcoz: 2003; Huet: 2001, Melo: 1999), com
conseqüências tanto na sua representação simbólica e identitária quanto nas suas
possibilidades de carreira, de atribuição de status e recompensas.
Boltanski e Chiapello (1999) chegam a afirmar que eles são os principais portadores
(receptores, divulgadores e, acrescentamos, também produtores) da nova ideologia
(‘espírito do capitalismo’) que visa dar um sentido ao conjunto de mudanças recentes
na esfera econômica e às suas repercussões nas demais instâncias da vida social. A
literatura produzida por e para este grupo, também conhecida sob a alcunha de ‘neo-
managerismo’, é fértil em apresentar os diagnósticos parciais dos principais problemas
20
Isso posto, além das questões anteriormente apresentadas focadas na captura dos
atributos que permitem colocar em evidência os avanços e retrocessos em relação ao
mérito propriamente dito (e ao não mérito), emergiu um terceiro grupo de
interrogações que também foi considerado na pesquisa. Dado que, nos últimos 15
anos, de um lado o Brasil tanto consolidou seu processo de abertura econômica
quanto intensificou as transformações organizacionais no setor produtivo, e de outro
lado promoveu a segunda grande onda de expansão das matrículas no ensino
superior (e a diferenciação no sistema1), seria o caso de investigar:
(3) Em que medida esses elementos podem ter repercutido no desenho dos
perfis dos executivos e gerentes buscados, alterando a relação entre a ‘via
lenta’ (experiência) e a ‘via rápida’ (formação escolar)? Além disso, será
que as exigências em relação às capacidades e competências, estariam
aumentando, diminuindo ou sendo explicitadas a partir de novos formatos,
mais afeitos ao léxico que permeia o discurso do ‘neo managerismo’?
1
Tomando apenas o período entre 1994-2003, as matrículas no ensino superior brasileiro mais que
dobraram, passando de 1,6 milhões para quase 3,5 milhões (MEC-Edudata Brasil). Parte deste
incremento se deveu às pressões dos níveis anteriores: no ensino médio as matriculas cresceram de 4,5
milhões para 9 milhões no mesmo período. Silva (2003) afirma que a expansão do sistema educacional,
associada à melhoria da situação social das famílias, tem contribuído para uma “redução generalizada
das desigualdades educacionais brutas”, seja entre regiões, grupos de cor, gêneros ou estratos de renda.
(p. 109). Entretanto, quando se trata do ensino superior, este diagnóstico não se confirma da mesma
forma. Em que pese a sua maciça expansão, as desigualdades de acesso permanecem expressivas.
Segundo Schwartzman (apud GÓIS, 2002), no período entre 1992 e 1999, neste nível de ensino, a
presença de estudantes que pertencem ao estrato dos 10% mais ricos da população subiu de 45,6% para
48%, em contraposição à presença dos 50% mais pobres, que decresceu de 8,5% para 6,9%. Por outro
lado, o sistema de ensino superior brasileiro vem apresentando um quadro de diversificação crescente.
Os cursos seqüenciais, que no inicio do ano 2000 contavam apenas com 13.430 matrículas, após 3 anos
somavam mais de 50 mil alunos – um crescimento da ordem de 260%. Nos cursos de graduação a
distância o incremento é ainda mais forte: em 2000 apenas 1.682 alunos estavam cadastrados nesta
modalidade; porém em 2003 as matrículas somavam mais de 49 mil. As estatísticas referentes à pós-
graduação lato sensu, que até o momento de conclusão desta tese ainda não estavam disponíveis,
impedem de dar uma idéia precisa do seu incremento, no entanto, basta uma rápida olhada nos jornais,
revistas e outdoors que povoam as grandes capitais para se estimar o volume de seu crescimento. A pós
stricto sensu, por seu turno, não foge à regra, mostrando um dinamismo capturado pelo seu crescimento
também relevante, embora em menor proporção que as modalidades anteriores. As matrículas nos
cursos de mestrado cresceram 45% e no doutorado 113% no período de 1994-2003. (PORTO &
RÉGNIER: 2002)
21
impressa). Por outro lado, informações sobre salário ou outros benefícios (que são
cada vez menos presentes) ou a descrição das atividades a serem desenvolvidas (que
inversamente se mostram muito mais detalhadas) quando aparecem nos anúncios
para os postos de gerentes e executivos são muito mais produto de convenções
sociais que regulam as buscas de emprego entre os indivíduos deste grupo.
Além disso, resta evidente que hoje em dia os anúncios são cada vez menos um
simples “precisa-se de” seguido por “dirija-se a”. Para muitas empresas eles passaram
a fazer parte de sua estratégia de marketing, de ‘venda’ do posto e da relação de
trabalho, com a presença marcante de um discurso de desafio e de instigação que
apresenta a vaga não como um ‘emprego’, mas sim como uma oportunidade de
desenvolvimento pessoal para aqueles que lograrem passar nas provas de seleção.
Acresce ainda que a análise dos classificados de emprego também possibilita colocar
em destaque a presença dos intermediários do mercado de trabalho: agências de
comunicação, head-hunters, empresas de recrutamento e seleção, consultores, são
exemplos dos atores que, com o avanço da racionalização do processo de busca, vão
se colocando entre as vagas e os candidatos, incidindo na formatação dos perfis
ótimos destes últimos e, consequentemente, na suas chances de obtenção das vagas.
A ação dos ‘intermediários’ pode ser percebida não apenas pela complexificação da
definição da ‘qualidade’ do candidato ideal, mas também, e sobretudo, pelo recurso a
termos e expressões mais ‘modernas’ para descrever as empresas, as vagas e os
perfis. Além disso, é uma ação que embute um modo certo de busca, que define o
‘como’ se busca, ‘onde’ se busca, ‘o quê’ e ‘quem’ se busca. E sendo o próprio campo
23
Esta constatação acabou dando origem ao último bloco de questões a ser tratado na
pesquisa, a saber:
A estrutura da tese
dos postos, ainda que não elimine o peso da experiência. Apresentam-se ainda as
mutações nas relações de trabalho dos gerentes e executivos e suas conseqüências
sobre a identidade, status e perspectiva de carreira. Aspectos como ‘banalização’ da
categoria, perda de suas referências hierárquicas ‘enquadrantes’, fragmentação e
diversificação, inflação nominal, distanciamento da empresa e dos grandes centros de
decisão, ênfase na ‘empregabilidade’ e valorização do ‘nomadismo’ são abordados
como indicativos do novo cenário que abarca estes profissionais. Finalmente comenta-
se sobre as explicações e justificativas que são difundidas no âmbito do discurso no
‘neo managerismo’.
Na quarta parte retoma-se à macro questão que orientou a pesquisa, qual seja,
verificar se, com o passar do tempo, os anúncios de emprego para gerentes e
executivos no Brasil estão se tornando mais meritocráticos. É feito um grande
‘apanhado’ dos tópicos anteriores e uma consolidação das conclusões a partir do uso
de indicadores (densidade e grau de exigência) desenhados com esta finalidade,
seguidos por uma analise fatorial comparando o peso e a formação dos fatores nos
dois períodos (ano de 1990 e 2005).
Espero com este estudo ter contribuído para fazer avançar o conhecimento sociológico
das fronteiras, plásticas e mutáveis, da aplicação do conceito de mérito nos processos
de seleção para as posições de gerentes e executivos no Brasil. A limitação do seu
uso como elemento explicativo para a mobilidade social deve-se não apenas ao fato
de que os empregadores consideram outras variáveis para além das credenciais
escolares como proxi do ‘talento + esforço’, mas sobretudo porque, mesmo mantendo-
se dentro desta equação, o patamar educacional e de ‘habilidades’ exigido é cada vez
mais elevado e diferenciado.
Acredito ainda que o recurso a este material como fonte de pesquisa sociológica
permite que se faça, no nível micro, uma leitura interpretativa das grandes
transformações que se colocam nos níveis meso e macro da estrutura social.
.
28
Parte 1 – Os fundamentos
29
É o caso, por exemplo, do atual debate em torno da política de cotas para o acesso ao
ensino superior, que inflama tanto os defensores quanto seus críticos. Aqui, os
princípios meritocráticos associados à recompensa pelo desempenho e esforço
(medidas idealmente universais para o ingresso e permanência no sistema escolar)
são atravessados pela dimensão relativa à mitigação das desigualdades, resultando
na criação de dispositivos que permitam a integração de uma população que
historicamente esteve alijada deste nível de educação devido à sua situação de
desvantagem originada pela posição de classe social e/ou de etnia.
2
O autor ressalta ainda que existem duas percepções ou visões do mérito que concorrem entre si. Uma
representada pelo posicionamento funcionalista, prioriza a ‘visão de incentivo do mérito’. Porém uma outra
percepção vê o mérito como uma ‘propriedade da ação’.
31
eficiência e ao bom uso dos recursos existentes. O critério de justiça seria assim
resultante de um projeto político de configuração societal.
Porém, fato é que se hoje entendemos a meritocracia quase que exclusivamente como
associada a uma sociedade de talento, de intelecto, e legitimada por diplomas
escolares, isso decorre de uma configuração histórica específica das sociedades
modernas na qual o status, renda e direitos estariam mais afinados com as
identidades profissionais, as quais são garantidas pelas credenciais educativas.
Assim, a formação escolar representaria um dos principais alicerces para a
distribuição das posições sociais.
“Hoje, os diplomas são o que o teste dos ancestrais foi no passado – um pré-
requisito para a igualdade de nascimentos, uma qualificação para um canoninato
e para o cargo estatal.” (WEBER: 1982, p. 168)
32
3
Weber ainda acrescenta que o desenvolvimento dos diplomas levaria à formação de uma camada
privilegiada nos escritórios e repartições, e que os certificados dariam apoio às pretensões de seus
portadores de obtenção de vantagens nas mais diversas dimensões da vida social: de intermatrimônios
com famílias notáveis, de serem admitidos em círculos que seguem a ‘códigos de honra’, de remuneração
respeitável ao invés de remuneração pelo trabalho realizado, de progresso garantido e pensões na
velhice, e acima de tudo de monopolizar cargos economicamente vantajosos. (1982, p. 168)
33
elevados salários e elevado status social (como no caso dos médicos e diversas
especializações das engenharias). Segundo esta autora, estaríamos assistindo a uma
‘refeudalização’ do mercado de trabalho, já identificada por Kern & Schumman em
1984, com o retorno de práticas não meritocráticas nos processos de seleção e
promoção da força de trabalho. Capacidades e competências cuja aquisição por
excelência seria atribuída à origem de classe ou ao meio familiar, tais como o ‘bom’
domínio dos códigos de comunicação verbal, ‘boa apresentação’ e outras, estariam
concorrendo com os conteúdos técnicos capazes de serem apreendidos nas
instituições escolares, e muitas vezes até mesmo sobrepujando estes últimos.
Assim, mesmo em um contexto de expansão do acesso ao ensino (ou até por isso), o
que se observa é a geração de novas formas de hierarquização e de exclusão, que
afeta os indivíduos de diferentes maneiras a partir de referenciais que não se prendem
apenas às qualificações, mas que também incluem dimensões de gênero e
geracionais4.
4
Para Castel (1995), as transformações nas relações de trabalho afetam especialmente os indivíduos que
se situam nos dois extremos da pirâmide etária: exclui os mais novos por não terem ainda a experiência
desejada para o bom desempenho nos cargos, e os mais velhos por tê-las em excesso.
5
Em minha dissertação de mestrado abordei o sentido da transformação do conceito de qualificação para
o de competências e suas conseqüências para os trabalhadores. Ver: Régnier, Karla. “Qualificações e
Competências – um estudo de caso no setor serviços” Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de pós-graduação em sociologia e antropologia do IFCS – UFRJ. 1998.
6
Para uma discussão mais ampla sobre as teorias de estratificação ver, entre outros: Velho, Otávio
Guilherme et alli. Estrutura de Classes e Estratificação Social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974.
Tumin, M. Estratificação social – as formas e funções da desigualdade. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1970
34
empréstimo as palavras de Lahire (2003: p. 983), restaria argüir sobre quais foram as
condições históricas nas quais as diferenças de percursos escolares começaram a ser
interpretadas em termos de desigualdades.
7
Rousseau apontava para dois tipos de desigualdades: uma ‘natural ou física’ que consiste na “diferença
das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma”. Esta seria uma
desigualdade sobre a qual o homem não poderia atuar e portanto estaria livre de julgamento moral e que
se contrapõe a outro tipo de desigualdade, caracteriza por ser de natureza ‘moral ou política’:
“estabelecida ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes
privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais
poderosos do que os outros”. Esta última, produto da ação humana, é por ele interpretada como injusta.
(ROUSSEAU; s.d.; p. 27)
35
Foi Durkheim quem primeiro apontou para o papel da educação tendo em vista a
manutenção da ordem social e a diferenciação funcional dos indivíduos. Em sua
conhecida definição da educação, ele ressalta seu papel na promoção da adequação
entre as disposições (estados) que deveriam ser desenvolvidos na criança e os meios
aos quais ela se destinará8. No entanto, ele não se ocupa em analisar as relações que
se estabelecem entre a educação e os processos de estratificação social e nem com
as disputas que se travam em torno dos seus determinantes (DIAS DA SILVA; 2002).
8
Durkheim define a educação como sendo “a ação exercida pelas gerações adultas, sobre as gerações
que não se encontram ainda preparadas para a vida social. Têm por objeto suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no
seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine.” (DURKHEIM: 1955, p.
32). Por certo ele foi um dos sociólogos que mais se dedicou à análise da educação, e ao longo de sua
obra ressalta a função educativa tendo em vista a manutenção da ordem social, na medida em que ela
contribui decisivamente para a interiorização dos valores hegemônicos em cada momento histórico.
Afirma que nas sociedades contemporâneas, a educação teria três funções complementares: inculcar a
disciplina, desenvolver o senso de pertencimento ao grupo social e promover a autonomia, embora esta
última, entendida como o desenvolvimento de habilidades e potencialidades de cada indivíduo, seja a
menos reconhecida por seus críticos, que tendem a se concentrar mais nos aspectos relativos à
adequação funcional da educação às ‘necessidades da sociedade’. (DIAS DA SILVA: 2002)
36
“(...) o foco da nova fase é a revolução educacional, que num certo sentido
sintetiza os temas das revoluções industrial e democrática: igualdade de
oportunidades e igualdade de cidadania. A ‘habilidade nativa’ do indivíduo de
atingir uma posição justa diretamente por intermédio da competição no mercado
não é mais a questão. Em vez disso, a estratificação por habilidade é
reconhecida como mediada por uma série complexa de estágios no processo de
socialização.” (PARSONS: 1971, apud DOMINGUES: 2001, pág. 89).
9
De certa forma, a revolução educacional ao mesmo tempo em que ampliou o acesso ao sistema escolar,
criou as bases de constituição das desigualdades no acesso à mesma. O desenvolvimento da crença
coletiva na possibilidade de acesso ao sistema educativo tornou a escola um ‘bem’ desejável’ e injusta a
situação de não acesso. Nas palavras de Lahire, “terá sido preciso que uma população inteira seja
escolarizada e submetida à obrigação escolar para que, num contexto econômico em que o acesso às
posições profissionais mais privilegiadas dependia cada vez mais da obtenção de um diploma elevado, as
diferenças de percursos escolares sejam coletivamente interpretadas em termos de desigualdades
escolares.” (LAHIRE: 2003. p. 992)
37
Por sua ênfase no sistema de recompensas receberam várias críticas, entre elas a
exposta por Cherkaoui (1995) que pondera que Davis e Moore, ao centralizarem a
estratificação nesta dimensão, negligenciaram o fato de que a hierarquização das
posições e a definição das competências e talentos necessários para ocupá-las,
embora a princípio pareça ser um processo ‘neutro’, quando envolve juízos de valor
permite a edificação de desigualdades; e que portanto a estratificação, em sua face de
geração de desigualdade, localiza-se anteriormente ao sistema de recompensas – ou
seja, nos planos da diferenciação, hierarquização e avaliação:
10
Cabe assinalar que estes princípios não são absolutos, ou seja, dependendo da evolução da divisão do
trabalho, do estágio de desenvolvimento cultural, da relação de uma sociedade diante das demais
(situação de paz ou de guerra por exemplo) e do tamanho da sociedade (soma dos seus membros), a
definição de importância associada às posições (e conseqüentemente sua hierarquização) poderá sofrer
alterações profundas (configurando sistemas de estratificação diferenciados em relação a cada um destes
aspectos).
11
Posições facilmente preenchidas não precisam ser muito recompensadas – o que nos faz pensar na
desvalorização dos diplomas pela democratização do ensino superior.
38
logicamente qualquer juízo de valor: podemos considerar uma função mais difícil
do que outra, um indivíduo fisicamente mais dotado ou psicologicamente mais
sutil do que um outro sem que por isso fiquemos autorizados a afirmar que é
melhor. A hierarquização é um processo neutro. Mas a partir do momento em
que se admita ou se estabeleça a existência de uma escala de valores relativos
às posições, pende-se para a desigualdade. Parece, portanto, difícil apoiar
inteiramente Davis e Moore quando afirmam que a estratificação é gerada pela
gratificação.” (CHERKAOUI: 1995, p. 113)
12
Na língua inglesa são utilizados dois termos para expressar os atributos ou competências que seriam
‘herdados’ – ascription – e que se diferenciam dos que podem ser adquiridos – achievement – com base
no esforço de cada indivíduo. Estas palavras não encontram correspondência direta em termos
conceituais na língua portuguesa, sendo necessária a sua adaptação. No nosso caso estamos utilizando
adscrição e aquisição, respectivamente, como tradutores, embora imprecisos, de tais conceitos. Estes
dois conceitos são amplamente difundidos na literatura sociológica, especialmente por meio da
contribuição a Parsons, entre outros. Em sua acepção mais ampla, ascription e termos derivados
representa “um processo de alocação de status onde a posição social do indivíduo é basicamente
herdada a partir de suas características familiares e/ou individuais, tais como status socioeconômico dos
pais, nível educacional dos pais, raça, gênero, estrutura familiar, local de nascimento, etc.” Já
achievement e termos derivados representa o “processo de alocação de status no qual a posição social
do indivíduo é basicamente construída a partir de suas características adquiridas ao longo da vida, como
a educação, primeiro emprego, etc.” (FERNANDES: 2004, p. 5)
39
Indo além, assume-se que é por meio da provisão do acesso amplo da população aos
níveis mais elevados da escolaridade que se poderia obter a redução das
desigualdades sociais:
Dessa forma, já na década de 1960, estava sendo criada uma afinidade eletiva que
justificava as políticas que associavam os investimentos na expansão dos sistemas
educativos com os ideais de igualdade e de incremento da mobilidade; afinidade esta
que, a despeito das inúmeras críticas que enfrentou desde então, ressurge renovada
no final do século XX.
41
Para a ciência econômica, a educação não era um tema novo. De fato, desde os seus
fundadores já se encontravam referências ao papel das credenciais escolares tanto na
composição das estratificações sociais quanto na promoção da eficiência do trabalho e
do capital. Adam Smith, em seu clássico livro ‘A Riqueza das Nações’, afirmava que o
homem bem educado poderia ser comparado a uma máquina cara e, assim como
essa, ele deveria poder recuperar o capital investido na sua formação. Esta
recuperação dos investimentos seria realizada a partir da aferição de melhores
salários. No entanto a estratificação seria resultante de mecanismos de mercado (das
leis de oferta e procura). Os salários (e status correspondente) seriam variáveis
dependentes da oferta e da demanda por determinadas ocupações. O “valor” da
oferta, por seu turno, estaria associado à dificuldade ou ao tempo de aprendizagem
das tarefas correspondentes a cada função.13
13
Para Smith, um outro elemento relevante diz respeito à natureza das tarefas que se tem por cumprir, o
que estabelece uma diferenciação / hierarquização entre profissões com igual tempo de aprendizagem.
Atividades equivalentes em termos de tempo de aprendizagem são hierarquizadas de forma desigual
segundo a natureza (valoração social) das tarefas. Assim, as remunerações simbólicas e materiais
resultam tanto das leis de mercado quanto da valoração social diferenciada das atividades envolvidas em
cada profissão. Lixeiros e carteiros, ou sociólogos e administradores, podem ter o mesmo tempo de
aprendizagem, mas seu prestígio será diferenciado. Ele ainda aponta para as “imperfeições” no
funcionamento do mercado de trabalho que se refletem na distribuição da renda, como a existência dos
monopólios profissionais, a maior ou menor presença dos sindicatos, etc. (BOUDON & BOURRICAUD:
2002 - Estratificação Social). Referências à educação também são encontradas nas obras de outros
autores clássicos da teoria econômica, tais como John Stuart Mill e Alfred Marshall. Para Stuart Mill, um
teórico de referência do liberalismo inglês, a educação, além de poder ajudar na transformação dos
hábitos de vida da população, também possibilitaria o incremento da eficiência econômica, embora não
deixasse muito claro a forma com que isso se dava: “uma coisa ainda não bem compreendida e
reconhecida é o valor econômico da difusão geral da cultura e da instrução entre a população.” (MILL:
42
1983; apud WALTENBERG: 2002, p. 20) Já Marshall, outro economista inglês sucedâneo de Mill,
identificava a educação como uma das fontes de crescimento econômico e considerava os investimentos
em educação como extremamente relevantes na perspectiva macroeconômica: “o mais valioso de todos
os capitais é o que se investe em seres humanos.” (MARSHALL, 1982; apud WALTENBERG: 2002, p. 22)
Paralelamente à identificação da correlação entre educação e crescimento econômico, Marshall também
percebia as dificuldades que os pais de famílias pobres enfrentavam para educar seus filhos e por isso
defendia o financiamento da educação por parte do estado, o que minimizaria o “desperdício de talentos.”
(WALTENBERG: 2002, p. 20)
14
Apesar dos três autores mencionados terem se referido ao conhecimento como sendo definido
essencialmente pela escolaridade, não se abstiveram em reconhecer que a escola não é a única fonte de
geração e transmissão de conhecimento. Várias outras instituições fazem parte desse processo. Se de
um lado se tem o conhecimento formal, monopolizado pelas escolas, de outro se tem o conhecimento
informal, adquirido nas relações familiares, experiência de trabalho, etc.
43
Este arcabouço foi sendo elaborado aos poucos. Em um primeiro momento, Mincer,
em 1958, se propôs a analisar a desigualdade de renda pessoal, redirecionando a
“análise econômica para a função de produção por meio de um modelo no qual
diferenciais de ganhos intra-ocupacionais seriam explicados com base no investimento
em capital humano”. (MORETTO: 2002, p. 29). Posteriormente, visando medir o
impacto da educação nos retornos em termos de remuneração, ele formula uma
equação (human capital earnings function, elaborada na década de 1970 e que veio a
ser conhecida pelo seu nome) em que sustenta a hipótese de que os anos de
escolaridade têm uma influência linear sobre o salário; ou seja, quanto mais tempo de
escolaridade uma pessoa possui, maior será o seu rendimento salarial. E além disso,
cada ano subseqüente de escolaridade possui o mesmo impacto na formação da
renda. Já a experiência profissional teria um padrão quadrático (e não linear) na
formação dos rendimentos - o que significa que o salário do trabalhador sobe na
medida em que aumenta a sua experiência (e a sua idade) até certo ponto, a partir do
qual entra em trajetória descendente (IOSCHPE: 2004, p. 40).
15
Que inclusive lhes renderam prêmio Nobel: em 1992 para Becker e 1979 para Schultz.
16
Em 1961 W. Schultz publica “Investment in Human Capital”. Neste artigo ele introduz sua teoria do
Capital Humano onde argumenta que tanto conhecimento quanto habilidades são formas de capital, e que
a sua aquisição é resultado de um ‘investimento deliberado’ dos indivíduos.
44
Vários são os fatores enumerados por Schultz que contribuem para a melhoria do
capital humano, sendo a educação formal um deles (outros fatores são: o treinamento
no emprego, os recursos destinados à saúde, etc.). Mas fazendo uso de sua
racionalidade, os agentes investem conscientemente em educação buscando uma
determinada taxa de retorno. Nos casos em que se observam disfunções neste
investimento, as justificativas podem ser buscadas na ausência de informações
(informação imperfeita) e que deveriam ser corrigidas pelo Estado.
17
O conceito de capital humano para Schultz, e que o diferencia dos demais capitais, é descrito da
seguinte forma: “A característica distintiva do capital humano é a de que ele é parte do homem. É humano
porquanto se acha configurado no homem, e é ‘capital’ porque é uma fonte de satisfações futuras, ou de
futuros rendimentos, ou ambas as coisas. Onde os homens sejam pessoas livres, o capital humano não é
um ato negociável, no sentido de que possa ser vendido. Pode, sem dúvida, ser adquirido, não como
elemento de ativo, que se adquire no mercado, mas por intermédio de um investimento próprio no
indivíduo. Segue-se que nenhuma pessoa humana pode separar-se a si mesma do capital humano que
possui.” (SCHULTZ: 1973, p. 53)
18
As expectativas de retorno propostas por Becker foram utilizadas para explicar diversos tipos de
comportamento econômico, sendo os investimentos em capital humano um deles. Os outros foram: o
comportamento da família no tocante à alocação do tempo no trabalho doméstico ou no mercado, o crime
e a punição, a discriminação nos mercados de trabalho e de bens e serviços (MORETTO: 2002, p. 32). A
visão do indivíduo racional em uso de suas plenas capacidades cognitivas e de liberdade deu origem ao
que Ioschpe (2004) entende como sendo a extensão do modelo explicativo de Becker para dar conta
tanto das diferenças de investimento educacional entre gerações (os jovens investem mais em educação
porque o retorno deste investimento é maior quanto mais longo for o período de ‘aplicação’. Assim, como
os jovens tem toda uma vida pela frente, as possibilidades de obterem retornos mais elevados e
consistentes são maiores do que as que são apresentadas aos mais idosos) quanto dos movimentos
migratórios, da distribuição das ocupações entre gêneros e das alocações profissionais das minorias
45
étnicas: “pelo mesmo raciocínio também podemos entender um pouco melhor os movimentos migratórios:
é mais fácil perceber que jovens são mais propensos a mudar do que velhos não apenas por fatores
relacionados à disposição física e tolerância ao risco de um ou outro, mas sim pelo fato de que a maioria
dos migrantes se dirige a zonas onde os salários são mais altos que em suas zonas de origem, e o jovem
terá mais tempo para colher os resultados do que um velho – e portanto maiores retornos. Também fica
mais fácil compreender por que, até a emancipação feminina, as mulheres preferiam uma educação que
lhes ensinasse atividades como cozinha, costura, etc.: como as portas do mercado de trabalho lhes
estavam fechadas, só fazia sentido investir na aquisição de competências úteis ao ‘mercado’ em que elas
trabalhariam, no caso o lar. Da mesma forma, minorias étnicas discriminadas no mercado de trabalho
tenderão a investir menos do que a média em competências para mercados em que serão discriminadas
e mais naqueles em que possam obter retorno igual ou maior do que a média da população”. (IOSCHPE:
2004, p. 35 e 36)
46
No Brasil, a TCH foi introduzida nos anos 1960/70 por meio, principalmente, dos
trabalhos de Carlos Langoni, Claudio de Moura Castro e Mario Henrique Simonsen19.
Cabe ressaltar que esta visão, amplamente disseminada ao longo deste período, e
que retorna sob várias roupagens nos anos 1990 (inclusive com o patrocínio de
agencias internacionais como BID e Banco Mundial para a elaboração de estudos
empíricos voltados à estimação dos retornos em educação – tanto individuais quanto
coletivos (PAIVA: 1998, p.10)), tem apresentado vários desdobramentos no que se
refere à formulação de políticas públicas que visam a distribuição de renda e a
redução das desigualdades econômicas.
Nos dias atuais, o valor da educação apontado pela teoria do capital humano encontra
forte aderência ideológica com a perspectiva funcionalista de incremento da demanda
por profissionais mais escolarizados devido aos requerimentos funcionais da
sociedade (ou tecnofuncionalismo, conforme apontado no tópico anterior). Esta
abordagem é revitalizada sob a égide da ‘sociedade do conhecimento’ e pelas
propostas de valorização dos recursos humanos (ou ‘talentos humanos’ presentes nas
teorias de gestão). A contribuição da força de trabalho, que no âmbito do paradigma
19
Destacando: (a) de Carlos Langoni: As causas do crescimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro,
Apec, 1974.; (b) de Claudio de Moura Castro: Investimento em educação no Brasil: um estudo sócio-
econômico de duas comunidades industriais. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973 e Educação e Renda:
quando tudo o mais não permanece constante. Estudos Econômicos. São Paulo: IPE/USP, v. 4 n. 1,
1974; e (c) de Mario Henrique Simonsen: Brasil 2002. Rio de Janeiro; Apec, 1969.
20
A concepção por trás de ativo não transferível refere-se ao fato de que o capital humano acumulado
pelos indivíduos não pode ser separado – vendido, ou cedido – da sua própria pessoa, conforme
definição de Schultz apresentada em nota anterior (de número 17).
47
21
Saviani (1984) afirma que a primeira leva de trabalhos foi inspirada na tendência crítico-reprodutivista
que emergia à época. Estes buscavam evidenciar que a subordinação da educação ao desenvolvimento
econômico representaria tornar a educação funcional ao próprio sistema capitalista. Ao colocar a
educação a serviço dos interesses das classes dominantes, “o processo educativo concorria para o
incremento da produção da mais-valia, reforçando, em conseqüência, as relações de exploração”
(SAVIANI: 1984, p. 3). Já a segunda leva de estudos, iniciada nos anos 1980, visava superar os limites da
visão reprodutivista que havia informado os trabalhos anteriores.
48
“A teoria subentende que se o individuo não obtêm sucesso é por sua culpa (i.e.
ele é muito preguiçoso, não é suficientemente inteligente, etc.), por oposição a
um ‘bias’ do sistema. Isto é um tremendo desvio porque para muitos sua
inabilidade para encontrar trabalho se deve a fatores que estão fora de seu
controle (i.e., status sócio-econômico, etnia, gênero, etc.), e não
necessariamente por sua má-vontade ou inabilidade.” (KAGAN: 2000 – tradução
própria)
Para além da crítica de fundo contra o caráter ideológico da teoria, também foram
formuladas diversas ressalvas aos aspectos metodológicos, aos axiomas e às
conclusões derivadas, bem como às suas possibilidades de generalização.
educacionais mais elevados do que a população masculina. Como isso não ocorre, a
perspectiva de paralelismo entre nível de educação e nível de ingressos no mercado
de trabalho é falha porque, em ultima instância, o que pesa nessa relação é a classe
social, a etnia e o gênero. Dessa forma, prover igualdade de formação não significa
caminhar rumo à igualdade de chances de ingresso e manutenção no mercado.
Blaug (1992), por sua vez, aponta que a TCH, quando submetida ao teste empírico,
apresenta um conjunto de ‘deficiências’, com destaque especial para: (a) o fato de
que nos estudos empíricos a determinação da renda é muito mais associada à
escolaridade e à experiência de trabalho e menos às habilidades inatas e ao ambiente
familiar - há uma ambigüidade nos resultados no que se refere à medição destes
fatores; e (b) em relação aos cálculos das taxas de retorno privados da educação
(equação de Mincer), os resultados empíricos apresentam contradições: alguns
estudos concluíram que mesmo quando as taxas de retorno privadas eram negativas,
ainda assim as pessoas continuavam demandando educação daquele determinado
tipo. (WALTENBERG: 2002, p. 27)
Para nossos propósitos, são as críticas mais estruturadas que deram origem às teorias
ditas “crendencialistas”, como a da sinalização ou do filtro (Arrow e Spencer), e a
teoria da fila (Thurow) complementada pelos “grupos de status” ou do credenciamento
(Collins), que possuem maior relevância, na medida em que ressaltam as formas de
uso da educação por parte dos empregadores no momento da contratação.
Uma questão essencial que se coloca aos críticos é explicar por quê o fato estatístico
do aumento nos níveis de estudo da população (e a redução relativa das
desigualdades em educação) não se traduz necessariamente na redução das
desigualdades econômicas. Veremos a seguir, em grandes linhas, em que consiste
estas teorias.
Nos anos 1970 o pensamento econômico foi atravessado pela influência das teorias
de escolha sob incerteza e da economia da informação, com conseqüências na
economia da educação. Inspirado por estas novas correntes, Kenneth Arrow
51
Desta forma, o valor aferido ao diploma não recai sobre o que ele representa em
termos de conhecimentos ou saberes que possam ser imediatamente aplicados ao
sistema produtivo (até porque tais conhecimentos específicos podem, inclusive, ser
adquiridos no curso do trabalho ou em treinamentos na própria empresa), e sim no
quanto que ele informa sobre o potencial futuro dos trabalhadores em relação aos
outros atributos valorizados. Uma vez que tais atributos não são facilmente
observáveis e a sua identificação por meio de testes específicos seria demasiado
custosa em termos de tempo e recursos monetários para os empregadores – que
teriam que proceder caso a caso - estes utilizam formas indiretas de garantir a sua
aquisição. As credenciais escolares seriam o melhor indicador de que o postulante à
vaga deteria tais capacidades.
22
Kenneth Arrow também foi agraciado com prêmio Nobel em 1972. O artigo em que desenvolve sua
‘teoria do filtro’ foi publicado em 1973: “Higher Education as a Filter” – Jornal of Public Economics, vol. 2
n. 3. Além de Arrow, outro autor que contribuiu para a difusão da teoria do filtro foi Michal Spence, em
estudo publicado no mesmo ano: “Job Market Signaling”. In: Quarterly Jornal of Economics, 87:3, p. 355-
374. Para ele, o benefício social do investimento em educação provém do fato de que haveria uma
eficiência no processo de seleção no mercado de trabalho na medida em que o empregador estaria
melhor informado sobre as possibilidades de produtividade dos futuros empregados, o que acarretaria na
redução das chances de desencontro (IOSCHPE: 2004, p. 54)
52
Ainda segundo esta estrutura argumentativa, pode-se inferir que os “sinais” a serem
interpretados referem-se não apenas à presença ou ausência dos diplomas em si, mas
se desdobram a partir de interpretações das suas modalidades (graduação,
tecnólogos, seqüenciais, pós lato e stricto, etc. – tomando como exemplo o ensino
superior no caso brasileiro) como também no tipo de instituição em que o profissional
foi formado. Assim, graduar-se em uma escola ou universidade tida como ‘de primeira
linha’ indicaria aos futuros empregadores um conjunto de outros atributos que não
possuem, a principio, relação direta com o exercício da profissão, incluindo os que são
provenientes de situações familiares, de rede de relações e de classe (ver depoimento
descrito no quadro a seguir).
O Executivo Brasileiro
“O contratante não aceita fracasso; a empresa é elitista e prioriza o candidato cuja estratégia
de carreira foi desenvolvida desde o berço familiar, em colégios que não aceitam repetência,
têm ensino acurado e aferido internacionalmente e atraem alunos com capacidade de absorção
de informações e elevado grau de disciplina para o trabalho de pesquisa.
(...) O diretor jurídico de um banco multinacional, com vaga para advogado especializado em
contratos financeiros, negou-se a receber currículo de candidatos que não fossem oriundos de
uma das cinco faculdades listadas por ele previamente.
(...) Ainda que no mercado existam profissionais excelentes, que vieram de famílias humildes,
sem a possibilidade de freqüentar faculdades conceituadas (não só pelo elevado custo da sua
preparação prévia ou da própria faculdade, mas devido ao horário diurno que exige tempo
integral para os estudos), para o contratante, não interessa. Sua resposta e decisão são frias e
categóricas: - As faculdades conceituadas fazem a seleção natural, forjam o carisma,
estimulam o exercício da negociação e dão livre trânsito de relacionamento a quem passa por
elas, e é deste talento que a empresa precisa.”
Adissi, Mirian Sion. Executivo Brasileiro – como os bastidores do poder decidem contratações e carreiras. São
Paulo: Makron Books; 1997. Págs. 129, 130, 131.
hierarquia dos diplomas e o esforço de cada um para obter maior êxito reduziria as
possibilidades de sucesso do restante. Portanto, um dos efeitos da ‘democratização’
da educação seria tornar os diplomas cada vez menos rentáveis23, jogando o nível da
disputa sempre mais ‘para cima’ (concepção também desenvolvida por Collins e
Boudon em sua análise dos efeitos perversos).
Por fim, cabe lembrar que ainda que os mentores da teoria da sinalização apresentam
divergências em relação à TCH no que diz respeito ao papel das credenciais escolares
na determinação dos salários, eles compartilham do pressuposto de que são as
capacidades ou competências que os trabalhadores oferecem ao mercado (sejam
estas adscritas ou adquiridas) que determinam a sua produtividade.
Apesar de chegar a resultados parecidos com os que são apontados por Arrow,
Spencer e outros, Thurow parte de um pressuposto totalmente distinto. Para ele, a
produtividade é uma característica dos postos de trabalho e não dos trabalhadores
que se candidatam aos mesmos. Conseqüentemente as remunerações são
dependentes do tipo de emprego ofertado e não das qualificações de quem o ocupa (a
remuneração diz respeito ao posto e não à pessoa). Os empregos nos setores de
‘ponta’, que lidam com modernas tecnologias são os mais produtivos, e portanto os
mais atraentes. Nestes, os trabalhadores fazem ‘fila’ esperando a sua colocação.
Thurow sustenta ainda que as destrezas cognitivas que são necessárias para tornar o
trabalhador compatível com a produtividade exigida pelo posto são aprendidas ‘in
loco’, em processos de treinamento formais ou informais. Portanto, o que conta para
23
Goldthorpe (2002) acrescenta que a expansão e diversificação dos sistemas escolares e das formas de
credenciais inserem ‘ruídos’ nos dispositivos que auxiliam as escolhas que são feitas pelos empregadores
nos processos seletivos. Na medida em que o diploma se torna cada vez mais acessível, ele perde o seu
poder de ‘sinalização’ e novos dispositivos vão sendo criados para substituir esta perda.
24
Para detalhes ver: Thurow, L. Generating Inequality – Mechanisms of Distributions in the U.S.
Economy. Basic Books, New York: 1975; e Thurow, L; Lucas, R. The American Distribution of income: a
structural problem. Washington. USA (1972).
54
O fuzil de ouro
“As pessoas acham que é o currículo que decide uma contratação, mas ele não passa de uma
referência. Afinal, o que compramos é o futuro do profissional, não seu passado. Se vou montar
um time de futebol hoje, não vou contratar o Pelé. É melhor levar o Viola, pois as chances de
que ele faça gols são maiores. O que conta num profissional é a distância de visão, quanto ele
é capaz de se imaginar à frente, quanto investe para chegar lá. É essa a importância do MBA,
o tão prestigiado curso de especialização para executivos. Não pelo diploma em si, mas porque
é um indício de que o sujeito tem distância de visão, é capaz de ter um prejuízo momentâneo
para apostar no lucro lá adiante.”
Trecho da entrevista com o consultor Robert Wong; “52 anos, é um dos mais destacados caçadores de talentos no
Brasil” - Revista Veja, 24 de janeiro de 2001 – páginas amarelas
25
Piore e Doeringer afirmam que os empresários distribuem os postos de trabalho existentes segundo
suas preferências em relação à contratação. Os trabalhadores mais solicitados são os primeiros da fila, e
os menos solicitados não encontram posição no mercado de trabalho central, restando a estes os postos
menos desejáveis e os setores marginais da economia, ou ainda a situação de desemprego: “Por
definição, os desfavorecidos que são os que mostram menor nível de empregabilidade ou tenham
realizado menores investimentos em capital humano, se encontram situados no final da fila de trabalho e
tem acesso limitado às oportunidades de emprego mais solicitadas.” (PIORE & DOERINGER: 1985, p. 4)
Em uma perspectiva de análise do mercado de trabalho tida como estrutural, onde o mesmo não poderia
ser analisado como um todo homogêneo mas sim como segmentos, Piore o concebe dentro de uma
dualidade estabelecida em torno de um setor primário e um setor secundário. Neste desenho, os
benefícios da educação são apropriados diferenciadamente pelos indivíduos conforme eles se situem um
ou em outro pólo. O setor primário se caracteriza, principalmente, por conter relações de trabalho mais
estáveis, melhores salários e condições de trabalho, perspectivas de carreira e baixa rotatividade. O setor
secundário apresenta características opostas. Os aportes das credenciais escolares nas chances de
obtenção das vagas são maiores no setor primário, onde “existe um mercado interno e onde as condições
de trabalho facilitam ao maior desenvolvimento das qualificações e da formação no trabalho”. (DICKENS
& LANG: 1985; apud SOLÉ et al.: 2001 p. 251) No setor secundário, a produtividade permaneceria como
atributo dos salários.
56
O Banco do Brasil abre as inscrições para o maior concurso já realizado no país. Calcula-se
que 1,5 milhão de pessoas preencham ficha para disputar uma das 9.000 vagas que o banco
está oferecendo. (...) São 170 candidatos por vaga, quatro vezes mais do que o vestibular para
medicina na Universidade de São Paulo, um dos mais disputados do país. O candidato
interessado em participar da megaprova deve ter no mínimo 18 anos, possuir 2º grau completo,
o chamado ensino médio, e conhecimento de inglês e informática. O salário inicial é de 700
reais por mês e os selecionados irão trabalhar como escriturários. Ou seja, vão ser atendentes
do banco. Isso significa dar expediente numa agência e, entre outras atividades, vender
seguros, providenciar a emissão de cartões de crédito ou encaminhar os clientes a uma
conversa mais demorada com um gerente.
(...) Apesar de o edital exigir ensino médio dos candidatos, o departamento de recursos
humanos do banco acredita que chegue a 60% o total de vagas preenchidas com pessoas de
nível universitário ou até mesmo com pós-graduação.
Há várias explicações para isso. A mais imediata e evidente é o desemprego. (...) Outra
explicação para a invasão das vagas de ensino médio é que a educação está melhorando no
Brasil. Nos anos 50, metade da população acima de 15 anos não sabia ler nem escrever.
Aplicada à população atual, é como se 54 milhões de brasileiros fossem analfabetos. Naquele
tempo, um diploma de ensino superior poderia levar alguém diretamente para a diretoria da
firma. Hoje, com a taxa de analfabetismo em 14%, o mercado de trabalho sofreu uma alteração
imediata. As vagas não mudaram de padrão, porém os candidatos melhoraram muito. Os
supermercados Wal-Mart e a rede de lanchonetes McDonald's exigem que alguns funcionários
estejam cursando ou já tenham concluído o 2º grau. "Pode-se argumentar que um empregado
que vá fritar batatas não precise de diploma, mas o fato é que ele não está vendendo batatas,
está vendendo responsabilidade. E, para isso, é preciso muita educação", diz o economista
Claudio de Moura Castro. Na Europa e nos Estados Unidos é comum encontrar um garçom
bacharel ou uma faxineira com diploma de 2º grau. Em muitos casos, estão apenas fazendo
um bico para pagar os estudos, em outros, foi a melhor colocação que conseguiram. No Brasil,
o fenômeno começa a se tornar visível agora e dá a todos uma grande lição. A educação
formal não é mais suficiente para garantir o futuro de ninguém. Não basta ter diploma, nem
saber mexer no computador, nem mesmo falar inglês.
In: Pinheiro, Daniela. Revista Veja , 11 de 8 de 1999. Obtido em: http://veja.abril.com.br/110899/p_040.html
26
Collins, Randall. The Credential Society. New York: Academic Press, 1979
58
estabelecimento de elevados critérios de ingresso aos postos, seja pela ‘limitação’, via
credenciais escolares, do acesso a atividades que anteriormente eram ‘livres’ (o
trabalho político de ‘fechamento’ de uma profissão). A resultante é que os grupos
menos privilegiados, ao se verem excluídos do jogo, passam a exigir mais educação
para que possam pleitear o seu reingresso e, conseqüentemente, ascender aos
grupos de status superior. Estabelece-se assim uma ‘corrida por diplomas’; e quanto
mais tais necessidades são atendidas, mais se chega no fenômeno conhecido como
‘inflação escolar’, que significa a abundância de credenciais que deixam de ser
sinalizadores dos elementos culturais aos quais anteriormente estavam conectados.
Para manter sua posição, os grupos privilegiados tudo farão para se distinguir dos
demais, elevando incessantemente as credenciais de ingresso, e com isso resistindo
às invasões e mantendo seu ‘direito de monopólio meritocrático’ das posições. Em
suma, o que gera a abundância de credenciais educativas é exatamente esta disputa
pelo monopólio em torno das posições sociais superiores (e pela sua restrição), e não
como se poderia supor, a complexificação do trabalho ou as transformações
tecnológicas per si.
Finalmente cabe registrar que Collins avança na visão que Thurow estabelece em
relação às credenciais escolares na definição do lugar que cada indivíduo pode vir a
ocupar na fila. Enquanto para Thurow a educação define o lugar na fila, transmutado
em estimativas de custos de formação, para Collins a relação positiva entre educação
e códigos culturais dominantes não se restringe ao momento de ingresso no mercado,
mas atravessa toda a vida profissional do sujeito, definindo suas chances de
promoção e de carreira a longo prazo.
27
Estamos cientes de que esta rotulagem é por demais reducionista e não faz jus à teoria desenvolvida
por Bourdieu e que de certa forma inaugura um novo modo de pensar a educação, especialmente por se
dedicar ao seu estudo no nível micro – na abertura da caixa preta que representa os processos que
ocorrem no interior das escolas (e que posteriormente vieram a ser campo de trabalho de autores
afinados com o interacionismo simbólico). Catani et alli (2001) chamam a atenção para o fato de que a
apropriação da obra de Bourdieu no Brasil em um primeiro momento se deu de forma ‘incidental’, com
suas idéias quase sempre associadas a outros autores (como Baudelot e Bowles e Gintis) e com um
modo classificatório tido como ‘reprodutivista’. Se aqui estamos incorrendo no tipo de ‘desvio’ apontado,
deve-se especialmente por restrições – e concessões – ao objeto que está sendo tratado, qual seja, a
emergência das teorias funcionalistas que sancionam o mérito associado às credenciais escolares e suas
críticas.
60
O que a escola, seus currículos e seu modo de funcionamento faz é produzir ‘bons
trabalhadores’ que serão aproveitados diferenciadamente por um sistema ocupacional
estratificado. Sua ação contribui para manter (e não para reduzir) as desigualdades de
classe em benefício da produção capitalista. O sistema escolar atua em
correspondência com as relações capitalistas de produção. Em suas palavras:
específica do primeiro permite que este se organize visando a sua própria reprodução,
resultando, muitas vezes, em uma defasagem dos seus ‘produtos’ face às
‘necessidades’ do sistema econômico28 (BORDIEU & BOLTANSKI: 1975, p. 131). Ao
mesmo tempo em que esta ‘independência’ se coloca como ‘ideologicamente
necessária’ para que se sustente a ilusão meritocrática de equidade e universalidade,
ela não obstante contribui para a reprodução do capital cultural e com ele da estrutura
do espaço social (BOURDIEU: 1998(1989) p.125).
A pedra angular de sua teoria consiste exatamente em alçar o capital cultural (seja em
seu estado incorporado, objetivado ou institucionalizado), para o centro do processo
de reprodução da estrutura social (e portanto da geração de desigualdade), ao mesmo
tempo em que define a família (transmissão doméstica) ou o habitus de classe, como
sendo canais privilegiados de transmissão deste capital.
28
É com base no conceito de autonomia relativa que podemos compreender, por exemplo, a construção
de hierarquias que se estabelecem ‘tacitamente’ entre as instituições universitárias e que valem para o
meio acadêmico, mas que não são necessariamente igualmente valorizadas pelo ‘setor produtivo’. Assim,
universidades que desenvolvem pesquisas e que contenham programas tidos como de ‘excelência’ em
seus respectivos campos, podem ter seus ‘produtos’ (egressos) menos valorizados ou até mesmo
estigmatizados em certos segmentos do mercado de trabalho, por serem ‘teóricos’ demais, ou
‘acadêmicos’ demais. Entretanto, permanece uma árdua disputa entre as instituições e seus atores para
conquistar posições superiores no campo específico (ou preservá-las) e ao mesmo tempo obter com isso
vantagens em outros campos (econômico, político, etc.) – visando inclusive a conversão de capitais. Daí
esta independência não ser total. As estruturas e as regras que estabelecem as hierarquias e que
definem quem ou o que está em jogo são constantemente objeto de disputa. Em determinados momentos
ou contextos históricos específicos cujo cenário estabelecido não depende necessariamente da ação
direta dos atores interessados, eles podem encontrar brechas para inverter tais hierarquias. Um exemplo
é que quando socialmente a ‘responsabilidade social’ das organizações começa a ganhar dimensões
amplas e a ser um elemento de valorização das ações institucionais, universidades ou faculdades que
dispõem de menor capital no campo educacional específico (cursos menos prestigiados, baixa produção
acadêmica, etc.) podem adotar a estratégia de concentrar esforços no desenvolvimento de atividades de
extensão (atendimento a comunidades, população carente, etc.) compensando de um lado as suas
deficiências e ao mesmo tempo pleiteando uma inversão ou uma nova forma de estabelecimento de
hierarquias onde seus capitais próprios sejam valorizados e convertidos em retornos úteis (mais alunos,
mais verbas, etc.). O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos cursos ‘voltados ao mercado’ (seqüenciais
por exemplo) – desprestigiados no meio acadêmico por não possibilitarem a ação educacional de forma
ampla ou por conterem uma perspectiva de curta duração e de aplicação imediata de técnicas, podem
interessar a segmentos específicos do mercado pelos mesmos motivos.
62
A escola, ao tratar como “‘iguais de direito’, indivíduos ‘desiguais de fato’, isto é, que
foram preparados de forma desigual pela respectiva cultura familiar, para assimilar a
‘mensagem pedagógica’” (FORQUIN: 1995, p. 63) atua, por intermédio de seus
mecanismos de seleção, para a reprodução das desigualdades sociais30. Mas isso se
dá de forma sutil, e é esta ‘indiferença face às diferenças’ que possibilita a
‘legitimação’ do dom ou da aptidão como sendo ‘natural’ e não como produto social.
Ao mesmo tempo não fica claro que os percursos escolares (desigualdades diante da
seleção) e as escolhas que vão sendo feitas pelos indivíduos (desigualdades de
seleção) refletem a incorporação deste ‘dom predestinado’ e com isso contribuem para
que se estabeleça uma predisposição frente ao futuro diferenciada, que se associa a
determinados ethos de classe. Desse modo, os menos favorecidos tenderiam a
‘investir menos’ na educação ou em formas específicas menos valorizadas desta
(escolha das profissões, das instituições, etc.) porque antecipam o seu porvir em
conformidade com a expectativa do presente (o futuro possível dentre os futuros que
29
Bourdieu critica duramente os teóricos funcionalistas que vêem o dom ou a aptidão como atributos
‘naturais’ - que seriam desenvolvidos e/ou aprimorados pela escola de forma neutra - e também o
resultado do trabalho escolar (o diploma) e sua correspondência na conquista de posições sociais ou
profissionais. Afirma ele: a “suas interrogações (dos economistas) sobre a relação entre a ‘aptidão’
(ability) para os estudos e o investimento nos estudos provam que eles ignoram que a ‘aptidão’ ou o ‘dom’
são também produtos de um investimento em tempo e em capital cultural (...) O rendimento escolar da
ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família e o rendimento econômico e
social do certificado escolar depende do capital social – também herdado – que pode ser colocado a seu
serviço”. (BOURDIEU: 1998 (1979) p. 73 e 74)
30
Nogueira e Nogueira (2002) afirmam que a grande contribuição de Bourdieu para a sociologia da
educação consistiu em virar de ponta cabeça as idéias correntes à época. Rompendo com o paradigma
funcionalista, Bourdieu se utiliza dos conceitos positivos que circulavam à época dentro de uma nova
conotação, como ocultadores ideológicos do processo de reprodução social: “onde se via igualdade de
oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das
desigualdades sociais. A educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de
instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais
instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais.” (NOGUEIRA &
NOGUEIRA: 2002, p. 17)
63
se apresentam no curto prazo) e contribuiriam com isso para a sua própria reprodução
de desvantagem. Dado que o futuro de longo prazo como projeto individual, implica na
ampliação da antecipação dos ‘futuros possíveis’, estes só são factíveis quando as
condições para tanto estejam asseguradas: “o esforço para dominar o futuro não pode
ser realmente empreendido senão quando as condições indispensáveis para que seja
assegurado um mínimo de probabilidades de sucesso sejam efetivamente oferecidas.”
(BOURDIEU: 1979, p. 107) E isso também é atravessado por um determinado
patamar de capital cultural desigualmente distribuído.
Assim, em uma estrutura ocupacional que não cria na mesma proporção novas vagas
para os detentores de diplomas, estes passam a ocupar postos que até então eram
abertos aos não diplomados, os quais, por sua vez, vêem suas chances de ingresso
no mercado de trabalho mais reduzidas:
Buscando exemplificar seu raciocínio, Boudon sugere que imaginemos uma sociedade
onde a quantidade de vagas disponíveis para as ocupações hierarquicamente
superiores fosse reduzida mas, ao mesmo tempo, o acesso ao sistema de ensino
fosse muito amplo. Neste caso, haveria um bom número de estudantes que não
poderia pleitear o ingresso àquelas ocupações, um conjunto formado tanto pelos que
são menos favorecidos quanto pelos mais abastados. Inversamente, pode haver
situação em que o número de vagas hierarquicamente disponíveis seja maior do que o
total de pessoas formadas pelo sistema educativo. Neste caso, mesmo havendo
desigualdade de oportunidades no que consiste ao acesso ao ensino, seria legítimo
supor que uma proporção razoável de pessoas oriundas das classes menos
favorecidas venha a preencher as ocupações hierarquicamente superiores. Assim, as
31
O conceito de capital social formulado por Bourdieu encontra-se descrito no capítulo 5 desta tese.
65
Podemos inferir, a partir daí, que a substancialização do mérito, no que diz respeito a
sua associação às credenciais escolares, é contingente, e sua maior ou menor
incidência ou a ‘chance de sucesso’ de cada sujeito dependerá de correlação de
múltiplos fatores, incluindo o desenvolvimento econômico (intensidade e natureza dos
postos de trabalho criados), fatores demográficos, etc.
Para dar conta das relações complexas entre mobilidade, desigualdades e educação,
Boudon desenvolve uma perspectiva analítica que ficou conhecida como “abordagem
sistêmica” de interação de fatores, na qual relaciona: (a) os aspectos relativos à
estrutura social no que se refere à hierarquia sócio-profissional (tratadas como
variáveis exógenas), incluindo a concorrência entre os indivíduos para ocupá-los e
suas chances relativas segundo critérios de origem social e nível escolar; e (b) o
processo individual de tomada de decisão (espaços decisórios) relativo aos
investimentos em escolaridade, que leva em conta a posição que cada um ocupa na
estrutura social.
Mas é fato que a nova dinâmica de acumulação capitalista admite, como nos mostra
Paiva (1998), a composição de ‘mixes’ que combinam “elevada escolaridade,
sofisticação e complexificação da formação com baixos salários e status declinante”
(PAIVA: 1988, p.11). A resultante é que a inclusão no mercado formal de trabalho
passa a depender de critérios adicionais ao mérito, ou seja, “ela regride ao nível do
capital social (e político) dos envolvidos e sua posição na escala social, indicando uma
reorganização complexa porém restritiva das possibilidades de mobilidade social
vertical” (ibidem, id.).
Exemplo disso pode ser encontrado nos estudos realizados por Pochmann (2003)
sobre os impactos do por ele chamado ‘ciclo de financeirização’ no mercado de
trabalho, com conseqüências em termos de mobilidade descendente a qual atinge,
sobretudo, a classe média e os portadores de diplomas de ensino superior (ver quadro
a seguir).
68
“Um em cada quatro brasileiros que se formaram no ensino superior de 1992 a 2002 não está
empregado. No país onde ter diploma de nível superior já foi garantia de emprego fácil, um
estudo da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São
Paulo mostra que passar pelo estreito funil do vestibular já não é mais a maior dificuldade do
jovem.
Dados do MEC (Ministério da Educação) mostram que, na década de 90, esse funil foi alargado
com a expansão do ensino superior, principalmente privado, no país. No entanto, o crescimento
da economia no período não foi suficiente para gerar emprego para os milhares de recém-
formados que chegaram ao mercado.
Para chegar a essa conclusão, o secretário municipal do Trabalho de São Paulo, Marcio
Pochmann, pesquisou, a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do
IBGE, a situação dos 3,3 milhões de brasileiros que se formaram no ensino superior de 1992 a
2002.
Desse total, 2,5 milhões estão empregados (74%), mas 123 mil (4%) estavam procurando
emprego em 2002, e 738 mil (22%) estavam fora do mercado de trabalho (não haviam
procurado emprego no período da pesquisa, mas não estavam ocupados).
Outra tabulação feita no estudo mostra que uma parcela significativa dos brasileiros com
diploma trabalha em atividades abaixo de sua qualificação (8% dos ocupados com nível
superior). São pessoas que, apesar do diploma, acabaram empregadas como açougueiros e
empregadores na indústria alimentícia (19,1%); droguistas, floristas, galinheiros, lenheiros,
peixeiros e sorveteiros (17,8%); ou atendentes (12,6%).”
33
Para estes autores, caso houvesse a possibilidade de eliminação da heterogeneidade educacional
existente no Brasil, obter-se-ia uma redução de 40% na desigualdade salarial, “mostrando que a
69
Figura 1
Figura - Razões de Médias de Rendimentos por Escolaridae - Base: Escolaridade zero
12
10
8
Razão
1995
6
1999
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Anos de Escolaridade
Fonte: Silva,, Nelson do Valle. Gráfico elaborado com base nos dados dos Censos do IBGE e apresentados em palestra sobre
desigualdade social no IFCS/UFRJ em dezembro de 2002
educação corresponde por 2/3 de todas as fontes que somos capazes de identificar para explicar a
desigualdade observada”. (BARROS et al.: 2002, p. 3)
70
de que metade dos pais de estudantes de nível superior teve no máximo nove anos de
educação. Além disso, afirma que “a contribuição proporcional das pessoas à renda
familiar cresce com sua educação, indo de 36% para os que têm educação básica e
média para 52% dos que têm nível superior”. (SCHWARTZMAN: 2001, p. 14)
“Há uma percepção crescente das famílias, principalmente as de classe média, do valor
inestimável de uma boa formação. A educação é um fator determinante de mobilidade e
ascensão social. Você vê pessoas que topam pagar 3.000 reais ao ano por um curso não
porque sejam ricas, mas porque acreditam em melhores oportunidades.”
(Revista Exame. O Meganegócio da Educação. Ano 36, n. 7, 3 de abril de 2002. pág. 37)
Mas a demanda por educação, para além do nível obrigatório, também se relaciona
com outras variáveis não necessariamente econômicas mas que são relevantes para
os indivíduos e seus familiares (variáveis psicológicas, sociais, culturais, familiares,
etc.). Derouet (2002), por exemplo, privilegia as transformações na concepção da
juventude e no lugar do jovem na sociedade para justificar a permanência da demanda
por educação. Tomando como exemplo o caso francês, ele pondera que, se nos anos
1960 os jovens encontravam facilmente lugar no mundo do trabalho e os que
prosseguiam os seus estudos constituíam uma exceção, já nos anos 1980 o cenário
se revela totalmente distinto: “já não há lugar para um jovem, a não ser na escola.
Aqueles que não a freqüentavam aparecem, invariavelmente, quase como marginais”
(DEROUET: 2002, p. 7). Mas isso não se dá sem um custo social, que é a própria
71
Finalmente Moretto (2002), focando o ensino superior, vai ainda mais longe e levanta
a hipótese de que o crescente número de pessoas interessadas em fazer um curso
superior, sobretudo nos países desenvolvidos, pode ser também (ou até melhor)
explicado por motivos culturais antes que econômicos. “Podemos até arriscar uma
previsão de que a cultura atual em relação ao ensino superior torna-o mais um bem de
consumo do que um investimento” (MORETTO: 2002, p.54), afirma ela. Após uma
determinada saturação no nível de atendimento às demandas educacionais básicas
que tem valor no mercado, o que estaria movendo os indivíduos para a busca de
maiores níveis educacionais antes de ser compreendida a partir do seu caráter de
investimento, com expectativa de retorno no médio / longo prazo, deve considerar a
vertente de que a continuidade dos investimentos em educação abarca também a
construção de uma ‘imagem de si’.
34
Para ele, o discurso técnofuncional que argumenta que os trabalhos atuais demandam maior conteúdo
cognitivo também não é muito mobilizador, na medida em que se pede aos jovens que façam mais
sacrifícios para conseguir as mesmas posições que as gerações anteriores haviam obtido com menos
esforço - diagnóstico já efetuado por Boudon.
35
A observação das estratégias de concorrência entre várias instituições privadas de ensino superior
deixa evidente que o foco da ‘diferenciação’ permite que se desenvolva vários elementos de ‘sedução’
que ultrapassam substancialmente as atividades educacionais ou a aquisição de saberes stricto-sensu.
Na luta pela captação de alunos, muitas universidades apresentam-se como ‘clubes’ com amplos espaços
de lazer, esportes e vida cultural. Nos programas de marketing encontra-se desde motes que associam o
esforço universitário com a obtenção de melhores espaços no mercado de trabalho (como o ‘por aqui se
chega lá’; ‘o caminho para o sucesso’; ‘a melhor porta para o futuro’; ‘vá além da sala de aula’; ‘estudar dá
trabalho’) até os que apontam para a vida acadêmica como um momento de desfrute juvenil (como o
‘venha passar conosco os melhores dias de suas vidas’).
36
Em uma entrevista que realizei junto a estudantes universitários de uma determinada instituição privada
de ensino superior, obtive a seguinte resposta à questão ‘o que determinou a sua escolha de fazer
72
Como visto até aqui, a definição das hierarquias sociais (o que vale mais em termos
de status, prestígio e remuneração) envolve diferentes redes e sub-redes de
significado, as quais fazem usos distintos das credenciais escolares. O que em um
momento, sob determinadas circunstâncias é tido como desvalorizado, pode, em um
momento subseqüente, sofrer uma forte inversão em função de novas variáveis que
são incorporadas ao contexto. A título de exemplo, podemos apontar para
determinados processos de valorização de carreiras tipicamente ‘femininas’ que, por
conta do aumento das taxas de desemprego, começam a ser ocupadas por homens, e
com isso passam por processos de revalorização social (muitas vezes sofrendo
pequenas alterações no conteúdo das tarefas ou na sua nomenclatura)37. O mesmo
raciocínio pode ser estendido para carreiras mais ou menos valorizadas tendo como
base critérios que remetem à idade / geração ou à raça. Inúmeros estudos produzidos
nas áreas de sociologia e economia que evidenciam as desigualdades de
remuneração em um mesmo cargo/função segundo a raça e/ou o gênero de seu
ocupante corroboram a afirmativa de que não é neutro o processo de construção das
hierarquias que ordenam a vida social – evidente no âmbito da seleção / remuneração
no trabalho, mas também atuante na seleção escolar entre outros.
vestibular para esta universidade?’: “Vim pra cá (sic.) porque todos os meus amigos vieram. É a minha
turma desde que eu era pequena. Todos estão aqui, então eu não pensei em fazer vestibular para
nenhum outro lugar. Foi minha primeira e única opção”.
37
Bourdieu aponta também o movimento inverso no que tange à desvalorização dos diplomas: “o
crescimento muito rápido evidenciado pela escolarização das meninas participou da desvalorização dos
títulos escolares.” (BOURDIEU: 1998(1978) p. 150)
73
Para Goldthorpe (1997) esta é uma questão fundamental que se coloca às sociedades
contemporâneas, e ele a formula da seguinte maneira: Em que medida seria correto
afirmar que a meritocracia está se tornando central nos processos seletivos (educação
e trabalho) – em substituição aos atributos de classe, origem, etc. – que vigoram nas
sociedades pós industriais?
Como já foi exaustivamente apresentado nos tópicos anteriores deste estudo, este
questionamento é resultante de um diálogo com a corrente funcionalista - que atribui
ao mérito ou ao ‘êxito’ a legitimidade para a ordenação social - e em especial com
Daniel Bell, interlocutor privilegiado de Goldthorpe, para quem a lógica intrínseca de
funcionamento da sociedade pós-industrial seria meritocrática uma vez que as funções
mais relevantes demandam habilidades técnicas e educação superior.
Em suas conclusões afirma que os resultados produzidos por tais estudos são pouco
claros e que, portanto, não é possível nem afirmar nem negar nenhuma hipótese em
torno da grande questão que consiste em saber se nossas sociedades estariam se
tornando mais meritocráticas. Acrescenta que, não raro, tais estudos também
apresentam falhas de interpretação quando enfatizam o crescimento da importância
da escolaridade na definição do destino dos indivíduos, e que na verdade isso poderia
estar encobrindo outras práticas, como já enunciadas nas teorias da fila, da
sinalização e do credencialismo. Além disso, outros erros de interpretação que
segundo ele podem ser depreendidos de tais estudos consistem em:
38
Conceito definido por Jonsson, em 1992 e apresentado em “Towards the Merit-Selective Society? –
Swedish Institute for Social Research, Univ. of Stockholm. (GOLDTHORPE: 1997, p. 665).
74
(3) Crer que a educação seja o único ou o meio por excelência capaz de fazer
aflorar o talento e, com isso, permitir a conquista do mérito.
Dessa forma, torna-se mais fácil aceitar as colocações de Jenks (apud FORQUIN:
1995, p. 66) de que em sociedades submersas em rápidos e imprevisíveis processos
de criação de diferenças, as desigualdades não são principalmente transmitidas ou
reproduzidas, mas incessantemente criadas e modificadas. É o que pode ser
observado nas reportagens destinadas aos jovens ou aos buscadores de emprego que
povoam as mídias, especializadas ou não, bem como nos conselhos dos
‘especialistas’ em empregabilidade que colocam, lado à lado, como recursos na
disputa por uma vaga no mercado de trabalho, a clássica formação educacional, mas
também o domínio de idiomas, e, eis a novidade, a experiência internacional e até
mesmo a ação voluntária.
76
(In: Scistowski, Luiz. Como Conquistar e Manter seu Emprego. Rio de Janeiro: Palavra e Imagem,
2002. Pág. 125 e 126.)
Resumo do capítulo
Recorremos a Lívia Barbosa para compreender como, embora haja um acordo social
em torno da dimensão ideológica da meritocracia, o mesmo não se pode dizer das
suas possibilidades concretas de aplicação.
Fizemos uma rápida retomada de Weber e de sua ‘aristocracia dos diplomas’ para
explicar a centralidade da educação na conformação do mérito no mundo industrial.
Em seguida, desenvolvemos este conceito recorrendo às teorias funcionalistas,
especialmente as que estiveram presentes na produção norte-americana desde
Parsons. Passamos por Davis e Moore e seu tecnofuncionalismo, para quem a
estratificação, conseqüência da divisão do trabalho, necessita de pessoas com
formações diferenciadas para assumirem as várias funções sociais. Começamos aqui
a inserir a dimensão da estratificação como conceito paralelo nos estudos que
abordam o mérito. Afirmamos que esta visão ‘funcional’ ganhou novas colorações com
77
ou daqueles que agem em seu nome (incluindo os dispositivos que utilizam para
tanto).
Isso estaria ocorrendo, entre outras coisas, devido ao fato de que, em um contexto
social de incremento da distribuição das credenciais escolares, elas estariam
perdendo o seu efeito de ‘sinalização’ para os empregadores. O resultado é que esses
precisariam buscar outras fontes de informação para ocupar o lugar que até então
cabia quase que exclusivamente ao diploma como identificador das competências ou
habilidades que são desejadas e com isso permitir a redução dos riscos envolvidos no
processo de contratação. A ‘inflação’ dos diplomas teria levado à progressiva perda de
confiança nos mesmos, seja como ‘sinal’ ou como ‘credencial’, e novas formas de
definição do mérito estariam sendo construídas ou re-atualizadas.
Louart (2001), não descarta o papel do diploma escolar na configuração das chances de
ingresso no mercado de trabalho. Ao contrário, afirma que diante de um cenário econômico e
produtivo crescentemente atravessado por incertezas e complexidades, os empregadores no
momento da contratação se apóiam nos títulos escolares como suporte para o seu processo de
tomada de decisão. E o fazem seja de forma direta, quando se verifica uma compatibilidade
entre os conhecimentos, atitudes e saberes que são obtidos no curso e que são efetivamente
julgados como relevantes para o desempenho do cargo, ou de forma indireta, como indicador
de outras competências mínimas que são buscadas. Nesse caso, a posse do título escolar é
usada como forma de pré-requisito, e sua ausência é muito mais um fator de rejeição para
certos candidatos do que um fator de escolha. Mas, ainda que os empregadores considerem
outras competências ou atributos como sendo mais significativas do que os saberes escolares,
a seleção do candidato dificilmente se dará a partir da supressão da ‘prova’ da escolaridade:
No entanto, de forma geral pode-se afirmar que o ‘valor do diploma’ varia bastante segundo o
setor de atividade e segundo a cultura da empresa ou do meio em que ela está inserida. O uso
que é feito do certificado, por sua vez, pode cobrir um espectro que vai desde um indicativo da
posse de conhecimentos específicos e como classificador de capacidades adquiridas ou
potenciais, até como um fator de apoio ou um critério essencial para o recrutamento, o qual
também varia segundo a natureza da empresa conforme descrito no quadro a seguir.
Figura 2
Efeitos da interação no relacionamento O-E-D
Educational attainment
(E)
Fonte: Goldthorpe, J. The myth of education-based meritocracy. New Economy, v. 10, decembre 2003 pág. 238
Com isso, Goldthorpe visa demonstrar que as aquisições educacionais são mais
relevantes para a conformação da situação de destino entre aqueles que não dispõem
de outros tipos de capital (econômico ou cultural) que possam ser mobilizados.
Inversamente, o peso das credenciais educacionais tende a ser menor para os que
dispõem desta malha de proteção. Em suas palavras:
39
Segundo propõe a teoria da meritocracia baseada na educação, a relação entre a classe de origem do
indivíduo (O) e suas conquistas educacionais (E), seria cada vez mais reduzida ao longo do tempo (linha
pontilhada); por outro lado, a relação ente as realização educacionais e sua classe destino (D) seria
fortalecida: “social selection, in employment, as in education, has to be based increasingly on individual
achievement and, most importantly, on formal qualifications.” (GOLDTHORPE: 2003, p. 234)
82
O que quer dizer, sumariamente, que o rendimento do diploma vai variar, bem como
os efeitos de sua desvalorização, segundo o montante de outros capitais que o
indivíduo disponha40. A possibilidade de reconversão de capital econômico em capital
educacional ou cultural, este último cada vez mais útil em certos segmentos do
mercado de trabalho, protege o seu portador da perda de posições sociais. O ‘valor’ do
diploma é um equivalente do ‘valor’ do seu portador, afirma Bourdieu:
Lazuech (2000) ilustra esta hipótese com base em suas pesquisas e afirma que na
disputa por um posto de trabalho de alto nível ou de ‘cadre’41, candidatos com iguais
bagagens educacionais encontram chances distintas de inserção conforme
demonstrem a posse de certas qualidades comportamentais que, na sua maior parte,
não provêm de uma aprendizagem escolar mas que são, isso sim, oriundas de um
modo de transmissão familiar. Tal é o caso de atributos como ‘liderança’,
40
Nogueira (2002) em pesquisa voltada à identificação das estratégias de escolarização das famílias que
compõem as elites mineiras, conclui que a relação dessas com o sistema de ensino é peculiar, uma vez
que esses visam obter, da freqüência aos estabelecimentos escolares, algo bastante diferenciado da
excelência acadêmica ou de credenciais escolares específicas. Em suas entrevistas, a autora identifica
que o que orienta as escolhas na seleção dos estabelecimentos de ensino, mormente privados, não é
apenas ‘remediar’ ou ‘atenuar’ as conseqüências negativas de fracassos escolares, mas trata-se também,
e com maior ênfase, de ampliar o seu capital social por meio da expansão de suas redes de sociabilidade,
as quais poderão ser utilizadas nas trajetórias empresariais futuras dos rebentos e suas famílias. Dessa
forma, estes atores tendem a dar mais valor a instituições que apresentem uma dimensão moral do
processo pedagógico (‘abertura moderada’) e que sejam freqüentadas pelos pares: “esses pais optam por
instituições que imaginam oferecer um ambiente social seleto, homogêneo e consoante com os padrões
da família (“continuação da casa”).” (NOGUEIRA: 2002, p. 54).
41
Não existe, em português, uma tradução exata para a palavra ‘cadre’. Usualmente utilizam-se as
palavras ‘gerente’ ou ‘executivo’ como traduções, mas o conceito abrange mais do que isso. Pode-se
afirmar que os ‘cadres’ correspondem aos quadros de nível superior nas empresas, estejam eles
envolvidos em cargos de chefia ou em atividades técnicas de alto nível. A transformação dos ‘cadres’
franceses em ‘managers’, termo anglo-saxão, é um dos pontos centrais no estudo das mudanças que tem
ocorrido no âmago desta categoria sócio-profissional ao longo dos últimos 20 anos (Boltanski e Chiapello,
1999; Pochic 2004; Bouffartigue, 2001a, 2001b; Falcoz, 2003) e será aprofundada ao longo do próximo
capítulo desta tese.
83
Em seu trabalho voltado à investigação dos fatores que são decisivos no processo de
contratação dos jovens egressos das escolas de engenharia e comércio, ele percebe
que no momento da análise do currículo, o que conta Como estar na mira das empresas
pontos para os empregadores não é o desempenho
“(...) os empresários não estão atrás
escolar ou o nome/reputação da escola em que o da experiência teórica de quem acaba
de sair da faculdade. Eles estão em
candidato se formou. Estes atributos não deixam de
busca da capacidade que esse jovem
ser um plus, mas só serão decisivos se forem tem de aprender. A única experiência
que conta nessa fase da vida, e ela
acompanhados por outros igualmente julgados como será conferida no currículo, está ligada
ao que se chama "vivência de ordem
relevantes, como, por exemplo, estágios e
pessoal". Vai fazer diferença se
participação em atividades associativas. Acrescenta durante anos o jovem treinou para
fazer parte do time de futebol da
que em relação ao estágio, o seu valor consiste em escola, pois o mercado interpreta isso
ser uma forma de pré-profissionalização (e que pode como indicação de alguém preocupado
com a disciplina e o trabalho em
reduzir os custos da aprendizagem no novo emprego). equipe. Vai levar vantagem sobre os
demais aquele que se preocupou em
Já a participação na vida associativa da escola dedicar algumas horas da semana a
também interessa ao empregador porque ela assegura algum tipo de trabalho comunitário.”
o dinamismo do candidato e sua capacidade de Revista Veja – Sua Carreira – edição especial
n. 1 ano 2000
organizar manifestações:
Trata-se sem dúvida de transferir para o indivíduo (e para sua trajetória profissional
pretérita) os custos com a aquisição de competências sociais úteis no mundo do
trabalho bem como o domínio de códigos e conhecimentos que potencialmente
poderão vir a ser mobilizados. Como a disposição das empresas em investir recursos
nestas formações é cada vez menor, buscam-se atributos que possam fazer a vez de
seus equivalentes. Além dos já mencionados inclui-se também o caso da valorização
da vivência internacional como indicativo do domínio de idiomas estrangeiros, tanto
quanto da ‘capacidade de resolução de problemas e do enfrentamento de ambientes
sociais adversos’. Todos estes novos atributos não deixam de ser associados à posse
de capital cultural ou econômico de classe ou de fração de classe, deixando em
84
Uma boa fonte de referência para mapear o que os empregadores estão buscando
nos seus futuros empregados consiste na análise dos anúncios de emprego que são
publicados nas diversas mídias impressas (jornais e revistas especializadas) e
também, mais recentemente, nos ‘sites’ dedicados a este tema na Internet (‘job
boards’). Estudos utilizando esta fonte não são inéditos, embora sejam pouco
numerosos, especialmente no Brasil. O seu uso como material empírico para análise,
ao mesmo tempo em que abre novas possibilidades, apresenta algumas limitações,
como por exemplo o fato de cobrir apenas uma pequena parte das práticas de
recrutamento que são levadas a cabo pelas empresas. Estas e outras constrições,
relevantes para a nossa metodologia, serão exploradas a seguir.
Na seqüência, buscaremos mapear alguns estudos e pesquisas que, fazendo uso dos
anúncios, indicam quais as competências e qualificações são alvo da atenção dos
empregadores durante a pré-seleção, visando a contratação para um determinado
posto de trabalho.
85
Em geral as pesquisas que fazem uso de anúncios de emprego focam a questão das
transformações que se colocam sobre uma profissão, um setor econômico ou um
ramo de atividade. No entanto, esta fonte de dados, além de conter informações úteis
a este tipo de estudo e subsidiar a elaboração de programas de formação e
treinamento, permite que se façam outras leituras relevantes em torno do
funcionamento do mercado de trabalho. Isto porque, sob certos aspectos, os anúncios
refletem as regras jurídicas que estão em vigência (como por exemplo a limitação de
práticas discriminatórias segundo critérios de idade, sexo, raça, etc.; a necessidade de
diplomas para o exercício de certas profissões, etc.); as convenções que são
elaboradas em torno da ‘qualidade’ de certos trabalhos ou das formas de negociação
dos contratos e salários; e também permitem que se mapeie a presença e a força dos
atores que dividem e competem por espaços no mercado de recrutamento.
42
A não inclusão da remuneração em um anúncio pode indicar, por exemplo, que este aspecto será
objeto de negociações futuras ou, inversamente, que o salário é pouco atraente. Já a não identificação da
empresa que está contratando (denominados anúncios ‘fechados’) pode indicar, por exemplo, que a
empresa não quer se revelar frente aos seus concorrentes; que não quer ‘filas’ de candidatos em sua
porta; ou ainda que a vaga pode estar preenchida por algum trabalhador que será ‘desligado’ tão logo se
encontre um substituto.
86
as exigências que são solicitadas, para que possa candidatar-se ou não à vaga em
questão (ver quadro a seguir).
Oliveira (2000) elabora uma lista curiosa de expressões que normalmente são encontradas em
anúncios de emprego e apresenta suas respectivas ‘traduções’ ou seja, como elas devem ser
interpretadas pelo postulante à vaga. Eis algumas:
OLIVEIRA, Marco A. E Agora José? Guia para quem quer buscar emprego, mudar de trabalho, montar um
negócio ou repensar sua carreira. São Paulo: Editora SENAC São Paulo; 2000. Pág. 261.
destinados a cargos mais elevados), além do fato de que eles contribuem para a
formação de um ‘mercado de anúncios’, com suas regras, convenções, etc.43
(2) Conteúdos - de muito concisos como o eram nos anos 1960 (próximo a um
‘procura-se’ e ‘dirija-se a’), quase que predominantemente um instrumento para
informar como os candidatos poderiam entrar em contato com as empresas, os
anúncios se transformam em dispositivos de pré-seleção, contendo uma
quantidade cada vez maior de informações destinadas à ‘filtragem a distância’ dos
43
Marchal (2001) e Marchal e Torny (2002) explicam melhor esta situação quando afirmam que, no que
diz respeito às mudanças que se verificam ao longo do tempo nos conteúdos e linguagem dos anúncios
(incluindo as nomenclaturas dos postos e os atributos que são solicitados aos candidatos), estas não se
devem estritamente às ações dos empregadores isolados, visando atender às suas novas necessidades
produtivas. Antes, tais transformações são produzidas e/ou acentuadas pela ação dos diversos
profissionais do mercado de trabalho (diretores das áreas de recursos humanos, consultores de empresas
de recrutamento, agências de comunicação, responsáveis pelas publicações dos anúncios nos diversos
jornais, etc.) que fazem a ‘tradução’ das demandas das empresas para o ‘mercado’ dos profissionais, e
com isso contribuem para formatar os estilos de linguagem e os conteúdos próprios dos classificados de
emprego. Portanto, a redação de um anúncio deve ser entendida como um processo que se situa na
confluência de várias instituições que concorrem entre si, tanto para a sua produção quanto para a sua
divulgação ou difusão (seja ela na imprensa, na Internet, correios, etc.); sendo que todas elas contribuem
para a produção de informações que valorizam, diferenciadamente, as empresas contratantes e suas
vagas tanto quanto os possíveis candidatos. (BESSY et all: 1999). Cria-se uma espécie de ‘hierarquia’ no
campo dos classificados de emprego, onde o suporte de divulgação, os recursos gráficos, o tamanho dos
anúncios, a estilística da linguagem, entre outros, operam como ‘signos’ que permitem localizar (e
valorizar) as empresas contratantes, as vagas e a natureza da relação de trabalho que se pode esperar,
hierarquizando também os tipos de candidatos que são mais ‘adequados’ ou aceitáveis para as mesmas.
44
A literatura especializada informa que o tamanho de um anúncio normalmente reflete quatro elementos:
(1) o porte da empresa que está recrutando; (2) o grau de maturidade de sua área de recursos humanos;
(3) o nível do cargo a ser preenchido; (4) a importância que a empresa está dando ao processo seletivo. E
que portanto, como regra geral, “pode-se afirmar que empresas de grande porte costumam publicar
anúncios grandes, enquanto os anúncios pequenos, de uma ou duas colunas, tendem a ser publicados
pelas pequenas empresas. (...) Pode-se dizer também que as vagas para cargos mais difíceis de
preencher, mais técnicos e de nível salarial mais alto tendem a ser divulgadas em anúncios maiores”.
(OLIVEIRA: 2000; p. 251 e 252)
45
Segundo depoimento que colhi em entrevista com o responsável pelos anúncios do jornal O Globo, o
uso destes elementos (fotos e desenhos) muitas vezes é feito visando criar um ‘ambiente da empresa’,
para que o candidato se identifique com o meio que irá encontrar ou ainda com a cultura da organização.
88
AUX. ADM.
(3) Linguagem – de muito ‘cifradas’ e abreviadas,
demandando, dos que estão em busca de empregos, uma 1, locad. Autos, R$ 600 +
benef., micro c/ conh. 2º. G.
competência de tradução específica (ver exemplo no ou cursando sup., fem.,
25/35ª, p/Morumbi, comp.
quadro ao lado), a forma de expressão vai se tornando Traje social r. Xavier, 649,
mais discursiva, ‘completa’ e ‘profissional’, revelando a 1ª a. trazer CV c/foto.
“As grandes empresas de recrutamento, como a Michal Page, tem feito o que é
uma tendência nova: anunciar no noticiário o anúncio de emprego. Isso não era
muito usual até um tempo atrás e fala em primeiro lugar do perfil do profissional
que eles querem contratar, que deve ter uma qualificação maior. Mas eles
também anunciam no noticiário porque eles querem dar uma exposição maior ao
anúncio. Porque com isso ele está fazendo duas coisas: ali ele está falando para
um público maior, que talvez até nem esteja procurando emprego, e que talvez
não fosse buscar lá no segmento de classificados o emprego. Às vezes a pessoa
está empregada, e vê ali uma oportunidade de contratação. E por outra ele está
48
Nestes ‘cadernos’, junto com a oferta de vagas, há a apresentação de diversas matérias de conteúdo
editorial que se ocupam da veiculação de tendências de transformação do mercado de trabalho e que
‘agregam valor’ a esta linha de produtos. Além disso, esta estratégia se desenvolve aproximando os
conteúdos ditos de interesse “profissional” com os conteúdos referentes à educação, mormente à
educação continuada. Percebe-se uma quantidade expressiva de anúncios de universidades e faculdades
(cursos de extensão, especialização, MBA´s, além das graduações) e de matérias jornalísticas que
conectam as necessidades do mundo do trabalho com as novas ocupações e o preenchimento dos
cargos. Cabe destacar que esta é uma tendência internacional.
90
49
Entrevista com coordenador da Equipe de Lojas do jornal O Globo realizada dia 21 de junho de 2005.
50
Um dos efeitos dos bancos de empregos na Internet parece ter sido a redução substancial da
quantidade de anúncios presentes nos jornais. Tomando como exemplo o jornal O Globo, os classificados
de emprego apresentados no primeiro domingo do mês de março no ano de 1990 chegavam a somar 24
páginas. Já em 2005 tais anúncios não chegam a completar nem 5 páginas. Segundo o presidente do
grupo Catho, um dos primeiros a implantar um site de empregos no Brasil (com inclusão de vagas e
currículos), este é um resultado diretamente atribuído ao uso desta nova tecnologia: “Os donos de jornais
estão nos execrando” afirmou ele em entrevista. Acrescentamos no entanto que houve no período uma
maior diversificação das próprias mídias impressas, com criação de novos jornais e de muitas revistas
especializadas. Assim, os anúncios que antes se concentravam em poucos suportes, passam a ser
distribuídos segundo o seu público alvo de leitores. No caso de recrutamento de altos executivos por
exemplo, muitas empresas preferem a publicação em revistas especializadas, tais como Exame e Você
SA do que em jornais.
91
Ao que tudo indica, os anúncios de emprego são realmente mais eficazes como
dispositivo de auxilio ao processo de contratação em países onde os recrutadores
tendem a fazer mais uso dos canais formais, como é o caso da Grã-Bretanha, do que
informais, como na França. Neste último, em 2000, apenas 5% dos recrutamentos
foram realizados por meio de anúncios de oferta de empregos (dados da enquete
Emploi 2000, realizada pela APEC - Association pour l´emploi des cadres - apud
Garner, 2004, pág. 651). Já Grã-Bretanha cerca de 30% das contratações são
atribuídas aos anúncios de emprego (dados da pesquisa Labour Force Survey, ano de
1999, apud MARCHAL & RIEUCAU, 2005, p. 2)
51
E quanto mais elevado o posto, como por exemplo no caso dos ‘cadres’, mais relevante se torna o
papel das redes informais. O elemento geracional também tem influência: executivos mais jovens, com
menos de 35 anos, são mais facilmente recrutados via anúncios.
92
Uma rápida consulta nos livros pop management (WOOD J. & PAES E PAULA: 2003 *) ou de
auto-ajuda para os profissionais que desejem se inserir no mercado de trabalho, deixa evidente
que os “gurus” da empregabilidade desconsideram a relação que se estabelece entre
empregadores e candidatos a partir dos anúncios como significativa no processo de “caça” às
vagas. Richard Bolles é um destes expoentes: em um livro recorde de vendas intitulado “As 5
melhores maneiras de conseguir um emprego”, afirma que “responder a anúncios de jornais
profissionais ou de negócios” e “responder a anúncios de jornais locais” fazem parte das 5
piores maneiras de procurar emprego, dado que a taxa de sucesso é baixa (no primeiro caso, a
taxa de retorno é de 7%, e no segundo, a taxa varia de 5 a 24%) (BOLLES: 2004, p.13). Essa
opinião é compartilhada pelos nossos “analistas de emprego” nacionais, embora sem a
apresentação de dados estatísticos: “a maioria das oportunidades de emprego não chega a ser
publicada nos classificados dos jornais, o que torna as chances de conquista de uma
colocação satisfatória entre os profissionais que utilizam apenas este método como fonte de
pesquisa de novas e melhores oportunidades ainda mais reduzidas” (SCISTOWSKI: 2002, p.
69).
(*) Os autores definem a literatura de pop-management como sendo “livros e revistas produzidos pela mídia de
negócios para consumo rápido dos leitores”. Acrescentam que este tipo de literatura tem “papel relevante na
disseminação de novas idéias e práticas gerenciais”.
52
A análise comparativa das pesquisas realizadas pelo Grupo Catho nos anos de 1997, 2003 e 2005
indica algumas conclusões importantes, tais como: (a) a maior presença da Internet como ferramenta de
recrutamento (por oposição ao jornal); (b) um crescimento lento mas contínuo das redes de
relacionamentos (indicação de amigos); (c) um crescimento das práticas ativas de recrutamento por parte
das empresas contratantes (abordagem direta da empresa); (d) uma redução significativa do uso de
empresas de consultoria e head-hunters e de empresas de outplacement. A pesquisa de 1997 foi
realizada através do envio de questionário via mala direta e obteve 1.356 respostas. Já as pesquisas de
93
Usando os resultados destas pesquisas como estimativa, podemos inferir que entre
85% a 90% das vagas destinadas a estes estratos não chegam a ser anunciadas (ver
Tabela 1).
2003 e de 2005 foram realizada através do envio de questionários pela Internet e obteve-se mais de
41.000 respostas para 2003 e mais de 31 mil para 2005.
53
As transformações no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que amplia a parcela dos excluídos
do mercado formal e traz a intensificação do trabalho dos que logram se manterem incluídos, também
incide nos processos de recrutamento: “estamos, de fato, frente ao retorno de formas arcaicas que
também se manifestam num retrocesso da meritocracia em favor de uma ‘refeudalização’ do mercado de
trabalho, cujo acesso é favorecido pelo capital social de cada postulante em uma situação de abundância
de qualificação”. (PAIVA: 2002, p. 51)
94
54
Este tipo de atividade – a formação e manutenção das redes com propósitos profissionais – é
conhecida, entre os profissionais de gestão (e disseminada na imprensa especializada), pela expressão
“networking” - neologismo importado da área de informática que designava as redes de computadores e
seus protocolos de comunicação. Não se trata apenas de uma nova atividade a ser desempenhada pelos
trabalhadores na dita sociedade do conhecimento, mas é também, e sobretudo, uma forma específica de
realizá-la, que alimenta as empresas de consultoria em RH e a produção editorial, com conselhos
diversos sobre como estruturar e manter ativa a rede de relacionamentos, incluindo protocolos de
etiqueta.
95
A consultoria Ernst & Young é uma das firmas que estão recompensando os empregados a
cada sugestão bem-sucedida. Os prêmios variam de 500 a 2.000 reais, dependendo do cargo
preenchido. (...) A Ernst já gastou quase 50.000 reais com bonificações, mas está fazendo um
grande negócio. Um processo de recrutamento com anúncios em jornais custaria três vezes
mais que esse valor. E um bom headhunter não cobra menos que 20.000 reais para caçar no
mercado um gerente de nível médio. A idéia ganha força nas empresas de tecnologia, setor em
que é muito difícil encontrar gente qualificada. A subsidiária brasileira da Hewlett-Packard
implantou um sistema da matriz, nos Estados Unidos. No exterior, 60% das vagas já são
preenchidas pelas indicações dos funcionários. O prêmio estabelecido para o Brasil é de 900
reais. Mas esse valor só será pago caso o indicado permaneça no mínimo seis meses no
emprego. "O bônus reforça o comprometimento de quem indica um nome, e a chance de
acerto aumenta ainda mais", acredita Cláudio Pierini, gerente de recursos humanos da Hewlett-
Packard.
Mesmo quando não oferecem bônus, algumas empresas dão prioridade explícita às
recomendações dos funcionários. Na linha de montagem da Fiat, na cidade de Betim, em
Minas Gerais, só é contratado quem tiver o aval de alguém da casa.
Revista Veja, 6 de setembro de 2000. Reportagem de Maurício Oliveira
Portanto, a reduzida eficácia do jornal frente aos demais meios de recrutamento seria
um impedimento para o uso dos classificados como subsídio para a pesquisa quando
se busca averiguar o que está sendo exigido / considerado como mérito pelos
empregadores? A esta interrogação crítica, Jackson, Goldthorpe e Mills (2004)
respondem que se é verdadeiro que uma boa parte das vagas não são divulgadas,
muitas o são, e este percentual não pode ser negligenciado, servindo como uma boa
fonte de referência para a pesquisa sociológica.
o caso da Folha de São Paulo, afirma que mais de 50% das pessoas que compram
este jornal aos domingos o fazem devido aos anúncios de classificados (segundo
pesquisa feita em 1995 pelo próprio jornal). Já no que concerne ao jornal O Globo, o
caderno Boa Chance atinge um público de 656.000 leitores, o que corresponde a 40%
dos leitores do jornal, estimado em 1.665.000 pessoas, entre 13 a 65 anos55 (dados
obtidos em entrevista com representante do jornal).
Outra ressalva que pode ser feita em relação aos anúncios, especialmente os que são
veiculados na mídia impressa, diz respeito à quantidade e à natureza das informações
que são apresentadas, que não cobrem o conjunto de exigências que realmente são
levadas em conta nos processos de seleção. O fator limitante seria, a princípio, o
custo financeiro envolvido no uso deste recurso, impondo parâmetros restritivos em
termos de tamanho e de quantidade de informações que são fornecidas aos
candidatos, tanto no que diz respeito às exigências de perfil quanto no que concerne
ao posto de trabalho e à empresa contratante (e quanto menor a empresa, mais
conciso o anúncio). A isso Jackson (2001) contra-argumenta afirmando:
55
O que corresponde a 19% da população carioca na mesma faixa etária (estimada em 8.839.000
pessoas). Quando se trata do público de maior poder aquisitivo – classe A – se estima que o jornal tenha
uma penetração de 63% (420.000 leitores em uma população estimada de 665.000 pessoas na faixa
etária de 13 a 65 anos). O público leitor do Caderno Boa Chance, estimado em 656.000 pessoas é um
público inferior ao que consome o caderno de empregos do Extra – suplemento Vida Ganha – que atinge
a 951.000 leitores. 78% dos leitores do Boa Chance é composto por pessoas das classes A e B, contra
38% do Vida Ganha, que atinge a uma população das classes C, D e E. É de se esperar, portanto, que os
anúncios destinados aos cargos mais elevados tendam a ser apresentados em maior proporção no Globo
do que no Extra quando se considera que os critérios de seleção para o posto incluem também aspectos
de classe, e não apenas os restritos ao ‘mérito’ na sua acepção tradicional.
97
Portanto, seria razoável supor que guiados pela racionalidade econômica (uma vez
que estão pagando pela veiculação dos anúncios), os empregadores tornariam
públicas aquelas características que, a seu ver, seriam as mais imprescindíveis de
serem apresentadas pelos candidatos.
Em suma, a despeito das limitações que possam estar presentes em torno do uso de
anúncios de emprego como suporte empírico à pesquisa, não se pode desconsiderar
que este material consiste em uma rica fonte para a pesquisa sociológica que se
debruça sobre as transformações no mercado de trabalho. Seu acompanhamento ao
longo do tempo revela transformações significativas em torno dos critérios que passam
a ser requisitados aos candidatos, da forma de apresentação das vagas, do modo
particular de descrever a relação de trabalho (onde o elemento da ‘sedução’ faz-se
cada vez mais presente) ou ainda da transformação nas maneiras de ‘colocar em
relação’ os candidatos e as empresas recrutantes.
56
Jackson, Goldthorpe e Mills chegam a afirmar que os anúncios de emprego são uma fonte
“negligenciada” nos estudos. (2002 – pág. 3).
98
inventariam algumas pesquisas que fazem uso de classificados de emprego e que, via
de regra, se debruçam na análise de alguma profissão ou setor em particular, como é
o caso dos trabalhos sobre a categoria dos ‘informáticos’ (Rivard et alli, 1979, 1982;
Todd et alli, 1995; Bessy et alii, 1999, 2000), dos responsáveis pela gestão de
recursos humanos e recrutamento (Haines, Arcand, 1997; Moulin, 1987) ou ainda dos
‘animadores’ (Akin, Douard, 1999) (MARCHAL & TORNY: 2002, p. 8). Afirmam que em
geral, estes trabalhos se propõem a mapear as transformações que ocorrem no
segmento ou profissão em questão ao longo de um determinado período de tempo.
Sob certos ângulos, os anúncios são considerados como ‘espelhos’ ou ‘tradutores
fiéis’ do mundo do trabalho, e os resultados das pesquisas são utilizados para propor
ajustes da formação profissional em questão (MARCHAL & TORNY: 2003).
57
Gonzáles, Wânia R. C.; Prado, Lúcia R. S. da Silva. Banco de Dados: Trabalho e Emprego através
dos classificados dos jornais. In: Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, maio/ago.,
2001. pág. 61-68
58
Cabe mencionar que em nenhum outro estudo que pesquisei foi encontrada uma base desta
envergadura.
99
Em suma, não há evidências, para a grande maioria das ocupações que compõe o
setor terciário, de que os empregadores estariam dando primazia às qualificações
10 0
Sob certos aspectos, podemos inferir que para o setor de comércio e serviços
brasileiro, a tese funcionalista que apregoa que os cargos mais elevados
demandariam maior escolaridade encontra algum fundamento. A isso também se pode
acrescentar a concepção de mercados duais na qual, quando se trata dos setores
nucleares ou centrais da economia – onde os salários tendem a ser mais elevados, a
estabilidade é maior, assim como as condições de trabalho e as perspectivas de
promoção - o peso das credenciais escolares é maior do que quando se trata dos
setores periféricos (ou secundários, que possuem características opostas). Nestes
últimos, a maior produtividade permaneceria sendo buscada por meio dos salários.
Desse modo, como mais da metade das ocupações mais procuradas que foram
analisadas pelas autoras59 podem ser enquadradas na categoria de ‘setor secundário’
descrito por Piore e Doeringer (1971; 1985), não é de se estranhar que as referências
à escolaridade tenham menor incidência.
59
O conjunto de ocupações analisado é formado por: (1) vendedor; (2) operador de telemarketing; (3)
assistente comercial; (4) modelo; (5) atendente; (6) contador; (7) cozinheiro; (8) profissional de tecnologia
da informação; (9) professor e (10) costureira. Destas, entendemos que as de número 1, 2, 3, 5, 7 e 10
podem ser classificadas como pertencentes ao ‘setor secundário’.
60
Gracio, Sérgio. Sondagem ao mercado de emprego dos quadros, em 1989 e 1997. Sociologia,
Problemas e Práticas. [online]. nov. 2001, no.37, p.9-32.
61
O autor utiliza a palavra ‘quadros’ como equivalente no significante da palavra ‘cadres’ em francês, cujo
uso não é corriqueiro no Brasil, conforme já assinalado em nota anterior.
10 1
62
Gracio também parte do pressuposto de que os anúncios de emprego funcionam de forma similar ao
‘mercado matrimonial’, onde as empresas, ao anunciarem, se colocam “numa relação de troca com os
potenciais candidatos. Nesse sentido (...) as empresas oferecem a quem pretendem recrutar vantagens
determinadas, procurando, face a eles, valorizar os seus recursos, apresentando nomeadamente os que
mais as favorecem. O objetivo é o de recrutar candidatos eles próprios detendo recursos determinados,
implicitamente considerados de nível semelhante ou equivalente ao da empresa no mercado em questão”
(GRACIO: 2001, p. 10).
10 2
Ao que tudo indica, as conclusões obtidas por Gracio na análise do que conta no
momento do recrutamento dos ‘quadros’ em Portugal caminham na direção já
apontada por Goldthorpe (1997; 2003), qual seja, ao mesmo tempo em que
credenciais escolares de níveis mais elevados tornam-se mais acessíveis aos
indivíduos, elas deixam de ser suficientes como ‘fonte de informação’ para os
empregadores. Na incerteza que atravessa o momento pré-contratação, atributos
pessoais ou qualificações não formais, sejam elas classificadas como novas ou como
tradicionais, passam a ser mais considerados como indicativos da capacidade
produtiva e adaptativa, ainda que o seu recurso venha acompanhado por um discurso
que as justifica como imprescindíveis face às transformações nos estilos de
concorrência entre firmas e na internacionalização da economia, na transformação na
10 3
63
Jackson, Michelle. “Meritocracy, Education and Occupational Attainment: What Do Employers
Really See as Merit?” Paper Number 2001-03. Sociology Working Papers.
64
Jackson parte da definição de mérito formulada por M. Young em seu clássico livro ‘The Rise of
Meritocracy’ (1958). Este livro, descrito como uma “ficção sociológica” ou ainda como uma sátira à
sociedade ordenada com base no mérito, inaugurou a elaboração do conceito de “meritocracia” tal como a
conhecemos hoje. Para Young, o mérito é resultante da soma de inteligência (QI) e esforço (E): QI + E =
M.
10 4
65
São eles: (1) managers and senior officials; (2) professional occupations; (3) associate professional and
technical occupations; (4) administrative and secretarial occupations; (5) skilled trades occupations; (7)
sales and costumer service occupations; (8) process, plant and machine operatives; e (9) elementary
occupations.
66
Exceção apenas para as ocupações profissionais, onde 75% dos anúncios apresentam algum tipo de
exigência por qualificações acadêmicas. Para todas as demais categorias, este tipo de demanda não se
faz presente em mais do que 16% dos anúncios.
10 5
67
Conclusão idêntica à percebida por Lazuech (2000) no seu estudo sobre os ‘cadres’, como já visto
anteriormente.
68
Lazuech (2000) acrescenta que as qualidades que são requeridas ou desejadas pelos empregadores
em relação aos candidatos não são simplesmente um somatório de atributos. Entre elas se coloca uma
hierarquização ou uma modulação que varia segundo o posto de trabalho em questão. Mesmo aquelas
que são conectadas com a ‘personalidade’, a sua avaliação é sensível a uma hierarquização dos saberes
10 6
“Exemplos aqui devem incluir não somente as solicitações por habilidades atuais,
tais como “boa capacidade de comunicação”, “potencial de liderança” e
“habilidade para trabalhar em equipe”, mas também inclui atributos que se
e do ‘saber-fazer’ que se relaciona com o posto pretendido. Além disso, a própria avaliação não apenas
varia de um posto ao outro, mas também de um recrutador a outro, “porque cada um deles não têm
exatamente a mesma idéia do que é “destreza”, “motivação” ou “adaptabilidade”. (LAZUECH: 2000, p. 8 –
tradução própria)
69
Jackson, Michelle; Goldthorpe, John H.; Mills, Colin. “Education, Employers and Class Mobility”.
Paper prepared for the Oxford meeting of the International Sociological Association, Research Committee
28, Social Stratification and Mobility. April, 2002.
10 7
referem menos ao que os indivíduos podem fazer do que ao que eles parecem,
tais como ser “bem apresentado” ou “bom orador” ou tendo “boa aparência”,
“boas maneiras”, “caráter” ou “presença”.” (ibidem, p. 20 – grifo dos autores).
70
A questão dos intermediários e seu papel no mercado de trabalho é abordada por Eymard-Duvernay F.
e Marchal E. em trabalhos anteriores, tais como Façons de recruter: le jugement des compétences sur
le marche du travail. Paris, Métailie 1997 e por Eymard-Duvernay F.; e Bessy, Christian. Les
intermédiaires du marché du travail. Presses universitaires de France, 1997.
11 0
Com o passar do tempo, tem havido um aumento significativo nas demandas por
experiência prévia (em 1960 apenas 14% dos anúncios mencionavam este
aspecto, em 2000 chega a 66%), que é sobretudo expressa sob a forma de
experiência qualificada (primeira experiência, boa experiência, significativa) e
também a partir de uma duração determinada (definindo os anos de experiência
demandados).
Marchal e Torny também fazem um levantamento das exigências que são feitas em
relação às características pessoais dos candidatos e que dificilmente podem ser
identificadas como meritórias. Afirmam que em relação a estas, a sua presença nos
anúncios é um fenômeno recente, que se mostra mais intenso em determinados
jornais (suportes) do que em outros. Além disso, são expressas em formatos muito
variados, que servem tanto para valorizar o posto quanto o candidato e mesmo a
empresa:
71
Os autores apontam ainda que, no que diz respeito aos diplomas das ‘écoles’, os pedidos por
certificados das “escolas de engenharia estão regredindo bastante; já os das escolas de comércio e as
escolas ‘profissionais’ apresentam grande aumento em 1990 e sobretudo em 2.000.” (MARCHAL &
TORNY: 2002, p. 63 – tradução própria)
11 2
Por fim, o que os autores percebem é que há uma correlação positiva entre exigências
por capacidades pessoais e demandas por formação escolar; e uma correlação ainda
mais forte entre demandas por capacidades pessoais e por experiência. Ou seja,
anúncios que exigem formação e/ou experiência tendem a exigir também qualidades
pessoais. Em revanche, a ausência de exigências de formação e/ou de experiência é
inversamente correlacionada à citação das qualidades. As características pessoais,
portanto, não substituem os critérios mais objetivos de seleção dos candidatos
expressos pela formação ou pela experiência:
72
Outras categorias de capacidades que aparecem com menor freqüência são: deslocamento (6%),
experimentais (4%), empreendedoras (4%), de direção (4%), de inovação (3%), de análise (3%) e de
adaptação (2%).
73
Marchal, Emmanuelle; Rieucau, Géraldine; Torny, Didier. Des standards nationaux à l´épreuve
d´Internet – sites et offres d´emploi en France, Espagne et Grande-Bretagne. Rapport de Recherche
n. 12 – CEE. Septembre, 2003.
11 3
suporte): a Internet. Eles buscam neste recente trabalho desenvolver uma perspectiva
comparada dos anúncios que são apresentados em sites de emprego na França, na
Espanha e no Reino Unido. Uma de suas preocupações centrais consiste em avaliar
se a Internet estaria modificando a estrutura dos mercados de trabalhos locais,
levando ao desaparecimento progressivo dos mercados nacionais em prol de um
vasto mercado mundial (MARCHAL et all: 2003, p.9).
A partir da coleta de anúncios em diversos sites (ao todo são computados 1.200
anúncios, durante o ano de 2001, sendo 400 em cada país), a pesquisa visa
responder a esta questão, também considerando como fundamental a presença dos
sites como mais um dispositivo de mediação entre os candidatos e as vagas. Assim,
averiguar em que medida as informações que são apresentadas nos anúncios
veiculados na Internet seriam mais favoráveis aos candidatos (como por exemplo a
maior presença de informações detalhadas sobre os postos, as relações de trabalho,
salário, entre outras, comparativamente à imprensa) ou, ao contrário, estariam sendo
mais fortemente utilizadas para multiplicar as exigências sobre os candidatos
postulantes a favor da empresa é outra interrogação que atravessa a pesquisa.
Por fim, acrescenta-se ainda que a comparação (realizada apenas para o caso
francês) entre os anúncios veiculados na imprensa com os que circulam na Internet,
revela que há uma maior presença de exigências formuladas sobre o perfil dos
candidatos (idade, formação, experiência, conhecimentos e qualidades pessoais)
quando os anúncios são apresentados na ‘rede’ do que quando são apresentados ‘em
papel’; concomitantemente há uma menor proporção de informações destinadas a
esclarecer as condições de emprego (salário, tempo de trabalho, benefícios, local da
vaga)75 quando os anúncios são ‘virtuais’.
74
A intolerância a critérios discriminatórios deve ser vista também como resultante da eficácia do
aparelho jurídico de cada país. A ‘igualdade de oportunidades’ é uma questão que se coloca muito mais
para a Grã-Bretanha do que para a França ou a Espanha, a tal ponto que os anúncios chegam a conter o
sinal inverso de critérios de discriminação, como no exemplo a seguir: “Nós damos particular boas vindas
às candidaturas de negros e grupos de minorias étnicas e de pessoas com deficiências que são
correntemente sub representadas na força de trabalho.” (Jobs unlimited, 2001)”. (MARCHAL &
RIEUCAULT: 2004, p. 13 – tradução própria)
75
Os autores ressaltam que os anúncios na Internet, mais do que na imprensa, favorecem uma seleção
“a priori”, destinada a filtrar o máximo os candidatos, tornando o processo seletivo mais eficaz,
especialmente pela presença de rubricas ou de ‘campos’ que estruturam a entrada de informações sobre
as vagas (escolaridade, salário, idade, etc.). Dessa forma, a elevação quantitativa dos critérios de seleção
pode ser imputada ao menos parcialmente à presença destas rubricas, mais do que à necessidade real
do posto que está sendo ofertado. Nos sites franceses e espanhóis, a rubrica ‘formação’, por exemplo,
está presente na quase totalidade desses, o que não ocorre nos sites ingleses, o que indica a menor
pertinência que é dada a este indicador na avaliação das competências durante o recrutamento. Assim,
se a especificidade dos anúncios britânicos reside exatamente na menor intensidade dos critérios de
11 5
O que se pode inferir do trabalho dos autores é que a vocalização das demandas, no
que diz respeito às competências que podem ser adquiridas via esforço e que seriam
indicativas do mérito, também estão sujeitas à ação do que se considera justo ou
legítimo como critério de seleção (inclusão/exclusão) em cada sociedade e em cada
momento histórico.
formação, isto também reflete um determinado modo de funcionamento das relações de trabalho que são
vigentes neste país que se traduz, entre outras coisas, pela estrutura de entrada de dados do anúncio.
76
Na França o uso de testes grafológicos é muito mais disseminado nos processos seletivos, ao passo
que nos EUA este tipo de prova é desqualificada por ser pouco ‘científica’.
11 6
Tabela 2
Anúncios para executivos que possuem ‘filtros’ para recebimento de currículos
Categoria profissional
Tipo de filtro
Diretor Gerente
Filtro de sexo 1 (1%) 40 (1,6%)
Filtro de idade 10 (14%) 79 (3%)
Filtro de cidade 22 (31%) 285 (11,6%)
Total de anúncios 70 (100%) 2451 (100%)
Fonte: Grupo Catho. Informações referentes ao banco de dados ativo em 8 de agosto de 2005
77
Segundo pesquisa realizada pela empresa em julho de 1999 junto a 9.484 pessoas, cada 5 anos a mais
na idade corresponde ao acréscimo de R$ 572,23 na remuneração aferida pelo profissional enquadrado
como ‘executivo’. Em acordo com eles “o executivo maduro ganha de 50 a 100% a mais do que o
executivo jovem, no mesmo cargo e mesmo tamanho de empresa. Identificou-se que a verdadeira razão
pela discriminação da idade no mercado de trabalho é porque os executivos maduros são muito caros.”
(Grupo Catho. Fatores que influenciam a Remuneração dos Executivos. Julho de 1999. Obtido no site da
empresa. p. 2)
11 7
78
A estabilidade familiar como um fator relevante para as contratações de executivos pode ser melhor
exemplificada a partir do depoimento de Miriam Adissi, para quem a instabilidade emocional que envolve
momentos de separação ou de crise representa, para o futuro contratante, sinais da possível falta de
capacidade de discernimento do candidato. Em suas palavras: “O fundador da Catho, há anos, aconselha
muita prudência à consultoria, para que nunca seja enviado ao contratante, para possível admissão,
candidato recém separado da esposa. A explicação é que o profissional, vivendo uma ruptura conjugal,
não terá cabeça para decisões importantes em sua carreira.” (ADISSI: 1997, p. 85). No entanto nesta fala
também se nota a forte ação dos intermediários, no caso da presidência da consultoria, em definir quem
tem e quem não tem chances de pleitear o cargo.
11 8
80, ao passo que a capacidade técnica, que segundo ela pode ser desenvolvida e
aperfeiçoada mais facilmente, passou a ter peso de 30 a 40% (pág. 49).
Resumo do capítulo
Para respondê-la afirmamos que uma boa fonte empírica são os anúncios de emprego
publicados na mídia impressa e mais recentemente na Internet. Este é um material
pouco explorado nas pesquisas, especialmente no Brasil. O seu uso, ao mesmo tempo
11 9
A terceira pesquisa considerada foi desenvolvida por Jackson e faz uso de anúncios
de emprego publicados em jornais ingleses. A autora se preocupa em testar a
hipótese de seleção por mérito e elabora para tanto dois conceitos que permitem
capturar a demanda dos empregadores: o primeiro é a versão estrita do mérito (narrow
merit selection), que inclui as qualificações educacionais e outras habilidades que
possam ser adquiridas via esforço; o segundo é uma versão de mérito ampliada
12 0
(broader merit selection) que abrange todas as capacidades ou atributos que possam
ser adquiridos e que normalmente não são considerados nas pesquisas. Conclui que
se de um lado as características que são classificadas como representativas do mérito
(em suas versões estreita e ampla) sejam demandadas por um número significativo de
empregadores, estas não eliminam a presença de critérios não meritocráticos. A
colaboração posterior de Goldthorpe e Mills à análise dos dados obtidos foca a ação
dos empregadores como elemento relevante para explicar o peso e o sentido da
educação no processo de contratação. Concluem afirmando que se para algumas
ocupações o papel dos conhecimentos técnicos (e da escolaridade como atestadora
do domínio destes) é relevante, para muitas outras ocupações do setor serviços o que
tem maior importância é a presença de atributos tais como ‘boa aparência’, ‘estilo de
vida’, etc., as quais não raro estão associadas ao meio de origem.
No próximo capítulo iremos nos deter na análise das principais transformações pela
qual a categoria sócio-profissional dos gerentes vem passando ao longo dos últimos
anos, o que nos permitirá uma aproximação mais acurada do nosso objeto empírico.
Este mapeamento é de grande relevância uma vez que fundamenta os alicerces para
um discurso (e uma prática) que recompõe o sentido do mérito para este grupo
profissional, conferindo ao conceito novos significantes (sem no entanto abdicar dos
sentidos tradicionais).
12 2
Crescimento
Grupamentos ocupacionais 1998 2004
(2004/1998)
profissões ligadas às ciências – o que torna a disputa pelos novos cargos mais
acirrada, ainda que não pautada essencialmente nas credenciais escolares.
79
Com base nos dados da PNAD, o autor conclui que durante o período 1973-1982, o efeito da
escolaridade nas chances de se obter um cargo gerencial experimentou elevação (passando de 24,3%
para 25,1%), mas que a partir do ano 1982 começa a cair. Assim, em 1996, o incremento de um ano a
mais de educação nas chances de ocupabilidade gerencial cai para 22,5%. (HELAL: 2005, p. 39).
80
Grupo Catho. Pesquisa “A Contratação, A Demissão e a Carreira dos Executivos Brasileiros” ano 2005.
81
Há quatro níveis de competências associados à CBO 2002. O nível 4 reúne os profissionais de nível
superior constantes do GG 2 (profissionais das ciências e das artes). O nível 3 refere-se aos técnicos e
profissionais de nível médio, constantes do GG 3 (técnicos de nível médio). Os GGs 4, 5, 6, 7, 8 e 9
(respectivamente: Trabalhadores de serviços administrativos; Trabalhadores dos serviços, vendedores do
comércio em lojas e mercados; Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e pesca; Trabalhadores
da produção de bens e serviços industriais; Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais e
Trabalhadores de manutenção e reparação ) majoritariamente referem-se aos trabalhadores de nível 2.
Os trabalhadores elementares (nível de competência 1) encontram-se identificados em algumas famílias
dos GGs 4, 5, 6 e 9. Assim, há dois grandes grupos para os quais não são associados níveis de
competência, dada a sua heterogeneidade: o que se refere aos dirigentes (grande grupo 1) e o que se
refere às forças armadas, bombeiros e polícia militar (GG 0). (Fonte: Classificação Brasileira de
Ocupações, 2002. Brasil - MTE)
12 5
Portanto, ainda que o GG1 agrupe os “empregos que compõem as profissões que
estabelecem as regras e as normas de funcionamento do país, estado e município,
organismos governamentais de interesse público e empresas, além de reunir os
empregos da diplomacia” (CBO 2002, p.12) não há uma definição do nível de
competência associado à escolaridade que possa ser aplicado a estes empregos, pelo
fato de “os dirigentes terem escolaridade diversa e, portanto, níveis de competência
heterogêneos.” (ibidem, p. 11)
Dessa forma, embora seja verdadeiro que na descrição da maior parte das famílias
ocupacionais que compõem o GG1, se faça presente o peso da posse das credenciais
escolares de nível superior como requisito mínimo para o ingresso no posto, existem
casos em que o acesso não é vedado para os portadores de títulos do ensino básico
incompleto (como na família 1414 – gerentes de operações comerciais e de
assistência técnica), do ensino médio (como na família 1415 – Gerentes de operações
de serviços em empresa de turismo, de alojamento e de alimentação), ou do ensino
superior incompleto (família 1421 – Gerentes administrativos, financeiros e de risco).
Há ainda casos nos quais as condições de acesso descritas revelam ainda a
presunção de existência de um mercado interno de trabalho, em que a dimensão
educacional encontraria peso secundário (como por exemplo a descrição da família
1424 – gerentes de suprimentos e afins, onde se lê: “o acesso às ocupações
gerenciais nesta área pode se dar por ascensão de carreira pessoal de compras da
empresa, com ou sem escolaridade de nível superior” – MTE;CBO 2002)82.
82
Para detalhes quanto à distribuição dos níveis de competência por família ocupacional, ver Quadro –
Descritores de formação e experiência por famílias ocupacionais constituintes do Grande Grupo 1,
apresentado em Anexo.
12 6
ressaltando que se apesar de tudo em seus trabalhos ele ainda persiste utilizando a
palavra gerente (cadre), isso não se dá sem que se tenha presente a consciência da
miríade de signos que, de todas as partes, apontam para a sua ‘perda de substância’.
(BOUFFARTIGUE: 2001b, p. 233).
Bouffartigue (2001d), por sua vez, se levanta criticamente à esta visão de ‘grupo
social’ elaborada por Boltanski. Tomando apoio nas pesquisas de Benguigui e
Monjardet, ele aponta que para se sair do impasse total em que se caiu com os
estudos que focam as representações, é preciso retornar à prática dos indivíduos para
compreender e delimitar suas ações. Assim, para se definir a categoria deve-se partir
não da pergunta ‘quem são os quadros’, mas sim ‘o que os fundamenta’. Em outras
palavras, a delimitação do grupo, antes de considerar aspectos relativos ao estatuto
(denominação dos cargos pelas empresas) ou das nomenclaturas oficiais das funções,
deverá tomar apoio na estrutura com que os indivíduos empregam seu tempo, porque
é essa a variável que reflete melhor o trabalho de enquadramento, transcendendo
tanto as divisões estatutárias quanto as funcionais. (BOUFFARTIGUE: 2001d, p. 483)
83
Bouffartigue identifica 9 tipos de papeis sociais distintos tendo como base as diferenças no emprego do
tempo dos gerentes. Estes tipos podem ser agrupados em dois conjuntos: em um preponderam as
atividades relacionais (onde os indivíduos se ocupam prioritariamente da manipulação das relações e da
distribuição de ordens) e no outro predominam as atividades técnicas. Esta separação indica a divisão,
que também atravessa a categoria, entre ‘trabalho manual’ e ‘trabalho intelectual’, ainda que ela não seja
evidente nas divisões estatutárias e hierárquicas correntes. Tendo como referência esta clivagem é
possível extrapolar e compreender as variações em termos de atitudes e opiniões que opõe os indivíduos
conforme eles se situem mais no ‘pólo político’ (relacional) ou mais no ‘pólo técnico’. (BOUFFARTIGUE:
2001d, p. 4)
12 7
Estas divergências são recuperadas por Roussel (2004) que, ao passar em revista os
trabalhos e pesquisas de diversos autores sobre os gerentes, afirma que o problema
em torno da construção mesma do objeto (‘cadre’) resta em suspenso:
Antes porém vale assinalar que na origem das possibilidades de um indivíduo vir a se
tornar gerente encontra-se uma disputa que opõe duas vias de acesso - conforme
sublinhado por Boltanski (1982) e reforçado por Grün (1995): de um lado tem-se a ‘via
lenta’, onde o trabalhador ingressa em posições hierárquicas inferiores e, através da
experiência que vai adquirindo, se qualifica para ocupar funções de status mais
elevado. Esta via é característica do tipo de recrutamento que se dá no mercado
interno84 e que pressupõe que a experiência adquirida ou competência não seja
84
As principais características do mercado interno podem ser sumarizadas da seguinte forma: a relação
de trabalho se inscreve em uma perspectiva de longo prazo; a entrada na empresa se faz com base em
determinadas funções ou postos iniciais; a evolução se dá por meio da promoção interna, onde o “tempo
de casa” faz diferença; os salários são definidos por regras internas e não se alinham com os preços
praticados no mercado externo. Piore & Doeringer lembram ainda que uma das condições de
12 8
Mas ao mesmo tempo em que a ‘via rápida’ vai se impondo como dominante, tornando
as credenciais escolares cada vez mais necessárias, a categoria ‘gerentes’
experimenta fissuras de tal magnitude que leva alguns estudiosos a antever a sua
extinção enquanto categoria social, dada a sua ‘banalização’ ou aproximação efetiva
aos demais trabalhadores assalariados, perdendo assim o seu estatuto diferenciado86.
Segundo Bouffartigue (2001a; 2001b; 2002), até aos anos 1980 a situação de trabalho
do gerente se caracterizava pela segurança no emprego com uma perspectiva de
carreira ascendente associada; por certa autonomia que lhe conferia margem de
manobra para suas decisões; pela diversificação de suas atividades; pelo acesso
privilegiado a informações estratégicas da empresa; por uma jornada de trabalho
extensa; pela obrigação de fidelidade e obediência aos dirigentes e patrões; e por um
funcionamento do mercado interno é a própria expansão dos empregos. Em momentos de recessão, esta
lógica se desestabiliza. (PIORE & DOERINGER: 1971)
85
Bouffartigue (2001a) complementa esta abordagem afirmando que as duas vias de reprodução dos
gerentes (a via da aquisição escolar das capacidades especializadas e certificadas e a via da promoção
no seio das organizações) também se distinguem no tocante à maior dependência ou autonomia do
profissional diante das empresas particulares e do Estado. A lógica da profissionalização, afirma ele, visa
o controle, garantido pelo Estado, das vias de acesso e dos modos de exercício da profissão, ao passo
que a lógica da promoção implica na dependência da empresa. (BOUFFARTIGUE: 2001a, p.13)
86
Preocupação que se manifesta no título de livros tais como os de P. Bouffartigue: (2001), Les cadres.
Fin d’une figure sociale (Paris, 2001 – Ed. La Dispute) e Cadres, la grande rupture (Paris, 2001 - La
Découverte Recherches) ; e ainda de C. Falcoz: Bonjour les managers, adieu les cadres (Paris, 2003,
Editions d´Organization.
12 9
contrato de trabalho de natureza mais ‘moral’ do que ‘econômica’. Estes atributos, que
conformam a sua situação de ‘assalariado de confiança’, lhe conferiam prestígio e
status, distinguindo-o e afastando-o dos assalariados comuns.
No entanto, após os anos 1990, a situação dos gerentes (como do restante da força
de trabalho) se altera substancialmente. Os fenômenos descritos como mundialização
do capitalismo, as mudanças nos padrões de gestão dos recursos humanos (equipes
de trabalho, gestão participativa, trabalho por projetos, individualização dos processos
de avaliação e de remuneração, individualização das carreiras profissionais), as
práticas de downsizing e a concentração em pequenas unidades de produção (ou
unidades de negócios, ou centros de lucro), aliadas à busca de flexibilidade e às
ondas de terceirização, atingem duramente a esta categoria. Além de experimentar,
como nunca antes, o fenômeno do desemprego e da precarização do trabalho, os
gerentes vêem os fundamentos de sua identidade serem transformados.
87
Cabe assinalar que por trás do contrato social no qual é possível que a lealdade se estabeleça como
bem corporativo, encontra-se a pressuposição de que as gerações mais jovens (e mais produtivas)
aceitem aferir menores salários no início de suas carreiras em prol das gerações mais velhas que
capturam os ganhos mais elevados; antevendo que, quando chegar a sua hora, eles também serão
beneficiados pelos jovens que serão contratados no futuro. No entanto, quando esta dinâmica é rompida,
a conseqüência é que as empresas passam a privilegiar o talento jovem (e sua remuneração inferior) em
detrimento dos mais experientes, mais caros e também mais críticos. O que equivale dizer que neste
ambiente que se instala, “na medida em que aumenta a experiência, ela perde o seu valor” (SENNETT:
2006, p. 93), culminando no reforço da dimensão geracional como fator de exclusão. Para detalhes sobre
como este elemento aparece nos anúncios de emprego, ver artigo de Marchal e Rieucau (2005) intitulado
“Candidat de plus de 40 ans, non diplôme ou débutant s´abstenir”. Para um panorama sobre as
conseqüências das práticas, ferramentas e políticas de gestão sobre a população trabalhadora de mais
de 50 anos, ver relatório de pesquisa de C. Falcoz (2004) intitulado “Parcours professionnel et
employabilité des 50 ans et plus”.
13 0
São vários os impactos que tais ondas de mudança trouxeram sobre os gerentes,
sendo que os mais significantes podem ser sumariamente descritos da seguinte forma:
banalização da categoria; perda de referências hierárquicas ‘enquadrantes’;
fragmentação e diversificação; inflação nominal na titulação dos postos;
distanciamento em relação à empresa; o indivíduo como gestor de sua carreira e
empregabilidade; e valorização do ‘nomadismo’.
a) A “banalização” da categoria
Esta talvez seja a mais relevante mudança que se colocou aos gerentes ao longo dos
últimos 20 anos. Antes de ter origem nas transformações organizacionais e
econômicas, o repúdio à autoridade, derivada da ocupação de um determinado posto
ou cargo, guarda relação com o que Boltanski e Chiapello (1999) descrevem como
sendo a ‘recuperação da crítica artística’ no âmbito das teorias e práticas de gestão.
Esta natureza de crítica, a qual os autores apontam como sendo fortificada após os
movimentos de maio de 1968 na França, denuncia a alienação da vida cotidiana pela
aliança entre o ‘capital’ e a ‘burocracia’. A hierarquia é assim vista como o espelho, no
interior da empresa, da burocracia ou da dominação do capital, devendo portanto ser
banida em prol da autonomia dos indivíduos e da sua livre expressão, estas
identificadas positivamente com a liberdade de escolha e com o individualismo
crescente. A incorporação desta crítica pelos teóricos em gestão, se de um lado reúne
os argumentos que fazem a denuncia do caráter alienante das relações hierárquicas
piramidais, por outro lado enfatiza o aspecto relativo à sua baixa eficácia econômica
para a empresa, na medida em que inibem a criatividade e a iniciativa.
“É de suas qualidades pessoais que eles tiram a autoridade que faz deles
‘líderes’, e não de uma posição estatutária qualquer. Aliás, eles refutam os ‘sinais
de poder’ (tais como muitas secretárias, elevador ou sala reservada em
restaurantes, escritórios suntuosos). A autoridade que eles adquirem diante de
suas equipes está ligada à ‘confiança’ que lhes é atribuída graças a suas
qualidades de ‘comunicação’ e de ‘escuta’, que se manifestam nas relações face
a face com os outros.” (BOLTANSKI & CHIAPELLO: 199, p. 122 – tradução
própria)
Desse modo, o gerente não mais impõe ou manda, ele agora negocia e convence. A
“autoridade autorizada” é substituída pelo carisma, que deve ser acionado para ‘fazer
aderir’. Roussel (2003) lembra que, ao se colocar em prática este eufemismo,
consegue-se “esvaziar os termos que possam evocar a noção de poder” (ROUSSEL:
2003, p. 49), e a resultante é que se acaba por privar os indivíduos dos conceitos e
das categorias que tradicionalmente são utilizados para se pensar a dominação.
autônomo, prestador de serviço, contratado por tempo determinado, para cumprir uma
função ou ‘missão’ específica, temporalmente circunscrita (BERTON: 200189; MORIN:
2002).
89
Berton (2001) afirma que nesta situação, a identidade do gerente passa a ser muito mais vinculada ao
seu metier do que à organização – ele se aproxima dos profissionais liberais, e concorrem nos moldes
dos ‘mercados profissionais’. Ao contrário do que caracteriza o funcionamento dos ‘mercados internos’,
em um mercado do tipo profissional, a qualificação do trabalhador é transferível de uma empresa a outra,
o que lhe possibilita uma mobilidade horizontal entre organizações utilizando uma mesma qualificação, e
a partir desta mobilidade vai-se compondo uma trajetória profissional e uma carreira do tipo ascendente.
Por outro lado, esta possibilidade de transferência exige uma “padronização da qualificação a fim de que
as empresas conheçam a natureza e a qualidade dos conhecimentos dos assalariados, donde a
necessidade do desenvolvimento de diplomas profissionais de diferentes níveis.” (BERTON, 2001, pág. 2
– tradução própria). Há portanto uma contradição entre as situações que são experimentadas pelos
gerentes: ao mesmo tempo em que se constata a diversificação da categoria na definição de suas
funções e responsabilidades e a pluralidade de denominações que as empresas lançam mão para
classificar seus postos (em conformidade com um funcionamento do tipo ‘interno’), há também o apelo à
mobilidade entre-empresas como elemento fundamental na composição da competitividade do gerente.
Mas este tipo de mobilidade, por seu turno, depende da existência de mecanismos que possibilitem a
universalização do trabalhador, e com isso possibilita a sua transferência, a partir de formatos que sejam
minimamente equivalentes, de uma situação de trabalho para outra.
90
Vale lembrar que a despeito das classificações oficiais de ocupações, as empresas são livres para
definir suas estruturas organizacionais assim como para nomear, da forma que lhes interessar, os seus
quadros. Essa nomenclatura diferenciada ou ‘exclusiva’ faz parte do jogo e das lutas simbólicas que se
travam entre as empresas e seus funcionários, e costuma ser uma forte moeda de troca no sentido de
valorizar os ocupantes dos cargos. Isso no entanto se reverte em uma ‘particularização’ do ocupante ou
do postulante, opondo-se à sua universalização. Essa singularização é uma queixa comum das
consultorias de head-hunter que lidam com clientes que insistem em buscar, ‘no mercado’ profissionais
para cargos cujas fronteiras são de difícil identificação, tornando mais árduo o trabalho dos intermediários
no que consiste na formatação da demanda e na apresentação de soluções (GAUTIÉ et al: 2005, p. 389).
13 4
91
Cousin (2003) define o modelo integrado como um sistema fechado que repousa na noção de lealdade
recíproca no qual quanto mais os quadros são fieis às empresas, mais esta lhes oferece garantias de
ascensão e carreira, e reciprocamente, quanto mais as empresas se ocupam das gestão da carreira de
seus quadros, mais estes buscam a integração. (COUSIN: 2003, p. 7 e 8)
13 5
92
Hirschman (1973) afirma que a opção de ‘saída’ corresponde a uma solução que é buscada no campo
da economia: “o cliente que insatisfeito com o produto de uma empresa, muda para o de outra, usa o
mercado para defender seu bem-estar ou para melhorar sua situação” (HIRCHMAN: 1973, p. 25). Já a
‘voz’ é o seu oposto, e situa-se do campo da política: “voz é ação política por excelência”. (ibidem, p. 26).
93
A este respeito, Aubrey (1996), define que a ‘empresa individual’ é composta pelo somatório de
diferentes ‘capitais’, cujos componentes são descritos como: educação, formação e cultura; talentos e
competências; sabedoria e experiência; posicionamento no mercado de trabalho; portfólio profissional;
base de clientela; propriedade intelectual; dinheiro e ativos; família e rede social; energia e saúde;
qualidades pessoais e talentos.
94
Gorz afirma que há um descolamento entre o trabalho individual de produção de si, o qual se configura
como um componente do capital humano social, e o trabalho na empresa. A produção de si se torna
autônoma em relação ao trabalho propriamente dito, porém, as empresas se apropriam gratuitamente
deste ‘trabalho individual’, de forma a atender suas necessidades particulares sem que se preocupem
com a oferta das contrapartidas. Atividade que se prolonga ao curso de toda a vida, a produção de si
abrange situações e contextos os mais diversos, passando pelas atividades lúdicas, esportivas, artísticas,
13 6
g) A valorização do “nomadismo”
culturais e associativas, que possibilitam o desenvolvimento de saberes e competências tais que não
cessam de ganhar importância. Neste jogo, afirma Gorz, a estratégia patronal de gestão dos recursos
humanos se desloca da dominação direta circunscrita ao trabalho em direção a uma dominação no
trabalho de produção de si; invade e confunde as fronteiras entre o trabalho e a vida privada: “ou seja,
sobre o alcance e a divisão das capacidades e saberes que os indivíduos devem adquirir, e sobre as
condições e modalidades de sua aquisição. A dominação se estenderá, portanto, acima e abaixo do
trabalho direto. Ela vai se alargar em direção ao tempo de não trabalho, para as possibilidades de
planejar e organizar o tempo fora do trabalho. A vida inteira se encontra submetida às imposições dos
horários e ritmos de trabalho flexíveis e imprevisíveis que fragmentam os tempos, introduzindo
descontinuidades e colocando obstáculos às atividades sociais e familiares.” (GORZ : 2003, p. 35 –
tradução própria)
95
Tradicionalmente os estudos sobre a carreira dos gerentes opõem de um lado a ‘mobilidade escolhida’
e de outro a ‘mobilidade sofrida’ (ARAÚJO: 2005). A primeira, positivamente valorizada, insere-se na
perspectiva de enriquecimento das competências e na aquisição de experiência e se faz acompanhar da
ascensão na carreira, da obtenção de sucesso profissional e material e da busca de uma satisfação
pessoal. Já a segunda se caracteriza pela mobilidade imposta, pela ausência de escolha, e traz a marca
da trajetória errante que tanto pode incluir a mobilidade horizontal quanto a declinante.
13 7
96
Chanlat (2002) define o ‘managerismo’ como sendo o “sistema de descrição, explicação e interpretação
do mundo a partir das categorias da gestão privada”. Afirma que as manifestações da disseminação do
‘managerismo’ no tecido social são diversas. Em primeiro lugar, ela se manifesta no nível lingüístico, com
a invasão de termos como ‘gerir’, ‘gestão’, ‘management’, ‘gestionário’ nas trocas do dia-a-dia (gerencia-
se os sentimentos, as relações, etc.). Em segundo lugar, no nível das organizações, percebe-se a
disseminação de princípios administrativos oriundos da empresa privada (como eficiência, produtividade,
desempenho, produto, marketing, qualidade total, excelência, etc.) que são incorporados por instituições
que até então estavam fora deste circuito – como escolas, hospitais, igrejas, etc. Assim, o discurso e
saberes próprios dos ‘managers’ ou dos gerentes penetra em várias dimensões da vida social, colocando
esta categoria como uma das “figuras centrais da sociedade contemporânea” (CHANLAT: 2002, p. 2)
Boltanski e Chiapello lembram que na França o vocábulo de ‘manager’ se impôs tardiamente, cumprindo
o papel de opor-se ao chefe hierárquico. Disseminado neste país a partir dos anos 1980-1990, o
‘manager’ passa a designar os assalariados que manifestam sua excelência na animação de uma equipe,
opondo-se aos engenheiros cuja competência reside no manejo das técnicas.
97
Bouffartigue e Pochic (2001), a partir da analise de dados empíricos sobre a mobilidade dos ‘cadres’
franceses, concluem que a difusão prática do modelo do gerente nômade se revela bastante limitada,
sendo mais encontrada entre os jovens que se situam nas profissões de serviço ou nas empresas de
informática. Além disso, constatam que de modo geral os gerentes ainda permanecem relativamente
protegidos da ‘flexibilidade de mercado’, e somente aqueles que são mais fragilizados (em termos de
formação, idade, etc.) é que são levados a renunciar à situação de emprego estável e assalariado. No
entanto, os autores fazem questão de enfatizar que isso não retira do modelo a sua eficácia prática, uma
vez que numerosos são os profissionais que se ocupam ativamente da gestão de suas carreiras, incluindo
a consulta aos classificados de emprego, a atualização de currículos, etc. Mas há aqui uma distinção que
13 8
por ser um componente de uma mudança cognitiva, um elemento neste novo princípio
ordenador da estrutura social onde as mudanças que afetam a categoria sócio-
profissional do gerente passam a ser percebidas como dominantes ou universais. Com
a imposição deste enquadramento para o conjunto dos sujeitos sociais, são aqueles
indivíduos mais representativos ou ‘típicos’ da categoria que irão conseguir obter maior
quantidade de vantagens na distribuição dos produtos sociais, sejam econômicos ou
simbólicos (GRÜN: 1995, p. 123).
Finalmente, cabe lembrar que o trabalho de mobilização simbólica que permite aos
indivíduos darem um sentido e uma positividade a este conjunto de transformações é
particularmente elaborado no interior dos textos que compõe a chamada literatura de
gestão (conforme enunciado por Boltanski e Chiapello: 1999 e reforçado por
Bouffartigue e Pochic: 2001). Voltada a oferecer uma ‘radiografia’ dos novos contornos
do mundo (o que mudou e porque mudou) e ao mesmo tempo apresentar, fazendo
uso de exemplos tipificados ou casos particulares, um receituário moral e normativo
que orienta as condutas e ações rumo ao ‘sucesso’98, este tipo de material encontra
público cativo entre os gerentes e seus postulantes mas também, e porque não
afirmar, entre os pesquisadores e professores no campo da gestão (e mesmo na
sociologia do trabalho99).
se coloca entre os que estão empregados, cuja postura ativa visa a busca de novos espaços no interior
das empresas, e os que estão em situação de desemprego. Para estes últimos, o modelo do nomadismo
tem “o mérito de sustentar sua mobilização material e psicológica em uma conjuntura de existência
frequentemente difícil. E se for levada em conta a realidade estrutural e a desvalorização relativa dos
gerentes (cadres) em fim de carreira, face inversa do modelo positivo do ‘jovem gerente (cadre) com
potencial’, pode-se questionar se a maior parte dos atores atualmente não estão interessados em cultivar
um mito que contribui para ocultar uma dificuldade que a maioria deles será levada a enfrentar mais cedo
ou mais tarde.” (BOUFFARTIGUE & POCHIC: 2001, p. 57 – tradução própria).
98
Barbosa (2002) entende que boa parte desta ‘literatura de gestão’ compõe o que ela denomina por
‘cultura de negócios’, conceito que pode ser definido como sendo “uma série de fluxos culturais –
repertórios de imagens, valores, símbolos e significados – que permeiam o discurso e a atividade
empresarial e gerencial das empresas transnacionais, multinacionais ou globalizadas” (BARBOSA: 2002,
p. 107), o qual, por meio da invenção ou apropriações semânticas, visa dar um sentido ao universo
empresarial e organizacional. Fazendo uso de seus repertórios de imagens, lógicas, discursos e valores,
este ‘pacote’ de idéias é trazido à cena para justificar o que mudou, explicar porque isso ocorreu e
informar o que deve ser feito para que a empresa ou organização continue sobrevivendo e obtendo
sucesso. E continua afirmando que um dos principais traços constitutivos desta ‘cultura’ é a ênfase no
pragmatismo, na possibilidade de aplicação de qualquer tipo de conhecimento independentemente da sua
origem ou da origem do seu produtor. E é isso que permite que se encontre, no universo dos negócios e
das empresas, “saberes e personagens das mais diferentes procedências” convivendo lado a lado,
formando um caldo onde se observa desde “o conhecimento científico da física quântica e da matemática
do caos até abordagens trazidas por psicólogos, antropólogos, rabinos, poetas, administradores,
engenheiros, astrólogos e numerólogos, entre muitos outros.” (ibidem, p. 108).
99
Wood Jr e Paes de Paula (2003) definem este conjunto de textos como pertencentes literatura de ‘pop
manager’, e reforçam que esta é consumida não apenas pelos executivos, mas que também é
comumente encontrada na mesa de professores e pesquisadores.
13 9
Seus conteúdos, idéias e proposições também são divulgados por outro conjunto de
atores que atuam tanto como porta-vozes desta nova configuração do mundo quanto
como produtores desta ideologia100: trata-se dos profissionais responsáveis pelas
áreas de recursos humanos das empresas, os consultores e conselheiros de carreira,
os ‘head-hunters’, e os diversos intermediários do mercado de trabalho (agências de
comunicação, sites de emprego, periódicos especializados, etc.). Ao fazê-lo operam
um trabalho duplo: de um lado justificam a sua própria existência como uma
‘necessidade’, tornando-se cada vez mais ‘imprescindíveis’; e de outro contribuem
para a consolidação deste conjunto de idéias, ou desse ‘espírito’, a partir de um
referencial profissional universal, que não se restringe à categoria profissional dos
‘gerentes’. Assim, o modo de ser, os valores, as práticas gerenciais ou executivas
pouco a pouco transbordam para além do seu berço de origem, tornando-se “o”
princípio válido para instituições públicas e privadas, grandes e pequenas, de capital
nacional e internacional, e que devem ser seguidas pelos ‘líderes’ e pelos
‘colaboradores’, pelos profissionais ‘empregados’ e pelos que ‘estão em busca de
novas oportunidades’. Por fim, vale lembrar que sua força mobilizadora advém do fato
de que este quadro de referentes se apresenta como alternativa às ‘grades de ferro da
burocracia’, que encerram o indivíduo à organização. Ao promover a flexibilidade, a
autonomia, o individualismo, este novo conjunto de proposições vai de encontro às
críticas que denunciaram, nos momentos anteriores, o trabalho ‘taylorizado’,
‘fragmentado’ e ‘padronizado’ e a ‘hierarquia burocrática’, na qual os gerentes faziam a
vez de representantes do capital.
Portanto, podemos afirmar que é calcado nesta ambiência que se tecem os contornos
das exigências que serão feitas aos gerentes a serem recrutados no mercado externo
(e que nos ocuparemos nos próximos capítulos); onde o ‘anúncio de emprego’ se
revela como uma pequena amostra desse conjunto de idéias que atravessa os atores
sociais – tanto os que são encarregados da sua elaboração quanto os que são os
100
Grün (1999) lembra que no mundo econômico a relação entre o discurso e a prática deve considerar
as possibilidades de interpenetração entre instâncias que usualmente se toma como separadas: a
retórica, longe de ser um jogo de palavras vazio, é algo que “modela as práticas”, produzindo e
circunscrevendo o número de alternativas possíveis para a decisão dos agentes. (GRÜN: 1999, p. 126)
Assim, ainda que a ‘prática’ possa em determinados momentos se afastar dos discursos, tal como visto
em nota anterior relativa às conclusões de Bouffartigue e Pochic ao investigarem o nomadismo, é a força
deste último que permite, inclusive, que se desenvolvam novos produtos no campo econômico. Tal é o
caso dos sites de emprego na Internet (job boards) que comercializam seus serviços de vagas e
currículos cobrando ‘assinaturas’ mensais, semestrais e ainda anuais. A força de venda deste ‘produto’
reside no discurso que se difunde e configura uma disposição (antes que uma prática real) para o
comportamento do tipo nômade (tendo em vista a troca de empregos) o que por sua vez permite a
aquisição de tais serviços pelos atores sociais.
14 0
Resumo do capítulo
Parte 2 – A pesquisa
14 3
A opção pelo ano de 1990 deveu-se a dois motivos. Em primeiro lugar, ele antecede à
segunda grande fase de expansão das matrículas no ensino superior brasileiro (que
ganha vulto somente a partir da segunda metade da década). Em segundo, é uma
data-chave que possibilita captar o princípio das grandes transformações estruturais
experimentadas pela categoria gerencial (enumeradas no capítulo anterior) mas que
não estavam ainda consolidadas. Nesta ocasião, o Brasil não conhecia a estabilidade
monetária e apenas vislumbrava o início de seu processo de abertura. A
modernização do parque produtivo nacional ocorria forma seletiva e pontual
(ABRAMO: 1990) e, no que concerne à gestão de recursos humanos, o discurso do
desenvolvimento das ‘competências’ como substituto à qualificação ainda
engatinhava; porém já demonstrando seu fôlego (contrariando os que apostavam se
tratar apenas de mais um ‘modismo’ passageiro – RÉGNIER: 1998). Além disso, a
pós-graduação stricto sensu ainda era bastante restrita, os MBA´s praticamente
inexistentes, e as matrículas no ensino superior somavam pouco mais de 1,5 milhões
de alunos.
Uma década e meia depois, o cenário brasileiro é muito diferente. A inflação está
controlada e a economia brasileira definitivamente exposta ao jogo competitivo
internacional, o que levou vários setores produtivos a implantar um processo de
modernização acelerada visando acompanhar os níveis de produtividade e qualidade
dos produtos concorrentes (PORTO et al: 2001, p. 35). A produtividade média da
economia brasileira cresceu significativamente ao longo da década de 90, mas deixou
como saldo um forte impacto no nível de empregos: somente entre 1991 e 1999, mais
14 4
90 50
Celulares
variável, incluindo este novo 80
40
70
suporte além dos tradicionais. Se
60
30
em 1990 o suporte ‘jornal’ era a 50
40
melhor forma de colocar em 30
20
computadores
relação os ofertantes de vagas e 20
10
Internet
10
os candidatos, após uma década e 0 0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
meia, o que se observa é uma Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) / CGI Brasil / Anatel
grande diversificação e
diferenciação dos canais: jornais (genéricos e especializados), revistas, sites de vagas
e currículos, sites das próprias empresas, correio eletrônico, mala direta, etc.
A seguir são descritas as fases e as decisões que foram tomadas na elaboração das
amostras.
Arbitrou-se que a consulta a dois periódicos em cada ano-chave seria suficiente para
que se pudesse captar as principais tendências de transformações nas variáveis que
nos interessava.
O primeiro critério estipulado para a seleção dos anúncios que seriam analisados
consistiu no seu formato: tomando inspiração na metodologia adotada por Marchal e
Torny (2002), foram considerados apenas os casos apresentados em formato ‘quadro’
(que corresponde aos anúncios ‘em altura’ na nomenclatura especializada), o que
eliminou a grande miríade de pequenos anúncios que são publicados em ‘linha’. Esta
decisão foi corroborada por depoimento colhido em entrevista junto a um especialista
em classificados de emprego de um dos jornais selecionados, que afirma que as
vagas mais “atrativas” são sempre apresentadas em altura, e nunca em linha:
102
O ‘Jornal do Brasil’, que poderia ser incluído como uma opção, foi descartado devido à sua perda de
espaço frente aos demais jornais.
103
O jornal ‘Folha de São Paulo’ que é comercializado no estado do Rio de Janeiro, nossa base de
pesquisa, não disponibiliza o suplemento de empregos.
104
Na ocasião da pesquisa, o acesso aos arquivos do jornal ‘O Estado de São Paulo’ estava
comprometido, o que não ocorreu em relação ao jornal ‘Folha de São Paulo’.
105
Segundo o IBGE, a PEA de São Paulo é 44% maior do que a do Rio de Janeiro: em junho de 2005, a
PEA de SP estava estimada em 9.392.000 pessoas, e a do Rio em 5.304.000 pessoas. (Fonte: PME
junho de 2005 – pessoas de 10 anos ou mais de idade, ativas na semana de referência – IBGE / SIDRA)
14 7
Dois outros cuidados adicionais tomados em relação à seleção dos anúncios foram os
seguintes:
106
É interessante perceber neste depoimento a avaliação que o entrevistado faz da categoria de
executivo. Não há aqui uma adequação entre o título do posto e a categoria: a presença do termo
‘gerente’ ou ‘diretor’ no título não é para ele um elemento relevante, o que define o executivo é o
candidato e a empresa contratante e não o posto ou as funções que desempenha.
107
Estamos cientes de que ao fazê-lo incorremos no risco de delinear a categoria por suas referências
estatutárias, e com isso tanto incluímos como excluímos casos de ofertas de vagas que poderiam ser
consideradas como destinadas aos gerentes e executivos caso optássemos por outros tipos de recortes,
como por exemplo o de grupo social apresentado por Boltanski (1982), ou da partição do tempo de
trabalho utilizado por Bouffartigue (2001d) (ver detalhes no capítulo 3). Entretanto, como o foco de nossa
tese não é a discussão da ‘categoria gerentes’, mas sim como a substância do mérito é construída pelos
empregadores no momento de pré-seleção dos candidatos aos postos de gerencia, acreditamos que os
ganhos ao fazer este tipo de recorte são maiores do que as perdas.
14 8
Mais uma vez, baseado na metodologia adotada por Marchal e Torny (2002), arbitrou-
se que 50 casos por suporte seria uma quantidade razoável para compor a amostra e
identificar o conteúdo das variáveis relevantes. A partir desta definição foi preciso
coletar anúncios publicados em datas diferentes até que se preenchesse o número
estabelecido segundo os critérios definidos de triagem.
Dessa forma, a amostra final relativa aos anúncios de empregos publicados nos
jornais ficou assim constituída:
Para fazer a seleção dos sites de emprego foram feitas inúmeras pesquisas na
Internet, entrevistas informais junto a profissionais de perfil executivo (perguntando
quais os sites de emprego que conheciam ou que já tinham ouvido falar), consulta à
literatura de auto-ajuda em obtenção de emprego / empregabilidade e consulta à
14 9
108
Uma outra forma de classificação dos sites de emprego corresponde ao tipo de tecnologia que
utilizam. Poulain (2005) os mapeia segundo 6 gerações, com foco no candidato que busca vagas: (1) a
primeira corresponde aos sites de emprego corporativos, onde os candidatos podem depositar o currículo
e o recrutador os imprime; (2) a segunda permite o depósito de currículos em base de dados dotadas de
sistema OCR de reconhecimento de caracteres, o que possibilita uma busca por palavras no corpo dos
CV. A base de dados é gerenciada pelo recrutador; (3) na terceira, o candidato inclui seu currículo em
15 0
A segunda consiste nos sites de emprego genéricos que são criados pela extensão,
ao mundo virtual, das empresas que tradicionalmente lidam com recursos humanos,
mas que ganham vida própria como uma unidade de negócios em separado. É o caso,
por exemplo, dos sites da Catho, Manager, Empregos e Frontti, que operam em larga
escala, atendendo ao público em geral, e que não tem vínculo com as vagas que são
operadas por suas unidades específicas de ‘searching’ (no caso da Catho, a Case
Consultores). Em suma, são sites criados a partir de uma empresa que opera com
atividades ligadas à área de RH mas que se distanciam e conquistam autonomia
frente à mesma. Estes costumam cobrar para a inclusão de currículos e/ou das vagas.
bases de dados que contêm formulários com campos pré-fixados de preenchimento. Nesta geração, a
base de dados permanece de propriedade e gerenciamento do recrutador; (4) a quarta geração consiste
em sistemas mais orientados sobre o perfil do candidato: o site solicita que o candidato se posicione
sobre um conjunto de questões associadas ao gerenciamento de sua busca. Criam-se ambientes
pessoais de gestão dos perfis, e a tecnologia do tipo ASP (‘application service provider’) é o símbolo da
novidade. Isso permite ao recrutador externalizar a estocagem e o tratamento dos dados na base, além
de possibilitar buscas mais eficazes segundo os campos de competências dos candidatos; (5) a quinta
geração de sites disponibiliza ao candidato um serviço de pré-pesquisa dos postos que seriam adequados
ao seu perfil (aqui a imagem do candidato como ‘pesquisador’ de empregos ganha reforço). O site solicita
que o candidato se pronuncie sobre as ofertas existentes. Ao mesmo tempo permite ao recrutador de
fazer uma classificação das adequações posto-candidato; (6) a última geração permite que se consagre a
re-materialização da relação entre candidatos e recrutadores – até então substantivamente isolados. As
bases de dados ASP passam a ser equipadas com ferramentas de “data mining”, o que possibilita que a
relação entre o candidato e o recrutador se dê em tempo real: o recrutador é imediatamente informado se
um candidato que se adapta ao perfil da vaga encontra-se disponível. O avanço desta tecnologia, com o
uso de webcam permite que recrutador e candidato entrem em contato para entrevistas à distância.
15 1
A terceira modalidade é a que envolve os sites que são totalmente virtuais, sem
nenhum tipo de correspondência com as atividades de RH. Consistem em ferramentas
tecnológicas desenvolvidas com propósitos específicos de gerenciamento de amplas
bases de dados e de gestão de pessoas, que podem ser utilizados pelas empresas
nos seus processos seletivos. Não têm atuação no “mundo real” e são focados no
desenvolvimento da ferramenta, sem a preocupação de oferecer serviços adicionais
(testes, cursos, etc.) como costuma ser feito nos sites que compõem a modalidade
anterior. Este é o caso, por exemplo, dos sites do Vagas, Elancers e Curriculum. Não
cobram pela inclusão dos currículos, e podem ou não cobrar pela inclusão das vagas,
porém, sua fonte de arrecadação é no uso da ferramenta que gerencia, para as
empresas, os bancos de vagas e currículos (são os sites que disponibilizam tecnologia
ASP – ‘apllication service provider’, considerados de geração tecnológica mais
avançada – conforme descrito em nota).
Uma vez feito este mapeamento, foram adotados três critérios para a seleção do site:
109
Cabe lembrar que a presença de campos específicos para a inclusão de informações é uma forma de
atuação direta das empresas de intermediação no mercado de recrutamento. Mesmo que os campos
sejam de preenchimento não obrigatório (tais como escolaridade, sexo, idade, etc.), a sua existência
reflete as características que tais empresas ‘traduzem’ como sendo relevantes para o processo de
seleção operado pelas empresas que dispõem das vagas, estabelecendo assim uma ‘filtragem’ que
enfatiza certos tipos de perfis e competências. Marchal et. al (2005) ressaltam que ao fazê-lo, os sites de
emprego aumentam o poder dos contratantes e intensificam a pré-seleção operada à distância. Para o
caso brasileiro é ainda importante mencionar que tais sites (job boards) não são considerados, pela
legislação vigente, como meio de comunicação nos moldes dos demais. E portanto, as regras que
regulam a mídia impressa no tocante à não publicidade de elementos discriminatórios não são totalmente
seguidas no mundo virtual, o que permite que se crie, por exemplo, campos relativos à inclusão de
exigências quanto ao ‘sexo’ ou à ‘idade’.
15 2
Considerando estes critérios, optamos por escolher dois sites, sendo um da categoria
de site genérico (modalidade 2) e outro da modalidade de gerenciamento de bancos
de vagas e currículos (modalidade 3). A seleção recaiu sobre os seguintes:
“catho.com.br” (um dos mais conhecidos e citados na mídia) e “vagas.com.br”.
Além disso, cada site possui um determinado conjunto de ‘chaves de busca’ para o
acesso aos anúncios, o que permite que cada caso possa ser resgatado a partir da
ativação de critérios distintos de pesquisa.
• Ramo da empresa110
110
As opções são as seguintes: Administração e Participação;Advocacia;Agricult., Pecuária e
Silvicultura;Agências de Propaganda;Aparelhos e Instr. Prof. e de Precisão;Armazenagem (Silos,
Armazens Inds.);Arrendamento Mercantil (Leasing);Artefatos Têxteis e Tecidos;Artefatos de Vidro e
Cristal;Artigos de Vestuário;Autopeças e Carrocerias;Aviões e Outros Veículos;Açucar e Álcool;Bancos
Comerciais Oficiais;Bancos Comerciais Particulares;Bancos de Desenvolvimento;Bancos de
Investimento;Bebidas e Refrigerantes em Geral;Borrachas e Artefatos Sintéticos;Café;Caixas
Econômicas;Cal e Cimento;Calçados;Carnes Frigorif. Indus. (Frigoríficos);Cerâmicas e Artefatos de
Gesso e Amianto;Com. Atac. Gen. Alim., Tec. e Outros;Com. Ext. (Imp/Exp/Trading Cies);Com. Mat.
Constr., Ferr. Eq. Agric.;Com. Varej. Lojas Deptos. Util. Dom.;Com. Varej. Produtos
Alimentares;Companhias Corretoras de Seguro;Construção Naval;Construção em Geral
(Construtoras);Consultoria de Contabilidade;Correios e Telecomunicações;Couros e Peles (Curtimento e
Tratamento);Distribuidoras de Títulos e Valores;Diversões (Cinemas, Parques);Eletrodom. Art. Dom. Mat.
15 3
que com os setores das empresas115). Por fim, no terceiro momento se escolhe o
espaço territorial de interesse (determinado município, região, Estado, ou todo o
País)116.
Ao mesmo tempo, arbitrou-se que seria em número de 100 o total de anúncios a ser
coletado em cada site. Para tanto, se necessário fosse, seriam feitas várias consultas,
em períodos diferentes, até atingir a meta definida.
115
O site disponibiliza 108 áreas para a busca, a saber: administração de empresas; advocacia/direito;
agronomia; arquitetura/urbanismo; arquivologia; artes cênicas, artes gráficas; artes plásticas; atendimento
a clientes bares e restaurantes; atendimento a clientes comércio; atendimento a clientes –
telefonistas/recepcionistas; atendimento a clientes – telemarketing/call center; atendimento a clientes;
auditoria; bancos; biblioteconomia; biologia/ciências biológicas; biomedicina; ciências sociais; cinema;
comércio exterior; comunicação; construção civil; contabilidade; controladoria; culinária; decoração;
desenho industrial; design gráfico; ecologia/meio ambiente; economia; enfermagem; engenharia de
alimentos; engenharia civil; engenharia eletrônica; engenharia eletrotécnica; engenharia mecânica;
engenharia de produção; engenharia química; engenharia – outras; ensino superior e pesquisa; ensino-
outros; entretenimento, esportes; farmácia; filosofia; finanças; física; fisioterapia; fonoaudiologia;
geografia; geologia; gestão empresarial; história; hotelaria; informática TI; Internet; jornalismo; letras;
logística; manutenção industrial; marketing; matemática/estatística; medicina hospitalar; metrologia; moda;
museologia; música; nutrição; oceanografia; odontologia; organização de eventos/produção cultural;
organização e métodos; produção e fabricação; propaganda; psicologia; qualidade; química; radialismo e
televisão; recursos humanos; relações internacionais; relações públicas; secretariado; segurança no
trabalho; segurança patrimonial; seguros; serviço social; serviços administrativos; serviços domésticos;
serviços gerais; serviços técnicos – elétricos; serviços técnicos – mecânicos; serviços técnicos – outros;
suprimentos; telecomunicações; terapia ocupacional; terceiro setor / projetos sociais; tradução /
interpretação; transportes aéreos; transporte marítimo; transporte terrestre; turismo; vendas; vendas
técnicas; veterinária; web designers; zoologia; zootecnia.
116
Neste ponto há um ineditismo frente aos demais sites de empregos que é a possibilidade de
selecionar, a partir de um desenho do mapa do Brasil, uma determinada região de interesse. Selecionada
a região, esta aparece ampliada na tela do computador contendo todos os municípios que a compõe. A
busca pode ser então a partir de uma determinada cidade ou do seu entorno (em um raio de 25, 50, 75,
100, 125 ou 150 km da cidade escolhida).
15 5
Montou-se uma tabela com a sua distribuição segundo as áreas e subáreas em que se
encontravam as vagas (totalizando 18 áreas e 69 subáreas), identificou-se a
proporção de vagas em cada uma e se distribuiu a coleta das 45 vagas que faltavam
ponderadas por esta proporção. Na seqüência, a seleção dos anúncios foi feita por
sorteio simples no interior de cada subárea.
Já para o vagas.com, a coleta das vagas usou como critério de busca a seguinte
definição: ‘nível hierárquico mínimo = gerencia + nível hierárquico máximo = diretor +
localidade = todo Brasil”. Esta chave de pesquisa foi aplicada a cada uma das 108
áreas cobertas pelo banco de dados. Na primeira consulta, obteve-se um total de 83
anúncios (após a triagem onde foram eliminados os anúncios repetidos). Verificou-se
que destes, 40% eram publicados pelas próprias empresas contratantes e 60% eram
anúncios publicados por empresas de recrutamento e seleção, em nome de seus
clientes.
Para complementar os casos que faltavam, repetiu-se em outra data o mesmo critério
de busca, e por sorteio simples foram obtidos os 17 anúncios restantes, mantendo a
mesma proporção verificada anteriormente (40% próprias empresas e 60%
intermediários).
Dessa forma, a amostra final relativa aos anúncios de empregos publicados em sites
na Internet ficou assim constituída:
Ano-base 2005
Suporte Total de anúncios coletados Data da coleta
23 de fevereiro = 54 casos
Site 1- “catho.com.br” 100
24 de novembro = 46 casos
1 de maio = 83 casos
Site 2 - “vagas.com.br” 100
2 de dezembro = 17 casos
Total Geral - 200 casos
15 6
Uma vez isolados 400 anúncios que compuseram a amostra, deu-se início à
elaboração do banco de dados, montado em planilha eletrônica Excel.
117
As informações referentes ao porte da empresa e à sua nacionalidade também podem ser
interpretadas como registros de valorização, uma vez que, à exceção do Site 1- Catho, que conta com um
campo específico de entrada destes dados, nos demais suportes este tipo de informação normalmente é
utilizada para chamar a atenção sobre a importância da empresa.
118
A classificação do setor da empresa contratante foi feita com base nas informações explicitas quanto à
sua área de atuação ou inferidas a partir da sua identificação (nome da empresa, grupo, etc.) Este foi o
único caso em que a codificação não seguiu os parâmetros de restringir-se ao que era explicitamente
informado.
15 8
o 2.5.3. Expansão
Inclui informações que evidenciam processos de crescimento da empresa
contratante. Exemplos: ‘empresa em fase de expansão’; ‘visando ampliar
seus quadros’; ‘abrindo nova unidade’; etc.
Inclui exigências que apontam para os atributos adscritos, assim como as referências
à posse de capital econômico (posse de bens) por parte dos candidatos.
Tradicionalmente são as características apontadas como sendo as mais
‘discriminadoras’. Subdividem-se em:
4.2. Qualificações
Inclui todas as exigências que são feitas em relação às qualificações dos candidatos,
sejam elas adquiridas a partir de processos educativos formais (escolaridade);
informais ou não acadêmicos; ou ainda referidas pela posse de determinados
conhecimentos. Subdivide-se em:
119
Estas exigências explicitamente apontam para a presença do capital econômico dos candidatos, ainda
que possam ser associados ao exercício das tarefas.
16 2
120
Algumas decisões metodológicas que foram tomadas em relação à classificação dos níveis de
formação foram: (1) quando o descritor da formação era apenas do tipo “exige-se formação acadêmica”,
contabilizou-se como “formação superior completa” (2 casos registrados); (2) sempre que nas exigências
feitas em relação à formação acadêmica apareceram os qualificadores “é desejável que”; “é interessante
que”; ou “será um diferencial” , o nível de formação contabilizado foi o mais elevado, (no caso a pós-
graduação ou especializações); (3) quando a exigência foi de “formação em contabilidade”, sem explicitar
se de nível técnico ou superior, foi contabilizada como “nível técnico ou superior”. Nota-se que a
introdução dos qualificadores citados no item 2 implica no não fechamento da vaga aos que por ventura
não disponham de tais certificados; entretanto é evidente que a prioridade será conferida aos que os
possuam. Entretanto, a explicitação desses qualificadores pode ser interpretada como: (a) indicador da
consciência, por parte dos contratantes, de que no mercado o perfil que está sendo buscado pode ser
escasso ou raro; ou ainda (b) das dificuldades de contratação dos perfis desejados tendo em conta as
contrapartidas que estão sendo oferecidas (salariais, de condições de trabalho, de benefícios ou outras).
16 3
121
Não se fez a distinção quanto à intensidade ou o grau de domínio do idioma que difere em alguns
casos, como por exemplo: exige-se inglês fluente ou exigem-se noções de inglês. Sempre que a demanda
por um segundo idioma foi acrescida de qualificadores (é desejável, é um plus, etc.) contabilizou-se na
quantidade superior (exemplo no caso da demanda: ‘exige-se inglês fluente, sendo desejável o domínio
de francês’, contabilizou-se como dois idiomas).
16 4
4.3. Experiência
Compreende tudo o que for indicativo de demanda por experiência por parte dos
candidatos e que normalmente é descrita a partir dos qualificadores “vivência em” e
“experiência”. Subdivide-se em:
122
Considerou-se aqui somente os casos que não se fazem acompanhar do detalhamento da
experiência.
16 5
Sua importância é tal que a definição do que é (são) competência(s), suas referências
e formas de classificação tem inspirado a elaboração de diversas teses tanto na área
da educação quanto na sociologia do trabalho.123 Esse esforço é resultante,
principalmente, da tentativa de mapear as conseqüências, sobre os trabalhadores, da
alternância entre o paradigma produtivo de base taylorista-fordista em direção à
especialização flexível descrita por Piore & Sabel (1984), e suas variantes, tais como a
neo-industrialização diagnosticada por Kern & Schumann (1989) ou o toyotismo
abordado por Coriat (1994). A tônica recai sobre as possibilidades de reconhecimento
da subjetividade dos indivíduos e do uso efetivo de suas capacidades de autonomia e
criatividade no novo ambiente empresarial, atravessado por inovações tecnológicas e
organizacionais.
123
Ver, por exemplo, os trabalhos de (a) Helena Hirata (1998 - Competências e Divisão Social do
Trabalho no Contexto dos novos paradigmas produtivos – in: Seminário Internacional de Educação
Profissional, trabalho e competências – Anais. Rio de Janeiro, Senai-DN/CIET; 1994 – Da Polarização
das Qualificações ao Modelo de Competência. In: Tecnologias Trabalho e Qualificação – um debate
multidisciplinar. Org. Ferretti, Celso et alli. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes); (b) de Elenice Monteiro Leite (1994
– O Resgate da Qualificação. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Sociologia, da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP); (c) de Claude Dubar (1996 – La sociologie
du travail vis-à-vis la qualification e la compétence. In: Sociologie du Travail, Ed. Dunod, n.2); de
Gootings, Peter (1994 – Da qualificação à Competência – do que estamos a falar ? In: Formação
Profissional, Revista Européia. CEDEFOP, n. 1); (d) de P. Zarifian (1998 – A Gestão da e pela
Competência. in: Seminário Internacional de Educação Profissional, trabalho e competências – Anais.
Rio de Janeiro, Senai-DN/CIET; 2001 – Objetivo Competência: por uma nova lógica, São Paulo, Ed.
Atlas); (e) e de Karla Régnier (1998 – Transformações organizacionais, Qualificações e
Competências – um estudo de caso no setor serviços. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-
graduação em sociologia e antropologia da UFRJ)
16 7
De qualquer forma incide, sobre vários destes níveis, uma grande imprecisão. As
competências comunicativas por exemplo, que em acordo com De Luiz se traduzem
pela “capacidade de expressão e comunicação com seu grupo, superiores
124
Estes níveis de competência recaem sobre a dimensão profissional da formação, e não sobre a
dimensão política também integrante do processo de formação.
16 8
Parte deste debate e das preocupações decorrentes foi incorporado pelos teóricos em
gestão, que desenvolveram novas ferramentas de avaliação dos trabalhadores
centradas em competências, extrapolando, inclusive, do nível do indivíduo para o
coletivo, gerando o do conceito de ‘competências essenciais da empresa’, adequado
às políticas de enxugamento, busca de ‘foco’ e downsizing em voga.125 Segundo Mello
Silva (op. cit.), neste plano o desafio prático que as empresas enfrentam consiste em
traduzir um atributo abstrato, como a capacidade de comunicação, em componentes
objetivos que possam ser cruzados com os ‘saberes’ ou com os ‘conhecimentos’
profissionais que são por elas requeridos, institucionalizando e formalizando seus
sistemas de classificação ou de avaliação. Com isso reduzir-se-ia a imprecisão do
conceito, o qual, via de regra, recai sobre disposições de caráter individual ou de
traços de comportamento.
Porém, como Mello Silva nos lembra, o que não fica claro no modelo é em que medida
se dá essa articulação entre os ‘mundos vividos’ e a ‘vida privada’ e o exercício da
competência profissional propriamente dita (ibidem, p. 61).
126
Por isso Mello Silva (2004) afirma que, embora à primeira vista a abordagem de competência possa
remeter ao conceito de ‘profissão’ ou de metier, embutindo uma revalorização dos indivíduos, não se trata
exatamente desse caso. Não há, no uso do conceito de competência, uma aproximação com a sociologia
das profissões, tal como esta é entendida na tradição da história da sociologia: “enquanto essa última
carrega um forte matiz institucionalista, a abordagem da competência é preferencialmente
fenomenológica, já que é dada ênfase à situação de interação entre o profissional e o seu trabalho,
compreendendo o ambiente, os instrumentos e a cooperação, de forma ampla.” (MELLO SILVA: 2004: p.
93).
17 0
Não cabe, no escopo desta tese, aprofundar ainda mais essa discussão, bastando,
para nossos propósitos, assinalar que estes elementos que comumente se definem
como ‘competências’ ou ‘capacidades’ se fazem presentes nos anúncios de emprego
e apresentam variações significativas ao longo do tempo.
Por outro lado, é a valorização destes atributos diversos, mais até do que as
formações acadêmicas propriamente ditas ou mesmo da experiência profissional
acumulada, que Goldthorpe (1997) aponta como sendo o fator que estaria sendo
privilegiadamente considerado nos processos de seleção para um conjunto diverso de
ocupações, especialmente para aquelas que se localizam no setor serviços (nos
subsetores de entretenimento e lazer, cultura, cuidados com a pessoa, etc.).
Marchal e Torny (2002) afirmam que a explicitação de tais competências, por eles
chamadas de ‘qualidades’, entre os anúncios de emprego franceses é um fenômeno
recente, mais incidente em determinados suportes do que em outros e que se
apresenta em formatos bastante distintos, servindo tanto para selecionar os
candidatos quanto para valorizar as vagas e as próprias empresas recrutantes. Eles
identificam 12 categorias de qualidades ou de capacidades, sem no entanto se
preocuparem com a referência à sua origem (se proveniente do ambiente social,
17 1
• 4.4.1.3. Liderança
(Exemplos: ‘líder’; ‘espírito de liderança’; ‘líder participativo’; ‘perfil de
liderança’; ‘habilidade em liderança’; ‘liderança consolidada em
processos de mudança’; ‘teamleader experiences’; ‘liderança de
equipes’; etc.)
127
Este conjunto de exigências aponta para valorização do capital social dos candidatos. Também pode
ser interpretado como compondo as características pessoais dos mesmos.
17 3
• 4.4.2.1. Empreendedorismo
(Exemplos: ‘empreendedorismo’; ‘postura empreendedora’;
‘empreendimento’; ‘facilidade em desenvolver e alavancar novos
negócios’; ‘habilidade de buscar novas oportunidades e operacionalizar
as mesmas’; etc.)
• 4.4.2.2. Negociação
(Exemplos: ‘habilidade negocial’; ‘habilidade para negociar’; ‘hábil em
negociações complexas’; ‘habilidade de negociação e persuasão’; etc.)
• 4.4.2.3. Gestão
Este agrupamento, muito heterogêneo, é composto por outros
subconjuntos específicos de habilidades, a saber:
o 4.4.2.3.1. Gerais
(Exemplos: ‘gestão comercial’; ‘gestão financeira’; ‘estilo de gestão
agregado’; ‘hábil em gestão’; ‘visão generalista em RH’; ‘visão
orçamentária’; ‘competência no planejamento’; ‘trabalhar com metas
ambiciosas’; ‘olhar empresarial’; ‘capaz de fazer com que a
informação flua de forma eficiente e eficaz entre os stakeholders do
projeto’; ‘hábil em gestão’; ‘managerial reporting skill’; ‘capacidade
administrativa’; ‘administração por objetivos’; ‘capacidade de
analisar e tomar decisões em problemas técnicos e humanos’; etc.)
• 4.4.5.1. Subjetividade
128
Esta variável pode ser evidência de que o processo de recrutamento ultrapassa as fronteiras locais
onde está situada a vaga.
17 6
• 4.4.5.2. Personalidade
(Exemplos: ‘persistente’; ‘ambicioso’; ‘entusiasta’; ‘bem humorado’;
‘agregador’; ‘desinibido’; ‘perfeccionista’; ‘personalidade marcante’;
‘franco’; ‘direto’; etc.)
• 4.4.5.6. Outras
(Inclui as referências a outras características pessoais não classificadas
anteriormente. Exemplos: ‘condições técnicas e humanas de assumir
posição de diretoria’; ‘estabilidade no emprego’.)
129
Incluem-se aqui as referências explícitas a atributos que normalmente são adquiridos a partir do
pertencimento a grupos sociais específicos, que remetem a uma forma ‘certa’ de se apresentar e se portar
socialmente.
17 7
Resumo do capítulo
O ano de 1990 foi escolhido por anteceder à segunda onda de expansão das
matrículas no ensino superior e por conter o gérmen, ainda não consolidado, das
grandes transformações estruturais experimentadas pela categoria gerencial.
Para esse ano a amostra estipulada foi de 100 anúncios, todos obtidos em jornais,
sendo 50 oriundos de jornais cariocas e 50 de jornais paulistas. A definição do
montante de casos em cada jornal tomou apoio na metodologia utilizada por Marchal e
Torny (2002) em sua pesquisa desenvolvida na França.
Para o ano de 2005 foram selecionados 300 anúncios, sendo 100 em jornais (45 de
jornais cariocas e 55 de jornais paulistas) e 200 em bancos de vagas na Internet (100
em cada site).
A análise dos diversos sites de emprego existentes no Brasil permitiu sua classificação
segundo 3 modalidades ‘típicas’, levando em conta a sua origem e forma de
funcionamento: (a) empresas de recursos humanos que atuam com recrutamento e
seleção e que disponibilizam as vagas que estão administrando em suas próprias
páginas; (b) sites de empregos genéricos que são associados a empresas de
recrutamento e seleção mas cujo escopo se distancia das atividades que são
desenvolvidas por estas; (c) sites de empregos genéricos totalmente virtuais, onde o
principal negócio é a administração de bases de dados. A escolha dos sites a serem
pesquisados recaiu sobre as duas últimas modalidades.
17 8
Apresentamos também qual foi o esquema utilizado para a classificação dos dados.
Aqui, em um processo de engenharia reversa, também se fez uso da metodologia de
classificação utilizada de Marchal e Torny (2002) acrescida das categorias elaboradas
por Jackson (2001) que foram tomadas como fonte de inspiração. Porém o resultado
final foi um enquadramento substantivamente diferenciado de ambos, contendo vários
elementos não considerados por estes autores além de estabelecer um esquema
singular no que compete à classificação das competências.
Este capítulo apresenta os resultados obtidos com a análise dos anúncios de emprego
voltados a gerentes e executivos no Brasil durante os anos de 1990 e 2005. Está
organizado em 5 partes, cada qual abordando uma temática específica.
Na seqüência (quarta parte) busca-se retornar à questão original, qual seja, verificar
se os anúncios de emprego estão mais meritocráticos com o passar do tempo. Dessa
forma, consiste em um ‘resumo conclusivo’ das partes anteriores.
18 0
Gráfico 1
Anúncios do tipo 'aberto' (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
40,00%
35,00% 35,00%
30,00%
26,00%
25,00%
20,00%
16,33%
15,00% 15,00%
10,00%
8,00%
5,00%
0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
18 1
Esta lacuna poderia ser preenchida a partir da indicação de outros elementos que
possibilitassem a compensação do que é ocultado pela ausência do ‘nome’, como, por
exemplo, informações relativas ao porte da empresa, ao setor ou segmento em que
atua, ou ainda à sua nacionalidade.
130
Como por exemplo o nome da empresa, o tipo de produtos ou mesmo o título da vaga. Exemplo: para
o posto apresentado com o título de ‘gerente de loja’, é evidente que se trata de uma empresa que atua
no setor terciário (comércio e serviços).
131
No caso do Site 1, durante o processo de cadastramento das vagas, são apresentados campos
específicos para que o anunciante inclua informações referentes ao seu porte, nacionalidade e setor de
atuação; o que justificaria a maior presença destes elementos quando comparado com os outros dois
suportes (Site 2 e Jornais).
18 2
Gráfico 2
Informações sobre a empresa: setor, porte e
nacionalidade (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
90,00%
84,00%
83,00%
80,00% 80,00% 75,00%
72,00%
68,00%
70,00%
73,00%
60,00% 60,67%
54,00%
50,00%
45,00% 44,67%
40,00%
32,00%
30,00%
22,00%
20,00% 20,00%
19,00%
10,00%
0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
setor porte nacionalidade
Este movimento pode ser interpretado a partir da perspectiva de uso dos anúncios
como peças de marketing (ver capítulo 2), sendo assim tratados como recursos que
ajudam a compor um quadro de valorização das empresas e das vagas. O propósito
seria de ‘chamar a atenção’ dos futuros candidatos graças à explicitação de atributos
que as diferenciam do conjunto ordinário formado pelas ‘demais empresas’, e com isso
marcar uma posição própria na hierarquia do ‘campo do recrutamento’. Assim, visando
atrair os melhores candidatos, os anunciantes apresentariam aquilo que mais os
favorece, à semelhança do que ocorre no mercado matrimonial.
Tabela 5 - Anúncios que apresentam informações sobre o PORTE das empresas: total e
por tipo de porte - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
Porte identificado
Suportes e Totais Total de casos Tipo de porte (%) (*)
N % pequeno médio grande
Site 1 80 80,00% 45,00% 26,25% 28,75%
Site 2 32 32,00% 0,00% 9,38% 90,63%
Jornais 22 22,00% 0,00% 13,64% 86,36%
Total 2005 (N=300) 134 44,67% 26,87% 20,15% 52,99%
Total 1990 (N=100) 20 20,00% 5,00% 35,00% 60,00%
(*) calculado em relação ao total de casos que identificam o porte
Nacionalidade identificada
Suportes e Totais Total de casos Tipo de nacionalidade (%) (*)
N % Nacional Multinacional / internacional
Site 1 83 83,00% 86,75% 13,25%
Site 2 54 54,00% 24,07% 75,93%
Jornais 45 45,00% 24,44% 75,56%
Total 2005 (N=300) 182 60,67% 52,75% 47,25%
Total 1990 (N=100) 19 19,00% 31,58% 68,42%
(*) calculado em relação ao total de casos que identificam a nacionalidade
Porém, quando se examina esse conjunto isolando cada uma das variáveis - registros
quantitativos, de importância e de expansão - percebe-se que a grande queda se dá
132
Nesse agregado pode-se observar que as empresas valorizam suas qualidades de maneira muito
subjetiva e heterogênea, lançando mão de diversos recursos. Aos tipos de informação destacadas
poderíamos acrescentar aquelas que são relativas ao porte e nacionalidade, como já mencionado.
18 5
Por outro lado, verifica-se que o volume das empresas que não se apresentam com
base em nenhum tipo de informação (seja relativa ao porte, à nacionalidade, às
suas cifras quantitativas, à sua expansão ou à importância) perde terreno. Em 1990,
metade dos casos da amostra encontrava-se nessa situação; já em 2005 esse
percentual cai para 23%. Além disso, nota-se o incremento expressivo da quantidade
de anunciantes que fazem uso de mais de um qualificador.
N % N % N % N % N %
Site 1 15 15,00% 3 3,00% 69 69,00% 13 13,00% 100 100,00%
Site 2 29 29,00% 45 45,00% 19 19,00% 7 7,00% 100 100,00%
Jornal 25 25,00% 43 43,00% 19 19,00% 13 13,00% 100 100,00%
Total 2005 69 23,00% 91 30,33% 107 35,67% 33 11,00% 300 100,00%
Total 1990 50 50,00% 25 25,00% 20 20,00% 5 5,00% 100 100,00%
A análise dos dados permite constar que, ao mesmo tempo em que as empresas se
mostram mais estimuladas a ampliar a quantidade de informações que as
valorizam diante dos candidatos, inversamente elas se preocupam menos em
fornecer elementos que possibilitem aos candidatos avaliar as contrapartidas
que lhes são ofertadas.
Duas hipóteses complementares podem ser levantadas para explicar esta situação. A
primeira é de que, de fato, estaria havendo uma contração (e concentração) nas
contrapartidas ofertadas (ver Box a seguir). E a segunda é de que tais benefícios
estariam sendo interpretados como pertencentes a um referencial de valorização que
aponta para uma visão ‘tradicional’ das relações de trabalho, e portanto sua
explicitação seria cada vez menos relevante como fator de atratividade para os
candidatos. Isso porque, na medida em que ganha força a perspectiva de que cada
indivíduo é o único sujeito responsável por sua própria trajetória, é o elemento relativo
ao ‘desafio’ ou ainda a descrição das atividades que serão desempenhadas que
deverão permitir ao candidato avaliar a adequação daquela oferta singular (da qual o
18 7
“Segundo a base de dados da consultoria Hay Group, a adesão das empresas aos planos de
previdência privada cresceu exponencialmente nos últimos tempos. (...) O levantamento mostra
ainda uma profunda mudança na grade de benefícios. Algumas das políticas adotadas pelas
empresas no passado estão minguando de ano para ano. O seguro de vida, por exemplo, está
entre os benefícios que mais encolheram nas empresas brasileiras na última década. (...) O
mesmo se observa com a cobertura de viagens particulares que, embora nunca tenha sido
oferecida pela maioria das empresas, entrou no rol dos benefícios em extinção. (...) Escolas
para os filhos dos executivos hoje é assunto praticamente fora de questão. Entre os benefícios
tradicionais, o único que se mantém ao lado dos planos de saúde é a cessão de automóveis,
que avançou além da presidência e da diretoria e se tornou ainda mais comum entre a alta
gerência.”
Revista Exame, 24 de maio de 2006 – p. 29
Suportes e Totais N %
Site 1 28 28,00%
Site 2 14 14,00%
Jornal 30 30,00%
Total 2005 (N=300) 72 24,00%
Total 1990 (N=100) 51 51,00%
Gráfico 3
Informações sobre o posto de trabalho ofertado (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
45,00%
40,00%
39,00%
37,00%
35,00%
30,00%
25,00%
24,00%
20,00% 20,00%
17,33%
15,00% 15,00% 15,00%
12,00% 12,00% 12,33%
10,00% 10,00%
8,00%
6,00% 6,00% 6,00%
5,00% 5,00%
4,00% 4,00% 3,33%
3,00% 2,67%
2,00% 2,00% 2,00% 1,67%
0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais Total 1990 Total 2005
É interessante notar que mesmo no Site 1, que conta com campo específico para
entrada de dado destinado à inclusão da remuneração (campo ‘faixa salarial’), a
presença de casos que lhe faça alusão é significativamente inferior à verificada nos
jornais em 1990. Por outro lado este é o suporte que apresenta em maior proporção a
18 9
Remuneração
Suportes e Composição da Remuneração Remuneração
Totais Total
remuneração quantificada qualificada
N % % % %
Site 1 24 24,00% 5,00% 22,00% 2,00%
Site 2 8 8,00% 3,00% 1,00% 7,00%
Jornal 20 20,00% 7,00% 3,00% 17,00%
Total 2005
52 17,33% 5,00% 8,67% 8,67%
(N=300)
Total 1990
37 37,00% 6,00% 1,00% 35,00%
(N=100)
133
Marchal et alli (2003), ao estudarem a menção à remuneração nos anúncios veiculados nos sites de
empregos destinados aos ‘gerentes’ na França - respectivamente ‘Cadremploi’ e ‘CadreOnline’ – verificam
no primeiro suporte a total ausência de informações, e no segundo uma presença bastante reduzida
quando comparado com outros sites. Para explicar esta situação, afirmam que, particularmente no caso
do ‘Cadremploi’, é a forte presença de empresas de recrutamento e seleção como responsáveis pelos
anúncios que age no sentido de tornar estes dados ‘ocultos’: “a passagem por estes intermediários tem o
efeito de ocultar informações sobre os salários.” (MARCHAL et al: 2003, p. 34). Na nossa pesquisa, entre
os dois sites estudados, o Site 2 se caracteriza por ter a maior quantidade de anúncios produzidos por
agências de recrutamento (61% da amostra), e ao mesmo tempo é o suporte que apresenta a menor
quantidade de casos com informações relativas à remuneração (apenas 8%). Nesse sentido, podemos
tomar por hipótese que a situação identificada por Marchal et alli encontra paralelo com este caso
específico.
19 0
Benefícios
Suportes e Benefícios qualificados (ou
Totais Benefícios discriminados
N % indicação genérica da sua
(ou detalhados)
existência)
Site 1 12 12,00% 4,00% 8,00%
Site 2 10 10,00% 6,00% 4,00%
Jornais 15 15,00% 10,00% 5,00%
Total 2005
38 12,33% 6,67% 5,67%
(N=300)
Total 1990
39 39,00% 21,00% 18,00%
(N=100)
Não apenas se eleva a quantidade global de casos que apresentam informações desta
natureza como também as descrições, quando apresentadas, são muito mais
detalhadas. (Tabela 12)
134
Para detalhes, ver capítulo 3.
19 1
Tais termos também refletem o aspecto ‘instigante’, que se associa ao ‘correr riscos’ e
à realização do self que marcam o individualismo nas relações de trabalho, elementos
que Boltanski e Chiapello (1999) identificam como sendo constitutivos da ‘cité par
projet’. Vê-se aqui a expressões que caracterizam a linguagem moderna da gestão,
que aciona não mais prioritariamente os atributos de perenidade ou longevidade dos
contratos, mas sim a sua capacidade de mobilizar e diferenciar os profissionais.
Enquanto as tarefas ou funções remetem a processos, ao cotidiano e à repetição, os
desafios remetem aos ‘projetos’, à inovação e à curta duração.
O exemplo de anúncio para trainees apresentado a seguir (Figura 4), extraído de uma
revista destinada ao consumo pelo público executivo, é ilustrativo desta situação.
19 4
Mas nos anúncios também se pode observar a presença de uma outra vertente do
discurso que, partindo dos mesmos princípios estruturantes, apela para outros
elementos de mobilização. Nesses a ênfase é no ‘bem comum’ e, assim, se alinham
com a onda de valorização da ‘atuação social’ ou da ‘responsabilidade social das
empresas’. Aqui o que se encontra em destaque é a apresentação da organização
como um lócus privilegiado, que permitirá aos indivíduos ‘fazer diferença’ ou ainda ‘dar
um sentido maior’ à sua existência. Dessa forma, ao invés de aparecer como um
espaço típico de valorização do capital, do lucro e do sucesso individual, a empresa se
mostra também como sendo um ambiente voltado, antes de tudo, para a melhoria das
135
Texto do anúncio: “queremos novos talentos, dispostos a vestir nossa camisa, conquistar posições e
atuar num TIME DE CRAQUES. BV Financeira, uma empresa jovem, em franco desenvolvimento,
modernamente estruturada, com participação das mais expressivas no segmento financeiro, integrante do
grupo Votorantim, um grande conglomerado empresarial, reconhecido por sua solidez, tradição e
seriedade, é o lugar ideal para jovens criativos, determinados, empreendedores, interessados em dar um
impulso à sua evolução profissional”.
19 5
136
Boltanski e Chiapello (1999) identificam, na literatura de gestão dos anos 1990, a necessidade de
proporcionar um ‘sentido’ ao engajamento que não se reduza ao lucro, uma vez que este não seria um
motivo suficientemente mobilizador. Para tanto citam Genelot (1992) e afirmam: “aussi l´entreprise doit-
elle “devenir um lieu de construction de sens, de finalités partagées, où chacun peut à la fois développer
son autonomie pernonnelle et contribuer au projet collectif” » (GENELOT : 1992, apud BOLTANSKI &
CHIAPELLO : 1999, p. 102). Se no momento anterior (segundo espírito do capitalismo), as razões
verdadeiras para o engajamento eram buscadas na promoção do desenvolvimento da nação (tendo as
grandes empresas como parte propulsora), neste novo quadro de referentes o que se buscaria é, além
destes, a ocupação dos espaços ‘vazios’, onde o Estado se faz ausente. Deste modo, as questões
ecológicas, a problemática da infância, saúde, educação são nichos ‘por excelência’ na formação destes
novos sentidos.
137
Texto do anúncio: “Nutrir a vida com direito a sonhar e superar desafios. Eis a essência da Parmalat,
uma empresa moderna, líder de mercado, reconhecida pela força de sua marca e pela qualidade de seus
produtos. Queremos ter ao nosso lado jovens talentosos, empreendedores, interessados em compartilhar
da nossa essência para, juntos, construirmos um amanhã melhor. (...) Construir uma vida saudável, uma
sociedade justa, um ser humano em harmonia com a vida, uma empresa visionária. Fazer isso com
emoção e entusiasmo é uma questão de paixão. Paixão de ser Parmalat.”
19 6
Trabalho voluntário, já
O trabalho voluntário começa a ter novo efeito colateral no Brasil — neste caso, no mercado
profissional. É que desenvolver projetos sociais, além de fazer muito bem à sociedade, começa
a contar pontos para o currículo. Isso porque as empresas identificam nesses profissionais
características tidas como importantes num funcionário: capacidade de trabalhar em equipe,
espírito de solidariedade e habilidade de administrar o tempo.
Para concluir, podemos resumir o que foi exposto afirmando que, ao mesmo tempo em
que rareiam os elementos que tradicionalmente tornariam as vagas mais atraentes
para os candidatos (tais como remuneração, benefícios, perspectiva de carreira,
condições de trabalho, etc.), cresce tanto a quantidade quanto o detalhamento das
atividades que as empresas esperam ser desenvolvidas pelos profissionais. Mas a
menção às atividades, por seu turno, é cada vez mais manifesta com base em
vocábulos que fazem apelo à subjetividade dos sujeitos, especialmente quando se
trata de ‘despertar’ neles o desejo pelo que a ‘oportunidade’ pode trazer em termos de
‘agregar valor’ ao seu ‘projeto’ pessoal na composição do seu ‘portfólio’ profissional e
pessoal.
138
Exemplos extraídos do site www.grupoprime.com.br, em 3 de fevereiro de 2005. Os nomes das
pessoas foram ocultados, permanecendo apenas as letras iniciais.
19 8
As referências que as empresas utilizam para desenhar o perfil do candidato que está
sendo buscado podem ser agrupadas em 4 grandes blocos de tipos distintos de
requisitos ou de exigências, a saber:
Por características adscritas estamos nos referindo às exigências que são feitas em
relação aos candidatos que se situam no plano dos atributos não ‘mutáveis’ por força
da vontade do indivíduo, tais como sexo e idade139. Mas também ampliamos o
conceito para dar conta de outros atributos que podem ser associados a algum tipo de
pertencimento a grupos sociais ou a classe social, como é o caso das referências a
‘aparência’. Tradicionalmente, estas 3 variáveis (acrescidas de cor e religião),
conformam o ‘núcleo duro’ ou o mais evidente da discriminação no mercado de
trabalho.
139
O conceito de atributos adscritos e adquiridos pode ser consultado em nota no capítulo 1 (nota de
número 12). Para detalhes, ver trabalho de Fernandes (2004), intitulado ‘Estratificação Educacional,
origem socioeconômica e raça no Brasil: as barreiras da cor’.
19 9
Este fato por si só já explicaria tanto a redução da sua presença nos dois momentos
considerados, quanto a maior incidência de critérios do tipo ‘paritários’ em relação ao
sexo (ex: advogado (a); contador (a)....) - que se tornam ‘politicamente corretos’ e
somam pontos à imagem da empresa.
Adicionalmente, duas outras variáveis podem ser incluídas a este conjunto, embora se
afastem da discriminação do tipo ‘tradicional’. São elas: a ‘posse de bens’ (exemplos:
‘com veículo próprio’, ‘com telefone’, ‘com computador e internet’, etc.), que é
indicativa da presença de um determinando patamar de capital econômico; e o local
de residência, devendo este último ser abordado com ressalvas uma vez que é
também indicativo de um tipo de recrutamento que ultrapassa as fronteiras locais.
Portanto a questão de residir em um determinando município ou região pode tanto ser
um fator que restringe o universo dos candidatos, quanto ser uma forma de transferir a
estes os custos com a mudança de residência caso eles se interessem pelas vagas.
140
Desde julho de 2003 os jornais cariocas (O Globo, Extra, O Dia e Jornal do Brasil) estão proibidos de
veicular anúncios de emprego que empreguem termos que possam restringir o ingresso de pessoas no
mercado de trabalho devido a atributos tais como sexo, idade ou cor. Também deixaram de ser
veiculadas palavras e expressões que possam denotar qualquer tipo de discriminação, como por exemplo
“boa aparência” e “boa apresentação”. Na ocasião, foi assinado um Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Trabalho e os referidos jornais, que passaram a
publicar, na sua seção de classificados, o seguinte texto: “De acordo com o art. 5º. Da CR/88 c/c art. 373-
A da CLT, não é permitido anúncio de emprego no qual haja referência quanto a sexo, idade, cor ou
situação familiar, ou qualquer palavra que possa ser interpretada como fator discriminatório, salvo quando
a natureza da atividade assim o exigir”.
20 0
Gráfico 4
Tipo 1 - Demanda por Caracteristicas adscritas e posse de bens (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
25,00%
21,00%
20,00%
16,00%
15,00%
12,00%
11,00% 10,67%
10,00%
9,00% 9,00%
5,67%
5,00% 5,00%
4,00% 4,00% 4,00%
3,00% 3,00% 3,00% 3,00%
2,00% 2,00% 2,33%
2,00%
1,00% 1,00% 1,00%
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Como você reagiria ao saber que sua concorrente a uma vaga de emprego é tão, tão bonita quanto
Gisele Bündchen? Se acha que não daria a mínima para a beldade é porque desconhece que beleza e
juventude também estão sendo levadas em conta — e muito — num processo de seleção. Pelo menos é
o que diz pesquisa patrocinada pela Universidade Estácio de Sá, em que mais da metade dos
recrutadores ouvidos (54,96%) prefere contratar candidatas que considera bonitas. Ah, sim, e
competentes também.
Há setores conhecidos por exigir boa aparência de seus profissionais, como o de vendas, que chega a
pedir fotos dos candidatos. No entanto, o resultado da pesquisa — que ouviu 413 recrutadores e 820
trabalhadoras — surpreende porque atinge áreas que não dependem desses atributos.
Espanto para uns, descrédito para outros. É que, para alguns consultores de RH, beleza não poderia ser
critério num processo de seleção. Até porque, continuam, as empresas estão cada vez mais exigentes em
relação a características que não dependem da estética, como qualificação e capacitação profissionais.
Mas a coordenadora da pesquisa, Cintia Salomão, é taxativa: — o estudo mostra claramente que as
empresas buscam um padrão, apesar dessa exigência não ser declarada. Esse padrão seleciona uma
candidata. E, se seleciona, exclui outras. E, segundo Cintia, esse grau de importância é percebido pelas
trabalhadoras: 62,2% das consultadas acham que, se forem consideradas bonitas pelo recrutador, terão
mais chance de ser bem-sucedidas. Diante disso, 34% delas admitiram já terem alterado algo do corpo a
fim de melhorar na carreira — como pintar ou alisar o cabelo, emagrecer e até se submeter à cirurgia
plástica. — Já dentro do universo de recrutadores exigentes, 50% desejariam ter funcionárias magras.
Num desempate entre duas competentes, beleza e juventude acabam sendo critérios decisivos.
(...) Os dados da pesquisa mostram ainda que 46,71% das empresas entrevistadas declararam
preferência pelas jovens. (...) Especificamente no quesito idade, a consultora Irene concorda. Ela diz que,
muitas vezes, as empresas buscam profissionais mais jovens.
Dados obtidos com pesquisa não acadêmica, realizada pelo grupo Catho e já
mencionada anteriormente (capítulos 2 e 3), fazem o contraponto desta evidência,
revelando que a ‘idade’ é sim um elemento decisivo para no processo de contratação,
mesmo que não seja explicitada como tal. Profissionais acima de 60 anos ou próximo
disso (55 a 59 anos) ocupam, respectivamente, o terceiro e o sexto lugar no ‘ranking’
dos fatores de influenciam negativamente a contratação de um profissional141. De
acordo com a mesma pesquisa, registros que podem ser associados à aparência
(como obesidade) e aos hábitos (fumante) são igualmente discriminantes, sendo este
último o mais relevante dentre todos (Tabela 13). Por outro lado, o fator ‘idade’ e
‘aparência’ ocupam o primeiro e o oitavo lugar entre os principais fatores que são
considerados no julgamento que é feito tendo em conta a contratação de
executivos142.
141
Inversamente, a exigência por experiência e a sua fixação em patamares de anos elevados exclui os
profissionais mais jovens, conforme será abordado no tópico seguinte.
142
Ver Tabela 3, apresentada no final do capítulo 2.
20 2
Tabela 14 - Anúncios que solicitam pelo menos 1 elemento discriminante (sexo, idade,
aparência, posse de bens ou local de residência) - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
O segundo conjunto de atributos que define o perfil dos candidatos aos cargos de
gerentes e executivos consiste na referência e no detalhamento da experiência
profissional.
É este o sentido em que caminha a defesa enfática do valor da experiência feita por
Mintzberg (2006), um dos principais teóricos de gestão da atualidade e dos mais
citados internacionalmente, que se opõe frontalmente à possibilidade de ascender ao
cargo pelo percurso exclusivo da ‘via rápida’. Em suas análises, ele se mostra taxativo
em afirmar que não há outra possibilidade de aprendizado da gestão que não a partir
de uma base experimental. Pondera ainda que a gerência ou a gestão não se
caracteriza como uma ‘profissão’ nos moldes clássicos, uma vez que seu conteúdo
não se presta a uma formalização ou a uma decodificação, procedimentos essenciais
para a transmissão do conhecimento. É a prática que antecede a possibilidade de
reflexão e não o contrário:
20 4
“Tentar ensinar gestão a alguém que nunca gerenciou é como tentar ensinar
psicologia a alguém que nunca viu outro ser humano. As organizações são
fenômenos complexos. Gerenciá-las é um negócio difícil, cheio de nuanças,
exigindo todos os tipos de conhecimentos tácitos que só podem ser obtidos no
contexto. (...) Se a administração fosse uma ciência ou uma profissão, poderia
ser ensinada a pessoas sem experiência. Ela não é uma coisa nem outra (...)
Junte um punhado de habilidade artesã a certa porção de arte e um pouco de
ciência e você terá que uma atividade que acima de tudo é uma prática. Não
existe ‘uma melhor forma de administrar’; tudo depende da situação.”
(MINTZBERG: 2006, p. 20 e 21).
Dessa forma, apenas aqueles que contam com uma experiência prévia seriam
capazes de aprender sobre os ‘segredos’ da gestão a fim de melhor exercê-la, o que
elimina os que trazem como bagagem apenas os certificados escolares e,
indiretamente, restringe também o acesso aos muito jovens, incluindo aqui a dimensão
geracional que por vezes fica oculta. A gerência pressupõe portanto um acúmulo
sistemático de conhecimentos tácitos e é isso que irá garantir, ao seu portador, o
direito de pleitear o seu reconhecimento como pertencente a um determinado grupo
sócio-profissional. Esse é um dos lados da contenda.
Ainda que indiretamente, estes pontos podem ser captados nos anúncios por meio da
análise da natureza das exigências que são feitas aos candidatos em relação à
experiência anterior. Nas nossas amostras, esta dimensão (da experiência) assume
valores mais expressivos do que qualquer outro atributo situado nas demais categorias
analisadas143.
“Se um empregador solicita garçonete com experiência, ele pode estar usando
esta experiência como uma evidência de que ela é atraente e amigável com os
clientes, mais do que confirmando que ela é qualificada a executar as
habilidades técnicas necessárias no trabalho.” (JACKSON: 2001, p. 14 –
tradução própria)
Posição semelhante é defendida por Gracio (2001), que concebe a experiência como
sendo uma variável que se encontra ‘na fronteira’ entre as competências formais
(como educação) e as não formais (como capacidades e competências). Ele
reconhece que os empregadores ou os dirigentes das empresas atribuem à
143
Como já mencionado no capítulo anterior, somente se considerou como demanda por experiência o
que era descrito a partir dos qualificadores “vivência em” e “experiência”.
144
De todas as categorias profissionais analisadas por Jackson, é entre os ‘managers and senior officials’
que a demanda por experiência se dá em maior intensidade. No conjunto de anúncios por ela coletado,
86% dos casos desta categoria demandam experiência. Um percentual muito próximo do que
encontramos em nossos anúncios.
20 6
No nosso corpus, já em 1990, esta era uma exigência que se fazia presente em quase
90% dos casos. Passados 15 anos, o patamar não se reduziu, a despeito de ter
havido, ao longo do período, um grande incremento na disponibilidade de profissionais
titulados em condições de ascender ao cargo exclusivamente pela ‘via rápida’.
Portanto, com base na codificação proposta por Marchal e Torny (2002), criamos 3
subclasses de referências no que diz respeito à experiência: (a) experiência do tipo
‘incorporada ou qualificada’; (b) experiência do tipo ‘duração precisa’; e (c) experiência
do tipo ‘domínio preciso’.
Gráfico 5
Tipo 2 - Demanda por Experiência (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
100,00% 93,00%
89,00% 89,00% 90,33%
88,00%
90,00% 91,00%
84,00% 85,33%
80,00% 81,00%
70,00% 71,00%
71,00%
60,00%
30,00%
20,00%
9,00%
10,00% 3,00% 1,00%
0,00% 0,00%
0,00%
como ideal e, inversamente, o crescimento nas empresas que solicitam mais de sete
anos de experiência145. (Tabela 15)
O caso do Site 2 é singular, uma vez que dos 3 suportes analisados em 2005, é o que
apresenta a demanda por experiência em uma temporalidade mais elevada, o que
inclusive ‘puxa’ para o alto a média do ano.
145
Gracio (2001) percebe nos anúncios de empregos destinados aos gerentes e executivos em Portugal
uma situação distinta. As maiores taxas de crescimento estão situadas entre os anúncios que demandam
de 1 a 3 anos (que passam de 9,3% em 1989 para 11,9% em 1997) e de 3 a 5 anos (que se elevam de
8,8% para 10,2% no mesmo período). Já os anúncios que solicitam mais de 5 anos caem um pouco
(passando de 5,5% para 5,0%). A explicação para tanto é atribuída ao fato de que os menores valores de
anos de experiência (1 a 3) seriam destinados aos candidatos que iriam ocupar postos ou funções
polivalentes e estudos técnicos e planejamento, e não os postos de comando ligados às funções de
produção. Já as funções hierárquicas mais elevadas (chefias e funções de enquadramento) tenderiam a
atrair os candidatos com mais de 3 até 5 anos de experiência, indicando que a experiência também é
usada como um dispositivo de seleção que atua sobre as gerações: “o que mostra a importância da idade
na definição pelas empresas do trabalho de enquadramento. A função a desempenhar pelos candidatos
orienta assim claramente as preferências das empresas quanto às suas idades.” (GRACIO: 2001,p. 23).
Além disso, a empresa faz uso da experiência como dispositivo que lhe permite tirar proveito das
vantagens do recrutamento externo, especialmente quando se trata de um melhor posicionamento nas
negociações salariais com as gerações mais novas: “O próprio intervalo 1 a 3 anos de experiência parece
indicar que tudo se passa como se fosse necessário um contato suficientemente prolongado com o
mundo econômico para conhecer o essencial de seu funcionamento. Mas um contato, ao mesmo tempo,
não demasiado prolongado, para que os candidatos não estejam já moldados por uma cultura
determinada de empresa (Sainsaulieu, 1997: 234-63), logo, em condições de serem devidamente
socializados pela empresa anunciante. Além disso, 1 a 3 anos de experiência seria também favorável à
empresa em termos negociais.” (GRACIO: 2001, p. 24)
20 9
Suportes e Totais N %
Site 1 46 46,00%
Site 2 69 69,00%
Jornal 48 48,00%
Total 2005 (N=300) 163 54,33%
Total 1990 (N=100) 49 49,00%
Gráfico 6
Demanda por Experiência de DOMÍNIO PRECISO (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
60,00%
52,00% 51,00%
50,00%
48,67%
20,00% 20,00%
12,00%
10,00% 9,00%
7,00% 8,00%
6,00%
0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Os formatos utilizados para definir o tipo de empresa ou setor em foco são bastante
diversificados, mas sinteticamente pode-se afirmar que eles privilegiam a descrição de
atributos como o porte da empresa, sua nacionalidade146, seu setor de atuação, e
também elementos que identificam genericamente a importância da empresa como
sendo os mais relevantes para fixar o ambiente de aquisição da experiência que é
valorizado. Estes elementos tanto podem aparecer isoladamente quanto em
combinações múltiplas, como nos exemplos a seguir:
146
Segundo pesquisa realizada pelo grupo Catho, já exaustivamente citada, do ranking de 17 fatores que
são considerados como os principais na contratação dos executivos, 7 estão associados à experiência
tendo em conta o seu domínio de aquisição ou sua natureza (ver Tabela 3). São eles: em segundo lugar –
experiência técnica anterior relacionada ao cargo; em sexto lugar – resultados alcançados anteriormente;
em sétimo lugar – reputação das empresas em que trabalhou; em nono lugar – estabilidade empregatícia;
em décimo lugar – experiência anterior na supervisão de pessoas; em décimo sexto lugar – experiência
em empresas multinacionais e em décimo sétimo lugar – número de promoções anteriores. Chama
particularmente atenção a posição ocupada pelo fator ‘estabilidade empregatícia’, que ressalta a
longevidade do vínculo com a empresa, um dos traços que caracteriza o ‘assalariado de confiança’
descrito por Bouffartigue (2001a) e que, a princípio, estaria sendo suplantado no âmbito do discurso
moderno da gestão pela valorização do ‘nomadismo’. No caso específico dos anúncios, em apenas dois
registros se identificou referências que valorizam este tipo de vínculo: anúncio jornal 2005 n. 100 –
Controller (boa estabilidade nas empresas); e anúncio jornal 1990 n. 51 – Gerente Comercial (estabilidade
empregatícia).
21 1
A experiência internacional
Há um outro aspecto relativo à demanda por experiência que passa quase que
desapercebido nos anúncios (apenas 2 casos em 2005) mas que é fortemente
revelador da inclusão de um novo eixo de orientação na formatação das exigências - e
que se situa no meio do caminho entre a bagagem profissional e a bagagem
‘vivencial’. Trata-se da dimensão internacional da experiência, que diferencia não
apenas profissionalmente os postulantes, mas também estabelece um corte cultural
entre os profissionais com “trânsito global” e portanto capazes de se adaptar às
exigências do novo mundo internacionalizado dos business e os cidadãos “locais”,
presos em suas raízes.
Nos exemplos que recolhemos, este tipo de exigência tende a ser apresentado como
componente integrante da trajetória profissional, como descrito a seguir:
• “The position requires (spoken English and Spanish) and some international
experience. Mainly in the food/pharmaceutical/chemical industries.” (Site 2 –
anúncio n. 31 – Marketing Experts)
Embora esta dimensão não tenha destaque em termos quantitativos, não se pode
afirmar que esteja ausente nas relações que passam a vigorar no mercado de trabalho
brasileiro, aparecendo como relevante tanto no lado das empresas contratantes
quanto por parte dos candidatos aos postos, que decodificam, ao seu modo, estas
novas valorações.
Operando como mais uma “competência” a O que mais chama a atenção das companhias
ser comercializada, a experiência no histórico de um candidato?
147
(Anúncio publicado na Revista Exame / Você S/A – Janeiro de 2005 – Edição 79)
147
Texto do anúncio: “Requisitos: - curso superior concluído entre julho de 2002 e janeiro de 2005; -
desejável prática profissional de até 2 anos e experiência internacional; - fluência no idioma português e
inglês; - conhecimento intermediário do alemão; - disponibilidade para trabalhar em outras regiões,
inclusive no exterior; - (se estrangeiro) possuir autorização de trabalho expedida pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.” (grifo nosso)
21 6
148
Dados coletados no banco de currículos em 5 de fevereiro de 2005 no site www.rightbrasil.com.br
21 7
Quadro 4 - continuação
Área Foco do candidato Descritor da experiência internacional
Experiência internacional adquirida em várias viagens para
Comercial/ Novos Negócios reuniões de planejamento, treinamentos e convenções nos
Estados Unidos, México, Argentina, Costa Rica e Bahamas.
Posição Executiva na Indústria de
Intensa experiência internacional.
Telecomunicações/ Tecnologia
Customer Service / Suporte Técnico ao Vivência em viagens internacionais para Suporte Técnico local a
Cliente clientes na América do Sul / Central e Ásia .
Forte relacionamento com editoras nacionais e internacionais,
Comercial e Marketing agentes literários e autores. Participação em diversas feiras
internacionais de negócios.
Experiência internacional com a finalidade de troca de know-how e
atualização tecnológica com os Centros Mundiais da Europa
Comercial - Técnica
(Alemanha / Espanha / França), EUA / Canadá / México e América
do Sul (Colômbia, Argentina e Uruguai).
Participação de viagens internacionais e em diversos cursos de
Comercial / Gestão de Estratégia de vendas, marketing, incluindo gerenciamento, liderança e
Negócios desenvolvimento de equipes de venda, produto/ Serviço e
laboratório.
Experiência internacional desenvolvendo contatos internacionais
em viagens de negócios e para participação em seminários,
Desenvolvimento de Negócios / congressos, reuniões estratégicas e do Board de Diretores, em
Internacional países como EUA, Holanda, Curaçao e Inglaterra, bem como ao
telefone na negociação de condições para a tomada de recursos
em moedas estrangeiras e operações de trade finance.
149
Dados obtidos em 3 de fevereiro de 2005 no site do grupo: www.grupoprime.com.br
21 8
Para captar a presença das demandas por qualificações nos anúncios elaboramos
uma categorização que toma apoio principalmente na classificação de Jackson (2001)
que divide, de um lado, as qualificações acadêmicas formais e, de outro, o que ela
denomina por ‘outras qualificações’ e ‘habilidades técnicas’.
Optamos por trabalhar com estas variáveis de forma agregada, definindo o grande
grupo denominado por ‘formação acadêmica e outras qualificações’, que permite uma
melhor visão de conjunto sem entretanto perder a oportunidade de analisar cada
variável individualmente. Incluímos ainda a dimensão do domínio de línguas
estrangeiras, não considerada por Jackson, e estabelecemos uma divisão bastante
singular na classificação dos conhecimentos técnicos: conhecimentos transversais e
conhecimentos associados ao objeto do exercício do cargo.
22 0
• Formação acadêmica
• Qualificação incorporada ou subentendida
• Outras certificações (não acadêmicas ou não formais)
• Outras qualificações
• Registros em órgãos de classe
• Domínio de idiomas
• Conhecimentos de informática
• Conhecimentos técnicos específicos
A exigência por formação acadêmica não chega a ser tão dominante quanto o que se
verificou em relação à experiência, mas é considerável a sua evolução nos dois
períodos, especialmente se fizermos a comparação entre os jornais de 1990 e os
jornais de 2005 (variando de 65% para 78%). (Tabela 18)
Tabela 18 - Anúncios que solicitam FORMAÇÃO ACADÊMICA - 2005 por suporte e totais
1990 e 2005
Suportes e Totais N %
Site 1 65 65,00%
Site 2 74 74,00%
Jornal 78 78,00%
Total 2005 (N=300) 217 72,33%
Total 1990 (N=100) 65 65,00%
No entanto, é o detalhamento do nível de formação que nos permite ter uma melhor
visão da natureza das mudanças em relação às demandas que são feitas pelos
empregadores no tocante à escolaridade.
150
A definição do que foi considerado em cada subclasse encontra-se detalhada no capítulo 4 desta tese.
22 1
A Tabela 19 apresenta o nível de formação classificado tal qual aparece nos anúncios,
que em algumas situações apresentam o nível de formação de maneira alternativa
(médio ou superior; superior em curso ou completo....). A partir da sua leitura fica
evidente uma tendência à redução nas incidências de solicitações voltadas a níveis de
formação do ensino médio e o incremento nas exigências por pós-graduação.
151
O número de matrículas nos cursos de mestrado passou dos 40.026 em 1994 para 65.044 em 2002;
nos cursos de doutorado o crescimento foi ainda mais significativo em termos percentuais, passando de
17.351 matrículas em 1994 para 37.400 em 2002 (dados CAPES/Mec). Para a pós-graduação lato sensu,
22 2
Gráfico 7
Demanda por formação acadêmica (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
90,00%
80,00%
78,00%
74,00% 72,33%
70,00%
65,00% 65,00%
60,00%
59,00%
52,00%
50,00% 50,00%
45,00% 46,00%
40,00%
30,00%
29,00%
20,00%
15,00% 16,00%
12,00% 12,00%
10,00%
7,00% 6,33%
5,00%
0,00%
2,00% 1,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
até a conclusão desta tese, ainda não havia sido disponibilizado os dados do primeiro censo da pós lato
que permitiria ter uma idéia das sua magnitude. No entanto, é de ‘conhecimento público’ o quanto as
instituições de ensino superior vêm investindo nesta modalidade.
22 3
Portanto podemos inferir que o mesmo tipo de papel jogado pela graduação no início
da década de 1990, quando a oferta de profissionais com este tipo de formação ainda
era restrita, se repete agora em relação à pós-graduação. Isso pode ser indicativo de
que os empregadores, no momento presente, estão valorizando muito mais um
22 4
Por fim vale assinalar que, em 2005, dos anúncios que exigem pós-graduação, apenas
2 mencionam a pós stricto sensu (mestrado e/ou doutorado), e ambos para vagas na
área acadêmica (Diretores de Faculdade). Todos os demais descrevem as demandas
como ‘pós-graduação’ (17 casos); ‘especialização’ (12 casos); MBA (9 casos); pós-
graduação ou MBA (8 casos); e pós-graduação ou especialização (1 caso).
Estes casos são pouco freqüentes nos anúncios, e na sua maioria se somam às
solicitações por formação acadêmica. (Tabela 22 – coluna c) Exceção para as alusões
à ‘qualificação incorporada ou subentendida’, já que estas se referem às demandas
simplesmente descritas por “profissionais qualificados”, sem entretanto detalhar a
formação ou acrescentar nenhum outro atributo que a circunscreva. Em 1990
identificamos 2% da amostra nesta situação, e em 2005 sua presença é irrisória.
(Tabela 23)
22 5
(B)
(A) (C)
Anúncios que exigem apenas
Total de anúncios que Anúncios que exigem
Suportes e qualificações /certificações e
exigem qualificações qualificações /certificações e
Totais não exigem formação
/certificações (*) formação acadêmica
acadêmica
N % N % N %
Site 1 6 6,00% 3 3,00% 3 3,00%
Site 2 8 8,00% 1 1,00% 7 7,00%
Jornal 3 3,00% 0 0,00% 3 3,00%
Total 2005
17 5,67% 4 1,33% 13 4,33%
(N=300)
Total 1990
1 1,00% 0 0,00% 1 1,00%
(N=100)
(*) excluídos os casos de ‘qualificação incorporada ou subentendida’
No que diz respeito ao grupo de ‘outras certificações’ (não acadêmicas), nota-se que
em 1990 não foi registrado nenhum caso, e em 2005 ele abrange pouco mais de 2%
da amostra (8 casos) (Tabela 23). É um percentual pequeno mas que pode ser
indicativo do reconhecimento, pelo ‘mercado’, do valor dos diplomas obtidos em
cursos promovidos por empresas de tecnologia ou de gestão (ex: ‘certificados
Windows e linux’; ‘metodologia PMI’; ‘certificado PMP’). No entanto, apenas em 2
casos estas certificações podem estar substituindo a formação acadêmica; nos demais
elas se ajuntam aos pedidos por escolaridade formal.
Portanto era de se esperar que houvesse uma maior demanda em torno destas
capacidades, o que não ocorre. Levantamos a hipótese de que essa ausência pode
ser devido a certa ‘naturalização’ de tais competências a um ponto tal que se tornaria
desnecessário explicitá-las, uma vez que elas estariam deixando de ser indicadoras de
uma diferença. Assim, somente valeria a pena incluir como exigência uma capacidade
que não fosse universalmente possuída pelos indivíduos.152 Dito de outra forma: no
152
Por exemplo; exigir de um profissional que fale português em um país de língua portuguesa a princípio
poderia parecer uma redundância. No entanto, quando o processo de seleção ultrapassa as fronteiras
geográficas do país ou ainda quando se inclui entre os possíveis candidatos estrangeiros residentes no
país, este tipo de demanda passa a fazer sentido.
22 7
Gráfico 8
Demanda por conhecimentos genéricos de informática (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
25,00%
20,00% 20,00%
18,00%
17,33%
15,00%
14,00%
10,00% 10,00%
5,00%
0,00%
Situação muito diferente ocorre quando se foca as exigências por idiomas. De todas
as qualificações consideradas, a demanda por fluência em um segundo idioma é, sem
dúvida, a que apresentou crescimento mais expressivo no período. Presente em 18%
dos casos de 1990, chega em 2005 sendo solicitada em 50% dos anúncios153. (Gráfico
9)
153
Gracio (2001) identifica em Portugal uma situação diversa. Em sua análise dos anúncios de emprego
destinados aos ‘quadros’ no período de 1989 e 1997, ele percebe um arrefecimento na demanda por
línguas (que cai de 44,5% para 42,7%) e um incremento nas exigências por conhecimentos de informática
(que se eleva de 34,6% para 42,6%). No entanto ele não explicita se os conhecimentos em informática
são do tipo ‘genéricos’ ou se envolvem também o domínio de softwares específicos, os quais
classificamos na categoria de ‘conhecimentos técnicos específicos’.
22 8
Gráfico 9
Demanda por domínio de Idiomas (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
70,00%
60,00% 61,00%
50,00%
50,00%
49,33%
44,00% 45,00%
42,00%
40,00%
30,00%
20,00%
18,00%
15,00%
13,00%
10,00%
11,33%
6,00%
4,00% 3,00% 2,67%
0,00% 1,00% 1,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Total que exige idiomas ingles espanhol outros (frances, alemão ou japonês)
Quando se trata de exigências por outros idiomas que não estes (casos do francês,
alemão, japonês), observa-se que as vagas em questão localizam-se em
multinacionais com tais nacionalidades, e a fluência nos seus idiomas ‘nativos’ visaria
facilitar a comunicação entre os quadros nacionais e os estrangeiros.
154
Em apenas dois casos a exigência por um segundo idioma não recaiu sobre o inglês mas sim sobre o
espanhol (site 1 anúncio n. 11 - Diretor Social) e francês (site 1, anúncio n. 64 - Gerente Administrativo /
Financeiro).
155
Em 1998, o Brasil chegou a representar 27% de todo o investimento direto realizado pela Espanha ao
redor do mundo, o que lhe assegurou um lugar relevante na internacionalização da economia espanhola.
(In: Boletim Sobeet – Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização
Econômica. Ano III, n. 31 – janeiro de 2005)
22 9
Gráfico 10
Quantidade de idiomas demandados (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
50,00%
45,00% 45,00%
40,00%
36,00% 37,00%
35,00%
30,00% 30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
16,00% 16,00%
14,00% 13,00%
10,00%
9,00%
5,00%
2,00%
0,00%
um dois ou mais
Por outro lado, pode-se aventar que a maior oferta de profissionais no ‘mercado’ com
o domínio do inglês faz com que ocorra aqui um fenômeno semelhante ao verificado
em relação à exigência por diplomas de nível superior; qual seja, de marcador de
diferença transmuta-se em requisito indispensável. Dessa forma, enquanto em 1990 o
nível de proficiência na língua podia ser mais baixo (se fazia acompanhar por
qualificadores ‘fracos’, tais como: “com conhecimentos em inglês”; “desejável prática”;
“noções em”; “será um diferencial”; etc.), em 2005 a maior parte dos anúncios solicita
total domínio do idioma (o que é demarcado via qualificadores fortes, tais como:
“fluência em inglês”; “english is mandatory”; “inglês avançado”).
Domínio de idiomas
Inglês Espanhol
Suportes e
Totais Indicadores Indicadores Indicadores Indicadores
Total FORTES de FRACOS de Total FORTES de FRACOS de
proficiência proficiência proficiência proficiência
Site 1 42,00% 33,00% 9,00% 15,00% 4,00% 11,00%
Site 2 61,00% 45,00% 16,00% 13,00% 4,00% 9,00%
Jornal 45,00% 36,00% 9,00% 6,00% 2,00% 4,00%
Total 2005
49,33% 38,00% 11,33% 11,33% 3,33% 8,00%
(N=300)
Total 1990
18,00% 8,00% 10,00% 1,00% 0,00% 1,00%
(N=100)
Essas diferenças indicam que quando uma nova exigência está começando a se
impor, o nível de proficiência aceitável é mais baixo. E somente quando se dispõe de
uma quantidade razoável de indivíduos capazes de responder às demandas
específicas é que se pode defini-las a partir de um ‘patamar mínimo’, e com isso, o
que era diferença pode ser transmutado em desigualdade no que diz respeito ao
acesso ao mercado de trabalho. O domínio de um segundo idioma, ao se transformar
em uma condição sine-qua-non para o pleito às vagas, abre as portas que para se
possa, a partir de então, reivindicá-lo como um direito a ser garantido a todos.
Enquanto isso não ocorre, a diferença, como ocorre no caso do domínio do espanhol,
é tratada exatamente como isso: como um ‘plus’, um ‘a mais’, um ‘diferencial’, e não
um ponto de corte excludente por princípio.
Com base no perfil dos alunos levantado na ocasião do exame, observa-se que mais
de 60% dos egressos das engenharias156 possuem uma proficiência boa ou razoável
156
Entre as engenharias, os egressos do curso de engenharia civil são os que apresentam menor
proporção de graduados com boa proficiência em inglês: apenas 46% deles lê, escreve e fala bem ou
razoavelmente inglês; contra 68% da engenharia elétrica; 64% da engenharia mecânica e 63% da
engenharia química.
23 1
Mas quando se trata do domínio do idioma espanhol, a grande maioria dos egressos,
em todos os cursos considerados, tem uma performance fraca (ou lê, mas não
escreve e nem fala ou os conhecimentos são praticamente nulos). (Tabela 25)
157
Ainda que as vagas que analisamos não sejam destinadas exatamente aos recém graduados,
acreditamos que podemos extrapolar os resultados que esses demonstram atingir, no tocante ao domínio
de idiomas, para o conjunto mais amplo de profissionais.
23 2
• aplicativos de multimídia
• conhecimento de normas de qualidade, ISO e QS
• conhecimentos de E.R.P. (SAP, Microsiga)
• conhecimentos da norma ISO-9000 ou equivalente / conhecimentos de
ferramentas de qualidade /
• ferramentas de gestão como planejamento, organização e controle e tomada
de decisões
• conhecimentos e práticas de gerência de projetos, conhecimentos e utilização
comprovada das melhores práticas de gerência de projetos em acordo com o
PMI. conhecimentos e experiência na utilização do MS Project.
Nos nossos dados verificamos que a demanda total por ‘conhecimentos técnicos
específicos’ apresenta um incremento ao longo do período, embora de forma bem
menos acentuada do que ocorre em relação, por exemplo, ao domínio de idiomas.
Este aumento se deve, sobretudo, aos casos que são encontrados nos suportes ‘sites’
(site 1 e especialmente no site 2), mantendo-se estável quando se considera os
suportes ‘jornais’. (Gráfico 11)
Gráfico 11
Demanda por conhecimentos técnicos (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
50,00%
45,00% 45,00%
41,00%
40,00% 40,00%
37,00%
35,00% 36,00%
34,00% 33,33%
33,00%
30,00%
29,00%
27,00%
25,00%
20,00% 20,00%
15,00%
16,00% 15,67%
12,00%
10,00%
11,00% 11,00%
9,00%
5,00%
6,00%
4,00%
2,00%
0,00%
Levanta-se a hipótese de que isso pode indicar uma valorização dos perfis do tipo
‘profissional’, cujo conhecimento pode ser formalizado e portanto transferível, por
oposição ao ‘artesanal ou artístico’ que se define situacionalmente (MINTZBERG;
2006).
Gráfico 12
Tipo 3 - Demanda por Formação Acadêmica e Outras Qualificações (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
100,00%
93,00% 91,00%
89,00%
90,00%
83,00%
78,00%
80,00% 74,00% 75,00%
72,33%
60,00%
50,00%
50,00% 45,00%
44,00% 45,00%
40,00%
40,00% 41,00% 34,00% 33,00%
30,00%
18,00%
18,00%
20,00% 20,00%
14,00% 17,33%
6,00%
10,00% 10,00%
1,00% 3,00% 0,00% 2,67%
4,00% 2,33%
1,00% 1,00% 0,00% 1,00% 2,00%
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,33% 0,33%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
158
A saber: (1) formação acadêmica; ou (2) domínio de idiomas; ou (3) conhecimentos técnicos; ou (4)
conhecimentos de informática; ou (5) registros em órgãos de classe; ou (6) outras certificações; ou (7)
outras qualificações. Não se considerou as qualificações incorporadas pelos motivos já expostos
anteriormente.
23 6
Portanto, o que parece ser a tendência nas estratégias voltadas aos processos de pré-
seleção levados a cabo pelos empregadores é de sobrepor os diferentes critérios de
exigência, e não apenas de investir no incremento de cada critério isoladamente. Em
outras palavras, não é apenas a formação acadêmica que se faz mais necessária,
mas é esta associada ao domínio de um segundo ou terceiro idioma, acrescida de
conhecimentos técnicos específicos, somada a registros em órgãos de classe ou à
posse de outros certificados, como no exemplo que se segue:
CONTROLLER
Site 2 – Anúncio n. 19
Segundo ele, estes resultados sugerem uma “evolução bastante moderada entre as
duas datas em direção ao aumento da importância das competências dos candidatos
não escolarmente sancionadas (especialmente experiência e informática), face às
competências escolares”. (GRACIO: 2001, p. 22); e isso ocorre em um contexto onde
aumentou consideravelmente o volume de capital escolar socialmente disponível. No
entanto, relativizando esta constatação, ele prossegue afirmando que “embora
desenhando-se com relativa nitidez, a evolução fica claramente aquém de uma
alteração marcante da relação entre as duas ordens de competências”. (ibidem, id.)
Nos nossos dados, o que pudemos perceber é que o já alto patamar de exigências em
relação à experiência que se verificava em 1990 (presente em 88% dos anúncios),
permanece com o passar dos anos. Entretanto, no período analisado, diferentemente
do constatado por Gracio, há o incremento na demanda por formação acadêmica
(atingindo 72% dos anúncios em 2005), além dos conhecimentos técnicos (40% dos
anúncios no mesmo ano) e, ainda mais incisivamente, do domínio de idiomas
(alcançando 50% da amostra).
159
Jackson (2001), por sua vez, identifica, nos anúncios de empregos destinados aos ‘managers and
senior officials’ (o equivalente funcional dos nossos ‘gerentes’) colhidos no ano 2000, a demanda por
qualificações acadêmicas em apenas 15% dos anúncios; enquanto a exigência por experiência se faz
presente em 86% dos mesmos.
23 8
Figura 7
Matriz de Exigências nos Anúncios
incidência (+)
Aumento da
-+
++
(??)
Brasil
incidência (-)
Redução da
+- --
Portugal (??)
Acresce que como a expansão das matrículas no ensino superior brasileiro foi
bastante heterogênea, especialmente no que concerne à qualidade da formação
disponibilizada, pode-se levantar a hipótese de que apenas o recurso ao diploma
como ‘cláusula de barreira’ não estaria sendo suficiente para garantir, ao contratante,
que o tipo de competência ou de capacitação visado poderia ser assegurado. A
variação da ‘qualidade’ dos cursos de graduação seria então, além dos demais
elementos (como já mencionados da diversificação dos níveis de das fileiras
profissionais – capítulo 1) , mais um vetor que interfere na avaliação da ‘qualidade’ dos
futuros candidatos, inserindo ‘incertezas’ no processo decisório. Portanto, os
empregadores poderiam se sentir tentados a lançar mão, com maior ênfase, das
‘cláusulas de qualificação’ (conhecimentos técnicos, idiomas, etc.) para capturarem
mais claramente e explicitamente aqueles componentes da formação que poderiam
estar deixando de ser diretamente ‘assegurados’ pelos diplomas.
O último conjunto de variáveis mapeadas que define o perfil dos gerentes e executivos
solicitado nos anúncios de emprego recai sobre o que denominamos por
‘competências ou capacidades específicas’.
23 9
Gráfico 13
Tipo 4 - Demanda por Competências/capacidades (segundo grandes categorias) (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
60,00%
50,00%
49,00%
47,00% 47,00%
45,00%
42,00%
40,00%
30,00%
25,00%
24,00%
21,00% 21,67%
22,00% 22,00%
21,00% 20,67%
20,00% 20,00% 20,00% 20,00% 20,00%
18,00%
17,00% 17,00%
13,00% 15,33%
14,00%
12,00% 12,67%
10,00% 11,00%
8,00%
7,00%
0,00%
Como cada categoria é composta por vários atributos distintos (capacidades), o que
também se observa é a tendência de elevação na quantidade de capacidades que são
solicitadas160. Em 1990, em 100 anúncios, registrou-se 101 ocorrências de demandas
relativas a capacidades; em 2005 o total de ocorrências foi da ordem de 135 para cada
grupo de 100 anúncios.
Ainda em relação a este ‘adensamento’, em 1990, 78,58% dos anúncios que exigiam
capacidades específicas o faziam sem ultrapassar o total de 3. Em 2005, este
montante reduz-se para 73,75%, crescendo a participação dos anúncios que exigem
mais de sete capacidades distintas. (Tabela 27)
160
Ao todo mapeamos 22 tipos de capacidades diferentes, que se distribuem pelas 5 categorias,
conforme descrito em detalhes no capítulo 4. São elas: Categoria 1 – capacidades: disponibilidade de
horário; disponibilidade para mudança de residência; disponibilidade para viagens; Categoria 2 –
capacidades: comunicação; relacionais; liderança; redes de relacionamento; Categoria 3 – capacidades:
empreendedorismo; negociação; gestão/gerais; gestão/estratégica; gestão/foco em resultados; gestão/de
pessoas e equipes; Categoria 4 – capacidades: trabalho em equipe; iniciativa, autonomia e flexibilidade;
comprometimento e envolvimento; Categoria 5 – capacidades: subjetividade; personalidade; aspectos
físicos; aspectos sociais; referências morais e de empatia; outras.
24 1
“Como a empresa é muito grande, a gente percebe que quando você tem mais
disponibilidade para se locomover, suas chances de galgar cargos mais
relevantes são maiores. Pois nossa sede não é no Rio de Janeiro, é em Brasília,
onde estão os cargos de direção geral. Quando você aceita locomover-se a
proposta de promoção fica mais fácil. E isso para a mulher é mais difícil – pois
ela pode ser casada, ter filhos, aí não depende só dela: ou vai sozinha ou espera
que o marido mude de estado... Não existe discriminação no sentido estrito, mas
as promoções ocorrem com mais facilidade para aqueles que têm mais chances
de se locomover. Os cargos têm muito a ver com disponibilidade, pois formação
hoje em dia as mulheres têm tanta (se não até mais) quanto os homens (cursos,
capacitação). Estar disponível 24 horas por dia implica em atualização e menor
convívio com os filhos. Estar em eventos, reciclar-se, viajar, é difícil para quem
tem filhos pequenos.” (depoimento da gerente de recursos humanos das
Indústrias Gross). (BRUSCHINI & PUPPIN: 2004; p. 125)
Ainda que este tipo de exigência possa ser justificada por fatores decorrentes da
‘necessidade do trabalho’, como no caso das empresas que tem atuação transnacional
(e suas demandas por ‘disponibilidade para viagens’) ou ainda decorrentes de
contextos de recrutamentos alargados, que ultrapassam as fronteiras locais (e suas
solicitações por ‘disponibilidade para mudanças’), a sua incidência nos anúncios não
deixa de ser um fator que produz, ainda que de forma ‘não planejada’, um determinado
tipo de discriminação, que atua sobre as dimensões de gênero, de gerações e também
de classes sociais.
Gráfico 14
Categoria 1 - Demanda por mobilidade e disponibilidade de horário (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
30,00%
25,00% 25,00%
20,67%
20,00% 20,00%
18,00%
17,00%
15,00%
12,67%
12,00%
10,00% 10,00% 10,00% 10,00%
9,00%
8,00% 7,67%
6,00%
5,00%
4,00%
3,00%
2,00% 2,00% 2,33%
0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Neste conjunto consideramos as demandas por atributos que apontam para a boa
performance nos processos de comunicação e na inter-relação com outros indivíduos,
sejam colegas, superiores, empregados ou clientes. Diretamente associada a essa
está a habilidade em ‘liderança’, que remete ao carisma (o ‘espírito do líder’) e às
características pessoais do candidato que o legitimam diante dos subordinados, e não
tão somente à sua posição definida pelo estatuto hierárquico ou pelos conhecimentos
técnicos acumulados. Trata-se da capacidade de motivar e mobilizar as pessoas para
atingir aos objetivos propostos.
24 5
Gráfico 15
Categoria 2 - Demanda por capacidades de comunicação e relacionais (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
25,00%
22,00%
21,00%
20,00% 20,00% 20,00%
17,00%
15,00%
13,00% 13,00%
12,00%
11,00%
10,00% 10,00% 9,67%
9,00% 9,00%
8,00% 8,00%
7,00% 7,00% 7,00%
6,00%
5,00%
3,00% 3,33%
2,00% 2,00% 2,00%
1,00%
0,00%
Nesse sentido, trata-se sobretudo do bom manejo da ‘linguagem legítima’ que permite
o posicionamento em situações formais, tal como ocorre com as situações de trabalho,
e que, exatamente por englobar o correto domínio dos códigos dominantes, autoriza
ao indivíduo a ‘fazer concessões’ nas comunicações que precisam ser travadas com
‘todos os níveis da empresa’. Transitando em ambientes diferenciados que incluem
não apenas os ‘pares’ (eles portadores das mesmas competências), mas também
aqueles que são desprovidos de tal montante de capital lingüístico (e que por força da
situação se encontram em relação no ambiente de trabalho), as habilidades de
comunicação não se resumem à forma com que se diz (correção gramatical), nem ao
que se diz (lógica intrínseca e conteúdo), mas transborda para quem está autorizado a
dizer o ‘quê’ e em que ‘contexto’: é um falar certo e adequado onde aquele que “além
daquilo que diz, diz constantemente que o diz bem” (BOURDIEU: 1983a; p. 82).
Nos anúncios por nós analisados podemos perceber ainda a explicitação da partição
destas competências: a lingüística propriamente dita, ou o domínio das regras da
língua; e a social, o domínio da situação da comunicação; como fica evidente no
exemplo a seguir:
Nas nossas amostras há uma leve queda da demanda em relação a esta capacidade,
que passa de 11% em 1990 para 9% em 2005. Mas isso não nos autoriza a afirmar
que o seu ‘valor’ estaria sendo minimizado. (Gráfico 15)
Dessa forma, o que se pode aventar como hipótese é de que ao invés de estar em
curso uma redução real da relevância desta capacidade, estaria havendo um
deslocamento nos termos que são designados para explicitá-la. A ‘liderança’ assim se
encarna na ‘visão estratégica’, sendo esta anterior a ela própria. A visão estratégica
legitima a liderança, tornando-a menos dependente do carisma ou da capacidade de
inter-relacionamento. Portanto, ausente dos anúncios em 1990, a ‘visão’ e a
‘estratégia’ ganham terreno em 2005, o que poderá ser melhor observado na
descrição da próxima categoria.
24 9
Para a melhor compreensão da questão vale trazer à cena o conceito de capital social
elaborado por Bourdieu, que coloca no seu centro as redes de relações e seus
acionamentos bem como o esforço por manter a durabilidade dos vínculos. Para ele, o
capital social é definido da seguinte forma:
161
Como já foi abordado em momentos anteriores desta tese – ver final do Capítulo 2.
25 0
162
O próximo passo desta ‘objetivação’ poderá ser o de atribuir a este capital um valor econômico que
reconheça, aos seus portadores, o esforço que fazem para se manterem conectados nas ‘redes’.
25 1
De todas as categorias analisadas é a que aparece com maior incidência nos anúncios
de 2005 (presente em 21,67% deles) e, juntamente com a categoria 1 (‘mobilidade e
disponibilidade de horário’), a que mais cresce proporcionalmente.
Gráfico 16
Categoria 3 - Demanda por Capacidades empresariais e de gestão (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
30,00%
25,00%
24,00%
22,00% 21,67%
21,00%
20,00% 20,00%
17,33%
16,00%
15,00%
14,00%
13,00%
10,00%
8,00%
7,00% 7,00%
6,00% 5,67%
5,00%
4,00% 4,00% 4,33%
3,00% 3,00% 3,00%
2,00% 2,00%
1,00% 1,33%
0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Gráfico 17
Demanda por Capacidades de Gestão - detalhamento (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
10,00%
9,00% 9,00%
7,00% 7,00%
6,33%
6,00% 6,00% 6,00% 6,00%
3,00% 3,00%
1,00%
0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
• gestão comercial
• trabalhar com metas ambiciosas / estilo de gestão agregador
• capaz de fazer com que a informação flua de forma eficiente e eficaz entre os
stakeholders do projeto / capaz de chegar a um acordo que não onere o
projeto em todos os aspectos
• habilidade em gestão
• competência no planejamento
• capacidade analítica
• olhar empresarial
• gestão financeira
• visão generalista em RH
• generalist and high performer HR professional
• visão orçamentária
• managerial reporting skill
• foco no cliente
• capacidade para elaborar plano estratégico de vendas / e garantir metas
• capacidade de planejamento e prevenção de problemas
• customer focus are required / time management
• focado em objetivos
163
Boltanski e Chiapello (1999 – pág. 103-111) identificam na ‘gestão por objetivos’ uma das respostas
das empresas a duas questões distintas: de um lado o problema da coordenação devido ao crescimento /
agigantamento das empresas, e de outro, a possibilidade de responder às demandas dos gerentes por
maior autonomia e participação nos rumos da empresa, contestando o excesso de concentração do poder
nas mãos dos proprietários (a esta se somam a descentralização e a meritocracia como os outros eixos
de respostas). Se no entanto este é um tipo de solução que se esboça nos textos de gestão dos anos
1960, nós podemos perceber a sua contínua presença em anúncios dos anos 1990 – evidenciando um
hiato entre as representações e as práticas concretas.
25 5
Assim, dos gerentes, ao invés de se esperar que sejam competentes para de ‘chefiar’,
‘dirigir’ ou ‘coordenar’ pessoas e equipes, tal como o era descrito em 1990 (termos que
hoje são tidos como ‘ultrapassados’ por remeterem ao ‘enquadramento’ e ao ‘dar
ordens’), demanda-se que sejam capazes, sobretudo, de ‘motivar’, ‘mobilizar165’, ‘gerir’,
164
Boltanski e Chiapello (1999) inventariam, nos textos de gestão destinados ao consumo dos gerentes,
algumas formulações em torno da relevância da visão estratégica que vale a pena resgatar: “Les visions
les plus riches et les plus mobilisatrices sont celles qui ont du sens, qui répondent à des aspirations.”
(Bellenger, 1992); «La vision confère du sens ; elle pointe l´avenir du doigt ; elle transcende les objectifs à
court terme en les insérant dans un tout. Enthousiasmante, la vision est non sseulement une mission,
mais aussi un puissant aimant. Comme les grands défis, la vision réveille la capacité collective.» (Crozier
et Sérieyx eds, 1994); «Le leader est celui qui est investi par le groupe, celui dans lequel, conscienmment
ou inconsciemment, chacun se retrouve. Grâce à son influence, à son art de la vision et à ses orientations,
il crée un courant qui invite chacun au dépassement, à la confiance et à l´iniciative.» (Cruellas, 1993) ;
«Les bons leaders savent stimuler les autres par la puissance et l´enthousiasme de leur vision et donner
aux hommes le sentiment qu´ils font quelque chose d´important et qu´ils peuvent être fiers de leur travail.»
(Moss Kanter, 1991) (apud BOLTANSKI & CHIAPELLO: 1999, p. 119)
165
A mobilização é o substituto mais ‘moderno’ à motivação. No discurso de gestão, indivíduos
emancipados, críticos e autônomos não precisam de fontes externas de motivação. Eles se auto-motivam:
a motivação é intrínseca e não extrínseca. O gerente deve, isso sim, ser capaz de ‘mobilizar corações e
mentes’ de todos em torno de um objetivo comum, e este usualmente é definido pela ‘visão’.
25 6
Por fim, mais uma vez o que se nota é tanto o incremento no número absoluto de
anúncios que exigem as capacidades de gestão e, também, a superposição das
mesmas: em 1990, dos 100 anúncios analisados, havia apenas 9 ocorrências no
conjunto, em 2005, para cada 100 anúncios, o número de ocorrências se eleva para
17. (Tabela 29)
Capacidades DE GESTÃO
Suportes Total de casos
Ocorrências
N %
Site 1 14 14,00% 22
Site 2 16 16,00% 23
Jornais 22 22,00% 29
Total 2005 (N=300) 52 17,33% 74
Total 1990 (N=100) 8 8,00% 9
• Liderança, visão de futuro e capaz de traçar estratégias para atingir esta visão
(estratégia), com facilidade de alinhar, motivar e inspirar pessoas (gestão de
166
O desenvolvimento das competências e potenciais dos demais trabalhadores da organização se
coloca como sendo uma das atribuições do gerente ele mesmo, ou de um novo personagem: o ‘coach’.
Esta ‘habilidade’ em cuidar do desenvolvimento das habilidades alheias tem sido explorada pelos
intermediários do mercado como mais uma ‘linha de serviços’ ou de consultoria que se presta seja às
pessoas jurídicas (próprias empresas interessadas no desenvolvimento de seus quadros), seja às
pessoas físicas, preocupadas com o incremento de sua ‘empregabilidade’.
25 7
Gráfico 18
Categoria 4 - Demanda por Capacidades de desenvolvimento e
implicação com o trabalho (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
18,00%
17,00%
16,00%
14,00% 14,00%
12,67%
12,00% 12,00%
11,00%
10,00% 10,00%
9,00% 8,67%
8,00%
7,00% 6,67%
6,00% 6,00% 6,00%
5,00%
4,00% 4,00% 4,00%
3,00%
2,00% 2,00% 2,00%
2,00%
0,00% 0,00%
Site 1 Site 2 Jornais (2005) Total 1990 Total 2005
Jackson (2001) entende que, à exceção das habilidades para trabalho em equipe, as
demais fazem parte da categoria que ela define como ‘job commitment characteristics’,
as quais, por sua vez, são representativas do ‘esforço’ do indivíduo, e por isso compõe
o seu conceito de mérito alargado. Iniciativa, autonomia, flexibilidade e outros
aspectos que remontam ao comprometimento com o trabalho seriam habilidades
passíveis de serem adquiridas, e sobre estas o peso da ‘herança’, do capital social e
cultural e/ou do meio de origem seriam menos incidentes.
Mas o mesmo não pode ser dito em relação à demanda por iniciativa, autonomia e
flexibilidade, que em nenhum dos dois períodos considerados chega a ser significativa
para o conjunto dos dados das amostras. Embora o passar do tempo não tenha
contribuído para que se reduza o seu espaço, ao contrário, já que o que se verifica é
um leve incremento, esse porém permanece muito aquém do que seria de se esperar
se tomarmos por base os discursos que se constroem em torno da necessidade de
autonomia e de flexibilidade dos trabalhadores e gerentes.
No entanto, o que nossos dados parecem aventar, ainda que muito incipientemente, é
que atributos como ‘responsabilidade’, ‘auto-motivação’, ‘organização’,
25 9
‘comprometimento’, ‘hands-on’ entre outros, que são utilizados para designar o núcleo
‘tradicional’ de competências, não parecem estar sendo preteridos em prol das ‘novas
tendências’. Até mesmo as mais tradicionais das demandas, como disciplina e
pontualidade, mantêm sua vez, contrariando os arautos que acreditam que o ‘novo’
elimina por completo o ‘velho’:
Portanto, se há espaço para solicitações que versam em torno das competências mais
‘modernas’, também há permanências que teimam em resistir à passagem do tempo
(ou de novas abordagens).
Assim como ocorre com as características adscritas (cuja demanda nos anúncios
reduz-se de 21% para 10,67% entre os dois anos considerados, conforme já exposto),
o conjunto das capacidades pessoais, comportamentais e sociais também se
apresenta em queda. (Gráfico 19)
Gráfico 19
Categoria 5 - Demanda por Capacidades pessoais, comportamentais e sociais (%)
- 2005 por suporte e totais 1990 e 2005 -
2 5,00%
22,00%
20,00% 20,00%
18,00%
15,00%
15,33%
14,00% 14,00%
10,00%
9,00%
8,00% 8,33%
7,00% 7,00%
6,00% 6,00%
5,00% 5,00% 5,33%
Estaríamos assim diante de uma situação que nos autorizaria a afirmar que, ao menos
no que diz respeito à etapa de pré-seleção caracterizada pela publicação de anúncios
destinados a gerentes, o ‘mercado’ brasileiro estaria se comportando de modo mais
‘meritocrático’? Ou que, com o passar do tempo, os anúncios de emprego estariam
dando maior importância ao resultado da equação ‘dom/capacidades inatas + esforço’
26 2
por oposição à herança atribuída e/ou à origem social (e suas incidências em termos
da posse de capital cultural e social específicos)?
Os anúncios para gerentes e executivos estariam de fato dando maior relevância aos
atributos que são considerados como mais meritocráticos? Para responder a esta
questão, tomamos por base o quadro de análise desenvolvido por Jackson (2001) e
Jackson et alli (2002) que define um conjunto de atributos ‘típicos’ de mérito (mérito
estreito), acrescido de outros atributos que também podem ser caracterizados como
meritocráticos (mérito estendido), vis-à-vis os atributos que claramente ficam de fora
desta classificação.
Desse modo, o nosso conjunto relativo ao ‘mérito estreito’ ficou formado por 8
atributos (ou variáveis), o conjunto de ‘mérito estendido’ por 11 e o de ‘não-mérito’ por
17 atributos167.
As tabelas 30, 31 e 33 apresentam a evolução das demandas por cada atributo nas
amostras recolhidas nos dois anos considerados tendo em vista sua classificação
como mérito estreito, estendido e não mérito. A tabela 32 apresenta em separado os
resultados gerais obtidos com os anúncios que contêm ao menos uma incidência
relativa ao mérito estreito e ao mérito estendido (resultados obtidos pelas tabelas 30 e
31) acrescentando o que chamamos por incidências de ‘mérito geral’, que corresponde
aos anúncios que demandam atributos de mérito estreito e/ou de mérito estendido.
Nota-se que tanto os sub-totais apresentados quanto o total final não correspondem
ao somatório simples das incidências (N) da coluna, uma vez que um mesmo anúncio
(caso) pode apresentar demandas em mais de um atributo. Por exemplo, na tabela 30,
tomando o ano de 2005, identifica-se 26 anúncios que exigem ao menos uma
incidência relativa ao atributo ‘capacidade de iniciativa, autonomia e flexibilidade’
(atributo n. 6); 20 casos que exigem ‘capacidade de envolvimento com o trabalho’ (n.
7); e 16 que demandam ‘capacidades associadas à subjetividade mobilizada para o
trabalho’ (n. 8). Porém o sub-total da classe ‘Capacidades relativas ao esforço e
167
Jackson não considera a experiência como atributo do mérito, Também optamos por excluí-la neste
momento uma vez que é uma variável que se encontra presente na quase totalidade dos anúncios
considerados (solicitada por 88% dos anúncios de 1990 e 90% dos de 2005). A sua inclusão, seja como
mérito ou como não mérito, poderia inserir um forte viés de interpretação. Para todos os efeitos,
assumimos que a exigência por experiência não explica as variações obtidas, embora a sua forma de
expressão tenha se tornado muito mais complexa, como já demonstrado anteriormente.
26 5
Tabela 30 - Evolução das demandas por atributos de MÉRITO ESTREITO nos anúncios -
1990-2005
2 2,00 1 0,33
incorporadas
5. Demais qualificações - outras 1 1,00 1 0,33
Demais qualificações (sub-total –
3 3,00 17 5,67
atributos 2, 3 4 e 5)
6. Capacidades de iniciativa, autonomia e
6 6,00 26 8,67
flexibilidade
7. Capacidades de envolvimento com o
3 3,00 20 6,67
trabalho
8. Capacidades associadas à
subjetividade mobilizada para o 9 9,00 16 5,33
trabalho
Capacidades relativas ao esforço e
envolvimento com o trabalho (sub-
14 14,00 39 13,00
total- atributos 6, 7 e 8)
Total de anúncios que apresentam ao
menos uma incidência de demanda 69 69,00 226 75,33
por atributos de mérito estreito
26 6
Tabela 31 - Evolução das demandas por atributos de MÉRITO ESTENDIDO nos anúncio –
1990-2005
Tabela 33 - Evolução das demandas por atributos de NÃO-MÉRITO nos anúncios – 1990-
2005
Acresce ainda que o peso relativo das credenciais escolares e demais atributos que
compõem o mérito estreito como único agregado considerado pelos empregadores
anunciantes cai no período (passando de 24,00% em 1990 para 15,81% em 2005). Ao
mesmo tempo eleva-se o peso dos atributos que caracterizam o mérito estendido
como único elemento em torno do qual se situa a demanda (indo de 9,00% para
16,91% no período); assim como a combinação de mérito estreito e estendido
(variando de 45% para 61% nas mesmas datas). (Tabela 34). Dito de outra forma, o
diploma sozinho deixa de ser tão relevante quanto já foi no passado. Se o seu valor
26 9
Por fim, observa-se que se reduz bastante a quantidade de anúncios que não
demandam nem atributos de mérito nem de não-mérito (de 17% para 6%), ou seja,
aqueles que se focam apenas na experiência ou nem nisso.
Ao que tudo indica, os anúncios estão se tornando não apenas mais meritocráticos,
mas também mais exigentes em relação à sobreposição de variáveis que são
solicitadas.
168
Isso vai ao encontro das conclusões obtidas por pesquisadores como Helal (2005) que identifica que
os efeitos da escolaridade na ocupabilidade de um cargo gerencial permanece bastante significativo, e
maior até do que os seus efeitos na ocupabilidade de uma vaga no mercado formal de trabalho. Ainda
que após 1982 o seu impacto comece a se reduzir, este não perde a sua relevância, mas não se coloca
necessariamente como o principal fator para a ocupabilidade gerencial: retirada a variável educacional do
modelo, os coeficientes da variáveis ligadas ao background familiar (ocupação do pai, escolaridade do pai
e escolaridade da mãe) tornam-se relevantes.
27 0
Variável densidade
D= d1
d2
Onde:
d1 = número de atributos de mérito (ou não mérito) exigidos por anúncio
e
d2 = total de anúncios com exigência de atributos de mérito (ou de não mérito).
Tabela 35 - Densidade dos anúncios que exigem Mérito Estreito – total e por quantidade
de atributos demandados - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
Ou seja, em relação ao mérito estreito, não há no decorrer dos anos uma variação
significativa da densidade de atributos solicitados: em 1990, 81% dos anúncios desse
27 1
Gráfico 20
'Densidade' das solicitações por atributos de MÉRITO ESTREITO
- quantidade de atributos demandados: 1990 e 2005 (%) -
90,00%
81,16%
80,00%
78,32%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
13,72%
10,00% 13,04% 6,64%
1,33%
5,80% 0,00%
0,00%
Tabela 36 - Densidade dos anúncios que exigem Mérito Estendido – total e por
quantidade de atributos demandados - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
Gráfico 21
'Densidade das solicitações por atributos de MÉRITO ESTENDIDO
- quantidade de atributos demandados: 1990 e 2005 (%) -
70,00%
64,81%
60,00%
50,00%
42,36%
40,00%
32,31%
30,00%
25,93%
20,00%
17,47%
10,00%
7,41%
4,37%
2,62%
1,85% 0,87%
0,00% 0,00% 0,00%
Um atributo Dois atributos Três atributos Quatro atributos Cinco atributos Oito atributos
Tabela 37 - Densidade dos anúncios que exigem Mérito Geral – total e por quantidade de
atributos demandados - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
85 24 22 17 9 4 4 2 1 2
Site 1 (100%) (28,24%) (25,88%) (20,00%) (10,59%) (4,71%) (4,71%) (2,35%) (1,18%) (2,35%)
94 13 36 20 16 5 3 1
Site 2 (100%) (13,83%) (38,30%) (21,28%) (17,02%) (5,32%)
0
(3,19%) (1,06%)
0
93 25 25 24 9 4 2 4
Jornal (100%) (26,88%) (26,88%) (25,81%) (9,68%) (4,30%) (2,15%) (4,30%)
0 0
Total 1990 78 25 33 11 4 5
0 0 0 0
(N=100) (100%) (32,05%) (42,31%) (14,10%) (5,13%) (6,41%)
27 3
Gráfico 22
'Densidade das solictações por atributos de MÉRITO TOTAL (Estreito e Estendido) -
quantidade de atributos demandados: 1990 e 2005 (%) -
45,00%
42,31%
40,00%
35,00%
32,05%
30,00%
30,51%
25,00%
22,79% 22,43%
20,00%
15,00%
14,10%
12,50%
10,00%
6,41%
5,00%
5,13%
4,78% 3,31%
2,21%
0,74% 0,74%
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%
um atributo do is atributo s tres atributo s quatro atributo s cinco atributos seis atributo s sete atributo s o ito atributo s dez atributo s
Tabela 38 - Densidade dos anúncios que exigem Não Mérito – total e por quantidade de
atributos demandados - 2005 por suporte e totais 1990 e 2005
Além disso, em 1990, 72% dos anúncios que solicitavam elementos de ‘não mérito’
concentravam suas exigências entre poucos atributos (1 ou 2). Já em 2005 este
montante eleva-se para 82%, indicando uma tendência de concentração e redução no
foco. Lembramos que um dos fatores desse agrupamento que mais tem apresentado
crescimento refere-se à ‘mobilidade’, como já indicado.
Gráfico 23
'Densidade' das solicitações por atributos de NÃO MÉRITO
- quantidade de atributos demandados: 1990 e 2005 (%) -
60,00%
55,47%
50,00%
40,00%
36,36% 36,36%
30,00%
27,01%
22,73%
20,00%
10,00%
11,68%
4,55%
4,38% 0,73% 0,73%
0,00% 0,00% 0,00%
um atributo dois atributos tres atributos quatro atributos cinco atributos seis atributos
Gráfico 24
Quantidade de atributos demandados por categoria – MÉRITO GERAL e NÃO MÉRITO
(1990 e 2005)
60,00%
50,00%
40,00%
33,00%
30,00%
25,00% 27,67%
25,33%
22,00%
20,00%
20,67% 20,33%
16,00% 16,00%
11,00%
10,00% 12,33%
11,33%
10,00%
9,33%
4,00% 5,00%
5,33%
0,33% 2,00% 4,33%
3,00% 0,67%
2,00%
2,00% 0,67%
0,00% 0,33%
seis cinco quatro tres do is um nenhum nenhum um do is tres quatro cinco seis sete oito dez
atributos atributo s atributo s atributo s atributo s atributo atributo atributo atributo atributo s atributos atributo s atributo s atributo s atributo s atributo s atributo s
focando atributos que são essencialmente tidos como meritocráticos (e portanto mais
‘democráticos’).
Para ter uma primeira aproximação desta questão, criamos a variável ‘grau de
exigência’ (G).
Para o seu cálculo, em primeiro lugar foi preciso isolar aqueles atributos que
permitiriam estabelecer pesos objetivos e diferenciados em relação ao valor que
poderiam assumir.
Para os demais atributos não foi possível estabelecer uma escala que permitisse a
mensuração de diferenças de complexidade ou de esforço. Por exemplo, tomando a
variável ‘conhecimentos técnicos transversais’, não temos como afirmar que
‘conhecimento de normas de qualidade, ISO e QS’ sejam inferiores ou superiores,
mais fáceis ou mais difíceis de obter do que ‘conhecimentos de E.R.P. (SAP,
27 7
Por isso nos restringimos aos dois atributos enunciados. Vale ressaltar que nos
tópicos anteriores já demonstramos o quanto os anúncios mais recentes estão mais
exigentes quando tomamos cada um deles isoladamente: aumentou o volume de
solicitações por pós-graduação e também por domínio de dois ou mais idiomas.
G = g1 + g2
Onde:
g1 = peso do atributo ‘formação escolar’ no anúncio e
g2 = peso do atributo ‘idioma’ no anúncio
sendo os pesos definidos segundo relação explicitada.
Portanto, o valor máximo que a variável G poderia atingir seria 6 (o que equivale ao
somatório de peso 3 em formação escolar e peso 3 em domínio de idioma).
Gráfico 25
'Grau de Exigência' dos anuncios (escolaridade e idiomas)
(1990 e 2005)
40,00%
36,00%
35,00% 35,00%
30,00%
29,00%
25,00% 25,00%
20,00%
17,00%
16,00%
15,00% 15,00%
11,33%
10,00% 11,00%
5,00%
2,00% 2,67%
0,00% 0,00%
nenhum um dois tres quatro cinco
Analise fatorial
Construímos uma série de variáveis (atributos) a partir dos perfis dos candidatos
apresentados nos anúncios, as quais, presumivelmente, têm impacto sobre as
chances dos indivíduos obterem sucesso na conquista das vagas. Essas variáveis
foram divididas conforme sua maior ou menor associação com o conceito de mérito,
formando conjuntos diferenciados que possibilitaram as análises até então elaboradas.
No entanto, não é totalmente evidente como esses atributos se associam mutuamente.
Em outras palavras, a análise fatorial é um método que é utilizado para: (a) determinar
o número de fatores existentes em um conjunto de dados; (b) determinar quais
variáveis pertencem a quais fatores e em que extensão essas variáveis estão
saturados com o que quer que seja o fator.
Aplicamos a análise fatorial pelo método dos componentes principais com rotação
‘Varimax’169 para um conjunto de 12 variáveis as quais chamamos de variáveis ‘mães’,
a partir das quais todas as demais se desdobram170. Cada variável foi tratada como
dicotomia, em que ‘1’ caracteriza a sua presença, e ‘0’ a sua ausência. Este
procedimento foi realizado primeiro nos dados relativos ao ano de 1990 e depois ao
ano de 2005171.
Para cada ano considerado foi possível extrair 5 fatores. Tais constructos foram
posteriormente nomeados tendo em vista representar, da melhor forma possível, a
característica específica das variáveis que os compõem.
169
A rotação Varimax é um método de rotação ortogonal que minimiza o numero de variáveis que cada
agrupamento terá e simplifica a interpretação dos fatores. É o método mais comumente utilizado.
170
As variáveis mães são elas mesmas constructos, e agregam 44 variáveis distintas. Em um primeiro
momento procurou-se aplicar a análise fatorial para o conjunto completo (44 variáveis), mas os resultados
não foram satisfatórios, gerando, para o ano de 1990 16 fatores e, para o ano de 2005, 18 fatores, um
contingente alto e fracamente correlacionado. Portanto optamos pela aplicação da análise apenas nas
variáveis mães, que são constituídas da seguinte forma: variável mãe (I) ‘experiência’ de desdobra em:
(1) experiência incorporada; (2) experiência de duração precisa; (3) experiência de domínio preciso em
tipo de empresa ou setor; (4) experiência de domínio preciso na função ofertada; (5) experiência de
domínio preciso em função anterior ou em seu ambiente de aquisição; (6) experiência de domínio preciso
em tipo na aplicação de conhecimentos. A variável (II) ‘qualificações acadêmicas’ se desdobra em: (1)
qualificações acadêmicas do tipo 1; (2) qualificações acadêmicas do tipo 2; (3) qualificações acadêmicas
do tipo 3. A variável (III) ‘conhecimentos técnicos’, se desdobra em: (1) conhecimentos técnicos de
ferramentas transversais; (2) conhecimentos técnicos de domínio do objeto. A variável (IV) ‘idiomas’ se
desdobra em: (1) domínio de 1 idioma; (2) domínio de 2 ou mais idiomas. A variável (V) ‘certificados e
outras qualificações’ se desdobra em: (1) certificações específicas; (2) registros em órgãos de classe;
(3) outras qualificações; (4) qualificações incorporadas. A variável (VI) ‘informática’ é a única que não se
desdobra em nenhuma outra. A variável (VII) ‘capacidades de comunicação e relacionais’ se desdobra
em: (1) capacidades de comunicação; (2) capacidades relacionais; (3) liderança; (4) redes de
relacionamento. A variável (VIII) ‘capacidades empresariais e de gestão’ se desdobra em: (1)
empreendedorismo; (2) negociação; (3) gestão gerais; (4) estratégia/visão estratégica; (5) foco em
resultados; (6) gestão de pessoas e equipes. A variável (IX) ‘capacidades associadas ao
desenvolvimento e implicação com o trabalho’ se desdobra em: (1) trabalho em equipe; (2) iniciativa,
autonomia e flexibilidade; (3) comprometimento e envolvimento. A variável (X) ‘capacidades de
mobilidade e disponibilidade de horário’ se desdobra em: (1) disponibilidade de horário; (2)
disponibilidade para mudança de residência; (3) disponibilidade para viagens. A variável (XI)
‘capacidades ou competências comportamentais e sociais’ se desdobra em: (1) subjetividade; (2)
personalidade; (3) aspectos físicos; (4) aspectos sociais; (5) referencias morais e empatia; (6) outras. A
variável (XII) ‘características gerais’, se desdobra em: (1) sexo; (2) idade; (3) apresentação física; (4)
local de residência; (5) posse de bens.
171
Os resultados do teste estatístico de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que indica a conveniência do modelo
fatorial (quando mais próximo de 1 maior é adequação, e abaixo de 0,5 é inaceitável), foi de 0,54 para o
ano de 1990 e de 0,66 para o ano de 2005, indicando a aceitabilidade da aplicação da análise fatorial nos
dados, embora o grau de ajuste para o ano de 1990 seja inferior ao verificado no ano de 2005.
28 0
Fatores
1 2 3 4 5
1 - O Gerente em ação (16,8%) (*)
Capacidades de
,834 -,012 ,074 ,042 ,023
comunicação e relacional
Capacidades de
desenvolvimento e ,661 -,065 ,340 -,039 -,289
implicação com o trabalho
Capacidades
,650 ,144 -,285 -,019 ,256
empresariais e gestão
2 – Aprendizagens formais / ativos tangíveis (13,4%)
Domínio de Idiomas -,198 ,780 ,015 -,202 ,032
Qualificação Acadêmica ,285 ,759 -,071 ,127 -,124
3 – Heranças sociais e adscrição (13,3%)
Experiência ,004 ,113 -,715 ,079 ,166
Características adscritas
,015 ,320 ,629 ,055 ,364
e posse de bens
Capacidades pessoais,
comportamentais e ,507 -,064 ,591 ,101 ,112
sociais
4 – Skills e Capacidades instrumentais (11,3%)
Conhecimentos
,202 ,111 -,077 ,749 -,005
Técnicos
Capacidades de
mobilidade e ,158 ,283 -,022 -,701 -,117
disponibilidade de horário
Conhecimentos de
-,125 ,418 ,363 ,473 -,226
Informática
5 – Certificações (9,3%)
Certificados e outros ,039 -,112 ,003 ,033 ,845
(*) Percentagem da variância total explicada pelo fator. Os cinco fatores em conjunto explicam 64,1% da
variância total
Extraction Method: Principal Component Analysis.
Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
A interpretação desses dados deve ser feita considerando que os fatores são, por
definição, não correlacionados, e tendem a capturar o máximo de variância de cada
variável em cada fator. Os fatores são extraídos na ordem do mais explicativo para o
menos explicativo, portanto o fator 1 é mais explicativo do que o fator 5.
28 1
• Finalmente o quinto fator é composto pelo agregado das variáveis que compõe
os ‘certificados e outras qualificações’ de forma isolada, ou seja, sem estar em
forte interação com nenhum outro agrupamento de variáveis.
Para o ano de 2005, a aplicação da análise fatorial também resultou em 5 fatores que,
em conjunto, explicam 60,4% da variância total, conforme tabela a seguir.
Fatores
1 2 3 4 5
1 – O Gerente em Ação (20,5%)(*)
Capacidades de
comunicação e ,744 ,140 -,003 -,049 -,161
relacional
Capacidades
,709 -,068 ,096 -,079 ,195
empresariais e gestão
Capacidades de
desenvolvimento e
,840 -,028 -,011 ,123 -,022
implicação com o
trabalho
Capacidades pessoais,
comportamentais e ,821 ,004 -,046 ,107 ,023
sociais
2 – Ativos Tangíveis (Comprováveis) (10,8%)
Experiência -,033 ,739 -,067 -,022 -,006
Qualificação Acadêmica ,055 ,749 ,131 ,099 ,002
3 – ‘Skills’ e Capacidades Instrumentais (10,2%)
Certificados e outros ,009 -,087 ,621 -,177 ,104
Conhecimentos
-,044 -,024 ,656 ,094 -,286
Técnicos
Conhecimentos de
,065 ,275 ,615 ,178 ,098
Informática
4 – Nomadismo (9,9%)
Domínio de Idiomas ,127 ,167 ,020 ,628 -,321
Capacidades de
mobilidade e
-,026 -,043 ,017 ,827 ,195
disponibilidade de
horário
5 – Adscrição e bens (9,3%)
Características adscritas
,030 ,020 -,014 ,011 ,901
e posse de bens
(*) Percentagem da variância total explicada pelo fator. Os cinco fatores em conjunto explicam
60,4% da variância total
Extraction Method: Principal Component Analysis.
Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
28 3
A comparação entre os dois anos considerados revela mudanças no que diz respeito
a: (a) ordem e saturação dos fatores; (b) característica das variáveis que estão
agrupadas em cada fator; (c) inversão do sinal das variáveis ‘experiência’ e
‘capacidades de mobilidade e disponibilidade de horário’; e (d) emergência de novos
fatores ‘latentes’, reunindo variáveis que não estavam agrupadas em 1990.
Os resultados obtidos com a última tabela, interpretada à luz da relação com a tabela
anterior (Tabela 39), podem ser descritos da seguinte forma:
• O quarto fator emerge como uma novidade: indica a associação entre domínio
de idiomas e capacidades de mobilidade, que agora passa a ter sinal positivo.
28 4
Pela sua essência, esta é uma configuração que nos remete mais diretamente
ao ‘nomadismo’, singularidade que não se evidenciava no ano de 1990.
Portanto, da ordem de apresentação dos fatores e das variáveis que estão em maior
sejam obtidas via esforço (especialmente aquelas que compõem o mérito em sua
meritocráticos perdem seu peso, à exceção das variáveis que compõe a categoria
Por fim, cabe analisar o papel dos atores que se situam entre as vagas e os
candidatos na configuração destes contextos. Diversos estudos (Gautié et alli: 2005;
Bessy: 1997; Bessy e Larquier: 2002; Bureau e Marchal: 2005) atribuem à elevação e
maior seletividade que estaria ocorrendo no mercado de trabalho à ação mais
intensiva dos ‘intermediários’. Apresentar alguns indícios da possibilidade de
confirmação ou refutação desta hipótese é o propósito do próximo tópico.
Dessa forma, ainda que mais meritocráticos em sua redação, os textos dos anúncios
de emprego, elaborados para colocar em relação preliminar as vagas e os candidatos,
também permitem demonstrar a permanência e/ou a invenção de atributos os quais,
mesmo que assumidos como integrantes do conceito de ‘mérito’ (em suas versões
estreita ou expandida), contribuem para manter os postos de trabalho ‘fechados’ a
todos os demais atores que, portadores de credenciais demandadas, não as possuem
no nível ou grau exigido. E esses estão sendo deslocados sempre a jusante: ou seja,
as chances nas disputas vêem-se reduzidas para aqueles que mesmo portadores de
experiência prévia, não lograram adquiri-la em um determinado tipo de empresa ou
setor ou durante um determinado período de tempo mínimo; para aqueles que
portadores de diplomas escolares, não atingiram um determinado patamar agora tido
como ‘mínimo’; ou para os que, embora bilíngües, não são ainda trilíngües (e assim
sucessivamente).
Conjunto difuso e de contornos pouco claros, que agrega desde grandes empresas
internacionais, passando por grandes e pequenas empresas nacionais (podendo até
mesmo chegar a consultores individuais173), age no sentido de estabelecer um modo
específico de organização das transações174 que ocorrem entre empresas que
possuem um determinado posto de trabalho ‘em aberto’ (recém criados ou que
precisam ser realocados) e o seu preenchimento, de modo a que o resultado lhes seja
favorável.
Dessa forma, sua atuação está longe de ser um vetor passivo de promoção da
adequação entre uma determinada oferta e uma demanda anteriormente constituídas.
Ao contrário, neste mercado específico, eles jogam um papel ativo na definição
mesma das trocas e na sua expressão, traduzindo-as em uma determinada natureza
de oferta, uma demanda específica e um preço. (GAUTIÉ et alli: 2005; p. 385). Ao
fazê-lo, acabam por contribuir para a construção de segmentações e de modos de
avaliação das competências onde algumas categorias ou grupos de trabalhadores
tornam-se mais valorizados ao passo em que outros podem vir a cair marginalizados
(BESSY: 1997, p. 103).
Bessy (1997) e Bessy e Larquier (2002) concebem uma divisão teórica dos
intermediários tendo como referência o grau de profundidade com que se colocam em
relação à pesquisa ou busca pelos candidatos: se esta é uma busca aprofundada,
172
Os ‘head-hunters’ ou ‘caçadores de cérebros’ se caracterizam principalmente por empreender uma
abordagem direta dos candidatos, enquanto as demais empresas de recrutamento e seleção podem
lançar mão com maior freqüência dos dispositivos de mídia tradicionais (anúncios em imprensa e Internet)
para atrair os potenciais candidatos.
173
Excluímos os serviços públicos, tal como o SINE, deste agrupamento por não atuarem com este tipo
de profissionais. Portanto estamos nos referindo aqui apenas aos atores privados e lucrativos que
intervêm no mercado de trabalho.
174
Transações que envolvem diversas etapas do processo, tais como: definição do perfil do cargo;
definição do perfil do candidato; realização das atividades de pré-seleção; realização dos testes
envolvidos nas etapas de seleção; apresentação dos candidatos potenciais às empresas; etc. Podendo
chegar até à etapa final da contratação.
28 7
Acresce ainda que, na busca extensiva o papel dos intermediários se concentra muito
mais na promoção da associação entre uma descrição de vaga e um ou vários
candidatos que se adeqüem a ela (‘matchmaking’). Já na busca intensiva, o seu papel
como avaliador efetivo das competências (incluindo atributos de personalidade e
outros) e trajetórias é mais ressaltado (‘evaluation’). Estas diferenciações também
determinam, portanto, o seu grau de intervenção na empresa, o tipo de canais de
busca que serão acionados, a relevância e profundidade do conhecimento sobre o
mercado de trabalho e sobre os profissionais que nele circulam e, naturalmente, incide
sobre o preço a ser cobrado pelos serviços.
175
Bureau e Marchal (2005) mostram que o recurso a este tipo de atores e a esta natureza de busca mais
‘padronizada’ introduz um descolamento dos critérios de seleção que são acionados em relação aos
contextos profissionais específicos. A pré-seleção, operada a distância e baseada em critérios muito
genéricos, reforça o risco de exclusão de profissionais que possuem trajetórias muito singulares, difíceis
de serem captadas segundo tais variáveis gerais.
28 8
Total de anúncios
Total de anúncios de
das próprias
Suportes empresas de Total de anúncios
empresas
recrutamento e seleção
recrutantes
Site 2 61 (78,21%) 39 (31,97%) 100
Jornais 17 (21,79%) 83 (68,03%) 100
Total 78 (100%) 122 (100%) 200
Nota: Todas as empresas de recrutamento e seleção identificadas na amostra são pertencentes a grupos privados. São elas: (1) no
Site 2: Across gestão de carreiras; Alfa-cs; Consultoria de recursos humanos; CS4 Consultoria em RH; Di Ferretti; DM executivos;
Específica S/C; InterAtiva; MP Consultoria; Oficina de Talentos Consultoria em RH; Personale; Reggianni Hunting; Resch; RH3; Rhelp;
Soulan; StautRH; Upside; VGS; Viva Talentos Humanos; Web Negócios AS; (2) em Jornais: Msarh; Manager; InterAtiva; MercuriUrval;
Palomeque Associados; Case Consultores.
176
Nos anúncios difundidos pelas próprias empresas, é o empregador que assume a responsabilidade
pelo conjunto do processo de recrutamento. Já nos anúncios que são difundidos pelas agências de
recrutamento e seleção ocorre o inverso. No entanto, o grau de ‘liberdade’ em relação à gestão de cada
etapa (definição do perfil do cargo, elaboração do texto do anúncio, etc.) dependerá da natureza do
contrato estabelecido entre ambas as partes.
177
Para o Site 1 não foi possível isolar os anúncios que são originados das empresas de recrutamento e
seleção dos demais. Nos anúncios de jornal, não consideramos a ação das empresas de comunicação,
que ‘assinam’ 38 casos da amostra.
28 9
Gráfico 26
Demanda por formação acadêmica e outras qualificações segundo
anunciante responsável (%) - 2005
90,00%
78,21%
80,00%
74,59%
70,00%
62,82%
60,00%
50,00% 46,72%
40,16%
40,00% 37,18%
30,00%
19,23%18,85%
20,00%
7,69%
10,00%
4,10%
0,00%
Gráfico 27
Demanda por nível de formação acadêmica segundo
anunciante responsável (% ) - 2005
80,00%
73,63%
70,00%
62,30%
60,00%
50,00%
40,00%
34,43%
30,00%
20,00%
13,19% 13,19%
10,00%
3,28%
0,00%
grupo 1 (até superior incompleto) grupo 2 (superior completo e pós grupo 3 (pós graduação)
incompleta)
Gráfico 28
Distribuição do grau de exigencia entre anúncios de
intermediários e das empresas - 2005 (%)
35
32,05
31,15
30
25 24,59
23,08 23,08
20
18,85
15
11,48
12,3
10
8,97
8,97
5
3,85
1,64
0
nenhum um dois tres quatro cinco
intermediários empresas
Gráfico 29
Quantidade de atributos demandados de MÉRITO GERAL e
NÃO MÉRITO - segundo responsável pelo anúncio - 2005
70,00%
64,10%
Não Mérito Mérito Geral (estreito e estendido)
60,00%
51,64%
50,00%
40,00%
35,90%
30,00%
20,51%
22,13%
20,00% 20,49%
14,10%
11,54% 11,54%
13,11%
11,48% 7,69%
10,00%
8,20% 9,02%
2,56% 2,56% 2,56%
1,28% 1,28%
4,10%
1,64% 2,46%
0,00%
0,82% 0,82%
quatro tres do is um nenhum nenhum um do is tres quatro cinco seis sete oito
atributo s atributo s atributo s atributo atributo atributo atributo atributo s atributo s atributo s atributos atributo s atributo s atributo s
178
Bessy e Larquier (2002) lembram ainda que o recrutador (intermediário), irá ‘medir’ cada candidato de
acordo com o conjunto de normas ou atributos pré-definido, e deverá interromper sua busca assim que
um determinado perfil satisfaça a estes atributos. Acrescentam eles: “o recrutador não compara um
candidato contra outro no sentido de selecionar empregado mais adequado para a empresa. O candidato
que tem uma quantidade de qualidade satisfatória para o mercado, ele ou ela pode não ser o melhor para
o trabalho. Os custos de recrutamento para empregos padrão de curto prazo são obviamente reduzidos.”
(BESSY & LARQUIER: 2002, p. 9 – tradução própria)
29 3
Resumo do capítulo
A terceira parte teve por propósito apresentar as transformações no perfil dos gerentes
e executivos que as empresas desejam recrutar segundo quatro grandes blocos de
demanda. No que diz respeito às características adscritas e posse de bens,
identificamos que os atributos relativos a sexo, idade, apresentação e posse de bens
sofrem decréscimo, ao passo que as exigências quanto ao local de residência se
elevam. Indicamos que um elemento importante na explicação deste padrão de
comportamento é a legislação que incide sobre os suportes dos anúncios, proibindo a
inclusão de variáveis discriminadoras no texto dos classificados de emprego. Já em
relação à experiência profissional prévia, percebemos que não há variações
expressivas na quantidade de anúncios que a exigem; entretanto há grandes
29 4
Para encerrar, na quinta e última parte fizemos um rápido ensaio voltado a identificar a
contribuição da ação dos intermediários do mercado de trabalho para a elevação das
demandas que são feitas aos candidatos. Tendo o ano de 2005 como base, isolamos
os anúncios que são produzidos por tais intermediários dos que são produzidos ou
que são de responsabilidade das próprias empresas contratantes. A comparação
desses dois conjuntos no tocante às demandas voltadas para formação acadêmica,
outras qualificações, idiomas, conhecimentos de informática e conhecimentos técnicos
demonstra que apenas no quesito domínio de idiomas os anúncios assinados por
empresas de recrutamento e seleção são mais exigentes do que os dos próprios
empregadores. No entanto, quando se trata do nível de formação acadêmica que é
exigido, os intermediários se destacam por fazê-lo em patamares mais elevados.
Dessa forma, não se pode negar que a ação deste conjunto de atores contribui
efetivamente para elevar o patamar, dentro de padrões do tipo meritocrático, dos perfis
dos candidatos para as vagas de gerentes e executivos. Infere-se que atributos não
meritocráticos ganham maior peso na etapa posterior à pré-seleção, qual seja, durante
as entrevistas.
29 6
Conclusões
Como exposto ao longo deste trabalho, diversas são as críticas que relativizam o peso
da educação na composição das oportunidades de acesso a posições profissionais
elevadas. Segundo umas, para o empregador o diploma atuaria como ‘sinal’ de outras
capacidades passíveis de serem desenvolvidas pelo sistema escolar em seus diversos
níveis (estilística, comportamentos, disposições) as quais, mais que os conhecimentos
técnicos e científicos, teriam relevância. Em linha semelhante, outras indicam que a
educação seria o principal fator de ‘organização da fila’ para o ingresso no mercado de
trabalho, outorgando aos que possuem maiores credenciais os primeiros lugares,
porque para eles os gastos com treinamento seriam reduzidos. Há ainda aqueles que,
partindo de outros referenciais, afirmam que o crescimento das exigências em relação
à escolaridade seria resultante das disputas travadas pelos grupos sociais ou
segmentos de classe tendo em vista o fechamento e proteção das melhores vagas.
Nesse sentido, a demanda por ‘credenciais’ (e em níveis cada vez mais elevados)
seria uma forma de garantir a reprodução das estruturas e das desigualdades sociais.
É evidente que o valor que os diplomas podem vir a adquirir para os indivíduos,
considerando o momento de ingresso no mercado de trabalho, não é absoluto. E na
composição do seu ‘preço’ não se pode deixar de levar em conta as decisões que os
empregadores ou seus representantes tomam em relação ao mesmo. Para tanto
avaliam não apenas as oscilações entre oferta e demanda, mas também consideram a
179
Para aqueles que não conheceram a brincadeira ou que dela não se recordam, a dança das cadeiras é
um jogo de salão onde, no início, encontra-se disposta em círculos uma quantidade de cadeiras inferior
em uma unidade ao número de participantes. Coloca-se uma música para tocar e todos giram em volta
das cadeiras. Quando a música para, cada um tem que rapidamente tomar assento. O que não consegue,
ou ‘sobra’, sai imediatamente do jogo. A cada rodada, retira-se uma cadeira, e com isso os participantes
vão sendo eliminados gradualmente, tornando o jogo cada vez mais difícil. Ao final sobram apenas dois
jogadores, e ganha quem conseguir sentar-se mais rapidamente na última cadeira disponível.
29 7
Portanto, no que diz respeito ao mundo do trabalho, a equivalência entre mérito (como
princípio legítimo que organiza a distribuição dos indivíduos na estrutura social) e
educação precisa ser buscada no peso que os diversos atores com força no campo
atribuem a esta última, e que é variável segundo cada momento histórico e
configuração societal.
Considerando a estrutura ocupacional atual não resta dúvida que, ao menos por
enquanto, as posições gerenciais ainda se encontram no patamar superior da divisão
social do trabalho. Mesmo que muito diversas, difusas e nada homogêneas (seja em
relação à natureza do trabalho ou do perfil dos seus ocupantes) elas se colocam como
um espaço privilegiado para a análise da relação entre educação e os vários outros
elementos que são considerados nos processos seletivos.
Consequentemente, por sua fluidez (que desafia os teóricos: grupo social? categoria
social? ocupação? profissão?) a gerência é um território que admite a acomodação
tanto dos portadores de credenciais mais elevadas (obtidas em instituições de renome
e em níveis de doutoramento, por exemplo), quanto dos que são formados ‘na escola
da vida’. É, portanto, um terreno ‘fértil’ para a análise do quanto as credenciais
escolares vêm sendo consideradas na definição que os empregadores tecem acerca
do candidato ‘ideal’ às vagas que são abertas.
Ainda que boa parte das vagas não seja anunciada e que os anúncios de emprego
possam não conter todos os fatores que são levados em conta no processo de
decisão durante o recrutamento, eles representam um campo fértil para a pesquisa
sociológica, na medida em que incorporam um investimento que é feito no processo
de busca, e portanto os conteúdos que disponibilizam, mesmo que incompletos,
podem ser levados a sério.
Foram coletados 400 anúncios de emprego, sendo 100 relativos ao ano de 1990 e 300
ao ano de 2005 (desses, 100 foram captados em jornais e 200 na Internet). Os textos
dos anúncios foram dissecados em várias classes e subclasses de informação, tanto
no que diz respeito às empresas e ao modo como se apresentam, como no que se
refere aos postos de trabalho, tarefas e contrapartidas ofertadas e, principalmente, no
que consiste ao perfil dos candidatos buscados – foco prioritário da análise.
29 9
Além disso convém recuperar outros fatores que mesmo apresentados em baixa
incidência nos anúncios não podem ser excluídos devido ao potencial latente de
circunscrição que carregam. Tal é o caso das demandas por experiência/vivência
internacional ou por capital social materializado em redes de relacionamentos de
contornos muito específicos, cujas possibilidades de acesso não dispensam a posse
30 1
Por fim, verificamos também o quanto a ‘linguagem’ dos anúncios é afetada pelos
vocábulos oriundos do ‘neo-managerismo’, que situa e genericamente decodifica um
tipo específico de agir e de ser do profissional em alta conta no mundo contemporâneo
(o ‘grande’ na acepção de Boltanski e Chiapello: 1999). E que estes termos, utilizados
para fazer referência a pessoas, dispositivos, tarefas, etc., aos poucos se espraiam
para outras esferas da vida social, ‘naturalizando-se’ na medida em que conquistam
outros adeptos: ‘gerir’ os afetos, ‘administrar’ conflitos familiares, ‘agendar’ o próximo
encontro com os amigos, são exemplos das apropriações que acostumamos a ouvir.
Facetas da nova ‘convenção cognitiva’ (GRÜN: 1998), que apresenta o mundo como
uma grande rede interconectada, global, aberta, paulatinamente consolida-se o
consenso de que é neste ambiente que o indivíduo, livre, poderá exercer sua
autonomia e chegar, por seus méritos e esforço, ao ideal de manter-se incluído pelo
empenho contínuo na renovação da sua ‘empregabilidade’.
Por outro lado, este é um ‘grupo social’ em situação de transição, sujeito a perdas nos
pilares que outrora fundaram sua ‘identidade’ (‘assalariado de confiança’ no dizer de
Bouffartigue). Porém, nem por isso parece ter perdido a capacidade de ‘dizer como o
mundo deve ser’, de apresentar, sobrepondo às já difundidas perspectivas oriundas
das áreas da biologia, economia, mecânica, etc., um receituário próprio, de teor moral
que indica quais são os caminhos a seguir e a partir de quais fundamentos a vida
econômica, social e política deve ser analisada. Nesse sentido, a ‘má’ gestão é quase
sempre a origem dos problemas, e a ‘boa’ gestão a solução a ser aplicada, qualquer
que seja o ‘projeto’ (afetivo, profissional, financeiro, etc.).
30 2
Nesse sentido somos levados a concordar integralmente com Barbosa (1998) quando
afirma que no momento atual, os pesquisadores devem abandonar as tentativas de
definir as profissões com base na identificação da natureza ou substância de sua
atividade ou pela forma legal da relação do trabalho. A questão central em pauta
consiste em identificar em que medida e em quais circunstâncias determinados grupos
sociais fecham espaços ou nichos do mercado de trabalho e definem as condições de
ingresso e de manutenção nos mesmos e como, ao fazê-lo, exercem algum tipo de
poder e modelam formas específicas de relações sociais.
elevação dos perfis solicitados. Para tanto isolamos dois conjuntos de anúncios
(publicados em jornal e em um site de emprego na internet) tendo como variável chave
o responsável pela sua ‘publicação’: se as próprias empresas contratantes ou os
intermediários.
Percebemos que quando o anúncio é ‘assinado’ por esses últimos, as demandas pelo
nível de formação escolar e pelo domínio de idiomas são mais altas do que quando o
anúncio é de responsabilidade dos próprios empregadores. Mas, ao mesmo tempo os
intermediários lançam mão de uma menor quantidade de atributos para compor os
perfis, comparativamente às empresas que o fazem tomando apoio em mais variáveis.
A despeito do fato dos anúncios de emprego ser um material ainda pouco explorado
pela pesquisa sociológica no Brasil, esperamos ter demonstrado a sua validade
empírica por conter elementos que, no nível micro, tem muito ‘a dizer’ sobre as
transformações (e permanências) que se colocam nos níveis ‘meso’ e ‘macro’ das
estruturas sociais. Além disso, permitem várias leituras que podem ser apropriadas
pelas pesquisas nos campos da educação, do trabalho e também da gestão.
30 4
Na França, Marchal e Torny desenvolveram uma base de dados com mais de 2.350
anúncios publicados na imprensa entre os anos de 1960 e 2000. Posteriormente, com
a contribuição de Rieucau, fizeram uma análise comparativa dos anúncios publicados
em sites de emprego franceses com os divulgados em sites na Espanha e Grã-
Bretanha, somando 1.200 anúncios. Com isso puderam traçar as grandes diferenças
entre estes países no tocante às solicitações feitas aos candidatos e, principalmente,
ressaltando as particularidades relativas à dinâmica dos mercados de trabalho locais.
Como utilizamos em nosso trabalho várias categorias por eles criadas, sugerimos que
com a ampliação da amostra, incluindo diferentes grupos ocupacionais, poderíamos
obter uma análise comparativa do caso brasileiro vis-à-vis tais países europeus. Seria
o ‘nosso’ mérito singular diante dos ‘méritos’ definidos além mar? Ou estaríamos nos
dirigindo para processos de seleção indiferenciados, mais uniformes e globais? Em
que, como e quando os nossos ‘títulos escolares’ adquirem diferenças
comparativamente aos ‘títulos escolares’ de outros países que dispõem de taxas de
escolaridade bem acima da nossa no tocante ao ensino superior? Essa seria uma
primeira linha de investigação a ser trabalhada.
Além disso, acreditamos que esta fase se constitui como um campo ímpar para
investigar as disputas e as relações de força que se estabelecem entre os candidatos
a posições de gerencia e aqueles que têm o poder de afirmar (ou negar) o seu devir.
Finalmente, em uma outra vertente de análise, caberia dar a voz aos candidatos aos
postos de gerentes e executivos. Em um movimento inverso, ao invés de examinar os
classificados de emprego extraindo destes os indicadores de mérito, seria o caso de
argüir aos indivíduos o que eles estão entendendo como valor para o mercado de
trabalho. Para tanto tomaríamos como material empírico os currículos dos candidatos
que se encontram disponíveis nos sites de emprego.
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JORNAIS E REVISTAS
Jornal O Globo
Revista Exame
Revista Veja
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• vagas.com.br
31 9
Anexos
32 0
Anexo 1
Descritores de formação e experiência por famílias ocupacionais constituintes do Grande Grupo 1 (Membros
superiores do poder público, dirigentes de organizações de interesse público de empresas, gerentes) – CBO 2002
Continuação....
Continuação....
Sub-grupo principal Sub-grupo Famílias Descrição – formação e experiência
Para o exercício das ocupações comerciante atacadista e comerciante varejista, requer-se
trabalhadores com escolaridade de quarta série do ensino fundamental e cursos básicos de
1414 - GERENTES DE OPERAÇÕES qualificação de até duzentas horas-aula. Para gerente de loja e gerente de operações de serviços
COMERCIAIS E DE ASSISTÊNCIA de assistência técnica, a escolaridade requerida é de ensino médio completo, acrescida de cursos
TÉCNICA de formação profissional em nível técnico. O desempenho pleno das funções ocorre, para
comerciantes atacadistas e varejistas, após período de um a dois anos de experiência profissional;
para gerentes de loja, após quatro ou cinco anos; para gerentes de operações de serviços de
assistência técnica, após cinco anos.
1415 - GERENTES DE OPERAÇÕES Os requisitos de acesso a essas ocupações variam conforme o porte e tipo de estabelecimento.
DE SERVIÇOS EM EMPRESA DE Como requisito mínimo tem-se o ensino médio, mais experiência de um a dois anos na área. Há
TURISMO, DE ALOJAMENTO E empresas que demandam profissionais formados em escolas técnicas profissionalizantes ou em
ALIMENTAÇÃO curso superior na área de hotelaria e turismo.
1416 - GERENTES DE OPERAÇÕES Para o ingresso nesses empregos/ocupações, exige-se nível superior completo, exceto para o
DE SERVIÇOS EM EMPRESA DE Gerente de operações – transportes, que tem como escolaridade mínima o ensino médio completo.
TRANSPORTE, DE COMUNICAÇÃO E A formação profissional é complementada por cursos especializados de duzentas a quatrocentas
DE LOGÍSTICA (ARMAZENAGEM E horas-aula para o Gerente de operações – transportes e mais de quatrocentas horas-aula para o
DISTRIBUIÇÃO) Gerente de logística. É recomendável mais de cinco anos de experiência profissional.
Essas ocupações são exercidas por profissionais com nível superior, acrescida de cursos básicos
1417 - GERENTES DE OPERAÇÕES
de qualificação, com mais de quatrocentas horas. O tempo de experiência profissional requerido
DE SERVIÇOS EM INSTITUIÇÃO DE
para o exercício pleno da função é de um a dois anos para Gerente de agência e mais de cinco
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
anos para as demais ocupações.
Para o exercício das ocupações de Gerentes administrativos e financeiros, a escolaridade varia em
função do porte da instituição empregadora: curso superior incompleto e cursos profissionalizantes
1421 - GERENTES ADMINISTRATIVOS,
de até quatrocentas horas até curso superior e de pós-graduação. Os requisitos para os Gerentes
FINANCEIROS E DE RISCOS
de riscos são mais elevados - curso superior mais pós-graduação na área e conhecimento do
negócio em que atua. Neste caso, o pleno desempenho das atividades ocorre em torno de cinco
anos gerenciando riscos em uma área específica.
As ocupações da família são exercidas por profissionais que tenham cursado, pelo menos, o nível
1422 - GERENTES DE RECURSOS
superior completo, formados em qualquer ramo do conhecimento, com experiência ou formação
HUMANOS E DE RELAÇÕES DO
complementar predominante nas áreas de psicologia ou administração. É desejável que as
TRABALHO
ocupações sejam exercidas por profissionais com quatro a cinco anos de experiência na área de
recursos humanos
1423 - GERENTES DE Essas ocupações são exercidas por profissionais com escolaridade de nível superior, do ensino
COMERCIALIZAÇÃO, MARKETING E regular ou cursos superiores de tecnologia (tecnólogos). O tempo requerido para o exercício pleno
COMUNICAÇÃO das funções é de quatro a cinco anos de experiência profissional.
O acesso às ocupações gerenciais nesta área pode se dar por ascensão de carreira de pessoal de
1424 - GERENTES DE SUPRIMENTOS
142 – Gerentes de Áreas compras da empresa, com ou sem escolaridade de nível superior. Para preenchimento de vagas
E AFINS
de Apoio com profissionais externos, normalmente, procura-se recrutar profissionais com nível superior
completo e cinco anos de experiência mínima anterior na função.
Essas ocupações são exercidas por pessoas com escolaridade de ensino superior, acrescida de
1425 - GERENTES DE TECNOLOGIA
curso básico com mais de quatrocentas horas, além de constantes cursos de especialização e
DA INFORMAÇÃO
aperfeiçoamento. O exercício pleno das funções, ocorre após o período de cinco anos de
experiência profissional.
1426 - GERENTES DE PESQUISA E Essa ocupação é exercida por pessoas com formação universitária, geralmente pós-graduadas, com
DESENVOLVIMENTO no mínimo cinco anos de exercício profissional na área de pesquisa.
1427 - GERENTES DE MANUTENÇÃO Para o acesso à ocupação, normalmente, requer-se formação em engenharia e cinco anos de
experiência anterior na área de manutenção.
(*)Excluído o sub-grupo 1.1 – Membros superiores e dirigentes do poder público
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – CBO 2002
32 3
Anexo 2
Site 1
Catho.com.br
N. de Vagas 150.431
N. de Currículos 97.021
Criação O site Catho on LIne é uma divisão do grupo Catho, criado em 1995. A Catho é
uma empresa de Recursos Humanos em serviços de Executive Search e Head
Hunting fundada em São Paulo em 1977. Tem atuação em âmbito nacional.
Forma de Acesso Inclusão de vagas é gratuita. Para a inclusão de currículos é preciso fazer
assinatura. Os planos de assinatura possuem as seguintes opções de
periodicidade: mensal, trimestral, semestral e anual, e as tarifas são diferenciadas
segundo a categoria profissional (profissional, estagiário, operacional, recém
formado e portador de deficiência. Ex: de assinatura para profissional = R$ 49,00
no plano mensal, R$ 123,00 no trimestral, R$ 235,00 no semestral e R$ 420,00 no
anual.
Observações O site da Catho é um grande portal de consulta a vagas, currículos e aos diversos
serviços prestados tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.
Alguns exemplos de serviços: (a) MBA on line; (b) consultor virtual; (c) currículo em
inglês; (d) pesquisa salarial; (e) Chat; (f) dicas para os profissionais de diversos
níveis; (g) análise de currículo; (h) elaboração de carta de apresentação; (i)
gerenciamento de estágios; (j) recolocação profissional; etc.
Site 2
Manager.com.br
N. de Vagas 107.871
N. de Currículos 60.859
Criação A Manager Online é uma divisão de Internet da Manager Assessoria em Recursos
Humanos. Fundada em 1975, a Manager presta serviços na área de Recursos
Humanos, incluindo Consultoria de Headhunting e Outplacement. Atua em âmbito
nacional e internacional. Com sede em São Paulo, tem mais 7 filiais próprias (não
franqueadas) e alianças estratégicas internacionais por meio da Arbóra Global
Career Partners.
Forma de Acesso Inclusão de vagas é gratuita. Para a inclusão de currículos é preciso fazer
assinatura. Os planos de assinatura possuem as seguintes opções de
periodicidade: mensal, trimestral e anual, e as tarifas são diferenciadas segundo a
categoria profissional (profissionais e estagiários). Ex: de assinatura para
profissional = R$ 47,00 no plano mensal, R$ 120,00 no trimestral, e R$ 389,00 no
anual.
Observações Detalhes das vagas somente para assinantes. O site é um grande portal onde são
oferecidos outros serviços, tais como testes (carreira, perfil), cursos, artigos, news,
etc.
32 4
Site 3
Empregos.com.br
N. de Vagas 72.206
N. de Currículos 850.000
Criação O site foi fundado em 1998 pelo Grupo Performance RH – empresa de
recrutamento e seleção, que atua há 26 no mercado brasileiro (São Paulo, Rio de
Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), na área de recrutamento e seleção,
serviços temporários, terceirização de pessoal e administração de estágios.
Forma de Acesso Possui planos corporativos (para a inclusão de vagas) e de pessoa física para a
inclusão de currículos. Neste último, o plano de assinatura possui as seguintes
opções de periodicidade: mensal, trimestral e anual, e as tarifas são diferenciadas
segundo a categoria profissional (profissionais ou estagiários). Ex: de assinatura
para profissional = R$ 29,00 no plano mensal, R$ 72,00 no trimestral, e R$ 270,00
no anual. A inclusão das vagas pode ser gratuita (apenas recebe os currículos por
e-mail); avulso (permite a publicação de 1 anúncio e a consulta a banco de
currículos e o uso de outras ferramentas – valor = R$ 35,00 anual); múltiplo
(permite a publicação de 15, 50 ou 100 anúncios e dá acesso a todas as
ferramentas de recrutamento on-line – valor para 100 processos = R$ 1.200,00
anual) ou corporativo (utilização ilimitada de buscas e anúncios. Valor = R$ 300,00
mês).
Observações O site da empregos é um portal onde são oferecidos outros serviços tais como:
guia de emprego; guia de currículo; dicas de emprego; pesquisa salarial;
informações sobre cursos e eventos, testes diversos, etc.
Site 4
Curriex.com.br
N. de Vagas Informação não disponível
N. de Currículos Informação não disponível
Criação Criado em 1998, em parceria com Interart Comunicação e Sistemas.
Forma de Acesso Inclusão de vagas é gratuita. Para a inclusão de currículos é preciso fazer
assinatura. Os planos de assinatura possuem as seguintes opções de
periodicidade: bimensal, trimestral, semestral e anual, e as tarifas são diferenciadas
segundo a categoria profissional (profissionais e estagiários). Ex: de assinatura
bimensal para profissional = R$ 40,00 no plano mensal, R$ 54,00 no trimestral, R$
84,00 no semestral e R$ 120,00 no anual.
Observações Consulta às vagas somente para assinantes. O site é um portal com oferta de
outros serviços, tais como testes, análise de currículos, dicas, links, etc.
Site 5
Fronttinet.com.br
N. de Vagas 20.153
N. de Currículos 2.155
Criação Unidade da Frontti Profissionais e Consultoria em RH – empresa com sede em São
Paulo. Sem informação sobre a data de criação do site.
Forma de Acesso Inclusão de vagas é gratuita. Para a inclusão de currículos é preciso fazer
assinatura. Os planos de assinatura possuem as seguintes opções de
periodicidade: mensal, semestral e anual, e as tarifas não são diferenciadas
segundo a categoria profissional. Valor das assinaturas: R$ 25,00 no plano mensal,
R$ 69,00 no semestral, R$ 95,00 no anual.
Observações Consulta às vagas somente para assinantes. O site possui somente serviços de
inclusão de vagas e currículos.
32 5
Site 6
Vagas.com.br
N. de Vagas Possui empresas parceiras, que utilizam o software de administração de vagas e
currículos. Não há informação sobre o volume de vagas.
N. de Currículos Mais de 800.000 cadastrados na base pública
Criação Criado em 1999 pela Vagas Tecnologia, empresa dedicada ao desenvolvimento do
software. É considerado um ASP – aplication service provider.
Forma de Acesso Gratuito para a inclusão de currículos. Quem paga pelo serviço são as empresas
que utilizam o sistema e acessam os softwares de gestão, que permitem
administrar o recrutamento.
Observações Consiste em ferramenta (software) de gestão para o processo seletivo de
empresas. Não possui campos pré-definidos de inclusão de vagas. Os anunciantes
são considerados parceiros. O foco é o desenvolvimento da ferramenta de gestão
de vagas e currículos, e não a acessória em RH.
Site 7
Curriculum.com.br
N. de Vagas 46.638
N. de Currículos 775.658
Criação Criada em 1998, por uma empresa especializada em desenvolvimento de web
sites. Considerado um ASP.
Forma de Acesso Gratuito para inclusão de currículos e para consulta a vagas.
Observações Administrador de currículos. O foco do site é na gestão do currículo e não da vaga.
Oferece poucos serviços no portal.
Site 8
Elancers.com.br
N. de Vagas Não há informações sobre as vagas, mas sim sobre os clientes: 94 Clientes da
solução ELANCERS CORPORATE e-Recruitment.
590 empresas usuárias do JobPost Elancers (anúncio de vagas e busca de
candidatos - gratuito)
N. de Currículos 160.000 cadastrados na base pública
Criação Matriz no Brasil - São Paulo - Fundada em 1999. É considerado um ASP –
aplication service provider.
Forma de Acesso Gratuito para a consulta de vagas. A fonte de receita são os clientes corporativos
da solução ELANCERS CORPORATE e-Recruitment. Clientes ELANCERS
CORPORATE e-Recruitment não pagam nada para postar anúncios em qualquer
formato. Empresas que utilizam o JobPost Elancers também podem postar
anúncios. O formato básico de anúncio é gratuito. Os formatos mais elaborados
são pagos. Considerado um ASP.
Observações Não oferece outros serviços no portal. Semelhante ao Vagas.
32 6
Campos descritores (*) Catho Empre Manager Curriex (3) Frontti Vagas Curricu Enlanc
gos (2) Net (4) lum ers (5)
Informações da Empresa contratante
Nome da empresa X X X X X X
contratante
Ramo de atividade X X X X X
(segmento)
Departamento X
Porte da empresa X X X
Nacionalidade da empresa X X
(origem)
Descrição da empresa X X X X
Contato X (1) X X (1)
Tipo de vaga X
Informações do posto de trabalho / vaga
Título X X (1) X X X X X
Quantidade de vagas X X X X X
Data de entrada no sistema X X X X X
(publicação)
Nível hierárquico (cargo) X X X X
Área Profissional X X X X
Descrição da vaga / X X X X X X X
atribuições / requisitos
Localização / cidades / X X X X X X
estado (local de trabalho)
(Local de trabalho) Bairro X X
Faixa salarial (salário / X X X X X X
remuneração)
Observações X X X
Divulgação da Vaga X
Forma de contratação X X
Benefícios X X
Informações sobre o perfil do candidato procurado
Escolaridade (nível) X X X
Curso
Conhecimentos (qualificação) X
Experiência (competências) X
Idiomas X X
Que resida na região X
Sexo X
Idade X
Disponibilidade de horário X
Notas:
(*) Os campos descritores apresentados são os que foram identificados em cada site. Muitos não são de
preenchimento obrigatório, o que faz com que cada vaga ofertada possua mais ou menos elementos do que outras,
assim como a quantidade de informações em cada campo pode variar significativamente, dependendo do contratante.
(1) Informação disponível somente para assinantes
(2) Detalhes da vaga somente para assinantes
(3) vaga completa somente para assinantes
(4) Não há campos pré-definidos para o registro de informações
(5) Não há um padrão totalmente definido para a entrada de dados das vagas. Há a possibilidade de publicação de
anúncios e a partir destes, acesso a informações mais detalhadas.