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upert Murdoch que tantos nomes que os mais diversos Você é um grande defensor dessa nova
o perdoe, mas Alan especialistas têm dado à nova tran- economia em rede e digital. Então, co-
Moore é contunden- sição socioeconômica, talvez mais meço nossa conversa pelo ponto mais
te: quando o “furioso” extravagante do que a média, mas delicado desse novo paradigma e que
magnata da mídia, carrega um diferencial conceitual deixa nervosos empresários e exe-
controlador de um respeitável. Enquanto os outros cutivos, que é a expectativa de certos
império que abarca desde o inglês batizam esta era pelos fenômenos consumidores de que lhes sejam en-
The Times ao norte-americano The sociais e econômicos mais pal- tregues produtos e serviços sem que
Wall Street Journal, afirma que a jo- páveis, como economia em rede recebam remuneração em troca. Você
vem geração de consumidores quer (pelas redes sociais) e sociedade acha isso justo, exequível e, acima de
tudo de graça e que isso é insusten- digital (pela tecnologia), Moore se tudo, sustentável?
tável, ele está fazendo uma cortina refere a algo maior: a mudança é Em minha opinião, o que realmente
de fumaça para esconder seu verda- de mentalidade. deixa algumas pessoas nervosas –o
deiro incômodo: o de que, na nova Em entrevista exclusiva a Patrícia magnata da mídia Rupert Murdoch
economia, o poder está mudando Timoner, brasileira que foi por mui- é um dos que compartilham esse
de dono e saindo das mãos dos que to tempo acadêmica na Austrália nervosismo, irritação e fúria, por
muitos descrevem como cidadãos na área de mobile, Moore discorre exemplo– é a perda de controle que
Kane contemporâneos. sobre o mundo NSL, em que a so- elas têm da sociedade conectada
O britânico Alan Moore vem des- ciabilidade, como habilidade de se que emerge das tecnologias digitais.
pontando como o arauto da econo- socializar, passa a ser uma vanta- Essa conectividade está minando o
mia e da sociedade não linear (não gem competitiva fundamental para poder de Murdoch e outros e, assim,
em linha reta, na tradução ao pé profissionais e empresas. lhes é frustrante.
da letra de “no straight lines”), ou Agora, de acordo com Moore, o ra- Acho que é um erro presumir que
NSL, como ele chama informal e ciocínio e as ações no modo shuffle os consumidores esperam tudo de
sonoramente, e está escrevendo –alusão ao modo de tocar músicas graça. Apesar da abundância de in-
um livro sobre o tema, que deve em uma sequência aleatória e im- formações que você pode acessar
ser lançado este ano. “Não linear” prevista em mp3 ou CD players– vão digitalmente sem pagar, a maioria
poderia ser apenas mais um dos substituindo o paradigma linear do- entende perfeitamente que, se deseja
minante até agora, baseado em uma algo, tem de pagar por isso. Vejo por
progressão razoavelmente lógica, meus filhos, de 27, 21 e 12 anos de
A entrevista é de Patrícia Timoner, com causas e consequências. Moore idade.
Ph.D., consultora em estratégia digital, cita diversas empresas que podem Em sites como ebay.com ou itsy.
mobile e marketing interativo. Retor- ser consideradas exemplares, entre com [especializado em artigos para
nou ao Brasil em 2009, depois de por 12 as quais a Local Motors e a Grow VC artesanato], fica evidente que as pes-
anos coordenar e lecionar em cursos de (veja quadros das páginas 45 e 47, soas transacionam e criam valor de
graduação e MBA na Austrália. respectivamente). diversas maneiras, nada é gratuito. A
gratuidade recebeu atenção excessiva glesa, que passou achar o pedágio capital de risco com modelo de API
na economia em rede porque muita desnecessário duas décadas atrás, e [interface de programação de aplica-
gente a usou para ganhar visibilidade está mudando a percepção de valor tivo, na sigla em inglês] aberto.
e momentum no mundo digital. na nossa sociedade conectada, onde Essas empresas entenderam que,
O conceito de freeconomics é uma somos todos comerciantes. ao criar um modelo aberto que pos-
forma 1.0 de pensar sobre o mundo e sibilite a qualquer um entrar e fa-
a sociedade conectada, de olhar esse Eu também sou comerciante? Como zer parte daquela economia, estão
novo paradigma com lentes ajustadas assim? criando valor. Isso incita a pessoa a
pelo velho paradigma da sociedade Comercializamos nosso tempo, aten- dar o melhor de si. O que está em
industrial. ção, habilidades e misturamos tudo jogo é a possibilidade de redese-
Eu lhe garanto: o fato de os consu- isso de maneiras distintas e por ra- nhar todo o processo de criação de
midores quererem tudo de graça é só zões diferentes. Dez anos atrás, Doc valor, como o dinheiro entra e sai
fumaça; o xis da questão é o poder e o Searls [coautor de O manifesto da da plataforma de negócios.
controle mudando de mãos. economia digital, ed. Campus/Else-
vier] disse que mercados são conver- Por que as mídias digitais-sociais são
Esse barulho é principalmente por sações, e eu concordo. Pense no que tão mal compreendidas?
defesa de interesses? as pessoas fazem em um mercado: Porque muitos ainda não entende-
Sim, natural. Aquelas casinhas ao trocam conhecimento e informações, ram o que está na raiz de seu sucesso.
lado de pequenas pontes sobre ria- transacionam, divertem-se. É tudo Acredito que a espécie humana quer
chos e córregos que vemos quando conversa. As redes sociais online am- renegociar os relacionamentos de
viajamos pela Inglaterra costuma- plificaram isso. poder no modo como trabalhamos,
vam ser postos de pedágio há 20 como vivemos, como nos educamos,
anos; pagávamos uma taxa para Mas como se ganha dinheiro agora? como somos governados e como ne-
atravessar pontes. Quando não pu- A ordem é criar valor dentro de sua gociamos. Queremos recuperar nos-
deram mais cobrar, você acha que rede, como faz a Local Motors, mon- sa essência de ser humano e o mundo
seus donos não fizeram barulho? tadora automobilística que usa um 2.0, conectado, a viabiliza: cooperar e
Fizeram. Acontece que mudou a modelo de negócio do tipo código colaborar com os outros, atuar em to-
percepção de valor na sociedade in- aberto, ou a Grow VC, companhia de das as pontas.
Conheci Alan Moore por intermédio de Tomi Ahonen, especialista finlandês no universo
mobile. Alan talvez ainda não seja tão conhecido no Brasil, mas tem ótima repercussão
internacional. É tido como grande destilador de problemas complexos, um privilegiado
capaz de observar conceitos distintos, das mais variadas fontes, e encontrar a relação
oculta entre eles. Não à toa, a Microsoft lhe encomendou, há pouco mais de dois anos,
um artigo sobre o potencial e as possibilidades da sociedade mobile.
Alan também é famoso por lidar com o marketing construído em comunidades e
com conceitos como marketing de engajamento e de cultura participativa. Quando
trabalhava como VP internacional de criação de uma grande agência de publici-
dade, começou a perceber que a comunicação nas mídias tradicionais deixava de
fazer sentido, porque as pessoas do novo milênio querem estabelecer diálogos,
participar, relacionar-se, em vez de se manter mais passivamente no final da ca-
deia de distribuição. Seu mundo não linear, sobre o qual discorre nesta entrevista,
será o tema de seu próximo livro, No straight lines, com publicação prevista em 2011.
Britânico, Alan é diretor-executivo do Nicho Mass Media, firma de consultoria empre-
sarial especializada em engajamento e comunicação, sediada no Reino Unido, e profes-
sor visitante das escolas de negócios da University of Cambridge e da Oxford Univer-
sity, também nesse país. Entre outros livros, escreveu Communities dominate brands
(ed. Futuretext), com Tomi Ahonen, uma das maiores autoridades em mobile.
Essa essência foi reprimida pelas os funcionários estejam no Twitter. E Desafiar investidor não é agradável...
empresas nos últimos 150 anos, que então você compara essas empresas Não é. Um CEO tem de ser extrema-
nos impuseram o modelo separatis- com outras que proíbem o acesso a mente corajoso para se levantar e di-
ta de produtores e consumidores, redes sociais internamente, até mo- zer: “O modo como fizemos negócios
algo não natural, pois somos multi- nitoram, censurando, o uso delas pe- até hoje não faz mais sentido e é pre-
dimensionais. los funcionários em sua vida pessoal ciso repensar a estrutura que utiliza-
Acontece que, como diz Charles e deixam as mídias digitais alocadas mos”. Os investidores institucionais
Handy em Além do capitalismo [ed. marginalmente como mais um entre vão lhe perguntar: “Quer dizer que o
Makron Books], corporações são tantos processos de negócio. Acabam modo como você tem trabalhado não
extremamente jovens se compara- mantendo um perfil de funcionário funciona?”. Ele terá de responder que
das com nossas aldeias ancestrais. condizente com tudo isso. sim e poderá perder o emprego, além
Eu me refiro às que têm apoiado a do fato de que as ações da empresa
humanidade por milênios e que têm E qual é o risco de não mudar a men- patinarão por um tempo...
essa essência. talidade? Há questões bastante complexas
No curto prazo, ocorrem todos os ti- para as empresas, principalmente
Por que tantas empresas enxergam pos de problema, como a comunica- quando pertencem a investidores
a situação atual quase como um beco ção com os consumidores e a perda institucionais e estes influenciam
sem saída? de receita. Você não pode ficar ven- sua gestão. No entanto, em minha
Não sei se elas a enxergam assim de do seu modelo de distribuição ser opinião, um CEO responsável não
fato, mas não faltam excelentes exem- destruído pelas tecnologias digitais pode deixar de pelo menos levan-
plos de outras companhias que estão sentado e de braços cruzados; tam- tar essa questão, mesmo que a con-
encontrando as saídas na sociedade bém não adianta tentar empurrar o clusão seja a de que ainda não é o
momento oportuno para mudar o
modelo de negócio.
“um ceo tem de ser extremamente corajoso O que quero dizer é que essa nova
para se levantar e dizer: ‘o modo como maneira de fazer negócios da socie-
dade conectada pode não ser funda-
fizemos negócios até hoje não faz mais mental para o processo de negócio
hoje, mas, em algum momento, terá
sentido e é preciso repensar a estrutura’” de se tornar parte do dia a dia e isso
não acontecerá espontaneamente.
conectada, como a varejista norte- gênio de volta para dentro da garra-
-americana BestBuy. Observando ou- fa, porque infelizmente ele está fora O que as empresas mais cautelosas
tras empresas, eles perceberam que e não há como voltar atrás. Você devem fazer?
muitas delas não estavam acertando precisa se levantar e abordar isso. Em primeiro lugar, elas devem en-
o jeito de fazer negócios no mundo tender que ter uma estratégia digi-
conectado e criaram uma figura cha- A Zappos, a Local Motors e a Grow VC tal –de banners, links patrocinados
mada twelper, ou Twitter helper [au- são crias da era digital e a BestBuy é etc.– ou de mídia social –presença no
xiliar de Twitter]. Seus funcionários muito agressiva em seu marketing. Facebook, no Twitter e por aí vai– é
competem para ver quem responde Você não teria uma empresa mais pouco. Agora é necessário que come-
mais rápido às questões dos clientes “normal” para dar como exemplo de cem a incorporar sociabilidade.
enviadas por essa rede social. alinhamento digital? Isso significa que têm de promover
Muda a mentalidade, percebe? Para Sim, a Lego. Ela elevou o conceito e incentivar as pessoas, de dentro e de
pôr todos seus funcionários livres no de sociabilidade e cocriação com fora da organização, a ser sociais por
Twitter, você precisa acreditar re- seus clientes a um patamar que lhe compreenderem que isso realmente
almente em competitividade. Todo permite entregar valor real de di- adiciona valor ao negócio. Esse “agir
mundo fala em competitividade, mas versas maneiras. socialmente” pode funcionar na área
um DNA competitivo para valer pres- A realidade, porém, é que muitas de pesquisa e desenvolvimento, como
supõe que você, quando trabalha com empresas continuam sendo con- cocriação, ou em uma recomendação
uma pessoa, queira que ela tenha tan- cebidas e construídas em torno da de serviços online.
to sucesso quanto você. Os executivos mentalidade vigente nos últimos
da BestBuy entenderam muito bem 150 anos, porque é preciso enfren- Por que a capacidade de se socializar
a nova mentalidade, assim como a tar os investidores para romper com é tão importante? Será porque, como
Zappos, onde é obrigatório que todos o velho paradigma. diz Ted Shelton, é preciso que ideias
diferentes façam sexo para que pro- tems, diz que os mil blogueiros da nem sempre seu amigo pode lhe dar
criem? [risos] empresa fizeram mais para a Sun o melhor conselho.
Richard Sennett, no livro O artífice do que uma campanha publicitária
[ed. Record], afirma que, se a habili- de US$ 1 bilhão. No Brasil, um estudo do professor
dade artesanal existir dentro de um Então, sua empresa prefere pos- Sérgio Lazzarini, do Insper, mostra
sistema de conhecimento fechado, suir um departamento de marketing que a maioria das grandes empresas
esse ofício tende a morrer de fome, de cinco pessoas ou quer contar com tem acionistas comuns, que se rela-
porque, sem diversidade de informa- 500 funcionários dedicados à ativi- cionam diretamente, no que é chama-
ções, não há alimentação. dade e todos eles estão no Twitter, do de mundo pequeno –os lendários
escrevendo blogs ou usando alguma seis graus de separação na prática. É
Então, as pessoas –os funcionários– ferramenta de comunicação social? uma sociabilidade off-line, entre acio-
adquirem um novo status de fato, e nistas. O que você está dizendo é que
não de discurso, mediante seus em- Sociabilidade impacta a gestão? agora o principal requisito é uma so-
pregadores... Sem dúvida! Na internet, por exem- ciabilidade online e de todas as pes-
Sim! Digo sempre a empresas e plo, as empresas são realmente bem- soas da empresa?
gestores: em vez de ficarem só -sucedidas quando estão conectadas É uma sociabilidade de todo mundo,
no balanço de perdas e ganhos, a outras e compartilham dados e mas tanto off como online. Muitas
investiguem quais são os recur- informações. Isso pode ser ilustrado companhias já estão misturando a
sos que têm que podem se tornar pela Rummble, que oferece um servi- sociabilidade do mundo off-line com
seus verdadeiros trunfos. Jonathan ço móvel que essencialmente se resu- a do online. É um erro fazer como
Schwartz, CEO da Sun Microsys- me a dar conselhos. Todos sabem que uma empresa que conheço, que usará
50% da verba mundial de marketing Explique como você define os pensa- para o 20, os indivíduos já estavam se
anual em estratégias digitais, tirando mentos linear e não linear nos negó- sentindo desconectados uns dos ou-
isso de potenciais iniciativas off-line. cios, por favor... tros pela escala de mudanças trazidas
Eu a alertei de que está cortando a Sempre que está pensando em uma pela Revolução Industrial.
eficácia de seu orçamento mundial forma linear, você pensa em pa- As pessoas perderam a identidade
de marketing pela metade. drões, sistemas fechados de distri- ou a estão atribuindo mais a objetos
buição, controle, como obter o má- do que às conexões com outras pes-
É isso que as empresas devem fazer ximo no menor tempo possível, os soas. Prova disso é o crescimento da
para continuar a existir nesta socieda- resultados do trimestre. As empre- área de branding, um esforço imenso
de diferente que se impõe a cada dia? sas não lineares nem nos números para conferir autenticidade, valor e
O fundamental, em minha opinião, é do trimestre pensam, pelo menos significado a objetos. Agora, temos de
as empresas e os gestores entende- não do mesmo jeito. parar para pensar sobre como vamos
rem que o pensamento linear para Elas querem fazer o negócio cres- viver, trabalhar, comercializar, go-
por aqui. Ele está sendo substituí- cer organicamente, no longo prazo, vernar e aprender de maneira mais
do pela sociedade sem linhas retas o que é o oposto de atingir metas de propícia e pertinente a nós, como
[no straight lines society], como a crescimento trimestre após trimestre. seres humanos. Antidepressivos não
chamo. Hoje já existe um modo de Não que não tenham metas, apenas resolverão o problema.
pensar os negócios e processos que é estas não são definidas de maneira Insistimos em pensar e agir como a
muito mais eficaz, eficiente e susten- tão absurdamente estruturada. Co- máquina da era industrializada, que
tável. Meu novo livro é exatamente locam uma pressão terrível sobre as é eficiente por definição. No entanto,
sobre isso. empresas para atuarem com prazos como alguém já disse, a natureza é
A Local Motors é um dos melho- que simplesmente estão errados. muito ineficiente; só que ela é alta-
res cases atuais desse pensamento mente eficaz. Estamos negando a na-
não linear, dessa mentalidade em E uma pressão terrível sobre as pes- tureza, o que não é bom.
modo shuffle. Ela refez o processo soas, que nas pesquisas se declaram
de produção inteiro para entregar cada vez mais infelizes... Mas como se começa a cultivar a nova
um automóvel excelente de manei- É um sentimento de descontentamen- mentalidade?
ra leve, sustentável e flexível/adap- to refletido no desafio da construção de Empresas e seus gestores têm de res-
tável, incorporando as redes sociais nossa identidade neste corrido mundo ponder a quatro perguntas-chave:
em tudo –e não parou para desen- moderno. E isso não tem acontecido
volver uma estratégia de mídia so- apenas nos últimos 20 anos; vem de 1. “Como podemos nos tornar mais
cial específica. longe. Mesmo na virada do século 19 atraentes a nossos clientes?”