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Terra, Ambiente e Clima

TERRA, AMBIENTE E CLIMA


NA PERSPECTIVA DO SISTEMA TERESTRE

JORGE MIGUEL MIRANDA 
Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências 
Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia 

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Preâmbulo
As notas que se seguem foram preparadas para os alunos de Terra, Ambiente e Clima no
semestre de Outono de 2009. Procuram sistematizar o conteúdo das aulas e incorporar
algum material adicional que permita uma visão integrada do sistema terrestre.
Para a sua preparação utilizei de forma extensiva o material disponível para a mesma
cadeira pela Prof. Isabel Âmbar em 2007-2008, bem como elementos disponíveis para as a
do Prof. Pedro Miranda.
Como é natural numa versão “draft”, muitos erros existirão nestas notas, para os quais
peço a clemência dos seus leitores, bem como a pronta correcção. Procurei incluir
referência a todos os materiais que adaptei de outras fontes e, em todos os casos em que
tal não aconteça, farei tão depressa quanto possível as correspondentes correcções.

Jorge Miguel Miranda


30 de Novembro de 2009

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Terra, Ambiente e Clima

Índice 
PREÂMBULO 2 
CAP 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS 5 
1.1 O CLIMA 5 
1.2 A TERRA NO SISTEMA SOLAR 7 
1.3 VARIAÇÕES CLIMÁTICAS NO PERÍODO INSTRUMENTAL 8 
1.3 O CLIMA NA ERA PRÉ-HISTÓRICA 10 
1.4 COMPONENTES DO SISTEMA TERRA 12 
1.5 BIBLIOGRAFIA 14 
CAP 2 - A GEOSFERA 15 
2.1 INTRODUÇÃO 15 
2.2 A IDADE DA TERRA 15 
2.2.1 DATAÇÕES RADIOMÉTRICAS 15 
2.2.2 O MÉTODO DO RUBÍDIO ESTRÔNCIO 16 
2.2.3 IDADES DA TERRA E DA LUA 18 
2.3 OS METEORITOS 18 
2.4 COMPOSIÇÃO PRIMITIVA DA TERRA 19 
2.5 EVOLUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO 21 
2.5.1 MANTO E NÚCLEO 21 
2.5.2 CRUSTA TERRESTRE 22 
2.5.3 ATMOSFERA E OCEANOS 23 
2.6 GEODINÂMICA 24 
2.6.1 A TECTÓNICA DE PLACAS 24 
2.6.2 A ISOSTASIA E A ESTABILIDADE VERTICAL DA LITOSFERA 25 
2.6.3 VULCANISMO 26 
2.6.4 METEORIZAÇÃO 27 
2.7 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO 27 
2.8 BIBLIOGRAFIA 28 
CAP 3 - A ATMOSFERA: EQUILÍBRIO RADIATIVO E MECÂNICO 29 
3.1ESTRUTURA VERTICAL DA TEMPERATURA NA ATMOSFERA 29 
3.2 CONSTITUINTES FUNDAMENTAIS DA ATMOSFERA 30 
3.3 EQUILÍBRIO RADIATIVO 31 
3.3.1 ESPECTRO DA RADIAÇÃO SOLAR 31 
3.3.2 BALANÇO DE ENERGIA DO SOL 33 
3.3.3 EFEITO DE ESTUFA 35 
3.3.4 VARIABILIDADE DA RADIAÇÃO SOLAR 39 
3.4 ESCAPE DE GASES ATMOSFÉRICOS 40 
3.5 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO 43 
3.6 BIBLIOGRAFIA 43 
CAP 4 - A ATMOSFERA: DINÂMICA E TRANSPORTE 44 
4.1 CIRCULAÇÃO GERAL DA ATMOSFERA 44 
4.1.1 PADRÃO DE CIRCULAÇÃO TROPOSFÉRICO 44 
4.1.2 CORRENTE DE JACTO 45 
4.1.3 PADRÃO DE CIRCULAÇÃO ESTRATOSFÉRICO 46 
4.2 DINÂMICA DE UMA PARTÍCULA DE AR 46 
4.2.1 EXPRESSÃO DA DINÂMICA DA PARTÍCULA 46 
4.2.2 VENTO GEOSTRÓFICO 47 
4.2.3 VENTO DE GRADIENTE 48 
4.2.4 CAMADA LIMITE PLANETÁRIA 49 
4.3 AEROSSÓIS 49 
4.3.1 TIPOS DE AEROSSÓIS 49 
4.3.2 TEMPO DE RESIDÊNCIA DE UM AEROSSOL 50 
4.3.3 EFEITO DOS AEROSSÓIS NO CLIMA 51 
4.4 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO 52 
4.5 BIBLIOGRAFIA 52 
CAP 5 - A HIDROSFERA 53 
5.1 ÁGUA SALGADA E ÁGUA DOCE 53 
5.2 O CICLO DA ÁGUA 53 
5.3 O OCEANO 55 
5.3.1 CIRCULAÇÃO OCEANICA 55 
5.3.2 CORRENTES GERADAS POR GRADIENTES HORIZONTAIS DE PRESSÃO 56 
5.3.3 CIRCULAÇÃO EM PROFUNDIDADE – CIRCULAÇÃO TERMOHALINA 57 
5.4 A CRIOSFERA 58 
5.5 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO 59 
5.6 BIBLIOGRAFIA 59 
CAP 6 – BIOSFERA 60 
6.1 INTRODUÇÃO 60 
6.2 NÍVEL TRÓFICO 60 
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

6.3 DISTRIBUIÇÃO DA PRODUÇÃO PRIMÁRIA 60 


CAP 7 – CICLOS BIOGEOQUÍMICOS 62 
7.1 ESCALAS DE TEMPO, RESERVATÓRIOS E FLUXOS 62 
7.1.1 TEMPO DE RENOVAÇÃO 62 
7.1.2 TEMPO MÉDIO DE RESIDÊNCIA 63 
7.1.3 TEMPO DE RESPOSTA 64 
7.1.4 RESERVATÓRIOS NÃO-ESTACIONÁRIOS 65 
7.2 O CICLO DO CARBONO 66 
7.3 O CICLO DO AZOTO 66 
7.4 O CICLO DO FÓSFORO 67 
7.5 O CICLO DO ENXOFRE 68 
7.6 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO 69 
7.7 BIBLIOGRAFIA 69 
CAP 8 –FORÇAMENTO 71 
8.1 FORÇAMENTO EXTERNO 71 
8.1.1 VARIAÇÕES GALÁCTICAS 71 
8.1.2 VARIAÇÕES ORBITAIS 71 
8.1.3 CICLOS DE MILANKOVITCH 72 
8.2 FORÇAMENTO INTERNO 73 
8.2.1 OROGENIA E METEORIZAÇÃO 73 
8.2.2 VULCANISMO 73 
8.2.3 CIRCULAÇÃO OCEÂNICA 74 
8.2.5 VARIAÇÕES DA COMPOSIÇÃO ATMOSFÉRICA 74 
8.3 REALIMENTAÇÃO CLIMÁTICA 74 

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Terra, Ambiente e Clima

Cap 1 – Conceitos Fundamentais


1.1 O Clima
De acordo com o glossário do Intergovernamental Panel for Climate Change “Clima, num
sentido restrito é geralmente definido como 'tempo meteorológico médio', ou mais
precisamente, como a descrição estatística de quantidades relevantes de mudanças do
tempo meteorológico num período de tempo, que vai de meses a milhões de anos. O
período clássico é de 30 anos, definido pela Organização Mundial de Meteorologia
(OMM)”.

Fig. 1.1: Exemplo de normal climatológica para Lisboa, estabelecida a partir da estação do Instituto Geofísico
Infante Dom Luiz.

A sistemática da classificação climática foi estabelecida inicialmente por Wladimir Köppen


em 1900, num sentido essencialmente geográfico, e permitindo uma tipificação de
ambientes naturais e humanos baseando-se na variação média anual e diurna dos
parâmetros meteorológicos determinantes (temperatura, precipitação, humidade) ou em
parâmetros geomorfológicos (altitude, continentalidade). A classificação climática
designada inicialmente por “Köppen-Geiger", foi posteriormente ampliada por
Thornthwaite. As grandes categorias de clima correspondem às designações geográficas
Tropical, Subtropical, Mediterrânico, Temperado, Oceânico, Continental, Alpino, Polar e
Árido.
Neste sentido chamaremos alteração variabilidade climática à medição estatística da

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variação dos parâmetros meteorológicos em torno das médias climáticas referidas.


Chamamos mudança climática à alteração estatisticamente significante dos parâmetros
meteorológicos médios.
O clima na Terra tem variado de forma significativa em todas as escalas temporais: esse
facto é expresso na dimensão geológica pelas alterações de configuração de continentes e
oceanos, pelas alterações morfológicas que acompanham a formação e destruição de
cadeias de montanhas e bacias sedimentares, pela dinâmica dos glaciares, etc… Na escala
histórica, as alterações verificadas na agricultura e na floresta são provavelmente os
marcadores mais evidentes dessas alterações.
Podemos distinguir dois tipos de variações do clima: as variações forçadas que implicam a
existência de um agente externo que modifica de forma relevante as condições de
funcionamento do sistema climático, e as variações livres devidas a instabilidades e
“feedbacks” internos, levando a interacções não-lineares entre as várias componentes do
sistema.
Os agentes identificados das variações forçadas incluem o forçamento astronómico
(variação do fluxo de radiação solar, dos parâmetros orbitais da Terra, e da velocidade de
rotação do planeta), o forçamento terrestre (variação na composição química da atmosfera
on nos aerossóis como resultado de erupções vulcânicas, deflorestação, desertificação, etc.,
ou devido a processos tectónicos).
As variações livres são atribuídas a interacções entre os diferentes componentes do sistema
Terra. Um exemplo de feedback positivo é dado pela relação entre a temperatura à
superfície e a fracção de vapor de água na atmosfera: Um aumento da temperatura à
superfície, se não houver outras variações, leva a um aumento da evaporação da superfície
da Terra e, portanto, da quantidade de vapor de água na atmosfera. Como o vapor de água é
um forte absorvente da radiação infravermelha, maior quantidade de radiação terrestre seria
absorvida, levando a um aumento da temperatura da baixa atmosfera. Este mecanismo será
estudado em detalhe no capítulo 2.
O astrónomo jugoslavo Milankovitch, nos anos 1930s, propôs a ideia de uma relação das
variações climáticas com as variações da radiação solar que atinge a Terra devidas a
variações da forma da órbita da Terra, da inclinação e da precessão do eixo da Terra:
excentricidade da órbita, período de ~ 100000 anos; inclinação do eixo, período de ~ 41000
anos; precessão do eixo, período de ~ 23000 anos. Os ciclos de Milankovitch podem ajudar
a explicar os avanços e recuos dos gelos em períodos de 10000 a 100000 anos mas não
explicam o que levou à ocorrência da Idade do Gelo.
A importância de cada um dos forçadores nas variações do clima são um tema controverso
em particular no que diz respeito à importância relativa dos factores relacionados com a
actividade humana. Arrhenius (1896) foi um dos primeiros que chamou a atenção para o
efeito do aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono sobre a temperatura
da Terra (baseado na ideia expressa por Fourier em 1827 de que a Terra se conserva quente
porque a atmosfera captura o calor e nas observações de Tyndall (1859) sobre a absorção
da radiação infravermelha pelos gases atmosféricos).
Muito do que está sistematizado actualmente sobre as mudanças climáticas foi
impulsionado pelo IPCC. O "Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas " foi
estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações para o
Meio Ambiente em 1988. O objectivo foi fornecer aos decisores políticos e gestores
públicos informação objectiva e com uma tífica sólida sobre a mudança climática. O IPCC
não realiza investigação científica nem faz observações ou monitorização, mas avalia a
informação mais recente fornecida pelos trabalhos entíficos, técnicos e sócio-económicos
publicados em todo o mundo e os correspondentes impactos e as opções de adaptação e
mitigação. O seu relatório de 1990 foi a base para a convenção das Nações Unidas assinada
no Rio de Janeiro em 1992; o relatório de 1995 foi muito importante para as negociações
do protocolo de Quioto em 1997).
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Terra, Ambiente e Clima

1.2 A Terra No Sistema Solar


Durante muitos séculos os únicos dados disponíveis sobre o Sistema Solar foram os
esboços desenhados por observadores : Galileu (1564-1642) viu as crateras da Lua no
instante em que virou o seu primeiro telescópio nessa direcção, em 1609 e, nos séculos que
se seguiram, as crateras foram minuciosamente medidas e fotografadas, foi-lhes atribuido
um nome e foram registadas em mapas. As observações dos restantes planetas (e do Sol)
permaneceram escassas e limitadas pelos meios existentes.
A construção de grandes telescópios, no final do século XIX e no início do século XX,
transformou o nosso conhecimento sobre as dimensões, a evolução do Universo e a
estrutura do Sistema Solar. No entanto, a atmosfera terrestre impõe limites ao que podemos
observar por meios ópticos, e a visão obtida por um telescópio modesto é quase tão boa
como a que nos providencia um instrumento maior. A construção de grandes telescópios
permitiu o aparecimento de muitos novos dados mas, subsequentemente, não permitiu
avançar muito nos estudos sobre o Sistema Solar, e os nossos conhecimentos sobre a Lua e
os outros planetas mantiveram-se estacionários durante um período prolongado.
Uma das primeiras conclusões obtidas da observação do movimento dos planetas do
sistema solar diz respeito ao facto de, com excepção de Plutão (que é um planeta muito
semelhante a um dos satélites de Neptuno, Triton, e é muito mais pequeno que a Lua, o que
o torna um caso específico dentro do sistema solar), as órbitas dos planetas se aproximarem
significativamente do plano de eclíptica, que é o plano que contém a órbita da Terra em
torno do Sol). Plutão apresenta 17 % de inclinação e, dos restantes planetas, o maior
afastamento da eclipitica é o de Mercúrio, com 7 % de inclinação.
Os dados relativos à cinemática do movimento dos planetas do sistema – aqui se incluindo
a distância ao Sol, o período de translação, o período de rotação axial, a inclinação do
respectivo eixo (em relação ao plano da órbita) e a inclinação da órbita (em relação ao
plano da ecliptica) estão contidos nas tabelas da página seguinte:

Planeta Distância Periodo Período Inclinação Inclinação


Ao Sol Translação Rotação axial da órbita
Mercúrio 57.9 88 d 58.6 d 0º 7º
Vénus 108.2 224.7 d 243 d (r) 3º 3.4º
Terra 149.6 365 d 23 h 56 m 23º 27' 0º
Marte 227.9 687 d 24 h 37 m 25º 12' 1.9º
Júpiter 778.3 11.86 a 9 h 55 m 3º 5' 1.3º
Saturno 1427 29.46 a 10 h 40 m 26º 44' 2.5º
Urano 2870 84 a 17.3 h (r) 97º 55' 0.8º
Neptuno 4497 165 a 18 h 30 m 28º 48' 1.8º
Plutão 5900 248 a 6 d 9 h (r) ? 17.2º
Lua - 27.3 d 27.3 d - 5º

Tabela 1.1: Alguns parâmetros orbitais de planetas do sistema solar. A distância (média) ao Sol é indicada em
106 km. A indicação (r) na coluna do período orbital indica que a rotação é realizada no sentido retrógrado. A
inclinação da órbita é medida em relação ao plana da eclíptica

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Planeta Diâmetro Massa Massa Atmosfera Satélites Anéis


Equatorial Volúmica
Mercúrio 4880 0.33 1024 5.4 103 Inexistente 0 0
Vénus 12110 4.9 1024 5.2 103 CO2 0 0
Terra 12756 6.0 1024 5.5 103 N, O2 1 0
23
Marte 6794 6.5 10 3.9 103 CO2 2 0
Júpiter 143200 1.9 1027 1.3 103 H, He 16+ 1
26 3
Saturno 120000 5.7 10 0.7 10 H, He 17+ 1000 ?
Urano 51800 8.7 1025 1.2 103 H, He, CH4 5 10
Neptuno 49500 1.0 1026 1.7 103 H, He 2 ?
22 3
Plutão 3000 ? 1.6 10 1.5 10 ? 1 ?
Lua 3476 7.4 1022 3.3 103 inex - -

Tabela 1.2: Alguns parâmetros característicos de planetas do sistema solar. O diâmetro equatorial encontra-se
expresso em km, a massa em Kg e a massa volúmica em kg m-3.

Como veremos nos capítulos seguintes, estes parâmetros orbitais determinam em última
análise as “condições fronteira” do sistema Terra.

1.3 Variações Climáticas No Período Instrumental


As bases da actual rede de observações meteorológicas foram lançadas no final do séc.
XIX, especialmente para fins de decisões para a agricultura e para a segurança da
navegação. As observações sistemáticas a dadas horas do dia eram enviadas para centrais
de compilação de estatísticas climáticas. No princípio do séc. XX já havia uma extensa rede
de observações meteorológicas terrestres em ambos os hemisférios. No mar, era mais
difícil, mas desde meados do séc. XIX que existiam registos sistemáticos a partir de navios
(temperatura do ar e da superfície do mar, pressão atmosférica, velocidade e direcção do
vento, altura das ondas, extensão do gelo oceânico). A organização de serviços
meteorológicos nacionais e a utilização da telegrafia sem fios permitiram a utilização mais
rápida de mais dados, levando a um melhor reconhecimento de padrões meteorológicos e à
identificação e aviso de fenómenos extremos.
A partir de 1920 começaram a ser utilizados aviões para medir as condições na baixa
atmosfera, mas durante a II Guerra Mundial, os aviões passaram a voar mais alto e
descobriram ventos muito fortes a 6 ou 7 km de altitude (correntes de jacto). A
compreensão de que estes aspectos estavam ligados à circulação atmosférica de grande
escala, levou ao desenvolvimento de novas tecnologias de observação da alta atmosfera e
os balões-sonda passaram a fazer parte das observações meteorológicas. O lançamento do
primeiro satélite meteorológico teve lugar em Abril de 1960 e abriu uma nova era nas
observações. Actualmente a atmosfera é monitorizada por redes de observação na
superfície, por sondas que observam perfis verticais e por uma constelação se satélites.
O aquecimento do sistema climático é evidente a partir de observações de aumentos da
média global da temperatura da atmosfera e do oceano, da fusão de neve e gelo, e da subida
global do nível médio do mar. A figura seguinte mostra as variações (relativas ao período
1961-1990) identificadas pelo 4º Relatório do IPCC:

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 1.2: Parâmetros Climáticos Básicos da Mudança Climática. Mudanças observadas no que diz respeito (a) à
temperatura à superfície, (b) nível médio do mar medido pelas redes de marégrafos (azul) e por satélites
(vermelho) e (c) cobertura de neve no hemisfério norte no período Março-Abril. Em todos os casos apresentam-se
os valores anuais (círculos), as médias corridas de 10 anos (a negro) e as margens de erro (azul). Figura
adaptada do 4º Relatório do IPCC

Estes diagramas permitem concluir que:


(a) Nos últimos 100 anos verifica-se o aumento de 0.74 ºC; nos últimos 50 anos o aumento
é de cerca de 0.13º/década;
(b) O nível médio global do mar subiu a uma taxa de 1,8 mm/ano entre 1961 e 2003 (~76
mm em 43 anos). A taxa foi maior entre 1993 e 2003: cerca de 3,1 mm/ano. Isto pode
reflectir uma variabilidade decadal ou um aumento da tendência a longo prazo. A subida
total durante o séc. XX é estimada em 0,17 m.
(c) A subida regular do nível médio do mar traduz a absorção por parte do Oceano de uma
parte muito significativa do calor recebido pelo sistema climático. Observações desde 1961
mostram que o aumento da temperatura média do Oceano atige profundidades até 3000 m
sendo estimado que tal corresponde à absorção de cerca de 80% desse calor;
(d) A redução dos glaciares de montanha, da cobertura em neve e das calotes polares da
Antártida e da Gronelândia, contribui ainda para a subida do nível médio do mar.
Outras conclusões obtidas para o período instrumental incluem:
(a) As temperaturas médias do Ártico aumentaram a uma taxa quase dupla da taxa média
global nos últimos 100 anos. Dados de satélite desde 1978 mostram que a extensão total da
camada de gelo no Ártico diminuiu a uma taxa de 2.7% por década;
(b) Existe uma tendência sistemática de aumento da precipitação entre 1900 e 2005 com
aumento na costa oriental das Américas do Norte e do Sul, no norte da Europa e no norte e
centro da Ásia, com diminuição no Sahel, no Mediterrâneo, no sul da África e no sul da
Ásia;
(c) Secas mais intensas e mais longas foram observadas em maiores áreas desde 1970s,
particularmente nas regiões tropicais e sub-tropicais;
(d) Aumento da frequência de episódios de forte precipitação na maior parte das regiões
continentais (o que é consistente com o aquecimento e aumento do vapor de água
atmosférico observados).
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(e) Mudanças nas temperaturas extremas observadas nos últimos 50 anos (dias quentes,
noites quentes e ondas de calor tornaram-se mais frequentes).

1.3 O clima na era pré-histórica


É importante o estudo do clima passado para se ter uma ideia da variabilidade climática
natural e se saber se as mudanças recentes podem ser atribuídas às actividades humanas.
Nos últimos milénios o clima sofreu fortes mudanças sem que tenha havido uma
intervenção humana significativa. Por outro lado, sabemos que o sistema climático global é
extremamente complexo e que há interacções entre todos os componentes do sistema que
podem levar a flutuações inesperadas. Temos pois de conhecer como o clima pode variar
por si só, para se poder saber até que ponto as mudanças recentes de clima são naturais ou
são resultado das actividades humanas.
Como não há registos com instrumentos que nos possam dar a conhecer a variabilidade
climática que ocorreu há mais de um século, temos de recorrer a registos dados por
indicadores climáticos, denominados variáveis proxy (variáveis que têm relação com
parâmetros ambientais e por isso podem ser importantes em termos do registo da
variabilidade climática). Algumas propriedades (físicas e químicas) das substâncias mudam
conforme o ambiente climático (temperatura, precipitação, etc.) que existia na altura. As
razões entre isótopos de oxigénio ou de hidrogénio podem dar indicações sobre a
temperatura da atmosfera na altura em que o gelo ou os sedimentos se formaram. Os dados
proxy podem então ser obtidos a partir de anéis de troncos de árvores, de amostras de gelo,
de corais, de pólen fossilizado, de sedimentos oceânicos ou em lagos, etc.
Um dos métodos que mais contribuiu para o estabelecimento de medidas quantitativas do
clima passado foi proporcionado pela realização de perfurações de calotas polares (da
Antártida, da Gronelândia) ou de glaciares das montanhas, fazendo-se a extracção de
tarolos de gelo. Como este retém bolhas de ar da altura em que se formou a calota,
podemos utilizar a composição isotópica desse ar, em oxigénio e hidrogénio, para avaliar
quantitativamente as condições climáticas dessa altura.
Há duas formas isotópicas de oxigénio, uma, mais comum, O16 (com 8 neutrões) e outra,
mais rara (1 em 500 átomos de oxigénio), com mais 2 neutrões, O18. A razão entre estes 2
isótopos (obtida em amostras de gelo e de sedimentos do fundo oceânico) tem variado ao
longo dos tempos e essas variações são um proxy de mudanças climáticas. O gelo dos
glaciares provém da neve que, por sua vez, se forma por precipitação do vapor de água da
atmosfera.
Quando há evaporação no oceano, o vapor fica enriquecido em água “menos pesada”
(H2O16), a qual tem mais facilidade em vencer as barreiras à evaporação, enquanto que a
água “mais pesada” (H2O18) permanece no oceano. Então os glaciares têm maior
percentagem de O16 do que de O18 e os oceanos são mais ricos em O18. Quanto menor a
proporção de O18 no gelo, menor era a temperatura do ar quando se deu a evaporação (não
forneceu energia suficiente para evaporar a água “mais pesada”. Se analisarmos a
concentração em O18 em sedimentos marinhos, podemos relacionar as concentrações mais
elevadas aos ambientes mais frios (a água mais pesada permaneceu mais tempo no oceano).
A datação pode ser alcançada com um método independente de geocronologia.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 1.3: Esquema interpretativo da utilização da razão isotópica do Oxigénio para deduzir a paleo-temperatura

Outro método utilizado para estender para trás a janela de observação do clima na Terra foi
o do estudo dos sedimentos marinhos. Todos os anos se acumulam quantidades enormes de
sedimentos nas bacias oceânicas e em lagos. Um dos proxies utilizados tem a ver com a
presença de diatomáceas (algas microscópicas), indicando a ocorrência de upwelling
intenso associado à intensificação dos ventos alíseos. De forma algo similar têm sido
realizados estudos com corais (sensíveis à profundidade do mar) e com polens (permitem
identificar a vegetação presente).

Fig. 1.4: comparação de dois registos de mudança climatic cobrindo o ultimo ciclo glaciar. Os isótopos do
oxigénio no Oceano reflectem simultanemanente as alterações do nivel do mar e da temperature. Neste site do
Pacifico equatorial (core V19-30) o sinal está dominado pelo nível do mar. No caso do gelo da Gronelândia, os
isotopes reflectem a temperature a que se verificou a precipitação. Adaptado de http://oceanexplorer.noaa.gov/

Vale ainda a pena referir pela sua elevada sensibilidade, os estudos realizados sobre os
troncos das árvores (dendrocronologia), utilizando o facto de eles crescerem em largura
formando, em geral, um anel em cada ano. A espessura e a densidade de um anel dependem
da duração da estação de crescimento em que foi formado e das condições climáticas
(humidade, temperatura) que existiam na altura (um ano de seca pode resultar num anel
muito fino). Fazendo a datação das árvores pode-se inferir uma cronologia das condições
climáticas.

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Fig. 1.5: Exemplo de secção do tronco de Pseudotsuga menziesii obtida no Novo México por Chris Baisan e Rex
Adams (photo © H.D. Grissino-Mayer). Retirada de http://web.utk.edu/~grissino/gallery.htm#Trees.

A partir do estudo dos proxies descritos pode assim estabelecer-se a seginte descrição
simplificada: entre 130 000 até 125 000 anos houve um período de aquecimento rápido –
período interglaciar. De 120 000 até cerca de 21 000 anos desenrolou-se um longo período
de temperaturas baixas mas com algumas subidas e descidas de 1 ou 2ºC - Grande Idade
dos Gelos. Há 21 000 anos, durante o último período glaciar, a camada de gelo que cobria a
maior parte da América do Norte, toda a Escandinávia e, no Hemisfério Sul, a maior parte
da Argentina, Chile e Nova Zelândia, teria tido um volume de cerca de 90 milhões de km3.
Hoje em dia, esse volume é apenas 30 milhões de km3, o que implica que o nível médio do
mar estaria abaixo (90 a 120 m) do nível actual. A temperatura média do ar à superfície
durante a última Idade do Gelo era cerca de 4 a 5ºC mais baixa do que actualmente (nas
camadas de gelo do Hemisfério Norte era cerca de 12 a 14ºC mais baixa; nos trópicos
~3ºC).
Desde há 18 000 ou 19 000 anos até há cerca de 15 000 anos teve lugar mais um período de
aquecimento – período interglaciar (em que estamos presentemente) interrompido por um
“episódio” de arrefecimento “súbito” – Younger Dryas – que durou cerca de 700 anos.
Então, há cerca de 15 000 anos atrás, um aquecimento rápido começou. Entre 15 000 e
10 000 apresentou uma variação brusca, mas tem mantido alguma estabilidade desde há
10 000 anos. O clima global aqueceu apreciavelmente no séc. XX. No fim do séc. XX
foram medidas temperaturas 0,6º C acima das temperaturas do final do séc. XIX.

1.4 Componentes do Sistema Terra


O Sistema Terra pode ser subdividido num conjunto de sub-sistemas: a geoesfera, a
atmosfera, a hidroesfera, a criosfera e a biosfera.
A geoesfera inclui os continentes (cuja topografia afecta os movimentos do ar) e o fundo
oceânico. Excluindo a camada mais superficial do solo, em que a temperatura e o conteúdo
em água veriam em função de parâmetros atmosféricos, esta componente do sistema
climático é a que tem o maior tempo de resposta. Há uma forte interacção da geosfera com
a atmosfera e a hidrosfera através da transferência de massa (vapor de água, precipitação
líquida e sólida, partículas e poeiras, sobretudo vuncânicas) e de calor. É esta a componente
do sistema Terra com maior tempo de resposta.
A atmosfera corresponde a uma fina camada formada por uma mistura de gases distibuída
uniformemente sobre a superfície do Globo. As dimensões horizontais podem ser
representadas pela distância entre os pólos (20000 km) enquanto que na direcção vertical,
mais de 99% da massa da atmosfera encontra-se abaixo dos 30 km de altitude.

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Terra, Ambiente e Clima

A atmosfera constitui a componente central do sistema climático, com uma grande


variabilidade das suas propriedades, tanto no espaço como no tempo. O tempo de resposta
da atmosfera (i.e., o tempo que demora a recuperar uma situação de equilíbrio a partir de
uma perturbação que lhe é imposta) é muito curto, como consequência da sua grande
compressibilidade, baixo calor específico e baixa densidade.

Fig. 1.6: Representação de alguns dos processos do sistema Terra que são relevantes para as alterações
climáticas. A generalidade destes processos envolvem a interacção entre a atmosfera, a hidrosfera, a geosfera e a
biosfera (retirado de IPCC Working Group I, 1997).

A hidrosfera inclui toda a água no estado líquido, os oceanos, os mares interiores, os


lagos, os rios e os aquíferos subterrâneos. Os oceanos cobrem cerca de 2/3 da superfície do
Globo, são a componente mais importante da hidrosfera. Devido à sua enorme massa e
grande calor específico, constituem um enorme reservatório de energia. Devido à sua
inércia térmica (associada ao grande calor específico da água), os oceanos actuam como
tampões e reguladores da temperatura do Globo. Como são mais densos do que a atmosfera
têm uma inércia mecânica maior e uma maior estratificação. A circulação oceânica é muito
mais lenta que a atmosférica. O tempo de resposta varia muito, desde a ordem de grandeza
das semanas a meses na camada de mistura, das estações do ano na termoclina, até séculos
ou milénios do oceano profundo. A atmosfera e o oceano estão fortemente acoplados.
Interacções oceano-atmosfera ocorrem, em diversas escalas espaciais e temporais, através
da troca de energia, matéria e momento linear.
A criosfera inclui as grandes massas de gelo e neve da superfície do Globo (campos de
gelo da Gronelândia e da Antártida, glaciares continentais e campos de neve, gelo oceânico
e permafrost). A sua importância climática resulta da forte reflectividade da radiação solar
(albedo) e da baixa condutividade térmica do gelo e neve, o que os torna bons isoladores da
terra e água subjacentes nas altas latitudes, impedindo-os assim de perderem calor para a
atmosfera. Isto, por sua vez, favorece as baixas temperaturas do ar à superfície, o que
estabiliza a baixa atmosfera e impede a convecção. A criosfera sofre grandes variações
sazonais, levando a variações intra-anuais do balanço de energia. Em escalas maiores, da
ordem das dezenas ou milhares de anos, as variações das camadas de gelo continentais
durante os períodos glaciais e interglaciais, têm um papel importante nas variações
climáticas. Uma glaciação pode baixar consideravelmente o nível do mar.
A biosfera inclui a vegetação terrestre, a fauna continental e marinha. A vegetação tem um
efeito importante no condicionamento da rugosidade da superfície da Terra, no albedo, na
evaporação e nos ciclos biogeoquímicos fundamentais. A biosfera é sensível a variações
do clima atmosférico e é através da assinatura dessas variações (em fósseis, anéis de

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

crescimento das árvores, pólen, etc.) que se pode obter informação sobre o clima no
passado. É importante referir aqui a interacção humana com o sistema Terra afecta
fortemente a biosfera, em particular devido a actividades como a agricultura, a urbanização,
a indústria, a poluição, etc.

1.5 Bibliografia
T. E. Graedel e P J Crutzen, Atmospheric Change, An Earth System Perspective, W H Freeman and
Company, New York, pp 1-446, 1993.
Climate Change, The IPCC Scientific Assessment. (http://ipcc-wg1.ucar.edu/wg1/wg1-report.html)
IPCC Working Group I. An Introduction To Simple Climate Models Used In The Ipcc Second Assessment
Report. Pp 1-59, 1997.

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Terra, Ambiente e Clima

Cap 2 - A Geosfera
2.1 Introdução
A Geosfera é formada pela componente sólida interna da Terra, aqui se incluindo
essencialmente as camadas interiores do planeta, a crusta, as formações sedimentares e o
solo.
A geosfera participa na regulação do sistema climática em diversas escalas. Na escala dos
milhões de anos, ou mesmo dezenas de milhões de anos, a mudança da configuração global
dos continentes e dos oceanos, a dimensão das cadeias de montanhas, a sua formação e
erosão, envolvem a transferência de grandes quantidades de massa e energia e determinam
o comportamento do sistema Terra. Em última análise, uma parte dos voláteis que hoje
constituem a atmosfera ou da água que preenche os oceanos e a criosfera, provém da
diferenciação da geosfera primitiva.
Nas escalas de tempo mais reduzidas, através dos processos físicos e químicos que
condicionam a formação e a evolução dos solos, a dinâmica da geosfera condiciona a
erosão e ao vulcanismo, com a consequente produção de aerossóis que determinam o
comportamento radiactivo da atmosfera e do oceano, determina o ramo interno do ciclo
hidrológico e é particularmente influente nos ciclos biogeoquímicos mais importantes.

2.2 A Idade da Terra

2.2.1 Datações Radiométricas


A primeira determinação da Idade da Terra, realizada por Lord Kelvin, procurou utilizar o
processo físico do arrefecimento do planeta para estimar a sua idade absoluta. A partir da
aplicação das 1ª e 2ª Leis da Termodinâmica Kelvin concluiu que a idade da Terra se
deveria situar entre 20 e 400 milhões de anos. Esta avaliação, que hoje sabemos ser
francamente incorrecta, porque não considerou a contribuição da radioactivodade
(descoberta mais tarde) no equilíbrio térmico da Terra, só pode hoje corrigida porque no
princípio do século XX, Rutherford e Holmes concluiram que o decaimento dos isótopos
radioactivos instáveis, descoberto por Henri Becquerel em 1896, podia ser utilizado para
quantificar a idade das formações geológicas.
Só na década de 50 é que a precisão dos métodos laboratoriais permitiu generalizar o uso
das datações radiométricas. O princípio físico em que assenta estas medições é o seguinte :
A lei de decaimento radioactivo indica que o número de átomos que se desintegra por
unidade de tempo é proporcional ao número de átomos presentes no estado inicial, ou seja

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

dN
= -l N (2.1)
dt
onde  é a constante de decaimento. Integrando a equação anterior podemos escrever:

N 0  Ne  t (2.2)

onde N0 representa o número de átomos radioactivos no estado inicial e N é o número de


átomos radioactivos no estado actual. O número de átomos radiogénicos (gerados pelo
processo de decaimento que estamos a estudar) designa-se por NR, sabendo-se que,
N0 = NR + N (2.3)
Pelo que podemos reescrever (5.2) em função de NR como :
NR = N (et-1) (2.4)
Diversas formas destas expressões são utilizadas em geocronologia. É também vulgar a
utilização do parâmetro “meia-vida” que é o período de tempo necessário para que uma
dada quantidade de um radionuclideo decaia para metade do seu valor inicial. A relação
entre T1/2 e  é dada por :
T1/2 = 0.693/ (2.5)

2.2.2 O Método do Rubídio Estrôncio


O Rubídio é um elemento raro na natureza, que não forma qualquer mineral, mas que
aparece a substituir o Potássio, dadas as similaridades entre ambos no que diz respeito ao
raio iónico e à carga. Os dois isótopos naturais do Rubídio são o 85Rb e o 87Rb, cujas
abundâncias atómicas são de 72.8% e 27.2%, respectivamente. O 87Rb é um isótopo
radioactivo que decai da forma :
87
Rb -> 87Sr +  (2.6)
87
Neste caso, a formação de átomos radiogénicos de Sr pode ser explicitada da forma
seguinte :
N87Sr = N87Rb (et-1) (2.7)
Uma vez que os espectrómetros de massa medem com maior precisão razões entre dois
elementos do que valores absolutos e uma vez que o isótopo 86Sr não é radioactivo nem
radiogénico - a sua quantidade pode ser considerada constante - é preferível escrever (2.6)
sob a forma :
87 87
Sr Rb l t
86
= 86
(e -1) (2.8)
Sr Sr
Um problema existe, no entanto, no que diz respeito à fracção de 87Sr formado antes da
génese da amostra, que tem que ser subtraido dos dois membros de (2.8) :
87
Sr æç 87 Sr ö÷ 87
Rb l t
= ç ÷÷ + (e -1) (2.9)
86 ç
Sr è Sr ÷ø0
86 86
Sr

A razão isotópica inicial varia com a história geológica da unidade em estudo. As rochas
privenientes do manto superior, por exemplo, possuem razões isotópicas iniciais muito
baixas uma vez que o manto superior possui razões Rb/Sr muito baixas. No extremo oposto
temos a crusta continental caracterizada por razões Rb/Sr elevadas.
A expressão anterior mostra que a razão 87Sr/86Sr depende linearmente da razão 87Rb/86Sr
para um conjunto de amostras da mesma idade. Numa representação linear simples do tipo
:
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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 2.1 – Isócrona Rb/Sr para um conjunto de amostra de igual idade radiométrica. Na altura da formação a
razão 87Sr/86Sr é suposta ser idêntica mas as razões 87Rb/86Sr poderão ser diferentes. O declive da isócrona
permite a determinação de t.

Desde que se disponha de um conjunto de amostras com razões pai/filho diferentes.


Contudo, existem ainda duas condições para que a medição da idade radiométrica seja
significativa : a primeira é a de que os processos de alteração ou de metamorfismo não
tenham afectado as razões isotópicas do mecanismo de decaimento utilizado na datação; a
segunda é a de que todas as amostras utilizadas possuam a mesma razão isotópica inicial.
Esta ultima condição é de mais fácil realização nas rochas igneas do que nas rochas
metamórficas ou sedimentares, uma vez que aquelas cristalizam a partir de um magam
único. No que diz respeito às rochas metamórficas esta condição pode também verificar-se
desde que o metamorfismo tenha sido suficientemente intenso para homogeneisar as razões
isotópicas. Nas rochas sedimentares,o facto de os seus elementos poderem provir de fontes
distintas torna impossível a datação directa da idade da sedimentação.
As idades relativas obtidas a partir do estudo das colunas sedimentares consituiem,
contudo, a principal fonte de informação da estratigrafia, pelo que a sua calibração exige a
necessidade de se obterem datações radiométricas indirectas, usualmente, a partir da
datação das rochas ígneas que se encontram intercaladas nas sequências sedimentares ou as
intruem, o que fornece limites inferiores das idades dos horizontes sedimentares intruidos.

Pai Filho  Vida média


14 14
C N 1.21 x 10-4 5730 a
87 87
Rb Sr 1.42 x 10-10 4.88 Ga
40 40
K Ca 4.962 x 10-10 1.40 Ga
40 40
K Ar 5.81 x 10-9 110 Ma
138 138
La Ce 6.54 x 10-12 106 Ga
147 143
Sm Nd 6.42 x 10-12 108 Ga
176 176
Lu Hf 1.96 x 10-11 35.3 Ga
187 187
Re Os 1.52 x 10-11 45.6 Ga
230Th 226
Ra 9.217 x 10-6 75.2 ka
232 208
Th Pb 4.9475 x 10-11 14 Ga
234 230
U Th 2.794 x 10-6 248 ka
235 207
U Pb 9.8485 x 10-10 704 Ma
238 206
U Pb 1.55125 x 10-10 4.468 Ga
Tabela 2.2 – Constantes de decaimento e vidas médias de um conjunto de pares de elementos utilizáveis em
datação radiométrica

O método Rb/Sr é utilizado para quase todas as idades geológicas, se bem que a precisão
das datações é reduzida no que diz respeito aos últimos 10/20 Ma.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

2.2.3 Idades da Terra e da Lua


Onde se localizam as rochas mais antigas sobre a Terra ?
Rochas com mais de 3,000 Ma são raras na Terra, onde a parte dos registos geológicos
mais familiares cobrem apenas os últimos 570 Ma. No fundo dos oceanos, a crusta terrestre
é ainda mais nova. Como veremos mais à frente, isto é um resultado do processo de
formação contínua de crusta nas dorsais oceânicas. Os cratões continentais estáveis da
América do Norte, da África, da Europa do Norte da Austrália ou da Gronelândia possuem
unidades com cerca de 2,500 Ma e, nalgumas formações específicas, 3,500 a 3,800 Ma. A
datação mais antiga já realizada foi feita em zircões de quartzitos do Monte Narreyer, na
Autrália Ocidental, tendo sido obtido o valor de 4,200 Ma com a utilização de técnicas de
microsonda iónica.
A idade da Lua foi essencialmente estabelecida a partir dos 381.69 kg de rochas trazidos da
alunagem da sexta missão Apollo assemelhavam-se a lavas basálticas terrestres. Contudo, a
sua constituição química é distinta. O mais significativo dos resultados das missões Apollo
surgiu da datação radiométrica das primeiras amostras trazidas pela Apolo 11. Estas tinham
3,800 Ma.
Se admitirmos que a idade mais antiga que se pode encontrar no sistema solar é de 4,600
Ma (como veremos mais à frente na análise dos meteoritos) podemos concluir que a Lua se
manteve geologicamente activa durante um curto período de tempo após a sua formação.
As terras altas de tons claros da Lua, são provavelmente mais antigas que os “mares”,
porque os estudos foto-geológicos indicam que o material dos "mares" se sobrepõe ao
material das Terras Altas. Quando foram obtidas amotras das Terras Altas descobriu-se que
faziam parte de um grupo de rochas ígneas dominadas por plagioclase e feldspato, cujos
parentes terrestres mais chegados são rochas do Arqueano e do Proterozóico conhecidas
por anortosites. As anortosites lunares tinham idades superiores a 4,000 Ma, algumas delas
com idades perto dos 4,600 Ma.
Vinte anos depois da missão Apollo 11, os estudos petrológicos das amostras recolhidas
continuam e sem perspectivas de um fim rápido. Fazem-se agora estudos meticulosos de
fragmentos individuais, e da multitude de finas partículas obtidas de amostras do núcleo
através do solo lunar. A interpretação mais consistente e global sobre a evolução lunar,
sugere que a Lua se formou há 4,600 Ma, como resultado de um mega impacto entre a
Terra primordial e um "impactor" com as dimensões do planeta Marte. O material do manto
do impactor terá sido vaporizado e recondensado para formar a Lua. Pouco depois da
formação da Lua, uma parte do núcleo separou-se do centro e o restante foi derretido
formando um vasto oceano de magma com quilómetros de profundidade. Olivinas e depois
ortopiroxenas iniciaram a cristalização no exterior instalando-se na direcção do núcleo.
Cálcio e Alumínio iniciaram uma migração para o exterior cristalizando como feldespatos e
plagioclase. Há cerca de 4,500 Ma, a plagioclase ascendeu à superfície para formar uma
crusta contínua de anortosites, enquanto o interior estava já cristalizado. Parte do material
fundido no interior por calor radiogénico ou outras fontes de calor produziu basaltos que
encontraram o seu caminho até à superfície. À medida que as fontes de calor iam decaindo
com a passagem do tempo, a profundidade a que o material era fundido ia aumentando,
com consequências na composição do magma. Há cerca de 3,200 Ma a actividade
vulcânica à superfície cessou e a Lua tornou-se geologicamente extinta.

2.3 Os Meteoritos
Muito antes da missão Apollo fornecer as primeiras amostras de rochas lunares, havia uma
só fonte directa de dados sobre a composição do Sistema Solar: os meteoritos. Os
meteoritos são conhecidos desde a pré-história, mas só agora são intensamente estudados,
por serem as únicas amostras palpáveis de material dos primeiros dias do sistema solar. Há
já bastante tempo que os meteoritos são encarados como tendo composições análogas às
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Terra, Ambiente e Clima

dos planetas do sistema solar. As estruturas internas dos planetas terrestres deverão ser
constituidas por um núcleo metálico sobreposto por um manto de sílica - à semelhança do
que sabemos quanto à Terra. Esta separação está também presente nos meteoritos, que se
apresentam agrupados em três tipos fundamentais: os meteoritos condríticos, os meteoritos
de ferro-níquel e os meteoritos acondríticos.
As condrites são o tipo de meteoritos mais representado. São rochosas (por oposição a
ferrosas), e caracterizam-se pela presença de côndrulos, glóbulos refractários de Cálcio e
Alumínio (meteoritos de tipo CAl) com dimensões de milímetros a centímetros. Os
côndrulos estão embebidas numa matriz formada habitualmente por uma mistura de
silicatos cristalinos, por vezes incluindo grãos ou filamentos de níquel e ferro. Este tipo de
constituição não foi nunca encontrado na Terra. A idade radiométrica dos meteoritos
condríticos é estimada como sendo 4,555 ± 4 Ma. As condrites são classificadas de acordo
com a sua constituição química e o seu grau de metamorfismo. As condrites que possuem
menor grau de metamorfismo são aquelas que mais interessam ao estudo da composição
primitiva da nébula. É esse o caso das Condrites Carbonáceas, assim designadas pela
presença de compostos de Carbono. São escuras e friáveis, mais ricas em voláteis, mas
muito raras, devido provavelmente à dificuldade de atravessamento da atmosfera. O
meteorito mais importante desta classe – Allende – atingiu o México, em 1969, sob a forma
de milhares de pequenas pedras, dispersas por mais de 300 km2. Cerca de 2000 kg de
material foi recolhido, se bem que se pense que esta quantidade representa apenas uma
pequena fracção do total. É habitual dividir as condrites carbonatadas em três sub-grupos,
C1, C2 e C3, de acordo com o grau crescente de metamorfismo. Allende é do tipo C3.
Uma percentagem significativa dos meteoritos encontrados é constituida por ferro metálico
ou ligas de ferro e níquel. Uma vez que não existe ferro metálico na crusta terrestre, este
tipo de meteorito é imediatamente reconhecido como extra-terrestre. Os meteoritos de ferro
e níquel foram provavelmente dos últimos objectos a diferenciarem-se da nébula primitiva.
A grande importância deste tipo de meteoritos prende-se com o facto de os elementos que
os constituem – Ferro e Níquel – terem um papel muito importante no que diz respeito à
composição actual do núcleo da Terra.
Alguns meteoritos são formados por rochas ígneas com um grau de evolução superior às
condrites, sendo a sua idade radiométrica média um pouco menor que a das condrites.
Angra dos Reis, por exemplo, é um meteorito ígneo com idade de 4,551 ± 2 Ma. As
acondrites basálticas são verdadeiros basaltos semelhantes aos basaltos lunares. Têm, em
média, idades de cristalização da ordem de 4,539 ± 4 Ma, notoriamente com 20 Ma a
menos, relativamente ao material mais antigo datado do Allende. Para além destes tipos de
meteoritos, é ainda importante considerar o tipo SNC (de shergottites, nakhlites e
chassignites). A importância deste tipo provém do facto de as idades radiométricas
respectivas serem muito inferiores aos dos outros tipos de metoritos (da ordem de 1000
Ma), pelo que se admite terem como origem um planeta evoluido do sistema solar. Uma
vez que a composição química dos gases retidos nestesmeteoritos correspondem à
composição da atmosfera de Marte, como foi medido pela sonda Viking, é assumida a sua
origem marciana.

2.4 Composição Primitiva da Terra


A Terra possui três partes distintas : uma crusta homogénea, um manto homogéneo e um
núcleo homogéneo; o modo como a Terra adquiriu este estado envolve, no entanto, uma
série de complexos mecanismos para separar o núcleo e a crusta do manto primitivo, e
depois homogeneizar os produtos separados.
A Terra tem um núcleo denso, que corresponde a cerca de 32.5 % da massa do planeta. O
Ferro é o único elemento denso abundante, por isso é razoável assumir que constitui a
maior parte do núcleo. Provavelmente contém também 6 % de Níquel. Por outro lado o
núcleo é um pouco menos denso do que Ferro puro ou Ferro-Níquel. Há uma variedade de
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

elementos, os elementos siderófilos (com afinidade para o Ferro), que podem estar
misturados com o Ferro no núcleo, mas é pouco provável que estes reduzam a sua
densidade. No entanto o Oxigénio é um elemento abundante e dissolve-se no Ferro fundido
a altas pressões. O FeO, pode também ser um importante componente do manto inferior.
A tabela seguinte mostra a composição oxidada do manto primitivo (manto + crusta). É
necessário considerar em conjunto a crusta e o manto, como aproximação do manto
primitivo, porque apesar de a crusta ser apenas uma fracção muito ínfima da Terra, ela
contém uma grande fracção dos chamados elementos litófilos (com afinidade com as
rochas).

Manto e Crusta Relativo a CI


Li 2.1 10-6 0.87
Na 2040 10-6 0.26 v
Mg 20.52 10-2 1.46
Al 2.02 10-2 1.57
Si 22.40 10-2 1.44
P 57 10-6 0.05 sv
S 48 10-6 0.0025 sv
K 151 10-6 0.17
Ca 2.20 10-2 1.58
Ti 1225 10-6 1.86
Fe 6.1 10-2 0.22 s
Ni 1961 10-6 0.13 s
Rb 0.39 10-6 0.11 v
Sr 16.2 10-6 1.42
Th 0.0765 10-6 1.50
U 0.0196 10-6 1.40

Tabela 2.3 - Abundâncias dos elementos terrestres. Os índices s e v referem-se a elementos voláteis (supostos
deplectados nos planetas terrestres) e a elementos siderófilos, provavelmente importantes no núcleo da Terra.

Um modo de estimar a composição do manto primitivo é o de usar rochas e magmas que


estão expostos à superfície e que foram trazidos de grandes profundidades por erupções
vulcânicas. A maioria dos basaltos provém do manto, particularmente os das dorsais
oceânicas, ilhas oceânicas e arcos vulcânicos. O basalto é o material mais abundante
proveniente do manto, mas é provavelmente o resultado de fusão, pelo que uma quantidade
muito elevada de material refractário permanece no manto. Rochas chamadas peridotites,
harzburgites e lherzolites, são compostas essencialmente dos cristais refractários de olivina
e ortopiroxena e têm apenas uma quantidade muito pequena de cálcio, alumínio, sódio e
titânio, elementos que são importantes nos basaltos. Algumas peridotites podem representar
material residual após a extracção do basalto.
As porções relativas de basalto e peridotite na Terra são desconhecidas mas, se
compararmos as abundâncias terrestres com as correspondentes abundâncias nos meteoritos
condríticos podemos concluir que os elementos refractários (Mg, Al, Si, Ca, Ti, Th, U...)
aparecem todos numa proporção de 1.5 vezes maior no sistema manto-crusta. Este é o nível
esperado se os elementos tivessem sido excluídos do núcleo e aparecessem apenas na parte
silicatada da Terra. Os elementos voláteis (Na, P, S, K, Rb...) são, como vimos já no
primeiro capítulo, depletados no manto e na crusta, relativamente às condrites e ao Sol.

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Terra, Ambiente e Clima

2.5 EVOLUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO

2.5.1 Manto e Núcleo


O processo de evolução da Terra, envolvendo a depleção de voláteis e a diferenciação em
crusta, manto e núcleo. Parece provável que uma grande fracção da energia gravitacional
da acreção ficou retida pela Terra e que por isso, a sua fase inicial foi a de um corpo
quente, com uma temperatura superior ao ponto de fusão dos materiais envolvidos. Os
processos de diferenciação, incluindo a formação do núcleo, foram provavelmente
simultâneos : a fusão perto da superfície, leva a um processo de estratificação com a subida
à superfície de materiais menos densos e a descida, na direcção do centro, de materiais
mais densos e cristais residuais. O que não é claro, é o grau de homogeneidade da terra
primitiva : é necessária uma certa heterogeneidade na química do material accrecionado, de
outro modo, as reacções entre H2O e o Ferro livre oxidariam todo o Ferro e não existiria
água nenhuma à superfície.
O Ferro metálico deverá ter condensado mais cedo numa nébula em arrefecimento e dada a
sua densidade e ductilidade, pode ter formado os primeiros planetésimais e talvez os
núcleos iniciais dos planetas. Inicialmente foi assumido que a formação e diferenciação da
Terra se poderia esquematizar no seguinte modelo : material frio, rico em voláteis,
agregou-se de modo a formar um planeta homogéneo, com alguma redução e vaporização à
superfície para formar Ferro reduzido, que subsequentemente aqueceu e se diferenciou num
núcleo e numa crusta ricos em Ferro. Contudo, está provado que o transporte de Ferro em
fusão do exterior para o centro do planeta é inviável : o ferro no estado líquido no manto
superior passa ao estado sólido antes de atingir o manto inferior. Um núcleo central rico em
ferro misturado ou rodeado de material rico em refractários, incluindo alumínio 26, urânio
e tório, poderiam ser uma explicação alternativa.
A presença de um campo magnético primitivo, como o registado nas rochas mais antigas,
requer um núcleo fundido de dimensões consideráveis no início da história da Terra. A
abundância de elementos siderófilos no manto superior, sugere também que esta região não
ficou completamente deplectada destes elementos.
A crusta é formada pelos materiais menos densos e de menor ponto de fusão e formou-se
como o resultado de uma diferenciação ígnea envolvendo a ascensão de materiais menos
densos. O núcleo é uma liga que também se funde a baixas temperaturas, mas que fluiu
para o interior devido à sua alta densidade. Isto sugere uma hipótese simples : a
estratificação da Terra é um resultado da separação gravitacional dos materiais, de
acordo com o seu ponto de fusão e a sua densidade. Os materiais accrecionados para
formar a Terra podem ter sido uniformes, mas as altas temperaturas associadas à
agregação resultaram na diferenciação química do planeta.
O próprio manto não é homogéneo : à medida que a Terra cresce, os elementos crustais são
progressivamente concentrados e ascendem à superfície. Quando solidificam formam
minerais ricos em silício, cálcio, alumínio, potássio e elementos litófilos muito ionizados.
São também geralmente ricos em FeO, comparados com material primitivo. Estudos
isotópicos indicam que se formaram reservatórios geoquímicos distintas na história inicial
do manto. Os magmas destes reservatórios retêm a sua identidade isotópica, provando que
o manto não é homogéneo, apesar do facto de, presumivelmente, estar continuamente em
convecção. Uma das explicações para este facto é a de se admitir que o manto está
quimicamente estratificado, de modo a manter reservatórios distintos e separados, até que
processos de fusão parcial permitam a separação dos magmas, que rapidamente sobem à
superfície.
A base do presente manto, uma região chamada D”, é anómala e pode ser composta de
eclogite a alta pressão. Os estados iniciais de acreção envolveram, provavelmente, os
materiais mais refractários. Estes incluem compostos ricos em Ferro e CaO, Al2O3 e TiO2.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Os litófilos refractários podem ter sido excluídos de um manto fundido rico em Ferro e
estes podem também estar concentrados na região D”. Em qualquer dos casos, D” estaria
enriquecida de Al2O3 e CaO. Equilíbrio entre o material da D” e o núcleo, pode também
resultar numa região muito rica em FeO. Se a D” é intrinsecamente mais densa que o resto
do material do manto inferior, será gravitacional estável na base do manto. Por outro lado,
está embebida na camada fronteira entre o manto e o núcleo e tem por isso uma
temperatura elevada, que permite ao material da D” subir no manto inferior até atingir uma
flutuabilidade neutra. À medida que arrefece, vai-se afundando de novo na camada D”.

Fig. 2.2 – Modelo Simplificado da evolução e diferenciação do Manto. O Manto primitivo (1) funde no decorrer
do processo acreccionário. O Manto fracciona-se num nível superficial rico em plagioclase e num nível profundo
rico em olivina (3). Produtos tardios da fusão das olivinas são removidos (4) conduzindo à formação da crusta
continental (CC) ao enriquecimento da camada de peridotite e a deplecção dosBasaltos da Crista Média
(MORBS).

O resultado final para um planeta que experimentou uma fusão parcial, separação
gravitacional e mudanças de fase, é a estratificação química. A possibilidade de três regiões
“basálticas” (altos valores de CaO, Al2O3 e possivelmente FeO, relativamente a MgO) tem
sido identificada. Estas regiões são a crusta, a zona de transição (entre o manto superior e
inferior) e a D”. As duas últimas podem ser o resultado de subducção sólida ou
afundamento de magmas com alta densidade. O manto superior e inferior, pode assim estar
entalado entre camadas ricas em basalto.

2.5.2 Crusta Terrestre


As massas continentais constituem a excepção (e não a regra) à superfície do planeta.
Quando observada do espaço, a Terra aparece como um planeta azul, podendo considerar-
se extraordinário que a Terra, ao longo da sua história, tenha conseguido manter uma
pequena fracção da sua superfície acima do mar permitindo, entre outras coisas, que a
evolução humana procedesse em terra seca.
Será a persistência dos continentes apenas fortuita ? Como se tornou existente a complexa
crusta terrestre ? Tem cá estado desde sempre ou evoluiu através dos tempos ? Estas
questões deram origem a debates que dividiram os cientistas durante muitas décadas, mas a
história fascinante de como a superfície terrestre tomou a sua presente forma, está agora
essencialmente resolvida. O entendimento, notavelmente suficiente, mostra que as
condições necessárias para a formação dos continentes terrestres, podem ser incomparáveis
no resto do Sistema Solar.
A Terra e Vénus, tendo quase as mesmas dimensões e distância ao Sol, são normalmente
vistas como planetas gémeos. Assim, é natural pensar-se de que modo a crusta de Vénus se
pode comparar com a do nosso mundo. Desde 1990 que o radar espacial da sonda Magellan
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Terra, Ambiente e Clima

penetrou a espessa camada de nuvens que ensombram Vénus e nos revelou a sua superfície
com uma grande clareza. Das imagens detalhadas das formas do solo, os cientistas
planetários podem prever o tipo de rochas que cobrem Vénus.
Vénus aparece coberto por um cobertor de rochas com composição basáltica - muito
parecidas com as rochas escuras e de grão fino que cobrem as bacias oceânicas terrestres.
No entanto, a Magellan não encontrou áreas extensas análogas à crusta continental
terrestre. Regiões elevadas chamadas Afrodite Terra e Ishtar Terra parecem ser
reminiscências de lavas basálticas muito deformadas. Em Vénus não se verifica criação,
movimento e destruição contínua da sua superfície, à semelhança do que conhecemos na
Terra. E não há equivalentes óbvios para as extensas cristas médias oceânicas ou para os
grandes sistemas de falhas terrestres. Assim, é pouco provável que a crusta venusiana se
recicle regularmente em material mantélico. Nem parece haver evidência da necessidade de
abrir espaço para a formação de nova crusta : a quantidade de lava que está continuamente
a ser lançada na superfície de Vénus por erupção, mal é equivalente à lava gerada pelo
vulcão havaiano Kilauea.
Estas descobertas em Vénus, e descobertas semelhantes noutros corpos sólidos do Sistema
Solar, mostram que a crusta planetária pode ser dividida em três tipos fundamentais. A
chamada crusta primária que data do início do Sistema Solar, emergiu depois de
aglomerados de material primordial terem chocado com o planeta em crescimento,
libertando energia suficiente para causar a fusão do protoplaneta original. À medida que a
rocha derretida começou a arrefecer, os cristais de alguns tipos de minerais solidificaram
relativamente cedo e puderam separar-se do corpo de magma. Estes processos criaram,
provavelmente, as brancas terras altas da Lua, depois de grãos do mineral feldspato, com
baixa densidade, terem flutuado para o topo de um inicial “oceano” lunar de basalto
derretido. As crustas de muitos satélites dos planetas gigantes externos, compostos de
misturas de rocha com água, metano e amónia, gelados, podem também ter origem da fusão
catastrófica durante a acreção inicial.
Em contraste com o produto de episódios de fusão tão repentinos e de larga escala, as
crustas secundárias formam-se depois do calor do decaimento de elementos radioactivos se
acumular gradualmente dentro de um corpo planetário. Tal aquecimento, tão lento, causa a
fusão de uma pequena parte do interior rochoso do planeta, resultando normalmente na
erupção de lavas basálticas. As superfícies de Marte e de Vénus e a crusta oceânica
terrestre, estão cobertas de crusta secundária, formada deste modo. Os “mares” lunares são
também formados de lavas basálticas que tiveram origem fundo no interior da Lua. Calor
proveniente da radioactividade - ou talvez induzido por forças de maré - em algumas luas
geladas do Sistema Solar externo, podem também ter dado origem a crustas secundárias.
Muito diferente destes tipos comparativamente comuns, a chamada crusta terciária pode
formar-se se camadas da superfície forem devolvidas ao manto de um planeta
geologicamente activo. Como uma forma de destilação contínua, o vulcanismo pode levar à
produção de magma altamente diferenciado, com uma composição diferente da do basalto -
mais perto de uma rocha granítica ígnea. Porque a reciclagem necessária para gerar
magmas graníticos, só pode ocorrer num planeta em que ocorre tectónica de placas, esta
composição é rara no Sistema Solar. A formação de crusta continental na Terra pode ser a
sua única demonstração.

2.5.3 Atmosfera e Oceanos


Não existem sinais de nenhuma atmosfera primitiva na Terra, que pode ter existido depois
do Hidrogénio e do Hélio (principais componentes da nébula solar primordial) se terem
dissipado. Grande parte desta evidência, vem da abundância e da composição isotópica dos
gases nobres. Aparentemente, não existem vestígios de gases da nébula primitiva.
Se a Terra tivesse estado emersa na nébula solar rica em gases, durante a fase de acreção,
seria suficientemente massiva para capturar uma atmosfera primária que teria uma pressão
Pag 23
Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

atmosférica de cerca de 1 kbar, com uma temperatura de cerca de 4,000 K (cf. Cap 4). A
grande absorção de gás para a crusta fundida, da parte de tal atmosfera, resultaria por
exemplo que as abundâncias de néon seriam entre 10 e 100 vezes maiores do que as
actuais. Nem as baixas abundâncias, nem a composição isotópica dos gases raros serviriam
em tal modelo atmosférico.
Um factor adicional, é que as grandes colisões nos estágios finais de agregação, poderão
ter removido a atmosfera primitiva que eventualmente se tenha formado. Assim, as
atmosfera e hidrosfera terrestres actuais, parecem ser inteiramente secundárias em origem,
formadas pelo deplecção em voláteis do interior ou pela tardia acreção de asteróides e
cometas para além de Marte.
A fonte da água na Terra permanece um problema. Estava disponível pouca água na zona
em que foram formados os planetas internos como a Terra, uma vez que, no evento inicial
de aquecimento, a água nunca estava condensada ou estava juntamente com os outros
voláteis. Talvez, em alguns planetésimais já formados, alguma água presente em minerais
hidratados tenha sobrevivido ao intenso aquecimento inicial, que conduziu os voláteis para
fora das regiões internas do Sistema Solar.
Pensa-se que a água gelada é uma fase estável a temperaturas abaixo de 160 K para o valor
da pressão esperável na nébula. Isto significa que a água gelada só aparece para além de 4-
5 UA do Sol no limite da cintura de asteróides; o que é consistente com observações de que
os satélites gelados são restritos da região dos planetas gigantes. As condrites carbonatadas,
típicas provavelmente da composição de asteróides situados a cerca de 3 UA, contêm mais
de 20 % do seu peso em água. Assim a maior parte da água terrestre derivou possivelmente
de planetésimais ou cometas situados para lá de Marte que poderá ter participado
tardiamente no processo de agregação da Terra. Uma fonte possível de água é constituída
pelos cometas: se estes compreendessem 10 % dos corpos responsáveis pelo
bombardeamento da Terra entre 4,400 e 3,800 Ma, então poderiam abastecer a quantidade
apropriada de água para os oceanos terrestres. Contudo, tal modelo não deixa de ter
problemas, uma vez que os cometas colidem a altas velocidades, podem ter removido as
iniciais atmosferas e hidrosferas.

2.6 GEODINÂMICA

2.6.1 A Tectónica de Placas


Está demonstrado de forma conclusiva que a crusta terrestre e uma parte do manto superior
se comportam de forma essencialmente rígida, deslocando-se horizontalmente de tal modo
que a deformação (e o vulcanismo) se concentram nas regiões interplaca. Um diagrama
simplificados dos processos associados a este processo encontra-se reproduzido na figur
seguinte:

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Terra, Ambiente e Clima

Figure 2.3 – Diagrama dos principais processos envolvidos na tectónica de placas. Retirado de
http://www.usgs.gov

No longo termo, a tectónica de placas conduz à alteração da localização das massas


continentais e da profundidade das bacias oceânicas. Este processo conduz também à
diferenciação química do planeta e, indirectamente, à constituição da sua atmosfera e
oceano. Deste modo, na escala das 107-109 anos, constitui o principal condicionador do
clima na Terra.

2.6.2 A Isostasia e a Estabilidade Vertical da Litosfera


Segundo Delaney (1940), Leonardo da Vinci (séc XVI) foi o primeiro a constatar que as
massas visíveis à superfície da Terra se encontravam em equilíbrio. Só muito mais tarde, em
1749, P. Bouguer e R. J. Boscovich chegaram à mesma conclusão. Contudo, as ideias
definitivas sobre a compensação de massa sob as montanhas, surgiram no seguimento de uma
campanha geodésica efectuada no norte da Índia: se os Himalaias representassem um acréscimo
de massa, a linha de prumo, ou vertical, devia desviar-se na direcção da montanha de uma
quantidade correspondente ao excesso de massa representado pela montanha. Contudo, as
medições efectuadas por Pratt em 1855 mostraram que a deflexão observada era muito menor,
cerca de 1/3 da esperada.
O termo isostasia, introduzido pelo geólogo americano Dutton, representa o Princípio de
Arquimedes aplicado às camadas mais superficiais da Terra, e pode ser definido de dois
modos: (i) é uma condição natural da Terra, de tal modo que são feitos ajustes contínuos para se
aproximar do equilíbrio gravítico; (ii) representa uma variação na densidade da crusta
sistematicamente relacionada com as elevações à superfície, ou seja, com a topografia
superficial.
Duas hipóteses foram avançadas imediatamente, e praticamente em simultâneo, para explicar
estas observações: a hipótese de Pratt e a hipótese de Airy, mas vamos aqui apenas considerar a
interpretação de Airy, que mais generalizadamente se aplica ao equilíbrio litoestático.
Segundo Airy, a montanha assenta numa "raíz" de material menos denso que o manto, de
tal modo que a massa total sobre a estrutura montanhosa não é maior que a da planície
adajacente; de acordo com esta teoria, quanto mais alta for a montanha, maior será a sua
raíz. No nosso modelo da Terra tal é materializado por uma crusta que "flutua" sobre um
manto, com maior densidade, admitindo-se que o equilíbrio hidrostático se verifica
localmente.
Consideremos assim que temos crusta de massa volúmica c que se encontra sobre manto de
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

densidade m que c onsideraremos constantes. Consideremos ainda que a elevação zero


corresponde a uma espessura crustal H. Uma elevação da crusta h acima do geóide deverá ser
compensada por uma raiz de espessura b de tal modo que:
rc h
b= (5.10)
r m - rc

Se a altitude fôr negativa, o que acontece num oceano, então teremos uma anti-raiz de
espessura b dada por:
rc - r w
b= h (5.11)
r m - rc

onde supomos que a massa volúmica da água é dada por w.

Figura 2.4 – Esquema simplificado do modelo de Airy da isostasia

O facto de haver isostasia não implica que a anomalia gravimétrica (de Ar-livre ou Bouguer)
seja nula. Na verdade, podem mesmo obter-se expressões analíticas da ondulação do geóide
correspondentes a estes modelos de equilíbrio (ver por exemplo Turcotte e Schubert, 1982).
Quando se comparam estas ondulações do geóide com as ondulações observadas nas margens
continentais passivas, conclui-se que são muito próximas, mesmo nos médios comprimentos de
onda, o que permite concluir que que as margens continentais passivas se encontram próximas
do equilíbrio isostático.

2.6.3 Vulcanismo
As explosões vulcânicas conduzem à emissão de grandes quantidades de voláteis e
partículas sólidas na alta atmosfera, onde um dos componentes essenciais (dióxido de
enxofre) dá origem a aerossóis ácidos (SO42-) pode permanecer por períodos elevados. Na
baixa troposfera as emissões vulcânicas são removidas pela precipitação em alguns dias.
Os constituintes principais da explosão vulcânica são designadas como cinzas ou tephra, e
para além do dióxido de enxofre há ainda a considerar os halogenos, a água, e pequenas
partículas de silicatos, como constituintes importantes. Para além. das explosões vulcânicas
de grandes dimensões é ainda necessário entrar em linha de conta com a actividade
vulcânica menos catastrófica mas mais persistente, como as fumarolas, os geysers, e o
vulcanismo submarino.

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Terra, Ambiente e Clima

Figure 2.5 – Vulcões com actividade histórica. Retirado de http://www.visionlearning.com

A primeira avaliação sistemática da actividade vulcânica global é dada pelo dust veil índex
(DVI) proposto por Lamb em 1970. Este índice é um valor numérico que avalia o impacto
de cada erupção vulcânica na libertação de poeira e aerossóis nos anos seguintes ao evento.
O DVI está calculado para o período 1500-1983 (DVI = 1000 para a explosão do vulcão
Krakatoa em 1883), havendo estimativas de grandes acontecimentos históricos (Santorini
em 1470 BC, Vesuviio em 79 AD e Oraefajokull em 1362 AD, por exemplo). Cada
explosão é caracterizada por um conjunto de parâmetros, os mais importantes dos quais são
(a) a deplecção da radiação solar a seguir à erupção, (b) a variação da temperatura a seguir
à erupção e (c) a quantidade de material sólido dispersado pela erupção.

2.6.4 Meteorização
Para além dos processos tectónicos e vulcânicos que geram profundas alterações profundas
da superfície terrestre, essencialmente construtivas, existe um conjunto de processes de
alteração, quer químicos quer mecânicos que provocam a erosão e o aplanamento da
paisagem geológica. Esses processos envolvem a meteorização, o transporte e e deposição
no mesmo ou noutro local. Como consequência a erosão está continuamente a pôr a
descoberto mais material rochoso que pode ser alterado, ao mesmo tempo que novas rochas
são formadas nas bacias onde se realizaou a sedimentação.

2.7 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO


1. Demonstre a expressão 2.5.
2. Na hipótese de Airy considere crusta de massa volúmica 2700 kg/m3 em equilíbrio
sobre manto de massa específica 3000 kg/m3. Determine qual a raiz gerada por uma
cadeia de montanhas com 2500 m de altitude, e qual a anti-raiz gerada num oceano de
profundidade –3000 m. Considere que a água do oceano tem a massa volúmica de
1030 Kg/m3.
3. A erosão diminuiu a altitude de um maciço em 100 m. Admitindo que existe
recuperação isostática qual foi a espessura de material realmente erodida ?
4. Em determinado local verificou-se que a crusta sofreu uma sobre-elevação isostática
de 275 m devido ao desaparecimento de uma camada de gelo. Determine a espessura
da camada de gelo inicial, sabendo que a sua massa volúmica é de 900 Kg/m3, e
admitindo os valores de 2700 Kg/m3 e 3000 Kg/m3 para as densidades da crusta e do
manto.

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5. Considere o processo de sedimentação numa bacia oceânica, admitindo que a


espessura de sedimentos é de 1000 m, e que as densidades da água, sedimentos, crusta
e manto são 1000 kg/m3, 1500 kg/m3 e 2700 kg/m3 e 3000 kg/m3, respectivamente.
Determine a variação da profundidade antes e depois do processo de sedimentação.

2.8 BIBLIOGRAFIA
Brown, G. C., Hawkesworth, C. J., Wilson, R. C. L. (eds), “Understanding the Earth”, Cambridge
University Press, 1992, pp 1-551
Frank D Stacey, “Physics of the Earth”, Brookfield Press, Brisbane, Australia, 1992, pp 1-513.
Liboutry, L., Tectonophysique et Géodynamique, pp 1-339, Masson, 1982

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Terra, Ambiente e Clima

Cap 3 - A Atmosfera: equilíbrio radiativo e mecânico


3.1Estrutura Vertical da Temperatura na Atmosfera
A primeira grandeza física relevante para a compreensão do comportamento da atmosfera
terrestre é a temperatura. A figura 2.1 mostra a variação de temperatura com a altitude nas
zonas de latitude média da atmosfera terrestre. Podem observar-se três máximos no perfil
de temperatura. O primeiro, no solo, onde a temperatura mantém valores próximos de
290 K; o segundo num nível denominado por estratopausa, a cerca de 50 km da superfície,
onde as temperaturas se aproximam de 280 K; o terceiro nas regiões superiores a 200 km,
numa camada denominada por termosfera, onde as temperaturas podem atingir 1,000 K ou
mais.

Fig. 3.1: variação de temperatura com a altitude nas zonas de latitude média da atmosfera terrestre. Em abcissas
a temperatura é indicada em graus Ccelsius e em ordenadas a altitude é expressa em km

O primeiro máximo de temperatura, localizado junto da superfície terrestre, resulta da


absoção de radiação solar nas regiões do visível e do infravermelho. A camada inferior,
designa-se por troposfera, onde se concentra cerca de 80% do ar da atmosfera. Nas regiões
tropicais a espessura desta camada é cerca do dobro da espessura verificada nas regiões
polares). A taxa de decréscimo de temperatura ao longo da troposfera é de cerca de
6,5ºC/km.
De 10 a 20 km, a atmosfera é bastabte estável, definindo uma região designada tropopausa.
De 20 a cerca de 50 km, podemos definir uma cada onde a temperatura aumenta
regularmente com a altitude, a Estratosfera. Este aumento é interpretado como o resultado
da absorção de radiação solar no domínio dos ultravioletas pelo ozono (o qual está
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

concentrado na parte superior desta camada da atmosfera; máximo a 20-30 km) e


subsequente re-emissão de energia para a estratosfera. Cerca de 19,9% do ar da atmosfera
está na Estratosfera. Nas atmosferas dos demais planetas é possível que não ocorram tais
camadas, porque as suas atmosferas possuem quantidades insignificantes de Ozono.
A 50 km, a temperatura estabiliza de novo, definindo a Estratopausa.
A cerca de 55 km, a Mesosfera começa, havendo um decréscimo de temperatura com a
altitude (há muito pouco ozono para aquecer o ar). A cerca de 80 km, a atmosfera atinge a
sua temperatura mínima (~ 90ºC).
A cerca de 85 km segue-se a Mesopausa, que separa a Mesosfera da Termosfera (acima de
90 km), na qual a temperatura volta a aumentar com a altitude. Isto é devido ao oxigénio
molecular que absorve radiação solar e como o ar é muito rarefeito, qualquer pequena
quantidade de energia provoca um forte aquecimento. O processo de absorção é
representado pela fotoionização, considerando que ocorrem processos semelhantes de
fotoionização nas camadas superiores das atmosferas de todos os planetas, pode antecipar-
se que termosferas relativamente quentes são comuns a todas as atmosferas planetárias.

3.2 Constituintes Fundamentais da Atmosfera


Os consituintes da atmosfera terrestre, na sua composição actual, tal como observados
perto da superfície terrestre, estão discriminados na tabela 2.I.
Constituinte Fórmula Quimica %
Azoto N2 78.084
Oxigénio O2 20.946
Argon Ar 0.934
Dióxido de Carbono CO2 0.037
Neon Ne 1.8 10-5
Hélio He 5.24 10-6
Metano CH4 1.7 10-7
Krypton Kr 1.13 10-6
Oxido Nítrico N20 3 10-7
Xenon Xe 8.7 10-8
Monóxido de Carbono CO 5 – 20 10-8
Carbonyl Sulfide OCS 5 10-10
Ozono Troposférico O3 5 10-8 a 4 10-7
Ozono Estratosférico O3 1 10-7 a 6 10-6

Tabela 3.I – Os constituintes mais importantes da atmosfera (ar seco).

Estas substâncias, e a proporção entre elas, é o produto da separação química do material


primitivo do planeta, e da interacção com a radiação solar e o campo gravítico da Terra.
A composição da atmosfera até à mesopausa é praticamente uniforme no que diz respeito
às concentrações do azoto, do oxigénio e de outros gases inertes. As componentes variáveis
são o vapor de água (predominante na baixa troposfera) e o ozono (predominante na média
estratosfera). O dióxido de carbono está bem misturado abaixo da mesopausa. Para além
dos gases, existem sólidos e líquidos em suspensão, que variam no espaço e no tempo:
gotas de água e gelo das núvens; partículas de poeira, sulfatos sob a forma de aerossóis e
cinzas vulcânicas.

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Terra, Ambiente e Clima

3.3 Equilíbrio Radiativo


A generalidade dos processos físicos, químicos e biológicos que tem lugar no exterior
próximo da Terra depende da energia fornecida pela Sol sob a forma de radiação. Para os
períodos de tempo que nos interssam, podemos partir da hipótese de quena Terra está em
estado de equílibrio térmico, ou seja, que existe um balanço entre a energia recebida pela
Terra e a energia por ela emitida.

3.3.1 Espectro da Radiação Solar


O Sol emite dois tipos de radiação que têm influência nas atmosferas planetárias : a quase
totalidade da energia que flui do Sol para os planetas é transportada pela radiação
electromagnética; no entanto, existe também uma corrente contínua de partículas
electricamente carregadas, o vento solar, que interage com as camadas exteriores das
atmosferas planetárias.
O modo através do qual uma determinada radiação interactua com a atmosfera, depende do
seu comprimento de onda e do fluxo de energia radiante. A relação entre o fluxo e o
comprimento de onda para a radiação solar é mostrada no espectro da fig. 2.1, estende-se
desde valores inferiores a 10-9 m até valores superiores a 10 m. As ondas muito curtas são
denominadas raios X e as ondas muito longas são as “ondas longas” da rádio, mas a
diferença nos nomes não indica nenhuma diferença fundamental na natureza das ondas. Os
nomes oferecem simplesmente designações de comprimentos de onda apropriadas para as
diferentes regiões do espectro electromagnético.

Fig. 3.2 – Espectro electromagnético da radiação solar no topo da atmosfera. A cheio indica-se o espectro teórico
de um corpo negro a 5875 K. A tracejado indica-se o espectro dolar correspondente a dias calmos. Note que o
espectro medido na superfície da Terra é necessariamente diferente devido à absorção atmosférica.

A figura anterior mostra que a radiação solar é mais intensa na região visível do espectro,
decrescendo o fluxo tanto para os comprimentos de onda maiores como menores. Este
comportamento é característico da radiação emitida por um “corpo negro”, ou seja, um
material cuja radiação apenas depende da sua temperatura. Neste caso, sabemos que o
comprimento de onda correspondente ao máximo de amplitude e o fluxo da radição emitida

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

dependem apenas da temperatura do material radiante : à medida que se aumenta a


temperatura, o flluxo aumenta e diminui o comprimento de onda correspondente à
amplitude máxima (fig 2.3).
Um corpo negro emite radiação em todos os comprimentos de onda. O fluxo de radiação
(quantidade de radiação emitida por unidade de área e por unidade de tempo) por intervalo
de comprimentos de onda é dado pela Lei de Planck:
a
fl = (3.1)
l 5 éë exp (b / lT ) -1ùû

Onde a temperatura está expressa em Kelvin, o comprimento de onda em mícron e as


constantes a e b têm os valores 1.441 x 10-2 SI e 3.747 10-16 SI, respectivamente.

700000
T4000
600000 T5000
T6000
T7000
500000
Fluxo (W/m )
2

400000

300000

200000

100000

0 2 4 6 8 10
Comprimento de Onda (micron)

Fig. 3.3 – Radiação de um corpo negro. Em abcissas representa-se o comprimento de onda (1 micron = 10-6 m) e
em ordenadas o fluxo da radiação emitida. As curvas (de baixo para cima) correspondem às temperaturas de
4000 K, 5000 K, 6000 K, e 7000 K.

Este fenómeno, pode ser observado numa combustão ou numa fornalha. As partes menos
quentes da combustão parecem não-radiantes, mas fazem-no na região do infravermelho,
que o olho humano não é capaz de ver. As partes quentes brilham intensamente em tons de
vermelho, as partes mais quentes incandescem com uma luz branca e brilhante. A radiação
que emitem é mais energética e mais concentrada nos comprimentos de onda curtos do que
a radiação proveniente das partes menos quentes.
A relação entre a temperatura absoluta e o comprimento de onda dominante é dada pela Lei
do Deslocamento de Wien segundo a qual:
2897
ldom = (3.2)
T
onde o comprimento de onda está expresso em mícron.
As medidas experimentais não correspondem exactamente às curvas idealizadas, mostradas
na figura 2.3. No entanto, esses espectros idealizados, chamados espectros de Planck,
fornecem uma descrição relativamente aceitável da radiação do material incandescente sob
condições variadas. Por exemplo, na figura 2.1 verifica-se uma correspondência entre o
espectro solar e o espectro de Planck para uma temperatura de 5,875 K. Nas regiões de
microondas e de rádio, assim como nas regiões de ultravioleta distantes e de raios X, o
espectro solar permanece acima do de Planck. Contudo, na maior parte do espectro

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Terra, Ambiente e Clima

verifica-se um ajustamento perfeito entre as duas curvas nas regiões dos infravermelhos e
do visível, onde a luz solar é mais intensa.
As diferenças entre os dois espectros podem ser explicadas como uma consequência das
variações de temperatura em função da altitude das camadas exteriores do Sol. A radiação
solar mais forte é proveniente de uma fina camada com espessura de 300 km na atmosfera
solar, camada denominada por fotosfera. A temperatura na fotosfera varia aproximada-
mente, entre 10,000 K na base e cerca de 5,000 K no topo. Rodeando a fotosfera, existe
uma camada com cerca de 15,000 km de espessura denominada cromosfera. A temperatura
desta camada varia de cerca de 5,000 K na base, para 500,000 K no topo. A temperatura é
ainda mais elevada na corona, camada que gradualmente se vai diluindo no espaço
interplanetário. As temperaturas nesta camada são altas e muito variadas, o seu valor médio
atinge vários milhões de kelvin.
A radiação solar de comprimentos de onda muito curtos e muito longos é proveniente da
cromosfera superior e da corona. O espectro solar é relativamente acentuado nesses
comprimentos de onda, porque as temperaturas nos níveis superiores da atmosfera solar são
muito superiores às temperaturas da fotosfera.
As propriedades da fotosfera não variam significativamente com o tempo. Uma vez que a
radiação solar mais intensa, nas regiões do visível e do infravermelho, é proveniente da
fotosfera, há pouca variabilidade na intensidade total com que o Sol irradia energia para um
planeta. No entanto, existem variações muito acentuadas com o decorrer do tempo para os
comprimentos de onda muito longos e muito curtos do espectro solar. Essas variações são
devidas às acentuadas alterações de densidade e temperatura na cromosfera superior e na
corona. As camadas superiores das atmosferas planetárias são afectadas pelas variações nos
fluxos de radiação ultravioleta e X provenientes do Sol.

3.3.2 Balanço de Energia do Sol


Os planetas interiores recebem toda a sua energia do Sol. A taxa pela qual um planeta
absorve a energia solar, depende da sua distância relativamente ao Sol, porque o fluxo da
radiação solar varia inversamente com o quadrado dessa distância. A tabela 2.I fornece a
distância de cada planeta ao Sol e os valores correspondentes de fluxo solar. Cada planeta
intercepta a radiação solar numa taxa (W) fornecida pelo produto do fluxo solar (J m-2s-1)
pela área da secção do planeta (m2), como se fosse visto da direcção do Sol. Essa área é
igual a  vezes o quadrado do raio do planeta.
Nem toda a radiação interceptada por um planeta é absorvida, uma fracção da energia
incidente é reflectida para o espaço pelas nuvens ou pela superfície. A essa fracção
chamamos o albedo de um planeta. O albedo é diferente para cada planeta, dependendo da
natureza da sua atmosfera e da sua superfície; os seus valores, determinados através de
observações astronómicas, encontram-se na tabela 3.I. Uma vez que o albedo é a fracção da
energia incidente reflectida pelo planeta, a fracção de energia absorvida é (1 - albedo).
Combinando estes resultados, observa-se que um planeta absorve energia solar na taxa
fornecida pela seguinte expressão:
Eabs = p ´ r 2 ´f ´ (1- a ) (3.3)

em que Eabs representa a energia abosrvida, r o raio do planeta,  o fluxo solar e a o albedo
do planeta.
Como é que o planeta irradia energia para o espaço ? Sabe-se da física que a quantidade de
energia irradiada por um material que se encontra a uma temperatura T, é da da pela lei de
Stefan-Boltzman, segundo a qual essa quantidade, por unidade de área e por unidade de
tempo, é proporcional à quarta potência da temperatura (fig. 3.4), ou seja :
f = s ´T 4 (3.4)

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400000

Fluxo (W/m )
2
200000

0
0 100 200 300 400 500
Temperatura (K)

Fig. 3.4: Lei de Stefan Boltzmann (linha continua) sobre a qual se representam as temperaturas efectivas dos
planetas do sistema solar. Abcissas em Kelvin, ordenadas em Wm-2

onde  é a constante de proporcionalidade, denominada também por constasnte de Stefan-


Boltzman ( = 5.67  10-8 W.m-2.K-4). Cada unidade de área de uma superfície planetária
irradia energia na taxa fornecida pela equação 3.4, assim a a taxa total de energia perdida
para o espaço, pode ser obtida multiplicando o fluxo pela área ds superfície exterior total.
De modo que :
Eirr = 4p ´ r 2 ´sT 4 (3.5)

Se igualarmos a taxa de irradiação de energia de um planeta (eq. 3.5) e a taxa de absorção


de energia (eq. 3.3), depois de rearranjar os termos, obtém-se a seguinte equação para a
temperatura:

f (1- a)
Te = 4 (3.6)
4s
A temperatura calculada deste modo é chamada temperatura efectiva de um planeta (Te). É
importante observar que a temperatura efectiva não depende do tamanho do planeta,
mas sim do albedo e da sua distância ao Sol. A tabela 2.I inclui os valores calculados das
temperaturas efectivas para os diversos planetas. Mercúrio, o mais próximo do Sol, possui
uma temperatura efectiva muito alta. Os planetas exteriores são mais frios devido às suas
enormes distâncias ao Sol. Vénus e a Terra possuem temperaturas efectivas muito
próximas, porque embora a Terra se situe mais afastada do Sol, Vénus, com a sua contínua
cobertura de nuvens, tem um albedo maior e absorve por isso uma fracção menor da
radiação incidente.
Deve-se fazer uma distinção importante entre a temperatura efectiva que calculamos e as
temperaturas das superfícies dos planetas. Se um planeta possui atmosfera substancial, essa
atmosfera pode absover toda a radiação térmica da superfície inferior antes que esta se
dissipe no espaço exterior.
A temperatura efectiva é a temperatura dessa região emissora, podendo os níveis inferiores
apresentar temperaturas muito mais elevadas. Na Terra, por exemplo, a temperatura média
da superfície é 288 K, no entanto a temperatura efectiva é apenas 253 K. A diferença é
mais sensível em Vénus. As medições de ondas radiotermais emitidas pela superfcie de
Vénus indicam que as temperaturas quase os 700 K, bem próximas do ponto de fusão. Tais
resultados surpreendentes, sobre as suas propriedades atmosféricas, foram confirmados
pelas medições realizadas pelas missões espaciais Venera e Mariner. No entanto a
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Terra, Ambiente e Clima

temperatura efectiva de Vénus atinge apenas 244 K, muito semelhante à da Terra. Para o
caso de Marte, supõe-se que a temperatura média à superfície seja um pouco superior ao
valor da sua temperatura efectiva, cerca de 216 K, isto devido à rarefacção da sua
atmosfera.
Na tabela seguinte apresentamos as temperaturas efectivas de alguns planetas do sistema
solar:
Planeta Distância ao Sol Fluxo da RS Albedo Te(K)
Mercúrio 58 9.2 0.06 442
Vénus 108 2.6 0.71 244
Terra 150 1.38 0.33 253
Marte 228 0.60 0.17 216
Júpiter 778 0.049 0.73 87
Saturno 1430 0.015 0.76 63
Urano 2870 0.0037 0.93 33
Neptuno 4500 0.0015 0.84 32
Plutão 5900 0.00089 0.14 43

Tabela 3.II: distância de cada planeta ao Sol (milhões de km) e os valores correspondentes de fluxo solar (kWm-2),
albedo e temperatura efectiva

3.3.3 Efeito De Estufa


A amplitude da diferença entre as temperaturas (temperatura efectiva e temperatura média
da atmosfera inferior) depende da massa e dos constituintes da atmosfera. Uma propriedade
importante é a “opacidade” à radiação electromagnética, particularmente à radiação
infravermelha emitida pelo planeta. Na figura 2.5 é mostrado, para cada comprimento de
onda, a fracção absorvida pela atmosfera terrestre, de um feixe de luz.

Fig. 3.5: Fracção absorvida pela atmosfera terrestre de um feixe de luz em função do comprimento de onda

Está também assinalada a forma do espectro da radiação solar incidente, cujo pico está na
região do visível devido à elevada temperatura efectiva do Sol; e a forma do espectro de
radiação termal da Terra, cujo pico está na região do infravermelho. Este facto está de
acordo com a discussão sobre o espectro de Planck. Pela lei de radiação de Wien, o
comprimento de onda de um pico é inversamente proporcional à temperatura. Como a
temperatura efectiva da Terra é aproximadamente 1/24 menor que a do Sol, o pico do
comprimento de onda da radiação terrestre é cerca de 24 vezes o comprimento de onda da
radiação solar.
Podemos concluir, a partir da figura 2.5, que a atmosfera é moderadamente transparente na
região do visível e que grande parte da radiação solar pode passar através da atmosfera sem
ser absorvida. Por outro lado, os constituintes atmosféricos menores, entre os quais o vapor
de água é o mais importante, absorvem intensamente na região do infravermelho, enquanto
a atmosfera se comporta de modo opaco para a radiação térmica planetária.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Que acontece quando a atmosfera absorve radiação emitida pela superfície de um planeta ?
A atmosfera não pode acumular energia constantemente, porque se tornaria cada vez mais
quente, mas emite radiação na mesma taxa a que absorve. A radiação é reemitida em todas
as direcções e uma parte substancial é interceptada e absorvida pela superfície. Deste
modo, a superfície de um planeta aquece-se não só pela insolação directa, mas também pela
radiação infravermelha emitida pela atmosfera. Isto explica por que é que a superfície de
um planeta deve emitir mais energia do que a quantidade recebida directamente do Sol, e
por que é que a mesma pode ter uma temperatura superior à temperatura efectiva do
planeta.

Fig. 3.6: Balanço anual médio do calor na Terra. Unidades Arbitrárias

As ideias são quantificadas na figura 3.6 que mostra o balanço anual médio do calor na
Terra, com dados obtidos em medições meteorológicas. O lado esquerdo da figura mostra o
que ocorre com a radiação na banda do visível. Todas as quantidades estão expressas em
unidades, de modo que o fluxo solar incidente tem magnitude de 100 unidades. Do fluxo
total incidente, cerca de 22 unidades são absorvidas ao longo da atmosfera e 33 unidades
são reflectidas para o espaço pelo solo, atmosfera e nuvens. Essas 33 unidades representam
o albedo terrestre e essa energia é totalmente perdida pela Terra, não tendo influência no
aquecimento do solo ou da atmosfera. As 45 unidades restantes da radiação incidente, são
absorvidas pelo solo. Tanto a atmosfera como o solo devem perder a energia que absorvem,
irradiando-a na região das ondas longas (infravermelho) do espectro. O lado direito da
figura mostra o que acontece com essa energia.
O fluxo da radiação infravermelha emitida pelo solo, atinge 113 das nossas unidades
arbitrárias, duas vezes e meia maior que o fluxo da radiação solar por ele absorvido. Essa
energia extra provém, como mostra a figura, da atmosfera. O solo absorve um fluxo de
ondas longas da atmosfera equivalente a 98 unidades. Como resultado, a perda real de
radiação pela superfície, na região das ondas longas do espectro, é de apenas 15 unidades.
Considerando que 45 unidades de radiação solar são absorvidas pelo solo, há muita que
penetra no solo. Os outros processos adicionais para remover este calor, estão assinalados
na parte direita da figura 2.6, tais como a evaporação da água e a convecção do calor.
Este fenómeno - pelo qual a temperatura da superfície de um planeta é aumentada, porque a
atmosfera é transparente à radiação solar mas opaca à radiação infravermelha - é conhecido
por efeito de estufa. Um conjunto importante de gases atmosféricos é relevante para o
efeito de estufa:
(i) Dióxido de carbono, CO2: é libertado do interior da Terra e produzido pela respiração,
processos no solo e combustão. O seu aumento é principalmente devido à combustão de
combustíveis fósseis e à desflorestação. É dissolvido no oceano e consumido por

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Terra, Ambiente e Clima

fotossíntese (sequestro de dióxido de carbono pelos continentes e oceanos). O tempo de


ajustamento do CO2 atmosférico a variações das fontes ou sumidouros é da ordem de 50-
200 anos, determinado principalmente pela troca lenta entre as águas superficiais e as
camadas profundas do oceano. Portanto, emissões de CO2 para a atmosfera hoje vão
influenciar a concentração atmosférica durante séculos no futuro.
(ii) Metano, CH4: produzido por processos anaeróbicos em zonas húmidas e campos de
arroz, por processos digestivos de animais, por combustão de biomassa e outras actividades
humanas (p. exº, libertação de metano durante a extracção de petróleo e gás natural).
Sumidouro principal: reacção com oxidrilos (OH):
CH4 + OH → CH3 + H2O
O tempo de vida na atmosfera ~ 10 anos.
(iii) Clorofluorcarbonetos, CFCs: CFCl3 (F11), CF2Cl2 (F12), C2F3Cl3, CCl4.
(0,00000002% de volume na atmosfera). Produzidos inteiramente pela actividade humana
(desde 1930s): “sprays”, arrefecimento de frigoríficos (freons), ar condicionado, etc.
Sobem na atmosfera e depois movem-se para os pólos, sendo decompostos por processos
fotoquímicos.
Tempo de vida na atmosfera > 50 anos
(iv) Óxido nitroso, N2O: produzido por mecanismos biológicos nos solos e no oceano, por
combustão industrial, automóveis, aviões, queima de biomassa e uso de fertilizantes (com
nitratos). A maior parte do óxido nitroso libertado para a atmosfera vem da desflorestação e
conversão da floresta, savana, etc. em campos agrícolas. Destruído por reacções
fotoquímicas na estratosfera.
Tempo de vida: 55 -116 anos.
(v) Ozono, O3: produzido por fraccionamento de moléculas de oxigénio pela radiação
ultravioleta. Destruído por reacções envolvendo óxidos nitrosos e cloro (provindo dos
CFCs, de erupções vulcânicas e queima de vegetação) na estratosfera. Está concentrado
entre 15 e 35 km.

Fig. 3.7: Mecanismo de criação de ozono estratosférico

Mudanças na distribuição vertical de ozono: decréscimo da concentração na estratosfera (o


que é prejudicial para o homem) e aumento na baixa atmosfera (devido a actividades
antropogénicas).
(vi) Vapor de água, H2O: A sua concentração na atmosfera varia tanto no espaço como no
tempo. As concentrações mais elevadas encontram-se próximo do Equador sobre os
oceanos e nas florestas tropicais. Nas regiões polares e nas regiões subtropicais (20-35ºN
ou ºS) desérticas o volume de vapor de água na atmosfera pode ser quase nulo. O vapor de
água, para além de ter uma função de redistribuição da energia térmica na Terra (através
das trocas de calor latente) e de dar origem à precipitação quando condensa, constitui o
principal gás com efeito de estufa.
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Um caso limite de efeito de estufa corresponde à situação que podemos estudar


directamente na atmosfera de Vénus. Apesar de não sabermos como eram os albedos dos
planetas primitivos, podemos assumir que eram como o actual de Marte. Os valores que
obtemos para as temperaturas superficiais dos planetas primitivos estão inseridos no lado
esquerdo da figura 2.8. Vénus é o mais quente por estar mais próximo do Sol, Marte é o
mais frio.

Fig. 3.8: Evolução provável das temperaturas primitivas dos planetas a partir das características das
temperaturas de superfície “iniciais” e do aumento da pressão de vapôr de água por diferenciação química do
planeta.

O problema reside em explicar como as temperaturas superficiais aumentam, resultantado


do efeito de estufa, quando são libertados para a atmosfera vapor de água e CO2.
Presumindo que nas eras iniciais existia água em abundância, suficiente para vencer a
absorção e a emissão de radiação infravermelha, nas atmosferas de Vénus, Terra e Marte.
Torna-se, assim, possível relacionar a espessura óptica da atmosfera com a pressão do
vapor de água na superfície.
A evolução das temperaturas superficiais de Vénus, Terra e Marte à medida que a água e o
CO2 se acumulam gradualmente nas suas atmosferas, está assinalada na figura 2.7, onde a
pressão superficial se encontra no eixo vertical. Com o decorrer do tempo, na medida em
que os gases se acumulam na atmosfera, movimentamo-nos através da figura partindo do
lado esquerdo em direcção ao direito. A figura mostra também a curva de pressão do vapor
de água. Podemos agora considerar como a água é afectada pela condensação nas
atmosferas dos nossos planetas em evolução.
Em Marte, verifica-se que as temperaturas são muito baixas e os gases só se acumulam na
atmosfera quando forem atingidos os valores da pressão do vapor saturado para o gelo.
Considerando que a pressão do vapor de água na atmosfera não pode exceder a pressão do
vapor saturado, qualquer água adicional libertada para a atmosfera é condensada na
superfície sob a forma de gelo, e a temperatura da superfície pára de aumentar. Por esta
razão em Marte encontramos um efeito de estufa reduzido, associado à baixa pressão do
vapor de água na atmosfera.
Devido à sua proximidade do Sol, a Terra é mais quente que Marte. Por esta razão, o gelo
não se forma sob as condições de temperatura média do solo. Atinge-se, assim, um ponto
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Terra, Ambiente e Clima

na evolução da atmosfera em que a pressão é igual à do vapor saturado, permitindo a


condensação da água para formar os oceanos. A partir deste ponto as situações da Terra e
de Marte são semelhantes. A libertação de água adicional para a atmosfera não provoca
aumento na pressão superficial; a água adicional condensa-se. Na ausência de aumento na
pressão do vapor de água, o efeito de estufa não pode produzir elevação substancial na
temperatura do solo.
Na Terra e em Marte, o crescimento da pressão e da temperatura superficiais são travados
pela congelação e condensação do vapor de água; em Vénus, não existe nada semelhante
para obstruir este crescimento. Este planeta é muito mais quente que os dois anteriores,
coforme mostra a figura 2.7. A pressão do vapor de água saturado aumenta à medida que a
temperatura se eleva, o que significa que se tornam necessários valores maiores de pressão
da água, do que os observados em Marte e na Terra, para provocar a
condensação.Verifica-se, no entanto, que o efeito de estufa causado pela maior pressão da
água é tão grande que a condensação nunca ocorre. Quanto mais água é libertada para a
atmosfera, mais a pressão superficial continua a aumentar, devido ao efeito de estufa, a
temperatura superficial aumenta também.
A este comportamento da atmosfera de Vénus chamamos efeito de estufa permanente.
Existem muitas incertezas no que toca à teoria, particularmente no que refere ao albedo
primitivo de Vénus e à natureza dos gases libertados para a atmosfera a partir das porções
sólidas do planeta. A evolução apresentada para a atmosfera de Vénus é muito
especulativa, da mesma forma como são todas as teorias existentes neste campo. No
entanto, a teoria do efeito de estufa permanente, possibilita uma explicação satisfatória para
as diferenças tão acentuadas, verificadas na evolução atmosférica da Terra e de Vénus.
A ideia básica é que o crescimento da atmosfera terrestre foi mantido sob pressões e
temperaturas moderadas pela formação dos oceanos. A água condensada e o CO2
dissolvido forneceram um ambiente propício para o aparecimento da vida. Em Vénus, o
efeito de estufa nunca permitirá a formação de oceanos. As temperaturas superficiais são
tão altas que os gases reagiriam rapidamente com as rochas, conduzindo ao equilíbrio
químico entre a atmosfera e a superfície. No decorrer destas reacções químicas haveria uma
acumulação de material condensavel na atmosfera, com o fim de formar a extensa
cobertura de nuvens actualmente observada em Vénus.

3.3.4 Variabilidade da Radiação Solar


O fluxo de energia emitido pelo Sol não é constante, particularmente no que diz respeito
aos pequenos comprimentos de onda. Esta variação temporal é conhecida desde há mais de
um ciclo, em particular porque ocasiona uma pequena variação do campo magnético
terrestre, com um ciclo de cerca de 11 anos. Uma das manifestações visíveis da variação da
actividade solar é o número de manchas solares, observadas inicialmente por Galileu em
1610 e monitorizadas continuamente desde 1849. Quanto maior o número de manchas
solares maior a actividade solar e maior o fluxo de energia irradiada.
Os registos de manchas solares realizados entre 1645 e 1715 indicam um nível de
actividade inferior ao normal. Este período corresponde à designada “pequena idade do
gelo”, durante a qual se observou uma diminuição significativa da temperatura em regiões
habitualmente temperadas.
O diagrama representado na figura seguinte mostra que o número de manchas solares pode
variar numa proporção de 1 para 3. Os períodos de maior actividade solar traduzem-se em
maior radiação ultravioleta o que tem um efeito directo na energia disponibilizada na
estratosfera e que envolvem a criação e depleção de ozono. A influência desta variação no
clima correspondente à baixa troposfera é considerada muito pouco significativa.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Fig. 3.9: Número de Manchas Solares observadas entre 1750 e 2009. Apresentam-se valores médios mensais
compilados pelo “Solar Influences Data Analysis Center” da Bélgica.

3.4 Escape De Gases Atmosféricos


Vénus e a Terra estão constantemente a perder água, ainda que em pequenas quantidades.
O vapor de água, nas atmosferas superiores dos planetas, é fotodissociado pela radiação
ultravioleta em átomos de Hidrogénio (H) e radicais hidroxilo (OH-). Estas espécies estão
envolvidas em numerosas reacções químicas que possibilitam a reformulação do vapor de
água. Mas nem todos os átomos de Hidrogénio se recombinam; alguns difundem-se para a
termosfera (ver fig. 2.1) e, em altitudes mais elevadas, para a região conhecida como
exosfera.
A exosfera é a região no topo da atmosfera onde as colisões são muito raras. A densidade
da atmosfera, segundo a lei barométrica, decresce. A distância que uma determinada
molécula atmosférica pode caminhar, antes de colidir com outra molécula, aumenta à
medida que decresce a densidade, havendo menos moléculas com as quais possa colidir.
Eventualmente esta distância, a trajectória livre média, torna-se torna-se tão grande que
uma molécula pode ascender e deslocar-se para o espaço sem colidir com nenhuma outra.
A altitude a que a trajetória livre média apresenta extensão suficiente para possibilitar o
escape para o espaço é conhecida como o nível crítico. A atmosfera que se encontra acima
deste nível crítico correspode à exosfera.
Na Terra, o nível crítico situa-se a cerca de 500 km de altitude, mas esta altitude aumenta
ou diminui como resposta às modificações ocorridas na densidade da atmosfera superior.
As altas densidades na atmosfera de Vénus são menores que as da Terra, e o nível crítico
está localizado a cerca de 200 km de altitude.
Embora os átomos se possam deslocar durante uma longa distância sem colidir, na
exosfera, só poderão escapar da atmosfera do planeta se caminharem com velocidade
suficiente. A força da gravidade atrai de volta os átomos. Para escapar à atracção
gravitacional de um planeta, qualquer corpo deve possuir velocidade superior a um
determinado mínimo, chamado velocidade de escape. A velocidade de escape pode ser
derivada a partir da lei de conservação da energia.
Considerando um corpo de massa m quilogramas, deslocando-se a uma velocidade de v
metros por segundo; a sua energia cinética é 1/2 m v2 J. Para escapar ao campo
gravitacional terrestre, tem de vencer a força da gravidade. Se há conservação da energia,
verificamos a energia cinética necessária para efectuar esse trabalho. Assim, para a
partícula escapar, a energia cinética deve exceder o trabalho requerido para a distanciar do
planeta.
O trabalho requerido por um corpo de massa m quilogramas, originalmente na superfície de
um planeta de raio R metros e com uma aceleração da gravidade de g m s-2, é mgR J. Este
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Terra, Ambiente e Clima

resultado pode ser compreendido através do seguinte argumento: na superfície do planeta, a


força exercida sobre um corpo é mg Newton; o trabalho é igual ao produto da força pela
distância. Então, para movimentar o corpo através de uma distância de 1 m a partir da
superfície, torna-se necessária uma quantidade de energia igual a mg x 1J. À medida que
nos distaciamos do centro do planeta, a força da gravidade vai diminuindo; este decréscimo
obdece à lei do inverso do quadrado da distância, semelhante ao decréscimo na intensidade
da radiação solar (ver 2.1).
Então, para deslocar um segundo metro é necessária menos energia do que para o primeiro
e assim sucessivamente. Quando o corpo estiver a uma distância R da superfície, está a uma
distância 2R do centro , e o trabalho necessário por metro de deslocamento cairá para
22 = 4. Deste modo, podemos obter uma boa estimativa do trabalho necessário para que o
corpo se distancie do planeta, ignorando a gravidade para distâncias da superfície
superiores ao valor de R, embora pressupondo-se que a gravidade seja constante para
distâncias menores. Através deste raciocínio, verifica-se que mgR representa a estimativa
da energia que um corpo deve apresentar para escapar do planeta. A velocidade de escape
ve é a velocidade de um corpo que possui essa quantidade miníma de energia cinética,
2
1/2 mve = mgR (3.7)
ou
ve = 2gR (3.8)

Observe que o valor da velocidade de escape, na fórmula que derivámos, não depende da
massa do corpo; é a mesma para um átomo ou para uma nave espacial. Os valores
calculados da velocidade de escape para os diversos planetas, estão na tabela 2.III. As
diferenças entre os planetas não parecem muito acentuadas, mas o número de átomos aptos
para escapar de uma atmosfera depende criticamente das magnitudes relativas da
velocidade de escape ve e da velocidade mais provável v0.
Planeta Aceleração da Raio (km) Velocidade
Gravidade (m/s) de Escape (km/s)
Mercúrio 3.76 2439 4.3
Vénus 8.88 6049 10.3
Terra 9.81 6371 11.2
Marte 3.73 3390 5.0
Júpiter 26.20 69500 60.0
Saturno 11.20 58100 36.0
Urano 9.75 24500 22.0
Neptuno 11.34 24600 24.0
Tabela 3.III - velocidade de escape para os diversos planetas do sistema solar.

Se nos fosse possível medir as velocidades de escape de um número suficiente de átomos


de gás, verificaríamos que alguns átomos têm velocidades próximas da requerida, enquanto
outros apresentam velocidades muito baixas ou muito altas. No entanto, o número de
átomos com velocidade extrema seria muito reduzido, A maior parte dos átomos tendem a
apresentar velocidades próximas da velocidade mais provável,

2kT
v0 = (2.9)
m
onde k é a constante de Boltzmann (1.38 x 10-23 J/K), T é a temperatura e m é a massa
atómica. Os valores de v0 para as várias temperaturas estão assinalados na tabela 2.III.

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Átomo Massa Atómica Temperaturas


300 600 900
H 1 2,24 3,16 3,87
He 4 1,12 1,58 1,94
O 16 0,56 0,79 0,97

Tabela 3.IV - Valores de v0 para as várias temperaturas


-1
Vamos considerar o escape de gases na Lua. A velocidade de escape 2.3 km s . Com base
na tabela 3.III, vemos que a velocidade mais provável para o hidrogénio excede esse valor
para todas as temperaturas superiores a 300 K. O lado diurno da Lua possui temperaturas
tão altas como esta, de modo que os átomos de Hidrogénio têm energia cinética suficiente
para escapar. O campo gravitacional da Lua é muito fraco para reter uma atmosfera de
Hidrogénio.
Considerando que todas as espécies possuem poucos átomos com velocidades superiores à
de escape, com maior ou menor rapidez todos os gases em todos os planetas escapam para
o espaço. Assim, se uma espécie permanece num planeta por muito tempo é porque existe
uma proporção muito reduzida de átomos com velocidades que excedem a ve.
A figura 3.8 mostra a proporção de átomos cujas velocidades excedem uma determinada
velocidade v, em função de v/v0. Observa-se que para v = v0, a proporção está próxima de
1/2, conforme foi antecipado. Para v/v0 = 4, só um átomo em cada 106 caminha mais rápido
que v. Consideremos o caso do Oxigénio da Terra a 600 K. A velocidade de escape, ve, é
11.2 km/s, enquanto a velocidade mais provável, v0, é igual a 0.79. Sob tais condições, só
um átomo em cada 1084 ultrapassa a velocidade de escape. A fracção é tão reduzida que a
perda de Oxigénio pela Terra se torna negligenciável, e se todo o Oxigénio terrestre
atingisse o nível crítico de escape, não escaparia da atracção da gravidade na idade do
sistema planetário. Assim, para propósitos práticos, podemos omitir a perda e considerar o
Oxigénio como sendo um constituinte permanente da atmosfera terrestre.

Figura 3.10 - Proporção de átomos cujas velocidades excedem uma determinada velocidade v, em função de v/v0

A situação é diferente para o Hidrogénio, que está presente na atmosfera terrestre quase
exclusivamente na forma de água. Qualquer quantidade elevada de Hidrogénio livre que
tenha já existido escapou durante a história do planeta. Para o Hidrogénio, v0 é quatro vezes
maior, tão grande como para o Oxigénio. A diferença está no aumento de proporção de
átomos cujas velocidades ultrapassam ve, num factor de 1079, fazendo com que o
Hidrogénio se torne uma espécie efémera, pelo menos na escala de tempo cósmico.

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Terra, Ambiente e Clima

Vejamos como Vénus deve ter perdido a sua água. O efeito de estufa permanente poderia
carregar a água para a atmosfera, onde seria submetida à fotodissociação pela radiação
solar ultravioleta. O Hidrogénio produzido por este processo deve ter escapado para o
espaço, deixando o Oxigénio que foi consumido em reacções com os minerais da
superfície. Embora possível, esta explicação pode não estar correcta.
Enquanto o Hidrogénio é uma das espécies efémeras nos planetas interiores, as suas
condições são muito diferentes nos planetas exteriores. Nesses planetas, as baixas
temperaturas (ver tab. 3.I) condicionam valores baixos para a velocidade mais provável, v0,
e as forças gravitacionais elevadas elevadas na superfície originam valores muito altos para
a velocidade de escape, ve. Como resultado, há uma fracção negligenciavelmente reduzida
de átomos de Hidrogénio aptos a escaparem. Os planetas exteriores, obviamente, são
formados por Hidrogénio que foi o constituinte mais abundante do sistema solar primitivo;
este Hidrogénio continuou a dominar até aos dias de hoje.
Por outro lado, devido à pequena força de gravidade, os satélites dos planetas interiores não
podiam "segurar" absolutamente nenhuma atmosfera. No caso de Mercúrio, a aceleração da
gravidade é pequena e a temperatura é muito elevada, não podemos portanto, antecipar a
existência de qualquer atmosfera. No entanto, não foram ainda realizadas medições sobre
este assunto.

3.5 Exercícios De Aplicação


1. (a) Indique o que entende por temperatura efectiva de um planeta e distinga-a da
temperatura à superfície. (b) A partir desta distinção escalareça a razão pela qual as
temperaturas à superfíice dos planetas Vénus, Terra e Marte são tão diferentes.
2. Usando a Lei de Planck determine e represente graficamente a distribuição da radiação
emitida pela terra sem contributo atmosferico (255K) e com esse contributo (288K).
Qual a diferença entre a energia radiada num e noutro caso.
3. Determine do forma explicita o fluxo de radiação solar médio, e a Tamperatura
efectiva em Marte, a partir dos parâmetros indicados no Cap 1 admitindo um albedo de
0.17.
4. Indique o que entende por velocidade de escape de um gás. Explique succintamente a
razão pela qual a Lua deverá ter perdido a sua atmosfera.
5. Trace um gráfico da velocidade mais provável de um átomo de Hidrogénio em função
da Temperatura absoluta entre 300 e 700 K.
6. Determine a Velocidade de Escape para o Oxigénio numa Atmosfera Marciana e
caracterize, a partir da temperatura efectiva deste planeta, o fluxo deste gás para fora
do planeta.

3.6 Bibliografia
C. Donald Ahrens, Meteorology Today. An Introduction to Weather, Climate and the Environment”, 2007
(8ª edição), Thomson Brooks/Cole, 537 pp + Anexos
G. Bigg, The Oceans and Climate, pp 1-266, Cambridge University Press, 1996.
Richard M. Goody e J. C. G. Walker, Atmosferas Planetárias, editora: Edgard Blucher, pp 1-139, 1996.
T. E. Graedel e P J Crutzen, Atmospheric Change, An Earth System Perspective, W H Freeman and
Company, New York, pp 1-446, 1993.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Cap 4 - A atmosfera: dinâmica e transporte


4.1 Circulação Geral da Atmosfera

4.1.1 Padrão de circulação troposférico


Quando analisámos o equilíbrio radiativo da Terra não entrámos em linha de conta com a
variação da energia recebida pela Terra com a latitude. Esta variação é muito sensível
devido à diferença de inclinação dos raios solares entre o Equador e os pólos: por exemplo,
a 30º N ou 30ºS, a radiação solar recebida por unidade de área 86% da radiação recebida
numa mesma área no Equador numa situação de equinócio. A este efeito puramente
geométrico soma-se ainda o facto de o percurso dºa radiação através da atmosfera aumentar
significativamente com a diminuição da inclinação dos raios solares.
O maior aquecimento da atmosfera nas zonas próximas do Equador leva ao
desenvolvimento de mecanismos de transporte de energia entre estas e as regiões polares
tanto pela atmosfera como pelo oceano. A combinação do aquecimento radiativo
diferencial com o movimento de rotação da Terra gera um padrão de circulação atmosférica
cujos principais elementos estão representados na figura seguinte:

Fig. 4.1– Padrão geral da circulação atmosférica.

O forte aquecimento na zona equatorial produz uma faixa de baixas pressões à superfície

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Terra, Ambiente e Clima

enquanto que o forte arrefecimento nos pólos produz uma região de altas pressões à
superfície.
Na região equatorial o ar é quente e os gradientes horizontais de pressão são fracos e
portanto os ventos são fracos, formando a denominada zona de calmaria equatorial
(“doldrums”). O ar quente sobe e frequentemente condensa sob a forma de nuvens com
grande desenvolvimento vertical (nuvens convectivas, cúmulos). Ao condensar, a água
liberta calor latente o que vai “alimentar” a célula de Hadley.
Do Equador até à latitude de 30º, a circulação corresponde então a uma célula de Hadley.
Ar quente sobe até atingir a tropopausa (que actua como uma barreira), após o que se dirige
para os pólos em altitude. A força de Coriolis deflecte este movimento (para a
direita/esquerda no hemisfério Norte/Sul) dando origem a ventos de W em altitude, em
ambos os hemisférios (são estes ventos que vão atingir máximos e gerar as correntes de
jacto). O ar, no seu movimento para o pólo, vai arrefecendo (perde energia por radiação
infravermelha) e vai convergindo à medida que se aproxima das latitudes médias. Esta
convergência do ar em altitude aumenta a massa de ar acima da superfície e portanto
aumenta a pressão atmosférica à superfície: nas latitudes em torno dos 30º, formam-se
faixas de alta pressão – altas (ou anticiclones) subtropicais. O ar convergente em altitude,
relativamente seco, vai descer e aquecer (por compressão), produzindo temperaturas
superficiais elevadas e céu limpo. É nestas latitudes que se encontram os maiores desertos
do mundo (como o Sahara). No oceano, os gradientes fracos de pressão no centro dos
anticiclones apenas geram ventos fracos ou calmarias (“horse latitudes”).
A partir dos 30º de latitude, parte do ar à superfície vai-se dirigir para o Equador, sendo
este movimento deflectido pela força de Coriolis: ventos de NE no Hemisfério Norte e de
SE no Hemisfério Sul – ventos alísios (“trade winds”). Próximo do Equador, os ventos
alísios de NE e de SE convergem numa faixa denominada zona intertropical de
convergência. Mas nem todo o ar à superfície se dirige para o Equador a partir dos 30º: há
uma parte do ar que se vai deslocar para o pólo, sendo deflectido para Este pela força de
Coriolis: ventos de Oeste (“westerlies”). Este ar, relativamente quente, vai encontrar ar frio
que vem do pólo originando-se a Superfície Frontal Polar (cuja intersecção com a
superfície do Globo é a frente polar) que separa estas duas massas de ar e que corresponde
a uma zona de baixas pressões (~ 60º de latitude), onde o ar à superfície converge e sobe
(formação de nuvens). Algum do ar que subiu volta, em altitude, para as latitudes mais
baixas onde vai descer para a superfície na vizinhança das altas subtropicais (30º).
Esta célula intermédia é indirecta (ar quente desce e ar frio sobe) – célula de Ferrel – fica
completa quando o ar à superfície se dirige para o pólo.
Para latitudes superiores às da frente polar, o ar frio à superfície, vindo dos pólos, é
deflectido pela força de Coriolis, dando origem a ventos de NE. A célula que se forma é a
célula polar.
Quando se compara este modelo de 3 células com a circulação atmosférica real, há algumas
discrepâncias que têm a ver com o facto de haver continentes e oceanos: há regiões onde
existem sistemas de pressão ao longo de todo o ano – sistemas semi-permanentes. No
Hemisfério Sul há relativamente menor área continental do que no Hemisfério Norte e por
isso há menos contrastes entre continente e oceano, sendo a distribuição de pressões à
superfície mais contínua em torno do Globo.

4.1.2 Corrente de jacto


As correntes de jacto atmosféricas são correntes com grande velocidade, podendo exceder
muitas vezes os 100 nós e, ocasionalmente, 200 nós (1 nó = 1 milha náutica/hora = 1,852
km/h), que se estendem ao longo de milhares de km, tendo algumas centenas de km de
largura e apenas alguns km de espessura. Encontram-se, em geral, na tropopausa entre 10 e
15 km de altitude e dirigem-se de Oeste para Este. Há uma corrente de jacto subtropical (a

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

cerca de 13 km acima das altas subtropicais) e uma corrente de jacto polar (a cerca de 10
km acima da frente polar).
As correntes de jacto são originadas por gradientes de pressão devidos a gradientes
(meridionais) fortes de temperatura.

Fig. 4.2– Representação esquemática das correntes de jacto no hemisfério norte.

4.1.3 Padrão de circulação Estratosférico


O padrão de circulação estratosférico é mais regular que o troposférico. A diferenciação
radiativa gera no essencial um padrão meridional onde existe ascensão significativa na
altiude de 25 km nas altitudes médias e elevadas e no hemisfério de verão, e descida
equivalente no hemisfério de inverno. Na estratosfera inferior o movimento é
essencialmente sub-horizontal, ajustando-se naturalmente ao padrão de circulação
troposférico.

4.2 Dinâmica de uma partícula de ar

4.2.1 Expressão da Dinâmica da Partícula


O movimento de uma partícula de ar pode ser analisado aplicando os princípios de Física a
cada uma das partícula de ar. A aplicação da segunda lei da dinâmica obriga à identificação
do conjunto de forças aplicadas, podendo numa primeira aproximação serem consideradas
as seguintes:
     
mg + FP + Fcf + Fcor + Fa = ma (4.1)

Em que o primeiro termo corresponde ao peso, o segundo ao gradiente da pressão, o


terceiro à força centrífuga, o quarto à força de Coriolis e o quinto à força de atrito.
As forças centrífula e de Coriolis são forças de inércia, que são introduzidas na equação
anterior para darem conta do facto de o referencial ser não inercial. A força centrífuga
traduz o efeito do movimento de rotação da Terra, é perpendicular ao eixo de rotação,
dirigida de dentro para fora . A sua expressão é dada por:

Fcf = mW2 RT cos j (4.2)

Onde Ω é a velocidade angular da Terra (7.293 x 10-5 rad s-1), RT é o raio médio da terra
(6371 x 103 m). A força de Coriolis só se faz sentir sobre uma partícula em movimento em
relação à Terra: uma vez que o objecto se desloca a uma velocidade diferente da velocidade
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Terra, Ambiente e Clima

da Terra, a força centrífuga não segue já a expressão (4.2) mas temos que considerar um
termo adicional para expressar este afastamento. Esse termo tem a forma:

Fcor = m(2W sin j )v (4.3)

Em que v é o módulo da velocidade. No hemisfério norte tal corresponde a um desvio para


a direita do movimento. No hemisfério sul esta expressão é ainda válida (o termo em seno é
negativo), implicando neste caso um desvio para a esquerda do movimento.
A força “gradiente de pressão” resulta da variação horizontal da pressão atmosférica, tem
uma direcção também perpendicular às isóbaras, no sentido das altas para as baixas
pressões. Se considerarmos uma situação de equilíbrio hidrostático:
dp = r gdz (4.4)

Numa situação genérica a pressão pode variar lateralmente pelo que é necessário considerar
não apenas a sua variação vertical mas também a variação horizontal. Contudo, na
atmosfera existe sempre uma grande assimetria entre a componente horizontal e a
componente vertical do movimento. Por exemplo, nos sistemas de grande dimensão
espacial (depressões e anticiclones) a velocidade vertical é de apenas 1% da velocidade
horizontal. É por isso que podemos considerar que no que diz respeito à velocidade vertical
do ar existe equilíbrio entre a componente vertical do gradiente de pressão e a gravidade.

4.2.2 Vento Geostrófico


Uma das soluções mais simples da equação (3.1) corresponde a considerar que apenas a
componente horizontal do gradiente da pressão e da força de Coriolis são importantes e se
compensam. Neste caso a aceleração é nula e a velocidade das partículas de ar será
constante. Chama-se a esta situação equilíbrio geostrófico e ao vento que produz, vento
geostrófico.
Uma representação gráfica que ilustra esta situação está representada na figura seguinte:

Fig. 4.3– Representação esquemática do vento geostrófico.

A partícula inicialmente em repouso na isóbara dos 5280 mb desloca-se sob acção da força
do gradiente de pressão. À medida que a sua velocidade aumenta a força de Coriolis
aumenta até se atingir o equilíbrio. A partir deste ponto a partícula desloca-se em
velocidade constante ao longo da isóbara, deixando as pressões mais elevadas à sua
esquerda.
Podemos obter uma expressão simples para a velocidade do vento geostrófico, combinando
(4.1), (4.3) e (4.4):
1 dp
v =- (4.5)
r (2W sin j) dn

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Em que n é a direcção normal às isóbaras. Na atmosfera real os ventos nunca são


puramente geostróficos. Contudo, esta aproximação apesar de muito simples dá indicações
importantes sobre o comportamento do vento, uma vez conhecida a distribuição da pressão
atmosférica.

4.2.3 Vento de Gradiente


A observação de uma carta meteorológica permite concluir de imediata que na generalidade
das situações as isóbaras são linhas curvas, fechando-se muitas vezes sobre si próprias, em
torno de máximos (altas pressões ou anticiclones) ou de mínimos (depressões). Neste caso
a aproximação geostrófica não pode ser válida uma vez que a existência de trajectórias
curvas implica necessariamente a existência de uma aceleração.
Podemos ainda assim considerar uma nova aproximação ainda simples em que
consideraremos que se bem que a trajectória seja curvilínea, o módulo da velocidade seja
constante. Neste caso podemos separar os dois componentes da aceleração normal e
tangencial:
  v2  dv 
a = an un + at ut = un + ut (4.6)
r dt
Em que r é o raio de curvatura da trajectória considerada. Se a velocidade for constante em
módulo, então a equação (3.1) pode agora escrever-se:
  v2 
Fcor + FP - un = 0 (4.7)
r
Em que o terceiro termo é a força centrífuga local por unidade de massa. Se encararmos
esta equação como um equilíbrio estático entre as três forças em presença (gradiente de
pressão, de Coriolis e centrífuga local) podemos compreender com um pouco mais de rigor
o que se passa nos centros de altas e baixas pressões:

Fig. 4.4 – Representação esquemática do vento de gradiente.

No caso do anticiclone tanto a força do gradiente de pressão como a força centrífuga local
estão dirigidas “de dentro para fora”. Para haver equilíbrio a força de Coriolis tem que estar
dirigida “de fora para dentro” pelo que o ar tem que se mover no sentido “anticiclónico”, já
que a força de Coriolis, no hemisfério norte, é sempre para a direita do vector velocidade.
Podemos ainda estimar o valor da velocidade:
1 dp v 2
(2W sin j )v - - =0 (4.8)
r dn r

Para o caso de um anticiclone. Trata-se de uma equação do segundo grau que pode ser
resolvida analiticamente. Havendo duas soluções toma-se como válida a que corresponde
ao menor valor.

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Terra, Ambiente e Clima

4.2.4 Camada Limite Planetária


As expresses anteriores partem do princípio de que os efeitos do atrito são negligenciáveis.
Esta situação não é claramente verdadeira na camada mais superficial da atmosfera,
correspondente aproximadamente aos primeiros 100 m, onde a velocidade do vento é
tipicamente inferior ao que ocorre nas altitudes superiores. Designa-se esta região camada
limite planetária que podemos entender como a parte da troposfera directamente
influenciada pela presence da superfície, e que responde ao seu forçamento em escalas
temporais iguais ou menores a 1 hora.

Fig. 4.5 – Representação esquemática dos processos mais importantes que têm lugar na camada limite. Adaptado
de www.esrl.noaa.gov/research/themes/pbl/

Muitos dos processos atmosféricos determinantes para o clima são determinados pela
interação entre a Atmosfera e a superfície e afectam essencialmente a camada limite. Os
mecanismos físicos envolvidos incluem o movimento turbulento, o transporte de energia
radiativa, as transições de fase da água e a evapotranspiração.

4.3 Aerossóis

4.3.1 Tipos de aerossóis


Um os processos importantes que tem lugar na camada limite é o transporte, na circulação
atmosférica de partículas originárias dos processos de superfície (ou em certos casos,
originada em processos químicos internos á atmosfera). O papel destas partículas é duplo:
do ponto de vista físico funcionam como difusores da luz, núcleos de condensação de
núvens; do ponto de vista químico assumem um papel activo em inúmeras reacções
químicas de enorme importância no sistema Terra. A combinação entre a dinâmica
atmosférica e o efeito climático dos aerossóis é um factor importante do clima.
Um aerossol é uma suspensão estável de um sólido ou um líquido em ar. Os processos que
conduzem à produção de aerossóis são habitualmente divididos em primários (exemplo:
erosão da geosfera) e secundários (exemplo: os que são criados por nucleação ou accreção
de moléculas gasosas e que conduzem à criação de partículas, como é comum em processos
antropogénicos). Podem ainda ser considerados diversos sub-grupos em função da natureza
e do tamanho das partículas que o compõem e do processo de formação do aerossol. Os
subgrupos mas importantes incluem os fumos, as poeiras, as névoas e os sprays.
As emanações são formados por particulas sólidas com dimensões entre 0.001 e 1 micron,
suspensas num gás. O tipo mais vulgar constitui os fumos, produzidos pela combustão
incompleta de carvão, óleos, gás natural ou outros combustíveis e com dimensões
inferiores a 10 micra.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

As poeiras são constituídas por partículas sólidas suspensas em ar. A dimensão das
partículas varia entre 1 e 100 micra. As poeiras são formadas pela libertação de materiais
tal como solo, areia, fertilizantes, carvão, cimento, pollens na atmosfera. As poeira são ais
instáveis e depositam-se mais rapidamente que as emanações.
As névoas são partículas líquidas, com menos de 10 micra, dispersas num gás. O tipo mais
comum é formado por gotículas de água suspensas no ar que, no caso de afectar a
visibilidade, se denominam nevoeiro.
Os sprays são formados por partículas líquidas relativamente grandes, com dimensão
superior a 10 micra. Podem ser formados naturalmente tal como acontece nas praias,
devido à interacção entre a atmosfera e o oceano, ou serem o produto da actividade
humana.
Cerca de três quartos dos aerossóis terrestres têm origem natural: sal marinho, particulas
de solo e de rocha, emissões vulcânicas, fumo de fogos florestais, ou formados como
produto de reacções químicas na atmosfera. Os outros são o produto da actividade humana:
os sprays correntes, os óxidos de azoto ou enxofre produzidos pela combustão de
combustíveis fósseis que podem gerar nitratos líquidos ou sólidos ou sulfatos que são
incorporados nos aerossóis atmosféricos.
Os primeiros estudos dos aerossóis atmosféricos foram realizados por Aitken em 1888.
Notou que eles são importantes no ciclo hidrológico e no sistema climático. Apresentamos
na tabela seguinte a distribuição dos mais importantes aerossóis terrestres.

Emissões (Tg/ano)
Aerossol Marinho Total 5900
0-2μm 82,1
2-20μm 2460
Poeira do Solo <1μm 250
1-10μm 1000
0,2-2μm 250
2-20μm 4875
Carbono Orgânico Total 69
Queima de biomassa 54,3
Combustíveis Fósseis 28,8
Oxidação de terpenos 18,5
Carbono Elementar Total 12
Queima de biomassa 5,6
Combustíveis Fósseis 6,6
Sulfato (c/o H2SO4) Total 150
Natural 32
Antropogênico 111
Nitrato 11,3
Amónia 33,6

Fig. 4.6 – Distribuição dos mais importantes aerossóis atmosféricos. Segundo Raes et al., 2000.

Onde a designação “carbono elementar” designa os vários produtos da combustão


incompleta, incluindo cinzas e carvão, que possuem nas respectivas fórmulas carbono
elementar.

4.3.2 Tempo de Residência de um Aerossol


O tempo de residência de um aerossol na atmosfera varia entre alguns dias e uma semana.
Durante esse tempo, as partículas sofrem processos de coagulação, condensação,
evaporação, e reacção química dentro das núvens. A deposição pode ser realizada de forma
seca (sedimentação e difusão) ou húmida (chuva). Em todos os casos em que o tempo de
residência é curto, a acção dos aerossóis tem lugar perto da fonte emissora.

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Terra, Ambiente e Clima

4.3.3 Efeito dos Aerossóis no Clima


4.3.3.1 Difusão
A interacção entre a radiação electromagnética e os aerossóis é descrita pelo macanismo
físico denominado difusão. A difusão da radiação eletromagnética pelos aerossóis depende
essencialmente da relação entre o tamanho das partículas que o constituem e o
comprimento de onda de radiação incidente. Existem dois mecanismos fundamentais de
difusão da luz pelos aerossóis: a difusão de Rayleigh e a difusão de Mie. O primeiro ocorre
quando as dimensões das partículas são muito menores que o comprimento de onda da
radiação incidente. O segundo quando o tamanho das partículas é da mesma ordem de
magnitude que o comprimento de onda da radiação incidente.
A difusão de Rayleigh é um modelo que se baseia no espalhamento elástico da radiação
electromagnética por um conjunto de partículas muito mais pequenas que o comprimento
de onda da radiação incidente, e que pode ser tratada como o resultado de pequenas
flutuações do índice de refração do meio. Ocorre quando a luz atravessa sólidos ou líquidos
transparentes mas é particularmente importante nos gases. A intensidade da luz dispersa
varia inversamente com a quarta potência do comprimento de onda (~λ−4) o que conduz por
exemplo a que a intensidade da luz difundida a 490 nm (azul) seja 9.4 vezes superior que a
luz difundida com 700 nm (vermelho). Por este motivo vemos o céu azulado em todas as
direções e só o vemos avermelhado quando olhamos o próximos ao Sol.

Fig. 4.7 – Comprimentos de onda no espectro do visível.

Em 1908, Gustav Mie apresentou uma solução analítica das equações de Maxwell para a
difusão da radiação electromagnética por partículas esféricas válida para a situação em que
a dimensão das partículas difusoras é superior. A sua demonstração é muito complexa mas
esse modelo físico aplica-se muito bem aos processos que têm lugar na baixa troposfera
onde são frequentes os aerossóis de maiores dimensões: poeiras, poléns, fumos e vapor de
água. Um dos efeitos mais comuns deste tipo de difusão é o facto de as nuvens serem
visualizadas como brancas: as suas gotículas têm diâmetros da ordem dos 20 mícra, o que é
superior ao comprimento das onda de luz visível, e são por isso suficientemente grandes
para difundir todos os comprimentos de onda visíveis de modo aproximadamente igual.
Quando as nuvens apresentam maior desenvolvimento a atenuação da luz incidente faz-nos
percepcioná-las como mais escuras.
4.3.3.2 Reflexão
Cerca de 33% da energia solar incidente é refletida de volta para o espaço (cf. figura 2.6),
aqui se incluindo a componente que é retrodifundida. Com excepção da reflexão pelo solo
os restantes processos envolvem o papel dos aerossóis: os topos das nuvens são os mais
importantes refletores da radiação, sendo o seu albedo função da espessura, variando de
menos de 40% para núvens pouco espessas (menos de 50m) até 80% para (nuvens com
espessuras superiores a 5000m).
4.3.3.3 Absorção
Os principais elementos que contribuem para a absorção da radiação electromagnética e sua
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

conversão em calor incluem como vimos no capítulo anterior o vapor d'água, o ozono, o
oxigênio e o dióxido de carbono. As nuvens são importantes no balanço de radiação da
Terra : impedem que os dias sejam muito quentes e as noites muito frias uma vez que
absorvem a radiação emitida pela Terra além de refletir a solar. A absorção da radiação
solar devida aos aerossóis pode ser quantificada em termos da sua espessura óptica
espectral.
4.3.3.4 Núcleos de Condensação
Os aerossóis constituem os núcleos de condensação das nuvens. Entre o momento em que a
gota começa seu processo de crescimento com um diâmetro típico de 20 micra até a sua
chegada ao chão, como gota de chuva, com um diâmetro típico de 1 a 2 mm, vários
processos intermediários podem ocorrer. Se o ambiente é relativamente limpo, não poluído,
há poucos núcleos de condensação. Na disputa pelo vapor de água disponível núcleos
relativamente grandes ou solúveis em água crescem rapidamente e caiem como chuva.
Caso a atmosfera possua um número muito elevado de núcleos de condensação as gotas
crescem pouco e devagar. Muitas vezes não chega a chover, sendo a água e os aerossóis,
transportados na circulação atmosférica.

4.4 Exercícios De Aplicação


1. O que é “vento geostrófico”? Em que regiões da atmosfera espera que este modelo
tenha melhore aplicação ? Justifique.
2. Faça um esquema da circulação geostrófica nas sguintes situações: (a) centro de baixa
pressão atmosférica no hemisfério norte; (b) centro de altas pressões no equador; (c)
centro de baixa na costa leste do Brasil.

4.5 Bibliografia
T. E. Graedel e P J Crutzen, Atmospheric Change, An Earth System Perspective, W H Freeman and
Company, New York, pp 1-446, 1993.
Simone Gomes e Sandra Mara Domiciano. O IMPACTO DOS AEROSSÓIS NA
TEMPERATURA. VII Semana de Engenharia Ambiental 01 a 04 de junho 2009 Campus Irati.
Raes, F., Bates, T., McGovern, F. M. and Liedekerke, M. V. 2000. The second Aerosol Characterization
Experiment (ACE-2): General overview and main results. T ellus 52B, 111–126.

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Terra, Ambiente e Clima

Cap 5 - A Hidrosfera
5.1 Água salgada e água doce
O oceano ocupa cerca de 7/10 da superfície da Terra. Constitui o maior reservatório de
água do planeta. Contudo, a água encontra-se armazenada no planeta num conjunto de
reservatórios:

Fig. 5.1 – Distribuição da Água na Terra

Para a humanidade, a dispobilidade em água doce constitui um factor muito importante. O


volume total de água doce pode ser decomposto de acordo com os seus diferentes
reservatórios:

Fig. 5.2 – Reservatórios de água doce.

5.2 O Ciclo da Água


Comecemos o ciclo pela condensação do vapor de água para formar as nuvens: este
processo dá-se quando há arrefecimento do ar húmido (por exemplo, se este for obrigado a

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

subir) e há partículas no ar que servem de núcleos de condensação (muitas destas partículas


têm origem no “spray” de água do mar). Quando as gotas de água ou os cristais de gelo que
formam as nuvens crescem demasiadamente para se manterem a “flutuar”, dá-se a
precipitação, sob a forma de chuva, granizo ou neve). Parte da água precipitada nos
continentes evapora-se para a atmosfera, parte infiltra-se no solo constituindo lençóis de
água (os quais podem escoar para o oceano, lagos e rios) ou regressa à atmosfera através do
processo de transpiração da vegetação. A água precipitada que se mantém na superfície dos
continentes acaba por ser transportada para os oceanos, principalmente através da descarga
dos rios.

Fig. 5.3– Esquema geral do ciclo hidrológico (IGM,2001).

O ciclo da água na Terra é a base de um grande conjunto de processos biogeoquímicos, já


que a água transporta a totalidade dos nutrientes da biosfera, as nuvens constituem o maior
determinante do albedo terrestre, e as transições de fase da água controlam o balanço da
energia.
No diagrama seguinte (Peixoto & Kettani, 1973, The Control of the Water Cycle, Scientific
American, Vol. 228), estão indicados os volumes de água contidos nos continentes, nos
oceanos e na atmosfera. As setas indicam as trocas anuais de água entre esses reservatórios.
A precipitação anual (423x1012 m3) sobre o globo é cerca de 30 vezes maior que a
capacidade total da atmosfera para reter água (13x1012 m3), o que mostra a rapidez da
recirculação de água entre a atmosfera e a superfície da Terra.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 5.4– Fluxos de Água entre a Atmosfera, a Geoesfera e a Hidrosfera.

5.3 O Oceano

5.3.1 Circulação Oceanica


O vento é a fonte de energia primária para as correntes na camada superficial do oceano
(até aos 100-200 m). As correntes em profundidade (abaixo do nível até onde chega a
acção do vento) são geralmente geradas por convecção devida a variações da densidade da
água – circulação termohalina (visto que a densidade da água depende da temperatura e da
salinidade).
A energia transferida do vento para a superfície do mar põe em movimento a camada
superior do oceano, gerando ondas e correntes. Com um vento estável, a velocidade da
corrente gerada pelo vento à superfície é geralmente da ordem de 1 a 3% da velocidade do
vento (p. ex., um vento de 10 m s-1 gera uma corrente de deriva com 0,3 m s-1). Por efeito
do atrito, parte dessa energia vai sendo transferida para as camadas subjacentes mas a
velocidade da corrente vai diminuindo progressivamente com a profundidade. A corrente
gerada pelo vento não tem a direcção deste porque há o efeito da deflecção devida à
rotação da Terra - efeito de Coriolis (no hemisfério Norte, essa deflecção é para a direita do
movimento). Esquematicamente, podemos ilustrar a corrente gerada pelo vento numa
região oceânica profunda, no Hemisfério Norte, do seguinte modo:

Fig. 5.5– Transporte de Ekman

Se a água for suficientemente profunda, a corrente à superfície faz um ângulo de 45º para a
direita do vento e, à medida que se avança para maiores profundidades, a corrente vai
sendo progressivamente menos intensa e mais desviada para a direita. A uma dada
profundidade (cerca de 100 ou 200 m), deixa de haver corrente gerada pelo vento. A
camada até onde chega este efeito do vento chama-se camada de Ekman (oceanógrafo que
criou um modelo muito simples para explicar este fenómeno, no princípio do séc. XX).
Se integrarmos a corrente gerada pelo vento na totalidade da camada de Ekman, obtemos
um transporte de água que se dirige a 90º para a direita (no Hemisfério Norte) da direcção
do vento: transporte de Ekman.
No caso de um vento que sopra ao largo de uma zona costeira e paralelo à linha de costa, se
o transporte de Ekman que lhe está associado for dirigido para o largo, cria uma
divergência junto à costa. A camada superficial é arrastada para o largo e a água da camada
subsuperficial ascende à superfície. Como, em geral, a temperatura no oceano decresce
com a profundidade, essa água subsuperficial, mais fria, será trazida para a superfície junto
à costa. Este é o fenómeno do afloramento costeiro (ou “coastal upwelling”).
No caso da costa Portuguesa, o vento dominante durante os meses de Verão é de Norte (a
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“nortada”). Então, este vento vai transportar a camada superficial para o largo, o que faz
ascender água mais fria (as águas ao largo da costa ocidental Portuguesa são frias durante o
Verão) e mais rica em nutrientes (alimento do fitoplancton, o qual constitui a base da
cadeia trófica) e portanto com alta produtividade.
As correntes oceânicas à superfície são fundamentalmente geradas pelo campo do vento. A
figura seguinte ilustra o campo das correntes à superfície e os vórtices de grande escala no
oceano Atlântico e no oceano Pacífico (vórtice subpolar e vórtice subtropical):

Fig. 5.5– Principais estruturas da corrente oceânica à superfície.

5.3.2 Correntes geradas por gradientes horizontais de pressão


Como já vimos anteriormente, tanto na atmosfera como no oceano as forças associadas a
gradientes horizontais de pressão levam à geração de movimento, o qual é desviado pela
força de Coriolis (devida ao efeito da rotação da Terra). As causas que levam à existência
de gradientes horizontais de pressão são: (i) inclinação da superfície do mar; (ii) gradientes
horizontais de densidade.
No caso do oceano, a inclinação da superfície livre (superfície do mar) pode ser devida a
diversas causas, tais como: (i) convergências ou divergências associadas ao vento
(transporte de Ekman); (ii) maré; (iii) diferenças de pressão atmosférica.
Tal como já vimos no caso da atmosfera, se pudermos considerar que a força do gradiente
(horizontal) de pressão é equilibrada pela força de Coriolis (isto se desprezarmos outras
forças, tais como a força do atrito ou a inércia) teremos uma corrente geostrófica. Quer
dizer que a inclinação da superfície do mar e/ou os gradientes horizontais de densidade
podem gerar correntes geostróficas.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 5.6 – Corrente geostrófica no Oceano.

5.3.3 Circulação em profundidade – circulação termohalina


O aumento da densidade das águas superficiais devido ao seu arrefecimento (ou ao
aumento da salinidade) gera convecção: as águas mais densas afundam provocando a
subida de águas menos densas. Esta circulação é causada por diferenças de densidade as
quais, por sua vez, têm origem nas diferenças de temperatura e/ou salinidade, e por isso
denomina-se circulação termohalina.
As mais densas massas de água do oceano são formadas por arrefecimento de águas
superficiais em apenas dois locais a latitudes elevadas. A água mais densa de todas forma-
se no mar de Weddell (no continente Antártico) - Água Antártica de Fundo. Esta massa de
água afunda próximo do continente Antártico e desloca-se para norte junto ao fundo,
constituindo a camada de água mais funda nas 3 bacias oceânicas (do Atlântico, do Pacífico
e do Índico). A outra massa de água muito densa é formada a partir de água vinda do
Ártico: é a Água Profunda do Atlântico Norte, que se desloca para sul em níveis profundos
mas acima da Água Antártica de Fundo.
De um modo geral, podemos considerar a circulação de água nos oceanos como uma
“correia de transmissão” (“conveyor belt”): a água é arrefecida nas regiões perto dos polos,
é transportada em profundidade para os outros oceanos e vai sendo misturada com outras
águas, é levada novamente à superfície longe dos locais onde afundou, e vai aquecendo até
ser levada de volta para as regiões de afundamento, repetindo-se depois o ciclo (que levaria
cerca de 1000 anos a completar-se). Esta circulação leva ao transporte de calor de uma para
a outra parte do planeta e à transferência de substâncias químicas dissolvidas entre as
camadas superficiais e profundas. Qualquer modificação desta circulação pode causar
modificações no clima (e vice-versa). Pode-se especular que a fusão do gelo que cobre o
Ártico ou a diminuição da salinidade do Atlântico poderiam alterar ou mesmo impedir esta
circulação termohalina no Atlântico. Sem o enorme transporte de calor associado a esta
circulação (comparável à potência gerada por um milhão de centrais nucleares), a
temperatura média na Europa tenderia a descer cerca de 5 a 10°C, e parte do lado oriental
da América do Norte seria menos fria. Os registos de sedimentos oceânicos mostram que
esta circulação foi interrompida algumas vezes durante as últimas dezenas de milhares de
anos e que essas interrupções coincidiram com mudanças climáticas abruptas.

Fig. 5.7 – Corrente termohalina: a correia de transmissão.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

5.4 A Criosfera
A criosfera compreende a água em estado sólido. A água sólida pode ser encontrada na
neve, no gelo de água doce que se forma nos rios e lagos, no gelo oceânico, nos lençóis de
gelo e no solo gelado, aqui se incluindo o solo permanentemente gelado (permafrost).
Alguns destes componentes são essencialmente sazonais enquanto que outros podem
permanecer no estado sólido durante período entre 104 e 105 anos. No caso da Antartida
oriental as partículas de água permanecem no estado sólido durante cerca de 106 anos.
A maior fracção de gelo está localizada na Antartida. No hemisfério norte a área coberta
por gelo atinge cerca de 23% do total no mês de Janeiro. A distribuição espacial da
criosfera terrestre é a seguinte:

Componente Area (106 km2) Volume (106 km3)

Permafrost 10.69 0.0097-0.0250

Permafrost Descontínuo 12.10 0.0017-0.0115

Antartida Oriental 10.1 22.7

Antartida Ocidental e Peninsula 2.3 3.0

Gronelândia 1.8 2.6

Pequenas Calotes Geladas 0.68 0.18

Escudos de Gelo 1.5 0.66

Fig. 5.8 – Distribuição da criosfera terrestre. Fonte: Projecto CLIC (Climate and the Cryosphere) adaptado de
http://stratus.astr.ucl.ac.be

A importância da criosfera prende-se com a sua reflexividade, com um albedo que pode
atingir 0.90 na Antártida, cerca de três vezes superior à média planetária, o que aumenta a
irradiação da Terra. Em todos os períodos da história da terra nos quais a criosfera foi
muito reduzida (exemplo: Cretácico) a temperatura média à superfície manifestou um
aumento em relação à situação presente, entre 8 a 10ºC.
A criosfera tem igualmente um papel estabilizador, diminuindo a mistura e a transferência
de calor entre a atmosfera e o oceano, e condicionando a circulação termohalina global
descrita anteriormente.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 5.9 – Variação da cobertura em gelo no hemisfério norte desde 1900. Fonte:
http://arctic.atmos.uiuc.edu/cryosphere/

5.5 Exercícios de Aplicação

5.6 Bibliografia
T. E. Graedel e P J Crutzen, Atmospheric Change, An Earth System Perspective, W H Freeman and
Company, New York, pp 1-446, 1993.
Peixoto & Oort, Physics of Climate.
G. L. Pickard e W. J. Emery, 1982, Descriptive Physical Oceanography, (4ª edição), Pergamon Press, 256
pp.
Instituto Geológico e Mineiro (2001). Água Subterrânea: Conhecer para Preservar o Futuro. Instituto
Geológico e Mineiro, Versão Online no site do INETI: http://e-Geo.ineti.pt/geociencias/edicoes_online
/diversos/agua_subterranea/indice.htm

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Cap 6 – Biosfera
6.1 Introdução
Apesar de a biosfera estar espacialmente interligada com as restantes components do
sistema climático, é conveniente considerá-la de forma isolada. A biosfera afecta o albedo,
uma vez que as áreas florestais possuem albedo muito baixo, entre 0.09 e 0.18, em função
do tipo de cobertura florestal, afectando de forma importante o balaço radiativo.
A biosfera influencia de forma importante os fluxos biogeoquímicos do Dióxido de
Carbono e do Metano, em particular através do papel do plankton marinho e da fotosíntese.
A biosfera é um contribuinte importante dos aerossóis, sob a forma de esporos, micro-
organismos, poléns e outras espécies transportadas pelo vento atmosférico.
Se exceptuarmos um conjunto muito pequeno de ecossistemas (sistemas hidrotermais do
mar profundo e comunidades microbianas de ambientex extremos), a radiação solar
constitui a fonte de energia que é utilizada pelos seres vivos. Contudo, da quantidade total
de energia solar recebida na Terra (5.1024 J /ano) apenas uma pequena parte (3.1020 J/ano) é
utilizada na fotosíntese, e desta apenas uma pequena parte é utilizada pela clorofila A,
sendo a restante utilizada para aquecimento e evaporação da água, contribuindo assim para
o ciclo da água.

6.2 Nível trófico


Designa-se por nível trófico o conjunto dos organismos que recebe energia de uma mesma
fonte. Os níveis tróficos mais importantes são os fotosintetizadores (produtores primários),
os herbívoros (que se alimentam de plantas ou partes delas), os carnívoros primários (que
se alimentam de herbívoros) e os carnívoros secundários (que se alimentam de carnívoros
primários), carnívoros terciários e detrivoros (que se alimentam de restos mortais de outros
organismos vivos). A relação de dependência que envolve os vários níveis tróficos designa-
se por cadeia alimentar.

6.3 Distribuição da Produção Primária


A distribuição da produção primária líquida na Terra é a seguinte:

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Terra, Ambiente e Clima

Zona Área Mkm2 C Pg


Terrestre 133.9
Florestas Tropicais Persistentes 17.8
Florestas Folhosas Caducas 1.5
Florestas Mistas 3.1
Florestas Coníferas 4.5
Savanas 16.8
Pastagens 2.4
Desertos 1.5
Tundra 0.8
Áreas Cultivadas 8.0
Marinha 361.0 48.5
Global 510.3 104.9

Figura 6.1 – Produção primária líquida em Pg de Carbono. Fonte: Field, Behrensen e Falkowski, Science 281, pg
237-240, 1998

Os Oceanos, apesar de ocuparem 70% da superfície do planeta contribuem com menos de


metade da produção primária, porque as águas superficiais possuem níveis baixos de
nutrientes. A produtividade oceânica está concentrada nas áreas costeiras, particularmente
nas regiões onde se verifica o afloramento costeiro.
Nos continentes a fotosintese é muito reduzida nas áreas desérticas e nas áreas geladas.
Pelo contrário, as regiões tropicais e subtropicais contribuem enormemente para a produção
global primária. Existem cerca de duas dezenas de nutrientes importantes mas os
fundamentais são o fósforo e o azoto.
A parte mais importante da energia que é capturada pelos seres vivos é utilizada para
manter o seu metabolismo básico e é dissipada sob a forma de calor. A energia líquida
capturada pelo organismo, sob a forma de crescimento e reprodução, é disponibilizada para
o nível trófico seguinte mas só cerca de 10% é aproveitada por ele, apesar das grandes
variações em torno deste valor médio. Deste modo, os níveis mais baixos da cadeia trófica
dominam os ciclos biogeoquímicos.

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Cap 7 – Ciclos Biogeoquímicos


7.1 Escalas de Tempo, Reservatórios e Fluxos

7.1.1 Tempo de Renovação


Consideremos o caso simples de um reservatório onde uma propriedade extensiva tem o
fluxo de entrada Q e o fluxo de saída S e a carga M. Chamaremos ao promeiro fonte e ao
segundo sumidouro.

Fig. 7.1– Esquema geral de um reservatório que contém a carga de M unidades de uma propriedade extensiva, e
onde o fluxo de entrada é Q e o fluxo de saída S.

Denominamos tempo de renovação dessa propriedade extensiva à razão


M
t0 = (7.1)
S
Podemos interpretar esta grandeza como sendo o tempo que demoraria a esvaziar o
reservatório mantendo-se nulo o fluxo de entrada e constante o fluxo de saída. Nos casos
em que o fluxo de saída é proporcional ao conteúdo M do reservatório (S = k M) o tempo
de retorno é o inverso dessa constante de proporcionalidade.
1
S = kM  t 0 = (7.2)
k
Na figura seguinte apresentam-se os tempos de renovação para um conjunto de compostos
químicos relevantes na atmosfera da Terra:

Pag 62
Terra, Ambiente e Clima

Fig. 7.2 – Tempos de residência de um conjunto de compostos na atmosfera da Terra. Concentrações mais baixas
correspondem a zonas remotas sobre o Oceano, concentrações mais elevadas correspondem a zonas urbanas
poluídas. Fontes: IPCC (1995), Seinfeld e Pandis (1998).

No caso em que existe mais do que um processo que retira o conteúdo do reservatório com
fluxos Si, podemos definir tempos de retorno parciais, de modo equivalente a (7.1):
M
t 0i = (7.3)
Si

Deste modo, podemos relacionar o tempo de renovação do reservatório com os tempos de


retorno parciais sob a forma:
t -10 = å t -10i (7.4)

7.1.2 Tempo Médio de Residência


O tempo de residência pode ser definido como o período que um determinado átomo ou
molécula permanece num reservatório. Nos casos em que se possa identificar um percurso
físico entre a fonte (Q) e o sumidouro (S) podemos também designar este período como o
trânsito desse átomo ou molécula no referido reservatório. Se designarmos por () a
função densidade de probabilidade que descreve a distribuição estatística dos tempos de
residência individuais, o tempo médio de residência será dado por:
¥

t m = ò t f (t ) d t (7.5)
0

Podemos ainda definir a idade de um átomo ou molécula dentro de um reservatório,


entendendo-a como o intervalo de tempo desde a entrada nesse reservatório. A idade média
será definida de um modo semelhante ao anterior:
¥

t a = ò t y (t ) d t (7.6)
0

A distribuição estatística desta quantidade () depende de caso para caso mas, no caso de
um reservatório estacionário, será sempre uma função monótona decrescente.
Estas duas propriedadades em geral não coincidem. Na figura seguinte apresentam-se os
três casos extremos para os quais a<m, a=m, a>m. Estes casos estão discutidos em
Jacobson et al. (2008) e são exemplificados da seguinte forma: no primeiro caso podemos
estar na presença de um lago onde a fonte e o sumidouro se localizam em extremos oposto;
a generalidade das moléculas terão um tempo de residência igual ao intervalo de tempo
necessário para que a corrente média as transporte entre os dois extremos, enquanto que
uma pequena parte fará esse percurso de forma mais rápida ou mais lenta; a curva de idades
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

é uma função monotonamente decrescente admitindo-se que existe mistura e portanto as


moléculas mais antigas são mais removidas que as mais novas. No segundo caso podemos
por exemplo estar na presença do decaimento radioactivo do 238U; como a semi-vida deste
isótopo é aproximadamente igual à idade da Terra (4.5 G ano) teremos actualmente cerca
de metade da quantidade incial de isótopos deste tipo e, uma vez que o decaimento é
equiprovável, a curva de idades é igualmente exponencial. No terceiro caso podemos
considerar a situação em que num lado a fonte e o sumidouro se localizam em pontos
próximos, previlegiando a saída de moléculas de idade inferior.

Fig. 7.3 – Curvas de tempo de residência e idade para as três situações extremas: a<m, a=m, a>m

Num reservatório estacionário o tempo de renovação é igual ao tempo de residência:


0=m. Deste modo, se podermos estimar o primeiro a partir do conhecimento dos fluxos e
da carga do reservatório (aplicação da expressão 7.1), podemos conhecer o tempo médio de
residência e se tivermos conhecimento independente da velocidade v, porque conhecemos o
mecanismo físico que realiza a advecção dessa substância, podemos determinar a distância
média percorrida.
L = v tm (7.7)

7.1.3 Tempo de Resposta


Consideremos o caso simples apresentado na figura 7.1 onde o tempo de renovação é
proporcional à carga do reservatório, o que corresponde às condições da expressão 7.2.
Consideremos ainda uma situação inicial de equilíbrio (Q0, S0, M0) e que que a fonte passa
brsucamente para um fluxo Q1. Quanto tempo demorará o reservatório a atingir o estado de
equilíbrio (Q1, S1, M1), ou seja a manter constante a sua carga M= M1.
No instante inicial (após a alteração brusca) a taxa de variação temporal da carga irá igualar
a diferencça entre o fluxo de entrada, que agora é Q1 e o fluxo de saída S:
dM
= Q1 - S = Q1 - kM (7.8)
dt
Em que a condição inicial é M(t = 0) = M0. A evolução temporal da carga M(t) terá uma
forma do tipo:

M (t ) = M 1 - ( M 1 - M 0 ) e-kt (7.9)

como se pode verificar facilmente substituindo em 7.8 e na condição inicial. A


convergência para M1 vai ser realizada de forma exponencial com um tempo de resposta:
tempo necessário para reduzir de e-1 a diferença entre as cargas correspondentes aos dois
estados de equilíbrio, inicial e final. Temos assim, que para um reservatório simples com
um sumidouro propocional à sua carga, o tempo de resposta iguala o tempo de renovação.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig. 7.4 – Exemplo simplificado onde consideramos o caso do metano CH4, cuja carga inicial na atmosfera
estimamos em 4000 Tg, admitindo que a fonte passa de 400 Tg/ano para 800 Tg/ano, mantendo-se um tempo de
renovação de 6 anos. O valor de M cresce exponencialmente entre o valor inicial do equilíbrio e o valor final,
onde o tempo de renovação igual o período necessário para reduzir de e-1 (37%) o desiquilíbrio.

7.1.4 Reservatórios Não-Estacionários


Consideremos o que se passa quando o reservatório está num estado não estacionário (M
está a variar) e pretendemos analisar o que se passa do lando das fontes (Q) e dos
sumidouros (S). Podemos re-escrever a expressão 7.8 da forma:
1 dM Q
= -k (7.10)
M dt M
O termo da esquerda dá-nos a variação observada na carga do reservatório por unidade de
carga (se M designar uma massa será a variação percentual dessa massa por unidade de
tempo). Num determinado instante essa variação pode ser interpretada como o inverso de
um tempo “instantâneo” de renovação (obs)-1. Assim, se tivermos uma forma de avaliar a
variação anual da carga de um reservatório como 2%, poderíamos interpretar este valor
como indicativo que, caso estivesse em estado estacionário, teria um tempo de renovação
de 50 anos.
Podemos considerar dois casos limite de comportamento.
O primeiro ocorre quando obs>>0. Neste caso a carga do reservatório está
aproximadamente constante, de modo que existe um balanço entre os dois termos do lado
direito de 7.10 (Q = kM), o que pode ser interpretado como o facto de as variações de M
reflectirem essencialmente variações da mesma ordem de grandeza fonte Q ou do
sumidouro S. Um exemplo deste tipo de comportamento diz respeito ao caso do metano (cf.
Figura 7.4), onde o tempo de renovação (6 anos na figura) é muito inferior à variação
medida (cerca de 0.5%/ano, o que corresponde a obs de 200 anos), pelo que se pode
concluir que um dos aspectos mais importantes desta variação se prende com a variação das
fontes de metano.
O segundo comportamento ocorre quando obs<<0. Neste caso o segundo termo da parte
direita da equação 7.10 é desprezável, pelo que a variação da carga (dM/dt) iguala o fluxo
de entrada Q, sendo menos importante o comportamento do sumidouro: o reservatório
encontra-se numa fase de acumulação, independentemente da forma como Q está a variar.
Um exemplo deste tipo de comportamento é o caso do SF6, cuja concentração (e portanto
também a carga) varia cerca de de 0.5%/ano, o que corresponde mais uma vez a obs
próximo de 200 anos, mas onde o tempo de renovação é de cerca de 3000 anos, pelo que a
atmosfera se comporta como estando em fase de acumulação deste composto.

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7.2 O Ciclo do Carbono


O Carbono elementar encontra-se no sistema terrestre sob três formas: diamante, grafite e
carbono amorfo. As quantidades correspondentes são muito diminutas, e a generalidade do
Carbono apresenta-se com estados de oxidação de IV a –IV, sendo o primeiro o mais
representado, em particular no CO2 (na atmosfera, essencialmente) e nos carbonatos (na
geosfera). Nos oceanos o carbono encontra-se presente sob a forma de H2CO3 (aq) e HCO3-
.
Há sete isótopos de Carbono na natureza: 10C, 11C, 12C, 13C, 14C, 15C e 16C. Destes apenas o
12
C e o 13C são estáveis. Os restantes são radioactivos, com semi-vidas curtas, sendo o mais
relevante o 14C, cuja semi-vida é, como vimos já, 5730 anos (cf tabela 2.2). Deste modo, o
método de datação mais utilizado em estudos de paleoclima recente assenta no decaimento
radioactivo de 14C secundário (porquê?) produzido a partir do decaimento do 14N:
14
N + 1 p  14C + 1n (7.11)

O isótopo 12C corresponde a cerca de 99% do carbono total. Em todos os processos onde os
fluxos de carbono entre reservatórios são dependentes da densidade, a proporção entre 12C
e 13C pode ser utilizada para avaliar esse fluxo.
Os reservatórios e os fluxos do Carbono no sistema terrestre encontra-se representados
esquematicamente na figura seguinte:

Fig. 7.5 – Diagrama simplificado do Ciclo do carbono. Cargas e Fluxos representados em Pg C e Pg/ano C,
respectivamente.

7.3 O Ciclo do Azoto


A atmosfera é o maior reservatório de azoto. A forma termodinamicamente estável do
Azoto na presença de exigénio é NO3- (e não N2). A conversão de N2 para outras formas
depende da actividade microbiana e o azoto é rapidamente incorporado nos tecidos dos
organismos vivos.
Podem identificar-se cinco processos fundamentais que atravessa a biosfera, a atmosfera e
a geosfera: fixação, incorporação, mineralização, nitrificação e denitrificação. Os micro-
organismos, e em particular as bactérias, assumem uma importância fundamental nestes
processos.
A fixação do Azoto é o processo que o transforma em amónia (NH4+). Este processo é
importante porque essa é a única forma pela qual os seres vivos podem fixar azoto
Pag 66
Terra, Ambiente e Clima

atmosférico. Algumas bactérias que vivem em associação simbiótica com outros seres
vivos são capazes de fixar o azoto de forma metabólica, como acontece num conjunto de
plantas como as proteaginosas. Alguns processos naturais como as trovoadas podem
igualmente conduzir à fixação de quantidades significativas de azoto. A utilização intensiva
de adubos com elevados teores de azoto tem contribuído para a elevação dos níveis de
fixação de azoto.
A incorporação de Azoto corresponde à conversão da amónia em Azoto orgânico. Os
organismos que estão no topo da cadeia trófica incorporam na digestão sob a forma de
azoto orgânico, o azoto fixado inicialmente pelas bactérias.
A mineralização corresponde ao processo inverso do anterior. Após a morte dos
organismos vivos, a acção dos decompositores, como as bactérias e os fungos, conduzem a
formação de amónia que pode ser dispobilizado de novo para o nível trófico inferior.
A nitrificação é um processo que conduz à produção de nitrato (NO3-) a partir da amónia,
na presença de oxigénio. As bactérias que executam este processo obtêm um ganho
energético.
A desnitrificação é um processo anaeróbico que conduz à producção de N2 a partir do
nitrato ou nitrito. A sequência de conversão é a seguinte:
NO3- > NO2- > NO > N2O > N2.
O oxido nitric (NO) contribui para o smog, o óxido ntroso (N2O) é um impoirtante gás que
gera efeito de estufa.
O ciclo do Azoto encontra-se representado sumariamente na figura seguinte.

Fig. 7.6 – Diagrama simplificado do Ciclo do Azoto. Cargas e Fluxos representados em Tg N e Tg/ano N,
respectivamente. Tempos de renovação entre parentesis.

7.4 O Ciclo do Fósforo


O fósforo é um nutriente essencial para todas as formas de vida porque intervém nas
reacções bioquímicas fundamentais que involvem material genético (DNA, RNA) e
transferência de energia (ATP, ADP), e como constituinte das menbranas e dos ossos. Os
organismos que realizam fotosintese utilizam o fósforo e o carbono para a construção dos
respectivos tecidos, em combinação com a eneria radiativa proveniente do sol. Deste modo,
a produtividade biológica está dependente da disponibilidade em fósforo, tanto nos
biosistemas continentais como nos marinhos.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

O ciclo global do fósforo tem quatro componentes fundamentais: (1) a sobreelevação


tectónica que expõe rochas com teores em fósforo e permite a sua meteorização; (2) a
meteorização física e química das rochas que conduz à produção dos solos e disponibiliza
fósforo dissolvido e particulado que é transportado pela circulação superficial; (3) o
transporte fluvial do fósforo até aos lagos e oceanos e (4) a sedimentação do fósforo
assocaido com a matéria mineral ou orgânica e que incorporará os sedimentos marinhos.

Fig. 7.6 – Diagrama simplificado do Ciclo do Fósforo. Cargas e Fluxos representados em Tg P e Tg/ano P,
respectivamente. Retirado de Chameides, W.L., and Perdue, E.M., 1997, Biogeochemical Cycles: A Computer
Interactive Study of Earth System Science and Global Change, New York: Oxford University Press, p. 97-107
(Chp. 5, The Global Phosphorous Cycle).

7.5 O Ciclo do Enxofre


Em condições anaeróbias e na presença de ferro, o enxofre precipita dando origem a
sulfetos de ferro. Desta forma o fósforo converte-se de insolúvel a solúvel podendo ser
mobilizado. O ciclo do enxofre caracteriza-se pela participação efectiva dos
microorganismos.
As acção humanas interferem nesse ciclo dado as grandes quantidades de dióxido de
enxofre libertados nos processos de queima de carvão e óleo combustível em indústrias e
unidades termoelétricas. O dióxido de enxofre é prejudicial à saúde e pode provocar, em
certas situações, a chuva ácida e smog industrial.
Os principais reservatórios de enxofre são os seguintes:

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Terra, Ambiente e Clima

Subsistema Carga (1018 gS)


Atmosfera
Geosfera Fundo Oceânico Sedimentos 75± 20
Rochas Máficas 2300 ± 800
Rochas Sedimentares Arenitos 250±60
Margas 2000±580
Calcários 380±110
Evaporites 5100±1600
Volcânicas 50±18
Água Juvenil 27±5
Total Sedimentos 7800±1700
Hidrosfera Água Doce 0.003±0.002
Gelo 0.006±0.002
Água Salgada 1280±55
Biosfera Continental 0.6 10-3
Marinha 0.024 10-3
Matéria Morta 5.0 10-3
Total Orgânica 5.62 10-3
Figura 7.7 – Principais reservatórios de Enxofre no sistema terrestre. Unidades 1018 g S. Fonte: Trudinger
(1979).

No que diz respeito aos fluxos associados a cada um dos processos de transferência de
massa, podemos considerar o seguinte esquema:

Figura 7.8 – Principais fluxos de Enxofre no sistema terrestre. Unidades T g/ano S. Fonte: Brimblecombe et al.
(1989).

7.6 Exercícios de Aplicação

7.7 Bibliografia
Brimblecombe, P. and Lein, A. Yu. (1989). Evolution of the Global Biogeochemical Sulphur Cycle. Wiley,
Chichester.
Trudinger (1979).
Chameides, W.L., and Perdue, E.M., 1997, Biogeochemical Cycles: A Computer Interactive Study of Earth System
Science and Global Change, New York: Oxford University Press, p. 97-107 (Chp. 5, The Global Phosphorous
Cycle).

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

Jacobson, M, Charlson RJ, Rodhe H, Orians GH, Earth System Science, from Biogeochemical Cycles to Global
Change. International Geophysics Series, Vol72. Elsevier, 2008.

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Terra, Ambiente e Clima

Cap 8 –Forçamento
8.1 Forçamento Externo

8.1.1 Variações Galácticas


O movimento relative do sistema solar em torno do centro da Galáxia de que faz parte é por
vezes invocado como um forçamento externo importante. Ao longo de um ano galáctico,
que se pode estimar em cerca de 303 Ma, deverão verificar-se variações do meio inter-
estelar que poderão traduzir-se na variação da interacção gravitacional externa ou do
balanço radiactivo à superfície. Contudo, os enormes períodos envolvidos tornam a
verificação ou a falsificação desta hipótese inexequíveis.

8.1.2 Variações Orbitais


Milankovitch identificou três tipos de variações orbitais da Terra que poderiam ser
consideradas como forçadores externos da mudança climática: a obliquidade do eixo, a
precessão dos equinóxios e a excentricidade e período da orbita da Terra em torno do Sol.

8.1.2.1 Obliquidade
De acordo com a tabela 1.1 do capítulo anterior, o eixo de rotação da Terra faz um ângulo
de 23.4º com o plano da eclíptica. Este ângulo varia entre 22º e 24.5º com um período de
cerca de 41000 anos, influenciando obviamente a distribuição latitudinal da radiação solar.
Quando a obliquidade aumenta aumenta também a radiação efectiva que atinge as latitudes
elevadas no Verão e dimiui no Inverno. Nas latitudes baixas, próximo do Equador, não se
verifica nenhuma alteração significativa.

8.1.2.2 Excentricidade
A Terra realize um movimento translaccional em torno do Sol cuja trajectória é descrita
matematicamente por uma elipse. A excentricidade dessa elipse é dada por

a2 - b2
e= (8.1)
a
O valor da excentricidade, actualmente de 0.018 pode variar entre um valor muito baixo
(0.005) o que quer dizer que a órbita é praticamente circular, e um valor um pouco mais
alto (0.060), apresentando esta variação dois períodos de 96000 e 413000 anos
respectivamente (Berger, 1976). As variações de excentricidade influenciam o ciclo annual
de radiação solar incidente no topo da atmosfera. Este ciclo pode originar variações
próximas de 30%.

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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

8.1.2.3 Precessão
O terceiro fenómeno que diz respeito à variação dos parâmetros orbitais tem a ver com a
precessão dos equinóxios. Devido à interacção gravitacional entre a Terra e os outros
planetas do sistema solar, principalmente a Lua e Jupiter, verifica-se uma deslocação do
perihélio, o ponto onde a Terra se encontra mais próxima do Sol, o que faz variar a
trajectória da Terra e afecta a intensidade e o sincronismo das estações. Este efeito é
conhecido como precessão dos equinóxios.
A precessão inclui uma precessão axial (o momento da força aplicada pela influência
gravitacional externa conduz a que o eixo da Terra execute um movimento semelhante ao
de um pião) e uma precessão orbital, na qual a orbita elíptica da Terra roda em torno de um
foco. O efeito conjugado corresponde a um período médio de 22000 anos.
Tal como a obliquidade, a precessão não afecta a radiação total recebida pela Terra no topo
da atmosfera mas o balanço entre estações.

Figura 8.1 – representação esquemática da precessão axial

8.1.3 Ciclos de Milankovitch


Tendo em linha de conta os períodos descritos nos pontos anteriores, torna-se claro que o
forçamento externo é essencialmente importante quando consideramos variações climáticas
que ocorrem em períodos de 104 a 105 anos. Milankovitch em 1941 considerou a hipótese
de este forçamento estar ligado à variação da dimensão da criosfera e em particular ao
desancadear das idades do gelo. Considerou que quando a inclinação do eixo é pequena, a
excentricidade elevada e o perihélio ocorre no inverno do hemisfério norte estão reunidas
as condições para uma acmulação muito importante de neve persistente mesmo ao longo
dos meses de verão do hemisfério norte. Adicionalmente, os invernos quentes e a
intensificação da circulação geral como consequência do maior gradiente latitudinal da
temperatura permitiriam a Maios disponibilidade de vapor de água nas latitudes elevadas
necessárias aumentando a queda de neve.
A análise de proxies da temperatura no registo geológico ou do gelo antártico (cf figura
1.4) corrobora razoavelmente esta hipótese.

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Terra, Ambiente e Clima

Fig.8.2: Análise espectral de proxies da temperatura, in http://www.global-climate-change.org.uk/2-5-2-4.php.


Este tipo de análise matemática permite identificar as frequências presentes nos dados experimentais.

É preciso contudo ter em atenção que a relação entre os forçamentos externos e as


variações climáticas na escala geológica não estão demonstradas de modo inequívoco. Em
particular, e como pode ser visto na figura 8.2 o sinal de maior energia parece estar
associado ao período de 100000 anos, que é exactamente aquele que, na explicação de
Milankovitch corresponde ao efeito mais reduzido. Por outro lado, os mecanismos
invocados implicariam variações desfasadas nos dois hemisférios, enquanto que o registo
geológico aponta para o sincronismo das variações. Deste modo, um modelo capaz de
compatibilizar as observações com os mecanismos físicos básicos requer a compreensão do
papel da circulação oceânica global, como sincronizadora inter-hemisférica e do papel de
mecanismos adicionais de retroalimentação.

8.2 Forçamento Interno

8.2.1 Orogenia e Meteorização


Os processos associados à tectónica de places envolvem a formação de cadeias de
montanhas, de oceanos, de bacias sedimentares, e os correspondentes movimentos verticais
necessários para estabelecer o equilíbrio. As cadeias montanhosas influenciam o clima
regional, ao interagir com a circulação global atmosférica. Os processos orogénicos
promovem a erosão, e a disponibilidade de material sólido para os oceanos e a atmosfera.
A meteorização química implica habitualmente e extração de Dióxido de Carbono da
atmosferam, a sua reacção com os minerais das rochas, com a formação de carbonatos.
Esses carbonatos são solúveis e podem ser transportados no ciclo da água e depositados sob
a forma de sedimentos. Desta forma a erosão contribui para a sequestração de CO2 e a
mitigação do efeito de estufa.

8.2.2 Vulcanismo
O vulcanismo foi associado desde muito cedo à mudança climática, e pelo menos desde as
observações de Franklin, em 1784. A importância do vulcanismo como um forçador das
alterações climáticas ganhou muito das observações realizadas aquando da explosão do
Pinatubo em 1991.
As erupções vulcânicas injectam na estratosfera Tg de de aerossóis sólidos e gases, em
particular SO2, que gera a formação de iões sulfato sob a forma de aerossol. O tempo de
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Jorge Miguel Miranda, Universidade de Lisboa

residência destes aerossóis é de cerca de 1 ano e eles interferem sobre a radiação de


pequeno e grande comprimento de onda.
Uma vez que a dimensão dos aerossóis sulfato é de 0.5 m, a sua influência sobre é mais
importante nos pequenos comprimentos de onda que nos maiores (~10m) produzindo
aquecimento do topo da nuvem de aerossol mas essencialmente difusão para fora do
sistema terrestre, arrefecendo o planeta.
A acção integrada do vulcanismo terrestre na diminuição da radiação solar corresponde a
uma redução entre 5 e 10%. Os modelos numéricos apontam para um efeito sobre a
temperatura média à superfície que pode atingir um arrefecimento de 0.3ºC num período de
1 a 2 anos.
As explosões vulcânicas de grandes dimensões são pouco frequentes na escala humana.
Contudo, a Pequena Idade do Gelo correspondem a períodos de actividade vulcânica
elevada (1250 a 1500 e 1550 a 1700), enquanto que o Periodo Medieval Quente (1100 a
1250) correspondem a uma época de baixa actividade vulcânica. Se considerarmos
períodos de escala geológica, os períodos de muito grande actividade vulcânica na Terra,
confirmados extensamente pelo registo geológico, estarão provavelmente associados a
arrefecimento.

8.2.3 Circulação Oceânica


As variações do padrão de circulação oceânica traduzem na alteração dos mecanismos de
equilíbrio energético à superfície. Essas variaçõe de padrão podem ocorrer devido à
mudança da configuração topográfica do planeta, ou serem o resultado da alteração do
campo médio da temperatura à superfície.

8.2.5 Variações da Composição Atmosférica


As variações da composição atmosférica estão habitualmente relacionadas com a actividade
humana, e traduzem o efeito das emissões associadas à actividade industrial ou agrícola.
A mais relevante das variações tem a ver com o dióxido de carbono. Antes da revolução
industrial (~1750) a concentração de CO2 na atmosfera era de 280 ± 10 ppm, valor este que
terá sido aproximadamente constante nas épocas precedentes. Este valor cresceu
continuamente até atingir 367 ppm em 1999, um valor que não foi nunca excedido nos
últimos 420 000 anos. A taxa de crescimento da concentração (e da carga) de CO2 é a
maior dos últimos 20 000 anos.
Cerca de 75% destas emissões são devidas à queima de combustíveis fósseis, com uma
menor contribuição da industria cimenteira. A queima de combustíveis fósseis libertou
cerca de 5.4 ± 0.3 PgC/ano entre 1980 e 1989 e 6.3 ± 0.4 PgC/ano entre 1990 e 1999. O
uso do solo é responsável pelas restantes emissões.
A taxa de aumento do CO2 atmosférico é de 3.3 ± 0.1 PgC/ano no período 1980-1989 e 3.2
± 0.1 PgC/ano no período 1990-1999. A diferença entre estas taxas e as taxas de aumento
das emissões espelham a dissolução do CO2 nos oceanos e pelos ecossistemas terrestres.

8.3 Realimentação Climática


Apesar de se poder considerar que o sistema climático está em equilíbrio, esse equilíbrio é
habitualmente descrito como dinâmico, ou seja, como um sistema que se adapata
continuamente ao forçamento, de tal forma que o clima, como o definimos no princípio
destas notas se altera.
Há medida que as alterações do sistema se propagam entre os diferentes sub-sistemas,
podem-se verificar alterações de carácter e de escala. Nalguns casos serão amplificadas

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Terra, Ambiente e Clima

(retoralimentação positiva), noutros diminuídas (retoralimentação negativa).


Um dos exemplos de retroalimentação positiva pode ser observado no que diz respeito à
retroalimentação gelo-albedo: Se a Terra sofrer aquecimento como resultado do aumento
do forçamento radiativo, originado por sua vez por alteração dos parâmetros orbitais,
algum do gelo armazenado nas latitudes elevadas irá fundir, colocando a descoberto solo
nu cujo albedo é muito mais baixo. A redução do albedo faz diminuir a energia irradiada e
como tal conduz a um novo aquecimento do planeta à superfície.
Um dos exemplos de retroalimentação negativa associada mais uma vez com o forçamento
radiativo, tem a ver com a formação de nuvens: quando aumenta a temperatura à superfície
aumenta a evaporação e consequentemente a formação de nuvens. O aumento da cobertura
nebulosa aumenta a reflexão da radiação incidente e como tal conduz à redução da
temperatura a superfície.

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