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dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste }

dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste}


img
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste}
“Bendito, louvado seja
É o Rosário de Maria,
Bendito pra Santo Antônio
Bendito pra São João
Senhora Sant’Ana
Saravá meus irmãos.”
Canto de abertura dos jongueiros
da Serrinha em suas apresentações.

“Tava dormindo
Angoma me chamou
Disse levanta povo
Cativeiro se acabou.”
Canto de várias comunidades
jongueiras.
PRES I DENTE DA REPÚBLIC A Departamento de Patrimônio Imaterial Centro Nacional de Folclore e Cultura
Luiz Inácio Lula da Silva
Popular
Gerente de Ident ific ação
M I NI STRO DA C U LTU RA
Gilberto Gil Moreira Ana Gita de Oliveira chefe da d ivisão técnica
Lucia Yunes
PRES I DENTE DO I P HAN Gerente de R egistro
Ana Cláudia Lima e Alves CHEFE DO S ETOR DE PE S QU I SA
Luiz Fernando de Almeida
Ricardo Gomes Lima
PROC U RADORA- C HEFE FEDERA L Gerente de Apo io e Fomento
Chefe do m useu de fo lclo r e e diso n
Tereza Beatriz da Rosa Miguel Teresa Maria Cotrim de Paiva Chaves carne iro

D I RETORA D e PATRI MÔN IO I MATER I A L


Vânia Dolores Estevam de Oliveira
Marcia Sant’Anna
Chefe da B ibli oteca Am a d eu A m a r al
D I RETOR DE PATR IM ÔNI O MATER I AL E Marisa Colnago Coelho
FI S C A L I ZAÇÃO
Dalmo Vieira Filho Chefe da Di fusão C ultu r a l
Lucila Silva Telles
DIRETOR DE MUSEUS E CENTROS CULTURAIS
José do Nascimento Junior Divisão Adm inistrativa

D I RETORA DE P L ANEJ AMENTO E


Arlete Rocha Carvalho
ADMI N I STRAÇÃO Luiz Otávio Monteiro
Maria Emília Nascimento Santos

C OORDENADORA- G ERA L DE PE SQUIS A,


DOC UMENTAÇÃO E REFER Ê NCI A
Lia Motta

C OORDENADOR- GERA L DE PROMOÇÃO DO


PATRI M Ô NI O C U LT URA L
Luiz Philippe Peres Torelly

Dir e to r a d o C e nt ro Naciona l de
fo lclo r e e Cultu ra P opul ar
Claudia Marcia Ferreira

S U PERI NTENDENTE RE GI ONA L NO ES PÍ RI TO


S ANTO
Tereza Carolina Frota de Abreu

S U PERI NTENDENTE RE GI ONA L NO RI O DE


J ANEI RO
Carlos Fernando de Souza Leão Andrade

S U PERI NTENDENTE RE GI ONA L EM S ÃO


PAU LO
Victor Hugo Mori

I nst i t uto d o pat ri môn io histór ic o


e a rt íst ico nacio na l
SBN Quadra 2 Edifício Central Brasília
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Telefone: (61) 3414.6176 Fax: (61) 3414.6198
www.iphan.gov.br webmaster@iphan.gov.br
Inventário Nacional de Referências Culturais Edição do Dossiê Ficha Técnica Jongo no Sudeste
e Elaboração do Dossiê para Registro do Jongo ED IÇÃO de Texto R egistro do Jong o no S u d est e
no Sudeste Sérgio de Sá Processo no. 01450005763/2004-43
PROJ ETO C EL EB RAÇ ÕE S E S A BERE S DA RE VIS ÃO DE TEXTO P roponente s :
C U LT U RA POPU LAR
Graça Mendes Centro Nacional de Cultura Popular
COORDENAÇÃO GERA L
Vera Lima
Data de Ab ertura do p r o ce sso :
Letícia C. R. Vianna TEXTO DE ABERT URA
24/05/2001
COORDENAÇÃO DE PE SQUIS A
Equipe do INRC/Jongo - CNFCP/Iphan Pedido de Registro aprovado na 48a. reunião do Conselho
Elizabeth Travassos TEXTO PR INCIPA L
Consultivo do Patrimônio
Elizabeth Travassos Cultural, em 10/11/2005
AS S I STENTES DE PESQUIS A Inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão em
Adaílton Silva, Ana Maria Gouvêa, André PRO JETO G R ÁFICO 15/12/2005.
Felippe, Antônio Carlos Monteiro Chaves, Victor Burton
Aressa Rios, Carla Ramos, Cleo Vieira, Dóli
de Castro Ferreira, Gabriela Barros Moura, PRO GRAMAÇÃO VISUAL
Gilberto Augusto da Silva, Igor Higa, Letícia Deborah Vilarino
Dias, Lúcio Enrico, Maria Goretti Fernandes, Inara Vieira
Ricardo Moreno, Rita Gama e Thiago Aquino. Pedro Ivo Oliveira

APOI O MAPA
Universidade Federal do Estado do Rio de Antônio José Pedral
Janeiro (Unirio), Grupo Cultural Jongo Deborah Vilarino
da Serrinha, Rede de Memória do Jongo, Inara Vieira
Associação Cultural Cachuêra!, Paulo Fortes,
FOTOG RAFIA
Edgar Fonseca, Alberto Ikeda, Paulo Dias e
André Felippe
comunidades jongueiras: Serrinha, Fazenda de
Cleo Vieira
São José da Serra, Barra do Piraí, Miracema,
Décio Daniel
Pinheiral, Santo Antônio de Pádua, Bracuí,
Elisabete Mendonça
Mambucaba (Angra dos Reis); Guaratinguetá,
Francisco Moreira da Costa
Cunha, Piquete, São Luís do Paraitinga, São
José Moreira Frade
Mateus e Conceição da Barra, Daniel Reis,
Ricardo Lima
Rebecca de Luna Guidi e Andréa Falcão. P Á G I NA 2
Rita Gama J ong o
A rt e s anato d e Mar ia
TRAN SC R IÇ ÕES MUSIC AIS
L ui z a San to s Vi e i r a, d e
Elizabeth Travassos
tau bat é (SP ) . Ac e rvo
Gabriela Moura
Igor Higa d o M u s e u d e Fol c lo r e

Mariana Lima E di s on Ca r ne i r o .
foto : F ranc i s c o da
AR QUIVO DE PART ITURA S C o s ta .
Marcílio Lopes
P Á G I NA 4
A pr e s en taç ã o d e
Caxamb u na P raç a
P ú blic a d e Mi r ac e ma (RJ ) ,
em 1997.
foto : Ri ca r d o G om e s
L ima.
sumário
i

dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 

10 APRESENTAÇÃO 18 CAXAMBU, JONGO E TAMBOR 60 FONTES BIBLIOGRÁFICAS


19 História e identificação
12 INTRODUÇÃO dos grupos 62 ANEXO Partituras
13 Inventário da cultura negra 25 Diversidade e unidade
14 História de fé e poesia 49 Notas
15 Registro e salvaguarda
17 Mapa 50 os pontos
51 Voz entre ritmos e movimentos
55 Enigmas e magia
59 Notas
APRESENTAção
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P ÁGINA 8 A baixo
G ilberto Augusto D e talh e d e Co njunto d e
d a Silva, do Jo ng o J ong o , A rt e s anato d e
d e P iquete ( SP), no I dalina Co s ta Ba r r o s ,
1 1 o Encon tro de d e tau bat é (S P ) . Ac e rvo
J ongue i ros, e m 2006. d o M u s e u d e Fol c l o r e
foto: Fr anci sco d a E d is on car n e i r o .
C osta. foto : F ranci s c o da
Co s ta .
P ÁGINA Ao la do
R oda de Jo ng o.
Co muni da de
r e man esce n te de
quilo m bo la s de Santa
Rita do Br acuí
foto: Ri ta G ama .

T ambu, batuque, caxambu,


jongo. Manifestação cultural
afro-brasileira, o jongo é o tema
Proclamado Patrimônio Cul-
tural Brasileiro em novembro de
2005 pelo Instituto do Patrimônio
deste 5º volume da série de dossiês Histórico e Artístico Nacional, o
sobre os bens culturais de natureza jongo foi registrado no Livro das
imaterial registrados. Formas de Expressão. O registro
O jongo é uma forma de ex- teve como base a pesquisa desen-
pressão que integra percussão de volvida pelo Centro Nacional de
tambores, dança coletiva e elemen- Folclore e Cultura Popular, e teve
tos mágico-poéticos. Tem suas como suporte a metodologia do
raízes nos saberes, ritos e crenças Inventário Nacional de Referências
dos povos africanos, sobretudo os Culturais.
de língua bantu. É cantado e tocado Ao tornar públicos processos e
de diversas formas, dependendo da resultados desse trabalho, o Iphan
comunidade que o pratica. Con- contribui para o reconhecimento
solidou-se entre os escravos que e o respeito a esse patrimônio pela
trabalhavam nas lavouras de café e sociedade brasileira. Pedindo licen-
cana-de-açúcar localizadas no ça ao jongueiro velho, com este livro
Sudeste brasileiro, principalmen- saudamos a todos os jongueiros
te no vale do Rio Paraíba do Sul. novos. Saravá!
É um elemento de identidade e
resistência cultural para várias Luiz Fernando de Almeida
comunidades e também espaço de Presidente do Iphan
manutenção, circulação e renovação
do seu universo simbólico.
introdução
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 13

Tambores do Jo ngo
d e Taman da ré, e m
G uar ating uet á, ( S P).
foto: Fr anci sco d a
Costa .

Inventário da
cultura negra

E m novembro de 2005, o jon-


go foi proclamado patrimônio
cultural brasileiro pelo Conselho
caxambu, tambor e batuque – que
guardam elementos comuns e tam-
bém particularidades conjunturais
do Piraí, Miracema, Pinheral, San-
to Antônio de Pádua. E também em
comunidades como Bracuí e Mam-
Consultivo do Instituto do Patri- nos diferentes contextos onde são bucaba, junto a Angra dos Reis.
mônio Histórico e Artístico Nacio- cultivadas: periferias metropolita- No Estado de São Paulo foram
nal (Iphan) e registrado no Li- nas e de pequenas cidades e comu- identificadas e contatadas as comu-
vro das Formas de Expressão. Este nidades rurais. Foram verificadas nidades jongueiras de Guaratingue-
registro teve como base a pesquisa diferentes instâncias de tensões tá, Cunha, Piquete, São Luís do
para o Inventário Nacional de Re- sociais, como questões e clivagens Paraitinga e Lagoinha. No Espírito
ferências Culturais (INRC), desen- raciais e de classe, tensões de ordem Santo, grupos de jongo de São Ma-
volvido pelo Centro Nacional de religiosa, questões relativas à in- teus e Conceição da Barra foram
Folclore e Cultura Popular tegração do jongo ao mercado de identificados. Há indícios de que
(CNFCP/Iphan). bens na cultura de massa em con- na Região Sudeste existem outras
O inventário buscou as expres- traste com a relativa invisibilidade e comunidades e grupos de pratican-
sões de origem africana relaciona- exclusão sócioeconômica das comu- tes do jongo.
das à cultura do café e da cana-de- nidades e grupos tradicionais. Durante a pesquisa percebeu-
açúcar na região Sudeste que têm No processo de inventário fo- se o interesse das comunidades e
elementos comuns: dança de roda ram visitadas sete comunidades jon- grupos no sentido de apresentar
ao som de tambores e cantoria com gueiras no Estado do Rio de Janei- candidatura do jongo ao registro
elementos mágico-poéticos. Foi ro: na cidade do Rio, no bairro de como patrimônio nacional. E assim
observada uma variedade de repre- Madureira, foi inventariada a co- o processo de registro foi conduzi-
sentações musicais, coreográficas e munidade do Morro da Serrinha; do pelo CNFCP/Iphan e deferido
simbólicas que, de modo geral, es- no município de Valença, a comu- pelo Conselho Consultivo tendo
tão compreendidas nas mesmas ca- nidade da Fazenda São José. O jon- em vista a importância do jongo no
tegorias analíticas – jongo, tambu, go foi pesquisado, ainda, em Barra panorama cultural brasileiro.
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J o s é Rese nde tocan do


tam bu. A prese n tação
d e cax am bu e m Santo
A n t ôni o de P ádua, 1976.
foto: José More ir a
F r ade.

História de fé
e poesia

F orma de expressão afro-brasi-


leira, o jongo integra percussão
de tambores, dança coletiva e práti-
de-açúcar, no Sudeste brasileiro,
principalmente no vale do rio Para-
íba do Sul. Nos tempos da escravi-
cas de magia. Acontece nos quintais dão, a poesia metafórica do jon-
das periferias urbanas e de algu- go permitiu que os praticantes da
mas comunidades rurais do Sudes- dança se comunicassem por meio
te brasileiro, assim como nas festas de pontos que os capatazes e senho-
dos santos católicos e divindades res não conseguiam compreender.
afro-brasileiras, nas festas juninas, Sempre esteve, assim, em uma di-
no Divino e no 13 de maio da abo- mensão marginal, em que os negros
lição dos escravos. falam de si, de sua comunidade,
O jongo é uma forma de louva- por meio da crônica e da linguagem
ção aos antepassados, consolidação cifrada.
de tradições e afirmação de iden- Tambu, batuque, tambor, ca-
tidades. Ele tem raízes nos saberes, xambu. O jongo tem diversos no-
ritos e crenças dos povos africanos, mes, e é cantado e tocado de di-
principalmente os de língua ban- versas formas, dependendo da
tu. São sugestivos dessas origens o comunidade que o pratica. Se exis-
profundo respeito aos ancestrais, a tem diferenças de lugar para lugar,
valorização dos enigmas cantados e há também semelhanças, caracterís-
o elemento coreográfico da umbi- ticas comuns em muitas manifesta-
gada. ções do jongo.
No Brasil, o jongo se consoli-
dou entre os escravos que trabalha-
vam nas lavouras de café e cana-
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In teg ran tes do j ong o de


S ão M ateus ( ES)
foto: Fr anci sco d a
Costa .

REGISTRO E
SALVAGUARDA

A o longo do século 20, as comu-


nidades jongueiras estiveram
envolvidas em complexos e dinâ-
res comuns – estratégias em que a
memória e a criatividade são funda-
mentais.
munidades jongueiras. Além disso,
algumas comunidades passaram a fa-
zer apresentações artísticas, nas quais
micos processos socioculturais que Diante das desigualdades econô- as rodas de jongo acontecem sob a
condicionaram diferenças e especi- micas, da exclusão social e da invi- forma de espetáculo.
ficidades. sibilidade deste fazer cultural junto Assim, aos jongueiros se coloca
No Sudeste brasileiro, em mui- aos demais segmentos da sociedade o desafio de dialogar com os pro-
tas das comunidades com descen- brasileira, as comunidades jonguei- cessos da cultura de massa e do uni-
dentes de escravos, o jongo desapa- ras têm desenvolvido soluções pró- verso do entretenimento e, ao mes-
receu, tanto pela dispersão de seus prias, alternativas para a preservação mo tempo, manter os fundamentos
praticantes em conseqüência da de seus saberes e expressões. de sua prática. Essas questões têm
migração e dos processos de urba- As crianças, por exemplo, que sido tratadas de forma crítica pelos
nização, como pelo obscurecimento durante muito tempo não podiam jongueiros por meio de iniciati-
destas práticas por outras expressões freqüentar as rodas de jongo, hoje vas como o Encontro de Jongueiros
de maior apelo junto ao crescen- são estimuladas a aprender o can- – evento anual que reúne comu-
te mercado de bens simbólicos. Ou to e a dança de seus ancestrais. E, nidades e praticantes do jongo de
também devido à vergonha motiva- em muitas comunidades, não é mais São Paulo e do Rio de Janeiro (os
da pelo preconceito, expresso pelos necessário ser filho de jongueiro recursos são parcos para que as co-
segmentos da sociedade abrangente, para ser considerado jongueiro. A munidades capixabas possam parti-
relativo às práticas culturais afro- aproximação de pesquisadores e es- cipar). E também por meio da Rede
brasileiras. tudiosos, bem como, mais recente- de Memória do Jongo, nascida a
Em outras comunidades, no mente, de jovens das camadas médias partir do Encontro de Jongueiros,
entanto, o jongo tem sido um fa- urbanas, fez com que a participação com o objetivo de, segundo seus
tor de integração, construção de em uma roda de jongo não estivesse idealizadores, estreitar os laços de
identidades e reafirmação de valo- mais limitada aos integrantes das co- sociabilidade entre as comunida-
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Tambor de jo ngo do
ac e rvo do Museu de
Fo l c lore Ed iso n
Car ne iro.
foto: Fr anc isco d a
C o s ta .

des jongueiras e fortalecer os canais determinação para que as comuni-


de articulação com a sociedade em dades jongueiras mantenham vivo o
geral. jongo nas suas mais variadas formas
Este processo de mobilização e e expressões.
organização é a prova de que as co-
munidades jongueiras estão cons- Equipe do Inventário Nacional de
cientes de que possuem um bem Referências Culturais / Jongo/ Centro
Nacional de Folclore e Cultura
cultural de grande valor, um con- Popular / Iphan
junto de saberes ancestrais, teste-
munhos de sofrimento, mas tam-
bém de determinação, criatividade
e alegria dos afro-descendentes.
Nesse sentido, o Registro do
jongo como patrimônio cultural do
Brasil é o reconhecimento por par-
te do Estado da importância desta
forma de expressão para a confor-
mação da multifacetada identida-
de cultural brasileira. Este Registro
chama a atenção para a necessidade
de políticas públicas que promovam
a eqüidade econômica articulada
com a pluralidade cultural; políticas
que garantam a qualidade de vida e
a cidadania. E condições de auto-
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Distr i buição geo gráfi ca


d os g rup os de c ax am bu,
j ongo e tam bor
i de ntific ados pel o INRC
en tre 2002 e 2006.

São mateus

espírito santo

miracema
Santo antônio de pádua

são Paulo rio de Janeiro


Valença Quissamã
Barra do piraí
piquete pinheiral
Guaratinguetá
rio de Janeiro
Lagoinha angra dos reis
São Luis do paraitinga

o L

S
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caxambu, jongo e tambor


dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 19

Casal dan ça jo ng o
no 11 o Encon tro de
J ong ue iros, e m 2006.
foto: Fr ancisco d a
Costa.

A s formas de expressão denomi-


nadas caxambu, jongo, tambor
e tambu são encontradas em di-
o grupo congrega moradores das
comunidades de Bracuí e Mambu-
caba; 2 – Em Barra do Piraí, o gru-
versos locais na região Sudeste do po é integrado pelos remanescentes
Brasil, mais especificamente no vale HISTÓRIA E de dois antigos núcleos jongueiros;
do rio Paraíba do Sul e no litoral 3 – O caxambu de Miracema; 4 – O
fluminense e capixaba. Por suas se- IDENTIFICAÇÃO Jongo de Pinheiral; 5 – O Jongo
melhanças quanto à forma e ao sig- DOS GRUPOS da Serrinha, situado no morro de
nificado, são tratadas em conjunto mesmo nome, na cidade do Rio de
neste Livro de Registro do Patri- Janeiro; 6 – O caxambu de Santo
mônio Cultural Brasileiro. A pala- Antônio de Pádua; 7 – O tambor
vra jongo é aqui usada como termo do Quilombo de São José da Serra,
genérico que abrange angona ou no município de Valença.
angoma, caxambu, tambor e tambu, descendentes, ligadas à sua visão de Cinco grupos no Estado de São
salvo quando é necessário apontar mundo, crenças religiosas e diverti- Paulo também foram identificados
as acepções mais restritas de cada mentos. Perpetuaram-se, ao longo e contatados: 1 – O jongo do bair-
uma das denominações. do século 20, em diversos núcleos ro Tamandaré, em Guaratinguetá,
Caxambu, jongo e tambor con- populacionais das zonas rurais e das atualmente representado por dois
solidaram-se como formas expres- cidades pequenas, de onde foram grupos; 2 – O jongo de Cunha; 3
sivas e lúdicas da população escra- levadas, também, para o Rio de Ja- – O jongo de Piquete; 4 – O jongo
va que se concentrava nas fazendas neiro, então capital da República. de São Luís do Paraitinga; 5 – O
de café e cana-de-açúcar da região Durante a pesquisa foram visi- jongo de Lagoinha. No litoral do
Sudeste. Quando da abolição da es- tados os líderes e integrantes de sete Espírito Santo foram contatados
cravidão, estavam integradas à vida grupos de jongo no Estado do Rio jongueiros de São Mateus e Con-
cultural das comunidades afro- de Janeiro: 1 – Em Angra dos Reis, ceição da Barra. As informações
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R o da d e j ongo .
A s s o cia ç ã o Quil omb ola
d e Tamanda r é .
1 1 o Enc o n t r o d e
J ongu ei r o s , em 2 0 0 6 .
foto : F ranci s c o da
C o s ta .

sobre os grupos de São Paulo foram dos Campos (SP), jongo de Caran-
sistematizadas pelos pesquisadores gola (MG) e de Presidente Kennedy
da Associação Cultural Cachuêra! e, (ES).
no caso de Piquete, por pesquisa- Não é possível dar conta em re-
dores do lugar. lato único das particularidades his-
O inventário restringiu-se aos tóricas e contemporâneas do jongo
grupos mencionados, mas isso não em cada um desses locais. Também
significa que somente nessas locali- são diferentes os papéis que a dan-
dades estão vivos o caxambu, jon- ça desempenha hoje na vida social
go e tambor. Pelo contrário: sabe- das comunidades mencionadas. Os
se que existem outros grupos e que atuais jongueiros são, geralmente,
a configuração dos atuais núcleos descendentes de jongueiros. Vi-
jongueiros pode se alterar, em curto vem em bairros pobres das cidades,
período de tempo, devido a vários novembro de 2005, o Iphan ini- onde são trabalhadores - ativos ou
fatores. Localidades onde existem ciou a elaboração de um Plano de aposentados - e estudantes. Ali se
conhecedores do jongo, mas onde a Salvaguarda, em conjunto com os radicaram seus avós e bisavós no pe-
forma de expressão está latente, po- grupos antes enumerados. Ao longo ríodo pós-abolicionista, em zonas
dem ser mobilizadas pelo movimen- do processo, outras comunidades intermédias entre campo e cidade.
to dos jongueiros das comunidades manifestaram o desejo de partici- Alguns deles, nascidos na primei-
vizinhas. Os grupos atuais podem par da discussão das perspectivas ra metade do século 20, fizeram um
cindir-se e gerar outros ou somar contemporâneas para essa forma percurso migratório entre o local de
forças para viabilizar suas festas e de expressão. São elas: jongo de origem, geralmente uma vila ou área
apresentações públicas. Campos, tambor da Fazenda Ma- rural, e a cidade onde moram agora.
Após o registro do jongo como chadinha em Quissamã e jongo de Guardam lembranças vívidas das ro-
patrimônio cultural brasileiro, em Porciúncula (RJ), jongo de São José das que viam quando crianças, dos
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 21

C om uni da de de P i quete.
1 1 o Encon tro de
J ongue i ros, Fazend a,
2 006.
foto: Fr anci sco d a
Costa .

cantos que ouviam e das histórias vos: os conhecedores da tradição repressão. Outros fatores negativos
que seus pais e avós contavam sobre faleceram sem deixar herdeiros, as são a condição duplamente desfavo-
o jongo. conversões religiosas recentes im- recida dos conhecedores das dan-
À medida que se multiplica- pedem alguns membros das comu- ças – como integrantes das camadas
vam os deslocamentos geográficos nidades de participar da dança e pobres e como negros – e o fato de
da população trabalhadora, alguns não há mais, nas proximidades das deterem conhecimento restrito que
jongueiros ficaram isolados e assis- moradias, os espaçosos terreiros não é compartilhado por suas vizi-
tiram à transformação dos interes- para dançar. De um modo geral, nhanças.
ses culturais e recreativos das novas a irradiação dos modos de vida e No processo de modernização
gerações em suas famílias. O ca- valores associados à modernidade da sociedade brasileira, ao longo
xambu deixou de ser dançado em tornou os tambores alvo de despre- do século passado, muitos sabe-
diversos locais, por vários moti- zo e indiferença, quando não de res tradicionais foram rechaçados,
principalmente quando associados
às práticas culturais e religiosas dos
trabalhadores negros. Antes ainda,
quando esses trabalhadores eram
escravos nas fazendas do vale cafeei-
ro, suas formas de expressão haviam
sido objeto de repressão direta,
alternada com tolerância supervi-
sionada. A Lei nº 3 de 16/01/1893,
do Código Municipal da antiga Vila
Vieira de Piquete, proibiu “batu-
ques, sambas, cateretês, cana-ver-
de e outros” sem prévia permissão
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 22

Tamb o r e s d e J ong o .
foto : Ri ta Gama.

P Á G I NA Ao lad o
I nt eg r ant e s d o J ongo
d e Sã o Mat e u s (ES) , c om
e s tanda rt e e tamb o r e s .
foto : F ranci s c o da
C o s ta.

das autoridades. Nas leis municipais secreta ao longo de décadas, como Isso permite comparar a distribui-
de Vassouras, em 1831 e depois em a do círculo de familiares, vizinhos ção espacial do jongo na atualidade
1838, os senhores tentaram impe- e amigos que freqüentavam a casa e em meados do século 20. A man-
dir que os escravos das fazendas rea- de Maria Joana Monteiro – a Vovó cha coberta pela área jongueira no
lizassem o que chamaram de “dan- Maria Joana Rezadeira –, no morro mapa da região Sudeste permanece
ças e candombes”. Temiam que os carioca da Serrinha. Pouco visí- a mesma, mas a incidência do jongo
encontros propiciassem aos escra- veis para outros segmentos sociais diminuiu.
vos a chance de “organizar socieda- além dos moradores dos arredores, Não obstante, as últimas décadas
des secretas, aparentemente reli- os jongueiros do lugar foram ativos do século 20 se caracterizaram pelo
giosas, mas sempre perigosas, pela no processo de dar a conhecer sua esforço consciente de preservação e
facilidade com que alguns Negros dança e música em outros círculos, revitalização do jongo em pratica-
astutos podem usá-las com finali- sob a forma de espetáculos (Gan- mente todas as localidades mencio-
dades sinistras” (citado por Stein, dra, 1995). Por outro lado, aban-
1985:204).1 Ao mesmo tempo, donar o divertimento herdado das
precisavam tolerar os “divertimen- gerações antecessoras e aderir a for-
tos” dos escravos: caso contrário, mas de expressão associadas à vida
colocariam em risco a sobrevivên- urbana moderna podem ter sido,
cia de seus trabalhadores. As rela- em outros contextos, estratégias de
ções que os jongueiros estabelece- proteção contra o estigma da escra-
ram com os setores dominantes da vidão (Ianni, 1966).
sociedade, com as autoridades civis A partir de pesquisas de cam-
e os agentes religiosos variaram ao po realizadas desde os anos 1950,
longo do tempo e do espaço, dando Maria de Lourdes Borges Ribeiro
lugar a histórias locais únicas. verificou a existência do jongo em
Histórias de continuidade quase numerosos municípios do Sudeste.2
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 23

nadas. O processo foi desencadeado tas, integra-se a projetos sociais de e tantos outros. Animava as noites
pelos descendentes de antigos jon- organizações não-governamentais festivas com a dança à luz da foguei-
gueiros com o apoio de animadores e à ação político-cultural de movi- ra, a reunião de parentes e vizinhos,
culturais e dos movimentos sociais. mentos negros. Despontam novas a argúcia na criação e na decifração
Eles afirmam o valor propriamen- lideranças jongueiras, geralmente de versos enigmáticos, a bebida e a
te cultural da tradição de seus an- assumidas por homens jovens, em comida compartilhadas.
cestrais, arregimentam familiares contraste com os antigos “donos do Era no caxambu que os escra-
e vizinhos e levam o jongo a novos jongo”, quase sempre idosos res- vos faziam o comentário ferino, mas
espaços públicos. Para garantir a peitados, guardiões dos tambores, disfarçado, do comportamento de
continuidade dos grupos, adotam e com as “mães”, “tias” e “vós” que, seus supervisores e senhores. “Nes-
medidas para transmitir aos jovens em gerações anteriores, foram “do- se contexto, os jongos eram cantos
os conhecimentos que receberam e nas do tambu”. de protesto, subjugado, mas resis-
desenvolveram. Entre as estratégias Memória coletivamente culti- tente”, observou Stein (1985:207).3
de reprodução desses conhecimen- vada dos tempos do “cativeiro” e da Ali foram se organizando, ao longo
tos estão a formação de grupos mi- abolição – temas recorrentes nos do tempo, relatos da experiência
rins e de escolas de jongo, além das cantos dos jongueiros –, testemu- da escravidão e da abolição, mesmo
apresentações em escolas e em festi- nho da criação cultural de escravos quando a grande maioria dos jon-
vais de cultura. A articulação entre e de homens livres negros, o jongo gos, por serem improvisados, não
grupos jongueiros e movimentos foi noticiado ao longo de todo o sé- se cristalizavam a ponto de serem os
sociais, especialmente os que con- culo 20, na região Sudeste. Cons- cantos repetidos e transmitidos de
gregam a população negra, também tituía, como ainda constitui em boca em boca. Independentemente
contribui para tornar o jongo algumas comunidades, divertimen- disso, caxambu, jongo e tambor es-
significativo como forma de expres- to associado à devoção aos santos do tão associados à lembrança de que os
são contemporânea. Atualmen- período junino, aos oragos locais, a antepassados foram escravos e que,
te o jongo atrai estudantes e artis- São Benedito, Santa Luzia, São José apesar de privados da liberdade,
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 24

sue lle n , war l ey e


j ohnatan . tamb o r e s d o
jongo da s e r rin h a .
foto: F ranc i s c o da
Costa.

PÁGINA Ao lad o
D etal h e d e C onjunto d e
Jong o , A rt e s anato d e
Idalina C o s ta Bar r o s ,
de tau bat é (S P ) . Ac e rvo
do Mus e u d e Fol c l o r e
Ed ison car n e i r o .
foto: F ranc i s c o da
C osta .

abolição. Os plantadores de café ti- do e cantado por descendentes de


nham de adquirir escravos em outras jongueiros ou recriado por músicos
regiões do Brasil ou recém-chegados e dançarinos profissionais, traz à
da África (ver Mattos e Rios, 2005, tona a discussão sobre as possibili-
a respeito das peculiaridades da me- dades de conservação de formas de
mória da escravidão no Vale do Pa- expressão tradicionais como práti-
raíba). cas vivas e significativas. Integran-
Além de favorecer o cultivo de do-se ao mercado de espetáculos
uma memória da escravidão e da afro-brasileiros e à ação política lo-
abolição, os cantos – chamados de cal de comunidades negras, o jongo
pontos – são continuamente cria- responde a desafios análogos aos
dos e transformados, referindo- que se apresentam para os herdei-
se também ao presente imediato, ros de outras formas de expressão
mantiveram um espaço de expres- freqüentemente em tom crítico e tradicionais.
são própria que escapava ao contro- mordaz: tanto choram o “tempo do
le senhorial. Vários indivíduos das cativeiro” como riem do “mensa-
comunidades visitadas se reconhe- lão”.4
cem como descendentes de escravos Folcloristas, historiadores e
e, alguns deles, como descendentes etnomusicólogos documentaram
de africanos. Há cantos que falam o jongo quase sempre em cidades
disso: são textos que organizam uma pequenas, ocasionalmente em al-
parcela da memória da escravidão gumas áreas rurais, e na cidade do
no Sudeste. Nessa região, as gran- Rio de Janeiro. Sua visibilidade na
des propriedades dependeram do cena cultural contemporânea desta
trabalho escravo até às vésperas da cidade e de outras capitais, dança-
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 25

panha a dança, em vários locais. Em como um todo, o nome do tambor


Miracema e em Santo Antônio de maior – angona, caxambu ou tam-
Pádua (RJ), a palavra generalizou- bu.
se e designa a forma de expressão Já a palavra jongo pode desig-
em sua totalidade, envolvendo can- nar, mais restritamente, a expressão
DIVERSIDADE to, dança, festa. Segundo Maria de vocal associada à dança e ao evento
Lourdes B. Ribeiro, caxambu é tan- festivo. Cantar ou “tirar” um jongo
E UNIDADE to o instrumento membranofone é sinônimo de cantar ou “tirar” um
quanto a dança, em Minas Gerais. ponto. Atualmente, parece haver
Analogamente, tambor (e tam- preferência pela denominação ge-
bu) é o nome de um dos tambores nérica caxambu no norte fluminen-
que acompanha a dança. Faz par se, enquanto na região sul do estado
com o candongueiro, este de me- do Rio e em São Paulo (incluindo
Sobre o vocabulário nores dimensões. Na Fazenda São a capital), jongo é mais freqüente
José da Serra (RJ), por exemplo, como termo genérico.
Tambor, tambu, angona, ca- o tambu é um dos dois tambores Segundo Claudionor Paulino
xambu e jongo são palavras que têm do conjunto instrumental e tam- de Jesus, o Nonô, de Santo An-
mais de um significado. No ní- bém toda a dança. Os três termos tônio de Pádua (RJ), “a diferença
vel genérico, designam a totalidade – caxambu, jongo e tambu – alter- entre jongo e caxambu é que jongo
da forma de expressão e o próprio nam-se na fala dos moradores desse é a queda que a gente tira para can-
evento em que ocorre. Em ou- local. Em Areias (SP), o jongo era tar, não é? É a música que tira para
tro nível, têm acepções específicas. chamado também de angona, nome poder cantar, para poder debater,
Assim, caxambu é o nome dado ao dado ao tambor maior do conjun- comandar um com o outro” [entre-
tambor de maiores dimensões do to. A tendência, pois, é de gene- vista aos pesquisadores do INRC].
conjunto instrumental que acom- ralizar, para a forma de expressão Segundo Antônio Farias Tomás
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 26

Tadeu, Bruno, Rodrigo


e Klauss: tocadores de
tambor da Associação
Quilombola de
Tamandaré, no 11 o
Encontro de Jongueiros.
foto : F ranc i s c o da
Co s ta.

P Á G I NA Ao lad o
M ulh e r to ca tamb u
d u rant e apr e s entaç ã o
d e ca xamb u em Santo
A n t ônio d e P â d ua (R J ) , em
1 9 7 6 . foto : J o s é M o r ei r a
F ra d e .

sadores na primeira metade do sé-


culo 20: catambá no litoral sul do Es-
pírito Santo, bate-caixa em São Bento
do Sapucaí (SP), bendenguê (RJ) e co-
rimá (SP) (ver Ribeiro, 1984:17).
Atualmente, a modalidade vocal
do jongo não ocorre em separado da
dança, senão raramente, nas con-
versas e brincadeiras entre jonguei-
ros. Sabemos, graças à reconstrução
histórica do jongo nas fazendas de
café da região de Vassouras, en-
tre 1850 e 1900, que o jongo podia
(Nico), também de Santo Antô- ra o pessoal diz: “vamos dançar um ser cantado a qualquer hora, como
nio de Pádua, “ele passa a ser jongo tambu, vamos fazer um tambu. Mas passatempo durante o trabalho na
depois que se ajunta tudo. Porque dançar mesmo é a dança do caxam- plantação, por exemplo.
o caxambu é o começo, é juntando bu. Palavra antiga: dançar o tam- No amplo terreiro próximo às
todo mundo. Aí o jongo, quando bu. A palavra antiga da comunida- senzalas, eles [os escravos] jogavam
começa o desafio de um para outro, de é dançar o tambu: ‘hoje vai ter água sobre suas cabeças e rostos,
e as outras pessoas formam o coral, tambu’. Cantar é cantar o jongo. umedecendo e esfregando braços,
aí já se diz jongo. (...) O caxambu O jongo é o canto durante o tam- pernas e tornozelos. Os retardatá-
é completo, com as peças todas.” bu” [entrevista a pesquisadores da rios apareciam na porta das senzalas
Segundo Antônio Fernandes do Unirio]. murmurando o jongo que haviam
Nascimento (Toninho Canecão), Outras denominações locais da composto e que satirizava o supervi-
no Quilombo de São José da Ser- dança foram registradas por pesqui- sor tocando o sino:
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 27

Esse diabo de bembo çar com dois ou três tambores e essa senso entre os estudiosos quanto às
Não tenho tempo de abotoar minha camisa, ocasião de divertimento era chamada propostas de etimologia do vocabu-
esse diabo de bembo de caxambu. lário jongueiro.
(Stein, 1985:161).5 O vocabulário do jongo se ca- Segundo Nei Lopes (2003:123),
racteriza pela presença importan- jongo deriva do vocábulo umbun-
Os descendentes desses trabalha- te de palavras originárias de línguas do onjongo, que designa uma dança
dores forneceram a Stein informa- bantu (angoma, caxambu, jongo, dos ovimbundos. O antropólogo
ções valiosas sobre o jongo cantado tambu, cumba, zambi, ganazam- Fernando Ortiz documentou, em
em meio à faina nos cafezais. O líder bi, guaiá) e de noções e valores que Cuba, formas cantadas, rituais, en-
de uma turma de lavradores lança- se relacionam com os das popula- tre grupos congos. Eram destinadas
va um canto, que era também uma ções africanas e afro-americanas: a “enkangar” (da palavra congue-
charada, conforme todos percebiam. reverência aos mortos; uso mágico sa nkanga, que significa amarrar) ou
Ele cantava o primeiro verso e o res- da palavra cantada e da metáfora, à preparar um feitiço de “amarre”,
tante de sua turma cantava em coro o qual se atribuem forças que atu- quer dizer, que sujeite a vontade
segundo verso. O líder da turma vi- am sobre os vivos e sobre as coisas; de uma pessoa ou espírito (Or-
zinha tentava decifrar o enigma can- crença na possessão por divindades tiz, 1985:61). Essa idéia de enfei-
tando e sua turma o acompanhava. e espíritos ancestrais, que deve ser tiçar por meio de versos cantados
Stein acrescenta: os jongos cantados evitada no jongo, mas produzida que “amarram” está presente nas
em línguas africanas eram chamados em rituais religiosos da umbanda; várias comunidades jongueiras da
quimzumba; os cantados em português, preferência pelas formas de canto atualidade. Diz-se que o jongo fica
mais comuns à medida que dimi- e dança “dialogais” (Ortiz, 1985), “amarrado” quando um jonguei-
nuía o número dos velhos africanos com alternância ou entrelaçamento ro lança um ponto que ninguém
na força de trabalho, visaria (Stein, de solistas e grupos; polirritmia de consegue compreender. Desatar um
1985:162).6 Nos sábados à noite, tambores de tamanhos e tipos di- ponto, conseqüentemente, é des-
os escravos reuniam-se para dan- ferentes. Entretanto, não há con- lindar seu sentido.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 28

t e s tan d o a afinaç ã o
d o s tamb o r e s . j ong o d e
pinh ei r al .
foto : eli zab e t h
t r ava s s o s .

A palavra angona (e as varian- puíta é o tambor-de-fricção usa- desse autor). Um dos pontos que
tes angoma e ingoma) aparece fre- do pelas comunidades jongueiras o pesquisador registrou em Areias
qüentemente no texto de cantigas. de Miracema e de Santo Antônio diz:
De acordo com Nei Lopes, deriva de Pádua. Foi noticiado nos jongos
do termo multilingüístico ngoma, paulistas com os nomes de boi ou Papai era negro da Costa,
tambor, das línguas quimbundo ou onça (Ribeiro, 1984:19-20). Puíta, mamãi era nega banguela,
quicongo (2003:29). por sua vez, tem origem no quim- papai começô gostá de mamãi,
bundo (Lopes, 2003: 179). foi e casô cum ela
Saravá meu candongueiro, De acordo com o etnomusicó- (Araújo, 1964:203).
Saravá angoma-puíta, logo Gehrard Kubik (1990), ntambu
Salve caxambu, é o nome de um tambor em Ango- Os moradores do Quilombo de
Saravá jongueiro, la. É ainda Kubik (1990) que rela- São José da Serra, no município de
ciona candongueiro – nome de um Valença (RJ), forneceram infor-
diz parte do ponto cantado na Ser- dos tambores do jongo no Brasil – a mações relevantes sobre a origem
rinha. kaunjangera, dança que documentou de seus ancestrais às historiadoras
na Província de Huíla (Angola). Hebe Mattos e Ana Maria Lugão
Tava dormindo A presença de vocabulário afri- Rios (Mattos e Rios, 2005). O se-
Angoma me chamou cano no jongo foi fartamente noti- nhor Manoel Seabra, octogená-
Disse levanta povo ciada. Vários jongueiros consulta- rio, e sua irmã Zeferina Nascimen-
Cativeiro se acabou, dos por Alceu Maynard Araújo nos to, falecida em 2003, contaram
anos 1940, com mais de 60 anos que seus pais nasceram na própria
cantam jongueiros de vários locais, na ocasião, contaram que seus pais fazenda e que os avós paternos ali
entre eles os de Piquete. eram africanos ou, mais especifica- chegaram adquiridos como escra-
mente, angolanos (mas não há ge- vos. O pai, ventre livre, chegou
Angoma-puíta ou simplesmente nealogias detalhadas nos trabalhos à fazenda quando ainda era bebê
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 29

manoe l Se abra d anç a no


qu ilom bo de S ão José d a
S err a ( RJ)
foto: G a br ie la Barros
M our a.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 30

tamb o r e s da c om unida d e
d e tamanda r é ( rj) .
foto : F ranci s c o da
C o s ta .

página ao lad o
e s tanda rt e da
c om unida d e j ongu ei ra
d e s ã o mat e u s ( e s ) .
ac e rvo d o mu s e u d e
Fo lc lo r e e di s on
c a r nei r o .
foto : F ranc i s c o da
Co s ta.

de colo, tendo sido comprado da Estes exemplos confirmam que No meu tempo de cativeiro
Bahia juntamente com seus pró- em torno da dança organizam- Negro apanhava do Senhor
prios pais, um africano e uma baia- se, há tempos, memórias familia- Rezava à Santa Maria
na. Segundo Manoel Seabra, este res que remontam à escravidão e à Liberdade meu pai Xangô
avô paterno era da nação cabin- libertação, à chegada nas lavouras
da. Os avós maternos, por sua vez, cafeeiras de africanos e seus descen- [cantado por jongueiro de Guara-
nasceram ventre livres na fazen- dentes, vindos de vários lugares da tinguetá].
da. As historiadoras observam que África e do Brasil:
a memória de dona Zeferina situa Oi negro, que tá fazendo
três gerações ascendentes a partir No dia 13 de maio Oi, na fazenda do senhor?
de suas relações com a escravidão e Quando o senhor me batia Sinhozinho mandou embora
o território da fazenda: os avós que Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus Pra quê que negro voltou?
foram cativos, os pais ventre livres, Quando a pancada doía.
e sua própria geração de cidadãos Dia treze de maio
nascidos livres. [cantado por Claudionor, do ca- Cativeiro acabou
Dona Nair Porfírio, nascida xambu de Santo Antônio de Pá- E os escravos gritavam
em 1907 em Piquete, conta que seu dua]. Liberdade, senhor!
pai Geraldino Porfírio veio meni-
no de São Luís do Maranhão, como Oi bota fogo na senzala [cantado pelos jongueiros do Qui-
escravo roubado, para trabalhar na Onde negro apanhou lombo de São José da Serra].
lavoura de café. Continuou a traba-
lhar na mesma fazenda após a abo- [cantado pelo jongo de Angra dos Reis].
lição. Em sua casa, os jongueiros Meu cativeiro, meu cativerá (bis)
festejavam o 13 de Maio (ver Gou- Trabalha nego, não quer trabalhar
vêa, 2005).
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 31

Contextos de apresentação outro faz outra. Andava por essas


costas tudo. Dançava em Paraty,
As festas de santos padroeiros, as dançava no Frade. Mas eu me alem-
do período junino, de Nossa Se- bro muito de jongo, eu vendo o
nhora do Rosário e Santa Rita, as de tambor batendo (...) toda a minha
algumas divindades afro-brasileiras, vida” [entrevista a pesquisadores do
como Iemanjá e os Pretos-velhos, as INRC].
comemorações do Dia do Trabalho
(1º de maio), da Abolição (13 de Desde 1996 realiza-se anual-
maio) e do Dia da Consciência Ne- mente o Encontro de Jongueiros.
gra (20 de novembro), bem como os Trata-se de uma espécie de festival
aniversários de pessoas importantes itinerante, sediado a cada ano por
das comunidades, são ocasiões que um grupo, em sua cidade. Até o
mobilizam os jongueiros para cantar Embora as datas festivas tenham momento têm participado jonguei-
e dançar. Eles se apresentam tam- sido sempre as mais propícias à ros dos estados do Rio de Janeiro
bém em festejos promovidos pela dança, a roda de jongueiros podia e de São Paulo, mas a tendência é
administração pública e por organi- se formar em qualquer dia, se- de se agregarem, progressivamente,
zações da sociedade civil. Às vezes, o gundo Tia Luíza (Maria Luiza do outros grupos. Durante um ou dois
grupo de uma localidade convida os Rosário), de Angra dos Reis: dias consecutivos, as comunidades
jongueiros da comunidade vizinha se reúnem para discutir suas dife-
para sua festa. Como o jongo é dan- “Não tinha hora, nem dia certo rentes perspectivas sobre a tradição
çado em locais abertos – terreiros na para acontecer, dava vontade (...). jongueira, seus problemas, suas
proximidade das residências, praças O dia que dava, era esse dia mesmo estratégias e esperanças. Além disso,
públicas – atrai assistentes que não (...). Chegava de noite, um fazia sempre dançam à noite, em um
dançam e não são jongueiros. uma fogueira, uma faz uma coisa, logradouro público, e cada grupo se
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 32

To d o s o s olh a r e s s e
voltam par a a r o da d e
jo ngo no 1 1 o Enc on t r o d e
J ongu ei r o s , em 2 0 0 6 .
foto : F ranc i s c o da
C o s ta .

página ao la d o
De talh e d e C onj unto d e
J ongo , A rt e s anato d e
I dalina C o s ta Bar r o s ,
d e tau bat é (SP ) . Ac e rvo
d o M u s e u d e Folc l o r e
Ed i s on car n e i r o .
foto : F ranc i s c o da
C o s ta .
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 33

apresenta por um período determi- Caxambu, jongo e tambor são jongo; f) as reverências aos ances-
nado. criações originais das populações trais jongueiros e, algumas vezes,
O primeiro encontro aconte- negras do Sudeste. Elas apresentam aos tambores, com eles identifica-
ceu em 1996, em Santo Antônio de alguns traços comuns quanto aos dos. Nos parágrafos seguintes será
Pádua (RJ), idealizado por Hélio modos de atuação e significados, abordado cada um dos itens separa-
Machado, admirador do jongo e que fundamentaram a decisão de damente, à exceção dos pontos, aos
professor do campus avançado da registrá-las como uma forma de quais se dedica um outro capítulo.
Universidade Federal Fluminense expressão una: a) a formação dos Essa separação é apenas um artifício
(UFF) naquela cidade. Desde o V participantes numa roda animada de exposição, uma vez que nenhum
Encontro, realizado no ano 2000, por pelo menos dois tambores de aspecto existe isoladamente dos
passaram a fazer parte da progra- tamanhos diferentes; b) os solos demais.
mação do evento, além das rodas coreográficos de indivíduos ou de
de jongo, debates sobre temas de casais, geralmente no centro da
interesse dos grupos e oficinas para roda; c) as várias formas de alter-
intercâmbio de conhecimentos e nância entre um solista (homem ou
experiências. Os encontros atraem mulher) que puxa o ponto e o coro
pesquisadores, artistas e estudantes. dos dançarinos que o repete, na ín-
A partir deles surgiu o movimen- tegra ou parcialmente, ou que canta
to chamado Rede de Memória do um estribilho; d) os pontos, geral-
Jongo, que tem por objetivo estrei- mente improvisados, que consti-
tar os laços de solidariedade entre tuem enigmas a serem decifrados
comunidades praticantes, criar e por outros solistas; e) as narrativas
fortalecer canais que favoreçam a sobre os efeitos extraordinários
articulação entre jongueiros e entre produzidos por pontos não deci-
estes e a sociedade em geral. 7 frados ou pelo poder que emana do
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 34

Pa r s oli s ta no jo ngo da
Se r r in h a.
foto : F ranc i s c o da
C o s ta .

P Á G I NA Ao lad o
tamb o r d o quilo mb o d e
s ã o j o s é da s e r ra.
foto : gab r i ela bar r o s
mou ra.


Modos de dançar Os movimentos da dança Assim sucedem-se os dançarinos,


também são variados. O jongo da em entradas e saídas coordenadas
Cada um dos traços enumera- Serrinha consolidou uma seqüência por eles mesmos, com movimentos
dos anteriormente é elaborado de de passos bastante característica. Os e expressões faciais e pela percepção
maneira diferente pelas comunida- dançarinos movem-se em círculo coletiva da duração adequada de
des jongueiras. Portanto, há varia- até que dois deles se dirigem ao cada exibição. É possível que se trate
ções que fogem à possibilidade de centro da roda, espontaneamente, do mesmo jongo de corte – em que
registro. Observa-se, com relação onde executam um solo coreográfi- o jongueiro que quer dançar “cor-
à formação para a dança, que os co. Fazem-no até que outro inte- ta” ou interrompe um dos que estão
percussionistas ficam próximos da grante da roda substitua uma das no centro da roda para tomar-lhe
roda ou dela fazem parte. Tocam pessoas do par solista, aproximan- o lugar – ou jongo carioca, que a
os instrumentos sentados ou de pé, do-se com movimentos graciosos. pesquisadora Maria de Lourdes
dependendo dos tipos e das di- B. Ribeiro contrasta com o jongo
mensões dos tambores, bem como de roda, sem par solista, e com o
das condições do espaço da festa ou jongo paulista, onde vários casais
apresentação. No jongo de Lagoi- dançam ao mesmo tempo (Ribeiro,
nha, porém – como no de Cunha e, 1984:11-12).
antigamente, nos de Bananal, São A comunidade da Serrinha é a
José do Barreiro e outras localida- única a realizar sistematicamente o
des do Vale do Paraíba paulista –, passo denominado tabeá, descrito
os percussionistas ocupam o centro por Edir Gandra (1995): o dança-
da roda. Às vezes a roda gira no rino pisa o chão com o calcanhar do
sentido anti-horário, outras vezes pé direito, em seguida repousa toda
os participantes dançam e cantam a planta do pé no chão, exatamente
numa roda que permanece parada. no tempo forte do compasso; com
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 35

este apoio, dá um pequeno impulso Em alguns grupos de caxambu e No jongo de Piquete, tal como
para prosseguir (Gandra, 1995:68). jongo atuais não há umbigadas. No se apresenta atualmente, o cantor
Os dançarinos andam em círculo tambor do Quilombo de São José solista dança no centro da roda,
na cadência do tabeá, cantando e da Serra e no jongo de Guaratin- sozinho ou convocando outros para
batendo palmas, e os solistas tam- guetá, os participantes dançam na substituí-lo.
bém se dirigem ao centro da roda roda sem sair do lugar, cantando e Não há descrição verbal, en-
executando o passo. Ao dançar um batendo palmas. Os solistas ocupam tretanto, que dê conta da graça e
defronte ao outro, os dois solistas o centro da roda aos pares e ali se da originalidade com que se exi-
aproximam-se para dar a umbigada alternam de maneira espontânea. bem diversos solistas, as mulheres
e logo se afastam um do outro com Ao se aproximarem em passos rit- girando as saias, os homens fazendo
um giro do corpo. mados pela música, os dois solistas, variações a partir dos movimentos
A umbigada é um gesto coreo- que se defrontam, giram ligeira- básicos. Algumas exibições indivi-
gráfico em que dois dançarinos se mente o corpo à esquerda ao levar dualizadas podem acontecer fora
aproximam e, erguendo os braços e a perna direita à frente, para logo da roda, se a festa estiver animada.
inclinando o torso para trás, encos- apoiar o corpo sobre o pé direito. Aliás, um dos aspectos destaca-
tam ou quase encostam seus umbi- É como se quisessem encostar seus dos na literatura é precisamente
gos. Ela ocorre ao longo da exibição respectivos joelhos. Logo que o pé a inventividade corporal dos jon-
do par de solistas, quando da troca direito se apóia no chão, o corpo gueiros.
de par ou nas entradas e saídas da do dançarino é impulsionado e ele
roda. Esse elemento coreográfi- dá passos de recuo girando sobre
co de provável origem na região si mesmo e afastando-se do par. A
do antigo reino do Congo liga o dança consiste, pois, num contínuo
jongo à grande família das danças ir-e-vir ao centro da roda, e em
de umbigada proposta por Edison aproximações e afastamentos coor-
Carneiro (1982). denados dos solistas.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 36

A nt ôni o F e rnand e s d o
nas c ime nto , o Toninh o
Cane c ã o , d o quilo mb o
d e Sã o J o s é da S e r ra (R J ) .
foto : T h iago Aquino .

P Á G I NA Ao lad o
A n to ni o far ias tomás
d o ca xamb u d e santo
an t ôni o d e pád ua .
foto : T h iago Aquino .

Modos de cantar alternância, o ponto cantado in- Nem todos os integrantes de gru-
tegralmente pelo solista é repetido pos jongueiros participam como
Do mesmo modo como na também na íntegra pelo coro; outra solistas e poucos deles improvisam
dança os participantes ocupam ora possibilidade é o coro não repetir pontos. As habilidades de dizer
o centro, como solistas, ora a roda, as palavras do ponto, mas cantar a pontos novos ficaram mais restritas,
como partes de um conjunto, no mesma melodia com sílabas como na atualidade, o que resulta numa
canto também há alternância entre lê-lê-lê-lê; outra, ainda, é o ponto tendência à fixação de um repertó-
indivíduo e grupo. Quem canta ou ser apresentado na íntegra pelo rio conhecido e memorizado pelo
diz o ponto é sempre um indivíduo, solista e, daí em diante, nas repe- grupo. Em alguns casos, a própria
logo seguido pelos participan- tições, ser dividido em duas par- função de cantor(a) solista é exerci-
tes, que respondem em uníssono. tes, sendo a primeira cantada pelo da por apenas duas ou três pessoas
Numa das formas habituais de solista, a segunda pelo coro. da comunidade, que se revezam,
enquanto os demais participam do
coro e da dança. Entretanto, há
lugares como Lagoinha (SP) em que
a improvisação de pontos ainda é a
regra.
As apresentações em logra-
douros públicos – clubes, escolas,
centros culturais, praças – cada vez
mais freqüentes, impõem o uso de
amplificação sonora para os tam-
bores e, principalmente, para os
solistas. Alguns grupos fazem uso,
então, de dois microfones, um para
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 37

o solista que puxa o ponto, outro que os tambores e a dança cessam. Amarrar e desamarrar
para um cantor que responde ao Às vezes o ponto cessa sem a inter-
solista e orienta, assim, o restante jeição. Logo, o mesmo solista vai Estreitamente ligados ao canto,
do grupo. tirar outro ponto ou será substitu- os poderes do jongueiro se exercem
O ponto improvisado se parece ído na função. Acontece também por meio de pontos que contêm
às vezes com um recitativo ad libitum de o solista se dirigir ao grupo e à enigmas e podem ser usados em
num modo vocal intermediário assistência com um discurso de lou- “demandas”. São chamados pontos
entre a fala e o canto. Enquanto vação aos santos, agradecimentos e de demanda aqueles cantos exe-
o solista entoa seu ponto, os tam- saudação aos presentes e aos ausen- cutados “na intenção de desafio,
bores não soam. Muitas vezes o tes. Por isso, diz-se que o jongueiro crítica, rixa ou encante” (Gandra,
solista lança o ponto gesticulando vai rezar, lançar, jogar, soltar ou 1995:70).
de modo intenso, o corpo ligei- atirar o ponto (Ribeiro, 1984:24). Batuques, tambores e jongos
ramente curvado e um dos braços Onde a improvisação de pontos não são ritos de liturgias, mas estão
erguido, movimentando-se com deixou de ser praticada, consoli- associados, de diversas maneiras,
passos largos na proximidade dos dou-se um repertório de cantigas à umbanda (Ribeiro, 1984; Gan-
tambores. Quando seu ponto chega que o grupo canta habitualmente. dra, 1995, Cavalcanti, 1985). Os
ao fim – para ser então repetido Isso aconteceu no Quilombo de São jongueiros explicam que jongo e
por ele mesmo em diálogo com o José da Serra, em Quissamã, em umbanda são próximos, mas não se
coro –, os tambores entram e, com Piquete e outros locais. Na Serri- confundem. O respeito aos inte-
eles, tem início a dança. Repete- nha foram consagrados os jongos grantes mais velhos de cada grupo
se o ponto até que o solista grite da tradição oral do Vale do Paraíba e, especialmente, aos jongueiros velhos
“machado!” (interjeição usada pelos e dos morros do Rio de Janeiro, falecidos, sempre lembrados nas
grupos do Estado do Rio de Janei- com acréscimos atribuídos a autores rodas, é um indício de afiliação
ro) ou “cachoeira!” (comum nos individualizados. dessa forma de expressão a sistemas
grupos do Estado de São Paulo), ao de crenças de origem banta.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 38

Ao lado
Tia Ma ria , do j ong o da
Se r r inh a.
foto: Fr ancisco d a
C o s ta.

A b aixo
M ã e Zef erina, do
qu ilo mbo de São José d a
S e r r a.
foto: Fr anci sco d a
Co s ta .

Muitos praticantes do jongo são Quando um grupo começa a canta o pessoal do Quilombo de
fiéis da umbanda e algumas líderes dançar, é comum o(a) solista puxar São José da Serra.
de comunidades jongueiras são ou um ponto de reverência a Nossa Se-
foram mães-de-santo: Maria Joana nhora do Rosário, a São Benedito Essa saudação inicial, com-
Monteiro, na Serrinha, Mãe Zefe- ou simplesmente a Deus. preendida pelos jongueiros como
rina, no Quilombo de São José da um pedido de licença – e que
Serra, dona Aparecida Ratinho, no Bendito, louvado seja pode incluir vivas a Deus, a Maria
caxambu de Miracema. Entretanto, É o Rosário de Maria, Santíssima e a todas as coisas – é
como explicaram, o caxambu não se Bendito pra Santo Antônio mencionada por vários etnógrafos
destina à incorporação das enti- Bendito pra São João do jongo (Gandra, 1995; Ribeiro,
dades e só por descuido ocorrerá a Senhora Sant’Ana 1984). Um jongueiro de Apareci-
possessão de algum dançarino. Saravá meus irmãos da do Norte (SP) disse a Maria de
Lourdes B. Ribeiro que qualquer
cantam jongueiros da Serrinha na jongueiro pode fazer a oração de
abertura de suas apresentações. abertura, que exerce uma força
protetora: “Se ele saravô assim,
Peço licença a Deus lastreô, ninguém pode mais com
Nesta terra que eu piso ele, ninguém põe ponto em cima
Nesta terra que eu piso, dele, todas as forças são dele” [sic]
(1984:50). Do mesmo modo, o
cantam os de Pinheiral no início de jongo pode ser finalizado com um
suas apresentações. “louvado seja Deus!”, seguido da
resposta “para sempre seja louva-
Saravá São Benedito do!”. Edir Gandra também men-
Nossa Senhora do Rosário, ciona os ritos de abertura do jongo
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 39

Tonin h o Cane c ã o , na
Faze n d a S ã o J o s é da
Serra .
foto : F ranc i s c o da
C osta.

– pontos cantados em louvação de jongo começar, em geral ao abri- jongo é sua conexão sistemática
santos ou entidades, pedidos de go dos observadores externos. Eles com a umbanda, dada pela lingua-
licença para começar a dança – e de são dedicados a entidades – pretos gem (o termo ponto só é usado com
encerramento – pontos de despedi- velhos, cativos falecidos – e recebem o significado de canto nesse contex-
da (Gandra, 1995:72). oferendas na forma de comida e to), pelo repertório vocal (alguns
Segundo Tia Luíza, de Angra bebida. pontos de jongo são conhecidos em
dos Reis, convém ao jongueiro Trata-se, segundo depoimento terreiros de umbanda e vice-ver-
cantar um ponto pedindo licença de moradora do Quilombo de São sa)8, pelo uso dos mesmos tambo-
aos mais velhos da roda. Ela exem- José da Serra, de ações destinadas a res e pela própria filiação religiosa
plifica: “firmá-los” para que possam tocar dos participantes, a maioria deles
sem chamar as entidades. Um dos fiéis das religiões afro-brasileiras.
cheguei na angoma fenômenos mais característicos do Daí a necessidade de se negociarem
tinha muita diferença constantemente as fronteiras entre
quero cantar meu pontinho jongo e umbanda.
e meus pais velhos dão licença Maria de Lourdes B. Ribeiro
definiu o jongo como “arte ope-
[cantado em entrevista aos pesqui- ratória de magia” (1984:12), tal
sadores do INRC]. a importância dos relatos sobre o
poder mágico dos pontos cantados,
Assim que a dança começa, capazes de produzir efeitos extra-
alguns participantes se ajoelham ordinários. Antônio Fernandes
diante dos tambores e fazem o sinal do Nascimento, conhecido como
da cruz. Edir Gandra menciona Toninho Canecão, conta que o som
ritos especialmente endereçados dos tambores mudava, ficava “rou-
aos tambores, executados antes de o co”, sob efeito do canto de algum
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 40

R o da d e J ongo d e
Tamanda r é , em
G uar at ingu e tá, int e r i o r
d e S ã o pau lo .
foto : F ranci s c o da
Co s ta.

feitiços tantas vezes mencionados


na tradição oral dos jongueiros são
coisa do passado. Mesmo quando
o ceticismo prevalece, os jonguei-
ros contam os eventos atribuídos a
seus antepassados, tais como fazer
crescer uma bananeira numa noite,
fazer cair um rival que não foi capaz
de decifrar um ponto, e assim por
diante. Mestre Darcy do Jongo
narrava na abertura de suas apre-
sentações:

jongueiro: Então, se acontecer um fato des- “(...) [os antigos jongueiros] fa-
se, ele sabe desfazer aquilo. (...) ziam nascer bananeiras que após se-
“(...) eles amarram o tambu, Por isso, quando a gente sai com o rem germinadas davam frutos como
amarram o som do tambu. Existe tambu, tem que pedir autorização por encantamento. Era espetada
isso. Amarrando o som do tambu, para minha mãe porque já vai com uma faca no caule dessa bananeira,
então todas as pessoas que estão segurança. Ninguém pega tambu e de onde jorrava vinho, segundo a
participando da dança, quando sai batendo por aí porque (...) “tem história. São fatos que eu não vi e
saem (...) ficam passando mal, mironga”. Mironga é o segredo. minha mãe também não viu, então
doentes... É por isso que a che- [Toninho Canecão, em entrevista a eu chamo de lenda. Mas a gente
fe [do tambu] é umbandista, uma pesquisadores da Unirio]. continua a respeitar muito essa
pessoa que mexe com trabalho dança devido a ser uma das mais
e entende de espiritismo. (...) Ouve-se dizer também que os profundas manifestações da cultura
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 41

aprese ntação de
c ax am bu na p r aça
públic a de mi racema (r j)
1 9 97.
foto: ri cardo g omes
lima .

negra do Brasil. É uma dança em Seu Juca, José Gomes de Mo- como o uso constante de provérbios
que todos participam. Pertence raes, de Barra do Piraí, contou que e metáforas – que representam a pa-
à linha dos pretos-velhos. Para a viu “um cara ficar abraçado a um pé lavra dos ancestrais – assim como os
gente cantar, tem que benzer estes de couve desde umas duas e meia da desafios em que se lançam enigmas,
tambores que são como semideuses” madrugada até no outro dia, mais como foi registrado entre os povos
[gravação em vídeo realizada por ou menos 10 horas da manhã”. bantus Tonga e N’gola. Outro traço
Bianca Brandão, Cecília Mendonça Sérgio Belarmino, líder do do pensamento tradicional africa-
e Luisa Pitanga, em 2000]. grupo de jongo Filhos de Angola, no presente no jongo é a idéia de
de Barra do Piraí (RJ), contou que que a palavra proferida com inten-
Conta Tia Luíza, de Angra antes de iniciar a roda os partici- ção, e ritmada pelos tambores, põe
dos Reis, que um jongueiro pode pantes rezam um Pai Nosso para “as em movimento forças latentes do
cantar assim para se proteger contra pessoas que já morreram” porque mundo espiritual, fazendo aconte-
o “quebranto” e o “mau-olhado” “eles morrem, mas o espírito deles cer coisas. Conta-se que os pontos
lançados por feiticeiros: fica rodando ali” [entrevistas aos dos jongueiros de outrora tinham
pesquisadores do INRC]. o poder de fazer crescer bananeiras
Quando eu aqui cheguei Paulo Dias refere-se aos jon- nos quintais. São as mirongas, os
Padre, Filho, Espírito Santo gueiros como “feiticeiros da pala- segredos dos jongueiros – feiticeiros
Se eu me benzer primeiro vra”, expressão que sintetiza com da palavra (Dias, 2003:4).”
Por causa de algum quebranto. muita propriedade o que singulari-
Um quebranto, za o jongo no complexo de formas O folclorista Alceu Maynard
Se eu me benzer primeiro afro-brasileiras. Diz o pesquisador: Araújo (1964) registrou o modo
Por causa de algum quebranto como Augusto Rita, líder do jongo
“A linguagem figurada do jongo em Cunha nos anos 1940, iniciou
[cantado em entrevista a pesquisa- e o desafio através de enigmas re- uma roda. Tirou o chapéu, ajoe-
dores do INRC]. lacionam-se com práticas africanas lhou-se e persignou-se. Deu alguns
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 42

Tambor e s d o jo ngo d e
são mat e u s ( e s ) .
foto: fr anc i s c o da
costa.

toques no tambu, outro tocador Conjuntos instrumentais Os tambores podem ser, basica-
respondeu no candongueiro. mente, de três tipos. Os de tronco
Apoiou então a mão sobre o instru- Os tipos e o número de instru- escavado, cobertos com pele de
mento, ergueu o braço e gritou: mentos e o modo de combiná-los animal presa por pregos, são fabri-
variam de grupo para grupo na área cados artesanalmente nos núcleos
Viva as almas... jongueira. Nos conjuntos obser- jongueiros. Conforme conta Antô-
Viva São Binidito... vados durante o inventário, são nio Fernandes do Nascimento, do
Viva o Santo Cruzeiro... usados basicamente instrumentos Quilombo de São José da Serra:
Viva São José... membranofones (tambores e puí-
Viva nosso padroêro... tas), de tamanhos e tipos diversos. “(...) [o negro velho] fazia uma
Viva as autoridade... Além desses, aparecem também picada pra dentro da mata e ia procu-
Viva o povo de Cunha... uma vara de madeira que percute o rar a madeira, não é? Aí encontrando
Viva a padroêra.... corpo de um dos tambores (em uso a madeira ele queimava, ele cortava a
(Araújo, 1964:214). no jongo de Pinheiral), um choca- tora e queimava o miolo para esculpir
lho (no jongo de Tamandaré) e um através do fogo, e ia apagando a borda
O mesmo autor, pesquisando em tambor de madeira (caixote percu- dele em volta com um pano molha-
São Luís do Paraitinga, registrou as tido com duas baquetas de madeira, do. Levava às vezes até seis meses para
“rezas” dos líderes jongueiros antes de no grupo de Angra dos Reis). fazer o tambor. Terminava de fazer,
dançar, algumas misturando locuções Geralmente, o tambor maior, ele promovia uma festa na região e
em língua africana e frases em portu- denominado tambu ou caxambu convidava outro jongueiro de fora
guês. 9 Da mesma forma, é comum exerce a função de solista do con- para participar da roda do jongo, não
os jongueiros iniciarem suas apresen- junto, isto é, nele é executado não é? Aí vinha outro jongueiro de fora,
tações, atualmente, com saudações às somente um ostinato de base, como era apresentado o tambor” [Toninho
divindades e aos presentes. no candongueiro ou nos demais Canecão, em entrevista aos pesquisa-
tambores, mas também variações. dores da Unirio].
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 43

Tamb o r e s s ã o afinad o s
na fo gu ei r a.
foto : T h iago Aquino .

Alguns desses tambores de


tronco oco são centenários e vêm
sendo transmitidos como heran-
ça dentro da comunidade. A pele
deste tipo de tambor é distendida
pelo calor, por isso eles são colo-
cados próximos a uma fogueira. Os
percussionistas podem umedecer o
couro com cachaça durante o pro-
cesso de aquecimento, até atingir a
afinação desejada.
Um outro tipo é aquele em que
a membrana é presa por um sistema
de cordas fixadas a um anel de metal friccionar a haste interna. Têm tronco escavado e de fabrico in-
que abraça o corpo do tambor. É aproximadamente 40 cm de diâme- dustrial. Nessa localidade aparece
afinado mediante a pressão exerci- tro. As menores, apoiadas sobre os um pequeno chocalho de lata, com
da por cunhas de madeira sobre as joelhos do percussionista, têm cerca punho, tocado por um dos inte-
cordas e sobre o anel. Há também o de 25 cm de diâmetro. grantes. Outro grupo de Tamanda-
de fabricação industrial cujas mem- O grupo do Quilombo de São ré, ligado à Associação Quilombo-
branas são presas por um sistema de José da Serra se apresenta com dois la, levou quatro tambores para sua
canoas e parafusos. tambores de tronco escavado, de- exibição.
As puítas grandes são apoiadas nominados tambu e candongueiro. O conjunto de Santo Antônio
no chão e seguradas entre as pernas O jongo de Tamandaré, por de Pádua incluía, na mesma ocasião,
do tocador, que se debruça sobre a sua vez, costuma se apresentar com cinco tambores dos três tipos assina-
extremidade aberta do tambor para um número maior de tambores, de lados acima e uma puíta grande.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 44

Ao lad o e A bai xo
Tamb o r e s d o Ca xam b u d e
Santo An t ô ni o d e Pád ua
(R J ) , no 8 o Enc o nt r o d e
J ong u ei r o s , em 2 0 0 3 .
foto : T h iago Aquino .

O caxambu de Miracema apre- candongueiro, o chocalho angóia,


senta dois tambores afinados a fogo, feito de lata, em formato de caneca
dois tambores afinados por sistema com alça, e o “raríssimo cordofô-
de cunhas e duas puítas, uma grave nico urucungo” (1964:203) que
e uma aguda. O jongo da Serrinha nenhum outro autor menciona em
se apresenta com três tambores conexão com o jongo e do qual não
afinados por parafusos. O grupo se tem notícia entre os grupos atu-
de Angra dos Reis usa dois tambo- ais. O tambu é o tambor de tronco
res com afinação a parafuso, um escavado, com uma das extremida-
caixote de madeira tocado com duas des revestida por pele de animal.
baquetas e um tambor afinado por O tambor menor, candonguei-
cunhas, mais grave, como solis- ro, tinha o formato de cálice, em
ta, isto é, que realiza variações no Areias e outros locais de São Pau-
padrão rítmico-melódico básico, na primeira metade do século 20, lo. Os tambores são encostados no
executado em ostinato. O jongo de diversos conjuntos constituídos por chão e presos ao corpo dos instru-
Pinheiral usa dois tambores, um dois tambores, chamados tambu mentistas por correias de couro.
grave solista e um agudo acompa- e candongueiro, um tambor-de- Foi registrada a denominação
nhador. No corpo do tambor grave fricção chamado puíta e um cho- quinzengue dada ao tambor em for-
é percutida uma vara de madeira calho empunhado geralmente pelo ma de cálice. Trata-se do mesmo
por um percussionista (mulher ou cantor. Alceu Maynard Araújo tambor usado no batuque paulista,
homem que se posiciona de pé ao documentou os seguintes conjuntos que Gehrard Kubik aproxima de
lado dos tambores). O grupo de Pi- instrumentais do jongo. Em Areias um instrumento morfologicamente
quete inclui três tambores afinados (SP), o conjunto era constituído idêntico, de Moçambique, embora
a parafuso. por dois tambores de tronco escava- o nome quinjengue ou quinzengue
Os pesquisadores registraram, do e dimensões diferentes, tambu e seja angolano.
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 45

M e s t r e Or o zimb o
c om cand ogu ei r o e
tamb u . Apr e s en ta ç ã o
d e cax amb u em Santo
An t ôni o d e Pád ua, 1 9 7 6.
foto : J o s é M o r ei r a
F ra d e .

Em Taubaté, o conjunto era de diâmetro, uma das extremidades par (grande e pequeno); caxam-
composto pelos dois tambores mais coberta por um couro. O tocador bu, viajante e candongueiro (ao trio de
a angóia: “uma cestinha de bambu, colocava o instrumento entre os tambores grande, médio e peque-
toda fechada, tendo numa parte um joelhos e mantinha a seu lado uma no). Maria de Lourdes registrou
pedaço de folha-de-flandres. Den- cabaça com água para molhar o ainda Maria, papai, angoma, trovoada,
tro há pedrinhas e contas de rosário pano com o qual friccionava a haste papai-velho e chibante, para o tambor
de capiá. Tem uma pequena alça interna da puíta. Além dos tam- grande, e mexeriqueiro e mancadô, para
por onde é segurado” (1964:204). bores, aparecia ainda o guaiá, um o pequeno (1984: 21).
Os participantes, entretanto, con- chocalho de lata com alça. Pesquisando no município de
taram ao pesquisador que sentiam Maria de Lourdes B. Ribeiro Vassouras nos anos 1940, Stanley
falta da puíta. documentou quatro tipos de cho- Stein obteve as seguintes informa-
Em Cunha, o conjunto era calho, chamados guaiá, inguaiá, angoiá ções referentes à instrumentação da
composto de três ou quatro tambo- ou anguaiá: o de cestinha de taqua-
res, chamados angona, candonguei- ra trançada (semelhante ao caxixi
ro e tambu, mais cadete ou guzun- integrado ao berimbau), de lata de
ga. Os três primeiros, de grandes goiabada com alça lateral, de cone
dimensões (mais de um metro de de lata com cabo, de cilindro de
altura o primeiro), os tocadores lata ou de dois cones de lata unidos,
deitavam-nos no chão e sentavam- todos cheios de seixos ou chumbo
se a cavalo sobre os instrumentos (1984:20).
para percutir suas peles. O tambor Foram registrados nos diversos
menor era carregado pelo tocador. trabalhos sobre jongo outros nomes
Além deles, havia também puíta, dados aos tambores: pai João e pai
tambor de fricção de cerca de 30 Toco ao tambor maior; Joana, ao
cm de comprimento, 15 ou 20 cm pequeno; caçununga e estrelinho, ao
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 46

R o da d e j ongo
d e Tamanda r é em
apr e s enta ç ã o no
1 1 o Enc o n t r o d e
J ongu ei r o s , em 2 0 0 6 .
foto : F ranci s c o da
C o s ta .

dança do caxambu na região, entre


1850 e 1900. Com base em relatos
orais e algumas observações diretas
dos poucos caxambus que ainda
ocorriam em Vassouras, naquela
época, soube que havia um “casal”
de tambores, chamados caxambu e
candongueiro, aos quais se somava,
eventualmente, um terceiro tambor
chamado chamador. Os instrumen-
tistas ficavam de um dos lados da
fogueira acesa. No outro lado,

“(...) sentavam-se os negros ve-


lhos, geralmente africanos, a quem
um ex-escravo chamou a macota
(“gente da África, gente sabida”).
Supervisionando a sessão, estava o
rei do caxambu algumas vezes acompa-
nhado por sua rainha. Somente rei e
rainha tinham nguizu presos aos pu-
nhos e tornozelos, que produziam
um acompanhamento à percussão
dos tambores quando eles dança-
vam” (Stein, 1985:205-6). 10
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 47

“ CON J UNTO DE JONG O ”


DE IDA L I NA DA COSTA
BA RROS. ACERVO DO MUSEU
d e Fol c lo r e EDI SON
C A R NEI RO.
foto : fr anc i s c o da
c o s ta.

É o único documento que men- guir de celebrações como caxambu gada no Brasil, numa faixa que se
ciona um tipo de chocalho (guizos) e jongo. estende do litoral do Maranhão ao
preso às pernas dos dançarinos, A relação entre as formas de São Paulo. Apoiando-se em re-
além de fornecer a valiosa informa- históricas e as atuais se baseia em gistros oitocentistas produzidos por
ção acerca da existência dos papéis indícios tais como a disposição dos viajantes portugueses – os relatos do
de rei e rainha do caxambu. dançarinos (ora em roda, como explorador Alfredo de Sarmento e
no caxambu, ora em fileiras que dos militares Hermenegildo Ca-
*** se defrontam, uma masculina, pelo e Roberto Ivens –, Carneiro
outra feminina, como no batu- propôs, ainda, a tese de um vínculo
As formas de expressão aqui que), a umbigada, o canto ao som genético entre as danças de umbi-
registradas estão ligadas, prova- de palmas e dos tambores. Edison gada no Brasil e os batuques teste-
velmente, aos antigos “batuques” Carneiro listou as danças de umbi- munhados na região de Angola e do
mencionados pelos administrado-
res coloniais e cronistas do Brasil
Colônia e Império (ver Carneiro,
1984; Tinhorão, 1990 e 1991; Reis,
2001 e 2002, entre outros). A
palavra batuque era usada de ma-
neira genérica e imprecisa pelos
observadores externos sempre que
se deparavam com dança e canto ao
som de tambores. Por isso, o termo
pode esconder referências a rituais
religiosos afro-brasileiros que os
administradores não sabiam distin-
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 48

gI L BERTO AUGUSTO D A
S I LVA . jONGO DE P IQUETE.
foto : FR A NC I SCO da
COSTA .

Congo. Ali os viajantes viram tanto síveis conexões com outras formas
a dança em roda, com umbigada espalhadas pelo território nacional.
do par solista, como a dança em Contudo, a documentação disponí-
fileiras opostas. Carneiro inclinou- vel a partir das primeiras décadas do
se, pois, pela idéia de expressões século 20, apesar de suas lacunas,
artísticas bantu-descendentes, o é unânime quanto à relevância do
que encontra reforço nas conexões jongo na vida social de numero-
sistemáticas entre jongo e um- sas comunidades. Ele é, além de
banda, nas evidências de culto dos testemunha eloqüente dos percalços
ancestrais, nos enigmas cantados. na constituição de uma memória
Até o momento os estudos não de descendentes de escravos, um
permitem ir muito além das su- instrumento contemporâneo para
posições desse pesquisador, que a elaboração de identidades sociais
acentuam mais a unidade formal do positivas dessa população.
que a heterogeneidade das danças,
sem falar das seguidas metamorfo-
ses por que passaram e continuam
passando, ao longo do tempo, e que
implicam em novos significados que
lhes são continuamente atribuídos.
É possível que investigações futuras
venham esclarecer a nebulosa his-
tória dos elementos que propicia-
ram a consolidação dessa forma de
expressão no Sudeste e suas pos-
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 49

Reis (Estado do Rio de Janeiro), a região abaxo de santo cruzêro, saravá santo que
compreendida entre Carmo da Cachoeira me troxe, debaxo do santo que me troxe,
e Passa Quatro (Estado de Minas Gerais) e saravo galo por galo, pequeno por pequeno
no litoral sul do Estado do Espírito Santo que seja, saravo dono das casa, saravo fes-
(ver Ribeiro, 1984:13). têro, saravo tudo im geralmente” (Araújo,
3.“In this context, jongos were songs of 1964:223).
protest, subdued but enduring.” 10.“Supervising the whole session,
notas 4.Ficou conhecido como “mensalão” o was the ‘king (rei) of caxambu’ someti-
pagamento recebido ilegalmente por par- mes joined by his ‘queen’. On wrists and
lamentares e que foi objeto de investigação ankles king and queen alone wore nguizu
ao longo de praticamente todo o ano de which produced an accompaniment to the
2006. O jongo cantado pela comunidade drumbeats when they danced. Participants
de Angra dos Reis diz: “Oi, minha gente/ walked first to greet the king and kissed his
Nosso Brasil é tão bom/ Quem tá estragan- hand. Then. the king began the caxam-
do ele/ É esse tal de mensalão”. bu. Dressed in what one ex-slave called a
1.“In municipal regulations, first of 5.“At the large faucet near the senzallas, red flannel outfit and hat bearing a cross,
1831 and later in 1838, 15 planters attemp- they splashed water over their heads and the king entered the dancing circle (roda)
ted to restrict such occasions, which they faces, moistening and rubbing arms, legs, and, approaching the drums reverently,
grouped under the heading of ‘dances and and ankles. Tardy slaves might appear at the knelt with bowed head and greeted them.
candombes,’ to slaves belonging to one door of senzallas muttering the slave-com- Arising, he sang the two lines of his jongo
fazenda lest the meeting afford opportuni- posed jongo which mocked the overseer riddle, the drummers swung into the batida,
ty to ‘organize occult societies, apparently ringing the bell: ‘That devil of a bembo while assembled slaves repeated the refrain,
religious, but always dangerous, by the taunted me / No time to button my shirt, clapped hands, and entered the dancing
ease with which some clever Negro may that devil of a bembo.’” circle” (Stein, 1985:205).
use them for sinister ends.’ Yet planters 6.“Jongos sung in African tongues were
also realized that slaves needed diversion, called quimzumba; those in Portuguese, more
that ‘it is barbarous and unreasonable to common as older Africans diminished in
deprive the man who toils from morning the labor force, visaría.”
to night...’ from amusing himself, and that 7.Datas e locais de realização dos
‘Africans in general deeply enjoy certain Encontros de Jongueiros: 1996 – Santo
amusements’” (este e outros trechos de Antônio de Pádua (RJ); 1997 – Miracema
Stein citados adiante foram traduzidos por (RJ); 1998 – Santo Antônio de Pádua;
Elizabeth Travassos). 1999 – Rio de Janeiro; 2000 – Angra dos
2.São eles: Cunha, Caçapava, Ilha- Reis (RJ); 2001 – Valença (RJ); 2002
bela, Salesópolis, São José dos Campos, – Pinheiral (RJ); 2003 – Guaratinguetá
Votuporanga, Caraguatatuba, Lorena, (SP); 2004 – Rio de Janeiro; 2005 – San-
Miracatu, Piraçununga, Redenção da Ser- to Antônio de Pádua; 2006 – Valença.
ra, Taubaté, Iguape, Ubatuba, Pindamo- 8.“Beira-Mar” e “Deixa angoma
nhangaba, Areias, Lagoinha, São José do melhorar”, por exemplo, são cantados
Barreiro, Bananal, Queluz, Silveiras, Ca- em terreiros de umbanda no Rio, com
choeira Paulista, Piquete, Guaratinguetá, variações.
Aparecida, Jacareí e São Luis do Paraitinga 9.“Primeiramente saravá Guananzam-
(Estado de São Paulo), Rezende, Barra ba, Guananzamba do céu, abaxo de Gua-
Mansa, Volta Redonda, Barra do Piraí, Pi- nanzamba, saravá santo por santo, abaxo
nheiral, Arrozal, Piraí, Parati e Angra dos de santo por santo, saravá santo cruzêro,
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 50

os pontos
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 51

R oda de j ong o
d e Taman da ré e m
aprese ntação no
1 1 o Encon tro de
J ongue i ros, e m 2006.

VOZ ENTRE
foto: Fr anci sco d a
C osta.

RITMOS E
MOVIMENTOS

O jongo tem um dizer e dois entender um ponto. Lançado por um indi- outra linha rítmica. A duração
Gilberto Augusto víduo, homem ou mulher, e escu- desse ponto cantado é imprevisível,
(Jongo de Piquete) tado pelos circunstantes, incluindo pois está relacionada com o sentido
os percussionistas, o recitativo se que adquire naquelas circunstân-
É assim que [os jongueiros] rezam seus transforma, quando vai chegando cias e com o ânimo do grupo. Pode
pontos diante de nós, que somos os seus sara- ao fim, num canto curto: pode ser ser, por exemplo, uma louvação
vados, e tudo vemos, registramos e ignoramos. um dístico em que um dos versos aos santos ou um pedido de licença
Maria de Lourdes Borges Ribeiro, é repetido, ou um terceto, às vezes para cantar, o que é freqüente nos
O jongo uma quadra. Os tambores começam momentos iniciais da celebração.
então a soar, impondo um arca- Se for uma provocação velada a um
bouço rítmico-métrico firme ao outro jongueiro da roda ou uma

C hama-se ponto a expressão vocal


do jongo.1 Só muito raramente
ela ocorre fora das rodas de caxam-
canto e incitando os participantes
à dança. Quem está na roda en-
tra em um diálogo cantado com o
charada proposta aos demais poderá
se estender até que alguém venha
calar os tambores com os gritos de
bu ou tambor e, nestes contextos solista, ora repetindo o ponto que “machado!” ou “cachoeira!”. Se
ritualizados e festivos, a expressão ele cantou, na íntegra ou em parte, alguém for referido de maneira
vocal é indissociável da sonoridade ora entoando uma segunda parte, satírica, responderá com a mesma
dos instrumentos e dos movimentos ou ainda engajando-se em alguma verve; se alguém matar a charada,
dos dançarinos. outra forma de alternância com o irá cantar sua interpretação, isto
O ponto de jongo, ou simples- solista. é, desatar o ponto em voz alta, na
mente o jongo, pode ser lançado O canto dialogado prossegue proximidade dos tambores. Se nin-
pelo solista como uma espécie de enquanto o pessoal da roda dança guém puder fazê-lo, o canto conti-
recitativo, numa modalidade vocal ao som dos tambores e, às vezes, de nua e o jongo fica amarrado.
próxima da fala. Diz-se, aliás, que palmas coletivas que acrescentam à Trata-se, portanto, de um
o jongueiro reza um ponto ou tira sonoridade dos instrumentos uma longo colóquio, com exibições de
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 52

P Á G I NA Ao lad o
Dilz e t e Pe r ei r a c om
e s tan da rt e d e S ã o
B en e di to d o J ongo d e
S ã o Mat e u s (ES ) .
foto : F ranci s c o da
C o s ta.

argúcia, debates entre solistas que com responsório em uníssono dos memória dos participantes. Esse
se sucedem junto aos tambores e demais dançarinos. Assim, pre- recitativo improvisado – semelhante
diálogos continuados entre solistas viamente fixados, alguns pontos se ao que Mário de Andrade descre-
e coro. Numa roda que acaba de se repetem nas exibições de diversos veu detalhadamente na análise do
formar, quem dá início aos pontos grupos, com pouca ou nenhuma “samba-rural paulista” (Andrade,
geralmente ocupa uma posição de margem para os recitativos improvi- 1991[1937]) – é seguido imediata-
destaque no grupo, seja por sua sados. Além disso, são cada vez mais mente pela parte propriamente can-
idade e respeitabilidade, seja por raros os núcleos onde ainda vivem tada. Logo que o solista apresenta a
sua capacidade de liderança. vários jongueiros da velha cepa, que parte cantada do ponto, os tambo-
Nas festas e apresentações atuais tanto lançam pontos cifrados como res convocam a dança do grupo. A
é comum a amplificação da voz que sabem que estão ouvindo um ponto recitação improvisada faz-se acom-
propõe o ponto e que se desloca até cifrado quando ele é lançado. panhar de movimentação corporal
as proximidades dos tambores para Ainda assim são observados, na expressiva do solista. Alguns acom-
cantar ao microfone. Em alguns atualidade, os dois tipos de pontos: panham com o chocalho guaiá.
grupos, vários pontos executados 1. O que começa como o reci- 2. O segundo tipo é o ponto
consecutivamente assumem um de- tativo de métrica livre e estilo vocal não improvisado. O solista começa
senho melódico muito semelhante, próximo da fala e é tirado de im- sua atuação cantando um ponto do
embora as palavras do canto variem. proviso por um jongueiro para dar repertório de seu grupo ou do re-
É claro que em apresentações início à apresentação de seu grupo, pertório compartilhado por vários
nas quais o controle do tempo pedir licença a Deus e aos santos, grupos jongueiros. Geralmente
escapa aos grupos – em shows ou louvar colegas e anfitriões, comen- canta o ponto todo uma vez, sem os
festivais – a tendência é os grupos tar situações do momento. Um tambores, os quais entram quando
lançarem mão de um repertório de novo ponto pode surgir, de im- tem início a primeira repetição.
pontos conhecidos e memoriza- proviso, nesse momento, mas nada É quando o coro entra também e
dos que são cantados por solistas, permite prever se ele será retido na começa o jogo de alternância entre
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 53

solista e coro. próprios jongueiros, que conside- Primeiro que sai daqui
Ambas as modalidades de ram ponto tudo o que se manifesta Vamos saravar terreiro
expressão vocal foram assinaladas vocalmente no caxambu ou tambor. Com Deus e a Virgem Maria
pelos estudiosos. Veja-se a descrição As diferenças que eles reconhecem
de Maria de Lourdes B. Ribeiro: entre os pontos dizem respeito não Coro - O li lê lê lê lê...
ao modo de interpretação vocal,
“O primeiro [ponto falado] mas sim às funções e efeitos dos cantam os jongueiros de Pinheiral
é uma louvação, uma saudação, jongos. Há, pois, uma tipologia dos para dar início à dança.
um saravá, menos cantado do que pontos que é largamente conhecida
declamado em melopéia [...] De nas comunidades jongueiras. Os Tia Maria Luíza, de Angra
longe em longe, uma pancada surda pontos são classificados, de acordo dos Reis, rememora um canto de
no tambu lastreia as palavras do com a função que desempenham, os abertura da roda destinado a pedir
cantador, que vai saravando, que efeitos que produzem e as relações a proteção de Deus contra algum
vai invocando, e faz todo o círculo, que criam entre os participantes, quebranto:
meio abaixado, quase de joelhos, em dois grandes grupos básicos:
até o ponto de partida. E fecha a pontos de visaria e pontos de guru- Quando eu aqui cheguei
saudação.” (Ribeiro, 1984:11) menta (gromenta ou ingoromenta). Padre Filho, Espírito Santo
Os pontos de visaria ou bizarria Se eu me benzer primeiro
Segundo Alceu Maynard Araú- são cantados para louvar entidades, Por causa de algum quebranto
jo (1964:223), antes de cantar, o pedir licença, contar e comentar Um quebranto,
dono dos instrumentos faz a reza, fatos do cotidiano, alegrar e animar Se eu me benzer primeiro
uma abertura falada com certa for- os dançarinos, dar a despedida, ao Por causa de algum quebranto.
malidade, um pedido de licença. fim da roda.
Mas esta distinção entre recita- Feitos os ritos de abertura, seguem-
tivo e canto não é relevante para os Solista - Padre, Filho, Espírito Santo se pontos de visaria. Assim cantam
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Tamb o r da c omunid a d e
r e mane s c ent e d e
quil omb ola s d e Santa
Ri ta d o Br ac u í , em Ang r a
d o s R ei s (R J ) .
foto : Ri ta Gama.

em pontos de demanda ou porfia,


isto é, de desafio à inteligência dos
participantes, que devem decifrar
os enigmas das letras; de gurumen-
ta propriamente dita, ou seja, que
provocam e atiçam rixas entre os
participantes; e os de encante, que
produzem efeitos mágicos.
Na maioria dos núcleos jon-
gueiros, contudo, fala-se basica-
mente de visaria – que pode, even-
tualmente, render “uma pequena
disputa, para experimentar a ‘força
os jongueiros de Barra do Piraí, de pedido de licença e louvação, da cabeça’ do adversário” (Araú-
por exemplo: endereçados aos santos, às entidades jo, 1964:222) – e de gurumenta
da umbanda, às almas dos jonguei- – quando reina a competição entre
Solista – Na minha fazenda ros velhos e aos anfitriões da festa, os jongueiros afamados, chama-
Tem um boi que sabe ler os jongueiros da Serrinha subdivi- dos de galos. Os mais respeitados e
Na minha fazenda dem o grupo da visaria em pontos temidos pelo poder mágico de seus
Tem um boi que sabe ler de louvação, saudação e despedida pontos são chamados cumbas, isto é,
(Gandra, 1995). feiticeiros.2
Coro – Mas se você não acredita Já os pontos de demanda, guru- Homens e mulheres atuam
‘Cê vai lá que você vê menta ou gromenta prestam-se ao como solistas. Alguns jovens tam-
desafio e têm poderes de “encan- bém cantam pontos do repertório.
Em função das prescrições rituais te”. Na Serrinha, são subdivididos Hoje, as crianças dançam e há até a
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enigmas e magia

formação de grupos mirins, embora


a maioria dos testemunhos assegure
que essa é uma novidade. Antiga-
gueira” e que consiste no canto de
um ponto pedindo ao “Senhor da
pedreira” que abençoe tanto o fogo
a raújo (1964:214) define ponto
como “pergunta versificada,
cantada” – definição corroborada
mente, as crianças apenas ouviam e como as pessoas da comunidade: pelos jongueiros entre os quais reali-
viam o jongo, mas não entravam na zou sua pesquisa. Um deles, na cida-
roda. Em Taubaté, Araújo docu- Solista – Ah, eu fui no mato de de Cunha (SP), acrescentou que,
mentou o seguinte ponto, cantado Buscar a lenha “em quimbanda ou magia negra”,
por uma mulher: Eu passei na cachoeira ponto era sinônimo de feitiçaria.
Molhei a mão Araújo registrou vários enigmas lan-
Mi chamaru di Maria çados por jongueiros e suas respecti-
Maria num queru sê Solista e coro – Senhor da pedreira vas interpretações. Mas nem sempre
Maria padeci muito Benze essa fogueira os jongueiros dão explicações acerca
Eu num quero padecê Depois da fogueira dos jongos que cantaram e que não
(1964:201). Abençoa todos os irmãos. foram desamarrados nas rodas.
Os enigmas são formulados a
O mais interessante é que o fol- partir de substituições do sentido
clorista ouviu, na mesma ocasião, próprio das palavras. Um dos mais
comentários masculinos na roda, citados na literatura sobre o jongo,
estranhando o fato de uma mulher ainda cantado por vários grupos,
tirar pontos. Portanto, é possível diz: “Com tanto pau no mato/ Em-
que em alguns lugares os galos e baúva é coronel”. Foram registradas
cumbas tenham sido homens. variantes, como: “Tanto pau de lei/
No Quilombo de São José da que tem no mato/ embaúva é coro-
Serra, os jongueiros realizam um nel”. Trata-se de uma crítica à auto-
rito denominado “bênção da fo- ridade local, equiparada à embaúva,
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Tia M a ria canta jun to


com pe r c u s si onis tas d o
j ong o da S e r rin ha .
foto: F ranc i s c o da
C osta.

madeira oca e de pouca serventia. criança. E adverte para o risco de Resposta – Cotovelo de paio véio eu mufina
“Com tanta gente boa, logo esse co- um participante pouco experiente ele debaixo de minha camunga.
manda!”, cantam os jongueiros em lançar um ponto que poderá ser Pergunta – Puruque macumbi subiu na serra e
sua linguagem metafórica. interpretado como gurumenta: marimbá roncô?
É também Araújo que descreve: Resposta – Culpa mboare.
“Se eles vissem uma pessoa, Pergunta – Qual é o pássaro que passô no
“Qualquer pessoa pode cantar um minutinho, sair da rinha, eles rungo, travessô calunga sem cabeça?
desatando o ponto. [...] Geral- olhavam lá a pessoa, espera. Ia lá Resposta – Na sexta-feira da paixão eu mufi-
mente ficam porfiando somente no tambor, batia e cantava aquele na este passo debaixo de minha camunga
dois jongueiros e cada qual procura ponto. Se a pessoa não soubesse (Andrade, 1989:273).
cantar coisas mais difíceis de serem responder, ficava todo enrolado. O
desatadas. Os pontos são sempre negócio do ponto no jongo é assim, Embora a anotação não esclare-
feitos de improviso. Num Jongo por acaso eu, nem ela e nem outro ça se havia dança concomitante, e
logo aparecem os dois jongueiros não pode botar um ponto de jongo, tampouco o modo como se sucediam
que se destacam e põem a porfiar. nunca a gente sabe se vai estar me- as perguntas e respostas, o autor
Ao jongueiro vencedor assiste o xendo com alguém [risos]. Tem que acrescentou um glossário que traduz
direito de tomar posse dos ins- saber que a gente não está mexendo as palavras isoladas – obscuras tanto
trumentos do adversário que não com alguém” [entrevista aos pes- por serem estrangeiras como por seu
conseguiu desatar seus pontos e, quisadores do INRC]. uso figurativo. Ainda segundo o re-
portanto, foi derrotado”. colhedor, pai véio é o pinheiro; coto-
(1964: 215). Mário de Andrade registrou um velo de pai veio é o nó de pinho; mufinar
jongo recolhido pelo poeta Dantas é cozinhar, camunga é panela, macumbi,
Tia Maria Luiza, de Angra dos Mota em Minas Gerais, em 1944: veado, marimbá é coração, mboare,
Reis, rememora as provocações Pergunta – Pai véio já morreu faz cem anos,/ cachorro, rungo é navio, calunga, mar.
que ocorriam no jongo quando era puruque cotovelo de pai taí memo? O “pássaro” que passou no “run-
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go” e atravessou o mar sem cabeça é filho de papai – candongueiro ponto como
o bacalhau, que será cozinhado na macota – feitiço
Sexta-feira da Paixão3. O interesse papai – tambu Eu nunca vi tanta barata
da anotação reside no registro de um reinado – terreiro Eu nunca vi tanta barata, senhora dona
debate cujo sentido escapava a quem saia – couro do tambu Pega no chinelo e mata,
não conhecia as palavras africanas serenar – dançar
nem os sentidos a elas atribuídos no (Ribeiro, 1984: 30-31). cantado por jongueiros da Ser-
contexto do jongo. rinha, sugere uma antiga crítica
Maria de Lourdes B. Ribeiro Mais recentemente, Paulo Dias ou brincadeira endereçada a seres
também apresenta um glossário reconheceu outras substituições humanos.
elaborado a partir de suas pesqui- sistemáticas que ocultam o sentido Há pontos para comunicar
sas, confirmando a idéia de que as do ponto para quem não conhe- jocosamente ao anfitrião que os
metáforas do jongo cristalizam-se ce o código. Burro, por exemplo, jongueiros desejam comer e beber
e se convertem num vocabulário designa o escravo e a substituição alguma coisa. Em Angra dos Reis,
cifrado. Eis alguns dos termos do é motivada pelo atributo comum Tia Maria Luiza recorda:
seu glossário: de resistência para o trabalho. Nos
pontos cantados atualmente como Zé, ô Zé, ô Zé
água – pinga parte dos repertórios de visaria, Saco vazio não se põe em pé,
andorinha – mulher entoados para divertimento, são ô Zé, ô Zé, saco vazio não se põe em pé.
areia – pessoa antiga no lugar tão freqüentes as aproximações
boi da guia – principal entre o domínio social de um lado E ainda:
chuva – dinheiro ou pinga e o natural de outro, que se pode
couro de boi – tambu perguntar se não se trata de antigos Tanta chuva que choveu
cumbi – sol enigmas: versos cujo cunho meta- Na goteira não pingou
galo – jongueiro fórico deixou de ser acionado. Um Tanta chuva que choveu,
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Na goteira não pingou iam levando a vida, mas sem comu- zendas e a posse de qualquer arma,
Não pingou, não pingou, nicar com os de fora. Eles usavam a obscuridade de sentido obtida
Tanta chuva que choveu, os pontos para defesa e para des- com figuras de linguagem e palavras
Na goteira não pingou cobrir os problemas da vida que estrangeiras era um recurso político
[entrevista aos pesquisadores do estavam acontecendo com o outro. dos escravos nas fazendas (ver Stein,
INRC]. [...] existe jongo para que, quan- 1985).
do os negros apanhavam, na época Esse uso estratégico de falas
A linguagem obscura do jongo da escravatura, eles reclamavam, se obscuras, durante a escravidão,
é associada, por todas as comuni- juntavam uns aos outros, a única com o objetivo de favorecer uma
dades visitadas, às necessidades de maneira deles se manifestar era comunicação secreta entre escra-
os antigos escravos se comunicarem quando pegava as sobras da fazen- vos, é ressaltado pelos jongueiros
sem que seus senhores compreen- da, botava o tacho, aí o caxambu do presente. Entretanto, ele não
dessem o que falavam. Essa é uma era feito em roda, botava o tacho, é dissociado dos poderes mágicos
das dimensões mais relevantes da pegava os restos que sobrava da... atribuídos aos mesmos pontos e
memória dos jongueiros: a liberdade da lingüiça, das coisas... fazia aque- que se voltavam, segundo os rela-
de expressão conquistada por seus la sopa, aquele sopão, botava todos tos, contra outros jongueiros. As
antepassados, nas condições mais os negros pra dançar em volta” histórias de amarração do jongo
adversas, graças à sábia manipulação [Nico Thomaz, responsável pelo ca- perpassam todos os depoimentos e
das palavras. xambu de Santo Antônio de Pádua, não se localizam exclusivamente no
“Os escravos eram presos em em entrevista aos pesquisadores do “tempo do cativeiro”.
senzala e só comunicavam um com INRC]. Tio Juca, de Barra do Piraí,
o outro, com mais ninguém. E contou que viu “um cara ficar
quando eles queriam dançar, cantar Sob a vigilância de capatazes e abraçado com um pé de couve desde
seu jongo, se reuniam na senzala e senhores que interditavam a comu- umas duas e meia da madrugada
faziam suas brincadeiras. E assim nicação com escravos de outras fa- até noutro dia, mais ou menos dez
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P ÁGINA Ao lado
A p resen tação de
ca xam bu e m San to
A ntô nio de P ádua ( RJ),
e m 1976: José Fo nsec a
toca o c andong ue iro,
J osé R eze nde, o tambu

notas
e Vardevino Fé li x,
a ang oma -p uíta.
Ao ce ntro, Mestre
O roz im bo M ac iel.
Foto: José More ir a
F ra de.

horas da manhã”. Sérgio Belarmi- perigosos. Contaram a Maria de 1.Observa-se que, com sentido pró-
no, do mesmo lugar, contou um Lourdes B. Ribeiro um enfren- ximo a esse, a palavra ponto é usada apenas
pelos umbandistas e designa os cantos
fato ocorrido com outro jongueiro: tamento de feiticeiros no jongo dirigidos às entidades. No contexto da
“Ele falou comigo lá em Ipiabas que de Lagoinha. Um deles encheu a umbanda, porém, os pontos podem ser
ele dormiu no pé de uma bana- boca de pinga e borrifou nos olhos também expressões gráficas – são os pontos
neira que eu fui obrigado a achar do filho do outro, que imediata- riscados que representam entidades.
graça”. A vítima do encantamento mente ficou cego. O outro apagou 2.Lopes (2003:86) afirma que cumba
é palavra quicongo, que significa “rugir”
contou também que chegou na roda algumas brasas da fogueira numa ou “fato miraculoso, prodígio”.
“desfazendo do Caxambu” – daí o caneca com água do rio e soprou 3.Nei Lopes duvida de várias explica-
resultado nefasto. as cinzas sobre o homem que havia ções do glossário e propõe outras, alter-
A história do jongo narrada pe- sido atingido. Perguntado sobre o nativas. Macumbi, segundo ele, pode ser
los jongueiros é repleta de casos de que havia naquela pinga, respondeu o sol (do quimbundo kumbi) ou gafanhotos
(do quioco makumbi). Marimba é um peixe
perda de voz, perda de consciência, que estava temperada, com palavra: (Lopes, 2003: 133 e 142).
desmaios, quedas e noites dormidas “Só palavra. Não precisa mais nada”
junto à bananeira, às vezes acar- (Ribeiro, 1984:55).
retadas pelo não cumprimento da
obrigação de respeito devido aos
tambores e aos mais velhos. Destes,
diz-se que jogavam para o alto o
cinto que se transformava em cobra
ao cair no chão, e jogavam para o
alto o chapéu que se transforma-
va num gavião e bicava a cobra. O
encontro de cumbas era o momen-
to em que os pontos se tornavam
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Critérios de seleção nância entre solista e coro. Geral-


mente a resposta coral só tem início
Canto e dança ao som dos após uma primeira apresentação
tambores, o jongo é mais facil- integral do ponto pelo solista. Em
mente registrado em documentos seguida, o canto é repetido tantas
audiovisuais do que por meio da vezes quanto o grupo quer, en-
partituras escrita. Com essa ressalva, apresen- cerrando-se aos poucos com uma
ta-se aqui uma pequena coleção de diminuição gradual das vozes até
pontos cantados pelas comunidades a interrupção dos tambores. Ou o
praticantes do caxambu e do jongo ponto é repetido até que o próprio
que permite apreciar alguns aspec- solista o encerra com a interjei-
tos, passíveis de representação grá- ção “machado!” (ou “cachoeira!”).
fica, dessa forma poético-musical. Foram escritas também as linhas das
A escolha dos pontos desta pequena palmas e, no caso do jongo de Pi-
antologia apresentada no livro obe- nheiral, a batida da vara que percu-
deceu aos seguintes critérios. te o corpo do tambor maior.
1. Representar todas as comu- As partituras incluídas neste
nidades visitadas e contatadas na livro são como fotografias instan-
pesquisa que antecedeu o registro, tâneas de apresentações localizadas,
elegendo pelo menos dois pontos específicas. Pois a cada interpreta-
de cada uma delas. É preciso subli- ção de um ponto, tanto os solistas
nhar que os repertórios cantados como os coros recompõem as pala-
por cada comunidade são muito vras e o traçado melódico-rítmico.
mais extensos.
2. Privilegiar os pontos que cada
um dos grupos canta regulamente e
que são identificados como inte-
grantes do repertório da comuni-
dade. Observe-se que há pontos
que circulam entre várias comu-
nidades jongueiras, ao passo que
outros são mais restritos. O fato de
um ponto ser identificado com uma
comunidade, que o canta regular-
mente, não restringe seu uso.
Procurou-se representar na
transcrição os processos de alter-
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Este livro foi produzido


no verão de 2007 para o
Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional
dossiê iphan 5 { Jongo no Sudeste } 92

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


BIBLIOTECA ALOÍSIO MAGALHÃES

J79 Jongo no Sudeste._


Brasília, DF : Iphan, 2007.
92 p. : il. color. ; 25 cm. + CD ROM. – (Dossiê
Iphan ; 5)

ISBN – 978-85-7334-047-1
Bibliografia: p. 60 - 61.

1. Patrimônio Imaterial. 2. Jongo. 3. Patrimônio


Cultural. 3. Bens Culturais. I. Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. II. Série.

Iphan/Brasília-DF CDD – 394.3

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