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Unidade
A Historicidade do Currículo
1. John Franklin Bobbitt – estudioso do currículo, em 1918 lança seu livro The Curriculum
As respostas de Bobbitt eram claramente conservadoras, embora sua
intervenção buscasse transformar radicalmente o sistema educacional. Bobbitt
propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra
empresa comercial ou industrial. Tal como uma indústria, Bobbitt queria que o
sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que resultados
pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê-los de forma
precisa e formas de mensuração que permitissem saber com precisão se eles
foram realmente alcançados.
O sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma
precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez, deveriam se
basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com
eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O modelo de Bobbitt
estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era “eficiência”.
O sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa
econômica. Bobbitt queria transferir para a escola o modelo de organização
proposto por Frederick Taylor2. Na proposta de Bobbitt, a educação deveria
funcionar de acordo com os princípios da administração científica propostos por
Taylor.
Bem antes de Bobbitt, Dewey3 tinha escrito, em 1920, um livro que
tinha a palavra “currículo” no título, The child and the curriculum. Neste livro,
Dewey estava muito mais preocupado com a construção da democracia que
com o funcionamento da economia. Também em contraste com Bobbitt, ele
achava importante levar em consideração, no planejamento curricular, os
interesses e as experiências das crianças e jovens. Para Dewey, a educação
não era tanto uma preparação para a vida ocupacional adulta, como um local
de vivência e prática experiências das crianças e jovens. Para Dewey, a
educação não era tanto uma preparação para a vida ocupacional adulta, como
um local de vivência e prática direta de princípios democráticos. A influência de
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2. Frederick Winslow Taylor - foi um engenheiro norte-americano que introduziu o conceito da chamada Administração Científica,
revolucionando todo o sistema produtivo no começo do século XX e criando a base sobre a qual se desenvolveu a atual Teoria
Geral da Administração.
3. John Dewey é, certamente, um dos mais influentes pensadores na área da educação contemporânea. Esse destacado filósofo,
psicólogo e pedagogo, nascido nos Estados Unidos, posicionou-se a favor do conceito de Escola Ativa, na qual o aluno tinha que
ter iniciativa, originalidade e agir de forma cooperativa.
Dewey, entretanto, não iria se refletir da mesma forma que a de Bobbitt na
formação do currículo como campo de estudo.
A atração e influência de Bobbitt devem-se provavelmente ao fato de
que sua proposta parecia permitir a educação tornar-se científica. Não havia
por que discutir abstratamente as finalidades últimas da educação: elas
estavam dadas pela própria vida ocupacional adulta. Tudo o que era preciso
fazer era pesquisar e mapear quais eram as habilidades necessárias para as
diversas ocupações.
Na perspectiva de Bobbitt, a questão do currículo se transforma numa
questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica. A
atividade supostamente científica do especialista em currículo não passa de
uma atividade burocrática. Não é por acaso que o conceito central, nessa
perspectiva, é “desenvolvimento curricular”, um conceito que iria dominar a
literatura estadunidense sobre currículo até os anos 80. Numa perspectiva que
considera que as finalidades da educação estão dadas pelas exigências
profissionais da vida adulta, o currículo se resume a uma questão de
desenvolvimento, a uma questão técnica.
O modelo de currículo de Bobbitt iria encontrar sua consolidação
definitiva num livro de Ralph Tyler publicado em 1949. O paradigma
estabelecido por Tyler iria dominar o campo do currículo nos Estados Unidos,
com influência em diversos países, incluindo o Brasil, pelas próximas quatro
décadas. Com o livro de Tyler, os estudos sobre currículo se tornam
decididamente estabelecidos em torno da idéia de organização e
desenvolvimento. Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis
fontes de objetivos para o currículo, o paradigma formulado por Tyler centra-se
em questões de organização e desenvolvimento. Tal como no modelo de
Bobbitt, o currículo é, aqui, essencialmente, uma questão técnica.
A organização e o desenvolvimento do currículo devem buscar
responder, de acordo com Tyler, quatro questões básicas: “1. Que objetivos
educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que experiências educacionais
podem ser oferecidas e que tenham probabilidade de alcançar esses
propósitos?; 3. Como organizar eficientemente essas experiências
educacionais?; 4. Como podemos ter certeza que esses objetivos estão sendo
alcançados?”. As quatro perguntas de Tyler correspondem à divisão tradicional
da atividade educacional: “currículo” (1), “ensino e instrução” (2 e 3) e
“avaliação” (4). Em termos estritos, pois, apenas a primeira questão diz
respeito a “currículo”. É precisamente a esta questão que Tyler dedica a maior
parte de seu livro. Tyler identifica três fontes nas quais se devem buscar os
objetivos da educação, afirmando que cada uma delas deve ser igualmente
levada em consideração:
1- estudos sobre os próprios aprendizes;
2- estudos sobre a vida contemporânea fora da educação;
3- sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas. Aqui, Tyler
expande o modelo de Bobbitt, ao incluir duas fontes que não eram
contempladas por Bobbitt: a psicologia e as disciplinas acadêmicas.
Tyler insiste na afirmação de que os objetivos devem ser claramente
definidos e estabelecidos. Os objetivos devem ser formulados em termos de
comportamento explícito. Essa orientação comportamentalista iria se
radicalizar, álias, nos anos 60, com o revigoramento de uma tendência
fortemente tecnicista na educação estadunidense, representada, sobretudo,
por um livro de Robert Mager.
É interessante observar que tanto os modelos mais tecnocráticos,
como os de Bobbitt e Tyler, quanto os modelos mais progressistas de currículo,
como o de Dewer, que emergiram no inicio do século XX, nos Estados Unidos,
constituíam, de certa forma, uma reação ao currículo clássico, humanista, que
havia dominado a educação secundária desde sua institucionalização.
Cada um dos modelos curriculares contemporâneos, o tecnocrático e o
progressista, atacam o modelo humanista por um flanco. O tecnocrático
destacava a abstração e suposta inutilidade – para a vida moderna e para as
atividades laborais – das habilidades e conhecimentos cultivados pelo currículo
clássico. O latim e o grego – e suas respectivas literaturas – pouco serviam
como preparação para o trabalho da vida profissional contemporânea. Não se
aceitava, aqui, nem mesmo os argumentos que no século XIX que tinham sido
desenvolvidos pela perspectiva do “exercício mental”, segundo a qual a
aprendizagem de matérias como o latim, por exemplo, servia para exercitar os
“músculos mentais”, de uma forma que podia se aplicar a outros conteúdos.
O modelo progressista, sobretudo aquele “centrado na criança”,
atacava o currículo clássico por seu distanciamento dos interesses e das
experiências das crianças e dos jovens. Por estar centrado nas matérias
clássicas, o currículo humanista simplesmente desconsiderava a psicologia
infantil. Ambas as contestações só puderam surgir, obviamente, no contexto da
ampliação da escolarização de massas, sobretudo da escolarização secundaria
que era foco do currículo clássico humanista. O currículo clássico só pôde
sobreviver no contexto de uma escolarização secundária e acesso restrito à
classe dominante. A democratização da escolarização secundária significou
também o fim do currículo humanista clássico.
Na década de 1960, surgiram teorias educacionais baseadas em
experiências. São as chamadas “teorias críticas do currículo”, cujos
pressupostos questionaram arranjos sociais e educacionais vigentes,
responsabilizando-os pelas desigualdades e injustiças sociais. Intentavam
desenvolver um conceito que permitisse compreender o que o currículo “faz”.
Em 1970, Louis Althesser, influenciado por ideais marxistas, argumentou que a
continuidade da sociedade capitalista depende da reprodução de seus
componentes econômicos e ideológicos, cuja sustentação se dá através de
mecanismos e instituições encarregadas de garantir o status quo sem
contestação. Assim, a produção e disseminação da ideologia são feitas pelos
aparelhos do Estado, entre os quais se situa a escola, constituindo-se o mais
importante, porque atinge a população por um período prolongado. A escola
atua ideologicamente através do seu currículo, que divulgam crenças explícitas
sobre a desejabilidade das estruturas sociais.
Além disso, discrimina, pois inclina as pessoas das classes
subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as das dominantes
aprendem a controlar e a comandar. Essa diferenciação é garantida pelos
instrumentos seletivos, que excluem os alunos pobres antes de chegarem a
níveis onde se aprendem as habilidades dos dominantes. Para Althesser, a
escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir
através das disciplinas, as ideologias que levam o indivíduo a ver os arranjos
sociais existentes como bons e desejáveis.
Entretanto, caberia aos norte-americanos, Samuel Bowles e Herbert
Gints, estabelecer a conexão entre a escola e produção. Eles enfatizaram a
aprendizagem através das relações sociais escolares, das atitudes para se
qualificar como um trabalhador subordinado ou como de alto nível das
ocupações profissionais. Para os autores, o funcionamento escolar contribui
para esse processo, pois espelha as relações sociais trabalhistas. Assim, as
escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem privilegiar relações
nas quais os estudantes aprendem a receber ordens e obedecer.
Em contraste, as instituições dirigidas àqueles dos altos escalões
tendem favorecer relações que os alunos têm atitudes de comando e
autonomia. Assim, através desse processo bidirecional, a educação contribui
para a reprodução das relações sociais da sociedade capitalista, garantindo
que num movimento de retorno, o local de trabalho receba aquele tipo de
trabalhador de que necessita. Já, para Pierre Bourdieu e Jean-Claude
Passerom, a dinâmica da representação social centra-se no de processo de
reprodução cultural.
É através da divulgação dos saberes acadêmicos que a reprodução
mais ampla da sociedade fica garantida e, tendo valor social, faz com que o
sujeito obtenha vantagens materiais se constituem como capital cultural. O
domínio simbólico atua através de um mecanismo no qual depende de dois
processos, a imposição e a ocultação, que juntos, definem a cultura dominante
como arbitrária, mas com poder idealizado. Esse mecanismo foi denominado
como dupla violência no processo de dominação cultural. Além disso, a escola
também exclui. Seu currículo baseia-se no saber dominante, que é transmitido
através de um código lingüístico oculto.
As crianças favorecidas, acostumadas com ele em seu ambiente
familiar, saem-se bem e continuam seus estudos em níveis superiores. Já,
aquelas que provem de um meio, cuja vivência não as acostumou a esse
código são excluídas. Logo, o capital cultural dominante fortalece-se e,
conseqüentemente, completa-se o ciclo da reprodução cultural, mantendo-se o
status das classes, garantindo o processo de reprodução social.
Finalmente, se inicia a crítica neomarxista à ideologia do currículo.
Para Michael Apple, a dinâmica da sociedade capitalista é o resultado da
dominação daqueles que detêm o controle da propriedade dos recursos
materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Essa
característica de organização econômica influencia as outras esferas sociais.
Para ele, essa ligação entre as estruturas econômicas e sociais mais amplas
com a educação e a cultura acontece no campo curricular.
Devido a essa preocupação, o estudioso recorre ao conceito de
hegemonia, cujo campo social é um local contestado, onde os grupos
dominantes recorrem a um esforço de convencimento ideológico para manter
sua dominação econômica que se transforma em hegemonia cultural, atingindo
o ápice quando se transforma em senso comum. Analisa, também, a estrutura
curricular, pois sua seleção é o resultado de um processo que reflete os
interesses particulares das classes dominantes. Sua preocupação central é
como certos conhecimentos são considerados legítimos, em detrimento dos
ilegítimos. O sociólogo analisou dois aspectos do currículo: a do oculto,
focando nas relações sociais escolares no processo de reprodução social e na
maneira de transmissão do conteúdo; e, a do conteúdo, que enfatiza o currículo
oficial.
Logo, a escola é a principal produtora do conhecimento técnico que se
relaciona diretamente com a estrutura e o funcionamento da sociedade
capitalista por se tratar de um saber relevante para a economia e para a
produção que se dá nos níveis superiores do sistema educacional. Porém, o
ponto máximo da crítica appleana é a relação entre currículo e poder, ou seja,
a conexão entre a estrutura econômica e a reprodução dos recursos
simbólicos.
Ao enfatizar o conceito de hegemonia, alerta para o fato de que as
pessoas devem estar convencidas da desejabilidade e legitimidade dos
arranjos sociais existentes, mas não somente por imposição ou domínio, mas
também por resistência e oposição. Logo, o currículo seria um campo de
resistência. Assim, para Apple, o currículo não pode ser compreendido e
transformado se não for feito um questionamento sobre suas conexões com o
poder.
Portanto, o currículo é uma questão de poder, porque privilegia o tipo
de conhecimento, destacam uma identidade tida como a ideal e tenta garantir o
consenso e a hegemonia.
4. Atemporal - fora do domínio do tempo; que não se enquadra em tempo algum; que não pertence a um tempo específico.
A dimensão prática significa buscar a aproximação do que realmente
ocorre nas salas de aula, aspecto fundamental para se perceber o modo como
o mundo da educação esta estruturado.
Além dessa concepção ampla, a teoria processual do currículo oferece
indicações valiosas para o professor compreender os problemas curriculares.
Por um lado, levando-o a perceber o grau de autonomia e restrição que os
agentes educacionais têm em relação ao currículo. Por outro lado, fornecendo
conceito para pensar a prática em torno do currículo e decidir sobre ela. A esse
respeito, ressalta os problemas curriculares como problemas práticos e por
natureza incerta, devendo ser resolvido por um processo de deliberação.
Visto dessa forma, o currículo deixa de ser um instrumento do trabalho
docente. Algo que o professor percebe como sendo inerente e fundamental em
seu trabalho, algo sobre o qual ele intervém, modela, aperfeiçoa e transforma.
▬ As Áreas de Conhecimento
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2003.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 9.
ed. São Paulo: Cortez, 1989.
MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Currículo, Cultura
e Sociedade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
Todos nos somos capazes de assimilar e criar. Para termos uma melhor
interação desta unidade, escreva entre 15 a 20 linhas sobre a historicidade de
currículo fazendo uma distinção entre as teorias tradicionais curriculares e sua
integração na atualidade.
SUGESTÕES DE LEITURA