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Mur(r)os

Era uma vez uma era feita de muros. Outro ano tinha passado ainda há pouco mas
certamente a era não mudara. Era ainda a mesma era. Esse ano que tinha passado
lembrara-nos do aniversário de outro muro agora desfeito, que simbolizava outra era.
Mas a “nova ordem mundial” instalada a seguir, tão fluida e sem barreiras, afinal era
simplesmente a história de outros muros. Assim, sente-se que a passagem de outro ano é
indiferente sem que a nova era dos muros acabe.
Os muros desta era já não se desculpam com a ideologia. São descaradamente
económicos quando separam o Ocidente dos países vizinhos mais pobres. Estes muros
moram na Itália de Berlusconi onde se criminaliza e se persegue abertamente a
imigração, na França de Sarkozy onde o Presidente afincadamente promove o debate
sobre o que é “ser francês” dando asas à xenofobia latente, no aparato policial e em
todos os centros de detenção de imigrantes europeus, na fronteira sul do EUA, outrora
país de todas as imigrações. E etc. O Ocidente é a morada de uma riqueza murada.
Estes muros moram cada vez em mais lados e em cada vez mais cabeças. Nestas
cabeças, os muros seriam a solução inevitável para nos proteger dos/as outros/as que
trariam a nossa ruína. Nós poderíamos atravessá-los para ir turistando outros cantos do
mundo. Para os/as do outro lado, estes muros deveriam ter arestas nas quais, se
necessário, se despedaçariam vidas. Tem de ser. Que a vida não é fácil.
Claro que estes muros são porosos. A qualquer nível, os muros parecem ter sempre algo
de poroso. Na impossibilidade de trancar totalmente um espaço, os muros deixam
passar. Deixam passar justificando a necessidade de mais muros e cavando distâncias.
Deixam passar alimentando os interesses clandestinos que fazem daqueles/as que
passam clandestinos/as. Deixam passar porque estes/as clandestinos/as são
necessários/as a quem quer fabricar trabalhadores/as ilegais baratos/as e em
concorrência com os/as outros/as, alimentando um muro de ódio que impede que se veja
quem guarda para si a riqueza colectiva.
E se o nosso espírito for suficiente pragmático, podemos enredar-nos no debate
armadilhado sobre a largura da malha e/ou a humanização destes poros. Tem de ser.
Que a vida não é fácil. Afinal o realismo político não aconselharia a demolir o muro, a
abrir portas para onde não há recursos suficientes para aqueles/as que acorreriam, a
trazer ao engano milhões de seres humanos, a provocar catástrofes de ambos os lados do
muro. Só que a solução não está entre a espada da força bruta e a parede dos/as
supostos/as invasores/as. A solução não tem de ser entre a utopia regressiva dos
impenetráveis muros perfeitos de nações monotonamente perfeitas cantando hinos
gloriosos aos antepassados impolutos, ou o muro de rosto humano aberto a
alguns/algumas que caibam no espaço da nossa fartura desigualmente distribuída e
condenando gentilmente à miséria que fique de fora, ou a invasão geral dos bárbaros
que acabarão com a civilização tal e qual a conhecemos. A solução não se encontra no
interior da lógica amuralhada em que nos encerraram.
Sabemos que enquanto a fome, a miséria, a desigualdade e os impérios de desperdício
co-existirem os muros não serão nunca suficientes para travar o instinto de
sobrevivência e o desejo. Não haverá paz para os/as ricos/as sem justiça para os/as
pobres diz um velho e sábio ditado. Só a solidariedade que desmascara supostas dívidas
eternas de países depauperados à custa da riqueza ocidental. Só a luta contra os novos e
velhos colonialismos. Só o combate às elites de todos os lados dos muros a quem
beneficia a pobreza. Só a dignidade para todos/as enquanto programa político
fundamental. Só o murro dos dois lados na dureza do muro.
Éramos uma vez nós, ontologicamente sem papéis como qualquer ser humano. Era uma
vez uma recusa para uma era sem muros.

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