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PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL

ACESSO À JUSTIÇA
GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO
NOVO MODELO PROCESSUAL

ACESSO À JUSTIÇA

1. Direito à jurisdição
O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “toda a pessoa
tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada
por um Tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das
razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”.
Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é uma
consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no art. 2º CRP. O
acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental assegurado ao cidadão na área da
protecção dos direitos: adequadamente, o art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso
aos Tribunais, uma garantia de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a
garantia do acesso aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa
criar as condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o
conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos. Nesta perspectiva,
percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do acesso ao direito envolva o
direito à informação e consultas jurídicas e, em caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e
que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio
judiciário num mais vasto direito à protecção jurídica.

2. Garantias do acesso à justiça


Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma do processo
civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que impedem, ou, pelo menos,
dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os seguintes obstáculos ao acesso à justiça: o
obstáculo económico, se os interessados não estiverem em condições de aceder aos
Tribunais por causa da sua pobreza; o obstáculo organizatório, porque a tutela de certos
interesses colectivos ou difusos impõe uma profunda transformação nas regras e institutos
tradicionais do direito processual; finalmente, o obstáculo propriamente processual,
porque os tipos tradicionais de processo são inadequados para algumas tarefas de tutela.
a) Obstáculo económico:
A garantia do acesso à justiça, para ser efectiva, pressupõe a não discriminação por
insuficiência de meios económicos (art. 20º/1 CRP). O art. 6º DL 387-B/87 garante, no âmbito
da protecção jurídica, o chamado apoio judiciário, o qual compreende a dispensa, total ou
parcial, ou o diferimento do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1 DL
387-B/87). Este apoio judiciário destina-se a evitar que os custos relacionados com o processo
seja utilizados pela parte economicamente mais poderosa como um meio de pressão sobre a
parte mais fraca.
b) Obstáculo organizatório:
O art. 26º-A regula a legitimidade para as acções e procedimentos cautelares destinados
à tutela de interesses difusos, como os que se referem à saúde pública, ao ambiente e
qualidade de vida, ao património cultural, ao domínio público e ao consumo de bens e
serviços.
O art. 26º-A contém apenas uma norma remissiva para a lei regulamentadora da acção
popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem de integrar no âmbito do processo civil a
legitimidade popular, isto é, a legitimidade para a defesa dos interesses difusos através da
acção popular prevista no art. 52º/3 CRP. Esclareça-se, a propósito, que, nos termos do art.
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12º/2 Lei 83/95, a acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código
de Processo Civil, pelo que essa legitimidade abrange qualquer acção ou procedimento
admissível na área processual civil.
c) Obstáculo processual:
O processo declarativo segue uma tramitação, comum ou especial, fixada pela lei (art.
460º/1 CPC). Abandonada qualquer correspondência entre o direito subjectivo e a respectiva
actio, são fundamentalmente motivos ligados à necessidade prática de adaptar a tramitação
processual a certas situações específicas que conduzem à previsão de certos processos
especiais. Mas, os processos especiais previstos na lei só abrangem certas situações
particulares, o que significa que a grande maioria das acções propostas em Tribunal é
regulada para a tramitação comum (art. 460º/2 CPC).
Segundo o art. 265º-A CPC, quando a tramitação processual prevista na lei não se
adequar às especificidades da causa, o juiz deve, mesmo oficiosamente, determinar, depois
de ouvidas as partes, a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo e definir
as necessárias adaptações no seu procedimento. Deve entender-se que a iniciativa da
adaptação pode pertencer quer ao juiz, quer a qualquer das partes. A adaptação pode
consistir tanto na realização de actos que não sejam previstos na tramitação legal e que se
mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade e ao acerto da decisão, como na
dispensa de actos que se revelem manifestamente inidóneos para o fim do processo.
O art. 265º-A CPC, não o diz, mas é claro que a tramitação sucedânea tem de respeitar
estritamente a igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e, em particular, o princípio do
contraditório (art. 3º/2/3 1ª parte CPC). Mesmo que, como o art. 265º-A CPC, o exige, a parte
tenha sido previamente ouvida, ela não fica impedida de invocar o desrespeito daqueles
princípios na tramitação sucedânea. A prática ou a omissão de um acto que implica a ofensa
daqueles princípios traduz-se numa nulidade processual (art. 201º/1 CPC), pois que são
directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e 3º-A CPC) e essa
violação influi certamente no exame ou decisão da causa.
Nas hipóteses de cumulação de vários objectos processuais numa mesma acção, o
problema da inadequação formal surge numa outra vertente: sempre que uma certa situação
da vida jurídica comporte aspectos a que, quando considerados parcelarmente,
correspondam processos comuns e especiais ou diferentes processos especiais, coloca-se o
problema de saber se essa diferença formal deve impedir o seu tratamento unitário num
mesmo processo. É evidente que é desejável que motivos formais não impliquem um
desmembramento de uma mesma situação jurídica por vários processos.

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GARANTIAS DO PROCESSO JUSTO

3. Direito ao processo justo


Não basta assegurar a qualquer interessado o acesso à justiça: tão importante como esse
acesso é garantir que o processo a que se acede apresenta, quanto à sua própria estrutura,
garantias de justiça. Este direito ao processo justo encontra-se expressamente consagrado no
art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. 14º/1 Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos e no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Todos
estes preceitos atribuem o direito a um julgamento equitativo, que, aliás, eles próprios
concretizam nas garantias de imparcialidade e de independência do Tribunal, de igualdade
das partes, de publicidade das audiências, do juiz legal ou natural e de proferimento da
decisão num prazo razoável.
Estes princípios são, todos eles, susceptíveis, de moldar o regime processual. Assim, é
indispensável garantir àquele que recorre aos Tribunais um julgamento por um órgão
imparcial, uma plena igualdade das partes, o direito ao contraditório, uma duração razoável
da acção, a publicidade do processo e a efectivação do direito à prova.

4. Imparcialidade do Tribunal
A administração da justiça não é possível sem um Tribunal independente e imparcial: a
imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. As garantias
de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas, quer como garantias do Tribunal perante
terceiros, quer como garantias das partes perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva,
as garantias de imparcialidade costumam classificar-se em materiais e pessoais: as
garantias materiais respeitam à liberdade do Tribunal perante instruções ou quaisquer
intromissões de outro órgão do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto dos Magistrados
Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88, de 28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de
20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais protegem o juiz em concreto: são elas a
irresponsabilidade (art. 5º EMJ) e a inamovibilidade (art. 6º EMJ).
Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se à independência do
juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.
Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independência interna do juiz. Refere-
se esta às influências a que o juiz está sujeito pela sua origem, educação ou processo de
socialização. É este aspecto da independência interna que justifica a proibição da prática de
actividade político-partidárias de carácter público e de ocupação de cargos políticos pelos
magistrados judiciais em exercício de funções (art. 11º EMJ), bem como a proibição do
desempenho pelos mesmos de qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções
docentes ou de investigação jurídica, desde que não remuneradas (art. 218º/3 CRP, art. 13º
EMJ).

5. Igualdade das partes


Ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, isto é, cada
uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem
ser iguais perante o Tribunal. Esta igualdade das partes, que deve ser assumida como uma
concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º CRP, é agora um princípio
processual com expressão legal no art. 3º-A CPC, este preceito estabelece que o Tribunal
deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes,
designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de
cominações ou de sanções processuais.
Um primeiro problema suscitado pelo art. 3º-A e pela referida igualdade substancial entre
as partes é o de nem sempre é viável assegurar essa igualdade. Em certos casos, não é
possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes; noutras
hipóteses, não é possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei.
Devem ser respeitadas todas as situações de igualdade formal entre as partes
determinadas pela lei processual. Há que observar alguns preceitos que visam directamente
a igualdade formal entre as partes (arts. 42º/2 e 512º-A/1 CPC). Portanto, também neste
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campo não existe qualquer possibilidade de assegurar uma igualdade substancial entre as
partes.
O art. 3º-A tem como destinatário o Tribunal, pois que é a este órgão que o preceito
atribui a função de garantir a igualdade substancial das partes. Mas esta função pode ser
entendida de duas formas bastantes distintas: se essa função for concebida com um
conteúdo positivo, aquele preceito impõe ao Tribunal o dever de promover a igualdade entre
as partes e de, eventualmente, auxiliar a parte necessitada; se, pelo contrário, essa função
for entendida com um conteúdo negativo, só se proíbe que o Tribunal promova a
desigualdade entre as partes.
O direito português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios (arts. 535º/1, 612º/1 e
653º/1 CPC) e inquisitórios: quanto estes últimos, resulta do disposto nos arts. 264º/2 e
265º/3 CPC, que o Tribunal pode investigar e considerar os factos instrumentais relevantes
para a decisão da causa. Mas o uso destes poderes instrutórios e inquisitórios é orientado,
não pela necessidade de obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir uma
decisão de acordo com a realidade das coisas.
A expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora daqueles poderes
instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um amplo campo de aplicação desse
princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no referido conteúdo positivo, que impõe ao
Tribunal um dever de constituir a igualdade entre as partes, como no conteúdo negativo, que
o proíbe de originar, pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.
A referência à igualdade substancial que consta no art. 3º-A não pode postergar os vários
regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se
bastam com igualdades formais. Quer supressão dos factores de igualdade formal, mas
através de um auxílio suplementar a favor da parte carenciada do auxílio. Essa igualdade
substancial não é obtida através de um minus imposto a uma das partes, mas de um maius
concedido à parte necessitada.
O princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da imparcialidade do
Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência perante as partes, mas, no
contexto do princípio da igualdade, imparcialidade não é sinónimo de neutralidade: a
imparcialidade impõe que o juiz auxilie do mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou,
dito de outra forma, implica, verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio a qualquer
delas; a neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade das partes.
Portanto, o juiz tem de ser neutro perante as situações de desigualdade que existam ou que
se possam criar entre as partes, mas deve ser imparcial perante elas, dado que, quando tal se
justifique, deve auxiliar qualquer delas.
O conteúdo negativo do princípio da igualdade substancial destina-se a impedir que o juiz
crie situações de desigualdade substancial entre as partes. Assim, por exemplo, esse princípio
obsta a que o Tribunal fixe, para cada uma das partes, prazos diferentes para o exercício da
mesma faculdade ou o cumprimento do mesmo ónus.
Quanto às decisões sobre o mérito da causa, elas são determinadas pelos critérios
resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art. 4º CC) e a
discricionariedade própria dos processos de jurisdição voluntária (art. 1410º CPC). Assim, o
Tribunal só pode introduzir na sua decisão as correcções que a lei permita ou que resultem de
qualquer daqueles critérios formais de decisão.

6. Garantia do contraditório
O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do princípio da igualdade
das partes estabelecido no art. 3º-A – possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte
não só o direito ao conhecimento de que contra ele foi proposta uma acção ou requerida uma
providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas
também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar
posição sobre elas, ou seja um direito de resposta.
a) Direito à audição prévia:
O direito à audição prévia encontra-se consagrado no art. 3º/1 (o Tribunal não pode
resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida
por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição) CPC in fine,
embora possa sofrer as excepções genericamente previstas no art. 3º/2 (só nos casos
excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem
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que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num procedimento cautelar comum, o
Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não puser em risco sério o fim ou a eficácia da
providência (art. 385º/1 CPC); a restituição provisória da posse e o arresto são decretados
sem a audiência da parte requerida (arts. 394º e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição
prévia que justifica todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a tipificação
dos casos em que se considera que ela falta (art. 195º CPC) ou é nula (art. 198º/1 CPC) e que
está subjacente à possibilidade de interposição do recurso extraordinário de revisão contra
uma sentença proferida num processo em que tenha faltado a citação ou esta seja nula (art.
771º-f CPC) e de oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (arts. 813º-d
e 921º CPC).
b) Direito de resposta:
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser efectivado se a
parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte. Quanto a este aspecto,
vale a regra de que cumpre à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude
de disposição legal, elas possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo
geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de
prévia citação (art. 229º/2 CPC). Concretizações desta regra constam dos arts. 146º/5, 174º/1,
234º/1, 542º e 670º/1 CPC.
O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das partes, de
responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto probatório) da
contraparte. Este direito tem expressão legal, por exemplo, no princípio da audiência
contraditória das provas constante do art. 517º CPC.
O art. 3º/3 1ª parte CPC, impõe ao juiz, de modo programático, o dever de observar e
fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório. Significativa é
também, quanto a este aspecto, a supressão dos processos sumários e sumaríssimos como
processos cominatórios plenos (arts. 784º e 794º/1 CPC): neste caso, não é o contraditório
que se garante, mas as consequências do seu exercício que se atenuam.
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais
constante do art. 201º/1 (fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto
que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei
prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida
possa influir no exame ou na decisão da causa) CPC: dada a importância do contraditório, é
indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou
decisão da causa. Uma concretização desta regra encontra-se no art. 277º/3 (são nulos os
actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou
extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos
quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu)
CPC.

7. Duração razoável do processo


A lentidão processual encontra causa endógenas e exógenas. Como causas endógenas
podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade – se não legal, pelo menos real –
do juiz da acção; a orientação da actividade das partes, não pelos fins da tutela processual,
mas por razões frequentemente dilatórias; alguns obstáculos técnicos, como os crónicos
atrasos na citação do réu e a demora no proferimento do despacho saneador devida às
dificuldades inerentes à elaboração da especificação e do questionário. Outras causas da
morosidade processual são exteriores ao próprio processo: falta de resposta dos Tribunais ao
crescimento exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade dos meios disponíveis; maior
complexidade do direito material e crescente uso nele de conceitos indeterminados e de
cláusulas gerais, cuja concretização, deficiência na preparação técnica dos profissionais
forenses.
Uma consequência da morosidade da justiça é o recurso cada vez mais frequente às
providências cautelares como forma de solucionar os litígios, especialmente quando elas
podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a dispensá-la.
São várias as soluções habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar à morosidade
processual. Salientam-se, entre ela, as seguintes soluções: o estabelecimento entre as fases
do processo, ou mesmo no seu interior, de regras de preclusão, que obstam a que um acto
omitido possa vir a ser realizado fora do seu momento legalmente fixado; o reforço do
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controlo do juiz sobre o processo; a concentração do processo numa audiência na qual a
causa possa ser discutida e, eventualmente, decidida.
O art. 2º/1 CPC, atribui à parte o direito de obter, num prazo razoável, a decisão da causa,
o que significa que o Estado tem do dever de disponibilizar os meios necessários para
assegurar a celeridade na administração da justiça. Assim, a concessão deste direito à
celeridade processual possui, para além de qualquer âmbito programático, um sentido
preceptivo bem determinado, pelo que a parte prejudicada com a falta de decisão da causa
num prazo razoável por motivos relacionados com os serviços da administração da justiça
tem direito a ser indemnizada pelo Estado de todos os prejuízos sofridos. Esta
responsabilidade do Estado é objectiva, ou seja, é independente de qualquer negligência ou
dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais.
Para obter a indemnização dos prejuízos causados pelo atraso no proferimento da decisão
tem sido utilizada, com alguma frequência, a petição dirigida à Convenção Europeia dos
Direitos do Homem (art. 25º/1), para que esta solicite a apreciação da violação pelo Estado
português da garantia da decisão do processo num prazo razoável pelo Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem (arts. 44º e 48º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e, se for
caso, a atribuição ao lesado de uma reparação adequada (art. 50º Convenção Europeia dos
Direitos do Homem).

8. Publicidade do processo
O Processo Civil é – diz enfaticamente o art. 167º/1 CPC – público. A publicidade do
processo tornou-se possível com a introdução da oralidade e contínua a possuir a justificação
tradicional: ela é um meio para combater o arbítrio e assegurar a verdade e a justiça das
decisões judiciais. A essa publicidade estão subjacentes os princípios fundamentais do Estado
de direito, nomeadamente a possibilidade de um controlo popular dos órgãos que – como
sucede com os Tribunais – exercem poderes de soberania (art. 110º/1 CRP). É nesta
perspectiva que se deve entender a garantia da publicidade das audiências dos Tribunais,
que se encontra consagrada no art. 206º CRP e no art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do
acesso aos autos por todos os interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.
A publicidade das audiências dos Tribunais constitui uma importante garantia numa dupla
dimensão: em relação às partes, ela assegura a possibilidade de um controlo popular sobre as
decisões que as afectam directamente; relativamente à opinião pública, essa publicidade
permite combater a desconfiança na administração da justiça.
A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias ponderosas o
aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente tipificados (art. 206º CRP) e
são repetidos no respectivo preceito da lei ordinária (art. 656º/1 CPC): são eles a salvaguarda
da dignidade das pessoas e da moral pública e a garantia do normal funcionamento da
audiência (art. 9º lei 3/99).
A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa capaz de
exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse atendível, de exame e
consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de obtenção de cópias ou certidões de
quaisquer peças nele incorporadas pelas partes (art. 167º/2 CPC). Este acesso aos autos é,
porém, limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à
dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em
causa a eficácia da decisão a proferir (art. 168º/1 CPC).

9. Direito à prova
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do Tribunal sobre a realidade
dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos que constituem a chamada base
instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1 CPC). Essa actividade incumbe à parte onerada
(art. 342º CC), que não obstará uma decisão favorável se não satisfazer esse ónus (art. 516º;
art. 346º CC).
Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legal ou
contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art. 345º CC). Dada a
importância do cumprimento do ónus para a contraparte e para terceiros, costuma falar-se de
um direito à prova. Este direito é habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos
jurisdicionais, do disposto no art. 6º/3-d Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que
garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e
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obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições
daquelas.
O direito à prova contém limites impostos pela protecção de direitos de terceiros: aquele
direito cede perante direitos de terceiros que mereçam do ordenamento jurídico uma tutela
mais forte. Em geral, os limites do direito à prova consubstanciam-se nas chamadas provas
proibidas, que podem ser tanto provas que são materialmente lícitas mas processualmente
proibidas, como provas que são materialmente e processualmente proibidas.
Algumas provas são materialmente lícitas, mas, apesar disso, não são processualmente
admissíveis. Estas provas podem conduzir a uma proibição de produção ou de valoração.
Noutros casos, a prova pode ser produzida num processo, mas não pode ser valorada numa
outra acção.
Outras provas são materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São exemplo de provas
ilícitas todas aquelas que são obtidas através dos métodos previstos no art. 32º/8 CRP ou no
art. 519º/3 CPC.
As provas ilícitas são, em regra, insusceptíveis de ser valoradas pelo Tribunal, isto é, não
podem servir de fundamento a qualquer decisão judicial. Mas, quanto ao real âmbito destas
provas insusceptíveis de valoração, parece haver que distinguir entre aqueles meios de prova
cuja produção é, ela própria, um acto ilícito (é o caso das provas previstas no art. 32º/8 CRP e
no art. 519º/3 CPC) e aquelas provas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer
ilicitude.

NOVO MODELO PROCESSUAL

10. Premissas gerais


As características do processo liberal, dominado pela passividade judicial, são
essencialmente as seguintes; às partes é concedido o controlo sobre o processo e os factos
relevantes para resolução do litígio e é minimizado o contributo do juiz e de terceiros para
essa resolução; a decisão requer apenas uma legitimação dependente da observância das
regras e dos pressupostos processuais. Em contrapartida, são as seguintes as linhas
essências do processo submetido ao activismo judiciário: as partes repartem com o Tribunal o
domínio sobre o processo e ela próprias são consideradas uma fonte de informações
relevantes para a decisão da causa; as partes e terceiros estão obrigados a um dever de
cooperação com o Tribunal; a legitimação da decisão depende da sua adequação substancial
e não apenas da sua correcção formal; as regras processuais podem ser afastadas ou
adaptadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio.
O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder político do Estado e
organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes é expressão de posição que o
sistema jurídico lhes concede para a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados
(art. 202º/2 CRP). Isto reconduz a análise para o problema da legitimação do processo
jurisdicional, ou seja, para a adequação da instituição processual para realizar os fins que o
Estado e a sociedade lhe atribuem.
Os processos jurisdicionais de natureza declarativa destinam-se a obter o proferimento de
uma decisão pelo Tribunal. A correcção desta decisão depende da sua coerência com as
premissas de facto e de direito que foram adquiridas durante o processo e da própria não
contradição entre essas premissas: se essa decisão for correcta, será possível encontrar na
sua fundamentação naquelas premissas ou, pelo menos, reconstitui-las a partir dela. A esta
coerência da decisão com as sua premissas pode chamar-se legitimação interna.
Esta legitimação assegura a coerência da decisão com as suas premissas, mas nada
garante quanto à verdade ou aceitabilidade dessas premissas e, portanto, daquela decisão:
do facto de esta ser coerente com as suas premissas não se segue que ela corresponda à
realidade das coisas, pois que, para tal, é necessário que estas premissas estejam, elas
próprias, de acordo com tal realidade. A esta correspondência da decisão com a realidade
extra-processual pode chamar-se legitimação externa.
O Estado social de direito que se encontra plasmado no art. 2º CRP pressupõe uma
democracia económica, social e cultural. O processo jurisdicional não pode deixar de reflectir
essas preocupações sociais e de ser impregnado por uma concepção social: a solução dos
conflitos não é uma matéria de mero interesse dos litigantes e estes não devem ser tratados
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como titulares abstractos da situação litigiosa, mas antes como indivíduos concretos com
necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta.
O Estado social de direito representa um compromisso entre a esfera do Estado e a da
sociedade, dos grupos e dos indivíduos. Também este compromisso se reflecte em vários
aspectos dos modernos processos jurisdicionais.

11. Cooperação inter-subjectiva


O art. 266º/1 CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os magistrados, os
mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar entre si, concorrendo para se
obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Este importante princípio da
cooperação destina-se a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho” e a
responsabilizar as partes e o Tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperação dirige-
se quer às partes, quer ao Tribunal, pelo que importa algumas consequências quanto à
posição processual das partes perante o Tribunal, deste órgão perante aquelas e entre todos
os sujeitos processuais em comum.
a) Posição das partes:
Dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância da boa fé (art.
266º-A – As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do
preceituado no artigo anterior – CPC). A infracção do dever do honeste procedere pode
resultar de má fé subjectiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte,
ou objectiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis. Segundo o art.
456º/2 CPC proémio, essa má fé pressupõe quer o dolo, quer tão-só a negligência grave.
Qualquer das referidas modalidades da má fé processual pode ser substancial ou
instrumental: é substancial, se a parte infringir o dever de não formular pretensão ou
oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 456º/2-a CPC), alterar a verdade
dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (art. 456º/2-b CPC), isto é,
violar o dever de verdade; é instrumental, se a parte tiver omitido, com gravidade, o dever
de cooperação (art. 456º/2-c CPC) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso
manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta
da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em
julgado da decisão (art. 456º/2-d e art. 720º CPC).
A má fé processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a parte contrária o
pedir, de uma indemnização (art. 456º/1 CPC). Esta indemnização pode consistir, segundo a
opção do juiz (art. 457º/1-b 2ª parte CPC), no reembolso das despesas a que a má fé do
litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou
técnicos (art. 457º/1-a CPC), ou no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes
prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé (art.
457º/1-b CPC).
O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à importante área da prova. O
art. 519º/1 CPC, estabelece, na sequência do direito do Tribunal à coadjuvação de outras
entidades (art. 206º/3 CRP), que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o
dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes
for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e
praticando os actos que forem determinados. Este dever de colaboração é independente da
repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º CC), isto é, vincula mesmo a parte que não
está onerada com a prova.
A recusa da colaboração devida pela parte implica uma de duas consequências: se a
parte recusar a sua própria colaboração, o Tribunal aprecia livremente, para efeitos
probatórios, o valor desse comportamento (art. 519º/2 1ª parte CPC); se a violação de dever
de colaboração resultar da circunstância de a parte ter culposamente tornado impossível a
prova à contraparte onerada, o ónus da prova (art. 519º/2 in fine CPC; art. 344º/2 CC). Como
o dever de colaboração pode recair sobre a parte que não está onerada com a prova do facto,
esta inversão do ónus da prova pode implicar, com base na regra do non liquet (art. 516º
CPC; art. 346º CC), o proferimento de uma decisão de mérito contra a parte à qual não cabia
inicialmente a demonstração do facto.
O dever de cooperação da parte também encontra expressão na acção executiva: se o
exequente tiver dificuldade em identificar ou localizar os bens penhoráveis do executado, o

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Tribunal pode determinar que este preste todas as informações indispensáveis à realização
da penhora, sob a comunicação de ser considerado litigante de má fé (art. 837º-A/2 CPC).
b) Posição das partes
Existe um dever de cooperação das partes com o Tribunal, mas também há um idêntico
dever de colaboração deste órgão com aquelas. Este dever desdobra-se, para esse órgão, em
quatro deveres essenciais:
1) Um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o Tribunal se esclarecer junto
das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições
em juízo (art. 266º/2 CPC), de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta
de informação e não a verdade apurada;
2) Um outro é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as partes
sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (art.
508º/1-b, 508º-A/1-c, 690º/4 e 701º/1 CPC);
3) O Tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que pretenda
conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a
possibilidade de se pronunciarem (art. 3º/3 CPC), porque, por exemplo, o Tribunal
enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é a perspectiva das
partes ou porque esse órgão pretende conhecer oficiosamente certo facto relevante
para a decisão da causa;
4) Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das
dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de ónus ou
deveres processuais (art. 266º/4 CPC).
O dever de esclarecimento implica um dever recíproco do Tribunal perante as partes e
destas perante aquele órgão: o Tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes e estas
têm o dever de o esclarecer (art. 266º-A CPC). Encontra-se consagrado, quanto ao primeiro
aspecto, no art. 266º/2 CPC: o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir qualquer das
partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os
esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-
se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. O segundo dos referidos aspectos
(dever de esclarecimento do Tribunal pelas partes) está previsto no art. 266º/3 CPC: as
pessoas às quais o juiz solicita o esclarecimento são obrigadas a comparecer e a prestar os
esclarecimentos que lhe forem pedidos, salvo se tiverem uma causa legítima para recusar a
colaboração requerida. Deve considerar-se legítima a recusa baseada em qualquer das
circunstâncias referidas no art. 519º/3 CPC.
O dever de prevenção, é um dever do Tribunal perante as partes com uma finalidade
assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das partes perante o Tribunal. O
dever de prevenção tem uma consagração no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos
seus articulados (arts. 508º/1-b, e 508º-A/1-c CPC) ou das conclusões das suas alegações de
recurso (arts. 690º/4, e 701º/1 CPC). Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo
Tribunal sempre que o articulado enferme de irregularidades (art. 508º/2 CPC) ou mostre
insuficiências ou imprecisões na matéria de facto alegada (art. 508º/3 CPC).
Mas o dever de prevenção têm um âmbito mais amplo: ele vale genericamente para todas
as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo
uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em que a chamada de
atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco
claros, o carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o
pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa actuação.
O dever de consulta, é um dever de carácter assistencial do Tribunal perante as partes.
Este dever encontra-se estabelecido no art. 3º/3 CPC: salvo no caso de manifesta
desnecessidade, o Tribunal não pode decidir uma questão de direito ou de facto, mesmo que
seja de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se
pronunciarem sobre ela. O escopo deste preceito é evitar as chamadas “decisões surpresa”,
isto é, as decisões proferidas sobre matéria de conhecimento oficioso sem a sua prévia
discussão pelas partes.
O dever de auxílio, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na supressão das
eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento
de ónus ou deveres processuais.

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O princípio da cooperação determina, a imposição ao Tribunal, além de um dever de
auxílio, dos deveres de esclarecimento, de prevenção e de consulta. Coloca-se então a
questão de saber quais as consequências que resultam da omissão pelo Tribunal de qualquer
destes deveres. O problema é particularmente complexo, porque a previsão destes deveres
nem sempre é uma situação completamente definida por lei, antes faz apelo, em muitos
casos, a uma ponderação do Tribunal.
Alguns desses deveres de cooperação assentam numa previsão “fechada”, que não deixa
ao Tribunal qualquer margem de apreciação quanto à sua verificação; outros, pelo contrário,
decorrem de uma previsão “aberta”, que necessita de ser preenchida pelo Tribunal de acordo
com a sua ponderação. Esta distinção é importante quanto aos efeitos do não cumprimento
dos referidos deveres. Se o dever for estabelecido por uma revisão “fechada” – isto é, se a
situação em que ele tem de ser observado não deixar ao Tribunal qualquer margem de
apreciação –, a sua omissão constitui uma nulidade processual, se, como em regra sucederá,
essa irregularidade puder influir ou exame ou decisão da causa (art. 201º/1 CPC).
A violação do dever de cooperação pela parte constitui, quando seja grave, uma das
situações que a lei tipifica com má fé processual (art. 456º/2-c CPC). Aquela gravidade da
omissão do dever de cooperação pressupõe o dolo ou a negligência grave da parte (art.
456º/2 proémio CPC).

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12. Objecto do processo
O processo civil é regido, quanto à relevância da vontade das partes, pelo princípio
dispositivo e da disponibilidade privada: aquele primeiro assegura a autonomia das partes na
definição dos fins que elas procuram obter através da acção pendente; este último determina
o domínio das partes sobre os factos a alegar e os meios de prova a utilizar para conseguir
aqueles objectivos. Pode dizer-se que o princípio dispositivo representa a autonomia na
definição dos fins prosseguidos no processo e que o princípio da disponibilidade objectiva
assegura o domínio das partes sobre os meios de os alcançar.
O âmbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente à matéria de facto relevante
para a apreciação da causa constitui um dos aspectos essenciais de qualquer regime
processual.
a) Factos relevantes:
Como resulta do estabelecido no art. 264º CPC, a solução legal baseia-se numa distinção,
talvez demasiado esquemática, entre factos essenciais, instrumentais e complementares ou
concretizadores:
- Os factos essenciais: são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento
da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção;
- Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios: são aqueles que indicam
os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos;
- Os factos complementares ou concretizadores: são aqueles cuja falta não
constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção complexa e que, por isso, são
indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção.
A cada um destes factos corresponde uma função distinta:
- Os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor
ou da excepção deduzida pelo réu: sem eles não se encontra individualizado esse direito
ou excepção, pelo qual a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão inicial
por inexistência de causa a pedir (art. 193º/2-a CPC);
- Os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de
que são complemento, a procedência da acção ou da excepção: sem eles a acção era
julgada improcedente;
- Os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória dos
factos essenciais ou complementares.
Importa acentuar que esta classificação não assenta num critério absoluto, mas relativo:
um mesmo facto pode ser essencial em relação a um certo objecto e complementar ou
instrumental perante outro objecto; por seu turno, um facto é sempre complementar ou
instrumental em relação a um certo facto essencial.
· Factos principais:
A procedência da acção ou da execução pressupõe certos factos: os factos necessários a
essa procedência podem ser designados por factos principais. Estes factos englobam, na
terminologia do art. 264º CPC, os factos essenciais e os factos complementares, cuja
distinção se traça do seguinte modo: os factos essenciais são aqueles que permitem
individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção; os factos
complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou
excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Os factos essenciais são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela
parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da acção ou da excepção.
· Factos instrumentais:
São utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principiais, isto é, esses factos
são aqueles de cuja a prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos
principais. Portanto, o âmbito de aplicação dos factos instrumentais coincide com a prova
indiciária, pelo que esses factos não possuem qualquer relevância na prova histórica ou
representativa.
As presunções judiciais são aquelas em que a inferência do facto presumido assenta em
regras de experiência, isto é, são aquelas em que o Tribunal deduz, com base nessas regras,
o facto presumido. Podem ser qualificados como factos instrumentais aqueles que constituem
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a base das presunções judiciais, ou seja, aqueles que permitem inferir, através de regras de
experiência, o facto principal constante da base instrutória (arts. 508º-A/1-e, e 508º-B/2 CPC).
b) Disponibilidade e oficiosidade:
- Factos principais:
Assente a distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais, o regime
legal é o seguinte:
· Incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir ou que
fundamentam a excepção (art. 264º/1 CPC);
· O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da instrução e
discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se
aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado, quanto a eles, o exercício do
contraditório (art. 264º/3 CPC);
· O Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais que
resultem da instrução e julgamento da causa (art. 264º/2 CPC).
Deste enunciado resulta claramente que a disponibilidade objectiva vale quanto aos
factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal não os pode considerar,
quanto àqueles primeiros, se eles não forem alegados pelas partes e, quanto a estes últimos,
se a parte interessada não manifestar vontade de se aproveitar deles. Portanto, os factos
principais estão sujeitos à disponibilidade das partes.
- Factos instrumentais:
Há que reconhecer que não é totalmente claro o âmbito dos poderes que são conhecidos
ao Tribunal pelo art. 264º/2 CPC. É certo que este preceito estipula que o Tribunal pode
considerar oficiosamente os factos instrumentais; mas isto pode significar que, se os factos
surgirem na instrução e discussão da causa, o Tribunal pode considerá-los na sua decisão
ainda que nenhuma das partes o requeira, como querer dizer que o Tribunal pode promover,
por iniciativa própria, a investigação desses factos durante a instrução e discussão da causa.
A favor do reconhecimento de poderes inquisitórios do Tribunal sobre os factos
instrumentais pode invocar-se, antes de mais, a comparação entre os ns.º 2 e 3 do art. 264º
CPC: neste último concede-se ao Tribunal o poder de considerar os factos complementares,
mas sujeita-se esse poder à condição de a parte interessada desejar o seu aproveitamento na
acção pendente; naquele primeiro, atribui-se ao Tribunal o poder de considerar os factos
instrumentais e não se submete o uso desse poder a qualquer condição. É, no entanto, na
conjugação entre os arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que se encontra o apoio mais firme para
entender que o Tribunal possui poderes inquisitórios sobre os factos instrumentais.
Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes inquisitórios com a
finalidade de apurar a verdade ou de obter a justa composição do litígio são precisamente os
factos instrumentais.
- Factos instrutórios:
O art. 265º/3 CPC, dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente,
todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio,
quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Os factos sobre os quais o Tribunal possui
poderes instrutórios são não só os factos instrumentais alegados pelas partes ou investigados
pelo Tribunal, como os factos principais alegados pelas partes.
Da conjugação entre os poderes inquisitórios atribuídos pelo art. 264º/2 CPC, e os poderes
instrutórios estabelecidos no art. 265º/3 CPC, resulta o seguinte regime legal: os poderes
inquisitórios respeitam exclusivamente aos factos instrumentais (art. 264º/2 CPC); os poderes
de instrução referem-se tanto aos factos principais, como aos factos instrumentais, o Tribunal
pode não só investigá-los, com ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que sejam da
sua iniciativa; pelo contrário, quanto aos factos principais, o Tribunal não possui poderes
inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode ordenar as actividades oficiosas de
instrução legalmente permitidas.
c) Ónus de alegação:
Segundo o estabelecido no art. 264º/1 CPC, cabe às partes alegar os factos que integram
a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções: estes factos devem ser
alegados nos articulados das partes (arts. 467º/1-c, 489º/1, 502º/1, 503º/1, 785º, 793º e
794º/1 CPC). Todavia, o art. 264º/1 CPC, não abarca a totalidade do ónus de alegações que
deve ser cumprido nos articulados. Este ónus não se restringe à indicação da causa de pedir
ou do fundamento da excepção, ou seja, aos factos essenciais: ele recai sobre todos os factos
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necessários à procedência da acção ou da excepção, ou seja, sobre os factos principais.
Portanto, o art. 264º/1 CPC, refere-se apenas a uma fracção do ónus de alegação que as
partes devem cumprir nos seus articulados.
Ao contrário dos factos principais – que são submetidos ao ónus de alegação nos
articulados –, os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória e,
por essa razão, não estão sujeitos a esse ónus.
Os factos instrumentais não estão submetidos a qualquer ónus de alegação nos
articulados. Aliás, como a alegação dos factos instrumentais é uma actividade instrutória,
esses factos, mesmo que sejam invocados nos articulados, podem sempre ser alterados
enquanto for possível requerer os meios de prova (arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou
alterar ou aditar o rol de testemunhas (arts. 512º-A/1 e 787º CPC). Portanto, mesmo que a
parte invoque um facto instrumental no seu articulado, ela não está impedida de usar
qualquer outro facto na demonstração do respectivo facto principal.
- Preclusão:
A distinção entre factos essenciais, complementares e instrumentais é relevante quanto a
vários aspectos do tratamento da matéria de facto em processo. É o que sucede quanto ao
regime da sua preclusão: o art. 264º/2 CPC, mostra que podem ser considerados factos
instrumentais não alegados e, quanto aos factos complementares, é nítido que não existe em
relação a eles qualquer preclusão quando não sejam alegados nos articulados, precisamente
porque o art. 264º/3 CPC, permite a sua consideração quando eles só sejam adquiridos
durante a instrução e discussão da causa.
Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264º/1 CPC), mas importa
referir que a sua omissão não implica necessariamente a preclusão da sua alegação posterior.
Mais discutível é saber se a alegação de um facto essencial depois dos articulados é
possível mesmo que a parte tenha agido de má fé, ou seja, ainda que a omissão da invocação
desse facto tenha resultado de negligência grave ou dolo da parte (art. 456º/2-b CPC). Parece
impor-se uma resposta negativa da questão, dado o disposto no lugar paralelo da alegação
dos factos supervenientes. Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua
alegação não atempada não for culposa (art. 506º/4 CPC), isto é, se, quanto a esses factos, só
se admite uma invocação extemporânea desde que ela não seja culposa, o mesmo há que
concluir, por maioria de razão, quanto aos factos essenciais. Assim, a alegação destes factos
fora dos articulados só deve ser aceite quando a parte não tenha agido com negligência
grave ou dolo.
Portanto, a má fé da parte na omissão do facto essencial nos seus articulados tem como
consequência, além da sua condenação no pagamento de uma multa e de uma indemnização
à contraparte (art. 456º/1 CPC), a inadmissibilidade da sua alegação posterior do facto. Neste
caso, verifica-se uma preclusão decorrente da má fé processual.
O art. 264º/3 CPC, demonstra que os factos complementares podem ser adquiridos
durante a instrução e discussão da causa, pelo que a omissão da alegação desses factos nos
articulados não implica qualquer preclusão. Importa acentuar, no entanto, que o art. 264º/3
CPC, não concede qualquer opção quanto ao momento da alegação desses factos, mas
apenas a oportunidade de sanar uma insuficiência na alegação da matéria de facto que só foi
detectada na instrução e discussão da causa.
Relativamente aos factos instrumentais, o problema da preclusão equaciona-se de modo
diverso. Estes factos não são nem constitutivos da situação jurídica alegada pela parte, nem
indispensáveis à procedência da acção ou da excepção. A sua função é apenas a de servir de
prova indiciária dos factos principais, pelo que o momento da sua relevância processual não é
o da alegação da matéria de facto, mas o da apresentação ou requerimento dos meios de
prova: é neste momento que devem ser invocados os factos instrumentais que se pretende
demonstrar com esses meios de prova (arts. 552º/2, 577º/1, 612º, 633º e 789º CPC).
Portanto, a preclusão da sua alegação só ocorre quando não for possível indicar ou requerer
os meios de prova (quanto ao processo ordinário e sumário, arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º
CPC) ou alterar os que anteriormente foram apresentados ou requeridos (quanto aos mesmos
processos, arts. 512º-A/1 e 787º CPC).

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13. Prevalência da decisão de mérito
O art. 265º/2 CPC, estabelece que o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo
suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a
realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa
alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los. Esta sanação
oficiosa das excepções dilatórias visa diminuir, tanto quanto possível, os casos de absolvição
da instância e favorecer, sempre que isso seja viável, a apreciação do mérito. Segundo a
doutrina tradicional, os pressupostos processuais devem ser apreciados antes do julgamento
do mérito da causa. Ou seja, segundo esta orientação nunca é possível o proferimento de
uma decisão de mérito antes da averiguação do preenchimento de todos os pressupostos
processuais. Essa posição redunda, assim, num dogma da prioridade da apreciação dos
pressupostos processuais. Na valoração crítica deste dogma devem ser consideradas duas
situações. Uma primeira refere-se aos casos em que o Tribunal, no momento em que conclui
pelo não preenchimento de um pressuposto processual, ainda não pode proferir qualquer
decisão sobre o mérito da causa por falta de elementos suficientes. Uma segunda situação
engloba aquelas hipóteses em que o Tribunal, no próprio momento em que aprecia a falta de
um pressuposto processual, está em condições de julgar a acção procedente ou
improcedente. Em geral, os pressupostos processuais podem realizar uma de duas funções:
esses pressupostos podem destinar-se quer a assegurar o interesse público da boa
administração da justiça, quer a garantir o interesse público na boa administração de uma
tutela adequada e útil. A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os
interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os
seus interesses em juízo e não seja indevidamente incomodada com a propositura de acções
inúteis ou destituídas de objecto. É para estas situações que o art. 288º/3, 2ª parte CPC,
estipula que, ainda que a excepção dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição
da instância quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das
partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do
mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte. Segundo o
disposto no art. 288º/3 (as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou
irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º; ainda que subsistam, não
terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das
partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se
conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte) CPC,
o Tribunal pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, ainda que se verifique uma excepção
dilatória sanável ou não sanável. A aplicação do art. 288º/3, 2ª parte CPC, pressupõe uma
distinção entre pressupostos processuais dispensáveis e não dispensáveis. O art. 288º/3 CPC,
refere-se aos pressupostos processuais e às excepções dilatórias, pelo que se pode perguntar
se um idêntico regime deve valer quanto aos pressupostos de actos processuais. A resposta
deve ser negativa, porque a consequência da falta do pressuposto do acto processual é a
ineficácia do acto e o Tribunal nunca pode decidir como se o acto não fosse ineficaz.

QUESTÕES RELATIVAS À COMPETÊNCIA

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL: DIREITO INTERNO

16. Normas de recepção


As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com
a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais do foro para o
conhecimento de uma certa questão. As normas de conflitos que definem as condições em
que os Tribunais do foro são competentes para a apreciação de um objecto que apresenta
uma conexão com várias ordens jurídicas podem designar-se por normas de recepção. É essa
a função dos vários critérios enunciados no art. 65º/1 CPC (A competência internacional dos
tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de
acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país
estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial
estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na
acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em
território português, ou não ser exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro,
desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento
ponderoso de conexão, pessoal ou real).
Estas normas de recepção definem a competência internacional dos Tribunais de uma
certa ordem jurídica. Elas decorrem tanto da regra segundo a qual, quando, o caso em
apreciação apresenta uma conexão relevante com uma ordem jurídica, os seus Tribunais
devem ser competentes para a acção, como do princípio de que, perante a existência de uma
tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois
que isso pode equivaler a uma denegação de justiça. Note-se que a conexão com uma certa
ordem jurídica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicação do direito
nacional ao caso sub iudice, porque não há qualquer paralelismo necessário entre a
atribuição da competência internacional e a aplicação da lei material do foro.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a
competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa,
não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência
internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
As normas de recepção só determinam, através da referida conexão, que os Tribunais de
uma jurisdição nacional são competentes para apreciar uma relação plurilocalizada. Essas
normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um Tribunal, antes se
limitam a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus Tribunais
para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais. As normas de recepção
preenchem, no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos
realizam no âmbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicável a uma relação jurídica
plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma
relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.
a) Necessidade:
Nem sempre a circunstância de a questão em apreciação se situar no âmbito da
competência internacional (porque o objecto em apreciação é uma relação jurídica
plurilocalizada) implica a utilização dos critérios específicos da competência internacional
para a atribuição de competência aos Tribunais de uma certa ordem jurídica. Para que haja
necessidade de aferir a competência internacional dos Tribunais de um certo Estado, é
indispensável que se verifique um de dois factores: que a conexão com a ordem jurídica
nacional seja estabelecida através de um elemento que não é considerado relevante por
nenhuma das normas da competência territorial e que, portanto, não possa ser atribuída
competência aos Tribunais de um certo Estado utilizando exclusivamente as regras de
competência territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por
convenção internacional, a certas regras de competência internacional.
15
b) Unilateralidade:
As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se
limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa questão. Ou
seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais de uma ordem jurídica para a
resolução de um certo litígio, mas não excluem a apreciação dessa mesma questão por um
Tribunal estrangeiro.
c) Previsão:
Quando a acção apresenta uma conexão objectiva, relativa ao objecto do processo, ou
subjectiva, referida às partes em causa, com uma ou várias ordens jurídicas estrangeiras,
pode ser necessário determinar a competência internacional dos Tribunais portugueses. Essa
aferição deve restringir-se às situações em que os Tribunais portugueses não são
competentes segundo as regras da competência interna, pois que, como se verificou, só
importa averiguar a competência internacional quando os Tribunais de uma certa ordem
jurídica não sejam competentes para apreciar uma relação jurídica plurilocalizada segundo as
suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art. 65º/1
CPC.
A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada, segundo
uma ordem decrescente de aplicação pratica, pelos critérios da exclusividade (art. 65º/1-b
CPC), do domicílio do réu (art. 65º/1-a CPC), da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade
(art. 65º/1-d CPC).

17. Critério da exclusividade


Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando os
Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da causa (arts.
65º/1-b, 65º-A CPC). A competência internacional resulta, assim, da coincidência com as
regras de competência exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.
Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses
através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania. Nesse sentido, ela é
semelhante à reserva de ordem pública do Estado do reconhecimento no processo de revisão
de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).
O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as
seguintes situações:
a) No caso de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos
em território português;
b) Para os processos especiais de recuperação da empresa e de falência, relativamente a
pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja
situada em território português;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou ao
decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede
em território português, bem como para as destinadas a apreciar a validade das
deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da validade da inscrição
em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em Portugal.
A relevância prática da competência exclusiva dos Tribunais portugueses reside no
seguinte: como, nessa hipótese, a jurisdição portuguesa não aceita a competência de
nenhuma outra jurisdição para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição
para apreciar a acção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição estrangeira pode
preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.
Uma sentença proferida por um Tribunal estrangeiro não é, em princípio, imediatamente
eficaz na ordem jurídica portuguesa; para que se lhe conceda essa eficácia é necessária a sua
revisão e confirmação, nos termos e nas condições do correspondente processo de revisão de
sentenças estrangeiras (arts. 1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados
pelo art. 1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que essa
decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português (que é uma das Relações, art. 1095º
CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência exclusiva dos
Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

18. Critério do domicílio do réu


16
Segundo o critério do domicílio do réu, a acção pode ser proposta nos Tribunais
portugueses quando o réu ou algum dos réus tenha domicílio em território português, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em
país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).
Como a competência internacional só deve ser apreciada se da aplicação das regras da
competência territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, o
critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser aplicado quando os
Tribunais portugueses não forem competentes segundo aquelas regras.
Os critérios territoriais podem ser especiais (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais (arts. 85º
a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2 CPC) ou dos
demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for aplicável o critério territorial geral e se da
sua aplicação resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, está
determinado, sem necessidade de aplicação do critério do domicílio do réu, o Tribunal que é
territorial e internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de
competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não tem domicílio
em Portugal), essa competência também nunca poderá resultar do critério de competência
internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).
Quando a causa se inclui no âmbito do critério territorial geral, a competência
internacional nunca pode ser determinada pelo critério do domicílio do demandado, seja
porque aplicação daquele critério territorial torna dispensável a aferição da competência
internacional, seja porque, quando é impossível empregar o critério territorial, também é
impossível aplicar aquele critério de competência internacional.
Se o objecto da acção fizer funcionar um dos critérios territoriais especiais, também aqui
são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta a atribuição de
competência a um Tribunal português, não importa averiguar a competência internacional
deste Tribunal segundo nenhum dos critérios enunciados no art. 65º/1 CPC. Se, pelo contrário,
à situação concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a
atribuição de competência a um Tribunal português, justifica-se aferir a competência
internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a
CPC).
O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC)
nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e também não pode
ser aplicado quando um critério territorial especial atribua competência a um Tribunal
português. Em conclusão: o critério de domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser
usado quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial e da aplicação
deste não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como limite à determinação
da competência segundo o critério do domicílio do demandado não pode operar no âmbito de
aplicação material das Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano: nesta situação, a
única competência exclusiva relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º
Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O art. 65º/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicação do critério do domicílio do
demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja a sede estatutária
ou efectiva se localize em território português ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou
delegação.

19. Critério da causalidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando o
facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que a constituem, tiver sido praticado
em território português (art. 65º/1-c CPC). Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses são
internacionalmente competentes quando, apesar de o facto ilícito ter ocorrido no estrangeiro,
parte dos danos se produziram em Portugal (RC – 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o contrato de
seguro foi celebrado em território português (Assentos/Supremo Tribunal de Justiça 6/94, 30/3
= BMJ 434, 61).

20. Critério da necessidade


Segundo este critério, a acção pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando
uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o
17
território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos Tribunais nacionais
(art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se obstar à denegação de justiça decorrente da
impossibilidade de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se
então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.
O critério da necessidade abarca não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de
Tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional
das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, mas
também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do
funcionamento da jurisdição competente.

21. Tribunal territorialmente competente


Para analisar qual é o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais
portugueses são internacionalmente competentes segundo o critério da exclusividade (art.
65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações previstas no art. 65º-A. Exceptua-se
desta análise a hipóteses prevista no art. 65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo
regime constante do art. 16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.
O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser usado
quando ao caso concreto for aplicável um critério territorial especial (arts. 73º a 84º e 89º
CPC) e da aplicação deste não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português.
Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo critério da
causalidade ou da necessidade, também há que averiguar qual dos Tribunais portugueses é o
territorialmente competente. Para a determinação deste Tribunal só podem ser utilizados
critérios aos quais não possa ser concedida a dupla funcionalidade característica das normas
sobre a competência territorial, porque, de outro modo, a competência internacional dos
Tribunais portugueses já teria decorrido dessa competência territorial. Está nessas condições
o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será demandado no
tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será
demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será
competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.
Assim, se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro mas se encontrar em
território português, é territorialmente competente o Tribunal do local em que se encontrar
em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território
português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor (art. 85º/3, 2ª parte
CPC).
Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território
português e se o autor também tiver domicílio em território estrangeiro, é territorialmente
competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine CPC).

18
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL: DIREITO INTERNO

22. Pactos de competência


A competência interna é determinada através de um pacto de competência (pactum de
foro prorrogando). Em regra, o pacto de competência refere-se a uma questão que não
apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas, mas isto não significa que não haja
pactos de competência referidos a relações jurídicas plurilocalizadas.
O pacto de competência só pode incidir sobre a competência em razão do valor e do
território (art. 100º/1 CPC).
O pacto de competência só é válido se acompanhar a forma de contrato substantivo, se
este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for consensual (art. 100º/2 CPC). Mas
considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documentos assinados pelas partes ou
o resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que
fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles
conste uma cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido (arts.
110º/2, 1ª parte, e 99º/4 CPC). Além disso, o pacto de competência deve designar as
questões submetidas à apreciação do Tribunal e o critério de determinação do Tribunal ao
qual é atribuída a competência (art. 100º/2, 2ª parte CPC).
O pacto de competência contém implicitamente uma renúncia antecipada – isto é,
anterior à propositura da acção – à arguição da excepção de incompetência relativa (art. 108º
CPC), pois que é atribuída competência territorial a um Tribunal que, sem esse contrato
processual, não seria competente. Essa renúncia exige, como requisito ad substantiam, a
forma escrita (art. 100º/2, 1ª parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de defesa do
réu na acção proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a invocação da excepção de
incompetência relativa.
A competência convencional interna é vinculada para as partes (art. 100º/3 CPC), pelo
que a sua infracção determina a incompetência relativa do Tribunal onde a acção foi
indevidamente proposta (art. 108º CPC).

23. Pactos de jurisdição


A competência convencional internacional pode ser determinada através de um pacto de
jurisdição (art. 99º/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando considerado pela perspectiva da
ordem jurídica portuguesa, atributivo ou privativo.
O pacto é atributivo, quando concede competência a um Tribunal ou a vários Tribunais
portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou exclusiva.
O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais portugueses e
a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC).
Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em relação à
ordem jurídica portuguesa, a validade de um desses pactos não é vinculativa para os
Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.
O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis (art. 99º/3-a
CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de um pacto de jurisdição
sobre a generalidade das situações patrimoniais.
O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de ambas as
partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente grave para
a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a salvaguardar a posição
da parte mais fraca.
O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos Tribunais
portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A CPC, isto é, o pacto não
pode privar os Tribunais portugueses da sua competência exclusiva.
Se as partes, através de uma convenção de arbitragem (art. 1º Lei da Arbitragem
Voluntária – lei 31/86, de 29/8), atribuírem competência para o julgamento de certo litígio ou
questão emergente de uma relação jurídica plurilocalizada a um Tribunal Arbitral
(funcionando em território português ou no estrangeiro), é igualmente aplicável a esse

19
negócio o requisito respeitante à observância da competência exclusiva dos Tribunais
portugueses (art. 99º/3-d CPC).
O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-e in fine
CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem jurídica de uma das partes,
de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta eventualidade, as partes
indicam um Tribunal específico. Mas essa indicação também pode ser realizada
indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as
regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam
globalmente os Tribunais de uma jurisdição.
O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por escrito
(art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo que consta de
documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou
outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham
directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento
que o contenha (art. 99º/4 CPC).
Como a incompetência absoluta decorrente da infracção das regras da competência
internacional é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente (arts. 102º/1,
494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração tácita de um pacto atributivo de jurisdição
pela preclusão da invocação daquela excepção num processo pendente.

MODALIDADES DE INCOMPETÊNCIA

24. Enunciado
A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa que
decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a
medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três
tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a
preterição de Tribunal Arbitral.

25. Incompetência absoluta


Segundo o disposto no art. 101º (A infracção das regras de competência em razão da
matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera
violação dum pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal)
CPC, a incompetência absoluta provém da infracção das regras da competência internacional
legal (arts. 65º e 65º-A CPC) e da competência interna material (arts. 66º, 67º CPC; art. 46º
LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) e hierárquica (arts. 70º, 71º, 72º CPC). A
incompetência absoluta referida no art. 101º CPC, é, naturalmente, apenas aquela que se
verifica no âmbito do processo civil.
A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação jurídica
plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º. A incompetência
hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de 1ª instância quando o devia
ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa. Finalmente, a incompetência material
decorre da propositura no Tribunal comum de uma acção da competência dos Tribunais
especiais ou da instauração de uma acção num Tribunal de competência especializada
incompetente.
A incompetência absoluta resultante da infracção da competência material decorrente da
circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial quando o deveria ter sido
perante um outro Tribunal judicial até ao despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até
ao início da audiência final (art. 102º/2 CPC).
A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num Tribunal
judicial quando o deveria ser num Tribunal não judicial pode ser arguida pelas partes e
conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de mérito (art.
102º/1 CPC).
Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta deve ser
conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC). O conhecimento
oficioso da incompetência absoluta é realizado, em regra, no despacho saneador (arts.
510º/1-a, 494º-a CPC).
20
O conhecimento da incompetência absoluta no momento do despacho de citação
determina o indeferimento limiar da petição inicial (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC); se for
apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à absolvição do réu da
instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

26. Incompetência relativa


O art. 108º (A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma
do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas
convenções previstas nos artigos 99º e 100º, determina a incompetência relativa do tribunal)
CPC, enuncia as situações que originam a incompetência relativa: esta incompetência resulta
da infracção das regras da competência fundadas no valor da causa (art. 68º CPC; arts. 47º e
49 LOTJ), na forma do processo aplicável (art. 68º CPC; art. 48 LOTJ), na divisão judicial do
território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de competência ou de jurisdição
(arts. 99º e 100º CPC).
Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-se não só na
competência interna, quando são infringidas as regras que definem, de entre os vários
Tribunais, qual o territorialmente competente, mas também na competência internacional.
Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto à competência
internacional directa, a infracção de um pacto privativo de jurisdição. Esta violação verifica-se
quando, apesar de as partes terem estipulado a competência exclusiva de um Tribunal
estrangeiro para apreciar certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.
Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competência relativa (art. 100º CPC), a
correspondente incompetência não é, em princípio, de conhecimento oficioso (art. 495º CPC).
Neste caso, a incompetência pode ser arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1;
arts. 486º/1, 783º, 794º/1 CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não
havendo lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação
da entrega do articulado do réu (art. 109º/2 CPC). Conjuntamente com a alegação da
incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109º/3 CPC).
Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1
CPC).
São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento oficioso. É o
que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas a direitos reais sobre
imóveis, a responsabilidade civil extra-contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu
cônjuge ou certas partes, nos processos de recuperação da empresa e de falência, nos
procedimentos cautelares e diligências antecipadas, na determinação do Tribunal ad quem,
bem como na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e
nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.
A incompetência relativa também é de conhecimento oficioso quando decorra da
infracção das regras da competência respeitantes à forma do processo ou do valor da causa
(art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48º e 49º LOTJ. Como a competência em
razão do valor da causa (art. 49º LOTJ) se reflecte na competência do Tribunal de círculo (art.
81º LOTJ) e do Tribunal singular (art. 83º LOTJ), o art. 110º/2 (a incompetência em razão do
valor da causa ou da forma de processo aplicável é sempre do conhecimento oficioso do
tribunal, seja qual for a acção em que se suscite) CPC, engloba igualmente a violação da
competência destes Tribunais.
Finalmente, a incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos processos em
que não se verifique a citação do demandado ou requerido (art. 110º/1-b CPC), ou seja, nos
processos que não constam da lista do art. 234º/4 CPC, e nas causas que, por lei, devam
correr como dependência de outro processo (art. 110º/1-c CPC), como sucede, por exemplo,
com o incidente de habilitação (art. 372º/2 CPC).
A decisão de procedência sobre a incompetência relativa determina, em regra, a remessa
do processo para o Tribunal competente (art. 111º/3 CPC). Exceptua-se a hipótese de a
incompetência resultar da violação de um pacto privativo de jurisdição, dado que o Tribunal
português não pode enviar o processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a
consequência desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição
do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

27. Preterição de Tribunal Arbitral


21
A preterição de Tribunal Arbitral resulta da infracção da competência de um Tribunal
Arbitral que tem competência exclusiva para apreciar um determinado objecto. A preterição
pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessário, quando for proposta num Tribunal
comum uma acção que pertence à competência de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art.
1525º - se o julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se-á ao que nesta
estiver determinado. Na falta de determinação, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes
– CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for instaurada num Tribunal
comum uma acção que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas
partes (art. 1º LAV

QUESTÕES RELATIVAS ÀS PARTES

PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA
LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES
LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS

PERSONALIDADE JUDICIÁRIA

28. Noção
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte processual (art. 5º/1 CPC). Só
pode ser parte processual quem tiver personalidade jurídica.

29. Critérios atributivos


A personalidade judiciária é atribuída em função do critério da coincidência, da
diferenciação patrimonial, da afectação do acto e da protecção de terceiros.
a) Critério da coincidência:
A personalidade judiciária é concedida a todas as pessoas jurídicas, singulares ou
colectivas (art. 5º/2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem igualmente
personalidade judiciária, activa ou passiva.
Relativamente a estrangeiros, há que considerar o art. 26º/1 CC, segundo o qual o início e
o termo da personalidade judiciária são fixados pela lei pessoal de cada indivíduo, que é a lei
da sua nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, se o indivíduo for apátrida, a lei do lugar onde ele
tiver a sua residência habitual ou, se for menor ou interdito, o seu domicílio legal (art. 32º/1
CC). Quanto às pessoas colectivas (excepto sociedade comerciais), a sua lei pessoal é a do
Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração (art. 33º/1
CC) ou, se for uma pessoa colectiva internacional, a designada na convenção que a criou ou
nos respectivos estatutos ou, na sua falta, a do país onde estiver a sede principal (art. 34º
CC). As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada
a sede principal e efectiva da sua administração (art. 3º/1, 1ª parte. CSC).
b) Critério da diferenciação patrimonial:
A personalidade judiciária é atribuída a determinados patrimónios autónomos (art. 6º
CPC):
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver
determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se
constituem, nos termos do artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se
inserem no âmbito dos poderes do administrador.
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
Em certos casos, além do património autónomo, podem ser demandadas outras partes. A
enumeração constante no art. 6º CPC, não deve ser considerada taxativa. Não se deve excluir
que outros patrimónios autónomos também possam ter personalidade judiciária: é o caso, por
22
exemplo, do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, regulado pelo DL
248/86, de 25/8.
c) Critério da afectação do acto:
Têm personalidade judiciária as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações
de uma pessoa colectiva relativamente a actos que por elas tenham sido praticados (art. 7º/1
CPC). Quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente estar em juízo quanto à acção que o
tenha por objecto ou fundamento.

30. Falta de personalidade judiciária


Quando a acção foi indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal, agencia, filial,
delegação ou representação, a falta da sua personalidade judiciária é sanável mediante a
ratificação ou repetição pela administração principal dos actos praticados por aquelas
entidades (art. 8º - a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais,
delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração
principal e a ratificação ou repetição do processado – CPC).
Quando a acção foi proposta pelo representante de uma parte falecida ou contra uma
parte falecida, esta falta de personalidade judiciária cessa com a habilitação dos sucessores
(art. 371º CPC) ou da herança jacente (art. 6º-a CPC).
A falta não sanada de personalidade judiciária é uma excepção dilatória nominada (art.
494º-c CPC) que é de conhecimento oficioso (art. 495º CPC). Os seus efeitos são os seguintes:
- Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC) e se essa excepção for sanável (art. 8º
CPC), ela justifica o indeferimento liminar da petição inicial (art. 234º-A/1 CPC);
- Se a falta de personalidade judiciária for conhecida no despacho saneador, ela conduz
à absolvição do réu da instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c CPC), mas, quando ela for
sanável (art. 8º CPC), o Tribunal deve procurar, antes de proferir qualquer absolvição da
instância, que a administração principal realize essa sanação (art. 265º/2 CPC).

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CAPACIDADE JUDICIÁRIA

31. Noção
A capacidade judiciária é a susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juízo
ou de se fazer representar por representante voluntário (art. 9º/1 – a capacidade judiciária
consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo – CPC). Assim, não possuem capacidade
judiciária quer os que podem intervir pessoal mas não livremente (os inabilitados), quer os
que não podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os inabilitados).

32. Aferição
A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a produção dos efeitos
decorrentes da acção pendente (art. 9º/2 – a capacidade judiciária tem por base e por medida
a capacidade do exercício de direitos – CPC). O que revela para essa aferição é a capacidade
de exercício quanto a esses efeitos e não quanto à prática do acto que constitui ou integra o
objecto do processo.
Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz pode
excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10º/1 in fine – os incapazes só podem
estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador,
excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente – CPC).
A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende, da sua capacidade de
exercício, art. 9º/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art. 25º CC). Essa lei é a da sua
nacionalidade (art. 31º/1 CC) ou, no caso dos apátridas, a do lugar onde tiverem a residência
habitual ou, na hipótese da sua menoridade ou interdição, a do domicílio legal (art. 32º/1 CC).

33. Meios de suprimento


A incapacidade judiciária é suprida mediante assistência e representação (art. 10º/1 – os
incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados
pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente – CPC).
A assistência por curador supre a incapacidade dos inabilitados (art. 153º/1 CC): a autorização
do curador é necessária para os actos praticados pelo inabilitado quando seja parte activa ou
passiva, embora, como o inabilitado pode estar pessoalmente em juízo, ele possa intervir em
qualquer acção e deva ser citado quando seja réu (art. 13º/1 – os inabilitados podem intervir
em todas as acções em que sejam partes e devem ser citados quando tiverem a posição de
réus, sob pena de se verificar a nulidade correspondente à falta de citação, ainda que tenha
sido citado o curador – CPC).
A representação legal do menor cabe aos progenitores (arts. 124º e 1877º CC), ao tutor
(arts. 124º e 1921º/1 CC) ou ao administrador de bens (art. 1922º CC). A representação legal
do interdito incumbe ao tutor (art. 139º CC). Se houver representação legal do inabilitado
quanto à administração de um património, a sua representação incumbe ao curador (art.
154º/1 CC).
A representação legal do menor, interdito ou inabilitado pode caber a um curador ad
litem (ou provisório), que é um representante cujos os poderes estão limitados a uma
determinada acção. Utiliza-se a representação pelo curador ad litem em dois casos: quando o
incapaz não tem representante legal (art. 11º/1 CPC); e quando, apesar de o ter, ele está
impossibilitado de exercer a representação (art. 11º/3 CPC).
A nomeação do curador ad litem pode ser requerida quando o incapaz não tiver
representante legal, situação que pode ser verificada antes do início da causa ou na sua
pendência.
O curador provisório também pode ser nomeado quando o representante (ou os
representantes) do incapaz estiver impossibilitado de exercer os seus poderes de
representação. Isso pode suceder em várias eventualidades:
- Quando, na pendência da causa, os progenitores não acordam na orientação da defesa
dos interesses do menor representado (art. 12º/2/3 CPC);

24
- Quando os interesses do incapaz se opõem aos interesses do seu representante ou aos
interesses de outro representado pelo mesmo representante (art. 1329º/1 CPC; arts.
1846º/3, 1881º/2, 1956º-c CC);
- Quando o representante for parte conjuntamente com o representado (art. 1846º/1 e 3
CC)
Em ambos os casos, a nomeação do curador provisório pode ser requerida pelo Ministério
Público ou por qualquer parente sucessível, se incapaz for autor, ou por esta parte, se incapaz
for réu (art. 11º/4 CPC). O Ministério Público deve ser ouvido, sempre que não seja o
requerente (art. 11º/5 CPC) e a nomeação do curador ad litem compete ao juiz da causa (art.
11º/1 e 3 CPC).
Se o incapaz não deduzir oposição, a defesa incumbe ao Ministério Público ou, se ele
representar o autor, a um defensor oficioso (art. 15º/1/2 CPC): é a chamada sub-
representação. Assim, antes de o réu incapaz se considerar na situação de revelia por falta
de contestação do seu representante legal, deve ser facultada ao Ministério Público a
possibilidade de deduzir oposição.
Como a sub-representação pelo Ministério Público ou pelo defensor oficioso cessa logo
que seja constituído mandatário judicial ao incapaz (art. 15º/3 CPC), pode concluir-se que o
seu regime nunca é instituído se o incapaz tiver mandatário judicial.

34. Regime de suprimento


a) Menores:
Nos menores, a incapacidade judiciária é suprida pelo poder paternal, pela tutela e pela
administração de bens (art. 124º e 1992º CC). O poder paternal é exercido por ambos os
progenitores (art. 1901º/1 CC), pelo que ambos devem estar de acordo quanto à propositura
da acção (art. 10º/2 CPC) e ambos devem ser citados quando o menor seja réu (art. 10º/3
CPC). Se houver desacordo dos progenitores acerca da conveniência de propor a acção, pode
qualquer deles requerer ao Tribunal competente a resolução do conflito (art. 12º/1 CPC). Esse
Tribunal é o de Família (art. 61º/1-d LOTJ; art. 146º-d OTM) e o processo é previsto no art.
184º OTM.
Se algum dos progenitores tiver sido preterido na representação do menor – isto é, se
este for representado por um único deles – o progenitor preterido deve ser notificado para
que venha ao processo ratificar, no prazo fixado, os actos realizados pelo outro progenitor
(art. 23º/3, 1ª parte CPC). Se, nessa ocasião, se verificar um desacordo entre os progenitores,
aplica-se à resolução desse conflito o regime constante do art. 12º CPC (art. 23º/3, 2ª parte
CPC).
Para determinados actos, os progenitores necessitam, conforme se dispõe no art. 1889º
CC, de autorização do Tribunal (de Família, art. 61º/1-g LOTJ; art. 146º-g OTM), são eles
nomeadamente:
- A representação de bens do menor (art. 1889º/1-a CC);
- A representação do menor na transacção ou na convenção de arbitragem referida aos
mesmos actos (art. 1889º/1-o CC) e ainda, por maioria de razão, na desistência e
confissão do pedido;
- A representação do menor para convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa
comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais (art. 1889º/1-n CC).
O menor fica sujeito a tutela se os progenitores não puderem exercer o poder paternal
(art. 1921º CC). O tutor necessita de autorização judicial em todas as situações em que ela é
exigida aos progenitores (arts. 1935º/1 e 1938º/1-a CC) e ainda para propor qualquer acção,
salvo se ela for destinada à cobrança de prestações periódicas ou se a demora na sua
propositura for susceptível de causar prejuízos ao menor (art. 1938º/1-e CC).
O administrador de bens (instituído nos casos previstos no art. 1922º CC) tem, os mesmos
direitos e obrigações do tutor (art. 1971º/1 CC), pelo que necessita de autorização judicial nas
mesmas situações em que dela carece o tutor (art. 1938º/1-a-e CC).
b) Interditos:
A incapacidade judiciária dos interditos é suprida pela tutela e pela administração de bens
(art. 139º CC), cujos regimes são idênticos aos do suprimento da incapacidade do menor.
c) Inabilitados:
A incapacidade judiciária dos inabilitados é suprida através da curatela (arts. 153º/1,
154º/1 CC). A curatela incumbe ao curador, que pode intervir ao regime de assistência ou de
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representação. O curador assiste o inabilitado quanto aos actos que forem especificados na
sentença de inabilitação (art. 153º/1 CC); o curador representa o inabilitado nos actos de
administração do seu património (art. 154º/1 CC). Para instaurar quaisquer acções em
representação do inabilitado, o curador está sujeito ao regime do tutor do interdito (art. 156º,
1938º/1-a-e CC).
Mesmo quando o inabilitado seja representado pelo curador, aquele incapaz pode intervir
na acção proposta em seu nome e deve ser citado quando seja réu (art. 13º/1 CPC). Em caso
de divergência entre o curador e o inabilitado, prevalece a orientação daquele representante
(art. 13º/2 CC).

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REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

35. Noção
A representação judiciária é a representação de entes que estão submetidos a uma
representação orgânica ou que podem ser representados pelo Ministério Público.

36. Regime
a) Estado:
O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que seja
permitida a representação por mandatário judicial próprio (art. 20º/1 CPC) ou em que as
entidades autónomas possam constituir advogado que intervenha no processo conjuntamente
com o Ministério Público (art. 20º/2 CPC). Segundo o disposto no art. 4º/1 LOMP, o Ministério
Público é representado no Supremo Tribunal de Justiça pelo Procurador-geral da República,
nas Relações por Procuradores-Gerais-Adjuntos e nos Tribunais de 1ª instância por
Procuradores da República e Delegados do Procurador da República.
b) Pessoas colectivas e sociedades:
Sobre a representação das pessoas colectivas e das sociedades, há que distinguir entre
as acções dessas entidades com terceiros e as causas entre elas e o seu representante. Nas
acções com terceiros, as pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a
lei, os estatutos ou o pacto social designarem (art. 21º/1 CPC). As sociedades em nome
colectivo e as sociedades por quotas são representadas pelos gerentes, as sociedades
anónimas pelo conselho de administração e as sociedades em comandita pelos sócios
comanditados gerentes.
Nas acções entre pessoa colectiva ou a sociedade e o seu representante, aquelas
entidades são representadas por um curador ad litem (art. 21º/2 CPC). Este regime justifica-
se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse caso, as suas funções de
representação.
c) Incapazes e ausentes:
Os incapazes e ausentes são representados pelo Ministério Público em todas as acções
que se mostrem necessárias à tutela dos seus direitos e interesses (art. 17º/1 CPC; art. 5º/1-c
LOMP). A representação pelo Ministério Público cessa se for constituído mandatário judicial do
incapaz ou ausente ou se, tendo o respectivo representante legal deduzido oposição a essa
representação, o juiz, ponderado interesse do representado, a considerar procedente (art.
17º/2 CPC; art. 5º/3 LOMP).
d) Incertos:
Quando a acção seja proposta contra incertos, por o autor não ter a possibilidade de
identificar os interessados directos em contradizer, eles são representados pelo Ministério
Público (art. 16º/1 CPC; art. 5º/1-c LOMP), excepto se este representar o autor, caso em que é
nomeado um defensor oficioso para servir como agente especial do Ministério Público naquela
representação (art. 16º/2 CPC). Esta representação cessa quando os citados como incertos se
apresentam para intervir como réus e a sua legitimidade se encontrar reconhecida (art. 16º/3
CPC).
e) Pessoas judiciárias:
As pessoas judiciárias – isto é, as entidades que só possuem personalidade judiciária – são
representadas da seguinte forma:
- A herança jacente, por um curador (art. 22º CPC; art. 2048º/1 CC);
- As associações sem personalidade judiciária, pelo órgão da administração (art. 22º
CPC; art. 195º/1 CC);
- As comissões especiais pelos administradores (art. 22º CPC; art. 996º/1 CC);
- As sociedades comerciais não registadas, pelas pessoas a que as cláusulas do contrato
atribuam a representação (art. 22º CPC);
- O condomínio, pelo administrador (art. 22º CPC; art. 1437º/2 CC);
- As sucursais ou equivalentes, pelos directores, gerentes ou administradores (art. 22
CPC).

27
INCAPACIDADE JUDICIÁRIA E VÍCIOS DA REPRESENTAÇÃO JUDICIÁRIA

37. Incapacidade judiciária lato sensu


O não suprimento da incapacidade judiciária pelo representante legal ou pelo curador
determina a incapacidade strictu sensu da parte. O suprimento daquela incapacidade pode
ainda ser afectado por uma irregularidade de representação, se o incapaz estiver
representado ou assistido por sujeito diverso do verdadeiro representante ou curador, ou por
uma falta de autorização, se o representante ou o curador do incapaz não tiver obtido a
necessária autorização judicial. A incapacidade judiciária strictu sensu encontra-se prevista,
como tal, nos arts. 23º/1, e 494º-c CPC; a irregularidade de representação nos arts. 23º/1, e
288º/1-c CPC, a falta de autorização ou deliberação nos arts. 25º/1, 288º/1-c, e 494º-d CPC.

38. Incapacidade judiciária strictu sensu


A incapacidade judiciária strictu sensu pode verificar-se relativamente à parte activa ou à
parte passiva: quanto ao autor, essa incapacidade existe quando o incapaz propõe uma acção
sem a intervenção do seu representante legal ou a assistência do seu curador; quanto ao réu,
essa incapacidade surge quando é proposta uma acção legal contra um incapaz sem a
indicação pelo autor do representante legal ou do curador daquele demandado.
Logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária strictu sensu, incumbe-lhe,
oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância (art. 24º/1,
265º/2 CPC). Essa incapacidade sana-se mediante a intervenção ou a citação do
representante ou do curador do incapaz.
Quanto à actividade exigida ao Tribunal para procurar obter a sanação desse vício, há que
considerar duas situações (art. 24º/2 CPC):
- Se o vício afectar a parte passiva, o Tribunal deve ordenar a citação do réu e quem o
deva representar, para que este ratifique ou renove o processado anteriormente;
- Se o vício respeitar à parte activa, o Tribunal deve ordenar, para esse mesmo efeito, a
notificação de quem a deva representar.
A incapacidade fica sanada se o representante do incapaz ratificar os actos anteriormente
praticados no processo ou se os renovar no respectivo prazo (art. 23º/2 CPC).
Se o representante não ratificar nem renovar os actos praticados, a incapacidade não se
pode considerar sanada, importando verificar quais as consequências daí decorrentes. Elas
são distintas consoante o vício afecte a parte activa ou passiva.
Se o representante do autor não sanar a incapacidade, o processo não pode continuar
quando esse vício afectar a própria petição inicial: neste caso, releva a falta de um
pressuposto processual e réu deve ser absolvido da instância (arts. 494º-c, 493º/2, 288º/1-c
CPC). Mas se o representante do réu não sanar a incapacidade, então falta apenas um
pressuposto de um acto processual e a contestação e os demais actos praticados pelo
incapaz ficam sem efeito, pelo que se aplica ao incapaz, se ele não tiver mandatário judicial
constituído, o regime da sub-representação (art. 15º/1 CPC).
Se o incapaz for autor e se o processo tiver sido anulado desde o início, o prazo de
prescrição ou de caducidade, mesmo que já tenha terminado ou nos dois meses
subsequentes à anulação, não se considera completado antes de findarem esses dois meses
(art. 24º/3 CPC). É o regime que também resulta dos arts. 327º/3, 332º/1 CC.

39. Irregularidades de representação


A irregularidade de representação verifica-se quando a parte, embora esteja representada
ou assistida, não está pelo verdadeiro representante ou curador.
O regime de sanação da irregularidade de representação é semelhante ao da
incapacidade judiciária strictu sensu, tal como o são os efeitos da sua não sanação (arts. 23º
e 24º CPC).

40. Falta de autorização ou deliberação


Verifica-se a falta de autorização ou deliberação quando o representante legal ou o
curador do incapaz não as tiver obtido antes de propor a acção ou de praticar o acto. É o que
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sucede quando, o representante de uma sociedade requerer, sem a necessária deliberação
social, uma providência cautelar.
Se a parte estiver devidamente representada, mas o seu representante não tiver obtido
alguma autorização ou deliberação legalmente exigida, o Tribunal deve fixar oficiosamente o
prazo dentro do qual o representante a deve obter, suspende-se entretanto a instância (arts.
25º/1, 265º/2 CPC, quanto ao tutor, art. 1940º/3 CC). As consequências da não sanação do
vício são distintas consoante ele afecte o autor ou o réu.
Se o vício não for sanado e respeitar à parte activa, falta um pressuposto processual, pelo
que o réu é absolvido da instância (arts. 25º/1, 1ª parte, 494º-d, 493º/2, 288º/1-c CPC). Se a
falta de autorização ou deliberação afectar o representante da parte passiva e não for
sanada, a contestação fica sem efeito (art. 25º/2, 2ª parte CPC) e o incapaz beneficia da sub-
representação do Ministério Público se não tiver mandatário judicial constituído (art. 15º/1
CPC).

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LITISCONSÓRCIO INICIAL: MODALIDADES

41. Sistematização geral


A pluralidade de partes que caracteriza o litisconsórcio coincide, em princípio, com uma
pluralidade de titulares do objecto do processo. Pode assim dizer-se que, relativamente à
legitimidade singular dos titulares daquele objecto, o litisconsórcio representa uma
legitimidade de segundo grau, isto é, uma legitimidade que se demarca, através de critérios
específicos, entre esses titulares, de molde a determinar as condições em que todos eles
podem ou devem ser partes numa mesma acção. A legitimidade plural não é, por isso, um
conjunto ou somatório de legitimidades singulares, mas uma realidade com características
próprias.

42. Classificações
O litisconsórcio é susceptível de várias classificações: pode-se classificá-lo quanto à
origem, ao reflexo na acção e ao conteúdo da decisão, ou seja, pode-se atender, nessa
classificação, ao momento da propositura da acção, às consequências da sua verificação na
acção, ao momento do proferimento da decisão e ainda à posição dos litisconsortes. Dado
que se referem a realidades distintas, essas classificações podem classificar-se entre si.
a) Origem do litisconsórcio:
Quanto à sua origem, o litisconsórcio pode ser: voluntário, todos os interessados podem
demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem
todos presentes em juízo ou; necessário, todos os interessados devem demandar ou ser
demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade. Assim,
enquanto o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos interessados, o
litisconsórcio necessário é imposto ao autor ou autores da acção.
b) Reflexo na acção:
Atendendo aos reflexos na acção, o litisconsórcio pode ser: simples, é aquele em que a
pluralidade de partes não implica um aumento do número de oposições entre as partes; ou
recíproco, é aquele em que a pluralidade de partes determina um aumento do número de
oposições entre elas.
c) Conteúdo da decisão:
Atendendo ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser: unitário, é aquele em que
a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes; ou simples, pelo contrário, a
decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes.
d) Posição das partes:
Atendendo à posição das partes, o litisconsórcio pode ser: conjunto, verifica-se quando
todos os litisconsortes activos formulam conjuntamente o pedido contra o demandado ou
quando o autor formula o pedido conjuntamente contra todos os litisconsortes demandados;
ou subsidiário, pressupõe que o objecto da causa só é apreciado em relação a um
litisconsorte activo ou passivo se um outro autor ou réu não for considerado titular, activo ou
passivo, desse mesmo objecto.

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43. Litisconsórcio voluntário
Sempre que existe uma pluralidade de interessados, activos ou passivos, opera, quanto à
constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois que a acção pode ser proposta
por todos esses titulares ou contra eles (art. 27º/1, 1ª parte CPC). O litisconsórcio voluntário
verifica-se por iniciativa da parte ou partes em causa: são os vários interessados que decidem
instaurar a acção conjuntamente, é o autor da acção que resolve propor a acção contra vários
réus e é esse autor ou o réu que opta por promover a intervenção de outras partes durante a
pendência da acção.
Apesar de o litisconsórcio voluntário se encontrar na disponibilidade das partes, que o
podem constituir ou não, isso não significa que a sua constituição seja irrelevante, isto é, que
a parte que o pode conformar possa conseguir os mesmos benefícios e vantagens com ou
sem a sua conformação.
a) Litisconsórcio comum:
A parte que o conforma pretende apenas integrar determinados sujeitos no âmbito
subjectivo do caso julgado, numa situação em que, sem a sua participação na acção, eles não
ficariam abrangidos por ele.
b) Litisconsórcio conveniente:
A parte que o constitui visa alcançar uma vantagem que não poderia obter sem essa
pluralidade de partes, activas ou passivas. Quer dizer: a constituição do litisconsórcio é uma
condição indispensável para alcançar um certo resultado ou efeito.
São vários os motivos que podem determinar o litisconsórcio conveniente. Este
litisconsórcio verifica-se em relação a obrigações conjuntas, pois que, sem a participação de
todos os credores ou devedores, a acção só pode ser procedente na quota-parte respeitante
ao sujeito presente em juízo (art. 27º/1, 2ª parte CPC).

44. Litisconsórcio necessário


No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados.
Os critérios que orientam a previsão do litisconsórcio necessário são essencialmente dois: o
critério da indisponibilidade individual (ou da disponibilidade plural) do objecto do processo e
o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos. Aquele primeiro critério tem expressão
no litisconsórcio legal e convencional; este último, no litisconsórcio natural.
a) Litisconsórcio legal:
O litisconsórcio necessário legal é aquele que é imposto pela lei (arts. 28º/1, 28º-A
CPC).
Quanto ao litisconsórcio necessário entre os cônjuges, há que analisar o disposto no art.
28º-A/1/2 CPC (acções que devem ser propostas por ambos os cônjuges) e 28º-A/3 CPC
(acções que devem ser instauradas contra ambos os cônjuges). Relativamente à propositura
da acção, o litisconsórcio entre os cônjuges é necessário quanto a direitos que apenas
possam ser exercidos por ambos ou a bens que só possam ser administrados ou alienados
por eles, incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/1 CPC). Para se saber quais são
esses direitos e bens, há que distinguir entre as acções relativas a actos de administração e a
actos de disposição.
Nas acções relativas a actos de administração, o litisconsórcio activo é necessário quanto
aos actos de administração de bens comuns do casal (art. 1678º/3 in fine CC). Nas acções
referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o objecto do
processo for nomeadamente, um acto de disposição de bens comuns administrados por
ambos os cônjuges (art. 16628º/1 CC).
Note-se que o litisconsórcio activo entre os cônjuges podem ser substituído pela
propositura da acção por um deles com o consentimento do outro (art. 28º-A/1 CPC), o que
constitui uma situação de substituição processual voluntária. Se o cônjuge não der o seu
consentimento para a propositura da acção, o outro pode supri-lo judicialmente (art. 28-A/2
CPC), utilizando para tanto o processo regulado no art. 1425º CPC.
Relativamente à demanda dos cônjuges, o litisconsórcio é necessário quando o objecto do
processo for um facto praticado por ambos os cônjuges, uma divida comunicável, um direito

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que apenas pode ser exercido por ambos os cônjuges ou um bem que só por eles pode ser
administrado ou alienado, incluindo a casa de morada de família (art. 28º-A/3 CPC).
O litisconsórcio necessário definido pelo art. 28º-A/3 CPC, também pode operar depois da
dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
b) Litisconsórcio convencional:
O litisconsórcio necessário convencional, é aquele que é imposto pela estipulação
das partes de um negócio jurídico (art. 28º/1 CPC). Para a determinação do âmbito deste
litisconsórcio convencional há que analisar o regime das obrigações divisíveis e indivisíveis.
Se a obrigação for divisível, o litisconsórcio é, em princípio voluntário, porque, se não
estiverem presentes todos os interessados activos e passivos, o Tribunal conhece apenas da
quota-parte do interesse ou da responsabilidade dos sujeitos presentes em juízo (art. 27º/1,
2ª parte). Assim, quanto a uma obrigação divisível, o litisconsórcio só é necessário se as
partes estipulam que o seu cumprimento apenas é exigível por todos os credores ou a todos
os devedores.
Quanto à obrigação indivisível (por natureza, estipulação legal ou convenção das partes),
há que distinguir entre a pluralidade de devedores e a de credores. Se forem vários os
devedores, o art. 535º/1 CC, estipula que o cumprimento só pode ser exigido de todos eles,
pelo que, quanto a esta hipótese, vale um litisconsórcio necessário legal e, por isso, o caso
não se pode enquadrar no litisconsórcio convencional. Pelo contrário, se houver uma
pluralidade de credores, o art. 538º/1 CC, dispõe que qualquer deles pode exigir a prestação
por inteiro, resultando daí que, na falta de estipulação das partes, o litisconsórcio de vários
credores de uma obrigação indivisível é meramente voluntário. Por isso, relativamente a uma
obrigação indivisível, o litisconsórcio necessário convencional só se verifica se for estipulado
que essa obrigação apenas pode ser exigida por todos os credores.
c) Litisconsórcio natural:
O litisconsórcio necessário natural, é aquele que é imposto pela realização do efeito
útil normal da decisão do Tribunal (art. 28º/2 CPC). A concretização deste referido efeito útil
normal suscita muitas dificuldades.
Pode entender-se que o litisconsórcio natural só existe quando a repartição dos vários
interessados por acções distintas impeça uma composição definitiva entre as partes da
causa.
Mas também pode defender-se que o litisconsórcio é natural não só quando a repartição
dos interessados por acções diferentes impeça a composição definitiva entre as partes, mas
também quando a repartição dos interessados por acções distintas possa obstar a uma
solução uniforme entre todos os interessados.
Segundo a definição legal do art. 28º/2, 2ª parte CPC, o efeito útil normal é atingido
quando sobrevem uma regulação definitiva da situação concreta das partes (e só delas)
quanto ao objecto do processo. De acordo com a mesma definição, o efeito útil normal pode
ser conseguido ainda que não estejam presentes todos os interessados ou, dito de outra
forma a ausência de um deles nem sempre constitui um obstáculo a que esse efeito possa ser
atingido: é o que resulta do facto de nessa definição se admitir expressamente a não
vinculação de todos os interessados.
Assim, deve concluir-se que decorre do art. 28º/2, 2ª parte CPC, que, na determinação do
litisconsórcio, releva apenas a eventualidade de a sentença não compor definitivamente a
situação jurídica das partes, por esta poder ser afectada pela solução dada numa outra acção
entre outras partes.

45. Litisconsórcio unitário


O litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão do Tribunal tem de ser uniforme para
todos os litisconsortes. Este litisconsórcio corresponde a situações em que o objecto do
processo é um interesse indivisível, pelo que sobre ele não podem ser proferidas decisões
divergentes.
A uniformidade do objecto, quer de uma relação de prejudicialidade entre vários objectos.
São pensáveis situações de litisconsórcio unitário voluntário. Se, por exemplo, vários
comproprietários propuserem uma acção de reivindicação contra um detentor, o litisconsórcio
é voluntário, porque a acção podia ter sido proposta por um único dos comproprietários (art.
1405º/2 CC), mas é igualmente unitário, porque a causa não pode ser julgada procedente
quanto a um dos comproprietários e improcedente quanto a um qualquer outro.
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O litisconsórcio unitário também pode ser necessário. Suponha-se que o presumido
pai instaura, contra o filho e a mãe, uma acção de impugnação da paternidade; esse
litisconsórcio é necessário (art. 1846º/1 CC) e unitário, porque essa acção de impugnação só
pode ser procedente ou improcedente simultaneamente contra ambos os demandados.
Convém acentuar, no entanto, que nem todo o litisconsórcio necessário é unitário. Por
exemplo: se as partes estipulam que a dívida só pode ser exigida de ambos os devedores e
se, portanto, construíram uma situação de litisconsórcio necessário convencional (art. 28º/1
CPC), isso não impede que, se um dos devedores demandados puder invocar contra o credor
a extinção da sua quota-parte da dívida, um dos réus seja condenado e o outro seja absolvido
do pedido.
O litisconsórcio unitário releva no momento do proferimento da decisão, pois que ele
implica o proferimento de uma mesma decisão para todos os litisconsortes. Note-se que o
litisconsórcio unitário não impõe, em si mesmo, a presença de nenhum interessado em juízo,
pelo que só há que garantir a uniformidade da decisão relativamente aos litisconsortes que se
encontrem na acção no momento do seu proferimento. Esses litisconsortes podem não ser as
partes iniciais da acção, quer porque algumas delas se afastaram da acção, quer porque
alguns terceiros intervieram nela durante a sua pendência.

46. Litisconsórcio subsidiário e alternativo


Segundo o disposto no art. 31º-B CPC, é admitida a formulação subsidiária do mesmo
pedido por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal,
desde que exista uma dúvida fundamentada sobre o sujeito do objecto do processo. Isto
significa que é admissível tanto um litisconsórcio em que um dos autores só será reconhecido
como titular activo de uma situação jurídica se um outro demandante não o for, como um
litisconsórcio em que se pede que um dos réus seja condenado se a acção não for procedente
quanto a um outro demandado.
A admissibilidade do litisconsórcio subsidiário coloca o problema de saber se é sempre
exigível que um dos autores se apresente numa posição subsidiária perante uma outra ou se
é necessário que o autor defina como subsidiário um dos demandados. Isto é, importa
averiguar se o autor, em vez de se colocar numa posição subsidiária perante um outro
demandante, se pode apresentar numa relação de alternatividade com ele ou se o autor, em
vez de demandar um réu numa posição subsidiária, pode demandar em alternativa vários
réus.
Não parece que a atribuição por um dos autores de uma posição de subsidiariedade
perante um outro demandante ou que a concessão pelo autor de uma idêntica posição a um
dos demandados corresponda a um ónus dessa parte. Na mesma situação de dúvida sobre o
titular do objecto do processo (art. 31º-B in fine CPC), parece admissível que nenhum dos
autores se coloque na posição de subsidiariedade perante o outro e que nenhum dos réus
seja qualificado como subsidiário, podendo antes os vários autores ou réus apresentar-se ou
ser apresentados numa relação de alternatividade.

LITISCONSÓRCIO INICIAL: CONSEQUÊNCIAS

47. Constituição do litisconsórcio


O litisconsórcio voluntário encontra-se na disponibilidade da parte, que o pode constituir
ou não. Diferentemente, o litisconsórcio necessário não permite qualquer opção da parte, pois
que a acção tem de ser proposta por todos ou contra todos os interessados. Importa assim
determinar como pode uma parte ultrapassar uma recusa dos demais interessados em
proporem, conjuntamente com ela, a acção: tem-se entendido que essa parte pode instaurar
sozinha a acção e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores dos
demais interessados.
A pluralidade de partes relativamente às quais o litisconsórcio é imposto pode ser activa
ou passiva. Normalmente, o litisconsórcio é imposto a uma pluralidade de autores ou a um
autor relativamente a uma pluralidade de réus. Mas o litisconsórcio também pode ser imposto
a uma pluralidade de réus ou a um réu quanto a uma pluralidade de autores.
Quanto aos efeitos da sua não constituição, no caso do litisconsórcio voluntário verifica-se
apenas o desaproveitamento de certos benefícios ou vantagens, mas na sua hipótese do
33
litisconsórcio necessário conforma-se a ilegitimidade da parte (activa ou passiva) que está em
juízo desacompanhada dos demais interessados (art. 28º/1 CPC).
A ilegitimidade proveniente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável, embora
haja que distinguir o litisconsórcio relativo aos cônjuges das demais hipótese.
No litisconsórcio entre os cônjuges, a ilegitimidade activa é sanável mediante a obtenção
do consentimento do outro cônjuge ou o seu suprimento (art. 28º-A/2 CPC); a ilegitimidade
passiva é sanável através da intervenção principal do cônjuge não presente, provocada quer
pelo autor da acção (art. 269º/1 CPC), mesmo nos 30 dias subsequentes ao trânsito em
julgado da decisão de absolvição da instância (art. 269º/2 CPC), quer pelo cônjuge
demandado (art. 325º/1 CPC).
Nas demais situações de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade (activa ou passiva) é
sanável mediante a intervenção principal provocada da parte cuja falta gera ilegitimidade
(art.. 269º/1 CPC). Essa intervenção é admissível mesmo depois do trânsito em julgado do
despacho saneador que apreciou a ilegitimidade, situações em que a instância se renova (art.
269º/2 CPC).

48. Posição dos litisconsortes


O art. 29º estabelece a seguinte diferença entre o litisconsórcio voluntário e o necessário:
enquanto no litisconsórcio necessário as partes se apresentam externamente como a única
parte (art. 29º, 1ª parte CPC), no litisconsórcio voluntário as partes mantêm uma posição de
autonomia (art. 29º, 2ª parte CPC). Assim, segundo este critério, as partes de um
litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio
voluntário mantêm uma posição de autonomia.
A distinção estabelecida no art. 29º CPC, justifica os diferentes regimes que se encontram
na lei em matéria de falta de citação (art. 197º CPC), de separação do pedido reconvencional
que envolve a intervenção de terceiros (art. 274º/5 CPC), de confissão, desistência ou
transacção (art. 298º CPC), de aproveito do recurso interposto por um dos litisconsortes (art.
683º/1 CPC) e de exclusão pelo recorrente de algum dos litisconsortes vencedores (art.
684º/1 CPC). Uma outra consequência da autonomia entre os litisconsortes voluntários
encontra-se no decurso dos prazos processuais, que correm separadamente para cada uma
das partes.
A comunidade constituída pelas partes de um litisconsórcio necessário verifica-se também
quanto aos pressupostos processuais, no sentido de que esse litisconsórcio exige que eles
estejam preenchidos em relação a todos os litisconsortes. Na verdade, se faltar um dos
pressupostos que afecta um dos litisconsortes e se isso determina a sua absolvição da
instância, e os demais litisconsortes deverão ser absolvidos por ilegitimidade, dado que
aquela absolvição os tornou partes ilegítimas; se o litisconsórcio se verificar na parte activa, é
o réu que deverá ser absolvido da instância, com base na ilegitimidade dos autores.
Nem sempre releva, quanto à posição recíproca das partes, a distinção entre o
litisconsórcio voluntário e necessário.
A origem do litisconsórcio também é irrelevante quanto ao aproveitamento da
contestação de um dos litisconsortes, pois que esta aproveita sempre aos demais réus, não
relevando se o litisconsórcio é necessário ou voluntário (art. 485º-a CPC). Idêntica extensão
vale, por maioria de razão, para o caso de algum dos litisconsortes não cumprir o ónus de
impugnação (art. 490º/1 CPC): também nesta hipótese o litisconsorte que não impugnou certo
facto beneficia da sua impugnação por um outro réu.

49. Decisão da acção


O art. 29º CPC, estabelece que, no litisconsórcio necessário, as partes se apresentam
externamente como uma única parte e que, no litisconsórcio voluntário, elas mantêm uma
posição de autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em algumas disposições de
autonomia. Esta distinção parece concretizar-se em algumas disposições avulsas. Assim, no
litisconsórcio voluntário, cada parte pode desistir ou confessar a quota-parte do pedido ou
transigir sobre essa quota-parte (art. 298º/1 CPC), o recurso interposto por alguma das partes
vencidas não aproveita, em regra, aos não recorrentes (art. 683º/1 CPC) e o recorrente pode
exclui do recurso alguma das partes vencedoras (art. 684º/1 CPC); em contrapartida, no
litisconsórcio necessário, a confissão, desistência ou transacção só podem ser realizadas com
a intervenção de todos os litisconsortes (art. 298º/2 CPC), o recurso interposto por qualquer
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dos litisconsortes aproveita sempre aos demais (art. 683º/1 CPC) e o recorrente nunca pode
excluir nenhum dos litisconsortes vencedores (art. 684º/1 CPC).
Aparentemente, este regime demonstra que, no litisconsórcio voluntário, a decisão pode
ser diversa para cada um dos litisconsortes e que, no litisconsórcio necessário, tal nunca se
pode verificar.

AS FORMAS DE COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO

COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

50. Aspectos gerais


Nem sempre a regulação dos interesses conflituantes pode aguardar o proferimento da
decisão do Tribunal que resolve, de modo definitivo, aquele conflito. Por vezes, torna-se
necessário obter uma composição provisória da situação controvertida antes do proferimento
da decisão definitiva. Essa composição justifica-se sempre que ela seja necessária para
assegurar a utilidade e a efectividade da tutela jurisdicional (art. 2º/2, in fine CPC) e, na
medida em que contribui decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento
constitucional na garantia do acesso ao direito e aos Tribunais (art. 20º/1 CRP).
A composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir
uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, toma-
se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; de definir uma regulação
provisória, as providências definem uma situação provisória ou transitória; ou de antecipar a
tutela pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na
composição definitiva.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A provisoriedade destas
providências resulta quer da circunstância de elas corresponderem a uma tutela que é
qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependentes
(art. 383º/1 CPC), quer a sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa
acção.
A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito
substantivo, porque o direito processual é o meio de tutela dessas situações. A composição
provisória realizada através das providências cautelares não deixa de se incluir nessa
instrumentalidade, porque ela também serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos
pela tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma imediata, porque aquela composição
provisória destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, pelo que
é instrumental perante esta tutela e só mediante as próprias situações jurídicas.
O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas,
consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação
da tutela que for requerida no respectivo procedimento.
Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a composição provisória
tem de ser concedida com celeridade: as vantagens dessa composição serão tanto maiores
quanto mais cedo ela puder garantir o direito, regular provisoriamente a situação ou
antecipar a composição definitiva. Por isso, as providências cautelares implicam
necessariamente uma apreciação sumária (summaria cognitio) da situação através de um
procedimento simplificado e rápido.
A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser decretadas
sem a prévia audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a esta parte o uso do
contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio ao princípio do contraditório
admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se prevista em dois níveis: num deles, proíbe-se a
audição do requerido (arts. 394º e 408º/1 CPC; 1279º CC); no outro, permite-se (mas não se
impõe) que a providência seja decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).
Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as disposições gerais sobre
os incidentes da instância (art. 384º/3 CPC). Existem, todavia, algumas especialidades,
mesmo nos procedimentos onde são apreciadas as providências comuns. Os procedimentos
cautelares constituem uma das situações em, que a citação do réu depende de prévio
despacho judicial (art. 234º/4-b CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a citação,
pode indeferir liminarmente o requerimento, quando o pedido seja manifestamente
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improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insanáveis e de que o juiz
deva conhecer oficiosamente (art. 234º-A/1 CPC).

51. Pressupostos
A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da
causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser
acautelada ou tutelada. A finalidade específica das providências cautelares é, por isso, a de
evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na
tutela da situação jurídica, isto é, obviar ao chamado periculum in mora. Esse dano é aquele
que seria provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em
curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.
Se faltar o periculum in mora, ou seja, se o requerente da providência não se encontrar,
pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da
composição provisória e a providência não pode ser decretada. Quer dizer: esse periculum é
um elemento constitutivo da providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao
decretamento daquela.
Nas providências cautelares existem apenas a prova sumária do direito ameaçado, ou
seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado (arts. 403º/2,
407º/1 e 423º/ CPC), bem como do receio da lesão (arts. 381º/1, 384º/1, 387º/1, 406º/1,
407º/1, 421º/1 e 423º/1 CPC). As providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma
mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente
observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a
situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse
direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer
tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos fundamentos da providência; se isso
não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros
factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais gerais.
Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele falta sempre que o
requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação provisória ou a antecipação da
tutela através de um meio mais adequado que o procedimento cautelar, ou seja, quando, em
função das circunstâncias, aquele procedimento não for meio mais célere e económico para
obter a tutela dos interesses do requerente.
52. Providências especificadas
A regulamentação legal das providências cautelares assenta na seguinte dicotomia: a lei
define várias providências nominadas e admite, sempre que nenhuma delas seja aplicável,
uma providência comum de âmbito residual (art. 381º/3 CPC). As providências nominadas são
a restituição provisória da posse (arts. 393º a 395º CPC), a suspensão de deliberações sociais
(arts. 396º a 398º CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de
reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC), o embargo de
obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a 427º CPC).
No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização de um direito,
outras destinam-se a regular provisoriamente uma situação e outras ainda procuram
antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal.
a) Providências de garantia
· Arresto
O arresto e o arrolamento são providências cautelares cuja finalidade específica é garantir
a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução. O arresto pode ser requerido pelo
credor que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de
perda da sua garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste na
apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de bens transmitidos
pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)
· Arrolamento
Enquanto o arresto visa assegurar a garantia patrimonial do credor, o arrolamento
destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos
(art. 421º/1 CPC), que, para esse efeito, são descritos, avaliados e depositados (art. 424º/1
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CPC). Essa providência visa a conservação de bens ou documentos determinados (art. 422º/1
CPC), sendo por isso que os credores só a podem requerer quando haja necessidade de
proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2 CPC; 90º e
2048º/2 CC).
b) Providências de regulação
· Restituição provisória da posse
O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente privado do
exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o direito de ser restituído
provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove os factos que constituem posse, o
esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º CC). A reconstituição provisória da posse é
justificada não só pela violência ou ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que
é dirigida contra coisas, como muros e vedações.
· Embargo de obra nova
O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial. O embargo judicial pode ser
requerido por quem se sentir ofendido no seu direito de propriedade (ou de compropriedade),
num outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra,
trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).
· Suspensão de deliberações sociais
Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral, deliberações contrárias
à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a
execução dessas deliberações seja suspensa, desde que, além de provar a sua qualidade de
sócio, mostre que essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de difícil
reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não pode ser requerida
a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de dividendos.
c) Providências de antecipação
· Alimentos provisórios
A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como dependência da acção
em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma prestação de alimentos (arts. 399º/1
CPC; 2007º/1 CC). Essa causa pode ser, por exemplo, uma acção de reconhecimento da
maternidade ou paternidade (arts. 1821º, 1873º e 1884º/1 CC). Os alimentos provisórios são
fixados numa quantia mensal (art. 399º/1 CPC), tomando em consideração o que for
estritamente necessário para o sustento, a habitação e o vestuário do requerente e ainda
para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar de apoio judiciário (art. 399º/2
CPC).
· Arbitramento de reparação
Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, pode
o lesado, bem como aqueles que lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem o lesado os
prestava no cumprimento de uma obrigação natural, requerer o arbitramento de uma quantia
certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O
mesmo pode ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano
susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (art. 403º/4 CPC).
A providência requerida é decretada se se verificar uma situação de necessidade em
consequência das lesões sofridas e se estiver indiciada a existência da obrigação de
indemnizar a cargo do requerido (art. 403º/2 CPC). O montante da reparação provisória é
fixado equitativamente e é subtraído ao quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado
na acção principal (art. 403º/3 CPC).

53. Providências comuns


Não cabendo nenhuma das providências nominadas, a garantia da execução da decisão
final, a regulação provisória e a antecipação da tutela podem ser obtidas através de uma
providência cautelar não especificada (art. 381º/3 CPC). As providências não especificadas só
podem ser requeridas quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso
concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.
Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada seja abstractamente
aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe de o ser por motivos
respeitantes ao caso concreto.

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Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada são necessários,
além do preenchimento das condições relativas à referida subsidiariedade (art. 381º/3 CPC),
vários pressupostos específicos:
- O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência
dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente (arts. 381º/1 e
387º/1 CPC);
- A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do direito
ameaçado (art. 381º/1 CPC);
- O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência sobre o
prejuízo resultante do seu decretamento (art. 387º/2 CPC).
As providências cautelares comuns destinar-se-ão primordialmente a regular
provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art. 381º/1 CPC, refere
explicitamente providências com eficácia conservatória e antecipatória do efeito da decisão
principal, mas isso não parece revestir-se de qualquer significado limitativo.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para obter a
antecipação da tutela de uma situação jurídica.

54. Características
a) Dependência
As providências cautelares têm por função obter uma composição provisória. Essas
providências são decretadas em processos especiais próprios (os procedimentos cautelares,
arts. 381º a 427º CPC) e, porque visam compor provisoriamente a situação das partes, são
dependência de uma acção cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts.
383º/1, 399º/1, 403º/1 e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art.
383º/1 in fine CPC), embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses em que está
assegurado o interesse processual no decretamento da providência. A acção principal pode
decorrer perante um Tribunal estadual ou Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier a ser julgada
improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância e o autor não
propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção (art. 389º/1-d; sobre esse prazo art. 289º/2
CPC). Se a acção principal for julgada procedente, verifica-se, em regra a substituição da
composição provisória pela definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da acção principal
ou durante a pendência desta última (art. 383º/1, 2ª parte CPC), mas nunca após o trânsito
em julgado da decisão dessa acção. Como dependência da mesma causa não pode ser
requerida mais do que uma providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja
julgada injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja pendente
nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a situação em que a providência é
requerida, mas a acção principal nunca chega a ser proposta pelo requerente.
b) Celeridade
As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos cautelares.
Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes procedimentos revestem sempre
carácter urgente e os respectivos actos precedem qualquer outro serviço judicial não urgente
(art. 382º/1 CPC); como consequência desta urgência, os prazos processuais neles previstos
não se suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1 CPC).

c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida (art. 392º/3, 1ª parte CPC), isto é,
pode decretar uma providência distinta daquela que foi solicitada (art. 661º/3 CPC). Esta
faculdade concedida ao Tribunal decorre da não vinculação deste órgão à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte CPC) e pressupõe,
naturalmente, que os factos alegados pelo requerente possibilitem essa conversão. Desse
regime também decorre que uma idêntica modificação da providência pelo próprio
requerente não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.
d) Cumulação
O requerente pode solicitar o decretamento de várias providências cautelares num
mesmo procedimento cautelar, desde que a tramitação para cada uma delas não seja
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absolutamente incompatível e essa cumulação corresponda a um interesse relevante ou seja
indispensável para a justa composição do litígio (art. 392º/3, 2ª parte CPC). Isso significa que
se podem cumular tanto diferentes providências especificadas, como providências nominadas
e providências comuns.
Podem cumular-se duas ou mais providências cautelares se, na acção de que são
dependentes (art. 383º/1 CPC), for admissível a cumulação dos respectivos pedidos.
e) Proporcionalidade
A provisoriedade cautelares e a sua finalidade de garantia, de regulação ou de
antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as adequadas às
situações que se pretende acautelar ou tutelar. As relações entre aquelas medidas e estas
situações devem orientar-se por uma regra de proporcionalidade: as medidas provisórias não
podem impor ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o
requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e 419º
CPC).
f) Eficácia relativa
Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera justificação no
julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão proferida na procedimento
cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na respectiva acção principal: o julgamento
da matéria de facto e a decisão final proferida no procedimento cautelar não têm qualquer
influência no julgamento da acção principal (art. 383º/4 CPC). Como a providência decretada
caduca se a acção vier a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art.
389º/1-c CPC), também isso demonstra que o seu decretamento, não é vinculativo na acção
principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser julgada improcedente).
Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido (art. 293º/1 CPC)
realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da acção principal.
g) Substituição por caução
As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória que tutela ou
acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não impede, contudo, que
esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma delas consiste na prestação de uma
caução pelo requerido em substituição do decretamento da providência: é o que é admissível
nas providências cautelares não especificadas (art. 387º/3 CPC) e no embargo de obra nova
(art. 419º/1 CPC).
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo requerido
pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo efeito a que se destina
aquela providência. Normalmente, a providência cautelar pode ser substituída por caução,
sempre que ela vise evitar um prejuízo patrimonial.
h) Garantia e execução
De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, é admissível a
fixação de uma sanção pecuniária compulsória, se a providência impuser uma prestação de
facto infungível e esta não exigir especiais qualidades científicas ou artísticas do requerido
(arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1 CC).

55. Caducidade
As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que elas caducam
se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for compatível com a medida
provisória decretada. É o que acontece quando essa acção for julgada improcedente por uma
sentença transitada em julgado (art. 389º/1-c CPC).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito acautelado (art.
389º/1-e CPC) é apenas uma das situações possíveis de inutilidade superveniente dessa
providência (art. 287º-e CPC), pelo que essa inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas também são
pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo, a acção for
julgada parcialmente improcedente no despacho saneador (art. 510º/1-b CPC), a providência
decretada só caduca na parte respectiva (art. 389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito
acautelado se extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e CPC).
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de
conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua caducidade

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depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a audição do requerente (art.
389º/4 CPC).

56. Responsabilidade do requerente


Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada pela falta quer
do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do seu decretamento; também
pode acontecer que a providência decretada, inicialmente justificada, venha a caducar por
facto imputável ao requerente (art. 389º/1 CPC). Em todos estes casos, o requerente, se não
tiver agido com a prudência normal, é responsável pelos danos causados ao requerido (art.
390º/1; quanto ao arresto, art. 621º CC). Essa responsabilidade está instituída na lei como
uma contrapartida da provisoriedade das providências cautelares e é garantida pela caução
que o Tribunal, mesmo sem solicitação do requerido, pode exigir ao requerente (art. 390º/2
CPC).
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no
momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na acção
principal.

COMPOSIÇÃO POR REVELIA

57. Noção
A composição da acção pode ser decisivamente influenciada pela omissão de um acto
processual: trata-se da revelia do réu, que consiste na abstenção definitiva da contestação.
A contestação – na qual o réu pode impugnar as afirmações do autor ou deduzir uma
excepção (art. 487º/1 CPC) – constitui um ónus da parte, não existindo, assim, qualquer dever
de contestar. Daí decorre que a revelia não determina a aplicação ao réu de qualquer sanção
(pecuniária, nomeadamente), mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.

58. Modalidades
a) Revelia absoluta e relativa
A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção pendente; é
relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer outro acto processual,
designadamente a constituição de mandatário judicial.
b) Revelia operante e inoperante
A revelia – quer a relativa, quer a absoluta – pode ser operante ou inoperante. É
operante quando produz efeitos quanto à composição da acção; é inoperante quando esses
efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de contestação nada implica quanto à decisão
da causa (arts. 233º/1; 484º/1; 485º-b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-
b CC; art. 485º-d CPC; art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são
comuns ao processo ordinário, sumário e sumaríssimo, pois, na falta de uma regulamentação
específica, vale para estes últimos o que se encontra estipulado para o processo ordinário
(arts. 463º/1 e 464º CPC).

59. Efeitos
A revelia operante implica uma importante consequência quanto à decisão da acção. Essa
consequência, que se produz ex lege e não ex voluntate, consiste no seguinte: a revelia
operante implica a confissão dos factos articulados pelo autor (art. 484º/1 CPC; quanto à
aplicação dessa regra ao processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).
O efeito cominatório realizado pela revelia não prevalece sobre a matéria de
conhecimento oficioso, nomeadamente as excepções dilatórias de que o Tribunal deva
conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação do mérito da causa (art. 288º/3
CPC).
O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer sobre os efeitos
ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que resulta da revelia
respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou se o autor tiver formulado um
pedido ilegal ou juridicamente impossível, essa confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o
Tribunal não os deve considerar admitidos por um acordo e deve abster-se de apreciar esse
pedido.

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COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL

60. Decisão judicial


A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que lhe compete
apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes. A decisão é, assim, o
acto processual que exprime, por excelência, o exercício da função jurisdicional pelo Tribunal.
Toda a decisão comporta dois elementos essenciais: os fundamentos e a conclusão ou
decisão em sentido estrito. Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante e o regime
jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito contém a conclusão que se extrai da
aplicação do direito aos factos. Para a individualizar, a decisão inicia-se com um relatório, em
que se identificam o processo a que respeita e as questões a resolver (art. 659º/1 CPC), e,
para assegurar a sua genuinidade, ela deve ser assinada e datada (arts. 157º/1 e 2; 668º/1-a
CPC).
O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional,
embora restringido aos casos e termos previstos na lei ordinária (art. 205º/1 CRP).

61. Modalidades
A principal diferenciação nas decisões judiciais distingue-as em sentenças e despachos
(art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre o mérito da causa ou sobre
um incidente com a estrutura de uma causa (art. 156º/2 CPC), mas também podem conhecer
de aspectos processuais (art. 660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa
pode interpor-se recurso de apelação (art. 691º/1 CPC). Os despachos são, em princípio,
decisões sobre aspectos processuais e, por isso, são, em regra, decisões interlocutórias,
embora também possam incidir sobre o mérito (art. 510º/1-b CPC) e, mesmo fora destes
casos, possam ser decisões finais (art. 510º/1-a CPC); dos despachos que não conhecem do
mérito da causa cabe recurso de agravo (art. 733º CPC) e daqueles que apreciam esse mérito
pode apelar-se (art. 691º CPC).
Às decisões dos Tribunais colectivos atribui-se a designação especial de acórdãos (art.
156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito da causa, dele cabe revista
(art. 721º/2 CPC); quando isso não sucede, cabe agravo (art. 754º/1 CPC).
Alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do processo e da sua
tramitação e, por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da função
jurisdicional, nem afectam a posição processual das partes ou de terceiros. São os chamados
despachos de mero expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento
regular do processo e nada decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes (art.
156º/4, 1ª parte CPC)
Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo prudente
arbítrio do julgador (art. 156º/4, 2ª parte CPC), ou seja, por critérios de conveniência e
oportunidade. Assim, são despachos discricionários todos aqueles que estabelecem prazos
judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem limites legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e
5; 508º/2 e 3 CPC).
Os despachos de mero expediente e os despachos discricionários não admitem recurso
(art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)

DINÂMICA DA INSTÂNCIA

VICISSITUDES

FASES DO PROCESSO

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VICISSITUDES

62. Início
A instância inicia-se com a propositura da acção, entendendo-se que esta se considera
proposta, intentada ou pendente quando for recebida na secretaria (art. 150º/3 CPC) a
respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido enviada pelo correio, na data do seu registo
postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC). No entanto, em relação ao réu, os efeitos decorrentes da
pendência da causa só se produzem, em regra, após a sua citação (art. 267º/2 CPC; sobre
uma excepção a esta regra, art. 385º/6 CPC).

63. Suspensão
São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:
· Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (arts. 276º/1-a; 277º/1 CPC), salvo se
já tiver começado a audiência final ou se o processo já tiver inscrito em tabela para
julgamento, hipótese em que a instância só se suspende depois de ser proferida a
sentença ou o acórdão (art. 277º/1 CPC);
· Nos processos em que for obrigatória a constituição de advogado (arts. 32º/1 e 3;
276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);
· Sempre que o Tribunal a ordene (arts. 276º/1-c; 279º/1; 97º/1; 284º/1-c CPC);
· Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1; 39º/3; 356º;
549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL 329-A/95, de 12/12; no art.
24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art. 3º/2, CRegP.);
· A vontade das partes também constitui uma causa de suspensão da instância: as partes
podem acordar nessa suspensão por um prazo não superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).
Durante a suspensão da instância só se podem praticar os actos urgentes destinados a
evitar o dano irreparável (art. 283º/1, 1ª parte CPC) e os prazos judiciais não correm enquanto
ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas a suspensão não impede a desistência,
confissão ou transacção, desde que estas não se tornem impossíveis ou não sejam afectadas
pelo fundamento da suspensão (art. 283º/3 CPC).

64. Interrupção
A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por
negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual
dependa o seu andamento (art. 285º CPC). A interrupção da instância é, assim, consequência
do incumprimento do ónus de impulso subsequente das partes (art. 265º/1 CPC). A
interrupção cessa se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que
dependa o andamento dele (art. 286º CPC).
A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele, aliás, que
justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a caducidade se refere ao exercício
jurisdicional de um direito potestativo, a interrupção da instância implica que não se conta,
para efeitos dessa caducidade, o prazo decorrido entre a propositura da acção e aquela
interrupção (art. 332º/2 CC). Isto é, o prazo de caducidade começa a correr de novo com a
interrupção da instância, pelo que pode suceder que ele se esgote antes de cessar essa
interrupção.

65. Extinção
O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o julgamento (art. 287º-a
CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de mérito ou de absolvição da instância
(arts. 288º e 289º CPC). Mas existem outras causas de extinção da instância. São elas:
- A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art. 1º/1 e 2 LAV), ou
seja, a atribuição da competência para o julgamento da acção pendente a um Tribunal
Arbitral;
- A deserção da instância (art. 287º-c CPC), isto é, a interrupção da instância durante
dois anos (art. 291º/1 CPC);
- A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);
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- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).
Com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos da
pendência da acção (art. 481º CPC; arts. 323º/1 e 2; 805º/1; e 1292º CC). A desistência,
absolvição e deserção da instância, bem como a caducidade do compromisso Arbitral (art. 4º
LAV), implicam que o prazo prescricional – cujo decurso fora interrompido pela citação do réu
(art. 323º/1 CC) ou passados 5 dias depois de esta ter sido requerida (art. 323º/2 CC) –
começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts. 327º/2 e
326º/1 CC).

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FASES DO PROCESSO

66. Noção
A tramitação da acção comporta uma sequência de actos que pode ser decomposta em
várias fases. A fase processual pode ser construída através de um critério cronológico ou
lógico: naquela primeira acepção, a fase engloba os actos temporalmente contíguos na
marcha do processo, mesmo que realizem finalidades distintas; em sentido lógico, a fase
abrange todos os actos, qualquer que seja o momento em que sejam praticados, que
prossigam uma mesma finalidade.
Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma função, ainda
que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da respectiva fase em sentido
cronológico.

PROCESSO ORDINÁRIO

FASES DOS ARTICULADOS

FASE DA CONDENSAÇÃO

FASE DA INSTRUÇÃO

FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

FASE DA SENTENÇA

FASES DOS ARTICULADOS

67. Função da fase


A fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o réu – apresentam
as razões de facto e de direito que fundamentam as posições que defendem em juízo e
solicitam a correspondente tutela judicial. É através dos articulados que as partes iniciam o
seu diálogo na acção.

68. Articulados
São as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam
os pedidos correspondentes (art. 151º/1 CPC). Essas peças recebem o nome de articulados,
porque, em princípio, nas acções, nos incidentes e nos procedimentos cautelares é
obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou
da defesa (art. 151º/2 CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo
numerado. O processo ordinário comporta, na tramitação normal, quatro articulados: a
petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a réplica (art. 502º CPC) e a
tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações, podem ainda ser apresentados
articulados supervenientes (art. 506º CPC).

69. Apoio judiciário


O apoio judiciário é, em conjunto com a consulta jurídica, uma das modalidades da
protecção jurídica (art. 6º DL 387-B/87, de 29/12; art. 20º/2 CRP). Têm direito à protecção
jurídica as pessoas singulares e colectivas que demonstrem não dispor de meios económicos
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bastantes para suportar os honorários dos profissionais da causa (art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87),
ou seja, as pessoas para as quais esses encargos possam constituir motivo inibitório do
recurso ao Tribunal (art. 7º DL 391/88, de 26/10). Gozam da presunção de insuficiência
económica aqueles que requeiram alimentos ou que os estejam a receber por necessidade
económica, que reúnam as condições exigidas para a atribuição de quaisquer subsídios em
razão da sua carência de rendimentos, que tenham rendimentos mensais provenientes do
trabalho iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho
menor para efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art. 20º/1,
DL 387-B/87).
A protecção jurídica – e, portanto, o apoio judiciário – é concedido para as causas em que
o requerente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos lesados ou ameaçados
de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio judiciário aplica-se em todos os Tribunais, qualquer
que seja a forma processual do requerente e da sua concessão à parte contrária (art. 17º/1,
DL 387-B/87), e, se for atribuído, compreende a dispensa, total ou parcial, de taxas de justiça
e do pagamento das custas, ou o seu diferimento, assim como a dispensa do pagamento dos
serviços do advogado ou solicitador (art. 15º/1, DL 387-B/87). Essa dispensa abrange as
despesas com os exames requeridos a organismos oficiais e as multas que condicionam o
exercício de uma faculdade processual.

70. Petição inicial


A petição inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega os
fundamentos de facto e de direito da situação jurídica invocada e formula o correspondente
pedido contra o réu.
A entrega da petição inicial é o resultado de uma actividade prévia do advogado do autor
e, frequentemente, de várias opções quanto à estratégia a adoptar. Aquela actividade inclui a
indagação dos factos relevantes para a fundamentação da posição do seu mandante e a
averiguação dos meios de prova susceptíveis de ser utilizados por esta parte (art. 456º/2-a),
b) CPC).
A petição inicial contém, em termos formais, quatro partes: o intróito ou cabeçalho, a
narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição inicial começa por um
intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal onde a acção é proposta (art. 467º/1-a
CPC), se identificam as partes através dos seus nomes, residências, profissões e locais de
trabalho (art. 467º/1-a CPC) e se indica a forma do processo (art. 467º/1-b CPC). Se a petição
inicial não contiver estes elementos, a secretaria deve recusar o seu recebimento (art. 474º-
a), b), c) CPC).
Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de
fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição inicial contém a exposição dos
factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação dos factos principais, bem como
dos factos instrumentais para os quais seja oferecida prova documental que deva ser junta à
petição inicial (art. 523º/1 CPC). Os factos devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC)
e, se faltar qualquer facto essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir (art.
193º/2-a CPC).
À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É nesta parte da
petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d CPC), isto é, definir a forma
de tutela jurídica que pretende a situação jurídica alegada. A falta de indicação do pedido ou
a contradição deste com a causa de pedir apresentada na narração importam a ineptidão da
petição inicial (art. 193º/2-a, b CPC).
A petição inicial termina com algumas indicações complementares (arts. 467º/1-e/2; 474º-
d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC).
A petição inicial deve ser entregue ou enviada à secretaria judicial do Tribunal
competente (art. 150º/1 e 3 CPC). A acção considera-se proposta, intentada ou pendente logo
que aquele articulado seja recebido na secretaria (art. 267º/1 CPC).
O art. 234º/4 CPC, enumera as hipótese em que a citação do réu é precedida de despacho
judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em que o juiz é chamado a proferir aquele
despacho pode indeferir liminarmente a petição. O indeferimento limiar pode basear-se na
improcedência manifesta da acção ou na existência de uma excepção dilatória insanável e de
conhecimento oficioso (art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto
a um dos objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.
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O indeferimento liminar extingue a instância (art. 287º-a CPC), e produz caso julgado
quanto ao seu fundamento. Por aplicação analógica do art. 476º CPC, o autor pode entregar,
no prazo de 10 dias após a notificação do indeferimento liminar, uma nova petição inicial.
O art. 234º-A/1 CPC, coloca o problema de saber se o único despacho admissível nesse
momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se, perante uma petição irregular
ou deficiente, o juiz está impedido de solicitar a sanação da irregularidade ou de convidar o
autor a aperfeiçoar esse articulado.

71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)


A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele
determinada acção e se chama ao processo para se defender (art. 228º/1, 1ª parte – 480º
CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição, mas, quando aquela não deva realizar-se
editalmente (art. 233º/6 CPC), o autor pode requerer, invocando os respectivos motivos, que
a citação preceda a distribuição (art. 487º/1 CPC).
A citação do réu está submetida aos princípios da oficiosidade e da celeridade (arts.
234º/1 e 479º CPC).
A citação pode ser pessoal ou edital (art. 233º/1 CPC). A citação pessoal é aquela que é
feita através de contacto directo com o demandado ou que é efectuada em pessoa diversa do
citando, mas encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto (art. 233º/4; sobre estas
situações: arts. 233º/5, 236º/2 e 240º/2, 2ª parte CPC). A citação pessoal pode ser realizada
através da entrega ao cintando de carta registada com aviso de recepção, nos casos de
citação postal (art. 233º/2-a CPC), mas também pode ser efectuada através de contacto
pessoal do funcionário judicial (art. 233º/2-b CPC) ou do mandatário judicial do autor com o
citando (art. 233º/3 CPC). Em regra, a citação é pessoal (art. 233º/6 CPC) e, em regra
também, é realizada pela via postal (arts. 239º/1 e 245º/2 CPC).
Modalidades de citações:
* Citação postal (art. 236º/1 CPC);
* Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP – art. 241º
CPC);
* Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)
* Citação edital (art. 233º/6 CPC)
* Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).
A citação pode ser impossível por três circunstâncias: a incapacidade de facto do citando
(art. 242º CPC), a ausência do citando em parte certa e por tempo limitado (art. 243º CPC) e a
ausência dele em parte incerta (art. 244º CPC). No primeiro caso, se o juiz reconhecer a
incapacidade do réu, é-lhe nomeado um curador provisório (art. 242º/3 CPC); no segundo,
faculta-se ao Tribunal a opção entre proceder à citação postal ou aguardar o regresso do
citando (art. 243º CPC); por fim, no terceiro, procura-se obter, junto de quaisquer entidades,
serviços ou autoridades policiais, informações sobre paradeiro ou a ultima residência
conhecida do citando (art. 244º/1 CPC), utilizando, em seguida, se essa ausência for
confirmada, a citação edital (arts. 233º/6, e 248º CPC).
A citação pode faltar (art. 195º CPC) e ser nula (art. 198º CPC). Segundo o disposto no art.
195º CPC, verifica-se a falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido,
quando tenha havido erro de identidade do citado, quando se tenha empregado
indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º CPC), quando se mostre que foi efectuada
depois do falecimento do citando ou da extinção deste e ainda quando se demonstre que o
destinatário da citação deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação
pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, ou
seja, quando ele tenha ilidido a presunção estabelecida no art. 238º CPC, ou quando a citação
tenha sido realizada apesar da sua incapacidade de facto (art. 242º CPC). A falta de citação
considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo e não arguirem
o vício (art. 196º CPC).
A citação é nula quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades
prescritas na lei (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC), desde que essa inobservância
possa prejudicar a defesa do citado (art. 198º/4 CPC)

72. Contestação

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A contestação é a resposta do réu à petição inicial do autor, ou seja, é a manifestação da
posição do réu perante aquele articulado do autor. Pode ser entendida num sentido material
ou formal. A contestação em sentido material é qualquer acto praticado pelo réu, no qual
essa parte mostre a sua oposição ao autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2
e 487º/1 CPC).
A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à petição inicial do
autor: à contestação em sentido formal referem-se por exemplo os arts. 488º e 489º/1 CPC.
O réu pode tomar uma de duas atitudes fundamentais perante a petição inicial: opor-se
ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma destas condutas depende dos
factos indagados pelo mandatário do réu e das provas de que esta parte possa dispor,
havendo, naturalmente, que observar o dever de verdade que recai sobre essa parte (art.
456º/2-a, b CPC) e o dever de não advogar contra a lei expressa e de não usar meios ou
expedientes ilegais que obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).
A contestação do réu marca a sua oposição relativamente ao pedido do autor. A
contestação pode consistir na impugnação dos factos articulados pelo autor ou na invocação
de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias (art. 487º CPC). A escolha da
modalidade da defesa (por impugnação ou por excepção) é condicionada pela posição que o
réu pretende assumir na acção (arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).
Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular um pedido
reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido reconvencional não
esteja sujeito a qualquer preclusão se não for formulado na acção pendente, a opção pela sua
formulação nessa acção só deve ser tomada quando for possível coligir, no prazo de
contestação, todos os elementos necessários para a sua procedência.
A reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual devem ser
expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido e indicado o seu valor
(art. 501º/1 e 2 CPC).
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da sua citação (art. 486º CPC). A esse
prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha sido realizada na própria
pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e quando o réu tenha sido citado fora da
comarca sede do Tribunal onde pende a acção (art. 252º-A/1 CPC).
O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da petição inicial (art.
488º CPC).
A contestação (em sentido material) está submetida a uma regra de concentração ou de
preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489º/1 CPC), ou melhor, no
prazo da sua apresentação (art. 486º/1 CPC), pelo que fica precludida quer a invocação dos
factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num
momento posterior, dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados fora
do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não pode considerá-los na decisão da
causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade daquela
decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte CPC).
Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão, importa ter
presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos que fundamentam uma
excepção dilatória ou peremptória, como limitar-se a impugnar os factos invocados pelo autor
na petição inicial (art. 487º/2 CPC).

73. Conteúdo material


A contestação pode revestir as modalidades de defesa por impugnação e por excepção
(art. 487º/1 CPC). A defesa por impugnação pode ser directa ou de facto ou indirecta ou de
direito:
– A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos factos
articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);
– A impugnação é indirecta ou de direito quando o réu afirma que os factos alegados
pelo autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido por essa parte (art. 487º/2,
1ª parte in fine CPC).
A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal conhece
oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este órgão, mesmo sem essa
impugnação, deve controlar se os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor podem decorrer dos

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factos alegados por esta parte. A delimitação entre a impugnação indirecta e a excepção
peremptória faz-se, por isso, através do seguinte critério:
- Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é, a atribuir
uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há impugnação indirecta;
- Se, pelo contrário, o réu opõe a esse efeito a alegação de um facto impeditivo,
modificativo ou extintivo, verifica-se a dedução de uma excepção peremptória.
a) Defesa por excepção:
Consiste na invocação de factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que,
servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor,
importam a improcedência total ou parcial do pedido (art. 487º/2, 2ª parte CPC). No primeiro
caso, o réu alega a falta de um pressuposto processual e invoca uma excepção dilatória (art.
493º/2 CPC); no segundo, o réu opõe uma excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).
b) Defesa por impugnação:
A impugnação directa deve abranger os factos principais articulados pelo autor na petição
inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se admitidos por acordo os factos
que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte CPC).
A contestação produz efeitos processuais, inclui-se a possibilidade, admitida em certos
casos, de réplica do autor (art. 502º/1 e 2 CPC). E substantivos, importa referir que a
contestação torna litigioso o direito afirmado ou a coisa discutida em juízo, o que revela, por
exemplo, para a proibição da cessação daquele direito (art. 579º CC) e da venda desse direito
ou coisa (art. 876º CC).

74. Réplica
É a resposta do autor à contestação do réu. A réplica pode ser entendida num sentido
formal ou material: naquela primeira acepção, a réplica é o articulado que o autor apresenta
em resposta à contestação do réu; em sentido material, a réplica consiste na contestação de
uma excepção oposta pelo réu ou na dedução de uma excepção contra o pedido
reconvencional formulado pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela
impugnação ou a dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o também em
sentido material.
A réplica é admissível sempre que o réu deduza alguma excepção ou formule um pedido
reconvencional (art. 502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a réplica destina-se a possibilitar a
impugnação pelo autor da excepção invocada pelo réu ou a alegação de uma contra-
excepção; no segundo, a réplica permite a apresentação pelo autor de qualquer contestação,
por impugnação ou por excepção (art. 487º/1 CPC), do pedido reconvencional. A réplica
encontra a sua justificação nos princípios da igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e do
contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).
A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica, em
regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º CPC). Esta admissão não
se verifica nas situações previstas do art. 490º/2 CPC, e, além disso, há que conjugar o
conteúdo da réplica com o da petição inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os
factos alegados pelo réu que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer
desses articulados do autor.
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica a revelia do
reconvindo quanto a esse pedido (art. 484º/1 CPC). Essa revelia é inoperante nas condições
referidas no art. 485º CPC, mas, se for operante, determina a confissão dos factos articulados
pelo réu como fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).
Acessoriamente a estas funções, a réplica pode ser utilizada para o autor alterar
unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)

75. Tréplica
É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida numa acepção
formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado de resposta do réu à réplica
do autor; a tréplica em sentido material é a contestação pelo réu das excepções opostas à
reconvenção na réplica, a impugnação da admissibilidade da modificação do pedido ou da
causa de pedir realizada pelo autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova
causa de pedir ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art. 503º/1 CPC).
A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):
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- Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e
2 CPC) e o réu pretender contestar quer a admissibilidade dessa modificação, quer o novo
pedido formulado ou a nova causa de pedir invocada;
- Quando o réu tiver deduzido um pedido reconvencional, o autor tiver alegado contra
esse pedido uma excepção e o réu desejar contestá-la por impugnação ou pela invocação
de uma contra-excepção. A tréplica destina-se, por isso, a assegurar o contraditório do réu
a essas matérias.
O ónus de impugnação também vale na tréplica. Assim, a falta da tréplica, a não
impugnação da nova causa de pedir e a não contestação da excepção alegada pelo autor na
réplica determinam, em regra, a admissibilidade por acordo desses factos e dessa excepção
(art. 505º CPC).
Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o autor pode
contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, à qual o réu pode
responder na tréplica com a alegação de uma contra-excepção.

76. Articulados supervenientes


Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que, dada a sua
superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais (art. 506º/1 CPC). Essa
superveniência pode ser objectiva ou subjectiva:
- É objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao momento da apresentação do
articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);
- É subjectiva quando a parte só tiver conhecimento de factos ocorridos depois de findar
o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte CPC).
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu depois da
apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente superveniente. Mais complexa é
a aferição da superveniência subjectiva, porque importa verificar em que condições se pode
dar relevância desconhecimento do facto pela parte. O art. 506º/4 CPC, estabelece que o
articulado superveniente deve ser rejeitado quando, por culpa da parte, ele for apresentado
fora de tempo, isto é, quando a parte não tenha tido conhecimento atempado do facto por
culpa própria (art. 506º/3 CPC). Portanto, a superveniência subjectiva pressupõe o
desconhecimento não culposo do facto.

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FASE DA CONDENSAÇÃO

77. Função da fase


Realiza duas funções primordiais: uma respeitante aos aspectos jurídico-processuais da
acção e uma outra relativa ao seu objectivo. Naquela primeira função, cabe a verificação da
regularidade do processo e, sempre que possível, a sanação das excepções dilatórias e das
nulidades processuais: é a função de saneamento. Na segunda, inclui-se o convite à
correcção e ao aperfeiçoamento dos articulados e a determinação das questões de facto a
resolver: é a função de concretização.
A função de saneamento visa resolver os impedimentos à apreciação do mérito da acção
e sanar as nulidades processuais e a função de concretização permite delimitar as questões
de facto relevantes para a decisão da causa.

78. Despacho pré-saneador


É proferido pelo juiz sempre que importe obter a sanação das excepções dilatórias (art.
508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à correcção dos articulados das
partes (art. 508º/1-b CPC).
Ao Tribunal incumbe providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de
pressupostos processuais susceptíveis de sanação, quer determinando a realização dos actos
necessários à regularização da instância, quer convidando as partes a praticá-los (art. 265º/2
CPC). Se o Tribunal ainda não tiver promovido essa sanação (tal como permite o art. 265º/2
CPC), o momento adequado para o fazer é o despacho pré-saneador (art. 508º/1-a CPC).
O Tribunal pode utilizar o despacho pré-saneador para convidar as partes, dentro de
prazos por ele fixados (art. 508º/2 e 3 CPC), a corrigirem ou a aperfeiçoarem os seus
articulados (art. 508º/1-b CPC). Este despacho nunca é recorrível (art. 508º/6 CPC).
São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das partes: a
irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não observe os requisitos
legais ou quando não seja acompanhado de documento essencial ou de qual a lei faça
depender o prosseguimento da causa (art. 508º/2 CPC).
O articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou impressões na exposição
ou concretização da matéria de facto (art. 508º/3 CPC), isto é, quando nele se encontrem
todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura. A deficiência respeita,
por isso, ao conteúdo do articulado e à apresentação da matéria de facto; esse vício pode
traduzir-se, por exemplo, na insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua
exposição.
Os factos alegados pela parte para o suprimento dessa deficiência não podem implicar
uma alteração da causa de pedir ou da defesa anteriormente apresentadas (art. 508º/5 CPC)
e, por isso, o réu não pode deduzir no novo articulado uma reconvenção que anteriormente
não formulara.

79. Audiência preliminar


É marcada pelo Tribunal para os 30 dias subsequentes ao termo da fase dos articulados,
ao suprimento das excepções dilatórias ou à correcção ou aperfeiçoamento dos articulados
(art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que a convoca deve indicar o seu objecto e
finalidade (que é qualquer das previstas no art. 508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade
de o Tribunal conhecer do mérito da causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b
CPC).
Se a audiência preliminar for convocada, a falta das partes ou dos seus mandatários não
constitui motivo do seu adiamento (art. 508º-A/4 CPC). A falta do mandatário pode reflectir-
se, de modo significativo, na defesa dos interesses do seu constituinte, pelo que é susceptível
de o fazer incorrer em responsabilidade perante a parte (art. 83º/1-d EOA).
A audiência preliminar é dispensável quando, destinando-se à fixação da base instrutória,
a simplicidade da causa não justifique a sua convocação (art. 508º-B/1-a CPC)
A audiência preliminar também é dispensável quando a sua realização tivesse por
finalidade facultar a discussão de excepções dilatórias (art. 508º-A/1-b CPC) e estas já tenham
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sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se revista de manifesta simplicidade (art.
508º-B/1-b CPC) ou, segundo um outro critério legal, a sua discussão prévia seja
manifestamente desnecessária (art. 3º/3 CPC).

80. Finalidades essenciais


A audiência preliminar realiza-se com as seguintes finalidades essenciais, muitas das
quais encontram a sua justificação no princípio da cooperação recíproca entre o Tribunal e as
partes (art. 266º/1 CPC):
- Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);
- Discussão e produção de alegações pelas partes, se o juiz tiver de apreciar excepções
dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido nos articulados ou tencionar
conhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (art. 508º-A/1-b
CPC);
- Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do litígio, e suprimento das
insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se
tornem patentes na sequência do debate (art. 508º-A/1-c CPC);
- Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);
- Finalmente, se a acção tiver sido contestada, selecção, após debate, da matéria de
facto relevante para a apreciação da causa e decisão sobre as reclamações deduzidas
pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).
A audiência preliminar prossegue, assim, múltiplas funções: as principais são as da
conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento do processo, de
concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de facto (art. 508º-A/1-a, b, c, d,
e CPC).

81. Concretização do litígio


Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado, procura-se
circunscrever as divergências entre as partes, distinguindo-se aquilo que é essencial do que é
acessório nas suas posições; por outro, pretende-se evitar que as insuficiências e imprecisões
dos articulados na exposição da matéria de facto possam criar uma realidade processual
distinta da verdade das coisas.
Para a delimitação do objecto do litígio relevam elementos de direito e de facto. Quanto
àqueles primeiros, é sempre admissível uma modificação da qualificação jurídica que seja
compatível com os factos alegados pelas partes.
Relativamente aos elementos de facto, o problema que se coloca é o de saber se a
discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser acompanhada da
modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas não há qualquer motivo para
entender que tal modificação deva ser admitida fora das condições legalmente previstas, isto
é, para além dos casos enquadráveis na previsão do art. 272º CPC (quanto à modificação
consensual) e 273º CPC (quanto à alteração unilateral).

82. Selecção da matéria de facto


Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que devem ser julgados
controvertidos: também esta importante tarefa se cumpre na audiência preliminar (art. 508º-
A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a audiência visa não só prepará-la, mas também realizá-
la efectivamente. A conjugação do disposto no art. 508º-A/1-e CPC, com o estabelecido no art.
511º/1 CPC, poderia levar a entender que a selecção da matéria de facto seria realizada pelo
juiz depois da audiência preliminar, isto é, poderia conduzir ao entendimento de que essa
audiência visaria somente a preparação da selecção a realizar posteriormente pelo juiz.
A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é,
qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução
ou conclusão jurídica.

83. Finalidades acessórias


Sempre que a audiência preliminar se deva realizar, ela prossegue complementarmente
as seguintes funções:

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- A indicação pelas partes dos meios de prova e a decisão sobre a admissão e
preparação das diligências probatórias, salvo se alguma das partes requerer a sua
apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);
- Se o processo estiver em condições de prosseguir para julgamento (se o processo não
dever terminar no despacho saneador, art. 510º/1 CPC), a designação da data de
realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e, em certas acções não contestadas, a
solicitação da intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Finalmente, a apresentação do requerimento da gravação da audiência final (art. 508º-
A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).
Conjuntamente com a indicação dos meios de prova (art. 508º-A/2-a CPC), as partes,
quando não pretenderem provar os próprio facto principal seleccionado na base instrutória,
têm o ónus de indicar os factos instrumentais que desejam utilizar para a prova desse facto.
Isto é, como todas as provas constituendas exigem a preferência do facto com que se
pretende provar com elas (arts. 552º/2; 577º/1; 612º e 633º CPC), a parte, se não quiser
demonstrar com essas provas o próprio facto principal seleccionado, tem o ónus de alegar os
factos instrumentais que pretende demonstrar com a prova requerida.
Uma outra finalidade acessória da audiência preliminar é o exercício do contraditório. Se,
em virtude da limitação legal do número de articulados, alguma das partes não puder
responder a uma excepção deduzida no último articulado admissível, ela pode responder à
matéria desta na audiência preliminar (art. 3º/4 CPC).

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84. Despacho saneador
O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da acção,
como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao despacho saneador, a
apreciação daqueles aspectos constitui a sua finalidade primária e o seu conteúdo essencial,
enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual. O julgamento do mérito
realiza-se normalmente na sentença final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa
o permitir (art. 510º/1-b CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.
O despacho saneador destina-se, antes de mais, a verificar a admissibilidade da
apreciação do mérito e a regularidade do processo (art. 510º/1-a CPC); havendo toda a
vantagem em que o controlo dessa admissibilidade não seja relegada para uma fase
adiantada da tramitação da acção, é ela que justifica a atribuição daquela função de
saneamento àquele despacho.
O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação da causa em
concreto. Se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar (art. 508º-B/1
CPC), o despacho saneador é proferido no prazo de 20 dias a contar do termo da fase dos
articulados (art. 510º/1 proémio CPC).
No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias e das
nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos
constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (art. 510º/1-a CPC). Quanto àquelas
nulidades, o Tribunal pode apreciar oficiosamente a ineptidão da petição inicial, a falta de
citação, o erro na forma do processo e a falta de vista ou exame ao Ministério Público como
parte acessória (art. 202º CPC). mas estas nulidades só são apreciadas no despacho saneador
se o Tribunal ainda não tiver conhecido delas (art. 206º/1 e 2, 1ª parte CPC). Também as
nulidades que não são de conhecimento oficioso deverão ser julgadas logo que sejam
reclamadas (art. 206º/3 CPC), pelo que a sua apreciação não se realizará, em regra, no
despacho saneador.
Quando o despacho saneador conheça de uma excepção dilatória ou de uma nulidade
processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto às questões concretamente
apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim, apenas o julgamento concreto sobre a
inexistência de uma excepção ou nulidade impede que essa matéria possa voltar a ser
apreciada no processo pendente (art. 660º/1 CPC).
Pelo contrário, a referência genérica no despacho saneador à inexistência de qualquer
excepção dilatória ou nulidade processual não adquire força de caso julgado (art. 510º/3, 1ª
parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal venha a apreciar, na sentença final, uma
dessas excepções ou nulidades (art. 660º/1 CPC).
A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência ou
improcedência é realizada, em regra, na sentença final (art. 658º CPC). Mas, em certas
condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho saneador: Tribunal pode
conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem
necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do
pedido reconvencional ou ainda da procedência ou improcedência de alguma excepção
peremptória (art. 510º/1-b CPC). Neste caso, o despacho saneador fica tendo, para todos os
efeitos, o valor de sentença (art. 510º/3, 2ª parte CPC) e dele cabe recurso de apelação (art.
691º/1 CPC).
Nas condições referidas no art. 288º/3 CPC, o Tribunal pode conhecer do mérito ainda que
verifique que falta um pressuposto processual. Esta situação será certamente mais frequente
no despacho saneador do que na sentença final, dado que são raras as situações em que a
falta do pressuposto se detecta apenas na fase da sentença ou em que a sua apreciação é
relegada para esse momento (art. 510º/4 CPC).

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FASE DA INSTRUÇÃO

85. Função da fase


Os factos incluídos na base instrutória, porque são controvertidos ou porque nele foram
inseridos por iniciativa do Tribunal (art. 264º/2 CPC), necessitam de ser provados (art. 513º
CPC). A fase da instrução realiza uma função distinta consoante sejam utilizadas para a
demonstração desses factos provas constituendas ou provas pré-constituídas. A produção de
uma prova constituenda é realizada, em regra, na audiência final (art. 652º/3-a, b, c, d, CPC),
mas essa actividade tem de ser previamente preparada: esta é uma das funções da fase da
instrução, na qual são praticados os actos preparatórios da produção das provas
constituendas.

86. Princípios estruturantes


A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC), tanto nas
relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1 CPC), como nas do
Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro aspecto, o princípio da cooperação
impõe a todas as pessoas, mesmo que não sejam partes na causa, o dever de prestar a sua
colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado,
submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os
actos que forem determinados (art. 519º/1 CPC). A recusa de colaboração implica a
condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem admissíveis (art. 519º/2,
1ª parte CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).
Este dever de colaboração é independente da repartição do ónus da prova (arts. 342º a
345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada com a prova do facto.
A recusa de colaboração é legítima se esta implicar a violação da integridade física ou
moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC).
A actividade de instrução também assenta na colaboração do Tribunal com as partes da
acção (arts. 266º/4; 519º-A/1 CPC).
Apesar de o objecto do processo se encontrar, em geral, submetido à disponibilidade das
partes (arts. 264º/1; e 664º in fine CPC), a instrução comporta importantes poderes
instrutórios do Tribunal. Esses poderes podem recair sobre factos essenciais, complementares
e instrumentais e justificam-se pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão
da causa seja imposta pelo non liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das
coisas averiguada em juízo. Nenhum facto relevante para a decisão da causa deve ficar por
esclarecer.
A actividade de instrução comporta importantes poderes inquisitórios do Tribunal sobre os
factos instrumentais. Segundo o estipulado no art. 264º/2 CPC, o Tribunal pode considerar,
mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e utilizá-los na sentença quando resultem da
instrução e julgamento da causa. Uma das consequências destes poderes inquisitórios sobre
os factos instrumentais é a possibilidade de o Tribunal investigar factos que permitam provar
os factos principais que constam da base instrutória (arts. 508º-A/1-e e 508º-B/2 CPC) e que
constituem o objecto da instrução (art. 513º CPC).
O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na instrução da acção.
Assim, as provas não são admitidas (nem produzidas) sem a audiência contraditória da parte
a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa contrariedade concretiza-se de modo diferente
nas provas pré-constituídas.
Relativamente às provas pré-constituídas, qualquer das partes tem a faculdade de
impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força probatória (art. 517º/2, 2ª parte
CPC).
Quanto às provas constituendas, a parte deve ser notificada, sempre que não seja
relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é admitida a intervir
nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).

87. Meios de prova

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Os meios de prova podem ser indicados ou requeridos na petição inicial (art. 467º/2 CPC)
e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não tiver acontecido, esses meios
devem ser apresentados ou requeridos na audiência preliminar, salvo se alguma das partes
requerer, com motivos justificados, a sua apresentação ulterior (art. 508º-A/2-a CPC); se essa
audiência não se realizar, os meios de prova devem ser apresentados ou requeridos nos 15
dias subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 512º/1 CPC). Neste mesmo prazo,
as partes podem alterar os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados (art.
512º/1, 2ª parte CPC).
Depois deste prazo, o rol de testemunhas ainda pode ser alterado ou aditado até 20 dias
antes da data da realização da audiência final (art. 512º-A/1 CPC), sendo a parte contrária
notificada para usar, se quiser, de igual faculdade no prazo de 5 dias (art. 512º-A/1 in fine
CPC). A apresentação das novas testemunhas incumbe às partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o
Tribunal não procede à sua notificação. Meios de prova:
a) Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);
b) Prova documental (arts. 523º segs. CPC)
c) Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);
d) Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);
e) Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);
f) Apresentação de coisas.

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FASE DA AUDIÊNCIA FINAL

88. Função da fase


A fase da audiência final compreende as actividades de produção da prova
(constituenda), de julgamento da matéria de facto e de discussão sobre a matéria de direito.
Como resulta deste enunciado, esta fase realiza duas funções primordiais – que são a
produção da prova e o consequente julgamento da matéria de facto – e uma função
preparatória da sentença final – que é prosseguida pelas alegações de direito.

89. Princípios estruturantes


Segundo o princípio da imediação, os meios de prova devem ser apresentados
directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve ter um contacto directo com esses
meios. É este princípio que orienta o disposto no art. 652º/3 CPC, quanto à realização da
prova perante o Tribunal da audiência final. Sempre que a prova seja transmitida por pessoas,
a imediação na produção da prova implica a oralidade nessa realização.
a) Publicidade
As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal decidir, em
despacho fundamentado, excluir essa publicidade para salvaguardar a dignidade das pessoas
e a moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento (art. 206º CRP; sobre essa
publicidade, também art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14º/1 Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do
Homem). A audiência final deve ser, com essas mesmas excepções, públicas (art. 656º/1
CPC).
Mesmo quando a audiência seja pública, a publicidade pode ser excluída quando se
proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-
b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios para a exclusão da publicidade neste
caso, deve entender-se que valem aqueles que se encontram enunciados no art. 206º CRP
(bem como no art. 656º/1 CPC).
b) Continuidade
A audiência final é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior, por
absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art. 656º/2, 1ª parte CPC), como sucede
naqueles que estão previstos nos arts. 650/4; 651º/3; 654º/2 CPC. Se não for possível conclui-
la num dia, o presidente marcará a sua continuação para o dia útil imediato, ainda que
compreendido em férias, e assim, sucessivamente (art. 656º/2, 2ª parte CPC).
c) Plenitude
Segundo o princípio da plenitude da assistência dos juízes, só podem intervir na decisão
da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão
praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC). A violação desta regra origina uma nulidade
processual (art. 201º/1 CPC).
Se durante a audiência, algum dos juízes falecer ou se impossibilitar permanentemente,
os actos já realizados são repetidos perante um Tribunal com uma nova composição (art.
654º/2, 1ª parte CPC). Se a impossibilidade for temporária, interrompe-se a audiência ou, se
parecer mais aconselhável, repetem-se perante um novo Tribunal os actos já praticados (art.
654º/2, 2ª parte CPC). Se o juiz for transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em
princípio, o julgamento antes da efectivação dessa deslocação ou aposentação, excepto se
esta se fundamentar na incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo
(art. 654º/3, 1ª parte CPC).
d) Documentação
A audiência final e os depoimentos, informações e esclarecimentos nela prestados são
gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-A/2-c, e 512º/1 CPC) ou o
Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é efectuada por sistema sonoro, excepto
quando possa ser realizada por meios audiovisuais ou semelhantes (art. 522º-C CPC), e
abrange a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), a tentativa de conciliação entre as partes
(art. 652º/2 CPC), a produção da prova (art. 652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a matéria
de facto (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC), a leitura do acórdão de julgamento da matéria de facto e
as eventuais reclamações deduzidas pelas partes (art. 653º/4 CPC) e ainda a discussão oral
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do aspecto jurídico da causa (arts. 653º/5 e 657º CPC). Se algum depoimento houver de ser
prestado fora do Tribunal (art. 652º/4 CPC), também ele deverá ser gravado.
e) Efectivação
A produção da prova orienta-se por um princípio de efectividade, através do qual se
procura evitar que essa actividade se torne impossível por não ter sido realizada no momento
oportuno. Com vista a assegurar a efectividade da produção da prova, permite-se que, se
houver justo receio de vir a tronar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas
pessoas ou a verificação de certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, a produção
destas provas possa ser antecipada ou mesmo realizada antes da propositura da acção (art.
520º CPC). É o que se chama produção antecipada da prova (ou prova ad perpetuam rei
memoriam), que como pressuposto especifico o receio da impossibilidade ou da dificuldade
da realização da prova no momento normal.

90. Tribunal da audiência


A discussão e o julgamento da causa são realizados, em regra, com a intervenção do
Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ)
ou uma vara cível (art. 72º LOTJ); onde não os houver, é competente um Tribunal colectivo
strictu sensu (art. 79º-b LOTJ).
Mas, em certas situações, a audiência final decorre perante um Tribunal singular. Quanto
às situações de revelia inoperante, há que distinguir três hipóteses:
- Se a revelia for inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no art. 485º-b, c,
d, CPC, a audiência final decorre perante o Tribunal singular excepto se as partes
requererem a intervenção do Tribunal colectivo na audiência preliminar ou nos 15 dias
subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);
- Se a inoperância da revelia resultar da contestação de algum dos litisconsortes (art.
485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);
- Se a revelia for inoperante porque a citação do réu não foi pessoal (art. 484º/1 CPC), a
audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC).
Se o julgamento for realizado por um Tribunal singular quando deveria ter intervindo um
Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o disposto no art. 110º/4 CPC, do qual
resulta que aquela incompetência do Tribunal singular pode ser suscitada pela partes ou ser
conhecida oficiosamente até ao termo da audiência final. Note-se que, apesar desta remissão,
a incompetência prevista no art. 646º/3 CPC, é, como categoria processual, totalmente
distinta daquela que é regulada pelo art. 110º/4 CPC: aquela é uma incompetência funcional,
porque se refere à distribuição de poderes dentro do Tribunal competente para a apreciação
da acção; esta última é uma incompetência jurisdicional. Assim, aquela incompetência do
Tribunal singular não conduz à consequência da incompetência relativa (art. 111º/3 CPC),
mas à nulidade do acto processual realizado pelo Tribunal singular, isto é, do julgamento da
matéria de facto (art. 201º/1 CPC).

91. Realização da audiência


A audiência inicia-se com a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), isto é, com a
apresentação por cada um dos advogados das partes os fundamentos das suas posições quer
quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito. Se o objecto da acção for uma
situação disponível, o presidente procurará conciliar as partes (art. 652º/2 CPC).
Sempre que alguma das partes, em consequência da limitação legal do número de
articulados, não possa responder a uma excepção deduzida pela outra no último articulado
admissível, aquela parte pode exercer o contraditório no início da audiência final, se não se
realizou a audiência preliminar (art. 3º/4 CPC). Produção de prova:
a) Depoimento de parte, a produção de prova começa pela prestação de depoimento de
parte (art. 652º/3-a CPC), quando ele tiver sido ordenado pelo Tribunal ou requerido pela
outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1, e 553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e
332º/1 CPC).
b) Prova documental, embora deva ser apresentada, em regra, antes da audiência final
(art. 523º/1 CPC), essa audiência é o momento adequado para a exibição de reproduções
cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º
CRP, 656º/1 CPC).

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c) Prova pericial, o resultado da perícia consta de um relatório (art. 596º/1 CPC), pelo
que, em regra, os peritos não são chamados a depor na audiência final. Mas a presença
dos peritos nesta audiência pode ser ordenada oficiosamente pelo Tribunal ou requerida
por qualquer das partes, para que eles possam prestar os esclarecimentos verbais que
lhes forem solicitados (art. 652º/3-c CPC).
d) Prova testemunhal, as testemunhas são inquiridas na audiência final (arts. 621º
proémio e 652º/3-d CPC), excepto se for requerida a sua inquirição antecipada (arts. 621º-
a e 520º CPC) ou por carta (art. 621º-b CPC). A parte pode requerer a inquirição da
testemunha por carta quando ela resida fora da área do círculo judicial ou da ilha (art.
623º/1 CPC) ou da área metropolitana da sede do Tribunal (art. 623º/4 CPC). Contra a
prova testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou acareação:
- A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º; 637º CPC),
ou seja, tem por fundamento a incapacidade natural ou a inabilidade legal da
testemunha (arts. 616º e 617º CPC);
- A contradita baseia-se na alegação de qualquer circunstância capaz de abalar a
credibilidade do depoimento, quer por efectuar a razão da ciência invocada pela
testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer (arts. 640º; 641º CPC);
- A acareação consiste no confronto das testemunhas, ou das testemunhas e das
partes, cujos depoimentos mostrem uma oposição directa acerca de determinado facto
(arts. 642º; 643º CPC).
e) Debates, após a produção da prova, realizam-se os debates sobre a matéria de facto
(art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um importante momento na tramitação da
acção. Eles marcam o termo ou encerramento da discussão, o qual determina o limite
temporal da alteração do pedido (art. 273º/2 CPC), da apresentação dos articulados
supervenientes (art. 506º/2 CPC), da junção de documentos (art. 523º/2 CPC), da
ampliação da base instrutória pelo presidente do Tribunal colectivo (art. 650º/2-f CPC) e da
consideração pelo Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos (art. 663º/1
CPC).

92. Princípios do julgamento


a) Aquisição processual
Segundo o princípio da aquisição processual, o Tribunal deve tomar em consideração
todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas,
requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova (art. 515º, 1ª parte CPC).
Uma das consequências deste princípio é a impossibilidade de retirar do processo uma
prova apresentada (art. 542º/3 e 4 CPC). O mesmo processo justifica a inadmissibilidade da
desistência da prova pericial pela parte requerente sem a anuência da parte contrária (art.
576º CPC).
Exceptuam-se a submissão a este princípio da aquisição processual as situações em que a
lei declare irrelevante a alegação e a prova de um facto quando não sejam feitas por uma
certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que sucede com a confissão, que só pode ser feita
pela parte para a qual o facto reconhecido é desfavorável (art. 352º CC), e, mais
casuisticamente, com a prova da maternidade na respectiva acção de investigação, a qual só
pode ser realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1 CC).
b) Livre apreciação da prova
Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a
generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão
sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1 CPC): é o caso da prova pericial (art. 389º
CC; art. 591º CPC), da inspecção judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).
A prova livre está excluída sempre que a lei conceda um valor legal a um determinado
meio de prova (arts. 358º/1 e 2, 371º/1, 376º e 377º CC), assim como quando a lei exigir,
para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial (art. 655º/2 CPC).
c) Fundamentação
Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram
decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (art.
653º/2 CPC). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre
apreciação (arts. 655º/1 e 652º/3-b, c, d, CPC), o Tribunal deve indicar os fundamentos
suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa
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controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou
não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização
das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros
da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido
a convincente.
A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada
facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a
sua relevância e proceder à sua valoração.

93. Procedimento do julgamento


Encerrada a discussão (art. 652º/3-e CPC), o Tribunal recolhe à sala das conferências para
ponderar e decidir (art. 653º/1, 1ª parte CPC). Se não se julgar suficientemente esclarecido,
pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar quaisquer
diligências necessárias (art. 653º/1, 2ª parte CPC).
A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir
a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão do Tribunal colectivo é tomada por
maioria e o acórdão é lavrado pelo presidente, podendo qualquer dos juízes assinar vencido
quanto a qualquer ponto da decisão ou formular declaração divergente quanto à sua
fundamentação (art. 653º/4 CPC). Aquela decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal
julga provados e quais os que considera não provados e especificar, quanto a todos eles, os
fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º/2 CPC). As partes
podem reclamar contra a falta dessa motivação (art. 653º/4, 2ª parte CPC) e ela pode ser
exigida pela Relação (art. 712º/5 CPC).
Ao Tribunal compete, no julgamento da matéria de facto, analisar criticamente as provas
(art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções legais e judiciais das quais pode ser
inferida a prova do facto controvertido (arts. 349º a 351º CC).
O Tribunal de audiência não pode pronunciar-se sobre matéria de direito, isto é, não pode
ocupar-se da aplicação do direito aos factos provados. Considera-se inexistente qualquer
resposta desse Tribunal sobre essa matéria (art. 646º/4, 1ª parte CPC).

94. Discussão da matéria de direito


A fase da audiência final termina com a discussão da matéria de direito, que se destina a
discutir a interpretação e aplicação da lei aos factos julgados provados (arts. 653º/5 in fine, e
657º in fine CPC) e que se pode realizar oralmente ou por escrito. Em regra, a discussão do
aspecto jurídico da causa realiza-se oralmente perante o juiz a quem caiba lavrar a sentença
final (arts. 653º/5, 1ª parte e 657º CPC), isto é, no caso do Tribunal colectivo, perante o seu
presidente (art. 80º-c LOTJ). Mas se as partes não prescindirem da discussão escrita do
aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto,
faculta o processo para exame do advogado ao autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10
dias a cada um, a fim de alegarem por escrito sobre a interpretação e aplicação da lei aos
factos que tiverem sido considerados provados e àqueles que deverem ser tidos por assentes
(art. 657º CPC).

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FASE DA SENTENÇA

95. Função da fase


A fase da sentença é aquela em que é proferida a decisão final do procedimento em 1ª
instância. O proferimento da sentença final depende da forma da discussão do aspecto
jurídico da causa:
- Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo é concluso ao
juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias (art. 658º CPC);
- Se essa discussão tiver sido oral (art. 653º/5 CPC), a sentença pode ser logo lavrada
por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).
A sentença é proferida pelo juiz da causa ou pelo presidente do Tribunal colectivo (art.
80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).

96. Conteúdo da sentença


A sentença comporta os seguintes elementos: relatório, fundamentos, decisão e aspectos
complementares. No relatório, o Tribunal identifica as partes e o objecto do litígio e fixa as
questões que lhe cumpre solucionar (art. 659º/1 CPC). Ao relatório seguem-se os
fundamentos, nos quais o Tribunal deve discriminar os factos que considera provados e
admitidos por acordo e indicar, interpretar e aplicar as correspondentes normas jurídicas (art.
659º/2, 3 CPC). A sentença termina com a parte decisória ou dispositiva (art. 659º/2 in fine
CPC), na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição, e deve ser assinada e
datada (arts. 157º/1, e 668º/1-a CPC).
A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através da exposição dos
fundamentos de facto – respeitam aos factos relevantes para a decisão que foram adquiridos
durante o processo – e de direito – à interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis
a esses factos – (art. 659º/2 CPC).
Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que foram adquiridos
durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º/3 CPC, integram esses fundamentos:
- Os factos admitidos por acordo, ou seja, os factos alegados por uma parte e não
impugnados pela contraparte (arts. 490º/2, e 505º CPC), mesmo que não tenham sido
considerados assentes;
- Os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa das partes
(arts. 523º e 524º CPC) ou do Tribunal (arts. 514º/2, e 535º CPC);
- Os factos provados por confissão reduzida a escrito, seja ela uma confissão judicial
ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);
- Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na fase da audiência
final (art. 653º/2 e 3 CPC);
- Os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles que podem ser
inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados (arts. 349º a 351º CC).
A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de conhecimento
oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).
O sentido da decisão depende dos factos fornecidos pelo processo (com consideração do
princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise do cumprimento do ónus da
prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).

97. Conteúdo do julgamento


A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem à absolvição da
instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art. 660º/1 CPC). Estas excepções
podem ser tanto aquelas que o Tribunal deixou de apreciar no despacho saneador, por
entender que, nesse momento, o processo ainda não fornecia os elementos necessários (art.
510º/4 CPC), como aquelas que não foram apreciadas concretamente nesse despacho e sobre
as quais não há, por isso, qualquer caso julgado (art. 510º/3, 1ª arte CPC). Dado que o
despacho saneador genérico não produz caso julgado quanto à existência ou inexistência de
qualquer excepção dilatória (art. 510º/3, 1ª parte CPC), o Tribunal não está impedido de a
apreciar na sentença final.
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Entre o despacho saneador e o termo da discussão (art. 652º/3-e CPC) pode verificar-se a
sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas eventualidades não podem deixar
de ser consideradas na sentença final, podendo invocar-se a analogia com o disposto no art.
663º/1 CPC, quanto à consideração nessa sentença dos factos constitutivos, modificativos ou
extintivos ocorridos até ao encerramento da discussão. Assim, na acção pendente na 1ª
instância, é relevante qualquer sanação ou cessação de uma excepção dilatória, desde que
ocorra até ao encerramento da discussão.
O art. 660º/1 in fine CPC, impõe o conhecimento das excepções dilatórias segundo a
ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm enumerações de
excepções dilatórias – os arts. 288º/1 e 494º CPC –, mas elas não se subordinam a nenhuma
ordenação lógica, porque, por exemplo, as excepções de litispendência e de caso julgado (art.
449º-i CPC, e que cabem na enumeração residual do art. 288º/1-e CPC) são referidas depois
de outras excepções dilatórias, sendo certo que, se algumas destas excepções merecem uma
apreciação prévia perante as demais, as excepções de litispendência e de caso julgado estão
claramente entre elas.
A apreciação de qualquer excepção dilatória na sentença final cede perante a
possibilidade de um julgamento de mérito favorável à parte que seria beneficiada com a
verificação do pressuposto processual que não está preenchido (art. 288º/3 CPC).
Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da causa (arts. 264º/1 e
3, e 664º in fine CPC), o âmbito do julgamento comporta dois limites. Um limite mínimo
decorre do dever de conhecimento na sentença de todas as questões submetidas pelas
partes à apreciação do Tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela
solução dada a outras (art. 60º/2, 1ª parte CPC). A falta de apreciação de qualquer dessas
questões conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º/1-d, 1ª parte
CPC).

98. Formalidades complementares


A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1 LOSJ). Se a parte
vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo por meio de requerimento
dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC). Passados três meses após o trânsito em
julgado da sentença (art. 677º CPC), o processo é arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).

PROCESSO SUMÁRIO E SUMARÍSSIMO

PROCESSO SUMÁRIO

99. Regime aplicável


Ao processo são aplicáveis as disposições que lhe são próprias (constam dos arts. 783º a
792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos arts. 137º a 459º; 463º/1, 1ª
parte CPC); em tudo quanto não estiver regulado numas e noutras, deve observar-se o que se
encontra estabelecido para o processo ordinário (ou seja, o disposto nos arts. 467º a 782º;
463º/1, 2ª parte CPC). Dada esta aplicação subsidiária do regime do processo ordinário, só
interessa analisar as especialidades do processo sumário.
Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de 20
dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).

PROCESSO SUMARÍSSIMO

100. Regime aplicável


Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts. 793º a 796º CPC) e
as gerais e comuns (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC). O art. 464º, 2ª parte CPC,
determina que, quando umas e outras sejam omissas ou insuficientes, observar-se-á
primeiramente o que estiver estabelecido para o processo sumário (arts. 783º a 792º CPC) e
depois o que estiver estabelecido para o processo ordinário (arts. 467º a 782º CPC).
Considerando esta subsidiariedade das regulamentações dos processos sumário e ordinário.
A petição inicial dispensa a forma articulada, mas conjuntamente com ela devem ser
oferecidas as provas dos factos alegado (art. 793º; 151º/2 CPC). Isto significa que, ao
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contrário do que sucede no processo ordinário e sumário, o autor tem o ónus de alegar na
petição inicial os factos instrumentais que pretenda demonstrar através dessas provas.
O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também a
apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).

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