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º
14/2002, de 26 de Junho
1
2
INDÍCE
Introdução --------------------- 7
I. Contextualização --------------------- 7
II. A problemática --------------------- 8
III. Objectivos --------------------- 9
IV. Metodologia --------------------- 10
V. Estrutura --------------------- 10
Capítulo I - Do quadro jurídico-legal do --------------------- 12
sector das minas à norma do n.º 2 do
artigo 43 da Lei de Minas
1.1. O advento do quadro jurídico-legal do --------------------- 12
sector das minas
1.1.1. A primeira Lei de Minas e --------------------- 12
regulamentação regulamentar
1.1.2. A consolidação do quadro jurídico- --------------------- 13
legal para a actividade mineira
1.2. O quadro jurídico-ambiental da --------------------- 14
actividade mineira
1.2.1. As bases ambientais da Lei de Minas --------------------- 14
1.2.1.1. O princípio das boas práticas --------------------- 14
mineiras
1.2.1.2. Padrões de qualidade ambiental --------------------- 15
1.2.1.3. O princípio do desenvolvimento --------------------- 15
sustentável
1.2.2. A opção por um quadro jurídico- --------------------- 16
ambiental específico
1.3. A qualificação do uso e aproveitamento --------------------- 17
dos recursos minerais como prevalecente
sobre os demais usos
1.4. Consequências práticas da aplicação --------------------- 21
literal da norma do n.º 2 do artigo 43 da Lei
de Minas
Capítulo II. A norma constante no n.º 2 do --------------------- 24
artigo 43 da Lei de Minas à luz do
princípio fundamental do
desenvolvimento sustentável e do regime
jurídico-constitucional de protecção do
ambiente
2.1. O princípio fundamental do --------------------- 24
desenvolvimento sustentável
2.1.1. Os limites da noção de crescimento e o --------------------- 24
advento do conceito de desenvolvimento
sustentável
3
2.1.2. O princípio do desenvolvimento --------------------- 29
sustentável como princípio constitucional
2.1.3. Os pilares subjacentes do princípio ------------------------- 32
fundamental do desenvolvimento sustentável
2.1.3.1. O pilar económico ------------------------- 32
2.1.3.2. O pilar social ------------------------- 33
2.1.3.2. O pilar ambiental ------------------------- 34
2.1.4. Densificação ordinária do princípio de --------------------- 35
desenvolvimento sustentável
2.1.4. A inconstitucionalidade da norma --------------------- 38
constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de
Minas em função da opção fundamental do
desenvolvimento sustentável
2.2. A constitucionalização do bem jurídico --------------------- 40
ambiente e respectivas dimensões
fundamentais
2.2.1. A Constituição Ambiental --------------------- 40
2.2.2. O direito fundamental ao ambiente --------------------- 42
equilibrado
2.2.3. A consagração do interesse público da --------------------- 47
protecção do ambiente
2.2.4. A inconstitucionalidade da norma --------------------- 49
constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de
Minas em função do regime jurídico-
constitucional de protecção do ambiente
2.3. O silêncio constitucional em torno da --------------------- 50
valoração de usos sobre os recursos naturais
Capítulo III - Interpretação da norma --------------------- 53
constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de
Minas no quadro da Constituição da
República
3.1. Os caminhos da interpretação --------------------- 53
3.2. Interpretação conforme à Constituição --------------------- 54
3.2.1. Conceito --------------------- 54
3.2.2. Princípios relevantes --------------------- 57
3.2.2.1. Princípio da prevalência da --------------------- 57
Constituição
3.2.2.2. Princípio da conservação das --------------------- 58
normas
3.2.2.3. Princípio da proporcionalidade 59
3.3. Requisitos para a interpretação --------------------- 59
conforme `a Constituição
3.3.1. Pluralidade de significados da norma --------------------- 59
infraconstitucional
3.3.2. Rejeição de norma inconstitucional ---------------------
4
cujo sentido decorra de interpretação
conforme a Constituição
3.3.3. Respeito mínimo pelo texto da lei --------------------- 60
3.3.4. Respeito mínimo pelo objectivo do --------------------- 61
legislador
3.3.5. Necessidade 52
3.4. Diferença em relação a outros conceitos --------------------- 62
3.4.1. Interpretação constitucional --------------------- 62
3.4.2. Interpretação integrativa da lei com a --------------------- 63
Constituição
3.5. Interpretação proposta da norma --------------------- 63
constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de
Minas
3.6. Interpretação conforme à Constituição --------------------- 66
em sede da fiscalização da
constitucionalidade das leis
3.6.1. A Justiça Constitucional --------------------- 66
3.6.2. Interpretação conforme à Constituição --------------------- 68
em sede da fiscalização abstracta da
constitucionalidade
3.6.2.1. Fiscalização preventiva da --------------------- 69
constitucionalidade
3.6.2.2. Fiscalização sucessiva da --------------------- 70
constitucionalidade
3.6.2.3. Contornos da interpretação --------------------- 72
conforme à Constituição em sede da
fiscalização abstracta da constitucionalidade
3.6.3. Interpretação conforme à Constituição --------------------- 74
em sede da fiscalização concreta da
constitucionalidade
3.6.3.1. Conceito e regime da fiscalização --------------------- 74
concreta
3.6.3.2. Contornos da interpretação --------------------- 76
conforme a Constituição em sede da
fiscalização concreta da constitucionalidade
Conclusões --------------------- 78
Bibliografia --------------------- 82
5
“O desenvolvimento sustentável (…) aponta para um
modelo de desenvolvimento dentro dos limites
ambientais conhecidos, num dado momento, e tido
como capaz de preservar o equilíbrio geral e o valor
do meio e dos recursos naturais mundiais,
assegurando a sua repartição e uso equilibrado”
6
Introdução
I. Contextualização
7
O legislador ordinário, por seu turno, tem vindo a exercer um
papel de notória actividade na aprovação de legislação sobre a protecção
e conservação do ambiente, através da elaboração de regulamentos
específicos da Lei do Ambiente e de legislação ambiental complementar,
bem como da adesão e ratificação de convenções e protocolos
internacionais versando sobre o ambiente.
Na realidade prática, no decurso dos processos de licenciamento
de actividades económicas, bem como de atribuição do direito de uso e
aproveitamento da terra, têm vindo a emergir alguns conflitos derivados
da interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas,
principalmente num contexto em que a actividade mineira tem vindo a
conhecer um rápido e dinâmico crescimento, merecendo uma atenção
particular por parte do Governo, mas em que, no território, há vários
anos que decorrem projectos de actividade em diversas áreas, de cariz
público ou privado, com especial destaque para os programas de
conservação da Natureza.
Importa agora saber em que medida a referida norma se encontra
conforme ao quadro jurídico-constitucional e se, caso a resposta a esta
questão venha a ser negativa, quais os passos a tomar no âmbito do
acesso à justiça constitucional para garantir a necessária conformidade
com a Constituição.
II. Problemática
8
consideras sustentáveis, como é o caso da conservação. Por outro lado,
algumas vozes se levantam contra a previsão do legislador,
principalmente por consubstanciar um retrocesso em relação ao quadro
jurídico-legal de protecção do ambiente, bem como uma prerrogativa
para os órgãos competentes da Administração Pública fazerem uso de
terras que, de outra forma, não fariam, e que estão a ser utilizadas para
fins de protecção e conservação do ambiente e da biodiversidade.
Torna-se necessário averiguar até que ponto o legislador ordinário
terá procedido em conformidade com a Constituição da República de
Moçambique, principalmente, quando, por parte do legislador
fundamental, foi consagrado o princípio ao desenvolvimento sustentável,
bem como um regime reforçado de protecção do ambiente.
III. Objectivos
9
ii. Realizar a leitura da referida norma à luz dos interesses
públicos do desenvolvimento sustentável e da protecção do
ambiente constitucionalmente consagrados;
iii. Propor um modelo de interpretação conforme à Constituição da
norma constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas, bem
como analisar a interpretação conforme à Constituição em sede
da fiscalização da constitucionalidade.
IV. Metodologia
V. Estrutura
10
Minas; no segundo capítulo far-se-á a leitura desta norma à luz do
princípio do desenvolvimento sustentável e do regime jurídico-
constitucional de protecção do ambiente, determinando em que medida
se verificou uma inconstitucionalidade; no terceiro e último capítulo,
será tratada a interpretação conforme à constituição, com especial
referência ao conceito, princípios e requisitos para a sua utilização,
propondo-se, em concreto, a sua aplicação à norma constante no n.º 2
do artigo 43 da Lei de Minas, para, no fim, se indicarem e analisarem os
caminhos para acesso à justiça constitucional dirigidos a assegurar a
interpretação conforme à Constituição. Finalmente, serão apresentadas
as conclusões.
11
Capítulo I - Do quadro jurídico-legal do sector das minas à norma do
n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas
12
O Governo, através da Resolução n.º 4/98, de 24 de Fevereiro,
aprovou a Política Geológica e Mineira, que constituí o principal
instrumento político e programático que rege o sector, contendo
directrizes programáticas nos domínios da cartografia de base e
cobertura geológica, reabilitação e desenvolvimento mineiro,
aproveitamento e industrialização local, reforço industrial e
reestruturação do sector empresarial do Estado.
Assim, foi aprovada uma nova Lei de Minas em 2002, a Lei n.º
14/2002, de 26 de Junho, visto que, de acordo com o respectivo
preâmbulo, “as transformações económicas em curso no País e o
desenvolvimento do sector mineiro, impõem a revisão da legislação
aplicável à actividade mineira, de modo a adequá-la aos objectivos da
política económica”. Foi assim expressamente revogada a anterior Lei de
Minas, a Lei n.º 2/86, de 16 de Abril, bem como a demais legislação que
eventualmente contrarie a Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho2.
Esta Lei tem vindo a ser objecto de regulamentação, tendo sido
aprovado, em primeiro lugar, o Regulamento Ambiental para a Actividade
Mineira, através do Decreto n.º 26/2004, de 20 de Agosto; seguiram-se
Regulamento de Comercialização de Produtos Minerais, aprovado através
do Decreto n.º 16/2005, de 26 de Junho; o Regulamento de Segurança
Técnica e de Saúde nas Actividades Geológico-Mineiras, aprovado através
do Decreto n.º 61/2006, de 26 de Dezembro; o Regulamento da Lei de
Minas, aprovado pelo Decreto n.º 62/2006, de 26 de Dezembro; e as
Normas Básicas de Gestão Ambiental, aprovadas pelo Diploma
Ministerial n.º 189/2006, de 14 de Dezembro.
2
Cfr. Artigo 46/1, da Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho (Nova Lei de Minas).
13
Simultaneamente, atendeu-se ao enquadramento fiscal da
actividade mineira, procurando acautelar da componente ambiental e da
componente social, passo significativamente dado com a aprovação da
Lei n.º 11/2007, de 27 de Junho. O n.º 1 do artigo 11 constitui um
marco assinalável, por ter instituído que uma percentagem das receitas
geradas na actividade mineira deve ser canalizada para o
desenvolvimento das áreas onde se localizam os projectos mineiros.
14
mineiro e a senha mineira) de cumprir com as exigências de protecção,
gestão e restauração ambiental, nos termos da legislação em vigor3.
3
Cfr. Artigos 15/6 h), 18/2 d) e 22/1 c), da Nova Lei de Minas.
15
de uso e aproveitamento de uma categoria de recursos naturais, o que,
em abono de verdade, constitui um marco digno de evidenciação. O
enquadramento jurídico ambiental da actividade mineira é aliás vincado
logo na definição da Lei de Minas, no n.º 1 do artigo 1, ao se estabelecer
que “os termos do exercício dos direitos e deveres relativos ao uso e
aproveitamento de recursos naturais com respeito pelo meio ambiente,
com vista à utilização racional e em benefício da economia nacional”.
Sublinhe-se que da leitura que se fez da Lei n.º 14/2002, de 26 de
Junho, não se têm dúvidas de que, no domínio da protecção ambiental,
esta significou um salto qualitativo em relação à anterior Lei de Minas,
desde logo porque, a mesma contém, na sua estrutura orgânica, um
capítulo específico dedicado à gestão ambiental da actividade mineira.
16
para actividades de prospecção, pesquisa e produção de petróleos, gás e
indústria extractiva de recursos naturais”4.
Esta opção foi igualmente tomada aquando do processo de
elaboração e aprovação da Lei de Minas, a qual delegou para o Conselho
de Ministros a incumbência de “aprovar os regulamentos ambientais
para a actividade mineira”5.
Julgamos que subjacente à opção do legislador no tratamento
específico encontra-se não somente uma preocupação com a
especificidade técnica das actividades mineira e petrolífera, mas também,
fundamentalmente, ao contributo potencial que estas significam para a
economia nacional, justificando que, ainda que não oficial e
deliberadamente, possuam uma espécie de estatuto jurídico privilegiado
em relação às demais actividades económicas, facto que vai ter
repercussão, conforme veremos de seguida, na concepção da norma
constante n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas.
4
Cfr. Artigo 2/2, do Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental,
aprovado pelo Decreto n.º 45/2004, de 29 de Setembro.
5 Cfr. Artigo 44 c) da Lei de Minas.
17
recursos minerais como forma de promover a crescimento económico e
melhorar a balança de pagamentos do País”6.
Não tendo tido acesso aos trabalhos preparatórios que
antecederam a nova Lei de Minas, apesar de diversas diligências
efectuadas, procurámos em outras fontes a base determinante para a
opção do legislador ordinário. Na primeira Lei de Minas (Lei n.º 2/86, de
16 de Abril), determinou-se que “o uso e ocupação de terrenos
necessários à realização da actividade mineira, rege-se pelas disposições
que regulam o uso e aproveitamento da terra (…)”, sendo que “as infra-
estruturas, construções e benfeitorias integrantes ou auxiliares da
actividade mineira regem-se pelo estabelecido em regulamento a esta lei
(…)”7.
No Regulamento da primeira Lei de Minas, aprovado pelo Decreto
n.º 13/87, de 24 de Fevereiro, encontra-se um artigo referente às
restrições ao direito de uso e aproveitamento da terra, o artigo 66, com
destaque para o disposto no n.º 1, segundo o qual “as actividades dos
utentes ou ocupantes da terra que se situem em áreas sujeitas a licença
ou concessão não devem impedir as operações conduzidas ao abrigo do
respectivo título mineiro”.
Contudo, o legislador regulamentar acautelou a necessidade de os
direitos atribuídos para o exercício da actividade mineira serem exercidos
de modo a afectar o menos possível os direitos dos utentes ou ocupantes
das terras localizadas abrangidas pelo título mineiro8. Por outro lado, do
disposto no n.º 3 do artigo 64 do Regulamento em causa, decorre a
prerrogativa da Administração Pública, através da entidades
competentes, permitir a realização de actividades mineiras em locais sob
regime específico, incluindo zonas de protecção total e parcial.
6 Cfr. Ponto 2.3.11, do Plano Quinquenal do Governo para 2005 – 2009, referente aos
recursos minerais.
7
Cfr. Artigo 16/1 e 3 da primeira Lei de Terras.
8
Cfr. Artigo 64/1 do Regulamento da primeira Lei de Terras.
18
Conclui-se que, da leitura do primeiro regime jurídico-legal sobre
uso e aproveitamento de recursos minerais, não obstante a evidência da
importância que o legislador ordinário atribuiu à actividade mineira,
impondo restrições aos titulares do direito de uso e aproveitamento da
terra, não se previa nenhuma norma de natureza semelhante à do n.º 2
do artigo 43 da nova Lei de Minas.
De seguida, procurar-se-á interpretar o sentido e alcance da
referida norma, através do respectivo desdobramento e análise casuística
dos componentes que a integra.
Em primeiro lugar, o legislador refere-se ao uso da terra para fins
mineiros relativamente aos demais usos, nomeadamente para fins de
habitação, agricultura, pecuária, turismo, conservação, turismo,
indústria, etc. De acordo com a terminologia constitucional e legalmente
correcta, o que se pretendeu foi aludir não ao uso enquanto tal, mas sim
ao direito de uso e aproveitamento da terra para fins mineiros. Sendo a
terra propriedade do Estado moçambicano, nos termos do n.º 1 do artigo
109 da Constituição da República, é reconhecido às pessoas, singulares
ou colectivas, um direito ao uso e aproveitamento da terra.
Em segundo lugar, a norma faz referência às operações mineiras,
importa equacionar em que estas consistem, pois não estão em causa
todas e quaisquer operações, mas sim aquelas que venham a ser
definidas na Lei de Minas, mais concretamente, no respectivo Glossário.
Segundo o n.º 26 do Glossário da Lei, as operações mineiras são todos os
“trabalhos realizados no âmbito de qualquer actividade mineira”. Mais
uma vez se torna necessário remeter para o referido Glossário, pois urge
atender à definição de actividades mineiras, para, no respectivo n.º 1, se
entenderem como “operações que consistem no desenvolvimento, de
forma conjunta ou isolada, de acções como o reconhecimento,
prospecção, pesquisa, mineração, processamento e tratamento”.
Ora, em terceiro lugar, a prevalência do uso para operações
mineiras só deve ser determinada “quando o benefício económico e social
19
relativo das operações mineiras seja superior”. Há aqui um efectivo e
amplo espaço de discricionariedade atribuído à Administração Pública,
que, através do órgão competente, deverá verificar, caso a caso, quando é
que do uso para operações mineiras decorrem, relativamente, benefícios
económicos e sociais superiores àqueles susceptíveis de alcançar com a
atribuição do direito de uso e aproveitamento da terra para outros fins.
Com esta norma, o legislador estabeleceu expressamente uma
cláusula geral de preferência do direito de uso e aproveitamento da terra
para fins mineiros sobre os demais usos, de acordo com critérios de
ordem exclusivamente economicista e social, remetendo para a
Administração Pública o papel determinante na averiguação casuística
da prevalência dos benefícios, entre os quais não se encontra qualquer
alusão às implicações ambientais da decisão que venha a ser tomada, o
que, conforme se verá de seguida, tem implicações práticas e jurídicas
altamente discutíveis e deveras preocupantes. Uma das principais
objecções decorre da não contabilização económica dos componentes
ambientais, através do cálculo das chamadas externalidades ambientais
negativas, que torna totalmente erróneo o exercício meramente
quantitativo que se realize em tornos dos eventuais benefícios
económicos e sociais. Se os custos eventuais da degradação ambiental de
determinada actividade fossem contabilizados no processo de tomada de
decisão, recorrendo-se a um horizonte temporal mais lato,
equacionando-se a médio e longo prazo, o quadro final assumiria, muito
certamente, uma configuração diferente, conduzindo a que uma
actividade de conservação possa ser económica e socialmente mais
sustentável em relação a uma actividade de mineração.
Curiosamente, não se encontra na Lei de Petróleos, Lei n.º 3/2001,
de 21 de Fevereiro, qualquer norma similar, não obstante a importância
que a descoberta deste recurso assumiria para a economia
moçambicana, bem como todos os esforços que têm vindo a ser
realizados na prospecção e pesquisa petrolífera. De acordo com o n.º 2 do
20
artigo 1 da Lei de Minas, “o uso e aproveitamento de petróleo são regidos
por diploma próprio”. Assim, da leitura realizada da Lei de Petróleos
enquanto lei específica, não se encontra nenhum dispositivo que
privilegie o direito de uso e aproveitamento dos recursos petrolíferos,
principalmente no artigo equivalente – o artigo 20, referente ao “uso e
aproveitamento da terra e servidão de passagem”.
A este respeito, o artigo 20 do Regulamento das Operações
Petrolíferas, aprovado pelo Decreto n.º 26/2004, de 20 de Agosto,
determinou que a “atribuição de direitos relativos ao exercício das
actividades de reconhecimento, pesquisa e produção e construção e
operação de oleodutos e gasodutos não é, por regra, incompatível com a
prévia ou posterior atribuição de direitos para o exercício de actividades
respeitantes a outros recursos naturais”, sendo que, “havendo
incompatibilidade dos direitos (...) os ministros que superintendem as
actividades em conflito decidirão qual o direito que deve prevalecer, de
acordo com o interesse nacional”.
21
Delta, é a Lei dos Petróleos que se vai sobrepor a todas as restantes que
possam ser chamadas em defesa da biodiversidade”9.
O risco da generalização de semelhante percepção é maior junto
das autoridades associadas aos procedimentos de tomada de decisões,
fazendo com que, por exemplo, todo um processo de investimento em
uma área económica não mineira possa ser deitado abaixo de um
momento para o outro, apenas porque o decisor entende que os
respectivos benefícios económicos e sociais são inferiores àqueles que
resultariam do exercício de determinada actividade mineira. Há,
portanto, um espaço de discricionariedade demasiado lato para a
Administração Pública, com implicações práticas potencialmente
danosas.
A respeito da discricionariedade, João Caupers escreve que esta
“não resulta de um esquecimento ou de uma incapacidade de previsão do
legislador, mas de uma opção deste: considerou que, para melhor
prosseguir um determinado interesse público, a administração pública
deveria poder escolher um de entre vários conteúdos decisionais – aquele
que, no entender do órgão decisor, melhor prosseguisse tal interesse. O
legislador quis que este dispusesse de uma certa margem de liberdade de
decisão, por forma a poder adaptar esta à diversidade da condições da
vida que poderiam justificar a sua tomada”10.
Existe aqui, portanto, um espaço de discricionariedade demasiado
excessivo, susceptível de conduzir ao arbítrio por parte da Administração
Pública, e, consequentemente, à violação de outros interesses públicos,
bem como de interesses privados. Este espaço é reforçado através da
inclusão de uma palavra aparentemente simples, mas que, em termos
práticos, pode levantar imensos problemas – referimo-nos à expressão
benefício “relativo”. Temos efectivamente alguma dificuldade em
22
entendermos a razão da sua inclusão, mais a mais pensando que não se
exige um benefício sólido, substancial, significativo, mas tão-somente um
benefício relativo, que pode ser entendido como algo ligeiro ou levemente
superior. Em termos reais, significa colocar nas mãos do decisor a
possibilidade de atribuir prevalência ao uso mineiro apenas porque, nos
termos de estudo de viabilidade, este possa vir a criar, a curto prazo,
vantagens relativamente superiores em relação a um outro qualquer uso
pré-existente.
A eventual inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2 do
artigo 43 da Lei de Minas constitui uma tese, para muitos,
eventualmente complexa de defender, principalmente no contexto em o
Governo traçou para Moçambique, no campo das políticas públicas, um
conjunto de metas no combate à pobreza absoluta e no estimular do
desenvolvimento rápido da economia.
Contudo, importa realizar uma ponderação dirigida a identificar as
desvantagens e constrangimentos de uma aplicação literal da referida
norma, nomeadamente à luz da Constituição da República de
Moçambique, que contém igualmente a consagração de um conjunto de
interesses dignos de tutela, especialmente de natureza pública.
23
Capítulo II. A norma constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas
à luz do princípio fundamental do desenvolvimento sustentável e do
regime jurídico-constitucional de protecção do ambiente
24
O conceito de crescimento económico “contabiliza a riqueza
nacional ignorando a existência e o estado de conservação dos recursos
naturais”11. Não obstante reflectir-se positivamente na riqueza nacional,
quando desenfreado e sem consideração com a questão ambiental,
resulta em poluição e degradação dos componentes ambientais, o que
contribuirá negativamente para o próprio bem-estar social12.
Tal conceptualização decorre das limitações inerentes à teoria
económica clássica, a chamada teoria do crescimento ilimitado, como é o
caso do pressuposto equívoco da gratuidade dos elementos da natureza,
ou da equiparação do quantitativo ao qualitativo13. Note-se que esta
teoria começou a ser posta em causa principalmente na sequência da
crise do petróleo no decurso da década de setenta, na qual a
problemática ambiental foi finalmente assumida ao nível das classes
dirigentes da comunidade internacional.
Ao contrário do simples crescimento, o conceito de
desenvolvimento abrange igualmente uma componente social, traduzida
na melhoria das condições de vida de determinado país ou região. O
desenvolvimento pressupõe uma noção profundamente diferente, na
medida em que, à preocupação numérica e quantitativa, que não
desaparece, principalmente no contexto de uma economia de mercado,
se junta um conjunto de valores de ordem qualitativa, como a justiça
social, a redistribuição da riqueza, entre outros. Por conseguinte, não
haverá desenvolvimento à custa da miséria de uma maioria ou da
exclusão social de muitos, e, em termos positivos, lutar contra a pobreza
constitui uma das dimensões fundamentais do conceito de
desenvolvimento.
25
Esta foi aliás uma conquista decorrente da constatação de que,
primeiro, “o desenvolvimento económico não era possível sem uma
acentuadíssima componente social, quer introduzindo justiça na
repartição dos bens, quer assegurando uma afectação preferencial da
riqueza criada à satisfação das necessidades de todos os homens; depois,
que o social não bastava para arrastar, enquadrar e dar sentido ao
económico, que era necessário também o cultural, mais eminentemente
qualitativo, porque já não tinha que ver sequer com a afectação e com a
repartição da riqueza, mas com valores que enfermam o modo como os
homens, aproveitando da riqueza para a sua felicidade, e criando-a o
melhor que podem, tentam ser, em conjunto, felizes, livres e solidários; e,
no fim, de algum modo a teoria do desenvolvimento dessa fase pode
dizer-se que se esgotou ao referir que o processo económico do
desenvolvimento só estava completo se fosse completado pela dimensão
social, de fosse acompanhado de um desenvolvimento cultural e, em
última instância, fosse colocado inteiramente ao serviço do Homem – a
ideia de que o desenvolvimento só existe se for concebido como de todo o
homem, de todos os aspectos da vida humana e de todos os homens,
portanto, se for concebido para toda a humanidade”14.
Por seu turno, o conceito de desenvolvimento sustentável vai mais
longe dos que as anteriores perspectivas de progresso, na medida em que
integra uma dimensão já não mais considerada antinómica – a
protecção, conservação e valorização do ambiente, sem a qual não se
poderá falar de desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável
enquanto princípio integra três pilares fundamentais: (1) o
desenvolvimento económico, (2) o desenvolvimento social e a protecção
do ambiente.
14
FRANCO, ANTÓNIO SOUSA, Ambiente e Desenvolvimento, In. Textos – Ambiente,
Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1994, pp. 264 – 265.
26
O conceito de desenvolvimento sustentável foi oficializado, através
do famoso Relatório Brundlant15, de 1986, tornando-se desde então
mundialmente conhecido e aplicado, que resultou do trabalho realizado
por uma Comissão nomeada pelo Secretário-geral das Nações Unidas,
para realizar um estudo aprofundado sobre os principais problemas
ambientais que ameaçam e obstam ao desenvolvimento da maioria dos
países do Sul16. Este Relatório serviu como um dos documentos
preparatórios da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de Junho de
1992 (“Conferência do Rio”).
Na Declaração de Princípios que os chefes de Estado e de Governo
assinaram, encontramos subjacente a diversos princípios o conceito de
desenvolvimento sustentável. Assim, nos termos do Princípio III, “o
direito ao desenvolvimento deverá ser exercido por forma a atender
equitativamente as necessidades, em termos de desenvolvimento e de
ambiente, das gerações actuais e futuras”. Por seu turno, segundo o
princípio IV, “para se alcançar um desenvolvimento sustentável, a
protecção ambiental deve constituir parte integrante do processo de
desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente”.
Este conceito foi construído sobre três perspectivas fundamentais:
a superação do binómio ambiente e desenvolvimento, a ideia da
sustentabilidade, equidade ou racionalidade no uso dos recursos
naturais e a visão intergeracional.
Quanto à primeira perspectiva, dá-se a superação do aparente
antagonismo entre os conceitos de desenvolvimento e ambiente, que não
são mais entendidos como realidades inconciliáveis, bem pelo contrário,
só há desenvolvimento se o mesmo não foi alcançado à custa da
degradação ambiental. Aos se fundirem dois pólos teoricamente opostos
15 Esta comissão foi presidida pela então primeira Ministro norueguesa, Gro-Harlen
Brundlant.
16
CONDESSO, Fernando dos Reis, ob. cit., p. 80.
27
da relação dicotómica – ambiente e desenvolvimento, encontrou-se uma
nova abordagem de evolução da sociedade global, que passa não mais
pelo crescimento económico, pelo desenvolvimento exclusivamente
económico, mas pelo desenvolvimento sustentável. Tem-se em vista
“conciliar a preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento
económico. Pretende-se que, sem o esgotamento desnecessário dos
recursos ambientais, haja a possibilidade de garantir uma condição de
vida mais digna e humana para milhões de pessoas, cujas actuais
condições são humilhantes”17.
Sobre a segunda perspectiva, trata-se de salvaguardar a
sustentabilidade no uso dos componentes ou dos recursos naturais,
preservando a biodiversidade, as espécies, os ecossistemas e habitats, as
relações fundamentais ao equilíbrio ecológico, e, principalmente, a não
retirar do Planeta mais do que aquilo que este nos permite dar de uma
forma sustentável18. Fundamentalmente, trata-se de garantir que a
pegada ecológica de cada habitante, calculada em função dos recursos
necessários à sua sobrevivência e da quantidade de resíduos por
emitidos, não constitua factor de desequilíbrio irreversível e
eminentemente problemático.
No tocante à última perspectiva, pretende-se, fundamentalmente,
abandonar a tendência egoística de perspectivar os recursos a curto
prazo, sem atender à sua finitude e, portanto, refutando-se a
possibilidade de as gerações futuras poderem usufruir dos mesmos
recursos. Aliás, por causa de tal carácter finito, Paulo Bessa Antunes
afirmou que o conceito de desenvolvimento sustentável é tudo menos
simples, sendo extremamente ingénuo considerar que se podem usar os
17
ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e
Atualizada, Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2005, p. 14.
18
Segundo Gomes Canotilho e outros, “a utilização razoável e racionada dos recursos
escassos, os quais são condição absoluta de sobrevivência da nave, é de vital
importância tanto para o homem como para toda a vida terrestre”. Cfr. CANOTILHO,
J.J. Gomes (Coordenação científica), Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade
Aberta, Lisboa, 1998, p. 90.
28
recursos naturais sem o risco de esgotamento19. Sousa Franco fala de
“justiça intergeracional”, no sentido de que: “uma geração não tem o
direito, nem de desperdiçar aquilo que recebeu, em de se satisfazer sem
limites no tempo da sua vida atirando com os custos disso, mediante a
dívida, para o futuro”20. Portanto, subjacente a esta ideia está a
assunção de que os recursos naturais são escassos e finitos, e não
eternamente disponíveis e absolutamente livres como durante muito
tempo se pensou e equacionou21.
Por fim, segundo Fernando Condesso, o desenvolvimento
sustentável “aponta para um modelo de desenvolvimento dentro dos
limites ambientais conhecidos, num dado momento, e tido como capaz
de preservar o equilíbrio geral e o valor do meio e dos recursos naturais
mundiais, assegurando a sua repartição e uso equilibrado”22.
29
em sede da Constituição da República de Moçambique, de um autêntico
princípio fundamental do desenvolvimento sustentável, tendo presente,
não apenas a importância nuclear que o desenvolvimento apresenta em
face do actual estado do País, para o qual os recursos naturais
representam uma base dominial essencial à promoção do bem-estar
social e espiritual e qualidade de vida dos cidadãos moçambicanos, mas
também a notável e destacada relevância que o legislador constitucional
atribuiu à protecção do ambiente enquanto pressuposto de
desenvolvimento sustentável.
Importa igualmente ter presente que acolhemos a definição de
Gomes Canotilho, que define os princípios como “normas que exigem a
realização de algo, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”,
em contraposição às regras, entendidas como normas que, verificados
determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em
termos definitivos, sem qualquer excepção23.
Jorge Miranda chama-nos a atenção para o facto de os princípios
não se colocarem acima do Direito (positivo), porque fazem igualmente
parte do ordenamento jurídico e normativo, isto é, são também normas –
as chamadas normas-princípios, em contraposição com as normas-
regras24.
Nota de destaque para a importância dos princípios
constitucionais, na medida em, mesmo não contendo um preceito de
carácter imediato, que possa ser aplicado sem intervenção do legislador
ou do julgador, possuem um papel fundamental na interpretação e
integração da Constituição, bem como na criação, interpretação e
integração das leis ordinárias25.
23
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2003, p. 1255.
24
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II – Constituição, 6.ª Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 263.
25
CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, Coimbra
Editora, Coimbra, 1991, p. 50.
30
Para o efeito, entendemos que o princípio de desenvolvimento
sustentável enquadra-se na categoria de princípios gerais fundamentais,
que concretizam e densificam os chamados princípios estruturantes da
Constituição (o do Estado de Direito, o Democrático, o Republicano e o
da Justiça Social) na medida em que determina a constituição e
indicação de ideias directivas básicas de toda a ordem constitucional26.
No caso em apreço, o princípio do desenvolvimento sustentável
constitui densificação do Princípio estruturante do Estado de Justiça
Social, ou, segundo o legislador de alguns ordenamentos jurídicos,
Princípio do Estado Social, que, no caso da Constituição de 2004,
encontra-se patente logo no artigo 1, que configura a República de
Moçambique como Estado independente, soberano, democrático e de
justiça social.
Assim, a opção constitucional significa que este princípio não se
reduz a uma mera tarefa administrativa a cargo do Estado, mas antes
perfilha-se como autêntico princípio estruturante do próprio Estado,
postulando a “constitucionalização das premissas normativo-
constitucionais da justiça social, abertas a desenvolvimentos vários nos
domínios económico, social e cultural concretos”27.
Antes de passarmos para a descrição e análise detalhada dos seus
componentes à luz da Constituição, destacamos a alusão ao princípio,
ainda que em termos indirectos, no artigo 11, da Lei Fundamental, sobre
os objectivos fundamentais do Estado moçambicano, entre os quais,
entre outros, consta o da “promoção do desenvolvimento equilibrado,
económico, social e regional do país”28. Para além de encontrarmos
patentes os três pilares de que nos temos vindo a referir (o ambiental
está implícito à “desenvolvimento equilibrado”), há uma dimensão não
menos importante de um novo bem jurídico que emerge na Constituição
31
de 2004 – o ordenamento do território, que resulta da combinação entre
desenvolvimento equilibrado e desenvolvimento regional.
32
assumindo também qualquer posição de prevalência em relação aos
demais pilares – o social e o ambiental.
O conceito de desenvolvimento sustentável encontra-se também
presente no n.º 1 do artigo 128, sobre o Plano Económico e Social, ao se
determinar que este instrumento “tem como objectivo orientar o
desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento
sustentável, reduzir os desequilíbrios e eliminar progressivamente as
diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo”. Neste caso, o
legislador fundamental não foi muito feliz quanto ao vocábulo utilizado,
pois, em vez de “crescimento”, deveria ter utilizado a palavra
“desenvolvimento”.
29
GOUVEIA, Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Volume II, 2.ª Edição Revista e
Actualizada, Almedina, Coimbra, 2007, p. 937.
33
de Justiça Social. Este princípio foi reforçado através da alínea c) do
artigo 11, segundo o qual o Estado moçambicano tem como um dos
objectivos fundamentais “a edificação de uma sociedade de justiça social
e a criação do bem-estar material, espiritual e qualidade de vida dos
cidadãos”.
O pilar social decorre igualmente do capítulo V, referente aos
direitos económicos, sociais e culturais, que, ao reforçar
significativamente as posições jurídicas subjectivas dos cidadãos,
atribuiu ao Estado uma responsabilidade acrescida na implementação
das acções e medidas necessárias à efectivação dos direitos sociais
constitucionalmente consagrados. Este papel do Estado foi
complementado com a previsão, no Capítulo III, relativo à organização
social, do Título IV (Organização económica, social, financeira e fiscal), de
um conjunto fundamental de atribuições públicas, consubstanciando
autênticos deveres de intervenção na sociedade para a realização de
direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.
34
racionalidade do uso e aproveitamento dos recursos; e a segunda alusiva
ao carácter intergeracional, isto é, em que o uso dos recursos seja
susceptível de satisfazer os recursos não apenas da geração presente,
mas igualmente da geração futura.
30
Para além da Política Nacional do Ambiente, importa fazer menção do Plano
Quinquenal do Governo para 2000 – 2004, aprovado pela Resolução n.º 4/2000, de 22
de Março, que traçou como um dos quatro objectivos centrais do Executivo “o
crescimento económico rápido e sustentável, focalizando a atenção à criação do
ambiente económico favorável à acção do sector privado”, o que, no domínio do
ambiente, “pressupõe uma adequada utilização dos recursos naturais, garantindo deste
modo as necessidades actuais de crescimento socioeconómico e das gerações
vindouras”. Mas foi no Plano Quinquenal seguinte (2005 - 2009), aprovado pela
Resolução n.º 16/2005, de 11 de Maio, que o conceito ganhou o significado e alcance
que lhe são atribuídos, tendo sido estabelecido como objectivo central do Governo “a
redução da pobreza absoluta, através da promoção do desenvolvimento social e
económico sustentáveis”. No que diz respeito ao ambiente, reconheceu-se que “no
contexto dos três pilares de desenvolvimento sustentável, nomeadamente o
desenvolvimento económico, social e a conservação do ambiente, o Governo continuará
a considerar os aspectos ambientais como sendo de maior relevância em todos os
processos de formulação de políticas, planos e projectos, rumo ao desenvolvimento
35
A Política serviu de fonte de direito aquando da elaboração da Lei
do Ambiente, a qual incluiu o conceito de desenvolvimento sustentável
no n.º 10 do artigo 1 da Lei do Ambiente, Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro,
definido como “o desenvolvimento baseado numa gestão ambiental que
satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer o
equilíbrio do ambiente e a possibilidade de as gerações futuras
satisfazerem as suas necessidades”.
Esta Lei tem, aliás, como objectivo último a materialização de um
sistema de desenvolvimento sustentável, através da “definição das bases
legais para uma utilização e gestão correctas do ambiente e seus
componentes”31
O legislador criou, no artigo 6 da Lei do Ambiente, o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Sustentável (CONDES), órgão consultivo do
Conselho de Ministros, cuja atribuição fundamental consiste em garantir
a “efectiva e correcta coordenação e integração dos princípios e das
actividades de gestão ambiental no processo de desenvolvimento do
país”, funcionando igualmente como “fórum de auscultação da opinião
pública sobre questões ambientais”.
O conceito de desenvolvimento sustentável tem vindo a ser
reforçado no esforço de regulamentação da Lei do Ambiente,
encontrando-se previsto, em termos expressos, no Regulamento sobre o
Processo de Avaliação do Impacto Ambiental, aprovado pelo Decreto n.º
45/2004, de 29 de Setembro32, instrumento determinante no processo
de tomada de decisões com impactos positivos e negativos no património
ambiental moçambicano.
Esta definição foi acolhida integralmente no n.º 10 do artigo 1 da
Lei de florestas e Fauna Bravia, Lei n.º 10/99, de 7 de Julho. O artigo 2,
36
por seu turno, definiu o objecto da Lei, estabelecendo “os princípios e
normas básicos sobre a protecção, conservação e utilização sustentável
dos recursos florestais e faunísticos no quadro de uma gestão integrada,
para o desenvolvimento económico e social do país”, no qual se
encontram os pilares fundamentais do conceito de desenvolvimento
sustentável.
No que diz respeito à legislação sobre recursos naturais, o
destaque vai, precisamente, para a Lei de Minas, na medida em que, logo
no artigo 2 alusivo aos objectivos, se estipulou que o direito de uso e
aproveitamento dos recursos minerais tem em vista “um desenvolvimento
sustentável de longo prazo”. Este entendimento foi reforçado através do
artigo 2 (objecto) do Regulamento Ambiental da Actividade Mineira,
segundo o qual o mesmo visa “o estabelecimento de normas para
prevenir, controlar, mitigar, reabilitar e compensar os efeitos adversos
que a actividade mineira possa ter sobre o ambiente, com visa ao
desenvolvimento sustentável desta actividade”.
A seguir à aprovação da Constituição de 2004, importa fazer
alusão à Lei do Ordenamento do Território (LOT), Lei n.º 19/2007, de 18
de Julho, que, para além de ter acolhido integralmente o conceito de
desenvolvimento sustentável tal como consta na Lei do Ambiente,
fortaleceu sobremaneira o entendimento em relação a cada um dos
pilares que o compõem – económico, social e ambiental. Isto acontece,
desde logo através da definição do objectivo geral da LOT - “assegurar a
organização do espaço nacional e a utilização sustentável dos seus
recursos naturais, observando as condições legais, administrativas,
culturais e materiais favoráveis ao desenvolvimento social e económico
do país, à promoção da qualidade de vida das pessoas, à protecção e
conservação do meio ambiente”33.
37
Foi indicado, em especial, como objectivo específico da LOT, o de
“compatibilizar e articular as políticas e estratégias ambientais e de
desenvolvimento socioeconómico, respeitando as formas actuais de
ocupação do espaço”34.
Este instrumento não procedeu a qualquer hierarquização dos
possíveis usos do território, sendo, no entanto, e a seguir à Constituição,
a sede mais indicada para o efeito. Há, no entanto, um notório
predomínio do objectivo da protecção e conservação do ambiente,
reflectido em quatro dos oito objectivos específicos da LOT35.
38
Note-se que o juízo de inconstitucionalidade pressupõe sempre um
juízo de incompatibilidade entre um princípio ou norma constitucional e
uma norma ordinária, requerendo, por conseguinte, a interpretação não
apenas da Constituição como também da norma infraconstitucional em
causa36.
Ao se prever, em sede ordinária, a prerrogativa de a Administração
Pública proceder à ponderação dos eventuais benefícios económicos e
sociais de cada um dos usos em eminente conflito, significa, em termos
jurídicos, uma verdadeira e autêntica desconformidade em relação à
Constituição de 2004, consubstanciando uma inconstitucionalidade
material superveniente, dado que a Lei de Minas é anterior à lei
Fundamental.
Acreditamos que muito provavelmente a redacção da norma
ordinária que suscitou a dúvida da constitucionalidade possuiria
contornos diferentes na sequência da opção fundamental do legislador
constitucional no que diz respeito à consagração do princípio
fundamental do desenvolvimento sustentável, que pressupõe, para além
dos pilares económico e social, um não menos importante pilar
ambiental, sem o qual haverá, tão-somente, um mero crescimento
económico ou, então, um desenvolvimento sócio económico, mas nunca
um desenvolvimento sustentável.
36
CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, Coimbra
Editora, Coimbra, 1991, p. 270.
39
2.2. A constitucionalização do bem jurídico ambiente e respectivas
dimensões fundamentais
40
procura de resposta para as necessidades acrescidas de defesa dos
particulares em face das novas ameaças de poderes públicos e privados,
a “questão ecológica” (como outrora a “questão social”) vai implicar a
assunção de novas tarefas estaduais»39.
Por seu turno, de acordo com José Pureza, “para o Estado
Ambiental a questão decisiva não é (como sucedia com o Estado liberal e
com o Estado social) a intensidade da intervenção económica do Estado
mas sim o primado do princípio do destino universal dos bens no espaço
e no tempo, o que impõe como tarefa fundamental a subtracção de certas
actividades e de certos recursos ao domínio da economicidade e o
controlo jurídico do uso racional do património natural. Em suma, o
Estado ambiental já não se contenta com a lógica limitativa transportada
pelos modelos anteriores e assume abertamente o património natural e o
ambiente como bens públicos, objecto de utilização racional”40.
Jorge Miranda refere, no entanto, que são poucos os Estados que
poderão arrogar-se da qualidade de Estados ambientais, visto que a
universalização do processo de constitucionalização do bem jurídico
ambiente não significa, por si só, efectividade ou implementação das
normas41.
A Constituição moçambicana inspirou-se nitidamente na
Constituição Portuguesa de 1976, na qual o ambiente recebeu um
tratamento de duplo alcance: objectivo (enquanto elemento institucional
e organizatório) e subjectivo (como direito fundamental de todo o
cidadão)42.
39
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente,
Almedina, Coimbra, 2002, pp. 24 – 25.
40
PUREZA, José, Tribunais, Natureza e Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal,
Cadernos do CEJ, Centro de Estudos Judiciários, pp. 27 – 28.
41
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais,
3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 533.
42
Idem, pp. 535 – 536.
41
2.2.2. O direito fundamental ao ambiente equilibrado
43
Sobre a natureza, significado e alcance do direito fundamental ao ambiente veja-se
CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito do Ambiente, Coimbra, 2001, pp. 472 – 476.
42
ambiente equilibrado é condição peremptória para a realização integral
do ser e personalidade de cada indivíduo.
Esta opção constitucional significa que, não obstante o inegável
valor societário ou colectivo do ambiente como bem jurídico, tendo
presente a enorme importância que o mesmo assume para a comunidade
politicamente organizada, determinando a consagração de um autêntico
interesse público na sua protecção, “essa natureza não prejudica (mas,
pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser também
assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão
individualmente considerado”44. E mais, “o ambiente, apesar de ser um
bem social unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal”45.
Por outro lado, o reconhecimento de um determinado valor como
direito fundamental pressupõe o entendimento de que a sua protecção e
efectivação constitui pressuposto essencial para uma existência livre e
condigna de cada indivíduo.
Gomes Canotilho e outros salientam que “na caracterização do
ambiente como direito fundamental, deve também destacar-se o seu
entendimento como direito da personalidade humana, bem como a sua
autonomia”, e que este “é protegido com autonomia em relação a outros
direitos que lhe são próximos (por exemplo o direito à saúde ou o direito
de propriedade)”46. Isto é, o ambiente é tutelado directa e imediatamente
e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele
relacionados”47.
Ora, o reconhecimento do direito fundamental ao ambiente assume
uma dupla dimensão: negativa e positiva. Negativa enquanto direito à
abstenção, por parte de sujeitos terceiros, Estado ou particulares, de
44
CANOTILHO, J.J. Gomes (Coordenação científica), Introdução ao Direito do Ambiente,
Universidade Aberta, Lisboa, 1998, p. 27.
45
Idem.
46
Ibidem, p. 28.
47
DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente,
Cadernos CEDOUA, CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2002, p.
16.
43
quaisquer actos de carácter nocivo susceptíveis de lesar o bem jurídico
ambiente48. O direito ao ambiente é assim configurado como um direito
de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes, públicos e
sociais. E positiva, na medida em que se perspectiva como um direito à
realização de uma série de prestações positivas por parte do Estado, e
que, conforme veremos, encontram assento, em termos não taxativos, no
artigo 117 da Constituição, realçando-se a sua dimensão enquanto
direito económico, social e cultural49.
Conforme se depreende da redacção do n.º 1 do artigo 90, ao
direito ao ambiente corresponde um dever de defender o ambiente, a
cargo de toda e qualquer pessoa, pública ou privada, singular ou
colectiva. O legislador constitucional moçambicano reforçou
significativamente a responsabilização do cidadão em relação ao
ambiente, o que acontece desde logo com a integração do artigo 45
(deveres para com a comunidade), que não tem qualquer
correspondência no texto constitucional anterior, o qual consagrou, para
além de outros, o dever essencial de todo e qualquer cidadão para com a
comunidade, “de defender e promover o ambiente”.
A consagração de um conjunto de deveres fundamentais na
Constituição de 2004 decorre, desde logo, do disposto em alguns
instrumentos de Direito Internacional em vigor na ordem jurídica
moçambicana, entre os quais destaque-se a Declaração Universal dos
Direitos Humanos50 e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos51. Segundo Jorge Miranda, “estes deveres são (…) de natureza
48
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais,
3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. p. 540.
49
Idem, p. 541.
50
Segundo o n.º 1 do artigo 29 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
“indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e
pleno desenvolvimento da sua personalidade”.
51 Segundo o n.º 1 do artigo 27 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,
ratificada pela Resolução n.º 9/88, de 25 de Agosto, “Cada indivíduo tem deveres para
com a família e a sociedade, para com o Estado e outras colectividades legalmente
reconhecidas e para com a comunidade internacional”.
44
jurídica (ainda que nem todos equivalham a deveres na tradição ou na
acepção própria do Direito Privado) – porque criados por verdadeiras
normas jurídicas, as normas constitucionais”52.
Por conseguinte, há lugar “a um fortalecimento da componente
responsabilidade partilhada, isto é, não obstante caber ao Estado
moçambicano, sem margem para dúvida, o papel crucial de promoção,
protecção, valorização destes bens, é indiscutível que sem o envolvimento
e adesão do cidadão individualmente considerado, por um lado, e da
comunidade no seu todo, por outro lado, não haverá qualquer sucesso
significativo no que toca à implementação das políticas públicas. O
cidadão é, portanto, não apenas um mero destinatário das políticas,
normas e decisões do Estado, mas, fundamentalmente, sujeito
determinante na respectiva implementação”53.
Da consagração do direito fundamental ao ambiente equilibrado
decorre como consequência lógica, enquanto pressuposto de tutela, o
direito de acesso à justiça, incluindo o acesso aos tribunais e às demais
instâncias de resolução de conflito, nos termos legalmente admissíveis.
Neste domínio, vejam-se os artigos 62 (Acesso aos tribunais), 69 (Direito
de impugnação), 70 (Direito de recorrer aos tribunais), 79 (Direito de
petição, queixa e reclamação) e 81 (Direito de acção popular). Estamos
diante de um autêntico direito a protecção jurisdicional efectiva, no qual
“os cidadãos terão assim abertas as portas dos tribunais, para reclamar
a tutela do ambiente quando tal direito seja violado por outros
particulares ou por entes e organismos públicos”54.
Finalmente, a norma jurídica que consubstancia o direito ao
ambiente equilibrado, encontrando-se integrada no capítulo respeitante
52
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais,
3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 177.
53
SERRA, Carlos/CUNHA, Fernando, Manuel de Direito do Ambiente, 2.ª Edição, CFJJ,
Maputo, 2008, p. 132.
54
DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente,
Cadernos CEDOUA, CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2002, pp.
31 – 32.
45
aos direitos económicos, sociais e culturais, pressupõe efeitos jurídicos
dignos de destaque, não obstando não conferir directamente aos
cidadãos um direito à sua prestação efectiva, e que importa referir55:
46
2.2.3. A consagração do interesse público da protecção do ambiente
47
que se revelaram fundamentais a “garantir o direito ao ambiente no
quadro de um desenvolvimento sustentável”, nomeadamente:
59
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2003, p. 1172.
48
do ambiente, combinando-se meios, recursos e esforços em prol de uma
causa que se quer comum.
49
sociais e culturais60. Assim, «o núcleo essencial dos direitos sociais já
realizado e efectivado através de medidas legislativas (…) deve
considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais
quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas
alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa
“anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo
essencial»61
50
Fevereiro)63, no artigo 1 da Lei das Águas (Lei n.º 16/91, de 3 de
Agosto)64 e no artigo 4 da Lei das Pescas (Lei n.º 3/90, de 26 de
Setembro)65 e no artigo 10 da Lei do Património Cultural (Lei n.º 10/88,
de 22 de Dezembro)66.
Por seu turno, o n.º 3 do artigo 98, que prevê três categorias de
domínio público: o domínio público do Estado propriamente dito, o
domínio público Autárquico e o domínio público Comunitário.
Em relação ao domínio público do Estado, encontra-se associado a
interesses públicos de índole essencialmente nacional, fundamentais
para a construção e desenvolvimento do Estado moçambicano enquanto
um todo integrado. “Sendo proprietário destes bens, o Estado define as
regras e as condições do respectivo uso e aproveitamento por parte dos
particulares, emitindo licenças e autorizações, exercendo a actividade de
fiscalização e retirando as mesmas quando o interesse público assim o
determinar, quando aquele uso e aproveitamento se efectue contra o
disposto na lei ou quando se atinja o limite dos prazos legalmente fixados
não havendo propósito da sua renovação”67.
À luz do n.º 2 do artigo 98, constituem domínio público do Estado:
a zona marítima, o espaço aéreo; o património arqueológico; as zonas de
protecção da natureza; o potencial hidráulico; o potencial energético; as
2088, p. 138.
51
estradas e linhas férreas; as jazidas minerais; e os demais bens como tal
classificados por lei. Assim, os recursos minerais compõem assim
domínio público do Estado, mas também o são os recursos energéticos,
hídricos e os demais recursos naturais existentes nas zonas de protecção
da natureza.
Entendemos que a opção no sentido da prevalência do uso mineiro
sobre os demais usos deveria acontecer no quadro jurídico-normativo da
Constituição, enquanto lei mãe de uma comunidade politicamente
organizada, e na qual são plasmados, em termos sistemáticos e
racionais, os princípios e normas por esta considerados fundamentais
em determinado momento histórico. Tendo presente o tipo, importância,
significado e alcance da opção em causa, não deveria ter sido realizada
em sede ordinária, principalmente numa lei considerada “sectorial”, isto
é, referente a um determinado sector de actividade e a uma categoria
específica de recursos naturais – os recursos minerais.
A ser admitida a opção ordinária, que mesma tivesse lugar em sede
da Lei do Ordenamento do Território, enquanto instrumento jurídico-
legal dirigido à materialização física das opções fundamentais em torno
do território.
52
Capítulo III - Interpretação da norma constante no n.º 2 do artigo 43
da Lei de Minas no quadro da Constituição da República
68
MOTTA, Sylvio/DOUGLAS, Willian, Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e
1000 Questões, 16.ª Edição, Revista e Ampliada, Editora Campus, Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p. 10.
69
CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, Coimbra
Editora, Coimbra, 1991, p. 51.
70
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II – Constituição, 6.ª Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 303.
53
infraconstitucional, recorreremos à interpretação conforme a
Constituição.
3.2.1. Conceito
71
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1310.
72
GOUVEIA, Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Volume I, 2.ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2007, p. 662.
73
Idem, pp. 662 – 663.
54
Segundo Jorge Miranda, a interpretação conforme a constituição
visa “conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da
interpretação, à referência à Constituição. Com o efeito, cada norma legal
não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e
no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no
contexto da ordem constitucional”74.
No que diz respeito à intervenção casuística em termos de acesso à
justiça, o mesmo autor defende que “todo o tribunal e, em geral, todo o
operador jurídico fazem interpretação conforme com a Constituição.
Quer dizer: acolhem, entre vários sentidos a priori configuráveis da
norma infra constitucional, aquele que lhe seja conforme ou mais
conforme; e, no limite, por um princípio de economia jurídica, procuram
um sentido que – na órbita da razoabilidade e com um mínimo de
correspondência verbal na letra da lei”75.
No que diz respeito à última parte da citação acima colocada, a
sujeição da interpretação conforme a Constituição a um requisito de
razoabilidade significa, fundamentalmente, que haja um mínimo
enquadramento base na letra da lei, determinando em que ponto a
norma interpretada conforme a Constituição fique privada de efeito útil,
ou então, onde inquestionável que o legislador ordinário optou por
critérios e soluções opostas ou contraditórias àqueles que tenha sido as
opções constitucionais76.
Jorge Miranda vai mais longe quando defende que a interpretação
conforme a Constituição não consiste apenas e fundamentalmente na
escolha entre os vários sentidos de determinando preceito, aquele que
seja mais conforme a Constituição, mas sim determinar, na chamada
fronteira ou limite da inconstitucionalidade, o sentido considerado
74
MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra Editora, Coimbra,
2002, p. 659.
75 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI – Inconstitucionalidade e
55
necessário e possível em virtude da força conformadora da Constituição,
utilizando-se diversas vias, nomeadamente, “desde a interpretação
extensiva ou restritiva à redução (eliminando os elementos
inconstitucionais do preceito ou do acto) e, porventura, à conversão
(configurando o acto sob a veste de outro tipo constitucional)77.
Alexandre de Moraes escreveu, a respeito da interpretação
conforme à Constituição, que “a supremacia das normas constitucionais
no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e
actos normativos editados pelo poder público competente78 exige que, na
função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja
sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à
Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias
significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que
apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando a sua
declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do
ordenamento jurídico”79.
Para Gomes Canotilho, o princípio da interpretação das leis em
conformidade à Constituição tem como objectivo fundamental assegurar
a própria constitucionalidade na tarefa de interpretação das normas,
nomeadamente quando a aplicação dos diversos elementos
interpretativos se torna insuficiente à obtenção de um significado
inequívoco entre os vários significados possíveis da norma ordinária,
77
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II – Constituição, 6.ª Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 313.
78
Este princípio significa que “Há uma presunção iuris tantum de que toda a lei é
constitucional até prova em contrário, ou seja, até que o Poder Judiciário, exercendo o
controle típico de constitucionalidade, a declare expressamente inconstitucional”. Cfr.
MOTTA, Sylvio/DOUGLAS, Willian, Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e 1000
Questões, 16.ª Edição, Revista e Ampliada, Editora Campus, Rio de Janeiro: Elsevier,
2005, p. 19.
79 MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 17 Edição, Editora Atlas S.A., São Paulo,
2005, p. 11.
56
quando esteja em causa, portanto, uma norma polissémica ou
plurisignificativa80.
No que diz respeito ao campo dos direitos fundamentais, esta
técnica significa a interpretação mais favorável aos direitos
fundamentais, isto é, “em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação
que, conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê
maior protecção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau”81.
80
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2003, p. 1226.
81
CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, Coimbra
Editora, Coimbra, 1991, p. 143.
82
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1226.
83
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, ob. cit., p. 307.
57
3.3.2.2. Princípio da conservação das normas
84
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomo II – O Contencioso
Constitucional Português entre o Modelo Misto e a Tentação do Sistema de Reenvio,
Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 331 e p. 885.
85
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1226.
86
MOTTA, Sylvio/DOUGLAS, Willian, Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e
1000 Questões, 16.ª Edição, Revista e Ampliada, Editora Campus, Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p. 20.
87
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1310.
58
3.3.2.3. Princípio da proporcionalidade
88
MOTTA, Sylvio/DOUGLAS, Willian, Direito Constitucional, p. 886.
89
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional Tomo II, p. 334.
59
com a Lei Fundamental90. Portanto, urge que determinando norma possa
ser materialmente divisível em dois ou mais sentidos com carácter
alternativo, ou seja, deve haver aquilo que Carlos Blanco de Morais
denomina de “divisibilidade material do enunciado normativo”91.
90
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1227.
91
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional Tomo II, p. 335.
92
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1227.
60
não se encontrar dependente, na concepção e na motivação das decisões,
da interpretação realizada pela jurisdição comum”93.
Por seu turno, Jorge Miranda refere que não obstante a
interpretação conforme com a Constituição implicar uma “posição activa
e quase criadora do controlo constitucional e de relativa autonomia das
entidades que a promovem em face dos órgãos legislativos”, por razões de
razoabilidade, “implica o mínimo de base na letra da lei; e tem de se
deter aí onde o preceito legal, interpretado conforme com a Constituição,
fique privado de função útil ou onde, segundo o entendimento comum,
seja incontestável que o legislador ordinário acolheu critérios e soluções
opostos aos critérios e soluções do legislador constituinte”94.
93
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional Tomo II, p. 336.
94
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, ob. cit., pp. 313 - 314.
95
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1227.
96
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional Tomo II, p. 336.
61
3.3.5. Necessidade
97
Idem, p. 338.
98
MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra Editora, Coimbra,
2002, pp. 654 – 657.
99
GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, 2.ª Edição Revista e
Actualizada, Almedina, Coimbra, 2007, p. 660.
62
Gomes Canotilho refere que “interpretar uma norma constitucional
consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos linguísticos
escritos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas
práticos normativo-constitucionalmente fundada”100.
Esta modalidade de interpretação não, portanto, tem como objecto
a Constituição propriamente dita, mas antes uma fonte de natureza
infraconstitucional.
Encontramos em sede da activa actuação do Conselho
Constitucional, através da leitura dos acórdãos proferidos no período de
2003 a 2008, um recurso significativo à interpretação constitucional,
ajudando a compreender o significado e alcance de muitas das normas
constitucionais.
100
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 1200.
101 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, ob. cit., p. 313.
63
Em primeiro lugar, deverá tomar-se em consideração que esta
norma é anterior à vigência da Constituição de 2004, pelo que
poderíamos estar diante de um caso de inconstitucionalidade
superveniente, isto é, quando uma norma não era inconstitucional no
momento da sua formação, mas que, em virtude da mudança do
parâmetro constitucional, se torna inconstitucional102. Sem pretender
entrar na discussão da eventual inconstitucionalidade à luz da lei
Fundamental de 1990, porque exigiria uma análise de idêntica dimensão
para a qual não temos espaço e tempo, partiremos do pressuposto que a
norma constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas configura um
caso de inconstitucionalidade material superveniente.
Tendo identificado um “vício substancial de conteúdo”, reflectido
na inconstitucionalidade material decorrente da desconformidade da
referida norma em relação ao princípio fundamental do desenvolvimento
sustentável e com o regime jurídico-constitucional sobre a protecção do
ambiente, com especial destaque para o direito fundamental ao
ambiente.
Julgamos que o problema poderá ser resolvido em sede da
interpretação conforme à Constituição, dado ser possível encontrar um
sentido da norma ordinária, entre os vários possíveis, que permita a
prevalência da Lei Fundamental, sem necessidade de retirá-la do
ordenamento jurídico através da declaração de inconstitucionalidade no
contexto do acesso à justiça constitucional, permitindo-se a sua
manutenção.
Um dos possíveis sentidos ou significados decorre do próprio
elemento literal, no qual o intérprete conclui que o legislador ordinário
pretendeu estabelecer através da norma em causa uma autêntica
cláusula de prevalência do uso mineiro sobre os demais usos sempre que
64
acarretar benefícios económicos e sociais superiores,
independentemente, portanto, de eventuais benefícios ambientais do uso
preterido. Este significado, conforme vimos, encontra-se em
desconformidade com o disposto na Constituição da República de 2004.
Um outro significado pode ser retirado da interpretação da norma
em causa e que se prende fundamentalmente com o conceito de Estado
Social, o qual inclui, na actual fase de evolução histórica do Estado, a
preocupação com as questões ambientais, nomeadamente com o
equilíbrio ecológico, com a protecção da biodiversidade e com o
saneamento do meio. Vigora o entendimento que a realização e o bem-
estar de cada indivíduo dependem, entre outros aspectos, da existência
de condições ambientais satisfatórias, sem as quais não existirá,
sublinhe-se, um “ambiente equilibrado”. Por essa razão, o legislador
constitucional inseriu o direito fundamental ao ambiente no Capítulo V
respeitante aos “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, do
Título III (Direitos, deveres e liberdades fundamentais).
Nesse sentido, poderá entender-se que, durante a avaliação dos
benefícios sociais de determinado uso da terra, se considerem
necessariamente os benefícios ambientais. Este entendimento é, aliás,
reforçado quando se tem em consideração o processo de avaliação do
impacto ambiental (AIA), procedimento administrativo destinado a
averiguar os impactos ambientais e sociais, positivos e negativos, de
determinada actividade, cujo Regulamento foi aprovado pelo Decreto n.º
45/2004, de 29 de Setembro.
Sendo assim, diante de usos eventualmente conflituantes,
nomeadamente para operações mineiras e para fins de conservação, a
Administração deverá identificar, avaliar e ponderar os benefícios
económicos, sociais e ambientais de cada um dos mesmos, de modo a
proferir uma decisão conforme o princípio fundamental do
desenvolvimento sustentável constitucionalmente consagrado e, em
especial, o regime jurídico-constitucional de protecção do ambiente.
65
3.6. Interpretação conforme à Constituição em sede da fiscalização
da constitucionalidade das leis
103
Para além do Conselho Constitucional, constituem ainda órgãos de soberania, nos
termos do artigo 133, o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo
e os tribunais.
104
Cfr. Artigo 241/1 da Constituição e artigo 1 da Lei n.º 6/2006, de 2 de Agosto (lei
Orgânica do Conselho Constitucional).
105
Cfr. Artigo 134 da Constituição.
106 Cfr. Artigo 244/1 a) da Constituição e artigo 6/1 a) da Lei n.º 6/2006, de 2 de
66
introduzidas pela Constituição de 2004107. Através da Lei n.º 5/2008, de
9 de Junho, foram introduzidas alterações pontuais aos artigos 35, 43,
48, 49, 51, 52, 57, 58, 61, 76, 89, 117 e 118 da Lei n.º 6/2006, de 2 de
Agosto.
Uma nota importante para o carácter de cumprimento obrigatório
dos acórdãos do Conselho Constitucional para todos os cidadãos,
instituições e demais pessoas jurídicas, para a insusceptibilidade de
recurso e para a prevalência sobre todas as demais decisões108.
O Conselho Constitucional tem vindo a exercer com notável zelo e
brio técnico-profissional uma actividade jurisprudencial desde o ano da
sua criação, tendo já contribuído consideravelmente para a divulgação e
consolidação do papel da justiça constitucional no ordenamento jurídico
moçambicano e para a afirmação do Estado Moçambicano como Estado
de Direito. Contudo, da leitura dos acórdãos proferidos pelo Conselho
Constitucional no período de 2003 a 2008, não encontrámos nenhuma
alusão à técnica da interpretação conforme à Constituição.
Urge referir que a justiça constitucional não constitui monopólio
exclusivo da actuação do Conselho Constitucional, dado que os tribunais
(todos e cada um dos tribunais) têm um papel determinante ao se
encontrarem vinculados à cláusula constitucional de proibição de
aplicação de eventuais leis ou princípios que atentam contra a
Constituição109. A diferença reside no facto de o Conselho Constitucional
possuir o exclusivo no que diz respeito à fiscalização preventiva e à
fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade, julgando ainda
os recursos das decisões dos tribunais; por seu turno, os tribunais
decidem sobre as questões de constitucionalidade que possam vir ao de
67
cima em casos concretos, das quais cabe remessa obrigatória em sede de
recurso para o Conselho Constitucional110.
O legislador moçambicano optou, assim, sob nítida influência do
Direito Português, por um modelo misto de fiscalização da
constitucionalidade, no qual a fiscalização da constitucionalidade foi
atribuída não só aos tribunais comuns enquanto instâncias
independentes de natureza judicial (sistema americano do “judicial
review”), mas também a um tribunal especializado, que, no nosso caso,
recebeu a designação de Conselho Constitucional (sistema austríaco)111.
Importa ter presente que, segundo Gomes Canotilho e Vital
Moreira, “a fiscalização da constitucionalidade traduz-se, assim, na
garantia do respeito pela hierarquia normativa. Todas as normas devem
respeitar as de hierarquia superior. Ora, a Constituição é a norma
suprema do país, logo, todas as demais normas devem respeitar”112.
110
Veja-se CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, ob. cit.
pp. 239 – 240.
111 Idem, 243.
112 Ibidem, p. 237.
68
3.6.2.1. Fiscalização preventiva da constitucionalidade
114
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomo II – O Contencioso
Constitucional Português entre o Modelo Misto e a Tentação do Sistema de Reenvio,
Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 15.
115
CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, ob. cit. p. 241.
116
Veja-se o artigo 163 da Constituição, referente às competências do Presidente da
República no que diz respeito à promulgação e veto das leis.
117 Cfr. Artigo 246/1 da Constituição e artigo 54/1 da Lei n.º 6/2006, de 2 de Agosto.
69
3.6.2.2. Fiscalização sucessiva da constitucionalidade
i. O Presidente da República;
ii. O Presidente da Assembleia da República;
iii. Um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da
República;
118MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomo II, ob. cit., p. 151.
119GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Volume 2, 2.ª Edição
Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2007, p. 1363.
70
iv. O Primeiro-Ministro;
v. O Procurador-Geral da República;
vi. O Provedor de Justiça;
vii. Dois mil cidadãos.
120 Este meio foi utilizado pelo menos uma vez, quando deu entrada no Conselho
Constitucional um pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto n.º
9/2007, de 30 de Abril, que aprovou o Regulamento das Empresas Privadas de
Segurança, acompanhado de assinaturas de mais de 2000 cidadãos, tendo dado origem
ao Acórdão n.º 5/CC/2008, de 8 de Maio.
121
Este constitui um requisito que não constava na redacção original da Lei Orgânica do
Conselho Constitucional, tendo sido aditado pela Lei n.º 5/2008, de 9 de Junho, com o
claro intuito de controlar a seriedade do pedido e a adesão consciente dos cidadãos ao
mesmo.
71
No que diz respeito aos efeitos, a declaração de
inconstitucionalidade tem força obrigatória geral e produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, determinando a
repristinação das normas revogadas122. Contudo, tratando-se de
inconstitucionalidade superveniente, a declaração só produz efeitos
desde a entrada em vigor da norma posterior123. No entanto, importa ter
presente que, quando, por razões de segurança jurídica, equidade ou
interesse público de excepcional relevo124, devidamente fundamentadas,
o Conselho Constitucional poderá fixar os efeitos de
inconstitucionalidade com alcance mais restritivo em relação ao que se
disse anteriormente125.
72
Constituição, esta não obrigará nenhum tribunal ou nenhuma
autoridade e, assim, poderá uma interpretação não querida pelo Tribunal
vir a ser adoptada na prática. O Tribunal Constitucional não pode
decretar, com força obrigatória geral, que certa norma com certo alcance
é inconstitucional e, ao mesmo tempo, que com alcance diverso não o
é”126. Dai que este autor nos chame a atenção para o eventual uso em
termos perigosos e contraproducentes, devendo ser tomadas cautelares
adicionais no respectivo emprego127.
Gomes Canotilho e Vital Moreira não levantaram dificuldades no
que diz respeito à fiscalização abstracta (ao contrário dos reparos que
teceram em torno da fiscalização concreta), referindo que, nesta sede
quando é o próprio Tribunal Constitucional a proceder à tarefa de
confrontar duas normas, sem ter que atender à decisão anterior de um
tribunal a quo, não haverá quaisquer barreiras a que a norma só seja
declarada inconstitucional, no caso de nenhum dos significados possíveis
se encontrar conforme à Constituição128.
Carlos Blanco de Morais defende a este respeito três importantes
considerações: em primeiro lugar, a decisão proferida pelo Tribunal
Constitucional que interprete determinada norma conforme à
Constituição, não a declarando inconstitucional, não se encontra
investida de força obrigatória geral; em segundo lugar, o facto de não
possuírem força obrigatória geral não significa que a decisão judicial
interpretativa de rejeição seja indiferente para o ordenamento jurídico,
podendo actuar como uma espécie de “precedente argumentativo” ou
como “orientação jurisprudencial”; terceiro e último, tendo presente a
ausência de efeitos “ex tunc” na componente da decisão que diz respeito à
interpretação conforme à Constituição, deixa de fazer qualquer sentido a
126
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, ob. cit., p. 316.
127 Idem.
128
CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, ob. cit. p. 270.
73
objecção ao uso de tal juízo hermenêutico em sede da fiscalização
abstracta129.
129
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomo II, ob. cit., pp. 347 - 353.
130
MORAIS, Carlos Blanco de, Justiça Constitucional, Tomo II, ob. cit., p. 549.
131 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Volume II, ob. cit., p.
1356. Remetemos para este autor a leitura das razões invocadas que fundamentam a
sua posição por razões de economia, cientes que, em futuros estudos, deverão ser
afloradas mais aprofundadamente.
132 Idem, p. 1357.
74
devem ser remetidos oficiosamente para o Conselho Constitucional, os
acórdãos e outras decisões com fundamento na inconstitucionalidade
quando se recuse a aplicação de qualquer norma com base na sua
inconstitucionalidade, com efeitos suspensivos. Esta obrigatoriedade
constitui uma originalidade do legislador constitucional moçambicano.
Os efeitos da decisão judicial decorrente da apreciação de recursos
dos tribunais, restrita à questão da inconstitucionalidade suscitada (o
objecto do recurso é sempre a constitucionalidade de uma norma e não a
constitucionalidade de uma decisão judicial, ou, conforme veremos, uma
determinada interpretação de uma norma considerada inconstitucional),
serão os seguintes133:
Em primeiro lugar, no caso de o Conselho Constitucional der
provimento ao recurso, mesmo que parcialmente, os autos baixam para o
tribunal a quo que deverá reformular a decisão em conformidade com a
decisão da instância jurisdicional de recurso no que diz respeito à
questão da inconstitucionalidade.
Em segundo lugar, se o tribunal a quo se tiver recusado a aplicar
uma norma com base em determinada interpretação, e o Conselho
Constitucional pronunciar-se, em juízo, sobre a constitucionalidade de
referida norma, deverá tal norma ser aplicada com a interpretação
realizada pelo órgão jurisdicional de recurso. O objecto do recurso acaba
sendo a interpretação realizada pelo tribunal a quo de uma norma
considerada inconstitucional134 Assim, o Conselho Constitucional não se
encontra vinculado à qualificação feita pelo tribunal a quo em relação à
aplicação ou não aplicação de determinada norma em razão da sua
constitucionalidade, pois tem uma faculdade de apreciação plena135.
133
Cfr. Artigos 72 e 73, da Lei n.º 6/2006, de 2 de Agosto
134 GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, Volume II, ob. cit., p.
1358.
135
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, ob. cit., p. 223.
75
Em terceiro e último lugar, a decisão do Conselho Constitucional
faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade
suscitada.
Concluímos sublinhando Bacelar Gouveia, segundo o qual “as
características processuais da fiscalização concreta da
constitucionalidade implicam que as respectivas decisões apenas possam
ser vistas nos estritos limites do caso sub iudice, sem qualquer
possibilidade de dele extravasarem, embora não seja de rejeitar a
importância das orientações da jurisprudência constante, em todo o caso
jamais em termos de se transformarem em decisões normativas
gerais”136.
76
Tribunal Constitucional pode fazer uma interpretação conforme à
Constituição quando o tribunal a quo não o fez, revogando a decisão
recorrida que julgou determinada norma inconstitucional? Ou, em
termos inversos, pode o Tribunal Constitucional decidir pela
inconstitucionalidade de uma norma por considerar não ser possível
realizar a interpretação conforme à Constituição efectuada pelo tribunal
a quo?138.
Os mesmos autores respondem defendendo, com apoio e suporte
jurisprudencial, que “a resposta mais conforme com o sentido do recurso
constitucionalidade e com a autonomia dos tribunais comuns na
aplicação do direito ordinário é em princípio negativa, não devendo o
Tribunal Constitucional afastar-se, senão excepcionalmente, do
entendimento que o tribunal recorrido fez da norma fiscalizada”139.
138 CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, ob. cit. p. 271.
139 Idem, p. 271.
77
Conclusões
78
comprometimento de investimentos de largos anos em actividades não
mineiras.
Entretanto, foi aprovada, em 2004, uma nova Constituição, que
nada trouxe no que toca ao estabelecimento de uma cláusula de
prevalência dos usos mineiros sobre os demais usos, nem muito menos
uma hierarquização dos recursos naturais, no qual poderiam emergir os
recursos minerais, dissipando-se quaisquer dúvidas que possam surgir
na prática em caso de conflito de usos. Em contrapartida, o legislador
constitucional consagrou o princípio do desenvolvimento sustentável
como princípio fundamental da República de Moçambique, conforme se
depreende da leitura conjugada dos artigos 1, 11 e 117, para além de ter
reforçado significativamente o regime constitucional de protecção do
ambiente, atribuindo uma importância notória a tal bem jurídico, sob
um dupla dimensão: subjectiva, com a consolidação da posição jurídico-
subjectiva dos cidadãos no relacionamento com o ambiente (direito/dever
ao ambiente equilibrado); e objectiva, através do reconhecimento de um
papel determinante do Estado no protecção, conservação, salvaguarda e
valorização do ambiente.
Sendo assim, propusemo-nos a analisar a constitucionalidade da
norma constante no n.º 2 do artigo 43 da Lei de Minas, tendo concluído
que, por se tratar eventualmente de uma construção jurídico-normativa
anterior à Constituição de 2004, entra em colisão com o disposto na Lei
Fundamental, em dois prismas fundamentais:
Em primeiro lugar, a referida norma colide com o conteúdo e
significado do princípio fundamental do desenvolvimento sustentável, na
medida em que este postula a realização de três pilares nucleares: o
desenvolvimento económico, o desenvolvimento social e a protecção do
ambiente. A referida norma abre a possibilidade de, perante um caso
concreto de concorrência ou conflito de usos, a Administração Pública
decidir favoravelmente em prol do de natureza mineira sob pretexto de
acarretar benefícios económicos e sociais relativamente maiores.
79
Em segundo lugar, a aludida norma fere igualmente o quadro
jurídico-constitucional de protecção do ambiente, representado
fundamentalmente pelo binómio direito/dever fundamental a um
ambiente equilibrado e interesse público na protecção do ambiente. Na
realidade, permitindo à Administração Pública uma decisão que não
toma em consideração as mais-valias ambientais de cada uso em
eventual ou real conflito, relegando para segundo plano todas as
conquistas alcançadas em sede constitucional no capítulo da protecção
do ambiente. Em especial, destaca-se a violação do princípio da proibição
do retrocesso social.
Concluindo pela inconstitucionalidade da norma constante no n.º
2 do artigo 43 da Lei de Minas, propomos, como mecanismo de resolução
jurídica do problema, a sua interpretação conforme à Constituição, tendo
presente os princípios da prevalência da Constituição, da conservação
das normas e da proporcionalidade, e com respeito pelos critérios que
deverão nortear a actividade interpretativa, nomeadamente, a existência
de uma pluralidade de significados da norma infraconstitucional, a
rejeição de norma inconstitucional cujo sentido decorra de interpretação
conforme a Constituição, o respeito mínimo pelo texto da lei, o respeito
mínimo pelo objectivo do legislador e a necessidade. A interpretação
proposta traduz-se no entendimento de que, ao aludir aos benefícios
sociais, o legislador ordinário está necessariamente a tomar em
consideração também os benefícios ambientais, dado que estes são
pressupostos daqueles.
Para o efeito, torna-se necessário aceder à justiça constitucional
com o propósito de fixar, em sede de acórdão, a interpretação acima
defendida, e que seja a mais conforme com o disposto na Constituição, o
que poderá ser efectuado nas modalidades de fiscalização abstracta
(preventiva e sucessiva) e concreta da constitucionalidade.
80
Bibliografia
81
• GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional,
Volumes I e 2, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina,
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82